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Câmpus Universitários: um Compêndio de Idéias para seu Planejamento
Neste trabalho, repercorrem-se algumas etapas da história do câmpus universitário – que se
consolidou como modelo privilegiado de implantação das instituições de educação superior tanto
nos Estados Unidos como no Brasil – destacando-se as idéias: questões, teorias, instrumentos e
procedimentos, que vêm orientando as práticas de seu planejamento. A narração desenrola-se
desde os alvores do modelo às tendências mais recentes para a incorporação da sustentabilidade
a essas mesmas práticas, traçando paralelismos com a história do planejamento urbano e
indicando perspectivas para reconduzir o planejamento de campi às funções primordiais da
universidade.
alvores de um modelo
O termo “câmpus” designa a extensão de terreno – isolado da trama urbana ou nela inserido – no
qual se levantam os edifícios das instituições de educação superior; sua configuração atende,
portanto, a suas funções específicas (ensino e pesquisa) ou, como precisa Calvo-Sotelo (2007),
preocupado em sublinhar a relação entre qualidade da educação superior e qualidade dos
espaços físicos nos quais se realiza, ao “papel transcendental da universidade”, qual seja, “a
educação integral do ser humano”.
Dober (1963), em seu trabalho pioneiro de sistematização das práticas históricas de planejamento
e desenho de câmpus universitários americanos, observa que à renovação das concepções
educacionais de uma época sempre correspondeu uma renovação das estruturas físicas nas
quais se concretizavam. Além disto, as instituições de educação superior em seu ordenamento
espacial tornaram-se parte da origem e da evolução da cidade, incorporando os ideais e as
formas que remetem às teorias urbanísticas que se sucederam ou coexistiram no tempo.
Como modelo espacial, o câmpus tem origem no final do século XVIII, com a fundação das
primeiras universidades americanas que se inspiravam no college britânico, sobretudo na idéia de
educação em comunidades acadêmicas. A própria representação da Universidade de Virgínia
como “academical village”, epíteto cunhado por seu criador Thomas Jefferson, expressa a
concepção de aprendizagem como processo vitalício e compartilhado, resultante do convívio entre
mestres e aprendizes.
Os colleges britânicos tradicionais e os primeiros câmpus americanos assemelhavam-se também
nas relações sociais que se estabeleceram no seio das comunidades urbanas, marcadas pelo
antagonismo e pela segregação. Se no primeiro caso essa era favorecida pelo arranjo monástico
dos edifícios, dispostos em torno de um claustro com uma única porta de acesso, no caso dos
câmpus americanos era garantida mediante sua localização na área rural, tendência reforçada no
século XIX por um sentimento difuso, particularmente entre as vanguardas intelectuais da época,
de desencanto com a cidade, percebida como lugar de corrupção moral, e pela confiança no
poder purificador da natureza.
O ideal romântico do college imerso na natureza e, portanto, ao seguro das influências nefastas
da civilização persiste até hoje e, juntamente com outros fatores econômicos e culturais1,
determinou a localização periférica de incontáveis instituições de educação superior (não apenas
nos Estados Unidos), bem como a exuberância de suas áreas verdes (mesmo nos colleges mais
centrais) que tanto impressionou os visitantes estrangeiros (desde Dickens até Le Corbusier).
Particularmente no século XIX, a crença nas qualidades espiritualmente edificantes da natureza
desbaratou os argumentos dos educadores que defendiam os colleges urbanos, clamando pelo
“saudável controle exercido pela observação pública” (TURNER, 1995).
da idealização de câmpus a seu planejamento
Segundo Dober (1963), com poucas exceções, os câmpus americanos “coloniais” merecem
atenção mais por sua tipologia construtiva do que por qualquer plano que, por ventura, estivesse
por trás de sua configuração física. Teríamos de esperar até o início do século XIX para nos
depararmo-nos com alguma evidência de composição arquitetônica orientada pela análise do
sítio, por uma intenção de desenho integradora e, sobretudo, por um programa claramente
explicitado que levasse em consideração o futuro da instituição. Tal atraso não é de se estranhar,
se considerarmos que, até pelo menos a segunda metade do século XIX, a educação superior
permaneceu uma prerrogativa da elite, contando um número exíguo de inscritos. Em muitos
casos, o corpo docente consistia de um clérigo com sua esposa e a planta dos câmpus limitava-se
a um ou dois edifícios.
