CORAO, CABEA E ESTMAGO

Uma praga rogada nas escadas da frca, de Camilo Castelo Branco

Fonte:

CASTELO BRANCO, Camilo. Uma praga rogada nas escadarias da frca. So Paulo : Logos, 1959. p. 53-70 (Antologia da Literatura Mundial).

Texto proveniente de:

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

A Escola do Futuro da Universidade de So Paulo

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Simone Rosales - Porto Alegre RS

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UMA PRAGA ROGADA NAS ESCADAS DA FRCA

Camilo Castelo Branco

ste romance no dever chamar-se "romance". Desde que esta palavra o atilho onde se enfeixam as mentirosas invenes do escritor fantstico, no h histria verdadeira que possa, como tal, recomendar-se com aqule ttulo.

stes acontecimentos, expostos aqui, segundo o formulrio romntico, e afeioados s leis do estilo romntico, so verdades que no deram brado, nem se agravaram na memria da gerao que as viu e as no compreendeu.

Na vida moral da sociedade h fenmenos cuja causa ningum estuda. No drama da famlia h lances que so do domnio pblico, e o pblico no pode, ainda que o tente, explic-los. Nas atribuies individualssimas do homem h fases extraordinrias de sofrimento, que esta sociedade de entranhas cruis lhe recrimina, reputando-lhes efeitos necessrios das causas, conseqncias do crime voluntrio.

A sociedade, a famlia, e o homem expiam incessantemente a culpa do homem, da famlia e da sociedade. Opera-se uma contnua redeno do gnero humano. O homem , desde o seu princpio, a vtima da culpa com o lbio colocado no clice da agonia.

A vida sbre a terra uma interminvel expiao. Eu pago pelos crimes do meu pai, meus filhos expiando meus crimes, e o ltimo ser vivo da animalidade inteligente ser o holocausto do primeiro homem criminoso. foroso recorrer ao inconcebvel, ao sobrenatural, ao misticismo da providncia oculta para compreender o que vulgarmente se diz "fatalidade".

Na histria, que vai ser lida, to sensvel esta necessidade, to aterrado se sente o esprito diante de um fato consumado, que eu no tive escrpulo religioso ou filosfico em subordinar um encadeamento de infortnios de uma famlia praga rogada nas escadas da frca.

- I -

Bernardo Silva era um filho bastardo de um pobre de Vizeu. Do ventre materno passou roda dos expostos e da aos cuidados duma pobre mulher d'aldeia.

Aos dez anos no conhecia pai; e sua me, mulher do povo, arrastada sbre a lama da plebe tda a sua vida, morrera com o segrdo do nobre, que se dignara descer at ela para honr-la com desonra.

Bernardo, aos dez anos, era aprendiz de alfaiate, e de todos os seus companheiros era le o mais desprezado, porque tambm era o mais preguioso.

O rapaz vivia triste como se a idade lhe permitisse compreender a dor imensa dum grande desastre. L dentro daquele corao infantil falava uma profecia fnebre. Com os olhos sempre extticos no horizonte negro do seu futuro, o pobre mo no tinha uma hora livre para o trabalho. Muitas vzes uma bofetada acordava-o daquele letargo; e o brao, que estava suspenso com a agulha, continuava a tarefa molhada de lgrimas.

Aos 13 anos, era ainda um aprendiz de alfaiate, repelido dste para aqule mestre, desacreditado em todos, e intilmente espancado por todos. Chamavam-no incorrigvel, e le mesmo conheceu que o era.

Abandonou a agulha, e foi servir em casa de Francisco de Lucena. Era, a, como em tda parte, conhecido pelo "Bernardo Enjeitado". Nunca ningum se lembrou, alguma vez, de que um dos seus muitos filhos, atirados roda, poderia ser seu lacaio.

Bernardo era criado de tbua.

- II -

ste ofcio era-lhe mais generoso que o de alfaiate. Tinha muitas horas livres para sua melancolia, e muitos esconderijos no amplo palcio de seu amo para refugiar-se duma sociedade que le detestava sem saber por qu.

ste viver excepcional naquela galhofeira, estrdia, e estragada, excitou a curiosidade dos seus companheiros, e, depois, a dos amos. Aqules chasqueavam-no com desabrimento: stes admiravam-no por compaixo.

Bernardo chorava sem motivo. Sorria-se com violncia. Era humilde com um no sei qu de estranha delicadeza. Destacava-se da sua classe com um ar orgulhoso, mas no calculado. Cumpria as suas muitas obrigaes, e ningum sabia quando as cumpria. Estas qualidades, rarssimas vzes encontradas num lacaio, tornavam-no assunto de estudo para os amos, que principiavam a interessar-se na anlise daquele obscuro enjeitado.

