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Panorama do desenvolvimento do cultivo de cana no Brasil e, em especial, no Estado de São Paulo.
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PANORAMA
DO DESENVOLVIMENTO
DO CULTIVO E DO PROCESSAMENTO
DA CANA-DE-ACAR
NO BRASIL
Vittorio Pastelli
Histria
Cronologia
Referncias
o Livros o Sites o Vdeos o Softwares
Glossrio
2014
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HISTRIA
INTRODUO
O Brasil um dom do acar Caio Prado Jr.
Formao do Brasil contemporneo
Caio Prado Jnior parafraseia o historiador grego Herdoto, que disse o
mesmo do Egito em relao ao Nilo. O imenso rio, com suas enchentes e
vazas sazonais, foi o que propiciou uma agricultura e, a partir dela, uma
civilizao. No Brasil, mais que uma cultura para exportao, o cultivo da cana-
de-acar forjou o pas do ponto de vista cultural, tnico e geogrfico.
Diferentemente de culturas como a do caf ou do tabaco, o acar exige uma
indstria associada. No basta colher. preciso moer, cozinhar e purgar. Alm
disso, tem pouco valor de subsistncia, sendo voltada quase inteiramente para
exportao, o que implica financiamentos, negociaes com banqueiros,
acompanhamento de preos em bolsas etc. Assim, desde o incio da histria do
Brasil esteve presente entre ns um tipo de agricultura com exigncias tcnicas
especiais, que demandava, alm de agricultores, prticos em carpintaria e em
uma precria siderurgia, para cuidar de toda a infraestrutura do cozimento.
Subsidiariamente, era preciso manter uma frota de carros de bois, o que
implicou o desenvolvimento de uma pecuria. Alm disso, o senhor de
engenho, mesmo isolado e trabalhando com mtodos primitivos, tinha de se
embrenhar pelo mundo das finanas, o que fazia dele um proto-empresrio.
Uma vez que tcnicos podiam ser importados, mas no mantidos, desde cedo
o trabalhador (o escravo) vai se tornar tambm aprendiz de tcnico, o faz-tudo
que conserta qualquer coisa, mesmo que de maneira precria. Esse
trabalhador que no especializado, sendo capaz de exercer inmeras tarefas,
uma marca do Brasil que chama a ateno de estrangeiros at no sculo 20.
Quando militares norte-americanos chegam ao Nordeste, na Segunda Guerra
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Mundial, descobrem indivduos capazes de aprender rapidamente a fazer
servios sofisticados. E os fazem bem. Esse homem multifacetado, crioulo e
cordial vem dessa cultura que desde o incio aliou lavoura e tcnica, sem poder
se dar ao luxo de pagar por especialistas.
Para fazer todos esses trabalhos, apelou-se primeiramente para os ndios. Mas
o empreendimento no funcionou. Uma explicao corrente, e falsa, a
preguia inerente do ndio. Uma explicao mais correta deve primeiro levar
em conta que para as vrias naes indgenas brasileiras o trabalho tal como
concebido por um europeu cristo coisa estranha, pois no h sentido em
padecer no presente em troca de bens pessoais distantes (e incertos) no
futuro, uma vez que falta entre os povos que tinham contato com o colonizador
o senso de propriedade privada da terra. Segundo, e mais importante, que o
ndio s trabalha na lavoura do europeu se estiver cativo e, com sua terra logo
ali ao lado, por que ficar? Fugir uma alternativa fcil e sempre aberta. Alm
do mais, a tribo a que o ndio cativo pertence pode trazer dores de cabea ao
europeu e no compensa, em uma terra nova e cheia de dificuldades, arcar
com mais esse problema, o de ter um contencioso com os aborgenes.
Por outro lado, o negro vem de um lugar distante e a fuga, ainda que possvel,
nunca ser alimentada pela esperana de voltar a sua terra. Desterrados e
escravizados, viam-se com menos alternativas de fuga e, assim, sujeitavam-se
s condies dos canaviais.
Isso levou a uma macia importao de negros j no sculo 16, o que forjou a
cor do brasileiro. Proporcionalmente, eram muito mais numerosos nas
pequenas vilas e nas fazendas do que os elementos branco e indgena.
Embora distantes de suas origens, trouxeram uma cultura que moldou o Brasil
e, conforme queiramos aceitar inteiramente a viso de um Gilberto Freyre,
terminaram por coexistir com o branco em termos dbios mas afetivamente
prximos. O socilogo de Casa Grande & Senzala fala do negro escravo,
objeto de uso pela famlia senhorial, mas tambm do negrinho companheiro de
brincadeiras do menino branco, ou da negrinha cobiada pelo senhor e por
seus filhos. Essas relaes, embora sempre de subordinao, geraram laos
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entre etnias e classes que podem ter reflexos ainda hoje no carter do
brasileiro.
Em nmeros, Caio Prado Jnior fala em 7 milhes de negros importados entre
1550 e 1855. Boris Fausto d 4 milhes. Uma operao que comeou
modestamente, foi muito incrementada pelo sucesso do empreendimento
canavieiro e fomentada por fatores secundrios, como por exemplo a bula de
Urbano 8, de 22 de abril de 1639, que proibia a escravizao de indgenas.
Em Lisboa, no incio do sculo 16, 10% da populao era negra. J nas Minas
Gerais do sculo 18, a cifra chegava a 70%.
Outra conseqncia dessa convivncia sem regras claras o "homem cordial"
definido por Srgio Buarque de Holanda. A regra a da subordinao do
escravo ao senhor, do negro ao branco. Mas os subterfgios so tantos, os
cruzamentos explcitos e escondidos to freqentes e os frutos de unies
instveis e inaceitveis pelas regras to claras, que a alternativa resolver
tudo caso a caso, mais guiado pela emoo que pelo apego a leis. Esse o
homem cordial, o que no tem nada a ver com a acepo de "benevolente".
Cordial o homem que age guiado pela emoo. Esse brasileiro, que Srgio
Buarque identifica em toda a histria e que nosso trao comum ainda hoje,
tem suas razes na convivncia do branco com o negro, colocados juntos pela
primeira vez nestas terras justamente no empreendimento nacional do plantio
da cana-de-acar.
A paisagem brasileira tambm determinada desde o incio pelo plantio da
cana. Os viajantes sempre relatam o "mar verde" que se estende do litoral at
o incio das elevaes a oeste, em Pernambuco e na Bahia. Tudo o que era
terra baixa estava tomado pelo canavial. As terras mais altas iam sendo
tomadas aos poucos e, antes que servissem ao cultivo, eram desmatadas, para
obteno de lenha para as fornalhas. Assim, a Zona da Mata pernambucana
hoje no mais que um nome. A cana foi do litoral at ela, apropriou-se dessa
zona e empurrou o pecuarista para o interior.
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O boi era indispensvel ao empreendimento canavieiro, mas no podia de
forma alguma ocupar as melhores terras, as mais rentveis. Os pecuaristas
so empurrados para o Oeste e l que surge uma "cultura do couro", menos
influenciada pelo negro (pois estes eram muito raros na pecuria), e que define
at hoje a cultura nordestina do serto. Com o passar dos sculos e com as
migraes internas, essa cultura se espalha pelo pas, mas permanece
identificvel como aquele conjunto de prticas e saber cuja origem remota o
servio cana.
Socialmente, h um elemento importante que comea na cultura da cana no
sculo 16 e s efetivamente quebrado no sculo 20: o carter feudal do
senhor rural. No incio da colonizao, os empreendedores portugueses
vinham para o Brasil e recebiam grandes extenses de terra para cuidar.
Deviam trazer insumos para montar seus negcios e poder pagar aos
financiadores da Metrpole. Esta apenas dava a concesso e cobrava o
imposto. Cabia ao senhor no apenas cuidar do sucesso do negcio, mas
cuidar da defesa dele contra invasores de toda espcie, tanto internos, os
indgenas, quanto externos, que constantemente aportavam, muitos com
pretenses coloniais. Assim, o senhor era empresrio, juiz, policial e executor.
Esse poder ilimitado no interessava Metrpole, desde que os rendimentos
aparecessem. S no caso de o senhor usar essa liberdade de ao para
negociar diretamente com estrangeiros que Lisboa tentava exercer seu
poder. De resto, o senhor estava s.
desse senhor que descende o coronel que figura na poltica brasileira com
proeminncia at a revoluo de 1930. E esse coronel no outro seno o
"homem cordial", que manda sem regras claras, que pode ser benevolente ou
violento para com seus apaniguados. O coronel tem empregados e os paga,
mas nos laos informais que se decidem propriedades, benesses ou
punies etc. Os satlites do coronel so uma grande famlia administrada
discricionariamente. E se isso vale para os trabalhadores, vale ainda mais para
o ncleo familiar, tanto o restrito como o estendido (a parentela prxima que
habitava o solar).
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O engenho um feudo completo. Tem casa, igreja, fbrica e senzala. Planta o
que precisa para subsistir e compra no exterior tudo o que no tem. A escola
praticamente se resume ao padre que freqenta a casa do coronel. De fato,
muitos padres moram nessas casas e cuidam da educao das crianas e da
catequizao dos negros e ndios. Ainda que a Igreja vez por outra fizesse
ditos a respeito dessa relao complexa entre procos e senhores, a regra
era mesmo o padre quase empregado do senhor.
Com isso, e com um Estado praticamente ausente nos primeiros dois sculos
de colonizao, o engenho se tornava um mundo fechado e completo. As
crianas eram educadas ali mesmo e os senhores s se encontravam em
razo de festas ou para negcios nos pontos de exportao. Disso resulta a
cultura das cidades: as casas de alto nvel em Recife e em Salvador pertencem
aos senhores, que l passam algum tempo do ano. Levam na ocasio famlia e
criadagem. No engenho, esta fica nas senzalas. Nas casas de cidade, os
sobrados, ficam nos mocambos, nos pores, em contato ainda mais prximo
com a famlia senhorial. Sua famlia, no entanto, pode ali permanecer um
pouco mais que o senhor, mas pouco comum morar nessas casas e dali
administrar as fazendas. No Brasil, a regra que o senhor e sua famlia morem
no negcio. E mesmo essa moradia pode ter dois tipos: os engenhos ditos de
partido aberto e os de partido fechado, mais comuns no incio da colonizao.
Nestes, a casa senhorial dividia paredes com a fbrica.
Todo esse estado de coisas, a educao pulverizada, os engenhos autnomos,
os encontros raros em cidades, de resto precrias, levam aos casamentos
arranjados, visando continuidade dos negcios, unio de terras. No que diz
respeito educao da mulher, s mesmo no sculo 19 que ela poder ir a
escolas, embora muitas famlias rurais ricas tenham mantido um sistema de
tutoria (ento laica) dentro de casa.