O planejamento dos câmpus sofreu um grande avanço com a institucionalização da profissão do
arquiteto, produto do acréscimo de estudos científicos e técnicos aos clássicos tradicionais.
Escolas começaram a promover concursos arquitetônicos e, paulatinamente, aquela que
tradicionalmente havia sido uma função do corpo administrativo, foi assumida por especialistas, os
quais, além de ocupar-se da arquitetura de edifícios que deveriam abrigar funções sempre mais
diversificadas, passaram a decidir sobre aspectos do planejamento do sítio, lançando as bases
dos primeiros planos diretores.
Neste trajeto, destacam-se dois marcos históricos: o primeiro é a democratização da educação
superior, favorecida pelo Land Grant College Act2, regulamentado em 1862; a segunda é a
hibridização do tradicional modelo “colegiado” com o modelo alemão de universidade, que
começou a ser emulado nos Estados Unidos a partir da segunda metade do século XIX.
1 Na Espanha, por exemplo, o fenômeno que Calvo-Sotelo (2006) define como “neoperiferización” não só guardaria uma relação estreita com as dificuldades de se encontrar solo disponível nos centros metropolitanos, mas representaria também uma evidência de que as instituições de educação superior vêm sendo relegadas a uma posição secundária na escala de valores socioeconômicos.2 O Land Grant College Act previa a distribuição de terras do governo federal entre os estados. Os lotes eram então vendidos e com os fundos arrecadados criavam-se colleges para a educação em agronomia e mecânica. As escolas fundadas em conseqüência dessa lei compartilhavam algumas metas, como promover um tipo de educação voltado para a prática, e estender a todas as classes sociais o acesso à educação superior.
O profissional que mais se destacou no planejamento físico dos land-grant colleges foi Frederick
Law Olmsted, cujas idéias sobre educação teriam ido ao encontro do novo modelo, que se
propunha como alternativa ao currículo tradicional obrigatório das artes liberais, sendo que uma
das primeiras oportunidades para colocar em prática suas idéias sobre a organização espacial do
land-grant college foi a criação da Universidade da Califórnia (Berkeley), em 1862.
Entre suas propostas inovadoras, em uma época na qual se costumava erguer as universidades
no ambiente rural, destaca-se a localização do câmpus em uma posição intermediária entre o
centro da cidade e o campo aberto, para promover a proximidade com a vida urbana sem, porém
incorrer em suas mazelas e distrações.
Coerentemente com suas convicções quanto ao ambiente ideal para a formação dos estudantes,
Olmsted dedicou boa parte do plano para Berkeley ao ordenamento espacial da vizinhança do
college, com a finalidade principal de induzir sua ocupação por residencias “refinadas e
elegantes”. Planejou, por exemplo, um traçado hierarquizado de vias públicas apto a ligar os
vários pontos de interesse social e paisagístico da região circunstante ao college, e que
propiciasse, mediante o desenho dos percursos e o arranjo da vegetação, o conforto, a
tranqüilidade e o prazer estético dos moradores. Pode-se enxergar na preocupação de Olmsted
com certo modo de inserção da universidade no espaço da cidade um preanuncio daquela que se
tornaria uma tendência moderna para reconhecer os câmpus como porção efetiva da cidade,
sujeita aos efeitos de seu desenvolvimento e planejamento3 (DOBER, 1963).
