CANARIO, Rui. Formação inicial e continuada de professores..pdf

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    SIMPSIOSIMPSIOSIMPSIOSIMPSIOSIMPSIO 1010101010

    ARTICULAO ENTRE ASFORMAES INICIAL ECONTINUADA DE PROFESSORES

    Rui Canrio

    Clia Maria Carolino Pires

    Charles Hadji

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    O desenvolvimento da investigao e da re-flexo sobre as prticas formativas tem contri-budo para colocar no centro da problemticada formao profissional (nomeadamente daformao de professores) a questo darevalorizao epistemolgica da experincia.Assim, nesta interveno, procurarei, por umlado, explicitar qual a pertinncia dessarevalorizao da experincia na formao deprofessores e quais os modos da sua traduocurricular, no mbito da formao inicial. Poroutro lado, considerando a formao inicial deprofessores como a primeira etapa de um em-preendimento de formao contnua, desenvol-verei argumentao no sentido de defender aidia seguinte: a articulao entre a formao eo exerccio do trabalho (quer dizer, a designadaprtica pedaggica) constitui o pontonevrlgico da organizao curricular dos cursosde formao inicial de professores. O modo deabordar essa questo pode ser estruturante, querde uma poltica de investigao, quer de umapoltica de formao contnua e interveno jun-

    O papel da prticaprofissional na formaoinicial e contnua deprofessores

    Rui Canrio

    Universidade de Lisboa, Portugal

    ResumoNesta interveno procede-se a uma anlise da

    importncia e do papel da prtica profissional na

    formao dos professores, entendendo esta como

    um processo permanente que integra, de modo

    articulado, a formao inicial e a formao cont-

    nua. Encarando a formao como um processo de

    socializao profissional, defende-se a tese de que

    as escolas constituem os lugares onde os professo-

    res aprendem a sua profisso. Essa perspectiva

    aponta para a necessidade de construir relaes

    estratgicas entre a formao e o trabalho, a partir

    da explorao das potencialidades formativas do

    exerccio profissional. O modo como concebida

    e concretizada a componente da prtica profissio-

    nal na formao de futuros professores pode con-

    figurar-se como um elemento estruturante de po-

    lticas integradas de formao inicial e contnua,

    de investigao e de interveno nas escolas.

    to dos estabelecimentos de ensino da regio.Na base da minha argumentao estaro

    subjacentes duas teses: a primeira a de que osprofessores aprendem a sua profisso nas es-colas e a segunda (que decorre da primeira) ade que o mais importante na formao inicialconsiste em aprender a aprender com a experi-ncia. A enfatizao e o desenvolvimento daformao de professores, que marcaram, emPortugal, as dcadas de 1980 e 1990, situaram-se nos antpodas dessas duas teses.

    Com efeito, prevaleceu uma viso dicotmicaentre a formao inicial e a formao contnua,sustentada por uma concepo cumulativa doprocesso formativo em que este encarado comoa adio de duas etapas complementares, relati-vamente estanques, articuladas de modoseqencial e linear. Essa viso da formao, comouma sucesso hierarquizada de etapas cuja ordemdetermina a natureza e a importncia das moda-lidades formativas, nega a continuidade da for-mao como algo que inerente a todo o ciclo devida profissional e baseia-se em duas idias es-

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    senciais: a primeira a de afirmar a predominn-cia estratgica da formao inicial que precede edetermina as posteriores situaes formativas; asegunda a de pensar a formao inicial a partirde um paradigma de racionalidade tcnica, emque se procede a uma justaposio hierarquizadade saberes cientficos, mais saberes pedaggicos,mais momentos de prtica (entendida como umaaplicao).