Se esses traos podem ser vistos como negativos em relao ao propsito de
formar uma nacionalidade, pois o que impera a disperso e uma certa
anomia, o fato que a cultura da cana, paradoxalmente, tambm gerou um
sentimento nacional. Os homens do sculo 16 eram colonos, gente que
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esperava ganhar e se aposentar o quanto antes, indo passar o resto da vida na
Metrpole. Os homens de meados do sculo 17 j eram "brasileiros".
A historiografia data essa transio no sculo 17, com a expulso dos
holandeses, de que falaremos mais adiante. Ainda que um pouco desse
sentimento anti-holands tivesse origem econmica (os proprietrios brasileiros
estavam endividados com os holandeses, o que tornava sua expulso algo
vantajoso), o fato que consumada a expulso, o Brasil ganhou novo estatuto
dentro do imprio portugus, com os senhores das terras em posio de exigir
de Portugal regalias, visto terem retomado o pas em nome da Coroa, sem
darem qualquer passo rumo independncia. J no sculo 18, esse
sentimento se acirra e comea uma brasilidade mesmo antiportuguesa,
materializada na Guerra dos Mascates, por exemplo, em que a briga era entre
mascates (portugueses comissrios de acar) e mazombos (portugueses
senhores de terras e descendentes destes j nascidos no Brasil).
Mesmo em um mundo que vive a globalizao total j h quase 25 anos, esses
traos do brasileiro (miscigenado, cordial, informal) permanecem e so
facilmente identificveis na formao do pas, j em seu primeiro sculo.
Agora, com a chegada de outros desafios, como crise do petrleo, a
necessidade de uma mudana de matriz energtica e a questo do
desenvolvimento sustentvel, a cana-de-acar volta ao centro das atenes.
A partir dela, formou-se um pas, com todas as suas especializaes e facetas.
Agora, esse pas forjado na cana volta-se novamente para ela, agregando-lhe
valor. Com isso, a epgrafe de Caio Prado Jnior, pensada para os quatro
primeiros sculos de Brasil, dever permanecer verdadeira ainda por muito
tempo.
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O PROJETO COLONIAL PORTUGUS
Um pequeno pas fsica e economicamente dependia de rotas ultramarinas
alternativas, para comprar na origem e vender seus produtos na Europa sem
precisar pagar o que hoje seriam chamados royalties a potncias como os
Estados italianos. Dessa forma, a poltica colonial portuguesa era basicamente
comercial e extrativa: chegar, estabelecer uma feitoria (um escritrio
comercial), fazer escambo com os da terra e voltar com os produtos para
venda.
No Brasil, o extrativismo teve um curto perodo: o ciclo do pau-brasil. Madeira
nobre cuja tintura era muito valorizada na Europa, foi colhida sem um projeto
de reposio ou de cultivo. O resultado foi a quase extino do bem. De
qualquer forma, encher navios com pau-brasil no era suficiente para manter
Portugal dono da terra brasileira. Uma costa muito grande e assediada
precisava de mais que pontos esparsos, usados apenas como bases para
incurses de extrao.
Da vem a poltica das capitanias, que j havia funcionado no arquiplago da
Madeira. S que o Brasil era mais longe e muito mais extenso e, como
resultado, apareceram poucos candidatos aptos a arcar com a montagem de
expedies de colonizao. O jeito foi ceder grandes extenses de costa a
empreendedores que se dispusessem a pelo menos tomar conta do territrio,
evitando que fosse predado por outros que no portugueses.
Com escassez de recursos e de mo-de-obra, optou-se pelo plantio no Brasil
da mesma cultura que havia funcionado nos Aores e Madeira: a cana das
ndias. E, assim, a falta de materiais nobres, como o ouro na Amrica
espanhola, foi contornada pelas extensas plantaes de cana, tomando os
litorais de norte a sul do pas. Em pouco tempo, no entanto, a lgica do
mercado fez falharem as culturas ao sul da Bahia, distantes demais da
Metrpole.
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MARTIM AFONSO
Esse um caso emblemtico do projeto inicial de colonizao. Fora escolhido
para chefiar uma misso ao Brasil, alm de suas habilidades tcnicas, por ser
companheiro de infncia do rei d. Joo 3. Seu envio, com uma esquadra de
cinco navios e 500 homens, mostra que Portugal j pensava em sua colnia
em termos diferentes dos iniciais. Era preciso mandar gente ligada mais
diretamente ao Estado (ainda que com financiamento em parte privado) para
criar no Brasil condies de colonizao e no simplesmente de extrao.
Antes de chegar a So Vicente, onde realmente fez histria no Brasil, aportou
em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Depois disso, sua misso era ir at a
foz do Prata (ento rio Slis, em homenagem ao navegador espanhol) para
procurar meios de chegar a um lendrio "rei branco", dono de grandes riquezas
e que, mais tarde, seria identificado com o imperador inca. Esse ltimo
propsito falhou, devido s ms condies dos navios e das tripulaes. Assim,
estabeleceu-se em So Vicente.
Antes disso, na Bahia, j havia deixado gente com a misso de testar mudas
de cana, com vistas a plantao extensiva. Mas, estando ele mesmo no litoral
paulista, e sendo dono de uma capitania com 300 km de costa, iniciou ali uma
plantao de cana-de-acar e estabeleceu um engenho. (O stio desse
engenho, de So Jorge dos Erasmos, pertence desde 1958 Universidade de
So Paulo e ainda tem restos de materiais, datados como provavelmente do
incio do sculo 17.)
A capitania de So Vicente cresceu lentamente, tanto que, em 1548, ainda
eram apenas seis os engenhos, contando com trs mil escravos. Em 1533, um
ano depois de fundar So Vicente, Martim Afonso volta a Portugal, onde
destacado para misses coloniais na ndia. L, pde usar a experincia
brasileira, no s na construo de embarcaes (construiu dois bergantins
quando aportou no Rio de Janeiro, em 1530), mas tambm na guerra de
escaramuas. No Brasil, combatera contrabandistas franceses.
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Depois de vrias misses na ndia, regressou definitivamente a Portugal em
1545. Na Brevssima notcia que escreveu Coroa, simplesmente omitiu o
Brasil. No considerava o que fez em So Vicente digno de contar em seu
currculo.
Apesar de constar nos livros de histria (corretamente) como o fundador da
primeira vila no Brasil, So Vicente, dar a Martim Afonso crdito pela
introduo da cana-de-acar no Brasil errneo. O que se pode afirmar com
certeza que ele fez o primeiro estabelecimento slido, dentro de uma poltica
colonial, com vistas a se estender a partir desse projeto piloto para o resto da
terra recm-descoberta. Antes disso houve iniciativas, como est em um alvar
do antecessor de d. Joo 3, d. Manuel, que enviou colnia um prtico de
engenho devidamente aparelhado, isso em 1516. Provavelmente houve
tentativas anteriores, mas eram espordicas e no faziam parte de uma poltica
colonial elaborada especificamente para o Brasil. O protagonismo desse novo
projeto cabe a Martim Afonso.
Martim Afonso, assim, mostra que Portugal queria colonizar e plantar no pas,
de maneira sistemtica, passados mais de 30 anos de seu descobrimento. Mas
no pde mandar para c pessoas interessadas em se fixar no territrio. S
contou com gente ligada nobreza, que tinha toda sua vida e aspiraes
voltadas para realizaes seno na, pelo menos para a Metrpole. (Vale
lembrar que, antes de Martim Afonso, outro nobre portugus, Fernando de
Noronha, sequer veio tomar posse da capitania que lhe fora concedida.)
O empreendimento comeou lentamente, forou a tomada de escravos entre
os ndios e, no fim, perdeu muito em importncia para a cultura no Nordeste,
que contava com reas maiores a beira-mar, estava mais perto da Metrpole, o
que barateava os fretes, e podia contar com frotas regulares para escoltar os
navios cheios de acar, coisa infreqente no litoral Sul.
Quando So Paulo iniciar um bem-sucedido ciclo do acar, quase 250 anos
depois dessa experincia, a capitania era de havia muito deficitria (Mello,
2006).
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O SUCESSO DO ACAR NO NORDESTE
Mais prximo da Metrpole e contando com frotas de escolta freqentes, o
Nordeste foi muito favorecido em detrimento das capitanias mais ao Sul. Desde
Pernambuco, passando por Paraba, Sergipe, as Alagoas, at a regio do
Recncavo Baiano, tudo a beira-mar eram canaviais.
A histria comea por Olinda, quando, trs anos depois do empreendimento de
Martim Afonso em So Vicente, Jernimo de Albuquerque funda um engenho
em Pernambuco. Nessa poca, muda a forma de governo do territrio, sendo
nomeado um governador geral. (S depois de 1720, com d. Joo 5 no trono
portugus, que o Brasil passaria e ter seus governadores gerais investidos
com o ttulo de vice-reis.)
Tom de Souza, em 1548, recebe autorizao para dar sesmarias,
especialmente em regies ribeirinhas, a todos os que apresentem possibilidade
de levantar engenhos de acar. Baseado em Salvador e contando com um
posto avanado em Olinda, com o engenho fundado 13 anos antes por
Albuquerque, essa poltica selou o destino do Sul. O eixo de desenvolvimento
no territrio ia de Salvador a Recife. As regies costeiras e as ribeirinhas
ficavam para o acar. O serto, para o gado (cujas primeiras reses chegam
das Canrias e de Cabo Verde, em 1551), e a mata para provimento de lenha.
Em 1570, nova poltica colonial posta em prtica por Mem de S: o governo
concederia iseno de grossa parte dos impostos que incidiam sobre o acar,
nos dez anos posteriores construo de um novo engenho. O nico imposto
era o dzimo cobrado na Metrpole. A medida impulsiona ainda mais o
Nordeste, mas tem como subproduto a fraude. Engenhos, especialmente nos
sculos 16 e 17, so estruturas frgeis, de madeira, pouco durveis. Eram
mantidos funcionando com o mnimo possvel de manuteno. Com isso,
podiam moer por 20 anos talvez, embora caducassem antes, devido ao
esgotamento das lenhas em seu redor. Mas se o governo dava iseno de
impostos, por que no deixar os engenhos se estragarem, economizar na
manuteno e, em dez anos, construir um novo e gozar novamente do
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benefcio? Em 1614 a disposio foi revogada e a letra da lei fixou as palavras
"grandes engenhos". De ali em diante, s estes grandes empreendimentos
poderiam contar com o benefcio. Mesmo assim, as fraudes continuaram,
embora a Coroa s tenha reagido, com nova proviso, estabelecendo limites
para o que se entendia por "grande engenho", em 1655 (Azevedo, 1945).