O plano de Olmsted, Vaux & Co. para Berkeley distingue-se também pela importância atribuída
aos elementos da paisagem (clima, relevo, vegetação, etc.) como forças condicionantes para o
seu desenho. O relatório cativa pelo conteúdo poético das descrições da geografia local, e revela
a prática de leitura e interpretação das feições e dos fenômenos naturais que fizeram de Olmsted
uma referência no campo da arquitetura da paisagem e do planejamento de câmpus.
Olmsted vislumbrou em um desenho mais “solto”, que imita um parque, a possibilidade para
acomodar mais eficientemente futuras construções. No entanto, quando de fato as instituições
sofreram uma expansão sem precedentes, devida, sobretudo, à hibridização do modelo colegiado
com o sistema alemão de educação superior, e à conseqüente diversificação dos cursos
oferecidos, impôs-se um estilo caracterizado, ao contrário, pela formalidade, ou seja, pela
simetria, a axialidade, os pontos focais e uma clareza geométrica global. Por volta de 1900, as
diretrizes formais (ou partis) do movimento City Beautiful, com suas raízes no estilo Beaux-Arts,
impuseram-se como uma solução para acomodar o novo tipo de universidade, caracterizada por
maiores dimensões e complexidade – uma multiplicidade de departamentos com suas estruturas
de apoio (museus, bibliotecas, laboratórios, ginásios, etc.) – que se espelhava em uma nova
3 Nas primeiras décadas do século XX, acalentava-se a proposta de uma maior integração entre câmpus e serviços urbanos, tanto para facilitar o acesso dos estudantes aos locais onde poderiam exercitar-se (fábricas, hospitais, etc.) como para promover o acesso da população a serviços até então de uso exclusivo da comunidade acadêmica (teatros, museus, etc.) (DOBER, 1963).
metáfora: de “Academical Village” a “City of Learning” (cidade do conhecimento) (TURNER, 1995,
p. 167).
As teorias de planejamento de câmpus que se desenvolveram nessa época elegeram o plano
diretor como instrumento privilegiado para criar uma “unidade geral de efeito” (HAMLIN, 1903,
apud TURNER, 1995, p. 186), ou seja, para promover a harmonia visual de elementos
heterogêneos. Após a Segunda Guerra, tal propósito, bem como suas justificativas (baseadas,
não raro, nos gostos e caprichos dos arquitetos), revelou-se anacrônico e ineficaz diante do
crescimento da comunidade acadêmica. Muitas universidades adquiriram, efetivamente (e não
apenas metaforicamente), o estatuto de cidades não só por sua escala e complexidade, mas
também por vivenciar os mesmo problemas (aumento da densidade populacional, conflitos entre
diferentes demandas e usos do solo, congestionamento das vias de trânsito...) cujo
equacionamento passou a demandar novas abordagens de planejamento, não mais limitadas a
argumentos formais e estéticos.
Já a partir da década de 1940, os câmpus americanos contavam com um setor responsável pelo
planejamento, eventualmente subdividido em subsetores de especialistas, entre os quais os
“especialistas do espaço” (MUTHESIUS, 2000). Logo, esses novos profissionais organizaram-se
em associações e grupos de pesquisa/consultoria – como o Educational Facilities Laboratories
(EFL)4, a Society for College and University Planning (SCUP)5 e a Dober Lidsky Mathey (DLM)6 –
que tiveram o mérito de consolidar um campo de produção de teorias, modelos, práticas e
instrumentos voltados para equacionar as novas demandas no âmbito da educação superior.
limites e possibilidades do plano como instrumento para o planejamento de câmpus
Se, por um lado, o planejamento de câmpus universitários firmava-se como prática regida por uma
racionalidade própria7, os principais instrumentos utilizados para responder ao crescimento
acelerado e enfrentar novas demandas de diversa natureza, entre as quais a expansão física dos
câmpus (DOBER, 1963; RUDDEN, 2008) provêm da tradição do planejamento urbano. O plano
diretor é o exemplo mais claro.
