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agosto / setembro 2016 | 13 Elisabete Carvalho MENSAGEIRO | DOSSIER 19 Campos de Férias Católicos Alegria, Criatividade, Espiritualidade

Campos de Férias Católicos - apostoladodaoracao.pt‚... · proposta de espiritualidade. Em Portugal, ... No verão de 1992, um grupo de amigos decidiu dar de si e do seu tempo

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agosto / setembro 2016 | 13

Elisabete Carvalho

MENSAGEIRO | DOSSIER 19

Campos de Férias Católicos Alegria, Criatividade, Espiritualidade

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Há férias e férias. Há férias com os pais, com os avós, com os amigos; na praia, no campo ou na cidade. E há as férias com Deus, que se vivem nos Campos de Férias Católicos (CFC) e que têm subjacente uma proposta de espiritualidade. Em Portugal, há cerca de 30 movimentos a organizar estes campos de férias, a maioria na área da Lisboa. Recentemente, foi criada a Rede CFC com o objetivo de alargar esta oferta a crianças e jovens de todo o país.

Os CFC são diferentes de qualquer outro programa de férias. Distinguem-se porque proporcionam uma vivência espiritual estruturada, inspirada na alegria do Evangelho. «Não são campos de “catequese”, em que unicamente se apreende doutrina, nem campos exclusivamente “místicos”, dedicados ao silêncio e à experiência de oração. O foco é viver, de um modo curto mas intensivo, uma proposta de relação próxima com Jesus, através do conhe-cimento pessoal, da relação com o outro, também da catequese e no contexto de natureza. Há uma descoberta, por imersão, na verdadeira Alegria, em que todos os participantes são convidados a sabo-rear o Bem, semear o Bem, perceber de onde é que ele vem e o que podemos fazer com ele na nossa vida», explica o padre Pedro Rocha Mendes, ligado a Campos de Férias Católicos há mais de 20 anos.

Estes campos decorrem em ambiente rural e despo-jado, que centra no essencial e revela com maior clareza a beleza da criação. Por norma, são dez dias de puro contacto com a natureza, longe do ruído e do conforto do dia a dia. Não há luz elétrica, nem casas de banho, nem água canalizada. Dorme-se em tendas e o banho é no rio. «Há um convite a abdicar do supérfluo, muitas vezes tomado por imprescindível, como a internet, o telemóvel ou a roupa que não se pode sujar. Precisamente formas de promover o encontro com Deus e ajudar cada um a renovar o olhar perante o mundo», comenta o sacerdote jesuíta.

Há férias e férias. Há férias com os pais, com os avós, com os amigos; na praia, no campo ou na cidade. e Há férias com deus!

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A matriz de um CFC reside em descobrir que é possível conjugar jogos, cânticos, contempla-ção, conversas, relações de amizade, testemunhos e espiritualidade. Segundo o padre Pedro Rocha Mendes, a proposta de fundo assenta normalmente em quatro pilares fundamentais: Deus em mim, no outro, na natureza/Criação e na missão, pilares que se vão sucedendo e trabalhando ao longo dos dias. A organização do campo tem sempre em conta as idades e a proveniência dos participantes.

Em 2015, realizaram-se 70 campos, em que partici-param quase cinco mil pessoas, entre as quais 3 mil e 600 jovens, mil e 100 animadores/monitores, 60 casais e 80 consagrados. Os números foram apura-dos durante o I Seminário de Campos de Férias Católicos, que decorreu em outubro do ano passado, em Lisboa, e que se consubstanciou na criação da Rede CFC.

José Diogo Martins, um dos responsáveis pela Rede CFC, explica que esta Rede constitui-se como um espaço de encontro de todos os grupos ou movimen-tos católicos que organizam campos de férias, é um sinal de pertença à Igreja e tem como objetivo dar a conhecer os CFC a todas as paróquias, movimen-tos da Igreja, colégios católicos e grupos de leigos, de modo a tornar esta proposta mais abrangente e acessível a todas as crianças e jovens.

Neste sentido, adianta, foi criado um site com informação sobre os campos de férias católicos existentes e está previsto um road-show pelas paró-quias, colégios, grupos de catequese e outros, que para além da divulgação, servirá para descentrali-zar a organização de campos de férias, incentivando e apoiando a criação de novos grupos/movimentos fora das grandes áreas de Lisboa e Porto.

Diferentes no carisma, iguais na proposta. Todos os movimentos seguem um esquema base, transversal a todos os campos de férias católicos. Alegria, cria-tividade e espiritualidade são requisitos obrigató-rios. Logo no início de cada campo, os participantes são divididos em equipas, lideradas por um ou dois animadores/monitores, que se revezam nas tarefas a executar, sobretudo na preparação das refeições e lavagem da loiça.

em 201570 campos católicos3 600 jovens1100 animadores/monitores60 casais 80 consagrados

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O dia começa bem cedo, ao som de músicas entoadas pelos animadores/monitores. Os participantes levantam-se e saem diretos para a “ginástica matinal”, que consiste na reali-zação de atividades (jogo e danças simples) que ajudam a acordar. Entretanto, há uma equipa que prepara o pequeno-almoço, outra que se encarrega de lavar a loiça do jantar do dia anterior.

