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CENTRO UNIVERSITRIO FIEOPROGRAMA DE PS-GRADUAO
EM PSICOLOGIA EDUCACIONAL
CAMINHOS E DESCAMINHOS DO
ADOLESCENTE DESVIANTE NO CONTEXTO
DAS MEDIDAS SCIO-EDUCATIVAS
Dissertao de Mestrado
CARLOS ANTONIO CENTOLANZA
OSASCO SP
2008
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CARLOS ANTONIO CENTOLANZA
CAMINHOS E DESCAMINHOS DO
ADOLESCENTE DESVIANTE NO CONTEXTO
DAS MEDIDAS SCIO-EDUCATIVAS
Dissertao apresentada Banca examinadora
da UNIFIEO Centro Universitrio FIEO,
para obteno do ttulo de Mestre em
Psicologia Educacional, tendo como rea de
concentrao Ensino e Aprendizagem, inserido
na linha de pesquisa Ensino e Aprendizagem
no Contexto Social e Poltico, sob a orientao
do Prof. Dr. Joo Clemente de Souza Neto.
CENTRO UNIVERSITRIO FIEOOSASCO SP
2008
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Catalogao da Publicao
Biblioteca do Centro Universitrio FIEO
Autor: Carlos Antonio Centolanza
Ttulo: Caminhos e Descaminhosdo Adolescente Desviante no Contexto
das Medidas Scio-Educativas
143 pginas
Dissertao de Mestrado em Psicologia Educacional
Centro Universitrio FIEO
Osasco 2008
1. Psicologia 2. Educao 3 Sociologia. 4. Psicopedagogia
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Ttulo: Caminhos e Descaminhos do
Adolescente Desviante no Contexto das
Medidas Scio-Educativas
Autor: Carlos Antonio Centolanza
Aprovado em: 08 de Abril de 2008
Nota: 10 (dez)
Banca examinadora:
Orientador: Professor Doutor Joo Clemente de Souza Neto
Professora Doutora: Mrcia Siqueira de Andrade
Professor Doutor Geraldo Caliman
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Ao menor abandonado
Aos homens de boa vontade, que trabalham pelo menor.
Criana, que hoje chora nos braos do abandono,Que no tem o calor do amor,
o teto de um lar regular,mas o prenncio da vida perdida,sei que o seu caminho, sozinho,
continuar at o fim assime que nessa viagem sem belas paisagens,
por estradas frias, sombrias,o desatino ser certamente o seu destino.
Criana, que hoje chora nos braos do abandono,sem ter dono, sem ter sono,
tranqilo do infante, mas vive constantesem ter abrigo, sem ter amigo,
completamente perdida na solido,sem que o olhar do seu irmo,
que passa indiferente, contente,detenha-se sobre sua triste sorte
e procure ajud-la a crescer, viver,ressuscit-la dessa vida, que morte.
Criana, que hoje chora nos braos do abandono,que no tem o regao da me para o seu cansao,
que no tem a presena do pai para secar seu lacrimejar,e mesmo auxlio de algum caridoso, despretensiosopara sentir a grande necessidade e de ter caridade
de olhar para o abandono da criana,que no pode ser vista como esperana,
quando sua vida presente desmenteque possa ter um alegre amanh.
Chore, criana abandonada, desesperada,que, talvez, o seu grito de orfandade
desperte a nossa sociedade, pois j tempode sensibilizar o corao do seu irmo,
faz-lo sentir que foi justamente por no ouviro seu choro, que hoje os homens , em coro,lamentam seus crimes , a sua agressividade,
e se julgam tambm culpados, por terem gerado,com tanta indiferena , a sua nefasta presena,
de homem revoltado, delinqente, afeito maldade,como fruto de nossa prpria comunidade.
Paulo Lcio Nogueira,Marlia, junho de 1977.
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DEDICATRIA
por acreditar em uma fora maior e universal, dedico esta obra ao esprito de
solidariedade e de amor ao prximo existente nos Homens de boa vontade representados aqui,
pelo Doutor Joo Clemente de Souza Neto orientador e amigo e pelo Senhor Joo Palma,
Secretrio de Cultura, Comunicao, Lazer e Criana da Prefeitura Municipal de Barueri,
homens que cultivam em si o sentimento de esperana de um futuro menos injusto.
Aos meus pais, Francesco e Carmela. Aos meus irmos, Michelli, Angelo, Rosa,
Maria, Giuseppe e Isabella, cada qual com sua colaborao na minha formao.
Ao meu filho Giovanni Palma Centolanza, ser especial com o qual fui presenteado.
Maria Luisa Palma, amada companheira, por existir e por contribuir brilhantemente
com os seus valiosos conhecimentos para a execuo e concluso desta obra.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, que caminhou sempre ao meu lado, Professor Doutor Joo
Clemente de Souza Neto, pelo incentivo, pela compreenso, pela confiana e perseverana no
transpor de todas as barreiras encontradas no caminho. Ao Centro Universitrio FIEO por
meio de todo o corpo docente do Curso de Mestrado em Psicologia Educacional, pelos
conhecimentos adquiridos durante minha passagem. Aos Professores(as) Doutores que
participaram da banca de defesa: Professora Doutora Mrcia Siqueira de Andrade, Professor
Doutor Geraldo Caliman e Professora Doutora Maria Elisa Pires de Mattos Ferreira. A todos
os companheiros de luta que contriburam com suas sugestes e pelo material adquirido
durante as brilhantes discusses em sala de aula.
Aos adolescentes, que cumprem medida Scio-Educativa de Prestao de Servios
Comunidade, e, ao ento Prefeito do Municpio de Barueri no ano de 2002.
Ao Senhor Gilberto Macedo Arantes pela oportunidade oferecida.
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SUMRIOLISTA DE ILUSTRAES ...................................................................................................10
SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS NO TEXTO ........................................11
RESUMO ...........................................................................................................................12
ABSTRACT ...........................................................................................................................13
INTRODUO ...............................................................................................................14
1 CONSTRUO DOS ASPECTOS HISTRICOS E TERICOS DO ATENDIMENTO
SCIO-EDUCATIVO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL .................21
1.1. O Adolescer ...............................................................................................................29
1.2. Vulnerabilidade e Adolescncia ............................................................................31
1.3. Desejos, Paixes, Frustraes e Agressividade ....................................................35
1.3.1. O Furto ...................................................................................................35
1.3.1.1. O furto como fenmeno de transio ........................................35
1.3.2. Agressividade Benigna ............................................................................43
1.3.2.1. Agressividade Maligna ............................................................................43
1.4. A Pichao, ato anti-social ou desviante ................................................................44
1.5. A Aprendizagem Humana no Caminho do Transfazer .........................................46
1.6. Agressividade ou Pedido de Socorro ............................................................................48
1.7. O Sujeito, Autor de sua Prpria Histria ................................................................51
2 CENRIOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ....................................................55
2.1. Os Princpios e as Bases da Pesquisa .................................................................57
2.2. O Cenrio da Pesquisa ........................................................................................59
2.3. O Perfil do Adolescente de Barueri ............................................................................62
2.4. Situando o Adolescente em Conflito com a Lei ....................................................63
2.5. As Medidas Scio-Educativas em Regime Aberto ....................................................65
2.6. O Programa Scio-Educativo ........................................................................................66
2.6.1. A Sondagem ....................................................................................................66
2.6.2. Questes Diretivas ........................................................................................67
2.6.3. A Entrevista no Diretiva ............................................................................68
3 O TRANSVIVER NO ESPAO SCIO-EDUCATIVO
3.1. Aprender a Aprender a Transviver .................................................................................69
3.2. Os Pilares da Educao presentes no Atendimento Scio-educativo.............................72
3.2.1. Aprender a Aprender na Ausncia dos Referenciais Familiares .....................73
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3.2.2. Aprender a Aprender a Conviver com seus Fantasmas ..................................78
3.2.3. Aprender a Aprender a se Transformar............................................................82
3.2.4. Aprender a Aprender a Conviver com o sentimento Simblico de
abandono ...............................................................................................................88
3.3. As Prticas Scio-Educativas, Estratgias que Possibilitam a Passagem de Sujeito Ator
para Sujeito Autor. ................................................................................................................93
4 TENTATIVA DE CONCLUSO
4.1. Aprender implica em entender que ainda h muito a se aprender .............................99
7 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CONSULTADAS .......................................106
ANEXO l ............................................................................................................. 114
ANEXO 2 ..............................................................................................................124
ANEXO 3 ..............................................................................................................133
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LISTA DE ILUSTRAES
Grfico n 01 Evoluo das internaes no sistema Scio-Educativo no Brasil, Pg. 08.
Grfico n 02 Evoluo das internaes no sistema Scio-Educativo no Brasil por regio,pg. 08.
Grfico n 03 Quantidade de adolescentes infratores da zona Oeste de So Paulo, pg. 47.
Grfico n 04 A evoluo anual e as medidas scio-educativas, pg. 48
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SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS NO TEXTO
CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental
EMEI Escola Municipal de Ensino Infantil
EMEIEF Escola Municipal de Educao Infantil e Ensino Fundamental
FEBEM Fundao Estadual para o Bem Estar do Menor
FIEB Fundao Instituto de Educao de Barueri
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ITB Instituto Tecnolgico de Barueri
ONU Organizao das Naes Unidas
PNCFC Plano Nacional de Convivncia Familiar e Comunitria
SAMEB Servio de Atendimento Mdico de Barueri
SEADE Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Scio-Educativo
UBS Unidades Bsicas de Sade
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
V.I.J.B. Vara da Infncia e Juventude de Barueri
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RESUMOO presente trabalho, teve como objetivo compreender o fenmeno do adolescente em
conflito com a Lei dentro de uma prtica Scio-Educativa realizada junto ao programa de
atendimento Scio-educativo, implantado na cidade de Barueri no perodo de 1997 a 2002.