Adotado até hoje para racionalizar as opções de alocação e utilização do espaço e de outros
recursos tendo em vista as aspirações e metas institucionais, o plano diretor foi objeto de reservas
e questionamentos, particularmente após a Segunda Guerra, quando os responsáveis pelo
4 Organização independente fundada em 1958 pela Ford Foundation, promove a pesquisa e a disseminação de informações úteis para aqueles que escolhem o lugar, planejam, desenham, constroem, modernizam, equipam e financiam as estruturas educacionais.5 Fundada em 1965, sua função principal consiste em prover subsídios para integrar as várias modalidades de planejamento, entre as quais o planejamento físico, que oferecem suporte aos “planos acadêmicos” das instituições de educação superior (http://www.scup.org/page/about/basicfacts).6 Escritório de consultoria que atua desde 1958 na área específica do planejamento de câmpus (http://www.dlmplanners.com/about.htm).7 De fato, a diferenças da maioria das cidades, de desenvolvimento mais “livre” e sujeito à especulação, a implantação e expansão de câmpus obedece a planos que definem uma ordem artificial (PINTO e BUFFA, 2009)
planejamento de campûs começaram a abandonar a cultura dominante do plano diretor mais
formal e rígido – pouco realista e impossível de ser plenamente executado – em favor de
abordagens que privilegiavam a definição de princípios para o crescimento orgânico (TURNER,
1995).
Tal proposta movia o foco do produto (a configuração final) para o processo, com o argumento de
que, “para uma instituição em fluxo, feita de constituintes individuais em conflito, unidos apenas
pela 'obediência à planta de aquecimento central', não faria sentido um plano diretor unificador
nem qualquer conformidade estilística” (ibid., p. 264). O argumento, defendido na década de 1960
pelo então Presidente de Yale, seria reiterado por Mitchell em 2007, o qual, ao introduzir o
programa bilionário de renovação arquitetônica do Massachusetts Institute of Technology (MIT)
nos anos 1990, concluía que os câmpus desenvolvem continua e inevitavelmente representações
contestadas das comunidades que hospedam.
O questionamento do plano diretor expresso em esquemas rígidos reflete as controvérsias que
agitaram o campo do planejamento urbano desde a década de 1920 nos Estados Unidos, e que
culminaram na década de 1960, quando a esta concepção de plano, sucedeu o plano baseado
nas leis e nos conceitos de zoneamento e uso do solo (NEUMAN, 1998).
Nos anos 1960, os planos produzidos distanciaram-se dos planos físicos anteriores. Eram planos baseados em políticas [policy plan] repletos de metas, objetivos, diretrizes, critérios, padrões, e programas, gráficos, tabelas, projeções e matrizes. Geralmente desprovidos de imagens gráficas ou propostas de formas urbanas. [...] O Planejamento empregava paradigmas de sistemas e métodos quantitativos que tratavam a política, as instituições, e outros fatores como exógenos (idem, p. 211).