Apesar de existir uma capital, Salvador, e um governo geral, o fato que a
costa brasileira era pouqussimo defendida. Cabia, como se viu, aos senhores
de engenho cuidar da defesa de sua propriedade. Mas fazer funcionar a
fbrica, plantar, endividar-se a cada safra para compra de escravos, defender o
engenho de ataques de indgenas e ainda pagar impostos Metrpole deixava
pouca folga para montar fortificaes ou financiar algum tipo de milcia estvel.
A poltica portuguesa no caso de invases era meramente reativa e, mesmo
assim, contava com o acaso, o que segundo alguns historiadores e socilogos,
por exemplo Caio Prado Jr., determina mais um trao da administrao
brasileira que se estende at o presente.
nesse estado de coisas que uma empresa por aes fundada na Holanda e
projeta como sua maior meta a dominao de todo esse rico e desprotegido
litoral. Trata-se da WIC, a Companhia das ndias Ocidentais. Sua misso
dupla: dar lucro a seus acionistas e enfraquecer a Espanha. Essas duas frentes
se materializavam em enfoques diferentes: o corso e a colonizao.
No que diz respeito ao corso, a WIC financiava misses para apresar ouro e
prata vindos da Amrica espanhola. Suas maiores vitrias nesse setor
aconteceram em apresamentos no Caribe. Profundamente dependente dessa
fonte de bens, a Espanha, que tinha uma poltica colonial diferente da
portuguesa, mais voltada para a extrao de metais, sentia os golpes. Era uma
guerra econmica e religiosa: as Provncias Unidas do Norte contra a Espanha
e o calvinismo contra o catolicismo (Lopez, 2002).
As aes de colonizao eram mais caras e tinham de ser entregues a homens
com experincia administrativa e militar. Eram tambm operaes de longo
prazo, diferentes da predao pura e simples representada pelo corso. A
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primeira ao da WIC no territrio brasileiro uma invaso de Salvador, que
acontece a 8 de maio de 1624. Ficariam instalados ali durante um ano, sendo
expulsos finalmente por uma esquadra espanhola. (Era o tempo da unificao
de Portugal e Espanha.)
Mas em 1630 a WIC volta carga, desta vez em Recife. Apesar da reao dos
colonos, a invaso bem-sucedida. Tentou-se de incio uma ttica de "terra
arrasada". Logo de sada, o governador Matias de Albuquerque pe fogo em
24 naus (portuguesas) e destri na ao 8 mil caixas (cerca de 3,2 mil
toneladas) de acar. O prejuzo era certo para ambos os lados, mas
Albuquerque esperava mostrar aos holandeses que no seria fcil nem
colonizar e nem mesmo apresar o acar j processado. Apesar do golpe,
Recife foi tomada e Albuquerque organizou sua resistncia no interior.
A partir de ento, a histria dos holandeses no Brasil, que duraria 24 anos,
uma srie de pequenas vitrias e recessos para ambos os lados. Na maior
parte do tempo, os holandeses ficavam restritos costa, Recife e Itamarac.
Mais para o interior, os milicianos de Albuquerque, primeiramente organizados
no Arraial do Bom Jesus, a 6 km do Recife, ficavam firmes e faziam incurses
de guerrilha. Quem saa do Recife corria o risco de ser morto por alguma das
patrulhas. Hortas de produtos de subsistncia eram sistematicamente
queimadas e plantaes de cana-de-acar viviam sob constante ameaa.
Embora nominalmente os holandeses tenham dominado 50% da produo de
acar no Brasil, no quer dizer que ficaram com 50% do produto. Produzir da
Paraba para baixo era mais seguro e tinha ponto de escoadouro em Salvador,
embora o transporte devesse passar por mares onde havia sempre o perigo do
corso holands. Do Recncavo para cima, era a escaramua constante entre
holandeses e mercenrios (ndios, colonos portugueses e outros) contra os
milicianos da resistncia. O acar do Brasil holands ia para Amsterd para l
ser refinado. A cidade chegou a ter 25 refinarias nesse perodo (Lopez, 2002).
Isso quer dizer que os holandeses eram odiados e que os milicianos eram
nacionalistas? A historiografia tradicional escrita no sculo 19 afirma que sim,
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mas um exame dos dados mostra algo diferente. Negociar com os holandeses
ou com a Metrpole era indiferente em termos de impostos. Ainda mais, na
poca, a Metrpole no era sequer Lisboa. Os holandeses eram tolerantes com
questes religiosas, alm de mais lenientes no que diz respeito a ligaes
carnais entre etnias. Se havia o fervor calvinista, este era dirigido a uma
ideologia de lucro, bem diferente do fervor catlico, pautado pela Contra-
Reforma e pelos intolerantes (e, estes sim, odiados) tribunais inquisitrios.
Portanto, os milicianos do Arraial no representavam uma comunidade unida
em torno de uma ideia de expulso de estrangeiros.
Alm disso, figuras importantes na expulso dos holandeses eram senhores de
engenho, como por exemplo Andr Vidal de Negreiros. E eles estavam
seriamente endividados com os comissrios holandeses. Do ponto de vista do
endividamento, expulsar os holandeses seria cancelar, pelo menos a curto
prazo, o pagamento de dvidas. Mas o preo dessa soluo era uma cara e
instvel guerrilha.
Enquanto esses colonos resistiam, o que fazia exatamente o Estado? Em
Portugal, estudava-se a possibilidade de pagar pelo resgate do territrio e, para
essa faco da diplomacia, interessava que as escaramuas continuassem,
pois isso desvalorizava o empreendimento holands. Enquanto isso, a Coroa ia
tramando com o governo sediado na Bahia formas de ajudar os
pernambucanos, embora formalmente essa ajuda fosse negada, com os
portugueses sempre respondendo que investiam unicamente na soluo
negociada.
Nesse impasse, Recife ia ficando mngua. Eram freqentes os surtos de
doenas, os crimes por alimento, pessoas comendo restos de animais ou
cozinhando couros em foges improvisados nas ruas (Lopez, 2002; Mello,
2006). E a WIC tinha de, com esse contingente multinacional, pr ordem na
produo. Como, se em certos momentos no podia sequer manter a ordem
dentro de suas casernas? Esse estado de coisas contribuiu um pouco para
minar a crena que alguns colonos tinham de que seria possvel conviver com
os holandeses, pois, no aperto, colunas de mercenrios saam em disparada
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pelos engenhos, apresando o que pudessem. O colono ficava assim sob dois
jugos: a resistncia, que constantemente ameaava seu canavial, e os
mercenrios contratados pela WIC, que tinham fome e estavam desesperados
e bem armados.
Nesse intervalo de 24 anos, chega ao Brasil, em 1636 o nobre e militar
Maurcio de Nassau. Com uma folha de servios extensa prestada s
Provncias Unidas, com experincia militar e administrativa, esse homem de 32
anos mandado ao Recife, no sexto ano da invaso. Para as Provncias
Unidas, era importante que o empreendimento privado financiado pela WIC
fosse capitaneado in loco por um agente do Estado, e Nassau no s era
militar como ligado casa de Orange.
Nassau, no entanto, pensa diferente da WIC. Percorrendo a terra, v que a
ao da WIC mais predatria que colonizadora e que preciso criar
condies para o aparecimento de uma classe de senhores pr-holandeses e
isso no aconteceria sem benefcios para os plantadores e donos de engenho.
Foi nesse esprito que, em 1642, tentou implantar em Pernambuco a mesma
regra que valia desde 1636 para o resto do territrio: as dvidas dos senhores
podiam ser cobradas apenas em termos dos produtos, mas no das mquinas
ou da terra. Apesar de explicar diretoria da WIC que de nada adiantaria
confiscar terras, pois elas teriam de ser leiloadas para uma classe
empobrecida, j que no havia estmulo para que holandeses viessem para c
fundar engenhos, sua proposta foi rejeitada.
Em seus oito anos em Pernambuco, Nassau viveu a lgica de escaramuas
com as milcias de resistentes, as alianas com indgenas, a misria no Recife,
a difcil administrao do territrio produtivo e, do lado da WIC, a intransigncia
com respeito implementao no Brasil de uma poltica de mais longo prazo.
Essa posio da WIC se devia, em parte, s suas origens corsrias e, em
parte, ao fato de que desde 1638 o acar caa na bolsa de Amsterd. Essa
queda s estancou em 1642 quando houve uma quebra de safra em
Pernambuco, devido a enchentes e a uma epidemia de bexiga que afetou
grande parte da escravaria. Mas em 1643, com a trgua (pelo menos formal)
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entre Pernambuco e Bahia, o acar baiano bate recordes de exportao e
inunda as praas europeias. Com isso, o produto conhece seu valor mais
baixo. A WIC precisava urgentemente se livrar do Brasil e pagar seus
acionistas.
O rigor de Frans Post nos fornece as primeiras imagens do empreendimento canavieiro no Brasil. Este
leo sobre tela, de 1668, mostra um engenho real (vertical, movido a gua), a secagem, as bocas das
fornalhas e, ao alto, a casa grande e a capela.
Apesar das condies da ocupao, Nassau mantinha uma corte no Recife,
com pintores, cartgrafos e naturalistas. Todos viviam agregados sua casa,
durante uma poca uma imponente construo de quatro torres na cidade. De
todos, destaca-se naturalmente o paisagista Frans Post. So dele os registros
mais antigos e confiveis de como eram os engenhos no Nordeste. Imagens
supostamente anteriores so sempre baseadas em esteretipos, e existem
mais para ilustrar "um" empreendimento canavieiro que a situao no Brasil.
17
Da a importncia de Post. Outro pintor, este retratista, foi Albert Eckhout, que
legou imagens de todas as etnias que habitavam o territrio holands.
Com a sada dos holandeses, cinco anos depois das duas Batalhas dos
Guararapes, o conhecimento acumulado na experincia brasileira se espalha
pelas Antilhas. O Brasil estava novamente unido e disposto a produzir acar
para o mercado europeu, mas no arquiplago estabeleceu-se uma cultura mais
tcnica e planejada, alm de mais prxima dos mercados consumidores na
Europa. Se o Brasil podia reestruturar sua produo, tambm verdade que o
faria agora com a presena de um concorrente forte. O sculo seguinte seria
de riqueza, de grandes casas e capelas, tanto em Pernambuco como na Bahia.
Mas seria tambm um sculo de rendimentos progressivamente menores.
Alm dessa concorrncia externa, houve tambm pouco depois o comeo da
corrida ao ouro das Minas Gerais, que atraiu parte dos investimentos que antes
se destinavam quase exclusivamente aos empreendimentos aucareiros.
18
O REINCIO DO ACAR EM SO PAULO
Aos 43 anos de idade, d. Lus Antnio de Souza Botelho Mouro chegava a
So Paulo, para ser o governador da provncia recm-restaurada. Um local
pobre, permanentemente envolvido em conflitos com ndios, devastado pela
debandada que levou para as Minas Gerais os braos mais fortes e
empreendedores, a capitania fora incorporada do Rio de Janeiro em 1748.