Guardadas as inauferveis distncias que separam o senhor do servo, os fidalgos souberam que Bernardo desejava muito saber ler, e gastava a maior parte da noite soletrando o abecedrio, decorando as lies que o mordomo da casa lhe dava nas horas de desenfado.

Qualquer que fsse o impulso que a isso o levou, certo que o amo, por um nobre impulso, permitiu que o rapaz fsse a uma escola, e para isso aliviou-o dos encargos de mo de tbua, e elevou-o hierarquia de escudeiro do menino mais velho.

- III -

Um ano depois, Bernardo fizera admirveis progressos. Lia com inteligncia do que lia; escrevia com acrto, e aprendera s consigo a gramtica portugusa, visto que seus amos lhe tinham permitido esta segunda parte dos seus estudos. Seria um caprichoso luxo permitir ao servo cincia que os amos no tinham! O Senhor de Lucena no daria o menor dos seus galgos pela vasta cincia do Lobato. E, talvez, tivesse razo.

Em casa de fidalgo desta bitola, quando um criado adquire a confiana dos amos, h sempre para isso uma de duas razes. Ou o criado, devasso como les, encobre astuciosamente as devassides dos amos; ou se torna estimvel pelo z\~elo honroso com que procura encobrir-lhas, j que no pode repreender-lhas.

Bernardo estava na segunda razo. Os filhos de Lucena eram livres e desmoralizados a no poder ser mais. Quiseram captar a benevolncia do servo, no para aconselh-los, que no desciam les a isso, mas para acompanh-los em emprsas difceis, daquelas em que o brao do plebeu muitas vzes a salvao das costas do fidalgo.

No o conseguiram nunca; mas tambm no tiveram de arrepender-se da confiana dsse convite. Bernardo exercia uma influncia admirvel sbre os nobres libertinos. Era a superioridade da inteligncia. Ouviam-no, e maravilhavam-se do acrto das suas idias, e da linguagem escolhida com que o enjeitado se saa! O fato de ser enjeitado era em Bernardo, talvez, um motivo de superstio naquela casa. Se le fsse reconhecido filho dalgum borra-botas, como em linguagem nobilirquica se chama um plebeu, decerto lhe no dariam a importncia de o considerarem pela inteligncia. Mas o mistrio, a possibilidade de ser vergntea infeliz dum tronco ilustre, cingiam-lhe a fronte duma aurola entre nuvens, que poderia talvez, mias tarde, dissipar-se, e deixar na plenitude da sua luz aqule fruto do amor criminoso d'alguma raa nobilssima, mais ou menos aparentada com os Lucenas!

Tudo isto era possvel; mas o que les julgariam, entretanto, impossvel, o que vai ler-se.

- IV -

A famlia que Bernardo servia compunha-se de pai, me, trs filhos, e uma filha, de todos os irmos a mais nova. Por ento contava quinze anos. Era bonita, mas pobre. Os morgados no a pediam; os filhos segundos tambm no; e a sensvel menina precisava amar, porque o seu corao era da tmpera daqueles que no sabem conceber smente o amor com a condicional do casamento.

Eullia no tinha a mais superficial tintura de instruo, e por isso no podemos, em boa-f, chamar-lhe romntica. No era janeleira, nem rapinhava da papelaria dos irmos o perfumado papel-cetim para depsito de sensaborias amorosas, e por isso no podemos chamar-lhe doida.

Era uma mulher, e nisto est dito tudo.

ste Bernardo que realmente se parecia muito com os nossos poetas de aspiraes ferventes e meditaes profundas. Mas no era impostor, nem romnticamente parvo. O rapaz tinha uma alma como poucas, e uma tristeza inconsolvel como nenhuma. "A minha organizao - dizia le - um abrto, uma enfermidade incurvel".

Eullia simpatizava com aquela tristeza, e com a figura do rapaz. Achava-lhe traos de semelhana com seus irmos, e via nle o que ela chamava "cara de pessoa de bem". E, conquanto eu deteste esta maneira de classificar as caras, porque no conheo as "caras de pessoas de mal" tenho-me visto em circunstncias foradas de dizer o mesmo, porque h neste val de lgrimas umas caras que no exprimem bem nem mal, e essas so as piores caras.

Bernardo no se lembrou nunca de fazer sentir cozinheira da casa, e menos se lambraria de acender o fogo do amor no ilustre corao duma Lucena, com quem em tda a sua vida falara trs vzes.

Eullia passou da doce simpatia ao amor abrasado, e do amor abrasado paixo violenta. Por mais finos e eloqentes olhares que a fogosa menina lanou ao escudeiro, o escudeiro, ou no dava por les, ou explicava-os de qualquer modo, contanto que no ousasse ensoberbecer-se daquele fato disparatado. E Eullia desesperava-se!