No campo mais restrito do planejamento de câmpus, foi Richard P. Dober o principal expoente
desta nova tendência (TURNER, 1995), que, em seu caso teria sido paradoxalmente depurada de
qualquer preocupação com aspectos educacionais: “seu interesse recai no funcionamento prático
da instituição. Para ele, são poucas as relações entre 'fenômenos sociais', programas
educacionais, ou currículo e planejamento” (MUTHESIUS, 2000, p. 28). Embora Muthesius se
referisse ao livro Campus Plannig, publicado em 1963, é possível constatar a mesma lacuna em
uma versão revisitada e aprofundada de suas teorias sobre o planejamento de câmpus, publicada
em 20008. Para Muthesius, tal abordagem, marcada por uma racionalidade exacerbada,
contrapõe-se a visões notadamente orientadas por um ideário social e pedagógico. Em particular,
atribui a Ralph Adams Cram9 e a Walter Gropius10 as experiências mais brilhantes de integração
8 Em Campus Landscape: functions, forms, features, Dober propõe uma “taxonomia de oportunidade” que consiste de 30 elementos específicos da paisagem do câmpus, cujas características resultam de 13 determinantes de desenho. Nenhum destes determinantes contempla reflexões sobre as funções primas das instituições de educação superior, ou seja, a pesquisa, o ensino e a extensão (public outreach); assim como seu predecessor, Campus Landscape “não declara qualquer interesse por uma idéia da instituição como um todo” (MUTHESIUS, 2000, p. 28).9 Ralph Adams Cram (1863-1942), conhecido por seus projetos de colleges e edifícios eclesiásticos, foi Arquiteto Supervisor (Supervising Architect) na Universidade de Princeton de 1907 a 1929.10 Walter Gropius (1883-1969) foi fundador da Bauhaus e diretor do curso de arquitetura da Universidade de Harvard. Autor de inúmeros projetos arquitetônicos de universidades e escolas (entre as quais, o Village College de Impington – Cambridge, e a Universidade de Baghdad) é lembrado por Muthesius (2000) por seu discurso bem articulado sobre a relação entre fatores socioculturais e arquitetura.
entre filosofia socioeducacional e arquitetura, no marco das teorias da “aprendizagem pelo fazer”
que teriam motivado as trocas entre colleges americanos reformistas e o novo modernismo
europeu.
Um segundo efeito daquela que Neuman define como “burocratização” do planejamento é a
substituição do profissional generalista pelo especialista e a correspondente perda de uma visão
ecológica do ambiente em favor de programas separados – obras, transporte, uso do solo (mais
recentemente meio ambiente). A transposição dessa tendência para o planejamento de câmpus
fez com que, particularmente no pós-guerra, a demanda premente por um sistema de circulação
eficiente contribuísse para monopolizar as preocupações dos profissionais responsáveis – já
fascinados pelas possibilidades oferecidas pelos modelos de interação espacial baseados no
processamento de dados do computador (HALL, 1998) – chegando a inspirar uma nova
abordagem global ao desenho de câmpus (TURNER, 1995).
A setorização do planejamento trouxe também como conseqüência a exacerbação da
racionalidade técnica (consubstanciada em intervenções baseadas no cálculo, na adequação de
meios e fins, nos conceitos de eficiência e otimização) em detrimento de considerações éticas, e a
exclusão da comunidade acadêmica em geral do debate sobre os valores que deveriam orientar o
desenvolvimento físico da instituição.
Foi justamente no período entre os anos 1950-60, no qual as tendências da modernização
brasileira assimilavam os paradigmas ditados pelos Estados Unidos, tanto em matéria de
educação, como de organização dos espaços para a sua prática, que se introduziu no país o
câmpus, como modelo praticamente indisputado11 de implantação das instituições públicas de
educação superior.
A Universidade de Brasília foi a primeira do país a ser concebida, em 1960, de acordo com o
modelo tecnocrático norte-americano. Inaugurada antes mesmo que se completasse a construção
dos primeiros blocos de salas de aula, a UnB deveria servir como referência, em sua “estrutura e
alma”12 para os campi das universidades que seriam constituídas em seguida13, ex novo ou a
partir da agregação de faculdades dispersas.
Embora já na época da implantação da UnB se enxergasse com certa inquietude a proximidade
física entre a universidade e o centro do poder, seria simplista atribuir exclusivamente a este fator
a opção por campi isolados da cidade (bem como pela segregação das unidades acadêmicas em
seu interior). Talvez seja mais apropriado dizer que esse modelo, procedente da tradição norte-
11 Segundo Rodrigues (2001), as tentativas esparsas de contrastar o modelo de campus segregado da cidade não saíram do papel.12 Discurso inaugural proferido pelo então Ministro de Educação e Cultura Antonio de Oliveira Britto (RODRIGUES, 2001, p. 112).13 Entre 1965 e 1988 foram firmados entre Ministério de Educação e Cultura (MEC) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) acordos financeiros vultuosos, dos quais se beneficiaram tanto universidades federais como estaduais (RODRIGUES, 2001).
americana e em plena sintonia com a concepção urbanística funcionalista (que se firmava então
no país), a partir de 1964 passou a oferecer suporte à doutrina da segurança nacional14.