Agora, a administrao pombalina queria uma poltica para o Sul do pas, pois
via que a incorporao ao Rio s piorara as coisas. Afinal, era mais terra para a
administrao centralizada no Rio. Era preciso ir para o Sul e colonizar So
Paulo era o primeiro passo.
Como j dissemos (Mello, 2006), a capitania era deficitria e mudar esse
panorama exigia algum que aliasse habilidade administrativa e domnio de
estratgias militares. O homem escolhido tinha ambos os crditos em sua folha
de servio Coroa e, assim, chega capitania seu novo governador, o
morgado de Mateus.
D. Lus devia enfrentar um triplo problema: o interior era pouco povoado, o
porto de sada de eventuais produtos da capitania era distante demais do
planalto e havia a concorrncia do porto do Rio. Sua soluo foi apelar para um
velho conhecido: a cana-de-acar.
no perodo de seu governo, que se estender at 1775, que o interior de So
Paulo, em especial as terras vermelhas e frteis do quadriltero determinado
pelas vilas de Sorocaba, Piracicaba, Itu e Mogi-Guau, conhece uma exploso
de plantio de cana-de-acar.
Mas como manter o interior povoado e em desenvolvimento se havia reas
mais competitivas no litoral, em especial na regio de Ilhabela e Ubatuba e no
tringulo formado por Lorena, So Lus do Paraitinga e Mogi das Cruzes? A
ao foi dupla e dbia. Por um lado, a Coroa determinou, em 1765, que
estavam eliminadas as frotas de comrcio entre a Metrpole e a Bahia e Rio de
Janeiro. Na prtica, o que acontecia antes disso era que qualquer capitania ao
19
Sul, So Paulo em primeiro lugar, era forada a mandar seus produtos para o
Rio, pois s de l podiam sair para a Metrpole. Os impostos ficavam retidos
no porto e s eram repassados mais tarde. Alm disso, havia a questo do
frete e do armazenamento, o que tornava o produto da capitania, qualquer que
fosse, ainda menos competitivo. Com a eliminao das frotas, o produto podia
ser exportado de qualquer lugar para Lisboa e, assim, o porto de Santos se
tornou estratgico.
Quadriltero do acar segundo Petrone (1968), com Sorocaba - Piracicaba - Mogi-Guau - Itu, que inclui
Porto Feliz, dado como um dos vrtices por Prado Jr. Alm disso, as zonas de Mogi-das Cruzes - So
Lus do Paraitinga - Lorena e ainda a regio de Ubatuba, estas ltimas prejudicadas pela poltica do
morgado de Mateus e de Bernardo Lorena
A entra a parte dbia do projeto do morgado e posteriormente de Bernardo
Jos de Lorena, seu sucessor. Dbia do ponto de vista tico (tanto um como
outro seriam questionados a respeito), mas no do ponto de vista estratgico.
Foi o segundo que determinou que todo produto de exportao da capitania
tinha de sair pelo porto de Santos. Com isso, o tringulo Lorena - So Lus do
Paraitinga - Mogi das Cruzes e tambm a regio de Ubatuba no mais podiam
exportar, como sempre o fizeram, para o Rio. E mandar o acar para Santos
para s ento este ir para a Metrpole tornava o produto mais caro. Como
20
resultado, a cultura nessas regies decaiu. Elas, no final das contas, pagaram
o preo da estratgia de povoar o interior e torn-lo produtivo.
De fato, seis anos depois de terminado o governo do morgado, em 1781, d.
Maria 1a ordenou uma sindicncia na capitania, para averiguar as acusaes
de que ele teria enriquecido ao adquirir terras no planalto para em seguida
implementar uma poltica que as favorecesse. Nada no entanto se provou e as
testemunhas foram unnimes a respeito da idoneidade do morgado (Vainfas,
2000).
Mas, entre o planalto e o porto, encontra-se uma formidvel barreira: quase
800 m de altura, mata fechada. A Serra do Mar era um obstculo ao
escoamento do produto do planalto. Assim, o projeto de povoamento j
comeava a dar certo e, no entanto, o problema de escoamento prosseguia.
Das terras pretas ao redor de Itu, a cana se estendeu s terras vermelhas de
Campinas. Em 1790, Lorena ordena ao capito-mor de Itu que povoe as terras
em redor de Piracicaba e Porto Feliz, pois Itu j no comportava mais colonos.
O trabalho de tornar a regio produtiva tinha sido bem-sucedido. Depois de
mais de sculo de dficit acumulado, So Paulo se erguia.
Entre 1788 e 1791, um feito de engenharia para a poca revoluciona a
economia paulista. Trata-se da calada entre o Alto da Serra e Cubato,
devidamente pavimentada, por onde agora podiam circular com segurana
tropas de muares com produtos de exportao, sendo o principal, como
sempre, o acar. Um caminho que antes no era mais que picadas irregulares
e perigosas agora podia ser cumprido, na subida, em trs horas. Alm disso,
ranchos espalhados pelas estradas do interior garantiam local de repouso e
troca de animais. No se tratava de entrepostos especiais, com estrutura de
bom nvel. Eram apenas ponto de repasto para animais e um galpo para
proteger a mercadoria enquanto a tropa era trocada e os tropeiros se refaziam.
Para manter a calada, o governo cobrava um pedgio (Schmidt, 1959):
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gnero pedgio
acar $ 040 por arroba
fazendas de l $ 080 por arroba
sedas, cambraias, fustes e fazendas
finas de algodo e enfeites
$ 160 por arroba
outras mercadorias c. $ 020 por arroba
milho, farinha, frangos e galinhas nada
Embora a maior barreira tivesse sido vencida, havia outro problema: Cubato
longe de Santos e o acar que chegava a essa vila tinha de ser embarcado
em canoas, que deviam vencer o rio Casqueiro, at o porto. Isso custava em
termos de perdas de produto e de frete. A soluo para isso, no entanto, teria
de esperar at 1827 (Petrone, 1968).
Entre o perodo do governo do morgado de Mateus e a finalizao da estrada
entre Cubato e Santos, vrias medidas favoreceram os engenhos paulistas.
Entre elas, destacam-se a disposio de 1798 que revogava a restrio
imposta pelo governo de Lorena com respeito exclusividade de Santos como
ponto de exportao. Isso voltou a animar a regio de Ubatuba e Lorena, mas
os nove anos de imposio j tinham feito o suficiente para firmar a supremacia
do planalto.
Em 1805, foi tomada a primeira medida com vistas a melhorar a qualidade do
produto paulista. Como no havia mesa de inspeo em Santos, o governador
Antnio Jos da Franca e Horta ordena que as caixas de acar vindas do
planalto devam ser marcadas a fogo, para evitar fraudes. A marca pelo menos
garantia a origem do produto e permitia, no caso de fraudes (seja m qualidade
do acar branco, seja adulterao do peso por adio de pedras)
responsabilizar diretamente um negociante. Antes disso, com as caixas
annimas, ningum podia ser claramente culpabilizado em caso de fraude.
22
Em 1807 estendida a So Paulo uma regalia que havia sido conseguida
quase 50 anos antes do Rio e mais de 150 anos antes, no Nordeste: s podiam
ser executados para pagamento de dvida os produtos de um engenho, mas
no as mquinas ou a terra.
Do ponto de vista tcnico, dois fatos devem ser destacados: a introduo em
1812 de moendas horizontais, mas produtivas, e o estabelecimento em
Ipanema de uma siderrgica apta a fornecer cilindros de ferro com rodas
dentadas para essas novas moendas. Com isso, So Paulo comeava tambm
a produzir valor agregado e, aos poucos, deixava de depender da importao
de mquinas e de tcnicos de outros lugares do pas. No seria mais preciso,
como aconteceu em 1812, que o dono do engenho campineiro que instalou as
primeiras moendas horizontais na provncia mandasse buscar na Bahia um
tcnico habilitado.
Por fim, o ano da finalizao da obra da estrada entre Cubato e Santos
coincide com o trmino de um ciclo de interveno estatal sobre o acar.
Cessam as restries sobre a construo de engenhos, ou seja, no era mais
necessria uma licena para construir um e, ao mesmo tempo, acaba a poltica
de regulao de preos. Com isso e com as reformas paulistas iniciadas no
governo do morgado de Mateus, So Paulo conheceu 20 anos de elevada
produo aucareira, que atingiria seu auge em meados do sculo. As estradas
de rodagem (a transformao da calada do Lorena em estrada para carros, o
que aconteceria em 1849, com a inaugurao da Estrada da Maioridade) e as
linhas frreas viriam na esteira. Mas no mais para transportar acar. Este
tornara rica a regio e essa riqueza preparou o ciclo do caf.
No primeiro ano da segunda metade do sculo, a produo de caf j superava
a de acar e essa nova cultura continuaria se expandindo at 1930. no ciclo
do caf que se forma a maior parte da riqueza econmica e influncia poltica
de So Paulo, que se estenderia at 1929. Ento, o acar, como sempre
acontece na histria do pas, comearia novamente a ocupar a ribalta.
23
EVOLUO TCNICA DOS ENGENHOS AT O SCULO 19
At que se criasse a figura jurdica do Engenho Central (independente de
plantadores e obrigado a moer a cana que lhe fosse dada) no final do Segundo
Imprio e sua efetiva construo no fim do sculo 19, j na transio para a
Repblica, os engenhos permaneceram indstrias pequenas e refratrias a
avanos tcnicos. Engenhos pequenos, apenas suficientes para moer a cana
de uma fazenda, ou ento outros que podiam dedicar algum tempo ocioso
moagem de cana de terceiros eram a norma no pas. com os engenhos
centrais que o negcio da cana passa a uma fase realmente empresarial e o
avano tcnico passa a ocupar posio mais importante nas decises dos
envolvidos. Assim, a histria que segue vai da implantao dos primeiros
engenhos no pas at fins do sculo 19, uma histria de avano tcnico lento,
apesar de quase 400 anos, 80% da histria do prprio pas.
Infogrfico baseado nos desenhos de Hamilton Fernandes (1975) mostra os processos em um engenho
tpico do sculo 17
24
1. plantio As primeiras canas trazidas para o Brasil foram da espcie crioula, tambm
conhecida por fina ou merim. Sua origem imediata o arquiplago da Madeira,
onde era plantada extensivamente pelos colonos portugueses desde fins do
sculo 15. Sua origem remota indiana.
Planta tropical, espalhou-se pelo planeta a partir da Indonsia, indo para o sul
da sia e da ndia no incio da Era Crist. Da, aos poucos foi para a Europa,
mas no cultura que se possa manter acima do trpico de Cncer e, dessa
forma, no chegou a ser importante.
