Caminho Do Oriente_Guia Do Azulejo

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  • CA.MNHO DO OENTE G U I A 0 0 A Z U L EI0

  • C.A.MNHO DO ORENTE c V i A o O A i! V L E j O T E X T e s D E L u S A A R R U D A

    GUIAS 00 CAI'hlnH0 00 0RIEnTE

    C00RDEnA0 GERAL

    Jos Sarmento de Matos

    GUIA HIST0RIC0

    (2 Volumes) Jos Sarmento de Matos Jorge Ferreira Paulo

    GUIA DO AZULEjO

    Lusa Arruda

    GUIA DO PAt",-mnio inDvst",-AL

    Deolinda Folgado Jorge Custdio

    GUIA DO 0LI'IAR..... Ricardo Martins Diane Gazeau Paulo Pascoal Dulce Fernandes

    LEvAntAmEnto FOtOCFico

    Antnio Sacchetti

    DiP4co GFiCA

    Jos Tefilo Duarte

    P4viso

    Fernando Milheiro

    PAcinAO ELECTR0nlcA

    Fernanda Quendera

    .DEStA EDio

    Livros Horizonte, 1998

    SELECES DE COR.....

    Policor

    ImpP4sso

    Printer

    ISBn

    972-24-1042-3

    DEPsito LECAL

    128443/98 Outubro 1998

    0vtS cDitos FOtOCFicos Teresa Campos Coelho - Pgs. 32. 33. 34, 35. 36 Lusa Arruda - Pg. 37 IPM - Instituto Portugus de Fotografia - Pgs. 56. 61. 62. 63. 65. 66, 67. 68. 69 BNL - Lus Pavo - Pgs. 50, 84. 85

  • CA.MNHO DO OENTE G U I A 0 0 A l U L EJ0

    , L V I S A A

    Livros

    Horizonte

    V D A

  • o decurso do programa Caminho do Oriente , com este livro j em fase final de produo , uma peque

    na contrariedade ps em relevo a justeza de alguns dos pressupostos que lhe estiveram na base .

    Aco nteceu que numa obra de um prdio , em Santa Apolnia , o seu resp onsvel no hesitou em subs

    tituir o velho revestimento de azulejos de finais do sculo passado , de facto em muito mau estado e com

    grandes falhas , por um acabadinho de fazer , no propsito louvvel de contribuir para a renovao profunda em curso

    em toda a zona oriental. Quando tal procedimento foi detectado o dano era j irreversvel e o novo revestimento , que

    mantm curiosamente as mesmas tonalidades azuladas , j subia pelas paredes numa interessante afirmao do apego

    profundo do gosto da cidade por essa prtica colorida e cheia de reflexos que tanto a embeleza e individualiza.

    claro que no se trata de saber de culpas , se de tal se pode falar , mas sim constatar -se que , apesar desse gosto atvico pelos azulejos , a produo mais recente , da segunda metade do sculo XIX e deste sculo , que tanto alegra o pros

    p ecto urbano e enriquece por vezes de efeitos inesperados alguma pobreza da prpria arquitectura , no ascendeu

    ainda para a generalidade das pessoas categoria de objecto de culto patrimonial. vendo-se tratado com o -vontade

    de qualquer utenslio caseiro que quando est velho se deita fora . Se o azulejo anterior ao sculo XIX, que esse tempo

    tambm tanto maltratou, se v hoje alado a pea de museu - alis com notvel casa prpria no percurso do Caminho

    do Oriente -, e j comumente olhado como uma das prticas artsticas em que melhor se retrata o sentido

    genuno de uma sensibilidade especfica, j o mesmo no se passa com a restante produo azulejar, vista ainda pela

    maioria na sua vertente exclusivamente utilitria . Justifica-se , por isso , uma ateno redobrada para que essa

    mltipla variedade de efeito s estticos que nos preenchem os parmetros do olhar seja dotada de referncias mais

    slidas para a sua compreenso . Por exemplo , indispensvel ter em conta que entre o azulejo do sculo XIX e o

    anterior existe uma revoluo tecnolgica no tratamento industrial do produto final, permitindo a sua utilizao

    sistemtica no exterior com garantias de durabilidade , facto que p or si s altera por completo quer o desenho dos

    padr es , de cariz mais arquitectnico , quer o efeito global pretendido. Ou seja , o azulejo de fachada tem uma

    lgica prpria que merece uma especial ateno pois , de facto , uma das referncias incontornveis em qualquer

    leitura do p anorama construdo da cidade .

    Esta preocupao de fundo, que o citado co ntratempo veio inesperadamente iluminar de um sentido mais premen

    t e , aliada excepcio nal riqueza em azulejos de todos os tempos j anteriormente detectado na zona orie ntal de

    Lisb o a , levou os responsveis pelo Caminho do Oriente a optarem p elo seu tratamento autonomizado no co njunto

  • dos Guias patrimoniais a realizar. Ao mesmo tempo, julgou-se tambm indispensvel dar igual tratamento s diver

    sas componentes desse patrimnio, inserindo - o num todo h o mogneo que no esquecesse tambm os factores de

    produo, as fbricas ou os artesos , na maio ria dos casos inominados, que foram contribuindo modesta e teimosa

    mente para a imagem da cidade que ns , afinal de contas, gostamos de ter.

    A escolha de Lusa Arruda para materializar esses propsitos surgiu, assim, de forma natural . Por um lado a sua forma

    o especfica, simultaneamente cientfica e artstica, era a garantia de uma correcta interpretao dos pressupostos

    desejados; e, por outro, era conhecida a sua preo cupao ampla face ao patrimnio azulejar visto como um todo, b e m

    como u m a especial sensibilidade para entender a dinmica do azulejo de fachada n a caracterizao de uma arquitectu

    ra, tudo inserido num processo de produo que tem, naturalmente , os seus protagonistas: sejam oficinas ou fbricas,

    com matrizes de gosto b e m diferenciveis , sejam artistas individuais que do o toque pessoal a uma actividade desde h

    muito condicionada partida pelas regras rgidas do fabrico em srie .

    Quanto ao resultado do seu trabalho, c o mpetir ao leitor dar o veredicto final, j que o autor destas linhas se sente

    tambm parte interessada. No entanto , no dever deixar de se realar quer a ateno p osta na definio de cada

    conjunto de azulejos, desde os mais antigos aos mais recentes, discutindo -se referncias e autorias e no se hesitando

    em emitir opinies prprias, quer, ainda, a recolha de fontes iconogrficas que, numa ilimitada amplitude, ligam com

    a maior naturalidade Rafael mais corriqueira imagem nai!, quer, sobretudo, o levantamento de algumas indstrias

    produtoras, de que a Fbrica Roseira, sediada no Caminho do O riente e agente de primeira grandeza neste particular

    processo econmico e histrico, se revela um paradigma e, a partir de agora, uma achega de monta para se conscien

    cializar a dinmica social e cultural desse mesmo processo .

    Inserido, assim, no conjunto mais vasto dos Guias do Caminho do O riente, este Guia do Azulejo constitui-se como um dos pilares da tarefa essencial que o Programa Caminho do Oriente se props: reintegrar na cidade uma zona

    imensa dramaticamente abandonada, seja atravs do apoio sua recuperao fsica, seja do conhecimento do seu passa

    do e das vrias lgicas - urbanas ou rurais, laicas ou religiosas, de lazer ou industriais -, que determinaram a sua espe

    cificidade no mbito global de uma s cidade .

    Lisboa, 19 de Julho de 1998

    ] os Sarmento de Matos

  • Guia do Azulejo resulta de uma l o nga investigao feita no C aminho do O rient e , passeio que se p r o p e ao leit o r desde o Largo do Museu Militar ao C o nvento de M arvila . Este texto que

    reco rre p alavra e imagem c ompl ementar d o s Guias do C aminho do O riente que reme

    t ero para o Guia do Azulejo quando de azulejo s s e tratar . Inversamente o leito r p r o curar

    nos outro s guias a info rmao histrica e p atrimonial detalhada s ob re cada zona , edifcio e p ersonalidades que

    h abitaram ou p r o moveram a zona oriental de Lisb o a .

    Propomos uma visita a uma zona esquecida e descurada, n o entanto b elssima n a sua relao com o Tejo , com

    edifcios de grande qualidade ou meramente interessantes e casti o s , muito lisb o etas na forma como s e encaixam

    ao longo das rua s . M arcaram o encanto rural de quintas e convento s mistura com modestssimos p tios e vilas

    de habitao op erria onde se foram agregando as migraes da terra p ara Lisbo a p r o cura de trabalh o .

    M esmo a surgem momento s de surpresa - cunhais , um p ortal e janelas de cantari a , ferros fo rjados , azulejos e

    rvores antigas , p edao s ainda recuperveis do que j foi e do que ainda pode vir a s e r , em lugares que precisam

    da c ap a cidade de ver ao mesmo tempo dos arquelogos e dos artistas . Ao longo do nosso p asseio tentaremos

    mostrar que o patrimnio do C aminho do O riente merece ser devolvido aos que aqui vivem e trabalham e ainda

    querem a este stio da cidade de Lisb o a .

    Lisb o a f o i , desde o s culo XVI , o grande centro p rodutor e exp o rtador do azulejo , inventando uma fo rma

    muito e s p e cial de viver com ele , multiplicando as suas hip teses deco rativas e significativas que vo evo luindo

    ao mesmo t emp o que as mentalidade s e as p r e o cup a e s da s o ciedad e . Lisb o a p r o duziu e consumiu quantida

    des p r o digiosas de azulejo s , sobretudo n o s s culos XVII , XVIII e XIX e apesar de parte desse p atrimnio ter

    desaparecido muito ainda p o de s e r vist o na zona o riental . Veremo s duas vertentes da arte do azulejo: a dos

    interiores que cria ambientes requintadssimo s dentro dos edifci o s , articulando memrias ori entais com

    uma linguagem europ eia , e a azulejaria concebida p ara o exterior como fo rma de arte urbana , revestindo siste

    maticamente edifcios com uma matria c o l o rida e sensvel luz que caracteriza muitas cidades no t erritrio

    nacional e tamb m no B rasil , onde este gosto se implantou com tal fora que as suas cidades chegaram a s e r

    c onsideradas como invento ras d a azulejaria de fachada .

    O Museu Nacional do Azulejo , instalado no C onvento da M adre de D eu s , o lugar p ara s e ver azulejos em

    Lisb o a , situado p r e cisamente no C a minho do O rient e . D el e daremos uma no tcia b reve de modo a manter o

  • equilbrio da p ub licao , menos aprofundada do que desejaramos e que as suas c o l e c e s m ere c e m , o que s e

    justifica tamb m p e l a facilidade d e u m a visita e p el a a qualidade d o s textos j p ub licado s p el o M u s e u .

    O l eitor encontrar neste guia o s edifcios que t m ainda o s azulejo s de c a m p anhas de obras contem p o rneas

    da sua construo o u azulejos com que foram enrique cidos a o l ongo do temp o , fruto das mudanas no gosto e

    na vida dos seus sucessivos proprietrio s . O gost o , o significado da decora o , a articulao dos azul ej o s c o m

    o espao e c o m a s arquitecturas s ero t e m a s deb atid o s p ara cada u m do s lugares tratado s que s e sucedero

    medida que avan a m o s no C aminho do Oriente .