Cabe dizer, porém, que o golpe militar veio a instaurar uma nova abordagem aos problemas da
universidade, marcada pela “paulatina e decisiva transformação de questões políticas em
questões técnicas” (BOMENY, s.d.). A própria reforma universitária, empreendida no momento
mais duro da ditadura, foi levada a efeito por técnicos, não obstante tenha sido precedida pela
ampla mobilização da comunidade acadêmica. Segundo Bomeny, a legislação do período
referente ao ensino superior teria padronizado, após depredar, uma experiência singular e
fortemente politizada – o projeto de modernização da universidade empreendido pela UnB.
O planejamento do espaço físico de campi universitários não fugiu a essa determinação, a ponto
que, entre os anos 1960-70, Atcon, técnico da equipe de consultores da United States Agency for
International Development (USAID), propunha, em seu Manual de planejamento integral de campi,
um modelo único de ordenamento espacial. Os anos seguintes seriam marcados por grandes
investimentos em instalações universitárias, cuja realização em tempos acelerados teria
favorecido as práticas da reprodução de projetos e da repetição de elementos construtivos, para
promover economias de escala e facilitar as obras (MACEDO, 1986a). Até mesmo o ordenamento
espacial dos campi implantados nesse período teria seguido principalmente dois modelos: do
zoneamento concêntrico, em torno de um núcleo que teria uma função agregadora – como no
plano proposto pelo arquiteto Helio Duarte para o câmpus da USP (PINTO e BUFFA, 2009) ou
naquele de Lucio Costa para a UnB (RODRIGUES, 2001) – e da “coordenação modular”, onde
módulos arquitetônicos são “apoiados” sobre uma malha teórica lançada no terreno (BERNINI,
1978), como no projeto de Mies van der Rohe para o Instituto Tecnológico de Illinois.
Independentemente da opção, o que teria acomunado os projetos de campi universitários a partir
da década de 1970 é uma forte ênfase em sistemas de racionalização da construção15 e a
centralização das decisões de projeto – induzida também pelo ritmo vorticoso de sua realização –
que teriam passado ao longe de considerações referentes à qualidade dos espaços, às
necessidades de seus futuros ocupantes e a conteúdos locais e individualizados (MACEDO,
1986b).
Deste ponto de vista, o planejamento de campi no Brasil caminhava na contramão das tendências
que despontavam no horizonte do planejamento urbano, particularmente nos Estados Unidos,
onde os processos de planejamento passaram a incluir sujeitos e interesses até então ignorados
(NEUMAN, 1998).
É justamente nesse momento que Christopher Alexander propõe para a Universidade de Oregon
14 A preocupação da classe dirigente com as manifestações estudantis culmina em 1969, ano da promulgação do Decreto-lei 477, que dispõe sobre as sanções a serem aplicadas em caso de infrações disciplinares praticadas por professores, funcionários, alunos, empregados dos estabelecimentos públicos ou privados.15 O Primeiro Seminário Nacional sobre Planejamento de Campi Universitários, promovido pelo MEC/PREMESU em 1975, testemunha como, naquele momento, a ênfase recaísse em questões puramente técnicas.
uma cartilha de seis princípios16, em lugar do Plano Diretor convencional com suas premissas
tradicionais, com o propósito principal de obter, “desta forma, [...] os meios administrativos
necessários para garantir às pessoas o direito ao desenho que escolherem, e o princípio dos
processos democráticos de gestão que assegurem um desenvolvimento dinâmico desse direito”
(ALEXANDER, 1978, p. 12).