J na Madeira o clima permitia seu plantio e, assim, dessas ilhas ela chegou ao
Brasil. A data para isso varia conforme o autor, indo de 1502 ou 1504, com
Fernando de Noronha (Azevedo, 1945), at a data mais corrente entre os
historiadores, 1532, com Martim Afonso de Souza.
Essa variedade permaneceu em uso no pas at o incio do sculo 19. De fato,
devido pouca informao tcnica dos agricultores, julgava-se mesmo ser a
25
crioula "a" cana. S no incio do sculo 19 que aparece no Brasil a cana
caiana, que deriva seu nome de Caiena, na Guiana Francesa, de onde foi
trazida pelos portugueses. Como represlia a Napoleo, a corte portuguesa no
Rio de Janeiro ordenou, em 1809, a invaso da Guiana Francesa, e foi de l
que veio a nova variedade de cana. Os portugueses ficariam no territrio
francs at 1817. Quanto caiana, sua origem remota era o Taiti, da tambm
ser conhecida no Brasil por "otaiti". Era mais suculenta, mas tambm produzia
mais bagao que a caiana. At a chegada ao pas da cana riscada ou batava,
vinda de Java, crioula e caiana continuariam a ser as duas nicas variantes
cultivadas. De qualquer forma, a caiana j mostrava sinais de desgaste em
meados do sculo 19, como se pode depreender de uma lei provincial que
autoriza o governo de So Paulo a comprar no exterior novas mudas dessa
variedade.
Quanto ao mtodo de plantio, nem mesmo o arado era usado no pas. De um
lado, isso pode ter sido devido ao atraso tcnico e falta de informao, mas
existe o argumento de que no Brasil a cana era plantada em terras novas,
recentemente ganhas s matas, e que razes impediam o bom uso do arado.
Seja como for, arar a terra para plantar cana coisa fora de questo pelo
menos nos primeiros 300 anos da colnia.
A adubagem era feita ou com esterco ou com o bagao da cana. As cinzas
provenientes do processo de cozimento eram preciosas demais para isso. O
caso mais comum era no existir qualquer tratamento da terra. Quando esta se
cansava, era abandonada e deixada regenerar-se. No havia a ideia de rodzio.
Essa prtica e outras ligadas ao mau uso de recursos naturais o que leva
Caio Prado Jnior a escrever que no Brasil o que se exercia era uma
"agricultura extrativa" (Prado Jr., 1965).
2. transporte Os meios usados para levar a cana da lavoura ao engenho eram o barco, o
carro de boi, os muares e o ser humano. Dado o tamanho das primeiras
propriedades para plantio cana no Brasil, que podiam medir at trs por uma
lgua (retngulos de 18,6 km por 6,2 km), o transporte preferencial era o rio,
26
pois no apenas isso dispensava estradas, como dispensava cuidar de muitos
animais e, ainda, trazia a cana para prximo do engenho, que provavelmente
funcionava ou beira de um rio ou em algum ponto prximo. A estrutura que
ligava o rio roda dgua que movia a moenda era chamada "levada". Em um
engenho m So Paulo, Gama (Gama, 1983) fotografou uma de oito
quilmetros.
Os barcos podiam ser canoas, os menores, e, progressivamente maiores,
saveiros, lanchas e barcos. Todos movidos a vela (Pinho, 1945).
Para os engenhos menores ou com pouco acesso a gua, o carro de boi era
preferido, pois tinha maior capacidade de transporte, uma vez que os muares
tinham de ser carregados um a um, colocando-se em seus dorsos estruturas
de madeira chamadas cambitos e nelas apoiando os maos de cana.
O brao humano ficava restrito ao pequeno engenho, ainda mais porque, dado
o preo de um escravo, era desperdcio tir-lo da colheita, onde
insubstituvel, e coloc-lo para transportar cana entre a lavoura e a fbrica.
A tabela abaixo d uma ideia do preo relativo da escravaria dentro das
propriedades de um senhor de engenho do incio do sculo 19 (Gomes, 2005).
Com pouca variao, os nmeros valem provavelmente para pocas
anteriores.
item percentual do total
escravos 32,62
engenhos 28,14
sobrados na cidade 11,37
outras propriedades rurais 9,43
casas na cidade 3,83
safras de cana 3,82
bois 3,55
pes de acar 1,88
27
cavalos 1,06
mobilirio 0,6
Representando quase 1/3 das propriedades do senhor, o escravo tinha de ser
usado ao mximo e da forma mais eficiente possvel. Alm do mais, o grosso
do endividamento dos senhores de engenho, desde o sculo 17, sempre
esteve ligado compra de escravos. No tendo acesso a moeda, deviam
empenhar a produo com banqueiros das cidades porturias (principalmente
Recife e Salvador). Tudo isso explica o uso criterioso do escravo, o que no
impediu a disseminao dos maus tratos, apesar de leis que tentavam coibi-
los.
3. moendas Independentemente da fora motriz, as moendas eram de rolos verticais. No
incio, dois, com o eixo de trao preso a um deles, que ento movimentava o
outro. A vantagem de construo, muito fcil. A desvantagem que a cana
s pode seguir em uma direo. E como uma passada em moenda, mesmo em
moendas mais sofisticadas, pouco para tirar o caldo, era ento preciso
passar a cana, recolh-la no lado oposto e, em seguida, pass-la de novo. Da
que a introduo de moendas de trs rolos significou enorme avano tcnico,
especialmente no que diz respeito produtividade. Com a moenda de trs
rolos (dita "de entrosa") a alimentao podia acontecer pelos dois lados. Um
escravo entrava com as canas entre os rolos 1 e 2 e, do outro lado, esta era
recolhida e imediatamente passada de volta entre os rolos 2 e 3.
No processo mais primitivo, as moendas eram de madeira. S no sculo 19
que comeariam a ser fabricados no Brasil cilindros de metal, mas ento j
para moendas horizontais. A evoluo tcnica nesse meio tempo consistiu no
revestimento dos rolos de madeira com uma chapa metlica, para aumentar
vida til dos rolos.
Em gravuras do sculo 17, supostamente retratando o Brasil, podemos
encontrar (especialmente iluminando mapas) moendas com uma m vertical de
28
pedra movida por um homem. Provavelmente, trata-se de esteretipo e esse
tipo de tcnica no foi de fato usado no Brasil.
De pouco uso e interesse o mtodo de prensagem de cana, seja com prensa
acionada por um homem (que se pendurava na ponta de uma longa haste para
com seu peso esmagar a cana depositada no outro extremo), seja acionada
por um animal (burro ou boi), que girava em torno de um parafuso onde ficava
presa a haste da prensa. O movimento do animal faria girar o parafuso e, como
conseqncia, a haste baixaria e espremeria a cana depositada prxima de
seu extremo fixo.
leo sobre tela de Frans Post, de 1651, mostra um raro exemplar de prensa usada em engenho de cana
Essas primeiras moendas eram movidas ou por homens (o caso menos comum
em moendas nas fazendas), por animais ou por gua. A farta ilustrao de que
dispomos feita pelos holandeses, em especial por Frans Post, mostra moendas
de entrosa (de trs rolos) verticais, movidas a gua. Por isso eram mais
valorizadas as terras prximas a rios para a instalao de engenhos. O rio no
s permitia transporte fcil do material bruto e do resultado como tambm
fornecia energia.
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As moendas a gua so melhores que as movidas a bestas? A primeira ideia
que sim, pois tambm exigem mecanismos mais sofisticados, podem ser
maiores etc. Mas existe um argumento importante para contrabalanar essa
viso: os animais podem ser usados o ano todo, o que no o caso da gua,
que depende da vazo sazonal dos rios. Alm disso, as movidas a gua
exigem mais requinte na construo, sendo portanto mais caras (Petrone,
1968). Essa observao importante para ressaltar que a escolha por um
mtodo mais primitivo nem sempre se deveu a atraso tcnico (uma tnica da
historiografia que punha a atuao dos portugueses na colnia em termos de
proveito mximo e investimento mnimo), mas a condies climticas, ao
tamanho da lavoura etc. De fato, ainda hoje podem ser encontrados no pas
todos os mtodos de moer: prensas (Gama, 1983, fotografou-as em uso no
Maranho), moendas de dois ou de trs rolos movidas a animais, a gua ou a
vapor. Tudo depende do tamanho do negcio, de sua localizao e das
possibilidades de investimento de seu dono. Mas a viso da moenda a gua
como tipo mais importante independentemente de outras consideraes ficou
inclusive fixada na linguagem. Um engenho cuja mquina era movida a gua e
no por animais recebia o nome de "Engenho Real", o que nada tinha a ver
com a Coroa, apenas com a suposta superioridade do equipamento. De
qualquer forma, um censo levado a cabo na Bahia em 1834 atestava ainda a
prevalncia da trao animal. Os recenseadores encontraram na provncia 46
engenhos a vapor, 62 a gua e 495 movidos por animais (Petrone, 1968).
O grande passo na moagem foi dado pela introduo das moendas horizontais,
isso em 1812. O aparelho fora desenvolvido cerca de 60 anos antes, na
Jamaica, por John Smeaton. Suas vantagens so muitas.
Primeiro, rompida uma barreira ergonomtrica (Gama, 1983). Se um homem
tem, em mdia, 1,70 m, de que adianta fazer rolos verticais de, digamos, 3 m?
A parte de cima jamais seria usada. Portanto, essa disposio limitava o
tamanho da moenda e, assim, o quanto podia ser modo por perodo. Com as
moendas horizontais, chegou-se a fabricar, em meados do sculo 19, rolos de
at 10 m de comprimento. No entanto, a tcnica de mover mais ternos de
30
moendas todos eles menores foi a tendncia que se mostrou aquela
economicamente mais interessante e esses rolos gigantescos so hoje apenas
curiosidade.
Segundo, a moenda horizontal permite alimentao por meio de esteira. Na
moenda vertical, a cana a ser moda tem de ficar empilhada prximo de quem
vai coloc-la entre os rolos e essa pessoa o faz de pouco em pouco. Na verso
horizontal, basta que a cana seja alimentada a partir de uma posio mais
elevada e ela descer diretamente para a moenda, com aumento de eficincia.
Alm disso, uma esteira colocada do outro lado (depois da primeira moagem)
permite que o bagao seja ou dispensado ou entre para moagem em um
segundo terno. a ideia de linha de montagem, impossvel de implementar em
mquinas de disposio vertical.
Terceiro, pelo uso de contrapesos, as moendas horizontais podem ser mais
facilmente reguladas (Velloso, 1800). Regular a presso entre rolos em uma
moenda vertical ou era impossvel ou era coisa precria, que saa do ponto em
pouco tempo. Com moendas horizontais, braos com pesos nas pontas podiam
facilmente ser usados para aumentar ou diminuir a presso entre os rolos e
essa regulagem no dependia de mexer na moenda, sequer de interromper
seu funcionamento.