Buscou identificar e entender, sob uma nova tica, alguns dos possveis fatores que poderiam
ter induzido os adolescentes em questo a entrar em conflito com a Lei. Observamos que, a
prtica anti-social, no caso dos adolescentes, pode estar funcionando como um de pedido de
socorro. Acreditamos que a interveno Scio-Educativa atuou de forma a restabelecer e a
potencializar os adolescentes, auxiliando-os a encontrarem ferramentas que os ajudassem a
modificar as suas perspectivas de vida.
Partimos do pressuposto de que as prticas anti-sociais podem ser demonstraes do
dficit nas necessidades bsicas cognitivas, afetivas, sociais, econmicas, entre outras, e, o
efeito que exercem no processo de construo do sujeito. Assim sendo, foi proposto e
colocado em prtica um programa Scio-educativo que procurou oferecer uma oportunidade
para que, esses dficits fossem compensados.
Nossa abordagem metodolgica seguiu o modelo de pesquisa interveno com
abordagem qualitativa, por permitir uma flexibilidade de anlise dos dados, alm de deixar
uma abertura a outras perspectivas, o que possibilita uma permanente reformulao de
modelos de apropriao emprica, tomando como base as idias de tericos que mais bem
explicam o fenmeno observado.Os resultados a que chegamos nos permitem inferir que, os adolescentes participantes
do programa, encontraram uma maneira de re-significar a sua histria de vida e aprenderam a
transviver, possibilitando a passagem de sujeitos atores para sujeitos autores.
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ABSTRACT
Such paperhad the aim at understandind the adolescent in conflict with the Law
fenomenon within a social and educacional practice made with the social and educacional
atendance. Inserted inde city of Barueri from 1997 to 2002. It was tried to identify and
understand, under a new view, some of the possible factors that could have led the adolescents
in reference tobe in conflict wit the Law. It was observed that the anti-social practice in the
case of the adolescents may be a means of help request. We belive de social-educacional
intervention has worked properly in a way of restablishingand potebncializing the
adolescents, making them find tools which help the change their perspective of life.
We have started from the standingpoint that the anti-social practices may be deficit
demonstration in the basic cognitive, afective, social, economic needs, among others, and the
efect that these needs reflect in the process of construction of the subject. Thus, it was
suggested and put into practice a social-educacional program which looked forward to
affering an opportunity for thesse deficits to be overcome.
Our methodological approach ha sfollowed a intervention pesquise with a qualitative
approuch , for allowing a data anaysis flexibility, it also shows an opening to other
perspectives that make a permanent reformulation of models af empirical appropriation
possible, having as a basis the theorie makers ideas who explain pretty well such observed
fenomenon.
The resuls we have reachad allow us to infere that that the tennagers, participants of
the program could think over their story of life and the learn to live meaningfully, becoming
from subject actors to subject authers.
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INTRODUO
________________________________________________________________Este trabalho nasceu da necessidade de conhecer e de tentar entender, melhor, alguns
dos aspectos peculiares que envolvem a formao do sujeito adolescente em conflito com a
Lei. Esse um problema que atinge todas as sociedades contemporneas, e merece a ateno
de documentos produzidos pelas agncias da ONU tais como UNICEF, UNESCO e os meios
de comunicao. possvel observar diariamente muitos casos de prticas agressivas e
violentas envolvendo adolescentes: individualmente ou por meio das gangues. As pesquisas e
noticirios demonstram a capacidade mobilizadora deles. As gangues tornaram-se espaos
alternativos que fortalecem e protegem esse adolescente que procura encontrar um lugar onde
ele possa construir uma identidade. Em todas as partes do mundo, percebe-se grande aumento
do nmero de gangues de todos os traos, tais como: pichadores; Skinheads, jovens que tem
o hbito de agredirem moralmente e fisicamente, s vezes at a morte, pessoas, cuja etnia ou
costumes no seja aceita pelo grupo. Acrescentam-se outras prticas violentas, como foi
recentemente noticiada nos EUA, onde adolescentes portando arma de fogo entram nas
escolas atirando em alunos e funcionrios e depois se suicidam. Durkheim acena para a
questo indicando que nenhuma sociedade est isenta, O crime no se observa apenas na
maior parte das sociedades desta ou daquela espcie, mas em todas as sociedades de todos os
tipos. No h nenhuma onde no exista uma (Durkheim, 1985:53).
Essa uma realidade triste indicativa do grau de degradao social pelo qual
passamos. No entanto, o mais preocupante , o aumento dia-a-dia dos adolescentes vtimas da
violncia, do abandono e dos maus tratos; Varas da Infncia e Juventude apinhadas de
processos envolvendo adolescentes em conflito com a Lei; instituies encarregadas da
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aplicao de medidas Scio-Educativas superlotadas e sem condies de atender a demanda.
So situaes que refletem a aparente fragilidade do Estado, da Sociedade e da Famlia no
enfrentamento de tais situaes.
Segundo dados da UNESCO, estima-se a existncia no mundo, de cerca de 6 bilhes
de habitantes, onde, aproximadamente 720 milhes so adolescentes, o equivalente a 12% da
populao mundial1, o que possibilita no futuro o aumento dos casos de desvios entre essa
populao. No cenrio mundial, o Brasil foi apontado pela UNESCO como o quinto pas
mais populoso do mundo, ficando atrs da China, da ndia, dos Estados Unidos da Amrica e
da Indonsia.
A populao brasileira, segundo dados do IBGE, cresceu quase dez vezes s no sculo
XX. Saltou dos 17 milhes de habitantes registrados no incio do sculo para os atuais 169
milhes nmeros apresentados no ano de 2000 Dessa populao, cerca de 12% so
adolescentes, equivalente a 21 milhes. So 83.576.015 homens e 86.223.155 mulheres. A
maior parte da populao, cerca de 137.953.959 pessoas, moram em reas urbanas, ou seja,
81% da populao concentram-se junto aos grandes centros. Essas grandes concentraes
humanas acabam sofrendo conseqncia dos dficits sociais espelhados no problema de
suprimento do conjunto de necessidades bsicas da pessoa humana, tais como: moradia,
trabalho, de sade, educao e assistncia social, ndices de criminalidade, entre outros. No
entanto, o maior dos problemas apresentados , o grande nmero de famlias pobres que
vivem s margens das cidades. So fatores importantes e preocupam cada vez mais as
autoridades, no entanto, bom lembrar que a pobreza associada aos problemas de ordem
psicolgica so os mais preocupantes de todos, principalmente, quando tratamos de observar
o quanto ausncia de recursos podem atingir e influenciar queles sujeitos que se encontram
em fase peculiar de desenvolvimento, no caso das crianas e adolescentes, foco do nosso
trabalho.
No campo terico existem vrios autores tais como Winnicott, Souza Neto, Caliman e
Silva que em seus estudos sobre adolescente enfatizam os provveis motivos propulsores da
prtica da violncia e da agressividade, do consumismo, da formao das gangues e do
cometimento de crimes e das contravenes. Nossa preocupao em utilizar esses estudos
de elabora um acervo que permita a compreenso das prticas desviantes dos adolescentes
como um possvel pedido de socorro e, como, a compreenso dessas prticas pode ajudar os
1 Nenhuma instituio publicou ainda uma estimativa a respeito do nmero de adolescentes no mundo. Osnmeros apresentados so projees realizadas em cima do nmero de adolescentes existentes no Brasil , queatingem cerca de 12% do total da populao.
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educadores e profissionais, a desencadear um processo de aprendizagem saudvel na relao
entre os sujeitos envolvidos no espao scio-educativo. Acreditamos na possibilidade desses
espaos ajudarem na criao de sentidos que direcionam os envolvidos para o protagonismo e
para a construo de tecido social no cotidiano pautado na tica e na conscincia social, onde,
eles no lutam apenas para a sua emancipao, mas tambm a dos seus semelhantes.
Tencionamos neste trabalho interagir, observar, analisar e sugerir possveis medidas
para atenuar o problema do atendimento Scio-Educativo de adolescentes infratores, bem
como, demonstrar a importncia do espao de escuta e de pontecializao das qualidades
positivas desses adolescentes. A partir dessa preocupao procuramos elencar algumas
questes tais como: Quais possveis situaes poderiam ter motivado os adolescentes a terem
um comportamento classificado como desviante ou anti-social at entrar em conflito com
Lei.? Tais atitudes agressivas e violentas estariam vinculadas a uma problemtica dos
fenmenos transicionais? As medidas Scio-Educativas podem contribuir para o jovem re-
significar a sua histria de vida, e dessa forma elaborar uma maneira saudvel de convivncia
humana? Como as prticas e as tcnicas Scio-educativas podem contribuir com o processo
de aprendizagem? As polticas pblicas e as tcnicas utilizadas na aplicao das medidas
Scio-Educativas podem e contribuir na construo de um projeto de vida? Como as polticas
sociais municipalizadas podem contribuir para ajudar o scio-educando a lidar com as
frustraes e ao mesmo tempo, fortalecer a famlia, vistos na perspectiva de atendimento em
rede preconizadas no ECA, SINASE e outros documentos?
A nossa questo de fundo , tentar perceber o sentido das prticas anti-sociais ou
desviantes de adolescentes no s como uma oportunidade de aprendizado para esse mesmo
adolescente e sim, tambm, como um meio de comunicar desejos e sentimentos, necessidades
sufocadas, sensaes de mal estar. lgico que nem todas as necessidades e desejos devem
ser satisfeitos, entretanto, se faz necessrio um aprendizado para lidar com essas situaes.