    C o me aremos p o r onde comea o p as s eio e logo vamos pro cura de u m b e c o , u m s tio encafuado e m ruas

    ainda de traado m edieval - o B e c o do B el o . Em 1758, numa casa antig a , p rovavel m ente reconstruda , foi colo cado u m p ainel de azulejos dedicado aos sant o s que pro tegem dos fogos e terra m o t o s . Trata - se de um

    p ainel que de certo modo conta a histria de Lisb o a , l embrando o terr a m o t o de 1755. A sua colo cao num e s p a o to a p ertado acentua a p er manncia do urb anism o medieval numa cidade que se vai reconstruir sob u m

    projecto urb anstico norteado p el a razo , p el a g e o metria , p ela clarez a e c o modidade . N o m e s m o b e c o , m a s

    agora n u m a grande casa voltada a o rio Tejo , c o m u m a pracinha fronteira , u m o utro revestimento d e azulejo s ,

    d o s culo XIX, e que c orresponder a u m a data t a m b m inscrita e m azulejo s - 1873 - revela t a mb m u m a vocao urbana . Logo a b aix o , entram o s na C ap e l a da Boa N ova . Aqui preciso subir at sala que leva a o coro alto

    p ara nas e s c adas e s ala encontrarm o s os azulejos do s cu l o XVII I que nobilita m um espao p ' o r onde p assaram

    o rei e a corte quando assistiam aos a c t o s religio s o s .

    Assim o no sso t exto s egue u m p ercurso p o r o rd e m d e entrada d o s edifcios no C a minho d o Oriente , p a s s eio

    ao s a b o r do t ecido urbano que forma u m pachtwork de p o cas e de estil o s arquite ctni c o s onde se entrelaam

    e conviv e m po cas e e stilo s da azulejaria p ortugu e s a . Urna histria em que a rigide z de urna organizao crono

    l gica e estilstica no p oderia contar a natureza das coisas que acontecem na matria de que feita urna cida

    de c o rn o Lisb o a .

  • I.SAntA APOLniA LARGO DO MUSEU MILITAR - BECO DO BELO

    BECO DO BELO

    MUSEU MILITAR

    LARGO DOS CAMINHOS ,

    RUA DOS CAMINHOS DE FERRO

    CASA MACHADO DE CASTRO

    CALADA DO CARDEAL, N,O 9 PALCIO DA COVA " , , , , ,

    A REAL FBRICA DA BICA DO SAPATO

    CAPELA DE SANTO ANTNIO

    FBRICA ROSEIRA

    II. c R....V l DA P E D R....A PALCIO BRAO DE PRATA

    RECOLHIMENTO DE LZARO LEITO

    CONVENTO DE SANTOS-o-Novo

    EDIFCIO CONVENTUAL '"

    III.XABPJCAS PALCIO PEREIRA FORjAZ

    RESIDNCIA MELLO " "

    CONVENTO DA MADRE DE DEUS

    MUSEU NACIONAL DO AZULEJO

    PALCIO UNHO-NISA , , , , ,

    II

    41

    43 44 45 37

    57

    59 60 60 65 69

    I V D E X A B R....E C A S A o C Rj L o 71 EDIFCIO DA JUNTA DE FREGUESIA DO BEATO " ' " 73 CONVENTO E IGREJA DE S, FRANCISCO DE XABREGAS 73 PALCIO OLHO (ou PALCIO DE XABREGAS, DOS CUNHA) " " " " " " ' , " " ,' " " " '" 75 Q.UINTA LEITE DE SOUSA E CASTRO " '" NCLEO PERTENCENTE AO ANTIGO PALCIO

    DAS ILHAS DESERTAS 88

    9

    V. DO c Rj LO ITIA R....vi LA EDIFCIO DA EMPRESA DE CAMIONAGEM RESENDE,

    ANTIGA MORADIA PARTICULAR

    CONVENTO DO GRILO

    FACHADAS AZULEJADAS NA RUA DO GRILO

    PRDIO N,oS 100 A 108 " " " " ' " PRDIO DA MANUTENO MILITAR, N,O 86 MANUTENO MILITAR , " , " , , ' ,

    PRDIOS N,OS 87 A 91,85 A 80,74 A 79 FACHADA URBANA, N,oS I A 'l,7 PALCIO LAFES " " " "

    91

    93 94

    99 99

    , 100 , , , , , , , , 101

    , 102 , 103

    VI.EITI ITIAR....viLA , , . , , ... , , II3 AZULEJOS DE FACHADA NA ALAMEDA DO BEATO

    PRDIO N,O 21 E EDIFCIO N,OS 26 A 30 " " PTIO DA Q.UINTINHA - PAVILHO MARIALVA PALCIO DA MITRA " ', " " " " " ' ,'

    EDIFCIO JOS DOMINGOS BARREIRO

    CONVENTO DE MARVILA , , , , , , , ,

    , II5 II6 II8

    , 128 , 128

    BIBLIOGRAFIA " , ' . . " . , ........ ,." " " " , 139 AGRADECIMENTOS " " ' . . . . . . , ' ..... " " ,,, 140 LEGENDAS , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , .... , , , . , , , 141

  • , , . _.--/

  • I . S A nt A A P O L n i A

    o primeiro percurso do nosso passeio riqussimo em azulejaria de fachada; veremos como muita da azulejaria corresponde

    pro duo de uma s fbrica, a Fbri

    ca da Calada dos C esteiros , da famlia

    Roseira , hoje extinta . A nossa inves

    tigao permitiu aprofundar larga

    mente o pouco que se sabia da fbrica .

    Encontrare m o s o edifcio onde se

    instalou - o Palcio da C ova e o espao onde vendia e os seus produtos , e

    nele o mostrurio de azulej aria de

    fachada que produzia . Tambm encontraremos um prdio revestido com

    azulejaria da fbrica Constncia, do sculo XIX, padro identificado pela

    primeira vez . S er revelada a importncia desta investigaes para a histria da azulejaria de fachada em Lisbo a . Mostra - s e uma proposta actual de azule

    j aria de fachada da tambm antiga Fbrica de Santa Ana . A azulejaria do

    sculo XVIII pode ver-se num registo de azulej o s e no interior d e alguns edifcio s . Visitaremos o Museu Militar , terminando o nosso passeio pela

    evocao da Fbrica da Bica do Sapato .

  • Cristo crucificado, S. Marfa/, S. Caetano e S. Francisco de Brgja. Rl!gisto de azull!jos. Oficina de Lisboa. 1758.

    [3

    LARGO DO MUSEU MILITAR - BECO D O B ELO

    PARA encontrar o primeiro painel de azulejos do nosso passeio necessrio tornejar o cotovelo do Beco do

    Belo . A, no n . O 3, vemos o nico exemplar de um registo de azulejos do

    Caminho do Oriente. Designa-se por

    registo um painel votivo normalmente

    usado no exterior do edifcio . Surgem

    com maior frequncia depois do terra

    moto de 1755 como forma de esconjurar

    os perigos ligados a catstrofes naturais e

    nomeadamente a fogos. A sua ligao

    posse do edifcio mais do que evidente

    revelando novos proprietrios e uma

    outra forma de encarar a arte dos azule

    jos, que passam a ser ostentados para

    fora e no apenas como decorao de

    interiores. Muitos destes registos so

    produzidos de modo mais do que ing

    nuo porque encomendados por uma

    clientela menos exigente. As oficinas que

    provavelmente se especializaram nesta

    encomenda especfica deveriam propor

    ao cliente uma seleco de imagens pias e

    respectivas cercaduras, normalmente de

    gosto rococ e importadas dos grandes

    centros de produo de gravura europeia.

    O registo de azulejos do Beco do Belo

    uma bela pea de grandes propores,

    datado de 1758. Ao centro est represen

    tado Cristo na Cruz, do lado direito,

    S. Maral, com a mitra de bispo , santo

    sempre invocado para proteco contra o

    fogo . Do lado direito da cruz, S. Caetano

  • e S. Francisco de BOlja. Os santos esto

    desenhados como peas de imaginria,

    representados sobre bases de escultura.

    Inversamente, a cruz situa-se numa

    paisagem. Resolvem-se assim as dife

    rentes pocas a que corresponde cada

    um dos santos e tambm o tempo da

    Crucificao.

    A cercadura corresponde em termos de

    estilo datao inscrita no registo , uma

    formao de concheados de expresso

    dramtica e movimentada que acentua

    da pelo recorte dos azulejos no limite ex

    terior. O gosto rococ tambm se revela

    pelo contraste de azuis-cobalto : no exte

    rior a cercadura em azul-cobalto forte

    cria uma reserva para a cena votiva, pinta

    da em azul-cobalto mais transparente.

    BECO D O BELO

    A norte do Largo do Museu Militar

    pode ver-se uma grande fachada azule

    jada da segunda metade do sculo XIX,

    Beco do Belo. Casa Joo Roseira. Balastres em trompe I'oei/. Joo Roseira, Fbrica da Calada dos Cesteiro!; c. 1875.

    verdadeiro pano cenogrfico que fecha

    o limite do espao . O edifcio de cons

    truo corrente tpico do que se

    edificava em Lisboa na poca , uma

    evoluo empobrecida do prdio pom

    balino. No entanto, o andar nobre

    mostra um trabalho de concheados de

    massa sobre os vos e a balaustrada su

    perior, rematada com pinhas e urnas de

    faiana outro sintoma da hipervalori

    zao da decorao sobre o edifcio ,

    falta de desenho arquitectnico.

    A azulejaria que reveste integralmente a

    fachada anima o edifcio projectando-o

    sobre a pequena praa fronteira e at

    sobre o Largo do Museu Militar, pela

    sua situao numa cota elevada . O pr

    dio representa uma mais-valia em ter

    mos de imagem urbana que se deve em

    grande parte grande escala do revesti

    mento ' cor azul e ao brilho dos azule

    jos que reflectem intensamente a luz.

    O padro escolhido para os azulejos

    participa neste carcter urbano , utili

    zando um desenho de esferas perspec

    tivadas no rs-do-cho , articulado com

    um padro geometrizado nos outros

    pisos. Esta soluo comum em Lisboa

    e, no nosso percurso , encontraremos

    outro edifcio que utiliza os mesmos

    azulejos , na Alameda do Beato.

    Num dos extremos do prdio, sobre o

    portal lateral, surge urna banda de azu

    lejos , suporte para a representao de

    uma balaustrada perspectivada manei

    ra de um remate de balastres de pedra

    ou faiana. Olhando com mais cuidado

    Perspectiva do prdio do Beco do Belo, revestimento de azulejos de fachada padro enxaquetado. Fbrica de Lisboa. Sc. XIX (2.l metade).

    Beco do Belo. Pinha de faiana. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2.3 metade).

  • apercebemo-nos que a esta balaustrada

    fingida corresponde , por detrs, uma

    balaustrada moldada em faiana que

    delimita um pequeno jardim suspen

    so no primeiro andar.

    As esferas pintadas sobre azulejo preten

    dem simular um revestimento de pedra

    trabalhada e, do mesmo modo, funciona

    a balaustrada. Trata-se de uma forma

    ingnua, mas extremamente eficaz, de

    trompe l' oeil pintado em azulejo a que

    nos referiremos mais vezes.

    A pintura de azulejo de fachada em

    trompe 1 'oeil, dos sculos XIX e XX , voltada para o exterior, apesar do seu

    carcter ingnuo, reinventa uma das

    formas mais espectaculares de articula

    o do revestimento azulejar com o

    edificado - reproduzir, fingir ou imi

    tar elementos da prpria linguagem

    arquitectnica. As esferas so um novo

    motivo na linguagem da azulejaria , os

    balastres fingidos representam uma

    evoluo ou uma nova utilizao deste

    tema que encontraremos em grande

    estilo , e datado da primeira metade do

    sculo XVIII, nas escadarias do Palcio

    da Mitra , na Rua do Acar.