Quarto, a transmisso de energia de um motor a vapor mais eficiente em
uma moenda horizontal. Em um arranjo vertical, seria preciso colocar coroas e
pinhes nos eixos transmissores de energia que vo do pisto ao eixo da
moenda, pois normalmente os pistes trabalham na horizontal e fazem girar um
eixo perpendicular a eles, no mesmo plano. Para adaptar esse movimento a
um arranjo vertical, seria necessria uma mudana de plano, com perda de
energia e aumento do preo do mecanismo. De qualquer forma, as mquinas a
vapor so contemporneas das moendas horizontais e o que dissemos se
refere apenas situao hipottica de ligar essa nova fonte de trao a um
sistema antiquado. Se isso aconteceu, deixou poucos registros, e nenhum no
Brasil.
31
4. cozimento Extrado o caldo, este era recolhido em um recipiente chamado "parol". Nas
fbricas nas quais a moenda ficava em ponto mais elevado que o dos fornos, o
caldo descia desse parol de recolha para um primeiro tacho, para iniciar o
processo de cozimento. No caso de ambos os recintos ficarem no mesmo
plano, existia a etapa intermediria do "parol de guinda". O caldo era
transferido para este que, em seguida, era guindado e, da por diante, escorria
para os tachos. O processo era mais lento, menos eficiente, e dependia de
ao humana, pois no havia mquina de guinda.
As casas de cozimento podiam ter de trs a cinco tachos seqenciais. O
primeiro, mais quente, fazia o papel de no s concentrar a sacarose, mas
permitir que restos da cana e sujeira fossem retirados por uma escumadeira.
Conforme o caldo ficava mais limpo, era transportado para o tacho seguinte, e
assim sucessivamente, at a obteno de um caldo claro e relativamente (para
os padres da poca) livre de impurezas. Uma casa de cozimento ligada a uma
moenda grande podia ter mais de um conjunto de ternos (ou quinas) de tachos.
Ao contedo restante nos tachos anteriores ao final, era acrescentada gua
para, com posterior cozimento, tentar-se extrair um pouco mais de sacarose.
Terminada tambm essa segunda extrao, tudo era concentrado no ltimo
tacho, onde um mestre determinava o ponto em que a mistura devia ser
retirada do fogo para passar etapa seguinte: a purga.
Os tachos so feitos de cobre e podem ou no estar presos alvenaria que
constitui o fogo. Na verdade, at meados do sculo 18, cada tacho ficava
sobre um fogo diferente, cada um com seu bueiro e boca de alimentao.
Segundo Antonil, o servio de alimentar as fornalhas era o pior da fbrica, o
mais desconfortvel e insalubre. Era portanto tarefa para os escravos mais
rebeldes.
S no sculo 18 chega ao Brasil, mais uma vez vinda da Jamaica, uma
inovao: uma fornalha nica, com trs ou, mais normalmente, cinco bocas de
fogo para os tachos. Isso tornava a alimentao mais fcil (uma boca em lugar
32
de cinco), a recolha de cinzas tambm era mais fcil e desapareciam os
bueiros, por onde saa a fumaa das fornalhas. Entra em cena na paisagem a
chamin. Note-se que nos engenhos mostrados por Frans Post, por exemplo,
por maiores que fossem, jamais apresentavam essa estrutura. Com a chegada
desse modelo de disposio das bocas de fogo, a chamin passou a ser ponto
de referncia na paisagem do interior. Como a inovao veio da Jamaica e
dizia respeito a uma disposio seqencial de mdulos, ficou conhecida entre
ns como "trem jamaicano". A economia de lenha trazida pelo trem jamaicano
poderia ser ainda maior se se usasse no Brasil o bagao como combustvel.
Mas isso s aconteceria em 1809 e, mesmo assim, em um s engenho de que
se tenha registro certo, o Filosofia, de Manuel Jacinto de Sampaio e Melo, na
Bahia. As ideias de Melo, no entanto, custaram a se espalhar e o bagao
permaneceu sendo subutilizado at meados do sculo 19. O bagao era, em
parte, destinado fermentao e posterior destilao com vistas produo de
aguardente, sendo esta usada em parte para consumo no engenho e em parte
como moeda para compra de negros. As colnias portuguesas eram
desestimuladas pela Metrpole a usar moeda em transaes comerciais. Toda
a moeda deveria ficar na Metrpole e as negociaes entre colnias deveriam
ter como base o escambo. Nessa lgica que entra, nos primeiros dois
sculos da colnia, a produo de aguardente, mercadoria valorizada nos
portos de vendas de negros no litoral africano.
As cinzas das fornalhas eram material precioso para lavar os tachos e as
formas de po-de-acar. Por isso, eram recolhidas e guardadas em um
cinzeiro. Passar cinzas pelas frmas era providncia inicial antes de se iniciar a
purga, para limp-las e facilitar o processo de desenformar o po
posteriormente.
5. purga O passo seguinte do xarope clarificado proveniente da ltima etapa de
cozimento a purga. Esta era feita em grandes frmas cnicas, primeiramente
de barro e, em ordem cronolgica, de madeira e de ferro. Cada frma era
inicialmente lavada com cinzas remanescentes das fornalhas, para limpar
restos da purga anterior e, em seguida, tinha seu orifcio inferior tampado. Caso
33
ficasse aberto, o xarope altamente viscoso escorreria e no ocorreria
decantao. S depois de cerca de uma semana na frma que esta tinha seu
orifcio aberto, para que o melao escorresse aos poucos.
As frmas, cuja capacidade mdia era para trs arrobas de xarope (cerca de
45 kg), eram arranjadas sobre mesas compostas de tbuas furadas que as
acomodavam. Em alguns arranjos, essas tbuas eram suspensas, na forma de
bancadas (Fernandes, 1975). Noutros arranjos, as tbuas ficavam ao rs do
cho e, abaixo delas, um tanque servia para recolher o melao, que dali era
retirado com o auxlio de conchas (Pontual, 2006). No caso das bancadas, uma
calha ligeiramente inclinada corria por todos os fundos de frma de uma dada
seo, recolhendo o melao. Essa calhas desembocavam em outras
progressivamente maiores, de forma que todo o material fosse finalmente
recolhido em um s recipiente.
Mas somente a decantao natural no seria em si suficiente para produzir
acar claro e bom para consumo. Assim, depois de uma semana, as frmas
eram entaipadas (com bambu ou palha), recebiam uma camada de argila e, por
sobre a argila era periodicamente aspergida gua. Com isso, a gua, por
gravidade, ia lavando o bloco dentro da forma, ajudando na decantao.
Terminado o processo, as formas eram viradas de 180 e o po-de-acar era
enfim desenformado. A parte inferior do po (superior, se pensarmos na
posio em que esteve durante a purga) era constituda de acar branco. Isso
significava cerca de 2/3 do po, ou cerca de 30 kg. Do resto, quase 1/3 era de
acar mais escuro, ainda um pouco misturado com mel, com mais gosto de
cana, mas ainda assim utilizvel para consumo humano. Trata-se do mascavo.
A ponta do po era o cabucho, resto inutilizvel como adoante. Este podia
voltar para o recipiente onde era recolhido o melao ou ser usado como rao.
Ao todo, entre o xarope que entra na frma tampada e o po pronto para ser
fracionado, passavam-se cerca de 20 dias.
Hoje, todo esse processo, que era deixado inteiramente fora da gravidade,
substitudo pela ao de cristalizadores e centrfugas e realizado em poucas
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horas. As centrfugas (ou turbinas, como tambm eram chamadas) no entanto
s surgiriam em meados do sculo 19 (a primeira patente de 1849) e ainda
levariam mais algumas dcadas para chegar ao Brasil.
6. secagem e encaixamento Depois de passar pela banca de desenformar, o po era fragmentado e as
caras (a parte nobre) eram levadas em padiolas (que no Brasil receberam o
nome de bang, de onde veio, por extenso, o nome dos engenhos onde
eram empregadas) para um local onde deveriam ser espalhadas, esmigalhadas
e expostas ao Sol. Em pinturas de Frans Post, vemos esses locais como
mezaninos de madeira, mas podiam tambm ser usados panos colocados
diretamente sobre o cho. Em ambos os casos, homens passavam rastelos
sobre o acar, revolvendo-o constantemente.
Seco o acar, este estava pronto para ser transportado e devia ser
"encaixado", isto , colocado em caixas, que seguiam ento para os pontos de
distribuio. Estas podiam ter at 450 kg e, ao chegarem ao porto, em Recife
ou em Salvador, por exemplo, eram imediatamente embarcadas para a Europa.
Como no eram abertas no manuseio, isso dava oportunidade a fraudes, seja
pela presena de acar mal purgado, com grande quantidade de mascavo,
seja pela presena de pedras, para ganhar peso. S com a criao de mesas
de inspeo no Brasil, em 1751, que essa prtica diminuiu. Ainda assim, o
acar brasileiro dos sculos 16 a 19 sempre foi considerado na Europa
produto de qualidade inferior.
Quanto aguardente, esta seguia da fbrica para os portos em garrafes,
normalmente de 24 litros.
S tardiamente, em fins do sculo 18, que o acar comea a ser ensacado
para distribuio. Apesar de mais fceis de manusear e passveis de ser
carregados em muares, os sacos (com mdia de 60 kg) tinham o inconveniente
de expor o acar s intempries durante a viagem, trazendo para o produtor
maior perda de produto. No Nordeste brasileiro, isso no era problema, pois o
terreno era plano e as caixas podiam ser transportadas em carros de bois ou
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em barcos. Mas quando o acar comea a ser produzido em grande escala no
planalto paulista, o transporte em tropas de muares se torna obrigatrio e criar
as melhores condies para eles (estradas boas, ranchos para descanso de
tropas etc. e sacos, mais condizentes com a capacidade de um animal) se
torna o centro dos problemas que devem ser resolvidos pelo Estado a fim de
dar ao acar a vazo mais rpida e, conseqentemente, com o menor
desperdcio possvel.
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O SCULO 19 E A REPBLICA VELHA
A primeira metade do sculo de prosperidade para todo o Brasil, no que diz
respeito ao empreendimento aucareiro. A indstria forte no Nordeste. Em
So Paulo, as sucessivas administraes tornam vivel plantar no planalto e
escoar por Santos. No Rio, a cultura da cana chega aos Campos de
Goitacazes.
Do ponto de vista tcnico, a evoluo se d em todas as etapas da manufatura.
Primeiro, o plantio agora conta com pelo menos duas variedades de cana-de-
acar: a velha crioula e a recente caiana. Esta comea no Norte em 1809 e
vem descendo, chegando a So Paulo e Rio em 1810.