O modelo proposto por Alexander subverte os papeis dos atores envolvidos no planejamento,
responsabilizando os usuários, organizados em grupos, pelo desenho dos edifícios, e relegando
arquitetos e construtores, ou seja, os técnicos a um papel de suporte e assessoria que consistiria
em “fornecer aos membros das equipes de desenho os padrões, os métodos de diagnóstico e
toda a ajuda adicional de que precisem para desenhar” (p. 42). Quanto aos padrões, por ele
definidos “imperativos empíricos” – pois serviriam para “formular problemas concretos e
recorrentes em qualquer processo de desenho” (p. 66), trata-se de princípios gerais de desenho e
planejamento que expressam “as condições mínimas necessárias para obter a saúde individual e
coletiva de uma comunidade”, conceito a ser construído também comunitariamente17.
A despeito das mudanças paradigmáticas ocorridas no campo do planejamento urbano,
particularmente entre as décadas de 1960-8018, uma incursão nas páginas eletrônicas das
principais universidades americanas permite concluir que o plano diretor expresso em desenhos,
imagens, visões de lugar, nunca chegou a ser suplantado por “palavras e números”. De fato, até
mesmo o modelo de Alexander limita-se a contestar a idéia do plano diretor como imagem estática
ou, parafraseando Luigi Mazza19, como “desenho complexivo” congelado em um desenho rígido.
Para o arquiteto, a única possibilidade de equacionar a contradição entre a pretensa estabilidade
do desenho e as inevitáveis transformações produzidas pela dinâmica de intervenções setoriais e
interesses individuais reside em uma nova concepção do plano como “constructo social, metáfora
espacial de um programa político que se torna um quadro de referência, continuamente
reconstruído e reinterpretado com a contribuição dos projetos parciais”.
16 Ao longo do livro “Urbanismo y participación”, Alexander define os seis princípios com detalhes, mas resumidamente são eles: o princípio da ordem orgânica, que prevê a configuração de um todo a partir de intervenções locais; o princípio da participação, que confere aos usuários o poder decisório; o princípio do crescimento em pequenas doses (projetos); o princípio dos padrões, ou seja, dos princípios de planejamento adotados comunitariamente que orientarão o crescimento; o princípio de diagnóstico, a partir do qual se distinguem os espaços “vivos” daqueles “mortos”; e o princípio da coordenação, o qual prevê um processo de financiamento que “canalize” a corrente de projetos individuais prevista pelos usuários.17 Em um trabalho precedente, A pattern language (New York: Oxford University Press, 1977), Alexander já havia desenvolvido um repertório de 250 padrões independentes um do outro, que podem, assim, serem recombinados em diferentes arranjos de acordo com as necessidades dos usuários. No caso específico da Universidade de Oregon, foram selecionados 160 padrões, dos quais 37 referem-se a uma escala maior e, portanto, à inter-relação entre projetos individuais; são exemplos: área de transporte local; rede de relações de ensino; acesso à água; caminhos e destinações; ciclovias; conexões entre edifícios, etc. A esses 37 padrões foram acrescentados “padrões específicos para a universidade”, alguns dos quais dizem respeito às oportunidades de socialização no âmbito do câmpus, bem como às relações entre câmpus e cidade.18 Hall (1998) caricaturiza tais mudanças da seguinte maneira: “em 1955, o planejador recém-formado típico debruçava-se sobre a prancheta para produzir um diagrama sobre usos do solo desejados; em 1965, ele analisava os dados de saída do computador sobre modelos de tráfego; em 1975, a mesma pessoa ficava conversando até tarde da noite com grupos comunitários, [...]” (p. 396).19 Entrevista concedida ao jornal italiano “La Repubblica”, publicada no dia 8 abril 2004 e disponível em: http://ricerca.repubblica.it/repubblica/archivio/repubblica/2004/04/08/nuove-regole-piu-trasparenti.141nuove.html
sustentabilidade e comunicação: novas perspectivas para o planejamento
A abordagem inovada por Alexander (com suas variações procedimentais) vem sendo adotada por
outras universidades americanas, em consonância com a vertente comunicativa ou colaborativa,
que, a partir dos anos 1990, se tornaria a base dominante da teoria do planejamento
(ALLMENDINGER, 2001). Considera-se, de fato, que, não obstante suas limitações referentes a
aplicabilidade e eficácia (ibid.), é somente dentro desta concepção que o plano pode responder a
demandas emergentes ou acolher novos conteúdos culturais, tornando-se, por sua vez,
deflagrador de mudanças.