    Entrando na escadaria verificamos que o

    vestbulo est revestido com azulejos cujo

    padro se pode ver no mostrurio da

    Fbrica Roseira, ou da Calada dos Ces

    teiros, que reproduzimos adiante e que

    ainda resiste na ntegra no edifcio n. o 18

    da Rua dos Caminhos de Ferro , anti

    go depsito da mesma fbrica. Uma va

    riante deste modelo foi produzido pelas

    fbricas do Porto , a das Devesas e a do

    Carvalhinho , modelo publicado recen

    temente (Amorim, 1996 , p. 23) . Nos diferentes andares do edifcio foram

    alis colocados fragmentos de padres da

    Fbrica Roseira, interessando especial

    mente os que esta fbrica produziu para

    o Palcio da Pena - Sala de Jantar, a sala

    dita Casa de Banho das Damas, um

    padro neomourisco , utilizado na facha

    da do palcio e, finalmente, o padro

    que reveste o interior do acesso torre

    do relgio . Este padro vai ser usado no

    Palacete Beau Sjour em Benfica e em

    muitas fachadas de Lisboa.

    Estes factos explicam-se porque no

    prdio das esferas viveuJoo Roseira,

    proprietrio e pintor da fbrica, figura a

    que tambm nos referiremos adiante.

    Veremos a importncia desta fbrica na

    decorao das fachadas de muitos dos

    edifcios do Caminho do Oriente e de

    Lisboa. Os Roseira, como tambm se

    ver, foram proprietrios de muitos

    edifcios desta zona e de outras de Lisboa,

    promovendo os seus produtos nas casas

    que habitavam como forma de desenvol

    ver o gosto pela azulejaria de fachada.

    A data de 1872, pintada em cartela de

    azulejos no exterior da chamin , pode

    datar os azulejos da fachada ou do vest

    bulo . Numa chamin do edifcio cont-

    guo , na parte detrs , tambm se v outra

    cartela de azulejos datada de 1875.

    Os azulejos que revestem a mesma cha

    min, no interior da casa e em todas as

    cozinhas dos vrios andares, so pouco

    '5

    Beco do Belo. Pro(etaJermjas. Oficina de Lisboa. Sc. XVIII (I,a metade).

    Beco do Belo. Azulejaria de fachada aplicada no interior (padro do fronto do Palacete Deau Sjour). Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2. a metade).

    Beco do Belo. Azulejaria aplicada no interior. Padres usados no Palcio da Pena cm Sintra ( esquerda interior, direita revestimento da fachada), Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2;. a metade).

  • mais tardios e podem ter sido colocados

    em poca posterior ao revestimento da

    fachada. Trata-se de outro padro, este

    da Fbrica Constncia, na medida em

    que consta do catlogo da J. Lino , im

    portante estncia de materias de cons

    truo da Rua 24 de Julho , impresso

    em r889 . Um prdio da Rua dos

    Caminhos de Ferro est revestido com

    o mesmo padro da mesma fbrica, a

    que nos referiremos detalhadamente.

    O edifcio do Beco do Belo tem por

    tanto dois revestimentos interiores atri

    buveis com segurana Constncia e aos

    Roseira, respectivamente . A fachada das

    esferas, provavelmente o padro mais

    interessante e mais divulgado em Lisboa,

    pode ser produo de uma destas ou

    ainda de outra fbrica de Lisboa (Viva

    Lamego , no Intendente, e Fbrica de

    Miguel Oleiro, Imprensa Nacional,

    entre outras que laboravam na mesma

    poca e produziam tambm azulejos de

    fachada) . Nenhum dado seguro permite

    arriscar uma atribuio. A nica certeza

    a datao dos revestimentos da segunda

    metade do sculo XIX. Numa das cozinhas pode ver-se um

    grande painel da l' metade do do sculo

    XVIII, dedicado a uma personagem

    bblica. No sculo XVIII os revestimen

    tos azulejares das cozinhas dos palcios

    ou conventos tinham um carcter mais

    funcional, constitudos habitualmente

    por padres, ou em casos mais raros

    representaes de alimentos ou da sua

    preparao . O painel a que nos referi-

    mos est mal colocado em relao ao

    espao da diviso que ocupa, aspecto

    tambm impensvel no sculo XVIII.

    Trata-se portanto de um reaproveita

    mento de um painel que pertenceria ou

    ao edifcio anterior ao terramoto, sobre

    o qual se construiu o actual prdio de

    rendimento, ou a outro edifcio prxi

    mo. O seu reaproveitamento na cozinha

    no aponta para uma pea adquirida no

    mercado antiqurio que neste caso seria

    colocada num espao mais nobre.

    Trata-se de um fragmento de decorao

    de capela constitudo por 9 x 7 azulejos.

    A cercadura corresponde de cada lado a

    metade de uma pilastra decorada com

    volutas que se prolongaria pela deco

    rao completa. No plano superior re

    matam com uma grinalda de flores.

    Inferiormente o painel est cortado.

    Este esquema delimita a reserva central

    onde se v uma personagem com lana e

    coroa de espinhos, atributos da Cruci

    ficao de Cristo . Ao lado numa espcie

    de medalho l-se a identificao da

    personagem: Geremias . Jeremias,

    um dos profetas da Bblia, ter sido o

    autor do Livro das Lamentaes, texto

    usado pela Igreja na Semana Santa.

    Jeremias tem assim como atributos os

    emblemas do Calvrio de Cristo. O pai

    nel em monocromia azul-cobalto sobre

    branco datvel dos anos 20 de Setecen-

    tos, ou mesmo um pouco anterior como

    prova o desenho da figura e da cercadu

    ra, construda como pormenor arqui

    tectnico barroco , slido e simtrico.

    ,6

    ERMIDA DA B OA NOVA

    A Ermida da Boa Nova resulta de um

    projecto sbrio e elegante atribudo ao

    arquitecto Manuel da Costa Negreiros.

    Foi construda no reinado de D. Joo V

    e descaracterizada a sua implantao

    no terreno logo no reinado seguinte.

    De facto, foi necessrio construir uma

    rampa (que esconde os alados e en

    terra a igreja no terreno) para fazer

    descer a esttua equestre de D . Jos,

    da Fundio de Cima, para o Terreiro

    do Pao .

    O espao interior da capela, de planta

    centralizada, no foi concebido para

    receber azulejos, que neste caso se des

    tinam a zonas de carcter mais funcio-

    na! . D e facto vemos azulejos numa

    escada interior, da poca da construo

    da ermida e de padro azul e branco,

    misturados com outros padres, nos

    mesmos tons mas do sculo XVII , no

    meadamente alguns do padro conheci

    do como de maarocas . Estes azulejos

    foram aproveitados em pocas mais

    recentes para reconstituir a decorao da

    escadaria. Trata-se de uma prtica muito

    comum que se verifica em muitas deco

    raes azulejares e que hoje deve ser

    revista com mais cuidado e de forma a

    no desvalorizar nem os azulejos em si,

    nem o conjunto decorativo .

    No entanto, a sala que antecede o coro

    alto , mostra a sua decorao azulejar pri

    mitiva, praticamente intacta, constituda

    por uma belssima albarrada que se es-

  • tende pelas paredes em lambrim alto,

    transformando e enriquecendo um espa

    o que naturalmente teria funes de

    recepo da corte que por a passaria para

    assistir a cerimnias religiosas. Desig

    nam-se como albarradas as composies

    decorativas em que pontua um vaso ou

    cesto florido repetido , como tal dife

    rentes dos padres que podem cobrir

    uma rea em todas as direces. A pala

    vra albarrada deriva etimologicamente da

    palavra rabe al-barrd, que significa

    jarra com duas asas, de facto o tema

    central das albarradas de azulejos, articu

    ladas com putti, golfinhos, ou outros

    elementos intercalados. Trata-se de uma

    decorao mais rica do que a padronagem

    exigindo a representao cuidada e em

    maior escala dos diferentes elementos

    figurativos que a constituem. As albarra

    das foram utilizadssimas desde o final

    do sculo XVII e sobretudo na primeira

    metade do sculo XVIII , com uma gran

    de multiplicidade de solues que en

    contraremos ao longo do nosso percurso.

    MUSEU MILITAR

    A azulejaria do Museu Militar corres

    ponde s campanhas de obras mais

    importantes deste edifcio . Do edifcio

    primitivo das Tercenas pouco resta, e

    hoje v-se uma reconstruo da inicia

    tiva de D . Joo V, desenho de Fernando

    de Larre e interveno provvel de

    Carlos Mardel. Talvez possamos datar

    tanto a azulejaria da Escadaria Principal

    Museu Militar. Escadaria. Paisagem e Cavaleiros. Oficina de Lisboa. c. 1740.

    como a da Sala dos Capacetes, fabrica

    da a partir da dcada de cinquenta de

    Setecentos, provavelmente ainda ante

    rior ao terramoto de 1755. O edifcio

    teve reformas depois do terramoto. Em

    1906, j como Museu Militar, fizeram

    -se novas obras de que se destaca o

    portal para o Largo de Santa Apolnia,

    rematado com a monumental escultura

    de Teixeira Lopes. Nas campanhas dos

    sculos XIX e XX foram feitas outras decoraes azulejares, como veremos .

    Na escadaria os azulejos pintados a azul

    - cobalto sobre branco , representam

    cpias de gravuras de cenas de guerra,

    desenhadas por mos inbeis e com

    cercaduras rococs muito recortadas

    para o interior das cenas, sobre um

    rodap marmoreado com motivos a

    amarelo , sobre azul-cobalto . O amare-

    17

    Museu Militar. Pcnpectiva da escadaria.

    lo-ouro comea a aparecer em pontua

    es mais ou menos discretas combina

    do com o azul-cobalto , como forma de

    enriquecer a azulejaria azul e branca

    pelo menos a partir de 1730, como se

    pode ver, por exemplo , na decorao da

    escadaria dos Palcios da Mitra, tanto

    em Lisboa, que estudaremos adiante,

    como em Santo Anto do Tojal.

    Os painis de azulejos da Sala dos

    Capacetes, tambm realizados numa

  • Museu MilitaI'". Sala D. Carlos I . Marinha (cpia de aguarela de D. Carlos 1). Fbrica Battistini de Maria de Portugal (?); c. 1936.

    paleta de azuis-cobalto sobre branco

    so mais espectaculares , usando en

    quadramentos arquitectnicos pers

    pectivados , criando uma forte iluso

    escultrica. O tema de todos os pai

    nis o dos trofus em grande escala,

    com resultados muito decorativos .

    U m dos painis tem as armas reais

    como motivo principal, provavelmente

    realizado logo no incio do reinado de

    D . Jos.

    Mais tardios e apresentando j cercadu

    ras policromas muito recortadas, com

    cenas militares centrais so os painis

    de azulejos que decoram a escadaria de

    acesso ao ptio . Trata-se de uma enco

    menda da poca de D. Jos.

    A decorao com azulejos continua,

    neste edifcio , j como Museu Militar.