Este trabalho circunscreveu-se num momento onde se dava a implementao de um
programa de atendimento Scio-Educativo em regime aberto, administrado pela Secretaria de
Cultura do Municpio de Barueri no ano de 1997. Nesse processo emergiu a necessidade de
conhecer e entender melhor a situao dos adolescentes em conflito com a Lei que se
utilizavam desse programa, e, a partir da, estrutur-lo para responder s exigncias legais,
bem como as necessidades reais dos adolescentes e familiares.
No sentido de responder as nossas indagaes procuramos resgatar no primeiro
captulo, a situao histrica, e, alguns aspectos do ordenamento jurdico voltado ao
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atendimento Scio-Educativo no Brasil desde o perodo colonial. Evidenciamos as
transformaes desse atendimento salientando os aspectos principais que marcaram cada
perodo at chegarmos no momento em que surgiu o ECA, onde o adolescente deixou de ser
observado como ru e passou a ser observado, tambm, como vtima. Resgatamos alguns dos
aspectos peculiares que envolvem o processo de desenvolvimento dos adolescentes,
dialogando do ponto de vista terico, se h relao entre os elementos de ordem
comportamental desviante com a falta de elementos necessrios para o desenvolvimento e a
subsistncia humana.
Na busca de complementar essa idia, procuramos situar o adolescente dentro do
quadro de vulnerabilidade no qual, por falta de recursos: econmicos, sociais, afetivos,
cognitivos, entre outros, podem ter sido levados a um estado estressor, e conseqentemente,
conduzidos s prticas agressivas e desviantes, que em nossa forma de abordagem tomam o
sentido de comunicar uma situao de mal estar. Dentro dessa perspectiva desviante,
abordamos a questo do furto e da pichao, abordados segundo a perspectiva de Winnicott:
funcionar como um fenmeno ou objeto de transio, decorrente de um estado de privao
que pode, tambm, desencadear prticas agressivas.
No segundo captulo, apresentamos o nosso percurso metodolgico, que diante da
possibilidade e da flexibilidade de adequao do modelo de apropriao emprica, lanamos
mo da pesquisa de interveno com abordagem qualitativa, como metodologia a ser aplicada
no trabalho. Escolhemos a pesquisa de interveno por acharmos que, em sua estrutura,
permite-se uma flexibilidade que cria uma interface entre pesquisador e objeto, no sentido de
renovar a produo de conhecimento referente ao atendimento scio-educativo em regime
aberto. Utilizamo-nos de procedimentos prprios que nos permitissem um engajamento dentro
de processos de mudana social. Fizemos uso de um modelo de abordagem qualitativa por
permitir o uso de diversas referencias epistemolgicas que, possibilita a reformulao de
modelos de apropriao emprica sobre as categorias que emergiram durante o processo, o
que fortaleceu a imagem dialtica dessa pesquisa.
A nossa preocupao em fazer uma pesquisa de interveno no programa Scio-
educativo no municpio de Barueri foi sempre calcada na crena de tentar identificar alguns
dos fatores que poderiam ter contribudo para os adolescentes conflitarem com a Lei, bem
como a de encontrar um meio para equacionar essa situao de forma curativa ou preventiva.
Assumimos a hiptese de que, o conflito com a lei, cometido por adolescentes, pode ser a
representao de uma forma de pedido de socorro em decorrncia momentnea
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incapacidade de responderem s suas necessidades de ordem emocional, social, cognitiva e
material. O adolescente fica, muitas vezes, perplexo diante de um conjunto de necessidades
que ele no consegue encaminh-las e nem ter apoio, geralmente uma das sadas so as
prticas anti-sociais. A necessidade pode provocar no adolescente um grau de insatisfao em
que ele pode oscilar desde o envolvimento com produtos qumicos ou agressividade a si e a
terceiros. Nesse contexto, observamos a importncia de criar e oferecer espaos em
condies para atender ao conjunto de necessidades bsicas de pessoa humana. Nosso
trabalho se justifica na medida em que nos preocupamos em observar o adolescente como o
cidado do futuro capaz de: aprender com seus erros, de assumir o papel de autor de sua
prpria histria, assumir responsabilidade da construo pessoal da sua conscincia e posio
social, de ser criativo no sentido de aprender a escolher as melhores sadas para suas
frustraes, em suma, ajudar um sujeito de direitos a, tambm, respeitar esses direitos.
Caracterizamos o cenrio e o perfil dos adolescentes que moram na regio onde
aconteceu pesquisa; evidenciamos as principais caractersticas apresentadas pelo objeto de
pesquisa, bem como, dos sujeitos envolvidos; descrevemos: a maneira pela qual aconteceu o
primeiro contato do observador com o objeto e um perfil dos instrumentos de pesquisa que
foram utilizados para alcanar nossos objetivos.
No terceiro captulo, apresentamos um relato do processo de transformao
apresentado pelos dos adolescentes em conflito com a Lei, que no decorrer do processo de
atendimento, propiciaram evidenciar a necessidade de oferecer no espao Scio-Educativo a
possibilidade de potencializar os elementos contidos nos quatro pilares da educao: aprender
a aprender, aprender a conviver, aprender a ser, e aprender a fazer. Dentro dessa concepo
descrevemos os estudos realizados com quatro adolescentes desviantes que foram
selecionados de acordo com a infrao cometida, 2 casos de furto e 2 casos de pichao. No
caso da pichao, duas situaes nos incomodavam: primeiro, o grande nmero de
ocorrncias e o fato de necessitarmos conhecer melhor o porque dos jovens escolherem esse
tipo de prtica como forma de manifestao; segundo, o furto chamou ateno pelo fato de
entendermos a sua prtica como uma atitude anti-social grave, e de constar na guia de
encaminhamento um agravante que a questo da agresso fsica contra outro. O primeiro
caso analisado, elucida ao aprender a lidar com a ausncia de referencias familiares. O
segundo caso lida com a questo do aprender a conviver com os fantasmas da negligncia
sofrida na infncia. O terceiro caso observamos como podem surgir dificuldades de
socializao decorrente da falta de relacionamento com o pai, e onde elas podem conduzir. O
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quarto caso nos d uma viso das conseqncias que o sentimento de abandono podem causar.
Vislumbramos a idia de que os aspectos ligados aprendizagem podem conduzir o sujeito no
caminho do transfazer. Isso pode ocorrer, no momento em que o adolescente desviante
consegue articular seu passado ao presente, por meio de um processo de fortalecimento das
relaes sociais entre ele, a comunidade e o momento e espao scio-educativo. Transfazer,
nesse sentido, assume a condio de retirar dos momentos e situaes difceis, elementos
podem possibilitar a condio de autor de sua prpria histria. Dentro desse contexto,
procuramos descrever a importncia do espao Scio-educativo no sentido de oferecer
dinmicas que possam fortalecer o adolescente desviante, no processo de construo dos
elementos responsveis pela estruturao e potencializao da capacidade criativa,
entendendo que, por meio da criatividade, ela possa encontrar sadas mais positivas para seus
problemas. Descrevemos ainda a estrutura e a organizao dos procedimentos da tcnica de
Sensibilizao Scio-Educativa, como uma estratgia para ajudar o sujeito ator a fazer a
passagem de sujeito ator para sujeito autor, evidenciando a necessidade
No quarto captulo, buscamos elaborar algumas tentativas de concluso e de
desdobramento de nossa pesquisa. No tnhamos a inteno, em momento algum, apresentar
uma receita, e sim, evidenciarmos a importncia do espao Scio-Educativo, como um espao
de fala e de escuta, que induz e fortalece as relaes sociais, propiciando ao scio-educador e
ao scio-educando, possibilidades de re-escreverem seus projetos de vida, pautados na
solidariedade, na autonomia e principalmente nos princpios ticos.
Encontramos em nosso caminho adolescentes que passaram pela avaliao tcnica de
juristas, psiclogos e assistentes sociais, que, por questes limitantes do prprio sistema no
puderam ser ouvidos. E nessa perspectiva que buscamos incrementar na aplicao das
medidas Scio-Educativas as bases tcnicas da filosofia, da psicopedagogia, da pedagogia
entre outras, o que permitiram uma ao inter e transdisciplinar possibilitando um novo modo
de pensar o desvio social de adolescentes. Esse trabalho fortalece a idia de que os desvios
sociais podem atuar como um pedido de socorro a medida em que observa a importncia
que a insuficincia de elementos subjetivos e objetivos exercem na formao do sujeito, que
sem saber porque, utiliza os desvios sociais para retratar a sua situao.
As prticas Scio-Educativas possibilitaram a entrada em um territrio de ningum e
todos(Fernandez 2001), onde se encontrou um caminho que conduziu adolescentes sem
perspectivas a transformarem-se em autores de sua prpria biografia.
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No quinto captulo, apresentamos as referencias tericas utilizadas como base de
nossas pesquisas.
Finalizando nosso trabalho, apresentamos em anexo, cpias de documentos que
ajudaram e registraram o esforo para a concretizao do programa.
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1 CONSTRUO DOS ASPECTOS HISTRICOS E TERICOS DO
ATENDIMENTO SCIO-EDUCATIVO DA CRIANA E DO
ADOLESCENTE NO BRASIL
________________________________________________________________
Nossa inteno no nos aprofundarmos nas questes histricas do atendimento
Scio-Educativo oferecido s crianas e adolescentes no Brasil enquanto polticas pblicas,
no entanto, tentamos elucidar com um breve relato, de como esses sujeitos de direitos foram
negligenciados no decorrer da histria e como isso foi se transformando na medida em que a
poltica administrativa tambm se alterava.