Entre as justificativas para a popularidade do planejamento comunicativo, Allmendiger menciona a
repercussão da questão ambiental e a ênfase que a Agenda 21 coloca em processos conduzidos
localmente, de baixo para cima (bottom-up), enquanto Campbell (1996) esclarece as razões deste
importante pressuposto. Ele nos lembra que os conflitos entre as metas do crescimento
econômico, da proteção ambiental e da justiça social não se constituem apenas em um embate
conceitual (entre as lógicas econômica, ambiental e política), mas se expressam em situações
concretas (que envolvem sujeitos concretos) atingindo, por isso, o âmago histórico do
planejamento. Por sua vez, a sustentabilidade – que passou a representar uma promessa de
reconciliação dessas três esferas de interesses – poderia, de fato, tornar-se um poderoso e útil
princípio organizador somente se redefinida (para não se incorrer em visões mistificadas de uma
pacífica “ecotopia”) e incorporada à compreensão dos conflitos inerentes à sociedade industrial.
Em um contexto no qual tendem a prevalecer soluções técnicas (e paliativas) caracterizadas por
certa fixidez (NEUMAN, 2005; ALEXANDER, 2008), a visão de Campbell abre novas perspectivas
de atuação cujo êxito depende de competências e instrumentos para gerir conflitos. Deste ponto
de vista, aqueles que ele denomina “vias procedimentais para o desenvolvimento sustentável” –
tais como a negociação, a busca por uma linguagem compartilhada e o debate político/votação –
adquirem a mesma importância das “vias substantivas”, ou seja, dos instrumentos tradicionais do
planejamento: projetuais, normativos, econômicos, etc. Espera-se, ainda, que o esclarecimento da
natureza dos conflitos, dos sujeitos/grupos envolvidos, de seus valores, interesses e
conhecimentos inove o repertório das estratégias “substantivas” para a sua resolução.
A visão de Campbell sugere uma base metodológica também para a inserção da questão
ambiental nos regimentos e nas operações de planejamento e gestão das instituições de
educação superior, freqüentemente marcadas por conflitos que envolvem a ocupação do solo e o
uso de recursos naturais, e que tendem a culminar em impactos ambientais por vezes
irreversíveis (invasões e degradação de áreas naturais protegidas, depauperação da base de
recursos ambientais, destruição da paisagem, etc.). As iniciativas discretas que confluem no
movimento para a chamada “ambientalização” da educação superior (PAVESI e FREITAS, 2008),
atualmente focadas, particularmente no Brasil, na busca de indicadores quantitativos de
sustentabilidade (tais como o consumo de recursos e a produção de resíduos e emissões)
poderiam, de fato, fortalecer-se mediante a adoção de procedimentos mais apropriados para
desvendar e questionar valores e interesses que estão na base de atitudes e intervenções
ambientalmente insustentáveis, e para indicar possibilidades concretas para redirecionar também
o desenvolvimento físico das instituições.
No caso particular de câmpus universitários, tais instrumentos de planejamento revestem-se de
uma vantagem adicional, propiciando oportunidades para o exercício da cidadania e
reconduzindo, assim, as práticas de planejamento às funções primordiais das instituições de
educação superior.
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