    A Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro

    devem-se os painis com cenas ligadas

    Restaurao de I640, marcados Caldas

    e assinados, devendo corresponder a

    uma produo da Fbrica S. Rafael nas

    Caldas da Rainha que Manuel Gustavo

    funda depois de I907 , data da penhora

    da Fbrica de Faianas das Caldas da

    Rainha onde Rafael Bordalo Pinheiro e

    o filho trabalharam. Estes painis so

    executados como se de aguarelas se

    tratasse, com uma figurao mais pr

    xima do desenho , em que o pintor

    utiliza um azul muito claro sobre bran

    co . Apesar de tudo Manuel Gustavo

    18

    tentou encontrar uma nova linguagem

    para a azulejaria sem copiar os painis

    do sculo XVIII .

    No foi o caso do pintor Jos Estvo

    Vitria Pereira, genro do conhecido

    pintor de faianas e azulejos, Jos Maria

    Pereira Jnior que assina Pereira Co -

    grande obreiro de muitas decoraes da

    Fbrica Viva Lamego onde alis os azu

    lejos de Vitria Pereira foram produzi

    dos. Os azulejos de Vitria Pereira no

    Museu Militar, datados de I907, deco

    ram todo o ptio com cenas de guerra

    com interveno dos portugueses e retra

    tos de grandes militares. Inspira-se na

    azulejaria da primeira metade do sculo

    XVIII, resultando muito melhor o reves

    timento integral da entrada nobre do

    Museu, apenas com motivos decorativos e

    trofus, do que os painis figurativos e as

    sobreportas do ptio, exageradamente

    recortados e bastante mal desenhados,

    nomeadamente os retratos. No se trata

    da nica produo de Vitria Pereira

    que, quanto se sabe, tambm pinta azule

    jos para o Mercado da Ribeira em Lisboa

    e para a Estao de Caminhos de Ferro de bidos.

    Na Sala de D. Carlos I encontramos uma

    produo de outra fbrica de Lisboa.

    A Fbrica Constncia, ou das Janelas

    Verdes, que na poca se designava por

    Fbrica Batisttini de Maria de Portugal,

    como alis se l nos painis desta sala.

    Leopoldo Batisttini morre em I936

    deixando a fbrica sua discpula Maria

    de Portugal que passa a designar a fbrica

  • com o seu nome. A decorao desta sala

    ser portanto posterior a 1936, no

    devendo ser uma produo de Maria de

    Portugal cujo trabalho muito mais

    ingnuo. No projecto de decorao da

    Sala em homenagem a D. Carlos l, so curiosas as cpias de pinturas do rei

    passadas escala da parede e devidamen

    te assinaladas como tal, a cpia do seu

    grande retrato a cavalo e a representao

    de algumas vitrias ultramarinas do seu

    reinado. A representao das cenas

    cuidada, devendo pertencer a um dos

    discpulos de Leopoldo Batisttini .

    LARGO D OS CAMINHOS D E FERRO

    Os trs primeiros edifcios deste largo

    formam uma longa frente urbana vira

    da a sul animada pelas cores e vidrado

    das fachadas integralmente azulejadas

    que reflectem intensamente a luz

    quente de Lisboa. De facto , os azule

    jos , embora diferentes em cada prdio ,

    resolvem o desencontro de cima

    lhas , formas e alturas dos vos dos

    edifcios encostado s . A matria do

    revestimento , placas de faiana vidra

    da , empresta unidade e coerncia ao

    conj unto das fachadas , como uma

    imensa cortina cenogrfica .

    Uma leitura da azulejaria mais prxima

    dos edifcios, revela a especificidade

    formal e cromtica de cada revestimen

    to , revelando o carcter da encomenda,

    a sua originalidade ou pelo contrrio a

    conformao com o gosto em voga.

    !J

    Largo dos Caminhos dt: Ferro. Padro Palcio da Pena. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira), c. 1865.

    Largo dos Caminhos de Ferro. Padro Rosas. Fbrica da Calada dos Cesteiro! (Roseira); c . 1865_

    Analisemos o primeiro prdio , com os

    n.os 13 a 136, de construo corrente,

    com fachada azulejada e coroado por

    uma balaustrada em faiana vidrada a

    branco . As caractersticas formais dos

    padres e o facto de se conhecer o

    fabricante, pelo menos da azulejaria,

    permite destacar o revestimento como

    um dos mais interessantes da nossa

    investigao .

    '9

    largo dos Caminhos de Ferro. Padro Porta de Diamante. Fbrica de Lisboa. Sc. XIX (2.3 mt:tade).

    Largo dos Caminhos de FnTo. Pormenor de fachada azulejada.

    GrguJa: c.1bea de faiana. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira) (?). Sc. XIX (2.3 metade).

  • N o portal principal a pedra de fecho

    do arco mostra as iniciais A V (?) R e a

    data de 1865.

    Alguns aspectos do edifcio , como o

    desenho dos vos muito alongados ,

    o remate em semicrculo dos portais do

    rs-do-cho entre outros elementos,

    indiciam uma construo relativamente

    prxima da data gravada no portal

    principal, no entanto , Augusto Vtor

    Roseira poder ter comprado o edifcio

    acabado de construir.

    Os azulejos esto dispostos em registos

    separados por faixas de azulejo branco a

    marcar os diferentes pisos : no andar

    trreo o padro formado por rosas e

    folhagem; os outros andares mostram

    um desenho de carcter vegetalista que

    reaparece em alguns prdios de Lisboa.

    Trata-se de um padro que aparenta uma

    grande simplicidade de desenho, arti

    culado nas diagonais do quadrado,

    formado pela repetio de uma mesma

    florinha. No entanto, o rigor da com

    posio permte uma leitura de conjunto

    dupla. A primeira e mais imediata

    constituda por losangos limitados pelo

    cruzamento infinito das diagonais do

    quadrado , outra talvez mais inesperada

    revela a repetio de trevos de quatro

    folhas constitudos pelo fundo branco de

    cada um dos azulejos mais o espao bran

    co necessrio forma dos trevos retirado

    aos quatro azulejos contguos . Uma vari

    ante deste padro foi utilizado no revesti

    mento de um interior no Palcio da Pena

    em Sintra - o acesso Torre do Relgio

    e que corresponde s facturas de 1854 ou

    de 1867 pagas a Eugnio Roseira, fIlho de

    Vicente Roseira por azulejos entregues no

    Palcio (ver docs. em Paes, 1996) . O mes

    mo padro pode ser vsto no Palacete Beau

    Sjour em BenfIca. J o encontrmos no

    interior do prdio das esferas . Trata

    -se portanto de um padro da primeira

    poca de fabrico dos Roseira para o inte

    rior do Palcio da Pena, encomendado

    pelo mais importante fazedor de gosto

    - o prprio rei D. Fernado II, passando

    depois para o exterior de um palacete e

    deste para o prdio da Rua dos Caminhos

    de Ferro. Este padro tambm existe

    numa coleco em Viseu, pertencente ao

    Sr. Fernando Ferreira, representante da

    6. a gerao dos Roseira em Portugal.

    Pode ver-se o mesmo padro em alguns

    prdios de rendimento em Lisboa. No

    Brasil, tanto na Bahia, como em S. Lus

    do Maranho , encontramos variantes

    deste padro provavelmente exportado

    pela mesma manufactura ou copiado

    posteriormente por fbricas portugue

    sas, prtica comum na poca. Apesar

    disso no parece restar dvda quanto

    origem do modelo.

    Os azulejos deste edifcio so portanto

    uma produo da fbrica dos Roseira,

    ainda em fase inicial e provavelmente

    dos primeiros padres de temtica

    naturalista , prximo do desenho txtil

    utilizando uma paleta aberta e franca

    que lhe atribuda.

    O segundo prdio do Largo, n. OS 122 a

    128, encostado ao anterior, parece uma

    construo mais antiga pela repetio de

    um formulrio mais prximo do prdio

    pombalino : portais de verga recta alter

    nando com vergas encurvadas, andar

    nobre de janelas de sacada, dois pisos de

    janelas de peitoril. Como no caso anterior

    dispe de azulejamento diferenciado pa

    ra o rs-do-cho. Os trs pisos superiores

    mostram um padro azul e branco de

    efeito relevado . O desenho consti

    tudo por pirmides cortadas, pespectiva

    das, semelhana das esferas do edifcio

    do Largo do Museu Militar. Tambm este

    padro revela um desejo de trompe l'oeil,

    tentando fingir uma fachada revestida

    com trabalho de pedra em relevo. Este

    padro pode ser vsto, com algumas va

    riantes e por vezes associado ao padro das

    esferas em mltiplos edifcios de Lsboa.

    Estas tipologias de carcter ilusionista que

    se referem linguagem da arquitectura e

    que usam preferencialmente o azul e

    branco, parecem-nos muito prximas da

    azulejaria tradicional portuguesa, como

    que um desenvolvimento natural da

    azulejaria dos sculos XVI, XVII e XVIII,

    representando uma corrente de gosto na

    azulejaria de fachada que no conta

    minada pelo gosto internacional de

    influncia txtil, ou de clara descendn

    cia arte nova e posteriormente art dco.

    Um dos modelos que pode estar na

    origem desta tipologia o clebre padro

    ponta de diamante dos sculos XVI e

    XVII (pode ver-se, por exemplo na Igreja

    de S. Roque) , que se refere ao corte da

    pedra de revestimento em pirmide

  • (divulgado entre ns na Casa dos Bicos) .

    No andar trreo nota-se um revesti-

    mento de azulejo de dimenses infe

    riores aos 13 ,5 a 14 cm habituais no

    azulejo portugus, colocado em diago

    nal e formando um padro de xadrez

    preto e branco. Debaixo de cada sacada

    vem-se pequenas grgulas para despe

    jo da gua da chuva, em faiana, repre

    sentando carrancas de grandes bigodes,

    coladas ou moldadas sobre um azulejo

    branco . No se trata de uma produo

    vulgarizada em Lisboa, mas de uma

    encomenda especfica para este prdio e

    que lembra alguma produo moldada

    e irnica de fabrico das Caldas da Rainha,

    na tradio popular, e que Rafael Bor

    dalo Pinheiro desenvolveu naquele cen

    tro de fabrico . Note-se que a Fbrica

    Roseira produziu peas moldadas, tanto

    pinhas e balastres como peas decora

    tivas avulsas que se vem nas coleces I da famlia, nomeadamente na referida

    coleco de Viseu, algumas de Joo Ro

    seira, proprietrio e pintor ceramista

    amador, que teve casa nas Caldas.

    As grgulas podero representar carica

    turas de galegos ou de saloios, figuras

    tpicas chegadas a este local de Lisboa

    trazidas pelo caminho de ferro. Dever

    atribuir-se-Ihes, provavelmente o mes

    mo fabrico dos azulejos axadrezados de

    que se desconhece a origem e dataro

    da 2 . a metade do sculo XIX. No terceiro edifcio , n . OS II2 a 120 per

    deu-se o revestimento original do rs

    -do-cho e os dois restaurantes que

    Largo dos Caminhos de Ferro. Fac.hada azulejada (pormenor). Fbrica Constncia (?). Sc. XIX (2,3 metade).

    Largo dos Caminhos de Ferro. Padro Constncia. Fbrica Constncia (?), Sc. XIX (2,3 metade).

    llI' ... ' . . . . . . ..

    - _ .... . Catlogo da]. lino (materiais de construo), Lisboa, 1889. Padro C01l5tncia.

    o ocupam substituram-no por azuleja

    ria actual, diferenciada para cada um, o

    que rompe a unidade que deveria exis

    tir originalmente .