- V -

Francisco de Lucena espreitava a oportunidade de empurrar a filha para fora de casa. Aspirou, primeiro, aos morgados; mas encontrou-os pouco apreciadores de formosura e fidalguia. Recorreu, depois, aos burgueses ricos, e encontrou um negociante dalto bordo, que recebeu a proposta com afabilidade e trabalhou desde logo em levar a fim um casamento que permitia aos filhos de seu filho apelidarem-se Lucenas.

O pai anunciou filha o seu rico futuro, e encontrou-a fria. Apresentou-lhe o noivo, e viu-a enjoada. O noivo, porm, era um rapaz de fina educao, d'alguma inteligncia, de brios que o ouro lhe estimulava, e de orgulho superior sua classe, porque, h 50 anos, a classe comercial era muito humilde, suposto j trabalhasse para esta poca de bares comerciais, que, digam l o que disserem, o mais palpitante triunfo da democracia. Para me no meter em graves questes sociais, entenda-se que D. Eullia repeliu a felicidade que seu pai lhe anunciara com tanto jbilo, e declarou-se sentimental, por tempo de quinze dias fechada no seu quarto, sem querer ver sol nem lua.

Mas o pai apoquentava-a, sempre que podia, pintando-lhe a mesquinhez do seu futuro, e a pobreza de sua legtima, que oraria talvez por trs mil ducados. E era isto verdade.

- VI -

E o pior era que o tal Joo Leite, noivo repelido, ficou amando desesperadamente D. Eullia. Ferido no seu amor prprio, e envergonhado de to m estria, instava com Francisco de Lucena, lanando-lhe em rosto a imprudncia com que viera roub-lo sua tranqlidade, no podendo contar com a obedincia de sua filha. Esta maneira de acusar vexava Francisco de Lucena, porque era pr em dvida o seu poder paternal, e chamar-lhe fraco, imputao que le odiava, ainda mesmo que se tratasse de vencer a repugnncia de uma fraca menina.

Redobravam as mortificaes, e Eullia, imvel como o seu infeliz amor, oferecia-se de bom grado vingana paternal, mas dizia, em linguagem trgica, que s reduzida a cadver passaria para a posse do tal miservel, que no tinha vergonha de perseguir uma mulher que o desprezava. O pai realizou o dito popular: "casar, ou meter freira." Eullia optou pelo segundo, e os preparativos para entrar no convento principiaram.

O amor faz a mulher varonil. Temos visto almas de lama apresentarem uma energia corajosa, quando o tnico do amor lhes vibra as cordas embrionrias dum corao, que parece arfar de improviso ao repentino choque, ao rapto da paixo violenta.

Nas vsperas da sua entrada no mosteiro, Eullia escreveu trs cartas. Uma a seu pai. Dizia-lhe que amara um s homem, e viveria dsse amor desgraado tda a sua vida.

Outra ao escudeiro. Dizia-lhe que tivesse compaixo dela, e chorasse uma lgrima em troca das que ela chorara, e choraria at a morte.

Outra ao seu implacvel pretendente. Dizia-lhe que o amaldioava com todo o dio do seu corao. Que lhe atirara a cara com um no, e nem assim o envergonhara de continuar a perseguir uma mulher.

Esta correspondncia conservou-a Eullia at o momento em que transps o limiar do convento. O seu primeiro ato foi dar-lhe o destino competente. Depois, chorou, chorou, e atraiu em volta de si os carinhos da comunidade, que a mortificava com as suas frias consolaes.

- VII -

Francisco de Lucena recebeu com espanto semelhante carta.

Bernardo da Silva embruteceu-se ao ler a sua.

Joo Leite deu quatro murros numa mesa, e sentiu-se suspenso no ar por uma legio de demnios raivosos.

Cada um fz seu papel; mas todos trs reunidos deviam formar um grupo digno da melhor caricatura indita!

Francisco de Lucena correu ao locutrio do mosteiro, e fz ali aparecer imperiosamente a filha.

Quis for-la a declarar o nome do homem que a preocupara at a fazer m filha. No lhe arrancou a menor revelao. Foi por outro caminho para chegar ao seu fim. Fz-se sentimental; lamentou, como com pai, as paixes invencveis duma filha que se preza com extremo carinho; contou histrias anlogas, que acabavam tdas por casamentos desiguais, mas nem por isso menos venturosos. Pediu a sua filha o nome dsse homem que a impressionara, e fz-lhe antegostar a possibilidade de casar-se, se no viesse dali uma absoluta desonra para a sua famlia.

O amor faz heris, mas tambm faz patetas. Eullia desceu da sua altiva energia ao raso da toleima. Declarou o nome...o nome de quem? O nome, sem nome, do enjeitado, do aprendiz de alfaiate, do lacaio, do escudeiro!...

Que horror!

Nunca se viu um solavanco mais desamparado que o salto de tigre que Francisco de Lucena deu contra a grade que o separava da filha! Por Deus! Que a esgana se lhe chega! A pobre menina arrepiada como quem v um lbo com as faces vermelhas, e as unhas recurvas, foge pelo dormitrio, e fecha-se no quarto.