1 dia de campoas tendas

No final, todos se juntam na roda para o pequeno-almoço. A roda é o ponto de encontro, o local de referência do campo. É na roda que se fazem as refeições, que se ditam regras e orientações. Após o pequeno-almoço, há um pequeno tempo livre para higiene pessoal e lavagem da loiça. Segue-se o “Bom Dia, Senhor”, um tempo de exposição, reflexão, oração e catequese, mais ou menos lúdico, conforme o tipo de movimento e a idade dos participantes.

O “Bom Dia, Senhor” é preparado pelos animadores/monitores junta-mente com o capelão, sempre que este esteja presente. Alguns movimentos seguem uma estrutura proveniente da sua espiritualidade, como é o caso dos campos inacianos, que se inspiram nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola. Outros abordam temas recor-rentes, como a defesa da vida, o auto-conhecimento, a relação com Deus e com os outros, etc.

A manhã prossegue com um jogo que explora o tema apresentado e traba-lhado no “Bom Dia, Senhor” e que muitas vezes termina com um banho rápido no rio. No final, voltam à roda para o almoço.

a r

od

a

Bom dia, senHor em roda

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as tendas

As refeições são o momento de excelência para a construção de relações entre os participantes e uma oportunidade de ensinar a importância do serviço. Nos campos de cariz mais social, são também um tempo de relação e de formação, ou seja, são momentos em que os animadores/monitores apro-veitam para formar e demonstrar, por exemplo, a importância de estar à mesa nas refeições.

No pós-almoço, há um tempo livre para os parti-cipantes e animadores, que, em alguns campos, é denominado de “Sorna”. Quando se trata de campos para crianças, este tempo é ocupado com workshops temáticos. Seguem-se as atividades da tarde, por norma, um jogo alargado, introduzido por um sketch cómico, que termina com um reconfor-tante banho no rio.

Ao entardecer, já de lanternas na mão, os partici-pantes encaminham-se para a Missa ou, não havendo sacerdote, para um tempo de oração, que pode ser a Celebração da Palavra, um “Boa Tarde, Senhor” ou algo semelhante. Depois, é hora de jantar.

O serão é ocupado com iniciativas lúdicas. O dia termina das mais diversas formas, mas sempre com um propósito comum: ser um tempo de reunião no qual todo o campo reza, agradecendo o dia que passou, e começa a sonhar com o dia seguinte. Alguns destes momentos são embalados por músicas como o “Boa Noite”, ou o “Obrigado”, mas existem igualmente propostas como um terço rezado em conjunto ou orações diversas.

Bom dia, senHor em roda

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• roupa muito usada e prática • chapéu • sapatilhas • saco-cama• colchonete • lanterna• cantil • sabão• toalha

Caminhada A caminhada, por trilhos pedestres, montes inós-

pitos, às vezes em jeito de peregrinação, é um dos momentos marcantes do campo. Por norma, são dois a três dias, exigentes mas excelentes para estreitar laços de amizade e o espírito de pertença e de coesão. Animadores e participantes dormem fora do campo, a caminho, enfrentando algumas dificul-dades que proporcionam a interajuda e um maior e melhor conhecimento entre todos.

momentos marcantes

o que levar na mocHila:

o que fica em casa:

Dia de ServiçoSeja um dia inteiro, ou apenas uma tarde ou manhã,

o Dia de Serviço consiste em colocar todo o campo ao serviço da comunidade onde o mesmo decorre. Pode ser através de visitas a lares/centros de dia, uma conversa com as pessoas das aldeias vizinhas ou uma ajuda nas tarefas agrícolas, de restauro, ou simplesmente do dia a dia. A ideia é desinstalar os participantes do seu comodismo e das suas rotinas, de forma a que se possam envolver de forma séria e com verdade no campo.

x telemóvel

x computadorx relógio x cigarrosx doces

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• roupa muito usada e prática • chapéu • sapatilhas • saco-cama• colchonete • lanterna• cantil • sabão• toalha

a palavra aos animadores/monitores

o que fica em casa:

Ilumina sorrisos há 25 anos

No verão de 1992, um grupo de amigos decidiu dar de si e do seu tempo àqueles que mais precisam de amor, de carinho e de alegria. E decidiram animar um campo de férias para as crianças e jovens que viviam na Associação Protetora das Florinhas da Rua, em Lisboa. No fim do campo, o sentimento era geral: aqueles meninos precisavam de muito mais. Por isso, o grupo de amigos transformou-se num grupo de jovens que passou a fazer animação, uma noite por semana, na Casa das Florinhas.