Segundo Fortes (2008), no perodo do Brasil colnia, crianas e adolescentes rfos,
abandonados e delinqentes eram comumente tratados como mercadoria e mo de obra
escrava, e, recebiam as mesmas punies aplicadas aos adultos criminosos, isso decorria das
Ordenaes do Reino de Portugal, cujas medidas legais impunham punies severas e at
brbaras, como por exemplo o aoite. Com a transio administrativa de Colnia para
Imprio, o tratamento de crianas e adolescentes no Brasil tomou outro rumo. Surgiram
preocupaes Legais de proteo s crianas e adolescentes pobres, abandonados, rfos
inclusive os que praticavam delitos. O Cdigo Criminal de 1830 que procurava atravs de
seus artigos 10 e 13 regulamentar o assunto. determinava providncias e servios
diferenciados de atendimento.
Art.10: Tambm no se julgaro criminosos - inciso primeiro: Os menores de
quatorze anos; Art. 13. Se, se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem
cometido crimes obraram com discernimento, devero ser recolhidos s casas de
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correo, pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o recolhimento no exceda
a idade de dezessete anos . (Cd. Criminal de 1830 in Fortes 2008),
O atendimento ficou a cargo de ser realizado por Instituies de cunho religioso e
caritativo de base ideolgica Crist, como as Santas Casas de Misericrdia que, em convenio
com o Imprio, ampliaram e criaram alguns servios, que se utilizavam, de confinamento e de
ensino religioso permanente como meio de correo, cujo objetivo era resguardar os costumes
sociais da poca. Em 1854 aconteceu outro avano na forma de visualizar os menores,
crianas pobres e rfs foram separadas do convvio direto dos menores delinqentes.
Em 1889, com a passagem de Imprio para Repblica, a poltica de atendimento de
crianas e adolescentes tambm sofreu nova alterao. Em decorrncia do crescimento das
cidades e do surgimento de alguns fenmenos sociais como a excluso, o aumento da
pobreza, o uso de mo de obra infantil no trabalho e o grande nmero de menores sem escola
ajudaram, de modo significativo, no encurtamento distncia entre os menores e as prticas
anti-sociais, o que levou a uma associao da carncia social com a delinqncia.
A partir do decreto Lei n 847, de 11/10/1890, que dispunha sobre as crianas que
perturbam a ordem, a tranqilidade e a segurana pblica, deu incio a um movimento,
liderado por mdicos higienistas, que visava estabelecer novos parmetros no atendimento
dos menores, o que levou o Estado a entender esse fenmeno como problema de sade
pblica. Nesse momento surge um novo paradigma que defende a idia de compreender a
criana e o adolescente como futuro da humanidade. O Cdigo Penal altera a idade de
imputabilidade relativa de sete para nove anos, e, a partir desse momento s questes que
antes eram resolvidas na esfera assistencial religiosa passaram a ser observadas tambm pela
esfera jurdica e sanitria. A criana que antes era observada como um problema e uma
ameaa ordem pblica, passa a ser vista como uma responsabilidade social. No entanto, isso
no foi suficiente para sensibilizar os novos legisladores, a Lei 947/1902 que dispunha sobre
menores viciosos, menores acusados criminalmente e rfos abandonados encontrados em
via pblica, se assim considerados por um juzo, deveriam ser internados, sem distino
alguma nas colnias correcionais, permanecendo l at os 17 anos. Uma anlise da trajetria
do menor2 na Amrica Latina e, sobretudo, no Brasil, constata que as legislaes sociais e os
cdigos voltados a essa populao, acabavam transformando a vtima em ru. O Cdigo de
Menores de 1927, apesar de buscar proteger as crianas, acabou sendo mais punitivo do que
2 Considera-se quele que possui idade inferior a 18 anos incompletos que, segundo A Lei Federal 8.069 de 1990, considera-se criana para os efeitos da Lei, a pessoa at 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.Nos casos expressos em Lei , aplica-se excepcionalmente o Estatuto s pessoas entre 18 e 21 anos de idade.
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educativo, instalando naquele momento a poltica da doutrina de situao irregular3
(Souza Neto, 2007: 56) que foi acintosamente evidenciada pelo cdigo de 1979. Essa doutrina
reportou-se em outros cdigos da Amrica Latina, especialmente o da Argentina. O mesmo
aconteceu no Uruguai em 1927 que, serviu de base para as legislaes menoristas do
continente Sul Americano, e do mundo. A concepo sustentadora da doutrina da situao
irregular, assentava-se sobre as seguintes bases conceituais: no se dirigia ao conjunto da
populao infanto-juvenil, mas apenas aos menores em situao irregular, os carentes, os
abandonados, os inadaptados e os transgressores. No se preocupava com os direitos humanos
da populao infanto-juvenil em sua integridade, limitava-se a assegurar a proteo para os
carentes e abandonados e a vigilncia para os inadaptados e infratores. Funcionava com base
no binmio, compaixo-represso, e a justia de menores chamava sua esfera de deciso,
tanto os casos puramente sociais, como aqueles que envolviam conflito de natureza jurdica; o
conjunto de medidas aplicveis pelo Juiz de Menores (advertncia, liberdade assistida, semi-
liberdade e internao) era o mesmo para ambos os casos. A internao, por exemplo, podia
ser aplicada indistintamente a menores carentes e abandonados, inadaptados e infratores. A
inimputabilidade penal do menor de dezoito anos significava, na prtica, a inexistncia de
garantias processuais, quando lhe atribua a autoria de infrao penal.
Em 1979 com a publicao da Lei n 6.697/1979, o novo Cdigo de Menores
retrocedeu, no que concerne ao tratamento dos menores, pois, substitui a classificao de
menor abandonado e delinqente por sistema de descrio do estado scio-econmico-
familiar (Fortes, 2008) colocando o menor em situao pior do que a do adulto criminoso,
instituindo a priso provisria para menor, a qual podia ser decretada sem a presena do
curador de menores. Esse retrocesso legal no poderia permanecer por muito tempo. Nesse
perodo o pas passou por uma nova transio poltica, samos do regime de ditadura militar
para um regime democrtico inteiramente civil. Na dcada seguinte tm incio um tempo de
possibilidades reais de reverso desse quadro, em 20 de novembro de 1989 foi aprovada com
unanimidade pela Assemblia Geral das Naes Unidas, a Conveno Internacional dos
Direitos da Criana. Como toda a ao gera uma reao, no Brasil, em 13 de julho de 1990 foi
decretado pela Lei Federal 8.069 o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que
estabeleceu uma nova ordem social determinando as responsabilidades do Estado, da Famlia
3 A doutrina de situao irregular refere-se ao quadro de atitudes tomadas pelo poder judicirio com relao aos menores quese encontravam privados de condies essenciais de subsistncia, sade e instruo obrigatria, carncia social, abandono,inaptido para o convvio social, conflito com a lei, etc.
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e da Sociedade na ateno, na proteo e na garantia dos direitos que devem ser destinados
crianas e aos adolescentes.
O Brasil foi o primeiro pas da Amrica Latina a proceder adequao substantiva de
sua legislao letra e ao esprito da Conveno Internacional dos Direitos da Criana, cuja
concepo sustentadora a doutrina da proteo integral que assegura por Lei todas as
oportunidades e facilidades, facultando o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades
fsicas, mentais, morais, sociais e espiritual, em condies plenas de liberdade e de dignidade,
que so bases conceituais antagnicas quelas da doutrina da situao irregular. Se
observarmos atentamente houve um grande avano para a nossa sociedade, crianas e
adolescentes delinqentes ou abandonados deixaram de ser vistos como objeto de vigilncia
da autoridade pblica e passaram a serem reconhecidos como sujeitos de direitos e pessoa em
fase peculiar de desenvolvimento.
O Estatuto da Criana e do Adolescente surge como um instrumento jurdico que
formaliza as diretrizes necessrias para se enfrentar problemticas e aes que envolvem
crianas e adolescentes, tais como: escolarizao, abandono, criminalidade, violncia, entre
outras. Esse Estatuto ainda vai alm, pois, os casos sociais como a pobreza e a inadaptao
escolar, passaram a serem resolvidos na esfera administrativa, mediante ao encaminhamento e
a vigilncia dos Conselhos Tutelares, rgo reconhecido por Lei como encarregado de
receber, estudar, encaminhar e acompanhar a resoluo dos casos em que estejam sendo
feridos os direitos vida, sade, educao, cultura, alimentao, integridade fsica,
moral e psicolgica e ao convvio familiar e social entre outros, elementos necessrios para o
desenvolvimento das crianas e dos adolescentes. Somado a todas essas premissas, o ECA
prope um tratamento especial para os jovens que, de alguma forma conflitaram com a lei
cometendo algum tipo de crime4 ou de contraveno5. Para o ECA esse tipo de prtica
denomina-se ato infracional, forma pela qual as pessoas que elaboraram o documento
encontraram para preservar a imagem e dificultar a estigmatizao do adolescente, deixando
de ser considerado como um criminoso e passando a ser tratado como autor de ato infracional.
Essa medida sutil, a princpio parece sem propsito, no entanto, para quem se encontra em
fase peculiar de desenvolvimento de grande importncia. Caliman percebe que o processo
de estigmatizao,
4 Crime, segundo o Cdigo de Processo penal pode ser considerado como uma ao grave cometida contra a pessoa ou contrao patrimnio, exemplo: a mo armada, homicdio, etc. Onde de autor punido na forma da Lei com privao da liberdade eminstituio penal.5 Contraveno penal um ato ilcito menos importante que o crime e que s acarreta ao autor a pena de multa ou prisosimples, exemplo: dirigir sem habilitao.