- VIII -

Lucena correu a casa com os olhos injetados de fogo. Precisava duma vtima! Encontrou no caminho Joo Leite, mas ste no podia justificadamente ser sua vtima. Joo Leite mostra-lhe a carta que recebera de Eullia. Isto foi exacerb-lo. "No se lhe d de ser repelido por essa infame - lhe disse le. - Eu vou provar-lhe que sou pai!... Essa mulher amava um escudeiro... um lacaio... um enjeitado..."

Entrando em casa, procurou o "enjeitado". Encontrou-o ainda estpidamente absorvido na meditao daquela carta. A entrada rpida que fz no quarto no deu tempo a que Bernardo escondesse a carta que tinha aberta nas mos trmulas. Lucena arrancou-lha com uma convulso de raiva superior fria dum demente. Passou-a pelos olhos, e, sem articular um som, lanou mo duma cadeira, e, segunda pancada, Bernardo tinha a face coberta de sangue. Era um sangue inocente que reclamava justia. Era um sangue inocente que pedia a interveno de Deus. A justia, filha legtima do cu, vir mais tarde salpicar daquele sangue a face de quem o derramava.

Bernardo, ferido, e pisado de sucessivas pancadas, no pronunciara uma s palavra durante ste infernal martrio. Impelido por pontaps, foi lanado fora da porta do quarto. As fras faltaram-lhe. O sangue corria a jorros. Esvaiu-se a cabea, e caiu.

O fidalgo chamou dois criados, e mandou pr aqule homem fora da porta. Era ao anoitecer. O enjeitado foi arremessado rua. Quando recuperou os sentidos, achou-se frio. Ergueu-se. Olhou com os olhos da alma para a sua conscincia, e sentiu pela primeira vez vontade de sorrir da sua desgraa pelos lbios molhados de fel.

E riu-se. Era um sorriso semelhante ao dos anjos. As almas que podem sorrir assim so as que Deus elege para a santidade da bem-aventurana.

- IX -

Bernardo procurou um refgio em casa de uma mulher pobre que o tratara sempre com amor, matando-lhe a fome, quando a aprendizagem de alfaiataria no valia o po de cada dia. Esta mulher fra ama da roda no tempo em que Bernardo l fra lanado. Supunha ela que talvez o tivesse alimentado ao seu seio por algumas horas, e esta s conjectura atraa-a para le com instinto maternal.

O enjeitado curou-se dos leves ferimentos, e pediu a Deus que lhe inspirasse um destino. Esperou.

Em Vizeu, falava-se muito dste sucesso, divulgado por Francisco de Lucena, e por Joo Leite.

Bernardo era procurado para ser punido, e quem mais diligncias fazia para isso era o juiz de fora Paulo Botelho.

O honrado mo, quando se viu na penosa situao de agenciar a sua vida, por no poder sair da pobre casa em que vivia, impelido pela sua inocncia, procurou o juiz de fora e exps-lhe com a mais eloqente naturalidade a injustia com que fra maltratado, e com que estava sendo perseguido.

Paulo Botelho quis espanc-lo com um chicote por ter tido a audcia de entrar em sua casa sem ferros nos ps. Olhou em redor de si procurando um aguazil para faz-lo prender traioeiramente; mas o generoso mancebo, adivinhando-lhe as intenes disse que no precisava fingir-se; que le dava a sua palavra de honra de no retirar-se da casa em que estava vivendo, e que mandasse sua senhoria captur-lo quando quisesse. O juiz riu-se da palavra de honra na bca dum criado de servir, e mandou-o embora, por no ter a propsito um meirinho.

Bernardo encontrou, ao retirar-se, nas escadas do ministro, Joo Leite, que apeava duma liteira, segundo o uso dos nobres, comprado pelo ouro do burgus opulento.

Joo Leite fixou-o com ar de soberano desprzo e perguntou-lhe:

- s tu o lacaio de Francisco de Lucena?

- Fui o lacaio do Sr. Francisco de Lucena - respondeu Bernardo com dignidade.

- E tens o atrevimento de aparecer entre pessoas de bem?

Bernardo sufocou uma resposta amarga, e fz uma continncia respeitosa para retirar-se.

- Vem c, miservel! - tornou Joo Leite. - Tu s o amante da filha do teu amo?

- Respeitei-a muito, por ser filha de meu amo, enquanto o servi. Hoje respeito-a, porque lhe no conheo a menor falta que a desonre!

- Nem ao menos a desonra de receber as tuas afeies, lacaio?

- Eu no lhas ofereci nunca, senhor.

- Ofereceu-tas ela, sevandija?

- No, senhor.

- Mas ela escrevia-te...

- Sem ser criminosa, por isso...