    Da primeira idia decorre o carter supleti-vo da formao contnua qual se atribui umafuno corretiva quer das inevitveis lacunasda formao inicial, quer da, igualmente inevi-tvel, obsolescncia dos conhecimentos adqui-ridos. Da segunda idia decorrem modalidadesde ao que limitam a eficcia da formao namedida em que, reduzindo tendencialmente opapel do professor ao de um tcnico, ignoram avertente artstica, inquiridora e reflexiva dasua interveno, em situaes reais marcadaspela complexidade, pela incerteza e pela singu-laridade. Prez Gomez sintetiza bem os limitesdesse paradigma de racionalidade tcnica:

    Os problemas da prtica social no podem serreduzidos a problemas meramente instrumen-tais, em que a tarefa profissional se resume auma acertada escolha e aplicao de meios eprocedimentos. De um modo geral, na prticano existem problemas, mas sim situaes pro-blemticas que se apresentam freqentementecomo casos nicos que no se enquadram nascategorias genricas identificadas pela tcnicae pela teoria existentes. Por essa razo, o profis-sional prtico no pode tratar essas situaescomo se fossem meros problemas instrumen-tais, suscetveis de resoluo atravs de regrasarmazenadas no seu prprio conhecimento ci-

    entfico-tcnico. (1992: 100)

    No que diz respeito ao debate sobre as pol-ticas e as prticas de formao de professores,a interveno das instituies do Ensino Supe-rior tem revelado tendncia a pautar-se, em lar-ga medida, por critrios de defesa de interessescorporativos. Para as instituies formadorasest em causa a criao de condies que lhespermitam institurem-se como lugares legti-mos de produo dos saberes legtimos,estruturantes da profisso docente. Esse pen-

    dor corporativo tem vindo a empobrecer, querem termos estratgicos, quer em termos meto-dolgicos, o debate sobre a formao profissio-nal dos professores.

    No quadro de um paradigma de educaopermanente, a formao profissional, nomea-damente de professores, no pode ser entendi-da como circunscrevendo-se a uma primeira ecurta etapa, prvia ao exerccio do trabalho,mas, pelo contrrio, como um processo que inerente globalidade do percurso profissional.Tendem, portanto, a esbater-se as fronteiras quetradicionalmente separam a formao inicial daformao contnua o que conduz conclusolgica de que ambas as vertentes devero serasseguradas, de modo integrado, por uma mes-ma instituio. Cada vez mais a tendncia serpara que nos pblicos do Ensino Superior hajauma importncia crescente da frao de pes-soas adultas que tm ou tiveram uma experi-ncia profissional e que, ao longo da sua vida,recorrero s escolas do Ensino Superior comoinstituies especializadas de formao.

    Essas emergem como instituies de forma-o permanente (nas quais a formaoprofissional contnua ocupa um lugar estrat-gico fundamental) e no como escolas de for-mao profissional inicial que, de forma subsi-diria, desenvolveriam atividades de extensoeducativa dirigidas aos profissionais em exer-ccio. No caso das escolas de formao de pro-fessores, dessa situao decorrem naturalmen-te conseqncias importantes relativamente concepo das funes das instituies, dassuas polticas, do perfil e formao do seu pes-soal docente, do desenho curricular dos seuscursos, da construo da sua oferta formativa.

    Formao e mundo dotrabalho: da previsibilidade incertezaEm termos de evoluo recente, a mais im-

    portante mudana registrada no campo da for-mao profissional a da passagem de uma re-lao de previsibilidade, em relao ao mundodo trabalho, para um outro tipo de relao mar-cado pela incerteza. Com efeito, o fim das cer-

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    tezas (Prigogine, 1996) algo que afeta no ape-nas o modo como percebemos hoje o mundo danatureza, mas tambm toda a vida social. Essanova relao de incerteza vem pr em causa osdois elementos que foram os pilares de uma re-lao outrora tida como harmoniosa. O primei-ro elemento corresponde a conceber a relaoentre os sistemas de formao e o sistema mer-cado de trabalho de acordo com um modelo deadequao. O segundo elemento corresponde aler a articulao entre a formao e o desempe-nho profissional de acordo com um modelo deadaptao funcional. Ambas as perspectivas es-to, hoje, postas em causa em face das evoluesque se registraram quer no mundo do trabalho,quer no mundo da formao profissional.