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...consegue criar esteretipos, pode facilmente ser advertido na vida quotidiana
quando nos referimos, por exemplo, aos alemes como nazistas, aos jovens que
freqentam discotecas como maconheiros, aos ciganos como ladres e assim por
diante.(Caliman, 2006: 144)
Nesse sentido, bom frisar que a forma de tratamento diferenciado no vai impedir
que lhes sejam atribudas punies. No entanto essa situao coloca a sociedade em prontido
no sentido de se mobilizar, de forma inteligente, na elaborao de programas que visam
oferecer ambientes devidamente preparados para que o adolescente transgressor possa refletir
sobre a prtica cometida em busca da remisso dos seus atos. Respeitando a condio peculiar
de pessoa em fase de desenvolvimento, est previsto no ECA, aps avaliao do grau de
gravidade do ato infracional praticado, a aplicao medidas Scio-educativas como meio de
atribuio de responsabilidade aos adolescentes que romperam as fronteiras da lei. Tal fato
um avano em nossa legislatura e insere o adolescente no mbito de tambm manter a ordem
pblica. As medidas Scio-educativas, possuem cunho educativo, oferecem aos adolescentes
uma oportunidade de se redimirem com a sociedade sem perder a sua liberdade, podendo,
portanto, permanecer no convvio social e familiar enquanto so atendidos.
De acordo com o ECA, as medidas Scio-Educativas esto assim determinadas: Artigo
112: I advertncia: onde o Juiz registra o fato e se for suficiente, adverte verbalmente o
adolescente infrator; II obrigao de reparar dano se o jovem depredou algum bem pblico
ou privado, devendo reparar o estrago feito; III prestao de servios comunidade, que de
acordo com a gravidade do ato determinado ao adolescente que preste servios gratuitos
comunidade por um perodo, que no ultrapasse h seis meses e nem a carga horria de oito
horas semanais; IV liberdade assistida: serve para aqueles adolescentes que cometeram atos
infracionais considerados mais graves que os anteriores, onde so acompanhados
mensalmente por uma equipe tcnica, que observam seu comportamento social, educacional
por um perodo de seis meses; V insero em regime de semi-liberdade: esse tipo de medida
esta caracterizada pelo retorno do jovem unidade onde est internado, aps uma jornada
diria de atividades educativas e sociais; VI internao em estabelecimento Educacional:
normalmente esse tipo de medida serve para aqueles jovens que cometeram infraes
gravssimas, ou que se encontram em situao de risco social, como por exemplo, o abandono
familiar; VII qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. As mais utilizadas so a
obrigao de reparar dano, prestao de servios comunidade, e, liberdade assistida.
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A partir da concepo estabelecida na Lei Federal 8.069, entendemos e defendemos
que a prestao de servios comunidade e a reparao de danos cometidos, devam ser
acompanhados pelas administraes municipais do local prximo onde aconteceram s
ocorrncias. So situaes oportunas em que se convoca as autoridades a se preocuparem com
suas polticas pblicas, oferecendo a oportunidade de responder de forma participativa ao
dever atribudo pelo ECA no seu Art. 4.6. Entendemos que se as polticas pblicas forem
realizadas de modo adequado, servem como instrumento para os adolescentes enfrentarem as
conseqncias desses fenmenos que conduzem ao desvio social, alm de agir como
facilitador da integrao dos mesmos com resto do mundo, o que pode contribuir
significativamente para a diminuio da pobreza e da violncia de que eles so vtimas. O
trabalho rduo pois o nmero de crianas e adolescentes tem crescido muito nos paises em
fase de desenvolvimento econmico, como o caso do Brasil. O senso realizado pelo IBGE
no ano de 2000, apontou que h 61 milhes de crianas e adolescentes no Brasil,
Segundo sua faixa etria, 23,1% tinham de 0 a 6 anos, 27,2% tinham de 7 a 14 anos
e 10% tinham de 15 a 17 anos. Esta populao mostra acentuadas diferenas
regionais, tnicas e sociais. Do total apresentado, 29 milhes so negras e pardas,
287 mil (0,5%) so indgenas;181 mil de origem asitica e 31 milhes so brancas.
H maior concentrao de crianas e adolescentes nas regies mais pobres e nas
faixas populacionais com menor instruo e menor renda, sendo que 45% vivem em
famlias com renda per capita de at salrio mnimo. Entre as crianas e
adolescentes negras e indgenas, o percentual de pobreza ainda maior,
respectivamente, 58% e 71%. (IBGE in UNICEF 2003 pg: 56 a 60)
Preocupado com esses dados, o Governo Federal apresentou simultaneamente em
2006 dois programas voltados ao atendimento de crianas e adolescentes, o Plano Nacional de
Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes a Convivncia Familiar e
Comunitria e o SINASE7 , cujo objetivo principal pretende fomentar em todo o territrio
nacional programas de atendimento Scio-Educativo de forma a reordenar o Sistema
FEBEM, que, no momento, por motivos que merecem ser melhor observados e analisados,
vem apresentando falhas, que acabam gerando: rebelies e motins, violaes de direitos dos
internos, superlotaes das instituies de internao, baixa qualidade de atendimento com
6 ECA, Art. 4. dever da Famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Pblico assegurar, comprioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e a convivncia familiar e comunitria.Pargrafo nico. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteo e socorro em quaisquercircunstncias; b) precedncia de atendimento nos servios pblicos ou de relevncia pblica; c) destinaoprivilegiada de recursos pblicos nas reas relacionadas com a proteo infncia e a juventude.7 Sistema Nacional de Atendimento Scio-Educativo implantado em 2006 .
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custos elevados, lentido no re-ordenamento das instituies e principalmente, as presses
sociais e demandas punitivas. Frisamos que dos itens acima citados, o que mais preocupa o
aumento do nmero de internaes avaliadas no perodo de 1996 a 2006. Segundo dados
levantados pela Subsecretaria de promoo dos Direito da Criana e do Adolescente do
Governo Federal, os nmeros tm crescido a cada ano.
Grfico 1 Evoluo das internaes no sistema Scio-Educativo no Brasil
0
5000
10000
15000
4245 8579 9555 13489 14074
1996 1999 2002 2004 2006
SINASE 2006
Grfico 2 - Evoluo das internaes no sistema Scio-Educativo no Brasil por regio
Regio /anos 1996 1999 2002 2006 %
crescimento
Norte 207 351 469 670 323%
Nordeste 413 920 1696 2089 506%
Centro-oeste 494 645 626 1040 210%
Sudeste 2403 5665 5460 8629 359%
Sul 728 998 1304 1646 226%
Total 4245 8579 9555 14074 325%
SINASE 2006
A pesquisa apresentada pelo SINASE, apontou que os Estados de So Paulo, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Distrito Federal apresentaram o maior nmero
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de internos, totalizando 74,6%. So Paulo apontado pelo SINASE como campeo,
apresentando 7.069 internos, esse fenmeno pode estar ligado ao grande nmero de habitantes
que o Estado possui que gira em torno de 41.399.991, e, quase mais da metade se concentra
na Regio Metropolitana, onde as diferenas sociais se apresentam mais intensamente e se
localizam do centro para a periferia. Esse fator tambm pode se aplicar aos outros Estados e
as grandes cidades que possuem uma alta densidade demogrfica, ou seja, mais de cem mil
habitantes. Em nmeros absolutos o Estado de So Paulo pode ser campeo, no entanto, em
porcentagem o Nordeste assume a liderana.
Esses nmeros sinalizam o quanto esse problema pode se agravar. Em um espao de
dez anos, dependendo da regio, houve um aumento que variou de 200% a 500% no nmero
de ocorrncias de atos infracionais, que considera apenas os casos registrados. Aproveitamos
para salientar que esses nmeros indicam apenas os casos de internao referentes aos delitos
considerados como graves. Alertamos que existem ainda os adolescentes flagrados que
cumprem medidas Scio-Educativas em regime aberto cujos nmeros se aproximam a 46.000
casos registrados.
Os nmeros apresentados reforam a importncia desse tipo de trabalho, pois, as
atuais circunstncias exigem da sociedade uma resposta e uma adequao de polticas
pblicas para o enfrentamento dessas questes. Os fatores de risco social, principalmente a
pobreza, so apontados como os grandes viles, pois deles surgem os problemas ligados s
questes do no suprimento do conjunto de necessidades e direitos fundamentais da pessoa
humana (Caliman, 2006:12) que afetam principalmente a crianas e adolescentes, gerando um
estado de frustrao e de estresse, que pode conduzir a um quadro de "desvio social8(Velho,
1985), cujo mecanismo se evidencia na prtica da violncia, sinalizando uma situao de mal-
estar pessoal e social decorrente da carncia social e psicolgica. Caliman acredita que,
...a frustrao das necessidades bsicas humanas tendem a provocar reaes de
tipo transgressivo, desviante , delinqencial: tal insatisfao tem poder de
influenciar estados de nimos dos indivduos, de modo que a resposta a tais
situaes provm na forma de agressividade, violncia, uso de drogas, pichaes,
vandalismos, busca de proteo em gangues, estilos de vida capazes de provocar
sentimentos de perplexidade, embarao, intolerncia no senso comum. Tais
comportamentos divergentes, alternativos e que denominamos aqui desviantes,
cumprem, quase sempre, a funo de comunicar um mal-estar vivido no dia a dia
8 Para Gilberto Velho, Desvio Social significa um comportamento ou uma qualidade (caracterstica) da pessoasocial que, superando os limites da tolerncia em relao norma, consentidos em um determinado contestosocial espao temporal, objeto de sano e/ou de estigmatizao, que exprime a necessidade funcional dosistema de controlar a mudana cultural segundo a lgica do poder dominante.
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por quem se sente frustrado em suas necessidades fundamentais (Caliman,
2006:12).
Para Merton, o comportamento desviante decorre em grau importante, de
discrepncias socialmente modeladas entre aspiraes pessoais culturalmente induzidas e
padres diferenciais de acesso estrutura de oportunidade , afim de realizar essas aspiraes
pelos meios institucionais(Merton, 1979:168), nesse sentido possvel observar o desvio
cometido pelo adolescente pode ser uma decorrncia da falha da instituio pblica no
gerenciamento dessas oportunidades negligenciadas.