- Ento achas que no crime escrever a um bandalho?

- Ser, se V. S. o quer...

- Tenho pena de sres um rptil que faz nojo esmagar com a sola da bota! Se tivesses um nome...

- Tenho um carter, senhor!

Bernardo respondeu com altivez; Joo Leite riu-se com desprzo, e olhando-o da cabea aos ps, replicou:

- Tu sabes que no podes ter carter, enjeitado!?

- Ento, terei um brao...

- Um brao! - atalhou o fidalgo em projeto, imprimindo-lhe um valente pontap, que o fz descer trs escadas maquinalmente.

Bernardo assumira tda a dignidade do homem de corao ultrajado. Joo Leite achou-se comprimido entre os braos do sevandija que le supunha fugir ao primeiro pontap para evitar o segundo.

Quis desfazer-se, de pronto, dste empecilho, e no pde, porque os ps falsearam-lhe, e as costas bateram-lhe com todo o pso sbre os degraus de pedra. Tirou rpido de um punhal, e roou, com le duas vzes sbre o brao direito de Bernardo, que o desarmou, no ato que uma terceira punhalada lhe resvalara no peito. O enjeitado sentiu-se ferido: vacilou um instante na resoluo que se debatia entre o homicdio e o perdo. Venceu o primeiro. Aqule punhal tinto de sangue inocente, pela segunda vez, derramado, entrou no corao de Joo Leite, e matou-o.

Isto foi obra dalguns segundos, Joo Leite gritara nas convulses da morte; acudiram os criados, e encontraram Bernardo da Silva, de braos cruzados ao p do cadver, que vibrava nos seus derradeiros estorcimentos.

Paulo Botelho tambm acudiu. Primeiro recuou aterrado; depois gritou "Matem sse homem!" E vendo que ningum de pronto lhe aceitava o diploma de assassino, mandou-o carregar de ferros.

Bernardo caminhou para o crcere, com a fronte altiva, com nobreza de passo, com serenidade de conscincia e maneira dum prncipe, segundo a linguagem popular dos que o viram.

- X -

Foi processado. Paulo Botelho desenvolveu uma espantosa energia no andamento desta causa crime. Erguia-se todos os dias, sfrego de escrever uma sentena de frca.

Os depoimentos eram todos contrrios ao infeliz. Um s homem protegeu sse prso; sabia-se que era um ancio que lhe levava umas sopas diriamente, e palavras consoladoras de esperana sem esperana.

Eullia, sabendo stes acontecimentos at vspera do dia em que o escudeiro, devia ser condenado, requereu que queria ser ouvida em juzo. No lhe admitiram o seu depoimento. A pobre menina, inspirada da eloqncia do martrio, entrou um dia no cro, quando a comunidade orava, e invocou o testemunho de Jesus Cristo, exclamando, de modo que a escutasse o povo que estava na igreja:

- Declaro que sse infeliz homem que vai morrer, depois de martirizado por meu pai, e apunhalado por um homem que eu desprezei, declaro diante de Deus e dos homens, que sse infeliz nunca me disse uma palavra s para que eu o amasse. Fui eu que o amei, fui que o fiz desgraado, mas em recompensa hei-de am-lo tda a minha vida, e hei-de unir-me a le na presena de Deus! - Era uma demncia!

Foi grande o assombro dos que a ouviram. O eco dste grito chegou aos ouvidos de Paulo Botelho, que estava presente; mas a sua alma fra cerrada pela mo corrupta do ouro. O povo murmurava, e dizia que no devia de ser enforcado o escudeiro.

Pobre povo, naqueles dias, se tentasse tirar das mos dum juiz o seu instrumento inaufervel, o carrasco!

- XI -

Bernardo foi condenado pena ltima. Ergueu-se uma frca nas proximidades do delito entre a casa do juiz e a de Francisco de Lucena.

Eullia exaltara-se no martrio at causar receios de loucura. Inspiravam-se de uma dor de morte as exclamaes pungentes que soltava a cada rudo que ouvia semelhante ao arranco retrado dum justiado. O espetculo da frca era a sua idia fixa desde o momento que uma religiosa imprudente lhe anunciou o destino de Bernardo da Silva.

A infeliz, na madrugada do dia da execuo, fugiu da cela com os cabelos em desordem, com as faces chamejantes de febre, com os olhos embriagados de delito, e com o corao a estalar-lhe de uma dor que a endoidecia.

Chegando portaria no houve fras humanas que a contivessem. Os ferrolhos cederam ao impulso duma fraca mulher, forte da sua desesperao; e esta virgem, com hbitos de novia, e bela, na sua agonia, como um corpo epilptico que se levanta amortalhado do esquife, corria por entre as multides que principiavam a aglomerar-se para testemunharem o desconjuntar dos ossos do pescoo dum padecente entre as mos do carrasco, seu irmo, ambos filhos do mesmo Deus, ambos reunidos pelo sangue do mesmo Cristo.