    J os restantes pisos mostram um padro

    em tons de ocre, verde e azul relativa-

    mente divulgado em Lisboa, que pode

    utilizar cores diferente, e por vezes ,

    centros diferentes. As arestas do qua

    drado de cada azulejo esto ocupadas

    21

    por um desenho radial de tons fortes

    e, no centro, sobre branco, v-se um

    motivo naturalista . Esta composio

    permite aumentar ilusoriamente a

    superfcie de cada azulejo. No decurso

    da nossa investigao foi possvel deter

    minar que foi produzido pela Fbrica

    Constncia, nas Janelas Verdes, uma das

    mais importantes fbricas de Lisboa.

    No catlogo de 1889 da firma de mate

    riais de construo J. Lino, sediada na

    Av. 24 de Julho , encontramos a ilustra

    o referente a este padro de azulejo ,

    entre outros azulejos e outros materiais.

    Trata-se de uma excelente fonte para o

    estudo da construo e dos materiais da

    poca. Curiosamente uma biblioteca

    particular (S . Joo do Estoril) especiali

    zada em faiana e azulej aria , entre

    outros assuntos de arte e cultura portu

    guesa' possui o mesmo catlogo repleto

    de indicaes manuscritas, sempre com

    a mesma letra, que s se justificaria

    pertencer a um vendedor ou constru

    tor. Na seco de azulejaria encontram

    -se ilustraes de azulejos das Caldas da

    Rainha (relevados e bem conhecidos dos

    especialistas) com a nota margem

    Caldas. Trs outras pginas de azule

    jos tm a indicao manuscrita margem

    Sequeira, entre eles este padro do 3. edifcio da Rua dos Caminhos de Ferro .

    Sequeira era data o proprietrio da

    Fbrica Constncia nas Janelas Verdes .

    Conclumos ento que este padro deve

    ser atribudo ao fabrico da Constncia

    e datar dos anos 80, altura em que o

  • catlogo foi impresso. A ilustrao que

    apresentamos mostra outros padres da

    mesma fbrica. Nas pginas seguintes,

    no reproduzidas aqui, vem-se padres

    azul e branco muito comuns na poca e

    fabricados em manufacturas diferentes.

    Entre eles o padro de bicha, com

    uma estrela central donde irradiam

    traos, que parece ter sido muito popular

    e utilizado tanto em fachadas como em

    interiores com carcter mais funcional.

    RUA D O S CAMINHOS DE FERRO

    J no final do largo e incio da Rua dos

    Caminhos de Ferro depara-se-nos uma

    curiosa proposta moderna para revesti

    mento de uma fachada antiga , recente

    mente recuperada.

    Trata-se de azulejaria esponjada, fabri

    cada na Fbrica Santa Ana de Lisboa,

    em dois tons branco sujo e azul forte,

    entre o cobalto e o ultramarino . A an

    lise da estrutura do edifcio revela uma

    fachada sem preocupao de simetria

    na distribuio dos vos. Este facto

    sintomtico de uma arquitectura sem

    desenho prvio , construda segundo as

    necessidades da habitao e em moldes

    mais rurais que urbanos . Ser portanto

    um edifcio que se poder datar de

    poca anterior ao terramoto de 1755,

    com alguma cautela, e bastante modes

    to em termos de preocupao esttica,

    mas com uma certa escala.

    A importncia da estrutura dos vos no

    revestimento com azulejos da fachada ,

    Rua dos Caminhos d e Ferro. Perspectiva d e prtdio awlejado. Fbrica Sanla Ana, 1998.

    como j vimos primordial e habitual

    mente, desde o incio das fachadas de

    azulejos, de cerca dos anos 40 do scu

    lo XIX, a azulejaria sublinha e refora a estrutura arquitectnica que normal

    mente regular . Rarssimos so os

    casos em que, como nesta fachada , se

    revestem edifcios com um carcter

    espontneo ou ingnuo . Cremos que a

    acontecer algo no gnero se regulariza

    ria a fachada antes de colocar os azule

    jos porque este tipo de decorao era

    sempre um sinal exterior de gosto

    moderno e sobretudo de abastana da

    classe burguesa em ascenso .

    A decorao actual, de 1997, da facha

    da que nos ocupa, tem um sentido

    totalmente distinto . O projecto, inten-

    22

    Rua dos Caminhos de Feno. Padro esponjado. Fbrica Sanla Ana, 1998.

    cionalmente, acaba por reforar visual

    mente uma fachada de carcter pouco

    ou quase nada urbano que anterior

    mente se fundia na paisagem e agora se

    torna bastante evidente, um pouco

    inquietante , deslocada do contexto .

    Apesar de se recorrer a azulejos de pa

    dro tradicional, os esponjados, utili

    zao de cercaduras para cada um dos

    vos e marcao da diferena de pisos

    com tons diferentes , estratgias muito

    conservadoras, obtm-se uma soluo

    totalmente imprevista . Apesar disto ,

    um projecto de um artista plstico ,

    mesmo usando o mesmo padro da

    Fbrica Santa Ana , poderia ter um

    resultado mais interessante do ponto de

    vista da esttica urbana, criando novas

  • hipteses de articulao dos azulejos

    com as fachadas com um carcter deci-

    didamente contemporneo.

    No final desta rua encontramos trs

    outros edifcios revestidos a azulejos

    provenientes da Fbrica Roseira. Dois

    destes edifcios pertencem ainda aos

    actuais representantes da famlia.

    A fachada correspondente aos n . OS 30 e 32 totalmente azulejada com um

    padro que consta do mostrurio da

    Fbrica Roseira de que daremos notcia

    detalhada. Trata-se do desenho conhe-

    cido como de crocbet, com motivos em

    transparncia lembrando trabalho de

    renda, em duas cores azul e terra. Este

    padro est tambm documentado no

    catlogo da Fbrica das Devesas do

    Porto , catlogo sem data, de cerca de

    I90I, com o nO 84. No Brasil tambm surge este padro a que se atribui uma

    origem francesa e portuguesa.

    Neste desenho , obtido por transfern

    cia dos motivos atravs de papis perfu

    rados particularmente evidente este

    processo de fabrico, designado por azu

    lejaria de estampilha, que caracteriza

    grande parte da azulejaria de fachada.

    Em Xabregas voltaremos a encontrar o

    mesmo revestimento em tons de verde

    e terra. Trata-se portanto de uma fr

    mula muito copiada e largamente

    utilizada entre ns, que datamos do final

    do sculo XIX, tendo entrado facilmente no gosto dos encomendadores, chegan

    do a ser usada em fachadas de igrejas.

    O desenho no deriva de nenhum mo-

    Rua dos Caminhos de Ferro. Casa de Augusto Viclor Roseira. Padro azul e branco. Fbrica da Calada dos C('steiros (Roseira). St:c. XIX (2.3 metade).

    delo tradicional da azulejaria portu

    guesa e por esse motivo por vezes

    usado sem as habituais cercaduras a

    sublinhar os vos, suportando , como

    neste caso , apenas uma faixa de remate

    inferior e superior inspirado nos ga

    les de passamanaria . O efeito arren

    dado do desenho s perceptvel de

    muito perto, funcionando o revesti

    mento como uma mancha de tecido

    esticado nas fachadas.

    J o segundo edifcio , que ocupa os

    n. OS 26 e 28 , revestido com um padro

    pintado a azul-cobalto sobre fundo

    branco, mais raro que o antecedente e

    provavelmente original. A separao

    dos pisos acentuada por um friso

    constitudo por uma faixa de azulejo

    marmoreado articulada com uma com-

    posio que se desenvolve em dois

    23

    Rua dos Caminhos de Ferro_ Padr.o crochet. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (final).

    azulejos de altura em que se repetem

    carrancas de leo segurando grinaldas

    de flores. Este desenho , de factura ing

    nua, parece querer imitar ou lembrar

    uma hipottica decorao escultrica da

    arquitectura oitocentista. Por estas ra

    zes contrasta com o padro estilizado

    que cobre a fachada, mais tardio que

    o friso das carrancas. Assim o edifcio

    poder ter tido uma primeira interven

    o de azulejaria apenas na separao

  • Casa Machado de Castro. Depsito de azulejos da Fbrica da Calada dos Cesteiros e Casa deJoo Roseira.

    de pisos a que se adicionou mais tarde

    o revestimento integral com padro

    estilizado azul e branco. Tambm este

    edifcio pertenceu aos Roseira e l viveu

    Augusto Victor Roseira o ltimo pro

    pritario da fbrica que temos vindo a

    referir. Assim os padres desta fachada,

    nomeadamente o do ltimo piso, deve

    ser atribudo mesma fbrica.

    CASA MACHAD O DE CASTRO

    o ltimo edifcio azulejado da rua, n . O I8 , interessa particularmente histria

    de Lisboa por documentar uma habita

    o do tempo de D. Joo V , com alguma

    nobreza no desenho do portal e dos

    vos, a que foi acrescentado o piso supe-

    Casa Machado de Castro. Janela de trapeira. Jarres. Joo Roseira (?). Sc. XIX (2.a metade).

    Casa Machado de Castro. Padriio Parrira. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sec. XIX (2.a metade). rior, no sculo XIX . Depois do terra

    moto de I755, viveu a algum tempo

    Machado de Castro . Sabemos que pelo

    menos a escadaria era dotada de azule-

    jaria azul e branca da mesma poca de

    construo - uma soluo de albarra

    das (vasos floridos) inclinadas a acom

    panhar o desenvolvimento da escada

    (Raposo, 92) .

    Um sculo mais tarde o edifcio perten

    ce Fbrica Roseira, como balco de

    vendas da produo que se manufactu

    rava muito prximo . De facto , num

    espao do Palcio da Cova, situado na

    Calada dos Cesteiros, funcionava a f

    brica de faiana Roseira. Porque o espa

    o fosse pequeno ou porque a Rua dos

    Caminhos de Ferro oferecesse maior

    movimento de possveis fregueses, a

    verdade que os Roseira vendiam as

    faianas e azulejos no que tinha sido a

    Casa Machado de Castro. No antigo

    espao de entrada v-se, hoje, no tecto ,

    um mostrurio de padres de azulejos

    de fachada que poder datar dos ltimos

    anos do sculo XIX , poca de Il1aior

    produo da Fbrica Roseira.

    A escadaria teve exemplares dos painis

    decorativos que a fbrica tambm pro

    duzia , especialmente p intados pelo

    ceramista e proprietrio da fbrica,

    Joo Roseira (1828-?) : um soldado eIl1

    tamanho natural C0Il10 figura de convi

    te e um grande j arro de hortnsias,

    hoje na coleco Francisco Hiplito

    Raposo . Os azulejos que se vem hoje ,

    na escadaria , foraIl1 colocados em

    Il1eados dos anos 60 quando da venda

    dos azulejos primitivos a Hiplito

    Raposo. No entanto parece ter havi

    do o cuidado de a colocar azulejos

    da fbrica. Pelo menos o padro

    Roseira pela cor e desenho e mesmo

    o padro azul e branco podeIl1 ser-lhe

    atribudos.

    A janela da trapeira, construda j no

    sculo XIX, foi decorada com um par de

    j arres floridos pintados provavelIl1ente

    por Joo Roseira para o edifcio , no

    como objectos de produo seriada, mas

    como tema original , propagandeando as

    qualidades de fabrico e as possibilidades

    mais requintadas de decorao COIl1

    azulejaria, semelhana do que tinha

    realizado para a escadaria e que hoje

  • Calada do Card('al. Porm('nor dos balastr('s e pinha d(' faiana da Casa Augusto Victor Rosdra (fachada posterior). Fbrica da Calada dos C('steiros (Rosdra). Sc. XIX. (2.a m('tade).

    pertence coleco Francisco Hiplito

    Raposo , como dissemos.