A novidade oferecida pelo ECA de compreender o adolescente como um sujeito em
desenvolvimento o que produz uma viso diferente das prticas anti-sociais e do desvio. O
problema do desvio passa a ser observado de forma a se perceber que, possivelmente em
alguma parte de sua vida, o adolescente teve seus direitos e necessidades fundamentais vida
negligenciados, precisando nesse momento expor, compreender e resolver seu problema, pois
se nesse estgio da vida parece encontrar-se momentaneamente vulnervel. Essa situao
refora a idia de Caliman no sentido de trabalharmos tambm na preveno procurando
diminuir a falta dos elementos necessrios para uma vida humana menos injusta, pois, se
consideramos as estatsticas apresentadas, o nmero de adolescentes em conflito com a Lei
tem subido a cada dia. Por um lado trabalhamos as idias de Caliman a respeito da construo
do sujeito, realando a influencia que a negligencia das necessidades naturais implcitas para
um desenvolvimento equilibrado exercem no sentido de conduzir o sujeito ao desvio social.
Por outro lado, trabalhamos as idias de Winnicott que nos mostra a questo do desvio social
como resultado de uma privao scio-afetiva sofrida na infncia.
No entanto, se faz necessrio conhecer melhor suas peculiaridades dessa fase de
desenvolvimento humano, e, por esse meio tentar compreender o que pode ter levado alguns
desses adolescentes a tornarem-se desviantes.
1.1. O Adolescer
Causar incmodos, chamar a ateno, criar situaes esquisitas, so peculiaridades
pertinentes adolescncia. A literatura clssica tem mostrado que essa fase do
desenvolvimento humano vem sendo observada desde h muito tempo. Shakespeare em
Winnicott, pode ser considerado como um exemplo histrico, em seu Conto de inverno,
prope que, ...no existisse idade alguma entre os dezesseis e os vinte e trs anos, ou que os
jovens dormissem todo esse tempo....(Winnicott, 1987:61), como se isso fosse a soluo, no
entanto, no o . Sabemos que viver bem a adolescncia to importante quanto viver bem a
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infncia ou, at mesmo, a idade adulta, est evidente que uma decorrente da outra. Uma vida
saudvel na infncia, oferece grandes chances de se obter resultados positivos na
adolescncia, e, na vida adulta.
Segundo Barone, a adolescncia,
... caracteriza-se por diversos episdios de desequilbrio e de ruptura. A partir daconstituio psquica do sujeito face s exigncias colocadas a ela pela
complexidade de sua cultura, esse perodo tornar-se- mais turbulento, constituindo-
se como uma verdadeira fase de crise. O adolescente, permido pelo eclodir da
maturidade sexual e perplexo face ao desconhecido da vida adulta, dever fazer uma
srie de ajustes capazes de articular o passado ao devir. (Barone, 1998:193).
Reconhecer e entender a adolescncia como um perodo turbulento e inconstante, nos
leva a refletir sobre as possibilidades que o meio oferece e cobra simultaneamente do sujeito,
atitudes que centradas na no satisfao das necessidades bsicas decorrentes da situao de
vulnerabilidade social, podem conduzi-lo ao desvio social. Dentro desse contexto
pluridimensional, por meio da observao de mudanas internas e externas, que nos surge
uma grande oportunidade de conhecermos e entendermos, um pouco melhor alguns aspectos
pelos quais os adolescentes vo se desenvolvendo, para tentarmos entender algumas das
possveis causas dos sentimentos de frustrao dos adolescentes. No aspecto biolgico
acontecem mudanas de desequilbrio hormonal, aumento da fora fsica e do apetite,
crescimento acelerado do corpo, amadurecimento sexual e hipercinesia9, provavelmente a
excitabilidade excessiva pode ser decorrente dos desequilbrios hormonais o que nos acena a
necessidade de estar sempre em movimento e ritmo acelerado. Os componentes psicolgicos
apontam para uma constante mudana antagnica de atitudes, tais como: a impacincia, a
agressividade, a impulsividade, o desinteresse para as coisas alheias, o mau-humor, a
depresso, entre outros. Quanto s questes Scio-Culturais, os adolescentes assumem uma
luta permanente contra o que sente que injusto e buscam a valorizao e a afirmao pessoal
dentro dos grupos, a que se sentem pertencentes, dos quais absorvem os modelos culturais
como a fala, o tipo de vesturio, as atitudes s vezes at rebeldes , preferncias relacionadas
profissionalizao, s atividades de lazer, religio e msica, ao consumismo e, s vezes,
deixam de lado as relaes familiares. Do ponto de vista afetivo, tornam-se mais sensveis e se
entregam de corpo e alma aos sentimentos, independente de quais sejam: amor, dio,
saudade, alegria, tristeza, solido, o que podem estar diretamente relacionados com os
9 Hipercinesia: necessidade insacivel de estar sempre se movimentando.
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componentes psicolgicos. Intelectualmente, nesse perodo surge o raciocnio hipottico-
dedutivo, e, com isso, conseguem generalizar e compreender com mais rapidez as questes
abstratas, o que conduz segundo Piaget, ao desenvolvimento das capacidades de criticar,
filosofar, hipotetizar e conceituar. ...resumindo, exploram o mundo como podem, em busca de
encontrar um lugar e um papel para si na sociedade. (Zaguri, 1997: 35).
Todas essas mudanas que direcionam o sujeito busca de papeis definidos no meio
social que so parte do desenvolvimento das habilidades e das competncias que envolvem a
formao do sujeitos adolescentes, ainda no garantem que eles estejam isentos de se
envolver em situaes adversas. Eles ainda correm o risco de fundir-se com as prticas
perigosas que surgem com a modernidade, que segundo Guar, Ser moderno encontrar-se em umambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformao das coisas ao redor mas ao
mesmo tempo ameaa destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. (Bermam em Guar,
1997:61).
Podemos observar que a violncia urbana, os exageros de liberdade, o medo, a falta de
referenciais positivos, os estmulos exagerados da mdia no sentido de despertar o desejo de
posse, podem ser consideradas como prticas perigosas da modernidade, que negligenciam a
conscincia e as relaes sociais estruturadas sobre as bases diferenciais existentes entre as
virtudes e as vicissitudes, o que pode conduzir os adolescentes de frustrao. Temos um dever
enquanto sociedade. Mostrar que, como seres humanos adultos e pensantes, somos capazes
de, pelo menos, tentar entend-los, que para Guar,
Cham-los de aborrescentes no apenas uma adjetivao que os estigmatiza, ms
, sobretudo uma amostra da indisposio dos adultos de enfrentar-se com suas
dificuldades e ambivalncias frente a uma nova dinmica da realidade que exacerba
as inquietudes e indefinies tanto dos jovens como dos adultos responsveis por
sua educao. (Guar, 1997:61).
Por esse prisma, aparece crena, est em nossas mos, enquanto sociedade,
assumir a responsabilidade, no simplesmente por aes jurdicas, mas sim, por aes efetivas
que garantam aos adolescentes tudo aquilo que lhes de direito e que, por ventura, estejam
sendo negligenciados.
1.2. Vulnerabilidade e Adolescncia
Segundo o Censo demogrfico de 2000 realizado pelo IBGE, no Brasil existem
atualmente 21 milhes de adolescentes na faixa de 12 a 18 anos, o que representa 15% da
populao. Nesse mesmo Censo foi observado que 50% dessa populao pertence ao
seguimento mais pobre, o que indica uma situao de desigualdade e de vulnerabilidade social.
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Podemos considerar vulnerabilidade todas queles fatores que,
conduzem a uma situao estressora, podendo ser de diversas ordens, tais como: a)Biolgicos: prematuridade, desnutrio, baixo peso, leses cerebrais, atraso no
desenvolvimento; b) Sociais: famlia desestruturada, minoria social, desemprego,
pobreza, dificuldade de acesso sade e educao, quelas crianas com
desvantagens socioeconmicas cujas mes sejam tambm jovens, solteiras e pobres
ou que tenham vindo de famlias desorganizadas (riscos psicossociais); c)
Psicolgicos: crianas e jovens que tenham pais com desordens afetivas,
esquizofrenia, desordens anti-sociais, hiperatividade, dficit de ateno e isolamento
(riscos genticos) so potencialmente vulnerveis aos eventos estressores e so
consideradas crianas e jovens em risco para problemas de desenvolvimento.(
Haggerty e cols.(2000) afirmaram que existe uma relao entre eventos estressantes e
doena, porm essa relao ainda difcil de ser identificada. O que se sabe que,
alguns indivduos so mais suscetveis ou vulnerveis a esses eventos, quando
comparados a outros na mesma situao de risco, por apresentarem diferenciais
fisiolgicos e psicolgicos. (Sapienza e Pedromnico, 2005 ).
Dentre os principais fatores que representam a vulnerabilidade social est a pobreza,
pois dela decorrem inmeras situaes que conduzem ao estado estressor. A medida em que o
sujeito no dispe de condies adequadas e de para o seu desenvolvimento biopsicossocial, a
carncia de elementos necessrios para a construo de um sujeito de direitos pode conduzi-
lo ao desvio social, refletindo em um estado real de vulnerabilidade.
Assim sendo, convm conhecer um pouco das caractersticas prprias da pobreza e
onde ela pode influenciar o sujeito.