Segundo Vanessa Santos, assim nasceu a CANDEIA, há 25 anos, e o crescimento tem sido exponencial. Hoje, os animadores são mais de 60. Apesar de durante o ano realizar atividades para cerca de 120 crianças e jovens, é em agosto que a magia CANDEIA alcança todo o seu potencial com os tão esperados campos de férias, destinados a crianças e jovens dos 6 aos 18 anos, divididos por grupos: Faíscas, dos 6 aos 10 anos, Fagulhas, dos 11 aos 14 anos, e Fogueiras, dos 15 aos 18 anos.

É impossível viver uma experiência CANDEIA sem ficar diferente, sem ficar tocado pela magia CANDEIA e pelo amor que se vive em cada dia e em cada momento de um campo. «É impossível falar da minha expe-riência de campo sem me lembrar de cada Fagulha ou Fogueira que já animei», refere Vanessa Santos, acrescentando que há histórias de vida impressionantes. Por isso, os animadores tentam valorizar cada sorriso, cada abraço e fazer com que estas crianças se sintam especiais, queridas e amadas… «Na simplici-dade de uma roda, de uma conversa, de um abraço nós ganhamos o dia, a semana, o mês, o ano… Fazemos voluntariado para dar mais de nós e do nosso tempo e acabamos a nossa experiência CANDEIA com uma sensação de coração cheio sem igual».

com verdade e simplicidade

O CAMTIL é uma associação de campos de férias sediada em Coimbra, que tem o apoio espiritual da Companhia de Jesus. As atividades têm como base quatro pilares fundamentais: da natureza ao seu criador; da amizade e do grupo à comunidade; dos trabalhos de campo ao serviço e à solidariedade; da experiência da fé e do conhecimento de si mesmo à descoberta da vocação própria.

Carmo Cordovil, da direção do CAMTIL, diz que esta associação realiza 11 campos no verão e dois na Semana Santa. Destes 11 campos, 10 são para crianças e jovens, com idades entre os oito e os 17 anos, e um para os pais. Os dois campos que se realizam na Semana Santa são para animadores, um de formação e um de serviço.

A maioria dos animadores são participantes dos campos e querem continuar a ter esta experiência na vida deles, sentindo por isso um grande desejo de servir.

Todas as pessoas que já tiveram a oportunidade de estar num campo de férias conseguem reconhecer duas coisas: a verdade e a simplicidade. A verdade nas relações que têm uns com outros, na forma como estão sem as suas máscaras e medos; e a simplicidade da natureza, das atividades que vão fazendo e das relações que vão criando. Mas, acima de tudo, a verdade e a simplicidade na relação com Jesus.

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Para obter mais informação sobreCampos de Férias Católicos, contacte a Rede CFC:

[email protected]

a espiritualidade

A espiritualidade é a pedra de toque dos Campos de Férias Católicos. O padre Pedro Rocha Mendes realça que a dimensão espiritual existe de modo mais visível nas orações da manhã, orações antes das refeições, missas, orações da noite, mas está também presente no tema do ano definido para todos os campos, assim como no plano de cada campo de férias que é sempre preparado com uma intenção pedagógica e forma-tiva. E, mais importante, está presente no coração dos animadores, que se sentem chamados e enviados a esta missão de dar Vida e levar Deus aos outros.

Apesar do convívio e da diversão, os momentos espirituais acabam por ser os mais apreciados. À medida que os escalões etários aumentam, os campos proporcionam tanto momentos lúdicos como espirituais. E são muito apreciados justamente por isso. Para muitos jovens, é num campo de férias que fazem a primeira experiência forte e vital de Deus. E sabemos bem como isso tem um impacto decisivo na vida de uma pessoa, comenta o sacerdote jesuíta.

«Diz-se, muitas vezes, que um campo “muda uma vida”. E, de facto, muda. Não muda aquilo que a nossa vida é, mas muda a nossa maneira de a ver e de a sonhar. Nestes 25 anos de ligação aos acampamentos de verão, tenho constatado muitas mudanças na vida de muita gente. Uns despertam para a fé, outros encon-tram a sua vocação, outros ainda percebem que o seu lugar no mundo terá que ter alguma coisa a ver com o serviço dos mais necessitados. São histórias intermináveis», afirma.

Um dos desafios que surgiu no I Seminário de Campos de Férias Católicos tem a ver com a presença de padres que vivam plenamente os campos. O padre Pedro Rocha Mendes considera que «o ideal seria que cada equipa de campo de férias pudesse ter sempre algum padre ou religioso/a», sobretudo porque, para além da celebração dos sacramentos, a figura do padre ou religioso «acaba por ser uma referência e um exemplo vivo de alguém que entregou a vida a Deus para serviço dos outros».

«O problema (ou alegria!) é que estes campos cresceram muito» e «o normal é que não haja padres e reli-giosos/as para acompanhar todos esses movimentos e campos». Por isso, «parece-me importante que se vão pensando modos de preparar e formar leigos para poderem, também eles, oferecer este serviço aos outros», sustenta o sacerdote, convicto de que «não será por isso que os campos perderão a sua qualidade».