    A primeira perspectiva supe uma atitude oti-mista relativamente s virtualidades de um plane-jamento da formao capaz de responder s ne-cessidades do mercado de trabalho, o que impli-caria que este fosse relativamente estvel ou que,em alternativa, se apresentasse com uma evolu-o previsvel. A segunda perspectiva implica pres-supor a possibilidade de proceder transfernciaquase automtica das aquisies realizadas duran-te a formao, para o posto de trabalho (ondeseriam aplicadas), fazendo abstrao das condi-es sociais (organizacionais) em que se exerce otrabalho, bem como do carter indeterminado econstrudo dessas condies. Desse ponto de vis-ta, a formao encarada como um processo cu-mulativo e linear que mantm com o desempenhoprofissional uma relao meramente adaptativa,instrumental e funcional. essa perspectiva queest presente no desgnio ingnuo, por parte deresponsveis por cursos de formao inicial de pro-fessores, de, a partir de um conhecimento relati-vamente exato e prvio do que se faz em contextode trabalho, pretender organizar os cursos de ma-neira que eles se ajustem funcionalmente s exi-gncias do exerccio do trabalho.

    precisamente a impossibilidade de cum-prir esse desgnio que apela construo de umarelao estratgica entre a formao e o trabalho,em que o essencial consiste na capacidade de de-senvolver um reflexo de aprendizagem perma-nente que permita aprender a identificar o que necessrio saber e a aprender a aprender coma experincia. Quer isso dizer que no possvel

    continuar a conceber o trabalho humano comoalgo suscetvel de ser objeto de uma descriofina, a priori, para, em seguida, traduzir essadescrio em termos de estratgias pedaggicas,de objetivos pedaggicos, de contedos a ensi-nar, de gestos a adquirir, de tal modo que osformandos venham a poder encaixar-se nos per-fis profissionais previamente definidos. Essaperspectiva de descrio a priori no s no secoaduna como contraditria com processos deexerccio do trabalho que mudam de forma ace-lerada, adquirindo contornos e configuraesque no possvel prever de modo preciso. Aemergncia da incerteza na relao formaotrabalho alimentada por trs grandes fenme-nos: so eles a intensificao da mobilidade pro-fissional, a rpida obsolescncia da informaoe as mutaes das organizaes de trabalho.

    A mobilidade profissional intensificou-se deforma muito rpida nas trs ltimas dcadas.Hoje, em vez de se afirmar que as pessoasaprendem uma profisso, ser cada vez maispertinente pensar na diversidade de atividadesque cada pessoa desenvolve no quadro da suatrajetria profissional. Quer isso dizer que a ati-vidade profissional de cada um s faz sentidose for encarada numa perspectiva diacrnicaque abrange todo o perodo de vida profissio-nal ativa. Ao longo desse ciclo as pessoas mu-dam as suas qualificaes, constroem (em con-texto) uma combinatria diversa de competn-cias, mudam de ambiente de trabalho, realizamprocessos de reconverso e alteram as suas fun-es de natureza profissional. Em muitos casos,acabam por fazer coisas que pouco tm a vercom a sua formao profissional inicial.

    A emergncia do conceito de trajetria pro-fissional, que concomitante com a emergn-cia do conceito de percurso de formao de cadaindivduo, permite romper com uma viso es-ttica que tem sido predominante no modo deconceber a relao entre a formao e o traba-lho. As abordagens que tm como referncia ashistrias de vida tm vindo fundamentar e re-forar a importncia de pensar a atividade pro-fissional e a atividade de formao numa pers-pectiva, por um lado, integrada (as duas verten-tes no so hoje dissociveis) e, por outro lado,numa perspectiva diacrnica, isto , inseridas

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    na flecha do tempo, como fenmenos nicos edotados de irreversibilidade. Essa maneira dever conduz a deixar de encarar a formao comoum somatrio de momentos formais no-arti-culados (as chamadas aes de formao). Noquadro de um percurso de formao, em queesta entendida como um processo, cada pes-soa e cada profissional torna-se o sujeito da suaprpria formao e esse ponto de vista quenos permite deslocar o centro das atenes, emtermos formativos, das atividades de ensinopara as atividades de aprendizagem.

    Reside aqui o fundamento para que possa-mos distinguir um processo de educao per-manente daquilo que a sua caricatura, ou seja,a extenso dos processos escolares ao conjuntoda vida (profissional). Essa escolarizaomassiva da formao profissional constitui, ameu ver, um fenmeno negativo que se tem ma-nifestado de forma particularmente gritante nocaso da formao profissional contnua de pro-fessores (Barroso e Canrio, 1999).