Viram-na as multides passar; muitos a conheceram: alguns pronunciaram o seu nome, mas aquela pomba, ferida de morte, era um cadver que se movia impelido pelo choque da pilha galvnica.

Erguera-se um alarido na cidade. As turbas corriam na direo da infeliz, a quem chamavam douda; mas no ousou algum embargar o passo quela mulher que parecia fascinar com a majestade da sua demncia.

Os que a seguiam esperavam v-la entrar em casa de seu pai. Enganaram-se, Eullia subiu as escadas de Paulo Botelho, e entrou no salo onde fra lavrada a sentena de cadafalso para Bernardo da Silva.

Paulo Botelho estremeceu na cadeira, quando viu aquela alvejar de uma larva, ajoelhada nos degraus da tribuna.

Deu-se um profundo silncio de alguns minutos.

Eullia j no podia coordenar as idias que poucos dias antes clamara no cro. O sorriso da loucura, o gemido sufocante, uma lgrima embebida logo no ardor das faces, e algumas palavras entaladas, e apenas inteligveis, eram alternativas que a tornaram mais lastimvel durante alguns minutos.

A mulher e trs filhas de Paulo Botelho, que a viram entrar, correram ao tribunal, e quiseram arrast-la dali. Era impossvel. A esttua parecia chumbada sbre o seu tmulo.

A famlia do juiz julgou conveniente empregar o insulto como soluo. Falavam do justiado com certa nusea, que elas supuseram ser o blsamo para a ferida mortal de Eullia. Paulo Botelho, coadjuvando as razes da sua famlia, cobria de improprios afrontosos o homem que, pouco depois, havia de perdoar as injrias com a cabea no lao da frca.

A exaltao aflitiva de Eullia tinha tocado o ponto culminante da morte, ou da alienao irremedivel.

- Inocente! Inocente! - eram os gritos nicos, as derradeiras palavras que os lbios daquela mulher tinham de proferir.

- XII -

Nesta momento entrou um homem que redobrou o espanto. Era Pedro Leite, pai de Joo Leite.

ste homem fz sinal de querer falar. Atenderam-no todos com religioso respeito.

As suas palavras foram estas:

- Perdo ao assassino de meu filho! O sangue dsse homem cair sbre a minha face! Matou defendendo-se dum agressor infame! Senhor juiz de fora, requeiro a suspenso da execuo da sentena. Eu sou parte, e declaro inocente o ru!

Seguiram-se minutos duma estupefao natural. Eullia voltou os olhos para o homem que falara, quis arrastar-se de joelhos aos ps dle; no pde; a impresso devia mat-la, ou ressuscit-la...desmaiou a meio caminho.

O juiz era o algoz moral criado pelo ouro, assim como o carrasco fsico fra criado pela lei. No podia eximir-se a pegar do cutelo, e seguir seu caminho.

- tarde! - respondeu le.

- No tarde! - replicou Pedro Leite, e continuou com solene exaltao: - Tarde, senhor juiz, depois que o tribunal do mundo se fecha atrs dequele que vai entrar no tribulnal de Deus! Tarde, quando um juiz de entranhas ferozes se apresenta no banco dos rus condenados com a face borrifada de sangue inocente!

- Basta! - exclamou Paulo Botelho com autoridade.

- Pois sim... basta! Mas, abaixo de Deus, invoco o testemunho das pessoas que me escutam. Declaro que lavo as mos dste sangue inocente que vai ser derramado!

O povo murmurou com acanhamento, com a conscincia cobarde da sua nulidade, mas balbuciou no sei que palavras que irritaram o juiz.

- No se trata s de punir o assassino de Joo Leite! - exclamou o juiz - Trata-se de castigar a afronta que recebeu um nobre, feita por um lacaio que ousou levantar olhos de mamnte para sua filha!

- No, no! - gritou Eullia, erguendo-se com mpeto, com as mos postas, e caindo outra vez sbre os joelhos.

O cnico j no tinha coragem para tanto! Soara a hora do ltimo mandato do carcereiro. Expirara o ltimo instante de oratrio.

- Cumpra-se a lei!

Disse o juiz, e fz meno de retirarem-se as ondas de povo que tinha concorrido em tropel, chamadas pelos gritos de Eullia, e pelo perdo pblico de Pedro Leite.

Eullia foi conduzida em braos para o interior da habitao do juiz.

- XIII -

A procisso onde a imprudncia colocara um Cristo, o Deus da caridade, nas mos dum padecente, que ia ser esmagado!... a procisso, onde se via um homem de tnica branca, um algoz de cutelo e alcfa, alguns sacerdotes dum Deus misericordioso!... A procisso descia terrvel de repulsiva solenidade para o aougue daquela rs! A tumba da misericrdia fechava aquela orgia de sangue! Era um insulto a Deus! O cadver dum homem atirado face do Criador! Um escrnio satnico inteligncia, e ao corao da humanidade!