    O revestimento integral da fachada no

    pode deixar de representar a produo

    da fbrica, provavelmente mais tardio

    que os jarres da janela da trapeira.

    Trata-se de um raro desenho que mos

    tra uma parreira com cachos de uvas e

    flores. No entanto, a cercadura que sub

    linha os vos relativamente comum.

    Prdio de gaveto. Calada dos Cesteiros. Peupectiva da fachada azulejada.

    CALADA D O CARDEAL, N . O 9

    Se se utilizar a escada interior deste edi

    fcio samos para a Rua do Cardeal, n. o 9 , o que corresponde fachada posterior da

    Casa Machado de Castro . Nesta fachada

    encontramos um revestimento de azu-

    lejos axadrezado em dois tons de azul.

    Ser tambm uma provvel produo dos

    Roseira. Este desenho deriva de um pa

    dro do final do sculo XVI, muito utilizado no sculo XVII, conhecido como

    enxaquetado ou de caixilho que se desen

    volve nas diagonais do quadrado. Nesta

    fachada v-se ainda uma faixa de azulejo

    amarelo, igual ao que foi produzido para

    o Palcio da Pena. Tambm, no revesti-

    mento da cimalha, outro padro Roseira

    que no consta do seu mostrurio e que

    veremos mais adiante numa fachada da

    Rua do Grilo. Nesta fachada e na cont

    gua encontramos a soluo j conhecida

    de diferenciao de pisos utilizando uma

    faixa alta de azulejo branco. A cercadura e

    a barra em festes floridos de remate

    so comuns, como tambm o o azulejo

    axadrezado que se encontra tanto em

    Portugal como no Brasil, de origem por

    tuguesa. Cremos que tambm neste caso

    os padres e cercaduras no seriam

    produzidos apenas pela Fbrica Roseira.

    A cimalha deste edifcio est rematada

    com balastres e pinhas azuis e brancas de

    faiana, peas decorativas vulgares na po-

  • Pormenor da azulejaria de fachada do pr(!dio de gaveto da Calada dos Cesteiros. Desenho inspirado num padro Minton & Coo Fbrica Calada dos Cesteiros (Roseira) . S(!c. XIX (2.8 metade).

    ca, fabricadas, como se sabe, por muitas

    fbricas e tambm pelos Roseira. As cha

    mins esto revestidas a azulejo esponjado

    ostentando a data de 1870. No interior do

    edifcio no existem azulejos que mere

    am destaque excepto um nico que mar

    ca a data da instalao da gua corrente

    junto torneira da cozinha do L andar.

    O edifcio imediatamente contguo , ape

    sar de no ter azulejaria de fachada, revela

    uma outra utilizao para estes azulejos

    lambris interiores, fabrico Roseira e

    constantes do seu mostrurio .

    Junto a este uma interessante repetio

    do tratamento da fachada posterior da

    Casa Machado de Castro que corres

    ponde fachada posterior da Casa de

    Augusto Victor Roseira, segue-se uma

    fachada revestida a padro de crochet,

    correspondendo tambm fachada

    para a Rua dos Caminhos de Ferro .

    PALCIO DA C OVA

    O edifcio de gaveto da Calada do

    Cardeal e Calada dos Cesteiros, situa

    -se numa cota bastante alta, sobre os

    caminhos-de-ferro e corresponde a uma

    parte da Casa da Cova, construda na

    transio do sculo XVI para o sculo

    XVII e com muitssimas campanhas de

    obras posteriores. Apesar de se apresen

    tar hoje com esta cota elevada em relao

    aos caminhos de ferro, a designao Casa

    da Cova diz respeito ao antigo Palcio

    que se situava numa cova , relati

    vamente ao Campo de Santa Clara. De

    facto esta fachada que interessa histria

    da azulejaria de fachada no seria a

    mesma do antigo Palcio ou Casa da

    Cova que foi habitado pelo cardeal Joo

    Mota da Silva, no sculo XVIII. Como

    muitos edifcios nobres ou religiosos, no

    Caminho do Oriente, a Casa da Cova foi

    totalmente desvirtuada das suas funes

  • de habitao para se transformar numa

    fbrica e em prdio de habitao.

    Sabemos que a Fbrica Roseira foi ins

    talada em parte deste edifcio que che

    gou a ser comprada por Joo Roseira,

    facto que nos foi relatado pelo Sr. Fer

    nando Ferreira, representante da fa

    mlia, constante de documentao que

    guarda no seu domiclio, em Viseu. Ser

    possvel a azulejaria de fachada que ape

    nas cobre uma poro individualizada

    da imensa construo dever-se tambm

    aos Roseira? No parece lgico que os

    Roseira desperdiassem uma to im

    portante montra da sua produo ,

    localizada no gaveto e a uma cota so

    branceira, visvel do rio . Outra e no

    menos importante razo, determinada

    pela anlise do modelo do padro, pode

    constituir tambm uma boa hiptese de

    atribuio desta azulejaria aos Roseira .

    O padro em causa representa um de

    senho de inspirao internacional ,

    constitudo por pequenos crculos onde

    se desenha uma folhagem estilizada, de

    grande simplicidade e rigor geomtrico.

    Ao que parece inspira-se num padro

    ingls produzido pela Minton & Co de 1880 (Alcntara, 1980) . Foi produzido

    entre ns em dois tons de verde, como

    neste caso, em dois tons de ocre que ve

    remos na Rua do Grilo e em dois tons de

    azul, soluo cromtica mais conseguida

    e mais prxima do gosto portugus.

    Encontra-se em muitas zonas de Lisboa,

    e no Brasil pelo menos na Bahia e S. Lus

    do Maranho (Alcntara , 1980, Barata,

    1986, Knof, 1986) . Ter sido produzido

    por outras manufacturas portuguesas.

    Trata-se ento de um caso muito seme-

    lhante ao padro de crochet a que j

    nos referimos e que est documentado

    como produo dos Roseira, no seu

    mostrurio na Casa Machado de Castro

    e no catlogo da Fbrica das Devesas,

    como dissemos. O padro que agora

    nos ocupa no est catalogado nem

    aparece no mostrurio referido. No

    improvvel que os Roseira, naturaliza

    dos portugueses mas originrios de

    Praga ou Saint-Gall, tenham sido os

    primeiros a importar e fabricar estes

    dois padres de gosto internacional e os

    tenham introduzido, com sucesso, no

    gosto nacional e no revestimento inte

    gral de fachadas, modalidade de uso da

    azulejaria que obviamente pertence ao

    que podemos designar como arte

    urbana portuguesa do sculo XIX.

    A REAL FBRICA DA BICA DO SAPATO

    N o local da actual Rua da Bica do

    Sapato houve uma fbrica de faiana e

    azulejos da qual no parece restar

    nenhum vestgio fsico . Muito se tem

    especulado acerca da produo da f

    brica que dura relativamente pouco

    tempo. Alguns pintores desta fbrica

    foram trabalhar para a fbrica de Estre

    moz, provavelmente depois do perodo

    das invases francesas , transportando

    consigo as tcnicas, o cromatismo e as

    maneiras da Fbrica da Bica do Sapato

    29

    pelo que por vezes se confunde a

    produo das duas fbricas. No entan

    to , parece no ter havido uma produo

    de azulejos significativa em Estremoz,

    que se dedicava preferencialmente s

    peas de faiana.

    A nica pea de faiana que se pode

    atribuir com absoluta segurana a esta

    fbrica uma travessa com os dizeres

    Real Fbrica da Bica do Sapato , em

    moldura oval central. Trata-se de uma

    travessa moldada, de aba canelada de

    corada com sanefas e festes pendentes.

    No interior um anjinho segura um

    compasso deitado sobre uma constru

    o em volutas e concheados muito

    decorada com flores, grinaldas e frutos

    em composio assimtrica. Todos ou

    quase todos os pigmentos usados na

    poca foram distribudos pela decora

    o da pea, que provavelmente seria

    uma espcie de amostra das capacidades

    de produo da fbrica.

    Algumas peas no marcadas so atri

    budas pelos ceramgrafos portugueses

    Fbrica da Bica do Sapato , e actual

    mente , no Catlogo da Exposio da

    Cermica Neoclssica em Portugal so

    -lhe atribudas com reserva cerca de

    15 peas. Tambm se publica excerto

    da documentao da Junta do Comr

    cio , Arquivo Histrico do Ministrio

    das Finanas, que se refere ao seu pro

    cesso de licenciamento . O texto assina-

    do por Joaquim Fernando Bandeira e

    Domingos Vandelli, datado de 1801 ,

    refere o pedido de licenciamento da

  • fbrica de Lus Soares Henriques,

    junto Bica do Sapato , na Horta das

    Flores, junto ao Cais do Tojo que se

    estaria a construir. O local e as peas

    que foram mostradas parecem conve

    nientes, no entanto , o texto revela uma

    nota negativa em relao ao mestre da

    fbrica Joaquim Simpliciano Franco.

    O pedido de licenciamento j datava de

    1796 e ao que parece existem peas que

    se podem datar de 1795, o que signifi

    ca que a fbrica trabalha sem licencia

    mento durante algum tempo. A fbrica dura at cerca de 1820 .

    No mesmo catlogo fica provada a exis

    tncia de uma outra fbrica na zona, a

    Fbrica da Calada dos Cesteiros a que

    j nos referimos , pela sua importncia

    na produo de azulejaria de fachada e

    que se instalava no Palcio da Cova em

    1832 , nada tendo a ver com a produo

    nem com o local fsico da Real Fbrica

    da Bica do Sapato . Nada nos diz que

    no tenha efectivamente usado a antiga

    fbrica em determinado momento, no

    entanto, no usa o nome, nem as pro

    dues respectivas tm qualquer

    sentido de continuidade.

    Sabe-se que a fbrica produziu azulejos

    pela declarao de Francisco Paula e

    Oliveira , publicada no catlogo citado

    e proveniente da mesma fonte , em

    que afirma ter ido pintar azulejos para

    a Fbrica da Bica do Sapato quando a

    Real Fbrica do Rato fechou em 1808,

    por motivo das invases francesas,

    tendo regressado ao Rato quando da

    Restaurao. No entanto no passiveI

    atribuir nenhum revestimento cermi

    co a esta fbrica, apenas conjecturar

    que tenha fabricado azulejos, peas de

    muito mais fcil produo do que as

    peas moldadas que lhe so atribudas,

    exigindo , no entanto , maiores conhe

    cimentos de desenho por parte dos

    mestres pintores, na medida em que se

    trabalha escala mural.

    Curioso o facto de o prato com a tabe

    la Real Fbrica da Bica do Sapato, refe

    rido acima, mostrar na sua decorao

    uma Alegoria ao Desenho como modo

    de expressar a capacidade dos pintores

    da fbrica.

    CAPELA D E SANTO ANTNIO

    N a Rua do Vale de Santo Antnio , um

    pouco acima da Rua da Bica do Sapato ,

    fica a Capela de Santo Antnio , de

    antigas tradies na rua, situada em

    edifcio encaixado nas construes

    contguas. Trata-se se uma reconstru

    o da antiga ermida que dataria do

    sculo XVI , erguida em torno de uma imagem do santo , da mesma poca .

    A lenda conta que Santo Antnio ter descido por este vale onde se sentou

    a descansar, antes de embarcar para

    Itlia, num dos cais da Lisboa Oriental.