Durante o sculo 19, vrios institutos de pesquisa so fundados no pas e
todos eles tm como motivao inicial o estudo de variedades de cana-de-
acar. O pioneiro foi o Imperial Instituto de Agricultura, em So Francisco do
Conde (BA), inaugurado em 1859 com a presena do imperador. O pioneirismo
tambm era de carter institucional, pois o instituto resultava de uma parceria
entre a prspera aristocracia aucareira e o governo. Em So Paulo, o marco
importante a fundao, em 1887, da Imperial Estao Agronmica de
Campinas que, em 1892, j na Repblica, passa ao governo do Estado de So
Paulo e toma o nome de Instituto Agronmico de Campinas.
Na moagem, aparecem os cilindros horizontais, mais eficientes e que permitem
a serializao do trabalho. Em 1815 ou 1817 aparece a primeira mquina a
vapor para movimentar essas moendas horizontais, na Bahia. Em 1825 elas j
esto em Santos e em 1836 a fundio Harrington & Starr, em Pernambuco,
comea a fabric-las pela primeira vez no Brasil. Antes disso, a empresa
passou nove anos fornecendo peas de reposio, antes de se aventurar nas
mquinas completas.
A revoluo na paisagem fabril enorme. Depois de 300 anos de engenhos
simples, todos dependentes da proximidade de gua ou de pastos, com suas
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fornalhas alimentadas por lenha, vm em poucos anos as chamins, que fazem
a exausto dos trens jamaicanos, as moendas horizontais, que tornam as
fbricas algo mais prximo de linhas de produo, e os motores a vapor, que
liberam os engenhos da necessidade de se localizarem prximos de rios. Alm
disso, o bagao passa a ser usado como combustvel.
Na fase de cozimento, a evoluo seguinte viria mais para meados do sculo,
com o fim dos tachos e a introduo dos evaporadores em srie a vcuo,
patenteados por Norbert Rillieux, um inventor negro norte-americano que
revolucionaria essa indstria. A ideia era usar o calor exaurido por um
evaporador (onde o caldo concentrado) para aquecer um segundo
evaporador. No fim do processo, um aparelho de vcuo mantm o gs quente
fluindo de um evaporador para o seguinte, em srie. A patente de 1846.
O passo seguinte aparece em 1849, com a introduo de centrfugas para
separar o mel do acar. Pelo menos nas grandes fbricas, as primeiras
usinas, os evaporadores e as centrfugas aposentaram de vez a purga e, mais,
tornaram o processo rpido e contnuo. A purga era um gargalo de trs
semanas. A moenda produzia e o mel ia sendo acumulado, o que tornava a
casa de purga a maior seo de qualquer fbrica. Com Rillieux, novos
cristalizadores e as centrfugas, tudo isso acaba. A linha de produo,
comeada na esteira que leva a cana para o primeiro terno de moenda, agora
vai at o ensacamento.
Todo isso chega ao Brasil aos poucos, e no a So Paulo. O Estado, depois de
um pico de produo em 1846, passa a se dedicar ao caf. J em 1851 a
produo deste supera a da cana. Dessa forma, a vanguarda industrial no setor
canavieiro est no Nordeste, especialmente em Pernambuco e na Bahia.
Quando paulistas decidem montar as primeiras usinas, como o Engenho
Central, importam mquinas j havia muito sendo usadas no Nordeste.
Do ponto de vista institucional, o sculo 19 assiste a uma poltica liberalizante,
que comea em 1827 e s vai terminar completamente em 1930.
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Durante a histria do Brasil, podemos distinguir cinco perodos diferentes no
que diz respeito presena do Estado na economia canavieira. Um perodo
cooperativo, um de interveno, um liberal, um novo perodo de interveno e
por fim uma liberalizao completa, iniciada em 1990 com a extino do IAA.
A primeira fase, cooperativa, vai de 1516 a 1687. A primeira data marcada
por um alvar do rei de Portugal concedendo suprimentos a um empreendedor.
A segunda diz respeito primeira iniciativa do governo da Metrpole para
melhorar a qualidade do acar brasileiro. Durante esse perodo, que mais de
170 anos, o Estado concedeu terras, descontos em impostos e facilidades para
aquisio de suprimentos para todos os que provassem ser capazes de
produzir acar. Sem dvida, funcionou. De colnia que os portugueses de
incio no sabiam como usar, o Brasil se torna a "jia da Coroa portuguesa".
Mas esse crescimento no foi acompanhado de qualidade. Na Europa, o
produto brasileiro era considerado de baixo nvel e, em especial depois que
houve a dispora holandesa pelas Antilhas, era essencial tornar o acar
brasileiro mais competitivo. Afinal, este j saa perdendo na questo do
transporte, visto Salvador ficar mais distante dos centros consumidores. Se
tambm perdesse (como de fato perdia) em qualidade, no haveria como
sobreviver. Deixados a si, os senhores pouco fizeram, o que levou a Coroa a
comear uma poltica de interveno.
O perodo de interveno vai de 1687 a 1827. A meio caminho, em 1751,
chega ao auge, com a instalao de mesas de inspeo em Recife e em
Salvador, que barravam o produto de m qualidade.
Depois de 140 anos de interveno e agora com um pas independente e j
fortemente endividado, era chegado o momento de liberar a produo. Em
1827, revogada a lei que exigia obteno de licena para construo de
engenhos. O objetivo ento passava a ser plantar e produzir ao mximo. So
Paulo, j em franco processo de expanso, se beneficia dessa poltica e tem 20
anos de grande produo.
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Em meio a todas essas alteraes na paisagem tcnica e nas relaes entre
plantadores, donos de engenhos e o Estado, est ainda o pano de fundo da
escravatura. Comea a ficar evidente em So Paulo que a escravido coisa
do passado, imoral e, a bem da verdade, principalmente, cara. As leis
restritivas se sucedem, o trfico mais vigiado, o que torna o "produto" mais
caro. Os compradores potenciais ficam em um dilema: esto diante de
escravos cada vez mais caros e ainda correm o risco de, se vier um decreto de
abolio da escravido, poder acontecer que no haja qualquer compensao
pela perda dos "bens". Alm disso, os levantes se sucedem, as fugas
aumentam, tendo em vista um clima cada vez mais favorvel ao abolicionismo.
O escravo, visto antes como um bem de uso, passa a ser visto tambm como
potencial inimigo. Em 1830, um boato de levante de escravos paralisa a regio
de Campinas e tudo permanece tenso at que lderes so presos e a (suposta)
revolta abortada. nesse clima, especialmente depois da abolio do trfico,
em 1850, que os empresrios rurais paulistas comeam a pensar seriamente
em implantar uma poltica de importao de mo-de-obra europeia. Mais para o
fim do sculo, comeam a chegar a So Paulo as primeiras ondas de
imigrantes, que teriam papel decisivo no desenvolvimento do Estado.
O que marca a segunda metade do sculo a criao do Engenho Central. A
figura jurdica, do engenho que deve moer cana sem impor cotas ou discriminar
plantadores, comea a ser projetada em 1857, por ordem de d. Pedro 2. A lei
que permite sua criao s vem em 1875 e, no mesmo dia, aprovada a
construo do Engenho Central de Quissam, no Rio de Janeiro, Estado que
mantinha como caracterstica a pequena propriedade. Quissam abre as portas
dois anos depois.
No entanto, o que deveria surgir para melhorar as relaes entre plantadores
apenas e plantadores donos de engenhos, tirando destes a possibilidade de
competir vantajosamente com os primeiros, impondo-lhes limitaes moagem
das canas, acabou criando nova tenso, desta vez entre os usineiros, os donos
de engenhos, e os plantadores.
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Embora a Revoluo de 1930 e a criao de um Instituto do Acar e do lcool
marquem o reincio de uma poltica fortemente intervencionista, o fato que a
liberalizao de 1827 logo comeou a mostrar que a produo desregrada no
era saudvel para a economia. J em 1878 um congresso de plantadores em
Pernambuco termina com a reivindicao para que o governo interviesse na
questo e definisse claramente quais as relaes entre as duas partes. Na
Repblica, permite-se a construo de mais engenhos e a situao fica em
suspenso. S em 1924 que, em So Paulo, a produo aucareira cresce a
tal ponto que o acar nordestino entra em crise. Estando So Paulo no centro
dos maiores mercados consumidores (o prprio Estado e o Rio), no havia
como competir em termos de preo, pois o frete era muito mais baixo. Alm
disso, a industrializao paulista, somada s sucessivas ondas de imigrao,
notadamente europeia, tornaram a produo mais eficiente. Eficincia maior e
fretes mais em conta deixaram os Nordeste com seu produto na mo. Da
criao, em Pernambuco, de um Instituto de Defesa do Acar, em 1926, foi
um passo. E, quatro anos depois, com a Revoluo de 1930, esses
movimentos ganharam fora e o governo passou a instituir polticas de
subsdios e cotas de produo. Tudo isso se materializa em 1933 com a
criao do Instituto do Acar e do lcool.
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O INSTITUTO DO ACAR E DO LCOOL E DEPOIS
Um sistema de cotas de produo parecia desde meados dos anos 1920 a
sada para reequilibrar o empreendimento canavieiro, pendente fortemente em
relao a So Paulo. Com a crise do caf, decorrente da quebra de 1929, isso
fica ainda mais evidente. Era certo que os paulistas, sem mercados para caf,
iriam investir em algo diferente assim que se recuperassem um pouco de suas
dvidas. E a sada era bvia, plantar a velha cana-de-acar, o que aumentaria
ainda mais o desequilbrio. E, de qualquer forma, a prpria quebra mostrava
que produzir demais e sem regras era ruim para todos.
Com isso, chegamos a 1931, com o primeiro governo Vargas instituindo a
Comisso de Defesa da Produo do Acar e, no mesmo ano, criando, dentro
do ministrio da Agricultura, a Comisso de Estudos sobre o lcool Motor.
Essas iniciativas desembocariam, em 1933, na criao do Instituto do Acar e
do lcool, que s seria desmontado em 1990.
Interessante notar que o rgo de 1931 defendia a produo "do acar" e
que o lcool ficou relegado a um segundo plano, com apenas uma comisso
dentro de um ministrio. O uso de lcool como carburante (adjuvante da
gasolina) ainda era considerado irrelevante. Pesquisas j existiam e, na
verdade, o primeiro carro movido inteiramente a lcool fez uma corrida no Rio
de Janeiro em 1925. Era um Ford e percorreu um trajeto de 230 km movido
exclusivamente a lcool 70 GL (Schwartzman e Castro, 1985). Depois disso,
lcool passou a ser incorporado gasolina, em 1931, mas apenas na pequena
proporo de 5%.