Segundo rgos, como O Banco Mundial, a Organizao Mundial da Sade, a
Unio Europia, UNESCO, entre outros, a pobreza pode ser caracterizada pela falta
de bens e de servios indispensveis para uma vida saudvel, tais como: a) Carncia
material, ou, de bens e de servios essenciais, como moradia, vesturio, alimentao
e cuidados com a sade; b) Falta de recursos econmicos, ou de carncia de
rendimentos: Segundo a Unio Europia, a pobreza relativa a falta de rendimentos
pode ser entendida em termos de distncia econmica, relativamente a 60% do
rendimento mediano da sociedade; c) Carncia Social ou excluso social, ou seja, a
dependncia e a incapacidade de participar ativamente na sociedade,isto inclui a
educao e a informao. As relaes sociais so elementos chave para compreender
a pobreza, segundo algumas organizaes internacionais, as quais consideram o
problema da pobreza para l da economia; d) Carncia energtica ou motivacional:
Onde o sujeito no apresenta condies e nveis adequados nos seus estados de auto-
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estima e de espiritualidade, necessrios, para a superao dos paradigmas e para
mudar o que no pode ser mudado(Sapienza e Pedromnico, 2005)
Seguramente, podemos inferir que, a pobreza no resulta de uma nica causa Segundo
Sapienza e Pedromnico (2005) ela decorre de um conjunto de fatores: a) Fatores polticos-
legais: corrupo; inexistncia ou mau funcionamento de um sistema democrtico; fraca
igualdade de oportunidades; b) Fatores econmicos: explorao dos pobres pelos ricos;
sistema fiscal inadequado, representando um peso excessivo sobre a economia ou sendo
socialmente injusto; a prpria pobreza, que prejudica o investimento e o desenvolvimento,
economia dependente de um nico produto; c) Fatores scio-culturais: reduzida instruo;
discriminao social relativamente ao gnero ou raa; valores predominantes na sociedade;
excluso social; crescimento muito rpido da populao; d) Fatores naturais: desastres
naturais, climas ou relevos extremos; doenas epidmicas; e) Problemas de Sade: adio a
drogas ou lcool; doenas mentais; doenas da pobreza como a SIDA e a malria; deficincias
fsicas; f) Fatores histricos: colonialismo; passado de autoritarismo poltico; g) Insegurana:
guerra; genocdio; crime.
Muitas das conseqncias da pobreza, podem tambm ser consideradas como causas
da mesma, criando assim o ciclo da pobreza: fome, baixa literacia, baixa esperana de vida,
baixa estima individual e coletiva, Alto nvel de doenas psicolgicas como depresso, taxas
elevadas criminalidade e prostituio, falta de oportunidades de emprego, carncia de bens de
consumo essenciais como gua potvel, saneamento, moradia e servios de sade e baixo
rendimento escolar, maiores riscos de instabilidade poltica e de violncia, principalmente a
domstica, migrao e Imigrao em massa, discriminao social contra grupos vulnerveis,
trfico de pessoas, adio a drogas e lcool. Das conseqncias apresentadas podemos
destacar vrias causas da pobreza, e relacion-las diretamente com a trajetria dos
adolescentes, mostrando o quanto elas podem estar influenciando na conduta e no
comportamento deles.
E, nesse contexto que buscamos perceber que os adolescentes, sujeitos cujos direitos
foram devidamente reconhecidos Lei Federal, acabam se educando em ambientes e
situaes que podem conduzir a um quadro de "desvio social cujo mecanismo se evidencia
na prtica da violncia, sinalizando uma situao de mal-estar pessoal e social, possivelmente
gerado pela negligencia das necessidades elementares de pessoa humana. No entanto convm
citar que para alguns autores o desvio social nem sempre avaliado como negativo, e, pode
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apresentar aspectos funcionais positivos que favorecem e estimulam a inovao da estrutura
social.
De maneira mais articulada, podemos dizer que cada caso de desvio provoca uma
pronta, mesmo que transitria, coeso de grupo. Este levado, por contraste a
intensificar a comunicao interna para redefinirmos seus objetivos, reexaminar a
extenso, a validade e os processos de legitimao das normas, redistribuir os
papis, aprofundar os sentimentos de pertena e os processos de
identificao.(Caliman, 2006:167)
Para Durkheim, o desvio pode assumir um carter de fenmeno social, ao classificar o
crime,... entre os fenmenos de sociologia normal no apenas dizer que ele um
fenmeno inevitvel ainda que lastimvel, devido incorrigvel maldade dos
homens; afirmar que ele um fator da sade pblica, uma parte integrante de toda
sociedade sadia (Durkheim, 1985:53)
Se h um fato cujo carter patolgico parece incontestvel, o desvio social, porm,
tanto Caliman como Durkheim, cada um a sua maneira, parecem perceber no desvio a
possibilidade uma situao que movimenta a sociedade. Caliman atenta para as questes que
envolvem a falta dos elementos sociais e econmicos necessrios para o desenvolvimento do
sujeito, acenando para uma mobilizao social que busque diminuir essa negligencia como
meio de preveno. Por sua vez, Durkheim v na prtica desviante, uma forma de funo
adaptativa social que identifica o fator de tolerncia do grupo com relao ao tipo de desvio.
No entanto, Durkheim atenta para o fato de que se grupo apresentar intolerncia ao desvio se
concentrando nas aes punitivas, os aspectos positivos se neutralizam e perdem a
oportunidade de se re-significar. Quando tratamos do adolescente em conflito com a Lei,
visualizamos justamente essa possibilidade de tentar aprender com eles mesmos e dar um
novo significado para as prticas delituosas.
Essa situao nos remete a observar a adolescncia como uma fase propcia para
acontecimentos observados anteriormente por Caliman. Pode estar na adolescncia uma
oportunidade de transformao a medida em que o sujeito vai tomando um maior contato com
as subjetividades e as objetividades oferecidas pelo meio, de onde vai retirando os elementos
psicolgicos, cognitivos, sociais, culturais, emocionais, afetivos, entre outros, necessrios para
consolidar o seu carter, e procurar, dentro de suas capacidades e habilidades, resolver seus
conflitos, suas necessidades interiores e exteriores. Possivelmente, pode estar no contato
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scio-educativo o ponto de partida para uma viagem que poder elucidar as possveis causas
das suas frustraes, e, possivelmente, a possibilidade de construir uma interface do passado
com o presente no sentido de restabelecer um novo rumo para uma vida futura. Certamente
inferimos que pode ser o momento mais apropriado para o adolescente desviante ouvir e de ser
ouvido. Ouvir no sentido de interagir com novos conhecimentos e novas possibilidades. Ser
ouvido no sentido de conhecer-se e entender-se melhor, de tentar descobrir a fonte de suas
frustraes e de receber atendimento.
1.3. Desejos, Paixes , Frustraes e Agressividade
Causar perplexidade, embaraos, intolerncia no senso comum, parecem ser
ferramentas que os adolescentes utilizam comumente no seu dia a dia, porm esses
mecanismos esto surgindo com um alto grau de agressividade e de atitudes desviantes,
onde retomamos Velho que prope, um comportamento que procura superar limites de
tolerncia relacionados com as normas, passando por um processo estigmatizado pelo sistema
social segundo a sua necessidade de controle e dominao, mostrando a presena de um
instinto destrutivo. O impulso destrutivo, foi um assunto discutido por estudiosos de diversas
reas tais como: Freud, Fromm, Marcelli, Winnicott, Velho, Chau, Caliman, Silva, Souza
Neto, Passetti, entre outros, cujas obras referenciaro nosso entendimento sobre as questes
que envolvem as manifestaes agressivas e violentas de adolescentes. Como base,
seguiremos o enunciado de Winnicott entre outros, que visualizam o furto como um dos temas
centrais das tendncias anti-sociais.
1.3.1 O Furto
Ao estudarmos o desvio social representado pela prtica do furto, buscamos tentar
entender suas razes, o que nos obrigou a sair do campo da jurisprudncia que caracteriza bem
o furto no Artigo 155 do Cdigo Penal Brasileiro ...subtrair, para si ou para outrem, coisa
alheia mvel, passando a ser enquadrado com furto qualificado ocorre destruio ou
rompimento de obstculo subtrao da coisa; com abuso de confiana, ou mediante a
fraude, escalada ou destreza. A pena para esses casos pode variar de 1 a 8 anos de
recluso. Porm, o que nos interessa com este trabalho observar o delito por meio de um
olhar scio-educativo, pois seus autores so adolescentes.
1.3.1.1. O Furto como Fenmeno de Transio
Winnicott (1999), clareia que o furto est relacionado com o indivduo desde a
infncia, segundo o autor, ... a criana que furta um objeto no busca o objeto furtado, mas
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busca a me sobre a qual tm direitos. (Winnicott, 1999: 131). Se a criana busca, no objeto
furtado, recuperar a ausncia da me, poderia ser possvel ento que os adolescentes, ao
furtarem, tambm estejam em busca do vnculo positivo no estabelecido na infncia. Um tipo
perda que poderia resultar num estado de frustrao. Winnicott focaliza que da relao com o
objeto, os sentidos parecem buscar satisfao chupar: o dedo ou cheirar um pedao de
tecido, acariciar seu rosto com tecidos de textura suave e movimentos bucais ritmados deles
surgem os fenmenos transicionais. Quando o sujeito sai do objeto macio e busca no objeto
slido este passa a ser considerado como objeto transicional.
Para Winnicott ambos os casos elucidam uma necessidade simblica de suprir por
meio do objeto transicional, a falta de uma relao afetiva com a me. Os fenmenos e os
objetos transicionais assumem um papel importante na sade psquica do sujeito, para
Winnicott,
Seu destino permitir que seja gradativamente descatexizado, de maneira que, com
o curso dos anos, se torne no tanto esquecido, mas relegado ao limbo. Com isso
quero dizer que, na sade, o objeto transicional no vai para dentro; tampouco o
sentimento a seu respeito necessariamente sofre represso. No esquecido e no
pranteado. Perde o significado, e isso se deve ao fato de que os fenmenos
transicionais se tornaram difusos , se espalharam por todo territrio intermedirio
entre a realidade psquica interna e o mundo externo, tal como percebido por duas
pessoas em comum, isto por todo o campo cultural. Nesse ponto o tema se amplia
para o do brincar , da criatividade e apreciao artstica, do sentimento religioso, do
sonhar, e tambm do fetichismo, do mentir e do furtar, a origem e a perda do
sentimento afetuoso, o vcio em drogas, o talism dos rituais obsessivos, etc.