    Como santo de grande devoo

    popular, conta ainda a lenda que foram

    os operrios de Lisboa que constru

    ram a capela oferecendo o seu traba

    lho e os materiais de construo . Ainda

    30

    hoje uma confraria preside e vela pela

    manuteno da capela.

    O edifcio tem uma traa austera e , no

    interior, a capela revela alguma largueza.

    A decorao foi um dos aspectos mais cuidados na sua construo . Assim, azule

    jaria, talha dourada e imaginria, dinami

    zam e emprestam dignidade ao espao .

    Os azulejos revestem todos os alados e

    so recortados nas cabeceiras, em pro

    longamento rocaille das cerca duras

    muito movimentadas. As cartelas mos

    tram cenas da vida e milagres de Santo

    Antnio. Trata-se de uma azulejaria

    policroma e extremamente bem con

    servada e da melhor qualidade enquan

    to fabrico . No entanto , o desenho das

    cenas, escala mural, assaz ingnuo,

    embora eficaz como forma de comu-

    nicao. A tipologia decorativa dos

    azulejos aponta para uma produo

    ps-terramoto, j tardia, numa poca

    em que despontava j uma linguagem

    neoclssica na azulejaria portuguesa.

    Pelos documentos guardados na con

    fraria sabemos que os azulejos foram

    pagos em 1795, embora no se tenha

    encontrado meno do fabricante ou

    do pintor . Pela proximidade com a Rua

    da Bica do Sapato tem sido aventada a

    possibilidade de ser uma produo

    desta fbrica. Os elementos decorativos

    das cercaduras, as tonalidades francas

    dos pigmentos usados, e at a ingenui

    dade do pintor , podem ser razes

    plausveis para a atribuio deste ncleo

    decorativo Bica do Sapato .

  • Palacete Beau Sjour. Pormenor da fachada. Fbrica da Calada dos Cesleiros (Roseira). Sc. XIX (23 metade).

    FBRICA ROSEIRA

    A F BRl CA Roseira fundada por um mestre loueiro estrangeiro, instalou-se em Lisboa e tornou-se rapida

    mente numa das fbricas de faiana com

    importncia na difuso do gosto pela

    azulejaria de fachada em Lisboa. O seu

    sucesso deveu-se s encomendas de

    D . Fernando II para o Palcio da Pena,

    reproduo e recriao de modelos da

    azulejaria tradicional portuguesa, fruto

    do gosto eclctico que vigorava na segun

    da metade do sculo XIX e por esta via um reconhecimento do valor da azulejaria

    como forma de arte decorativa nacional.

    A criao de novos modelos de azulejos

    desenhados para fachadas, para escada-

    rias ou vestbulos tornou-se ento uma

    realidade a que se juntavam tambm

    balaustradas, pinhas, jarres e fogarus

    em faiana, para remate dos prdios,

    emprestando uma imagem mais rica e viva

    severidade da arquitectura corrente

    dos prdios de rendimento da capital. A

    azulejaria de fachada dos Roseira mostra

    uma grande capacidade de adaptao ao

    gosto portugus, na forma como se arti

    cula com a arquitectura, atravs de frisos

    e cercaduras, restaurando tambm a anti

    ga forma de ladrilhar, contornando as

    cantarias, ajustando-se com o mximo

    rigor a todo o tipo de formas nomeada

    mente as cncavas e convexas.

    A produo de alguma azulejaria artis

    tica , figurativa e peas de vulto , nome-

    33

    adamente os medalhes della-robiannos

    de fachada, marcados com R, de inicia

    tiva de Joo Roseira, comeam agora a

    ser conhecidos e caracterizados como

    produo da fbrica.

    O conhecido Estudo Quimico e tecno

    lgico sobre a cermica portuguesa de

    finais do sculo XIX (Charles Lepierre, Lisboa, 1899, p. 134 , 135), publica as

    indicaes essenciais sobre a fbrica da

    Calada dos Cesteiros , que designa por

    fbrica de Augusto Victor Roseira.

    Indica a data de fundao 1833, a data

    em que Joo Roseira dirige a fbrica,

    1885-95 e a passagem desta ao neto

    do fundador, Augusto Victor Roseira,

    contemporneo de Lepierre. Refere

    que foram os primeiros a produzir

    azulej os para construo em 1840 ,

    tendo a fbrica dois fornos, 4 moinhos

    para moer vidro, movidos por motor a

    vapor de 6 cavalos. A fbrica estava

    instalada em 3 pisos e trabalhava com

    barro branco dos Prazeres. Publica o

    Museu do Azulejo documentos daJ unta

    do Comrcio que confirmam a data de

    fundao e nome do fundador Vicente

    Roseira , estrangeiro , e a localizao

    exacta da fbrica - O Palcio da Cova

    (Cal . Cermica Neoclssica, MNA,

    Lisboa, 1997, p . 240) . Finalmente,

    Alexandre Paes d a conhecer os Ro

    seira como fornecedores do Palcio da

    Pena (em trabalho curricular da disci

    plina de Histria da Arte Contem

    pornea' do Mestrado em Histria da

    Arte na Universidade Nova de Lisboa,

  • Busto de D. Carlos I. Fragmento de medalho de faiana. Joo Roseira (?). S.c. XIX. (2.a metade).

    de 1977) . Uma vistoria fbrica para

    determinar a sua salubridade em 1858,

    poca ainda de Vicente Roseira, confir

    ma a produo de azulejos que eram

    fabricados no ptio do Palcio, o uso

    de barro dos Prazeres, de uma paleta

    pouco variada, facto j referido como

    negativo por vrios autores da poca,

    nomeadamente Joaquim de Vascon

    cellos, como veremos adiante. Esta do-

    cumentao publicada em Comu

    nicao s III Jornadas de Cermica

    Medieval e Pst-medieval, Mtodos e

    Processos, Tondela, 28 a 31 de Outubro

    de 1998 , documentos da Torre do

    Tombo, do Arquivo das Finanas - Mi

    nistrio do Reino sobre vistorias

    fbrica de Vicente Roseira em 1858

    (Mangucci, "A pesquisa e anlise de do

    cumentos . . . " in Actas . . . , no prelo) .

    Entre 1858 e 1899, data do estudo de

    Lepierre, verifica-se que a fbrica se

    manteve no essencial, apesar de estar

    equipada com motor a vapor. No en

    tanto a sua produo , e mesmo a

    proteco de D. Fernando II que lhes

    encomenda uma srie grande de azule

    jos para o Palcio da Pena, justificam a

    compra das instalaes fabris em r879 e

    a instalao de um depsito de vendas

    na Rua dos Caminhos de Ferro e a

    compra de muitos prdios na zona de

    Alfama , para sua habitao prpria ou

    rendimento . O trabalho de campo que

    efectumos no Caminho do Oriente

    permitiu avanar no conhecimento da

    fbrica, nomeadamente atribuir-lhe

    alguns dos revestimentos de fachada

    neste local e, por outro lado , descobrir

    outro tipo de produo dos Roseira.

    Para tal contriburam muito as infor

    maes, documentao e peas da colec

    o da famlia. Um ensaio genealgico

    de Fernando Jos Rodrigues Ferreira e

    seu genro, alis autor da pgina, pintor

    Lus Filipe Calheiros foram da maior

    utilidade. AB informaes contidas nes-

    34

    te documento foram cruzadas com notas

    da agenda da Sra. D . Isaura Roseira Pe

    reira de Sousa, na posse de sua filha,

    Sra. D. Maria Lusa Bacelar que alis

    tambm nos facultou a leitura dos ttu

    los dos jazigos. A coleco de Fernando

    Ferreira e da Sra. D . Maria Isabel Ro-

    drigues Ferreira Craveiro Lopes, com

    peas da fbrica, e peas de Joo Ro

    seira, foram essenciais para o nosso

    estudo , assim como as da Sra . D . Maria

    Lusa Bacelar.

    A famlia Rosinska ou Rosenska veio de

    Samkt-Gallen, na Bomia, para Lisboa,

    com a inteno de se instalar como fabri

    cante de loua. Segundo elementos da

    famlia, Franz Rosinska, foi o primeiro a

    chegar a Portugal, naturalizado Francisco

    Roseira. Este Francisco poderia ter sido o

    comprador da Real Fbrica da Bica do

    Sapato que Jos de Queirs liga fbrica

    Roseira e de que nunca mais se fala

    (Queirs, Lisboa 1987, p. 86 e 366; I . a

    ed. , 1907) . Um aspecto referido pela

    famlia liga-se a este facto : a existncia de

    pretas de faiana em dois ramos da

    famlia diferentes e com quem falmos

    separadamente. AB cabeas de pretas , peas de faiana moldadas com tampa e

    formando uma espcie de caixa, so

    tradicionalmente atribudas ao fabrico

    Bica do Sapato embora tambm Real

    Fbrica do Rato (Cat. Cermica Neo

    clssica, MNA, Lisboa, 1997, p. 240) .

    Ocuparam -se da fbrica trs geraes

    da famlia Roseira, no tempo da sua

    durao :

  • l. O) Vicente Roseira, fundador da fbrica de faiana, (Praga, ou Samkt-Gallen,

    1790 - Lisboa, cerca de 1862) . A data

    de transladao do seu corpo para o

    jazigo do Alto de S. Joo (ttulo I053) ,

    pertencente a Eugnio Roseira , seu

    filho, de 1867 (deve ter morrido 5

    anos antes) . Foi casado com Joaquina

    Maria Nunes (? 1797 - Lisboa 1868) ;

    2. ) Eugnio Roseira (Lisboa? - Lisboa, 1879) , o segundo dono da fbrica; sem

    filhos, faz testamento , em 1878 a favor

    do sobrinho Augusto Victor. Compra

    um jazigo no Alto de S. Joo em 1867.

    Tem quatro irms e um irmo , Joo , que

    lhe sucede. As quatro irms Eugnia ,

    Emlia, Doroteia e lrmnia eram soltei

    ras e viviam numa casa junto ao Chafariz

    del'Rei, revestida a azulejos. Tinham

    casa de campo no Campo Grande,

    destruda para a construo da Cidade

    Universitria, era revestida a azulejos e

    tinha painis no interior e um grande

    jardim com azulejos. Chamavam-lhes as

    tias do Campo Grande .

    3. ) Joo Roseira (Lisboa , ? - Lisboa, 1895 (? , irmo do anterior , foi in

    dustrial e ceramista e foi casado com

    D. Josefa Francisca Vidal , natural de

    Mellon, Tuy, na Galiza . O casamento

    realizou-se em 16 de Janeiro de 186o,

    existindo peas de faiana comemora

    tivas da data. Teve dois filhos e duas

    filhas . Comprou a fraco do Palcio

    da Cova onde se instalara a fbrica, em

    1879 por 600 000 ris a Manuel An

    tnio Monteiro que era seu propriet-

    rio de raiz (segundo apontamentos da

    famlia) . Morou no edifcio da Rua dos

    Caminhos de Ferro , depsito de ven

    das da fbrica e no Beco do Belo , no

    edifcio das esferas pintadas em

    azulejo. Tinha casa de Vero nas Caldas

    da Rainha;

    4. ) Augusto Victor Roseira (Lisboa, 1862 - Lisboa, 1941) o ltimo pro

    prietrio da fbrica. Tem um irmo,

    Dr. Jlio, com gerao e duas irms,

    Adelaide , sem gerao , e Isabel Virg

    nia , com gerao . Viveu com sua filha

    Isaura Roseira, casada com Dr. Alfredo

    Pereira de Sousa, na Rua dos Caminhos

    de Ferro , n. o 2 6 , 2 8 , num prdio com

    azulejos, com fachada para a Calada

    dos Cesteiros. Fechou a fbrica cerca de

    1930 (?) . A ltima pea datada que se

    conhece da fbrica o revestimento da

    Fbrica das Balanas, junto S, em

    Lisboa, de 1918 , assinada P.tor Reis

    e marcada F.ca Roseira . A grande

    poca da fbrica a da segunda metade

    do sculo XIX , comeando depois a decair. De facto , em 1904, Augusto

    Victor Roseira pede cmara para

    construir um barraco na sua fbrica

    de azulejos, cita na Calada dos Ces

    teiros, n . o 15 , mostrando ainda uma

    certa vida na produo fabril. Um auto

    de vistoria da Cmara Municipal de

    Lisboa de 1927 , informa que o Palcio,

    foi aproveitado para indstria cer

    mica e dividido por tabiques para abrigar

    as numerosas famlias que o habitam.