O prstito parou na praa do sacrifcio.

Bernardo com os olhos fitos no cu via nascer a risonha aurora da eternidade. Sorriam-lhe os anjos, e a justia de Deus mostrava-lhe o seu regao. A morte do justo era um crepsculo de nova existncia a alumiar-lhe o rosto. Inspirava devoo aqule seu santo sorrir para o seio do cu que lhe abria! Trazia nas mos a imagem do Redentor; mas l em cima via le o Esprito Criador, a grande alma, onde se refugiam as almas dispersas na face dste mundo, e perseguida pelo demnio da ira, e da vingana, eternamente encarnado no homem, a quem a sociedade entregou o azorrague da flagelao do virtuoso.

Bernardo caminhava a passo firme para a escada da frca. Estavam contradas as respiraes. Um gemido, menos sufocado, podia ser ouvido por quinze mil almas que vieram a contemplar aqule aparelho de morte, segundo a lei, formulada pelas inspiraes do Evangelho! Pelo cdigo dos perdes! Pelos preceitos do Filho de Deus que morrera, perdoando!

- XIV -

Atravs da multido abriu-se uma clareira para deixar passar um homem, que devia representar um principal papel naquele festim da lei.

Convergiram tdas as atenes para aqule ponto.

Era Pedro Leite - ainda o pregoeiro da inocncia de Bernardo, com a face cadavrica das longas noites que chorara sbre o tmulo de seu filho nico.

Quem disse a ste homem que Bernardo da Silva era um inocente?

Que fra oculta o arrasta a abenoar nas escadas da frca o assassino de seu filho?

Fenmenos ocultos da Providncia! A voz de Deus, soando pelos lbios do mistrio! Explicai-me as operaes de Deus, e eu vos explicarei a inspirao sobrenatural que obriga a balbuciarem o perdo os lbios que beijaram morto um filho estremecido...

Pedro Leite aproximou-se do justiado. Ningum lhe embaraou o passo.

Cheio de majestade, de poesia fnebre, e de santo terror, falou assim:

- Eu venho pedir o seu perdo beira do patbulo. Fui eu que o arrastei at o tribunal em que foi condenado; mas no sou eu que o arrasto aqui. Bradei em favor da sua inocncia. Pedi, h momentos, a suspenso dste ato, em que minha dor ser mais... muito mais prolongada que a sua. No me ouviram: impuseram-me silncio, e mandaram-me sair do santurio da lei, que resfolegava sangue pela bca do seu sacerdote.

"Venho pedir o seu perdo, nas escadas da frca, e vazar o fel, que me devora a conscincia, na conscincia do juiz implacvel que pede a sua cabea a altos gritos!"

Ouviu-se um prolongado murmrio. Era a onda popular que refervia sopesada entre as rochas da sua impotncia moral, naqueles dias, em que o sangue dum plebeu continuava a operao regeneradora do sangue de Jesus Cristo.

Bernardo ouviu com presena de esprito a exclamao de Pedro Leite.

- Eu lhe perdo!

Foram as suas palavras nicas.

Choraram-se ento muitas lgrimas. A piedade teve uma exploso, que as coronhas dos soldados reprimiram. As turbas queriam rasgar o quadrado para arrancarem da morte um santo. ste conflito foi serenado por outro mais sublime. Ouviu-se uma voz. Viu-se um homem que sobressaa entre os males populares. Era o velho, protetor nico de Bernardo da Silva, durante a sua priso. Poucos o conheciam.

- Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho que morre enforcado! Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver o filho da mulher que desonraste, como nobre nas escadas da frca! Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho, o filho de minha filha, que borrifa os teus pergaminhos com o seu sangue ilustre!

E calou-se. Calaram-se todos. E aqule homem l estava erguido como o anjo dos tmulos espera que Deus mande quebrar a lousa duma mulher que h falta nesse transe aflitivo!

Essa mulher morrera, desonrada, sufocada pela mo da ignomnia, a que a soberania fidalga de Francisco de Lucena a abandonara.

sse ancio era o pai dessa mulher, nico que recebera em que seus braos o filho da desonra, nico sabedor daquela existncia, que acompanhou sempre, porque lhe marcara um brao com uma cruz. Desde o ventre frca, de longe, desconhecido, com o segrdo da desonra de sua filha abafado no corao, ste homem seguira os vestgios do neto, sem declar-lo nunca, porque um apelido ilustre no o salvava a le duma ilustre ignomnia.

Que impresso fz ste homem nas turbas! A do espanto. Mas, momentos depois, chamavam-lhe DOIDO. Por ordem do juiz de fora ia ser prso o demente. Aproximou-se a justia d'el-rei. " doido...! dizia o meirinho ao lanar-lhe a mo.