(Winnicott, 1975:19)
No sentido de entendermos melhor a questo dos fenmenos transicionais segundo
Winnicott, citaremos, por meio de um breve resumo, um de seus estudos de caso, mais
especificamente o caso do cordo que certamente nos auxiliar numa relao com os
estudos que faremos mais adiante.
Trata-se de um atendimento realizado com um menino de sete anos que pertencia a
uma famlia de cinco pessoas Pai, Me, uma filha de dez anos, o menino de sete anos e uma
menina de quatro que fora conduzido clnica por apresentar, segundo os pais, desvios de
carter. A primeira entrevista realizadas com os pais pode-se desenhar um quadro claro do
desenvolvimento da criana, no entanto, foi na entrevista com a criana que Winnicott
encontrou um fator de relevncia que no fora citado pelos pais anteriormente. A me
apresentava um quadro depressivo, e, em decorrncia disso, ficara hospitalizada por dois
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meses. Nessa poca o menino encontrava-se com trs ano e trs meses de idade e foi
primeira situao real de separao dele com a me. Quando a criana encontrava-se com
quatro anos e nove meses houve mais um perodo de dois meses de separao por conta de
internao em um hospital psiquitrico. Nesse perodo ele fora cuidado pela irm da me que
disse que mesmo ele apresentando aspectos muito bons era difcil lidar com ele. No decorrer
de seu desenvolvimento ele foi apresentando caractersticas curiosas, como assustar as
pessoas dizendo que ia cortar a irm; mostrava uma compulso de lamber pessoas e coisas;
fazia rudos compulsivos com a garganta; recusava-se a evacuar e logo em seguida se sujava
todo. Para Winnicott esses sintomas eram sinais de ansiedade. Durante uma sesso onde foi
utilizado um jogo de rabiscos o menino demonstrou um grande interesse em associar seus
rabiscos e espcies de cordo. Ora ele dizia ser um lao, ora um chicote , ora um chicotinho,
etc. Perguntando aos pais a respeito dessa ligao com os cordes, disseram que ele ficou
obsedado com tudo que se relacionava com cordes. Diante disso,
Agi, portanto, da seguinte maneira;: expliquei me que o menino estava lidando
com um temor de separao, tentando neg-la atravs do uso de cordes, tal como,
atravs do uso do telefone, se negaria separao de um amigo. Ela se mostrou
ctica: disse-lhe, porm, que se viesse a encontrar algum sentido do que eu estava
dizendo, gostaria que debatesse o assunto com menino em alguma ocasio
conveniente, comunicando-lhe o que eu dissera e depois desenvolvendo o tema de
reparao de acordo com a reao dele (Winnicott, 1975:33).
Segundo Winnicott, a me mesmo achando o discurso ridculo, tempos depois ela
aproveitou o momento e levantou assunto com a criana, e viu o quanto ele sentia necessidade
de falar a respeito de seu relacionamento com ela. Ambos resgataram todos os momentos de
separao que puderam ser lembrados. A me estava convencida com o discurso de
Winnicott. Aps isso muitas outras situaes desse tipo de converso foram repetidas. Uma
passagem tambm significativa foi feita pelo menino,
... a respeito de seu sentimento de separao quanto a ela, e fez um comentrio
muito significante de que achava que a separao mais importante fora a perda dela
por ele quando estivera gravemente deprimida; nba fora apenas o fato de ele se ter
afastado , disse, mas sua falta de contato com ele por causa da inteira preocupao
dela com os outros assuntos (Winnicott, 1975: 34).
Segundo relatos posteriores feitos pela me, aps as conversas ele cessava o contato
com os cordes, no entanto a cada processo de separao ele retornava ao sintoma. Alm dos
cordes ele tambm se relacionava com outros objetos ursinhos de pelcia que eram
tratados fielmente como filhos dedicando tempo e afeio a eles. Winnicott acena que,
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No difcil adivinhar, portanto, que ele apresenta identificao materna baseada
em sua insegurana em relao me, e que essa identificao poderia transformar-
se em homossexualismo. Da mesma maneira, a preocupao com cordes poderia
transforma-se em perverso (Winnicott, 1975:35)
Esse caso teve incio em 1955, e, Winnicott, buscando um desfecho no ano de 1969,
descobriu um rapaz adolescente que desenvolveu novos vcios, especialmente drogas,
abandonou os estudos desperdiando seu tempo com o cio e, cada vez que era colocado
longe da me ele procurava uma forma de voltar parta casa. Para Winnicott restou uma
pergunta:
... um investigador que efetuasse um estudo desse caso de vcio em drogas daria a
devida considerao psicopatologia manifestada na rea dos fenmenos
transicionais? (Winnicott, 1975:37).
De acordo com esse breve esboo, identificamos algumas possibilidades de
utilizarmos a idia dos fenmenos transicionais no sentido de iluminar nosso caminho.
Inferimos ento que, o sentimento de perda sendo simblico ou no, pode conduzir o sujeito
a um estado de mal-estar e de frustrao, o que pode tambm lev-lo para o desvio social, seja
pelo ato de furtar, de cometer exageros ou pela drogadio, lanamos a idia de que esses atos
pudem ser considerados como fenmenos e objetos transicionais. Nessa busca do objeto,
surge, envolta de sentimentos de perda e de frustrao, um sentimento descontrolado de
satisfazer uma necessidade ou um desejo. Para Garcia Rosa o desejo imita,
... uma idia ou um pensamento; algo completamente distinto, portanto da
necessidade e da exigncia. O desejo se d ao nvel da representao tendo como
correlato os fantasmas (fantasias), o que faz com que, contrariamente pulso
(trieb) que tem de ser satisfeita -, o desejo tenha 75de ser realizado. (Garcia Rosa,
1999: 83).
Assim sendo, tanto em Winnicott como em Garcia Rosa, o desejo e a vontade podem
surgir como foras representativas das necessidades frustradas ou no, que acompanham o
sujeito permanentemente desde o nascimento. So foras importantes para o avano do sujeito
na vida futura. Chau (1995) interpretando Espinosa, prope que os seres humanos so seres
naturalmente passionais, porque sofrem aes de causas exteriores a si mesmos, deixando-se
conduzir e dominar por foras exteriores ao corpo e alma. Ora, por natureza, todos vivemos
rodeados por outros seres mais fortes do que ns. Por isso, no podemos afirmar que os
sentimentos de desejo e das paixes so bons ou ruins. Chau, prope trs estados pelos quais
se apresentam as paixes originais: Alegria, Tristeza e Desejo, os demais estados derivam
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destas. Assim, da Alegria nascem o amor e a devoo, a esperana e a segurana, o
contentamento, a misericrdia, e a glria; da Tristeza surgem o dio, a inveja, o orgulho, o
arrependimento, a modstia, o medo, o desespero, o pudor; do Desejo provm gratido, a
clera, a crueldade, a ambio, o temor, a ousadia, a luxria, a avareza e a paixo. Para a
autora,
Uma paixo triste aquela que diminui a capacidade de ser e agir de nosso corpo e
alma: ao contrrio, uma paixo alegre aumenta a capacidade de existir e agir de
nosso corpo e de nossa alma. No caso dos desejos podemos ter paixes tristes (como
crueldade, ambio e avareza) ou alegres (gratido e ousadia). Ento, o que vcio?
Submeter-se as paixes, deixando-se governar pelas causas externas. O que
virtude? Ser causa interna de nossos sentimentos, atos e pensamentos. Ou seja,
passar da passividade atividade. A virtude , pois, passar da paixo a ao, tornar-
se causa ativa interna de nossa existncia, atos e pensamentos. As paixes e desejos
alegres fortalecem e nos preparam para passar da passividade atividade. (Chau,
1995: 348 e 349).
Podemos inferir que, no caso dos adolescentes em conflito com a Lei, a atitude anti-
social, passa a assumir um significado de paixo triste, levando-se em conta o sentimento de
perda e de privao pelo qual eles podem estar passando, o que pode t-lo conduzido a um
estado conflituoso a conseqentemente a um estado de frustrao e de baixa auto-estima.
Os conflitos humanos, geralmente esto circunscritos no paradoxo existente entre
virtudes e vicissitudes, ora caminhamos mais para os vcios ora mais para as virtudes. O limite
desse paradoxo , quando o ser perde a sua capacidade de agir, fazendo escolhas que acabam
voltando-se contra si, ou, contra a comunidade, como o caso dos adolescentes
transgressores, que s vezes, colocam em risco suas vidas e as vidas de outros, o que implica
numa atitude antitica.
Para Chau, a filosofia tradicional constitui o racionalismo tico, atribuindo a razo
humana o lugar central na vida tica. Duas so as correntes principais dessa linha de
pensamento: a corrente intelectualista, que identifica a razo com inteligncia, ou intelecto, e,
a corrente voluntarista que considera que na moral a razo identifica-se com a vontade.
Para os intelectualistas, a vida tica ou virtuosa est diretamente ligada ao
conhecimento, pois, , por ignorncia, que fazemos o mal e nos deixamos arrastar por
impulsos e paixes contrrias virtude e ao bem. A vida tica depende do desenvolvimento
da inteligncia ou razo, sem a qual a vontade no poder atuar.(Chaui, 199