    Na mesma origem um despacho de 1929

    35

    Revt:rso da pea da figura anterior. Marca R. Joo Roseira (?). Sc. XIX. (2.a metade).

    autoriza a demolio de uns fornos . . .

    Parece ento poder inferir-se que a f

    brica labora de 1832 a cerca de 1930 .

    Joo Roseira foi conhecido ceramis

    ta , corno nos diz Liberato Telles , a

    propsito da sua encomenda de azule

    jos para restauro da Igreja da Madre de

    Deus (Telles, 1899 , p. 18) .

    Fabricava ele mesmo peas de presen

    te que ainda existem nas coleces da

  • Palcio de Sintra. Mirante. Reve.stimento a azulejo amarelo. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2.a metade). famlia. Marcava as suas peas com R, R

    com pontos e R rodeado de vergntea.

    Algumas eram objectos de faiana mol

    dada como cestas floreiras , cestas perfu

    radas (inspiradas nas clebres verguinhas

    criadas pelo Manuel Mafra nas Caldas,

    seu contemporneo e como ele protegi

    do por D . Fernando) . Na coleco de

    Cascais existe mesmo um par de pratos -

    abanos de palha , tpico da produo

    das Caldas, mas atribudo pela famlia a

    Joo Roseira . Outras peas que se

    encontram na coleco de Viseu, so

    vasos, pratos e canecas datadas e com

    iniciais , correspondendo a datas

    festivas. Um prato , da mesma coleco,

    mostra a efgie de D . Fernando , dese

    nhado de forma ingnua.

    Na casa de Vero , das Caldas, tinha uma

    pequena oficina de olaria, no jardim.

    A fachada era azulejada com azulejo

    vidrado verde, provvel fabrico Caldas.

    No entanto, na fachada posterior, esta

    vam colocados dois Tondi (medalhes)

    de faiana maneira dellarobbiana, que

    se v claramente numa fotografia de

    famlia. Joo Roseira assistiu em 1870,

    descoberta do portal da Igreja da

    Madre de Deus pelo arquitecto Jos

    Maria Nepomuceno . A descoberta foi

    possvel graas ao quadro da Procisso

    das Relquias de Santa Auta (hoje no

    MNAA) , representando a fachada ma

    nuelina da Madre de Deus, onde esta

    vam os Tondi de Dellarobbia, hoje

    tambm no mesmo Museu.

    Joo Roseira produziu e ter ele mes

    mo moldado, como conhecido cera

    mista , uma srie destes medalhes de

    fachada, marcados com R. O par da

    coleco de Cascais , marcado R, com

    pontos , mostra uma cena repartida,

    invertida para formar o par, com um

    bacanal de putti, muito renascena .

    Vimos outro par na coleo de Lisboa,

    sem marca, que infelizmente se partiu

    e sabemos de outro par ainda, este

    de 65 cm de dimetro , em coleco

    particular , S .J oo do Estoril , com

    retratos de D. Fernando (r816-1885)

    e de D . Lus (1838-1889) , marcados

    com R.

    Tambm pintou azulejos . Conhecem

    -se os que estavam na antiga Casa Ma

    chado de Castro , hoje na coleco de

    Francisco Hiplito Raposo , que deles

    deu notcia num artigo do Indepen

    dente (Francisco Hiplito Raposo ,

    A Real Fbrica da Bica do Sapato in,

    O Independente, 13 de Novembro de 1992) . Da mesma casa saiu tambm um

    painel de cozinha, com iguarias dese

    nhadas, hoje na coleco de Cascais.

    O conde de Sabugosa afirma que o

    Sr. Roseira fabricou e introduziu no

    mercado o clebre padro de azuleja

    ria sevilhana, conhecido como p de

    galo , existente no patio do repuxo no

    Palcio de Sintra (Conde de Sabu

    gosa, O Pao de Cintra, Lisboa, 1903, p . 2 07) .

    Joaquim de Vasconcellos o nico

    autor que escreve criticamente sobre os

    azulejos da fbrica , referindo que ,

    apesar do Sr . Roseira no marcar os

    seus azulejos , produzia azulejo liso ,

    isto sem relevo , de boa qualidade

    (Vasconcellos, Cermica portuguesa,

    1884, p. 75) . Na Exposio de Cer

    mica Nacional do Porto em 1 8 8 2 , o

    mesmo autor reporta que o Sr. Roseira

    (trata-se j de Joo Roseira) apresen

    tou uma cpia de um padro antigo

    (que tambm se expunha e era per-

  • tencente coleco do arquitecto Jos

    Maria Nepomuceno) . Tratar-se-ia dos

    azulejos de fachada do Palcio de Sin

    tra, modelo de feio arabizante ,

    produzido pelos Roseira : . . . as cores

    so ordinrias, sem fora sem transpa

    rncia e sem esmalte. Perdeu-se o

    verde antigo, intenso , perdeu-se a cor

    de vinho , perdeu-se a cor turquesa, e

    as outras duas (azul e castanho) ,

    perderam pelo menos a intensidade e a

    transparncia: o caracter do esmalte"

    (Vasconcellos, op. cit. ) . No entanto

    admira os azulejos de relevo da fbrica:

    O snr. Roseira tinha-os at de relevo ,

    de muito bom effeito . (Idem, p. 76) .

    Esta declarao de Vasconcellos pode

    relacionar-se ainda com os azulejos

    da Pena, onde existem numerosos pa

    dres em relevo .

    De facto , em 1854 compram-se azule

    jos para a fachada do Palcio de Sintra a

    Eugnio Roseira. Trata-se de azulejos

    que reproduzem azulejaria quinhen

    tista de fabrico sevilhano , conhecido

    como padro de estrela, fabricado tanto

    na tcnica de corda seca como de aresta

    e largamente importados por Portugal.

    D . Fernando II escolhe um modelo que

    existe tanto na zona conventual do

    Palcio como no Palcio da Vila de

    Sintra , e coloca-o emblematicamente

    na fachada do Palcio da Pena. Alexan

    dre Paes , no texto j citado aponta esta

    renovao do interesse pela azulejaria,

    agora corno decorao de fachada,

    corno um moda que tambm deve

    ser imputada a D . Fernando I I , prova

    velmente o mais importante fazedor

    de gosto na sua poca . Corno j refe

    rimos, esta encomenda, d obviamente

    notoriedade Fbrica Roseira e, apon

    ta o caminho do interesse pela azule

    jaria portuguesa tradicional a que os

    Roseira vo ficar atentos.

    Com toda a probabilidade os Roseira

    forneceram a azulejaria amarelo-ouro ,

    que reveste as cpulas da mirante .

    O mesmo azulejo amarelo pode ver-se

    na fachada posterior da Casa Machado

    de C astro , Rua dos Caminhos de

    Ferro . Como veremos os Roseira vo

    fornecer toda a fachada do Palacete

    Beau Sjour; a encontramos tambm

    um pavilho de jardim ladrilhado com

    o mesmo azulejo amarelo .

    Em 1867 trs outros modelos fabrica

    dos pelos Roseira vo integrar a decora

    o dos interiores do Palcio da Pena;

    interessa-nos especialmente o modelo

    de padronagem para o interior da es

    cadaria da Torre do Relgio , colocado

    nas paredes e cpula. O padro revela

    urna notvel capacidade de inveno

    e muito feliz como desenho ; apren

    de-se a lio de geometria da azuleja

    ria morabe, utilizam-se as diagonais

    do quadrado, o que permite, quando

    da construo do tapete multiplicar

    as diagonais criando efeitos dinmicos

    e imprevistos . A simplicidade do

    mdulo utilizado, uma folha recortada,

    de inspirao naturalista , facilita a

    produo em srie. Este padro inven-

    37

    Palacete Beau SejoUl-. Pormenor da fachada. AwJejaria da fbrica da Calada dos CC'steiros (Roseira). Sec. XIX (2.3 metade).

    ta do para a Pena ter uma longa vida

    e vamos encontr-lo em muitssimos

    prdios de Lisboa, provavelmente de

    pois de ser usado no Palacete Beau

    Sjour, em Benfica.

    De facto , em texto mais recente pu

    blicado sobre Beau Sjour faz-se

    a atribuio da sua fachada azulejada

    Fbrica Viva Lamego (Teresa Vale,

    O Beau Sjour: Uma quinta l'omnti-

  • Mostrurio de azulejaria de fachada (fragmento). Casa Machado de Castro. Antigo depsito de azulejos da fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2.a metade).

    ca de Lisboa, Lisboa, s . d . ) . A autora

    baseia -se numa investigao da azu

    lejaria de fachada (Barros Veloso e

    Isabel Almasqu, Azulejos de Facha

    da em Lisboa II, in Lisboa Revis

    ta Municipal , Lisboa, Ano XLIV, . a srie, n . o 4, . o trimestre, 1983 ,

    No interior da casa do Beco do Belo,

    onde viveu Joo Roseira, encontra-se

    um mostrurio de produes da fbri

    ca, colocado a formar lambrins. Nesta

    casa encontrmos fragmentos de todos

    os elementos da fachada do Palacete, o

    padro de folhas, da Pena, e a decora

    o do fronto curvo : o padro de

    vulos, amarelo e azul e mesmo o

    padro de pintas azul-cobalto .

    Se percorrermos o eixo, desde o Cam

    po das Cebolas ao Largo dos Caminhos

    de Ferro verificamos a moda do pa

    dro de folhas do Palcio da Pena e do

    Palacete Beau Sjour . Encontramos

    cerca de 10 prdios com este padro

    glosado em diferentes jogos de cores, o

    mesmo acontecendo na zona da Rua da

    Madalena e outros pontos do Chiado .

    No primeiro caso trata-se de uma ver

    dadeira rea geogrfica de influncia

    da fbrica, a que no deve ser estranha

    a ligao desta famlia com famlias

    galegas, importantes construtores e

    proprietrios dessas zonas . Junto ao

    Chafariz d' el Rei uma casa pertencente

    aos Roseira e tm mesmo uma variante

    do padro de folhas que no vimos em

    mais nenhum local . Trata-se de uma

    curiosa viagem, o percurso deste pa

    dro que pode ter comeado no prdio

    do Largo dos Caminhos de Ferro

    (I865?) para o Palcio da Pena (1867) ,

    ou inversamente, o que seria mais na

    tural. De qualquer modo a sua aceita

    o no mercado passa naturalmente

    pela utilizao que dele se faz no