- XV -

H de consumar-se aqule enrdo de peripcias terrveis.

Bernardo ps o p direito na ltima prancha da frca. Voltou-se para o povo. Brilhou-lhe face o claro dum outro mundo. A sua voz era melodiosa como o cntico do anjo da morte suavssima: mas naquele todo via-se a terrvel majestade do anjo do dia final. As suas ltimas palavras foram estas:

- Ouvi a praga dum padecente, rogada nas escadarias da frca: QUE A JUSTIA DE DEUS SE CUMPRA NA PRESENA DOS HOMENS!

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- CONCLUSO -

Passaram-se quinze dias.

Eullia de Lucena recuperara o juzo, e entrara no mosteiro. Um ano depois, professara. A sua vida foram trs anos de adorao exttica. Ouviram-na murmurar palavras celestes, como em dilogo. Dizia-se que um anjo devia de aparecer-lhe naqueles arroubamentos. Chamavam-lhe santa, e adoraram-na morta.

Passados quatro anos, Francisco de Lucena, sempre afastado de sua filha pela mo do remorso, morreu de repente no mesmo local em que fra hasteada a frca.

Simo Botelho, filho de Paulo Botelho, dera um tiro em seu pai. O pai quis sentenci-lo: deu-lhe sentena de frca, que depois foi comutada em degrdo perptuo. Apenas desembarcou em Cabo Verde, abriu-se-lhe uma sepultura.

Paulo Botelho, desembargador aposentado, dez anos depois, morria vigsima quinta punhalada, que recebera, por no dar exatas informaes dum peclio de cinqenta mil cruzados, que guardava em uma quinta nas vizinhanas de Vila Real.

A mulher de Paulo Botelho morria doida no hospital de S. Jos um ano depois.

Restavam trs filhas de Paulo Botelho.

Foram devassas at ao escndalo de serem arrastadas a um recolhimento por expresso mandado rgio.

Uma apareceu morta num aqueduto por onde procurava evadir-se.

Outra casou com um homem que a retalhou de martrios.

A terceira enforcou-se no batente de uma porta.

A JUSTIA DE DEUS CUMPRIU-SE NA PRESENA DOS HOMENS.

A praga do justiado nas escadas da frca teve o seu complemento no gnero de morte que a ltima pessoa daquela famlia se dera.

Frca por frca.

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Tendes a curiosidade das averiguaes? Procurai em alguns cartrios de Vizeu a sentena pronunciada entre 1776 e 1780.

- REMATE -

No sou contumaz, nem me ufano de relapsia.

De outro que disse me desdigo, se algum inquisidor intolervel deparar a heresia, contra-senso, atrevimento ou cousa que dvida faa contra Pltus, nico deus da nica religio cujo cdigo penal me intimida.

H cousas incrveis neste volume? que eu e os meus amigos literatos, poetas, jornalistas, e at redatores encartados de necrolgicos sabemos passagens que arrepiam carnes e cabelos. Se o siso comum as no adota, que os cronistas do tempo formam, parte, um status instatu, cousa ininteligvel aos que no sabem latim, por grande fortuna sua.

Neste sinedrim h uma moral, estragada se o quiserem, mas os evangelistas, que a propagam, so Cates, contanto que os no obrigue a inquietar a sadia tranqilidade dos intestinos. Aqui, no se sacrifica um dedo a uma pisadela porque no vale a pena.

necessrio escrever, visto que h leitores.

Eu, e os meus correligionrios, se at hoje no temos irradiado sbre a humanidade ondas de luz, porque a humanidade precisava ser, muito, a concha em que, por aqui se escondiam muitos moluscos morais, que vo saindo agora a espanejar-se ao sol.

No quero dizer que os moluscos passassem a articulados. Pode muito bem ser que o leitor, ou leitora sejam ainda legtimos moluscos; mas a exceo deplorvel no claudica a generalidade. E, portanto:

Eu, e os meus amigos, mencionados acima, considerando que a candeia no deve estar muito tempo debaixo do alqueire, nem os talentos (dinheiro) soterrados vencem juros; e tendo ns, outrossim, em muito af e desvlo desafrontar a literatura ptria de injrias com que estrangeiros e nacionais a desconceituam, desairando-a como pobre de romances, pela sua incapacidade inventiva - o que no s malcia, mas at aleivosia: resolvemos escrever romances em que figurassem muitas pessoas nossas conhecidas, e outras, que viremos a conhecer no decurso desta meritria tarefa.

Pelo que, a mim, humilde entre os humildes apstolos desta idia lcida, coube o quinho de trabalho, que a posteridade me devolver em gabos e aplausos, e o futuro Plutarco dos homens ilustres desta freguesia de Cedofeita, em que tenho a honra de morar, no deixar de consignar fatos gloriosos.

Disse.

FIM