Assim, de 1933, data da fundao do IAA, at 1975, ano da criao do
Prolcool, a nfase do setor (incentivos, cotas, regulaes) sempre privilegiar
o acar. E, nesse aspecto, a questo mais difcil dizia respeito relao entre
plantadores e usineiros. Como sempre aconteceu no Brasil, permanecia a
tenso entre os que tinham as mquinas para moagem e cozimento e aqueles
que dependiam inteiramente dessas mquinas. Acar e lcool podem ser
estocados, mas a cana-de-acar, no. Assim, a poca da colheita era ocasio
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tambm de conflito, de barganhas por preos melhores, com os usineiros
pressionando os plantadores, com a ameaa de deixar a cana colhida sem
beneficiar.
Os progressos nesse sentido foram lentos. Em 1931, os plantadores de cana-
de-acar de Pernambuco obtm do governo a definio de uma tabela de
preos a serem pagos na entrada da usina pela cana crua. Mas s dez anos
depois disso, j no Estado Novo, em 1941, que o "Estatuto da Lavoura
Canavieira" fixa que 40% da produo de qualquer usina deveria ser
proveniente do beneficiamento de cana-de-acar plantada por terceiros. Mas
esse acerto de curta durao.
Mal cai Getlio Vargas e o decreto 9.287 diz que as usinas podero usar at
50% de sua capacidade com cana vinda de lavouras prprias. At a, o
"Estatuto" ainda poderia valer. Mas um pargrafo alterava profundamente o
horizonte: se o IAA reconhecesse que faltava capacidade de produo nos
fornecedores da usina, esta poderia aumentar sua cota at 100% se fosse o
caso. No havia limite. O resultado disso que os plantadores, perdendo a
garantia de cota e passando a depender de avaliaes de IAA, comearam a
vender terras, o que promoveu uma grande concentrao fundiria,
notadamente em So Paulo.
Essa sucesso de sistemas de incentivos, polticas de colonizao, cotas etc.
permite dividir a histria do empreendimento canavieiro no Brasil em trs fases:
1. de meados do sculo 16 ao fim do 18, os senhores de engenho so os
principais plantadores;
2. durante o sculo 19 e primeira metade do 20, e principalmente a partir da
segunda metade do 19, com a instituio de engenhos centrais, h uma diviso
de propriedade entre usineiro e plantador;
3. de 60 anos para c, ocorre grande concentrao fundiria e volta-se
primeira frmula.
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Essa expanso do empreendimento ainda contou com fatores acidentais, como
a queda dos preos do caf a partir de meados da dcada de 1950. Em 1961,
o Gerca (Grupo Executivo de Racionalizao da Agricultura) define uma
poltica de erradicao de caf, com vistas manuteno dos preos de
exportao. As terras foram preferencialmente para soja e cana-de-acar. Em
So Paulo, entre 1957 e 1967, o Estado cedeu quase 800 mil hectares de
reas cafeeiras para a soja e a cana. Alm disso, a Revoluo Cubana abriu o
mercado norte-americano de acar para o Brasil, pois, criado o embargo dos
EUA a produtos cubanos, o Brasil era o fornecedor mais prximo. Esse era
estado de coisas no incio dos anos 1970: o acar prevalecendo sobre o
lcool no empreendimento canavieiro. Em 1971, o governo cria o Planalsucar,
futuro brao de pesquisa do IAA e, dois anos depois, o Programa de Apoio
Indstria Aucareira.
No ano seguinte viria a primeira crise do petrleo e o balano pende para o
lado do lcool. a partir da que se pode realmente falar da passagem de uma
Indstria Aucareira para um Setor Sucroalcooleiro.
O ento presidente da Repblica Ernesto Geisel cria o Prolcool oficialmente
em 14 de novembro de 1975, quase dois anos depois da primeira crise do
petrleo. Nos quatro anos seguintes, a produo passaria de 600 milhes para
3,4 bilhes de litros por ano. Nessa primeira fase, a nfase na adio de
lcool anidro gasolina. Mas em 1979 a Fiat lana o 147, primeiro modelo a
poder rodar inteiramente com lcool e no ano seguinte o Prolcool entra em
sua segunda fase, de nfase na produo de lcool hidratado para essa frota.
Em 1984, a produo de carros a lcool em relao aos movidos a outros
combustveis de 95:5. Isso era mantido devido crena de que os preos do
lcool jamais seriam superiores a 65% dos da gasolina. Mas isso no se
manteve e quando, em 1989, a diferena chegou a seu ponto mais baixo, 25%,
a descrena do consumidor era geral. Nesse contexto que o IAA extinto, na
mesma poca em que o ento presidente Fernando Collor tachava os
automveis brasileiros de "carroas", sugerindo a necessidade de avano
tecnolgico na indstria automobilstica.
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Em fins de 1991, cessa toda forma de subsdio ao setor e leis aumentam, de
22% para 24%, a adio de lcool anidro gasolina. Com a liberalizao,
ocorreu acomodao do setor, entrada de investimentos, barateamento da
produo, melhoria da qualidade do produto. Na indstria automobilstica, os
carros a lcool continuaram a ser produzidos, embora muito abaixo dos nveis
da dcada de 1980. Apesar disso, a tecnologia deles era constantemente
melhorada.
Nessa dcada de conturbado caminho em direo a um mercado globalizado,
as preocupaes com o meio ambiente tomam cada vez mais corpo e geram
protestos de setores da sociedade civil no sentido de que as indstrias primem
pela responsabilidade ambiental. Isso, como vimos, no novidade. Trs
sculos antes da Eco-92, o governo brasileiro j criava instrumentos para evitar
o desmatamento acelerado. Mas, naquele caso, tratava-se de preocupao
imediata. Em fins do sculo 20, trata-se de problema planetrio.
nesse contexto que a indstria sucroalcooleira, especialmente no que diz
respeito produo de lcool carburante, ganha novo alento. A Terra est aos
poucos sendo aquecida, devido ao CO2 lanado na atmosfera, principalmente
pela queima de combustveis no-renovveis, como o carvo, o xisto ou o
petrleo. J o lcool hidratado fecha o circuito. Se verdade, como o para
toda combusto, que ele libera CO2, tambm verdade que a cana, ao crescer
novamente, retira esse carbono da atmosfera. Ainda antes que a palavra
ganhasse o relevo que tem hoje, a indstria sucroalcooleira descobria a
sustentabilidade.
Agora, o conceito avanou para outras reas desse setor. No s o lcool
carburante que permite o armazenamento de energia renovvel, tambm os
resduos das fbricas so reprocessados e totalmente consumidos, seja na
forma de raes, seja para fazer plsticos, material de construo, ou mesmo
mais lcool, como ficou provado pelo sucesso da hidrlise do bagao de cana
mostrado ao pblico por um consrcio de empresas paulistas, em parte
financiadas pela Fapesp (Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So
Paulo, pertencente ao governo do Estado), em 2003.
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HOJE: CANA-DE-ACAR, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE
O mesmo Caio Prado Jnior que cunha a expresso "agricultura extrativa" d
uma medida aproximada de quanta lenha era consumida por dia em uma
fornalha mdia: de 12 a 16 carros de boi (Prado Jr., 1965). Se se levar em
conta que pelo menos trs fornalhas alimentavam as casas de cozimento em
um engenho comum (nos grandes, podiam bem ser 10), e se pensarmos em
um carro de boi com um metro cbico, vemos que um engenho devia consumir,
nos perodos de cozimento (quase 9 meses do ano), no mnimo 45 m3 de
madeira por dia. A est a explicao de como desapareceu quase toda a mata
que cobria o litoral brasileiro. Srgio Buarque de Holanda sugere que para cada
quilograma de acar, 15 kg de madeira eram queimados (apud. Acar,
Projeto Inventrio de Bens Culturais Imveis, 2004).
O bagao era separado e ia para a bagaceira, prxima fbrica, onde secava
ou fermentava e era usado para fabrico de aguardente, se bem que o grosso
desta viesse da destilao do melao resultante do processo de purga, depois
de fermentado. O uso do bagao nas fornalhas coisa tardia no Brasil: 1809 e
mesmo assim foi iniciativa isolada. A introduo do vapor no mudou a prtica
de aquecer as fornalhas com lenha e s mesmo a partir de 1840 que as
usinas passam a usar regularmente o bagao como parte do combustvel nos
fornos. Apesar de no pas j ser ento comum a cana caiana, com mais suco e
tambm mais bagao, a cultura do uso de lenha prevaleceria ainda por muito
tempo.
O impacto sobre o meio ambiente foi notado desde cedo no Brasil. de 1681 a
primeira proviso do governo estabelecendo a distncia mnima de meia lgua
(aproximadamente 3 km) entre dois engenhos (Petrone, 1968). O motivo era
preservar os estoques de lenha, se bem que no com vistas a qualquer coisa
assemelhada a preocupaes ambientais, mas devido ao fato de que a
proximidade destrua as matas e obrigava os engenhos a se mudarem,
correndo os coletores de impostos o risco de verem suas fontes de renda
migrarem para longe. Para fixar um pouco os engenhos em uma comarca
que se estabeleceram tais regras.
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Outra forma de proteger as matas (para uso como lenha) foi proibir a presena
de gado a menos de 60 km do litoral. Ficavam assim os campos livres para os
canaviais e para a coleta de combustvel para as fornalhas. Isso foi tema de
uma proviso da Coroa, de 1710, motivada principalmente pelas necessidades
de espao no Recncavo Baiano.
No entanto, uma coisa era promulgar leis e outra era fazer cumpri-las,
especialmente no Brasil dos sculos 17 e 18. Tanto que, em 1802 vemos o
governo reeditando a medida de 1681, com a mesma estipulao de meia
lgua.
Em So Paulo, a destruio s no foi maior porque o planalto comeou a ser
plantado tardiamente, em fins do sculo 18 e, pouco mais de 60 anos depois,
toda essa terra derivava para o caf, que no usa fogo em seu beneficiamento.
Nos Estados do Nordeste, no entanto, a destruio manteve seu ritmo. Pois
enquanto o Brasil exportava caf (de So Paulo) e borracha (da Amaznia),
vindo em terceiro lugar o acar (dados para 1889, em Waak e Neves, 1998),
este era plantado preferencialmente no Nordeste.
No sculo 20, com a introduo do uso extensivo do bagao, as questes
ambientais perderam relevncia na pauta da cana-de-acar e s voltaram
realmente a ocupar a ribalta na dcada de 1970, mas agora j por outros
motivos.
De um lado, o lcool aparecia como fonte de combustvel automotor mais limpa
que a gasolina e ainda renovvel. De outro, havia o peso das queimadas,
mtodo usado para facilitar a colheita manual. Desde ento, a melhoria das
condies ambientais ligada ao empreendimento aucareiro tem se
materializado em dois pontos. Primeiro, produzir lcool retificado de melhor
qualidade, com menor produo de molculas nocivas como resultado da
combusto nos motores. De outro, as leis de regulao das queimadas tm se
suc