    Um segundo fenmeno diz respeito ao cres-cimento exponencial do volume de informaodisponvel, o que traz como conseqncia umarpida obsolescncia dessa mesma informao.Coloca-se, ento, como questo central, sabercomo transformar sistemas formativos que fun-cionam tradicionalmente segundo uma lgicacumulativa de informao em sistemasformativos orientados para a produo de sabe-res, privilegiando os processos de tratamento emobilizao da informao. no quadro dessaproblemtica que se inscreve a importncia es-tratgica atribuda pesquisa, entendida comoum eixo metodolgico da formao. Tornam-se,hoje, cada vez mais evidentes os limites de es-tratgias de formao baseadas em pressupos-tos de acumulao de informao, precisamen-te por causa da sua rpida desvalorizao.

    Um terceiro fenmeno consiste num proces-so de mudana acelerada das organizaes de tra-balho. O modelo de organizao fordista, tpicoda produo em massa, por meio de processosestandardizados e baseados na economia de es-cala, tem sofrido um conjunto de mutaes quese orientam no sentido de substituir as relaesburocrticas e hierarquizadas por redes, no inte-rior das organizaes, o que tende a transform-

    las em sistemas auto-regulados em que deixa dehaver um centro nico, funcionando com basenuma cadeia de comando vertical. A passagem dalgica de castelo a uma lgica de rede (Butera,1991) supe que o exerccio do trabalho deixe deser segmentado e atomizado, passando-se a va-lorizar a polivalncia e o trabalho em equipe. Otrabalho coletivo faz apelo a que cada um dosmembros da organizao possa construir umaintelegibilidade global do processo de trabalho,que no ocorria, nem era desejvel que ocorres-se, no sistema da linha de montagem. Neste, cadapessoa realiza um trabalho parcelar e s conheceo mbito restrito daquilo que faz no seu postode trabalho.

    Estamos, assim, em presena de uma evolu-o tendencial de uma cultura de dependncia ede execuo para uma cultura de interao e deresoluo de problemas, o que apela a capacida-des de natureza analtico-simblicas paraequacionar problemas imprevisveis e no ape-nas capacidades que permitam mobilizar as res-postas certas, aprendidas na formao, para darresposta a situaes estandardizadas. Essa evo-luo, por um lado, torna obsoleta a concepode formao para o posto de trabalho, por ou-tro lado, obriga a que a formao deixe de ser pen-sada exclusivamente em termos de capacitaoindividual. Na medida em que se passa a consi-derar as dimenses coletivas do exerccio do tra-balho, a formao orienta-se, tambm, para a for-mao de equipes de trabalho que se formam emexerccio e no contexto de trabalho.

    Construir competnciasem contexto profissionalEnquanto o processo de qualificao est

    relacionado com a aquisio e a certificao desaberes, normalmente obtidos por via escolar,a competncia, como escreveu Lise Demailly(1997: 61), refere-se a um no-sei-qu atravsdo qual a qualificao se torna eficiente e seatualiza numa situao de trabalho. Nessaperspectiva, podemos sustentar que as qualifi-caes se adquirem por um processo que podeser cumulativo (as qualificaes podem ser pos-tas em estoque e armazenadas), enquanto ascompetncias s podem ser produzidas em

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    contexto, a partir da experincia de trabalho.Quando se afirma que a escola o lugar onde

    os professores aprendem , precisamente, esseprocesso de produo de competncias profissio-nais que est a ser referido. no contexto de tra-balho, e no na escola de formao inicial, quese decide o essencial da aprendizagem profissio-nal (que coincidente com um processo de so-cializao profissional). Como todos sabemos, asabedoria no garante a competncia. Muitaspessoas qualificadas no se revelam competen-tes, e o inverso tambm se verifica. Alm disso,a experincia tambm nos ensina que nenhumprofessor definitivamente competente ou in-competente, independentemente dos tempos edos lugares. Com efeito, as qualificaes obtidaspor via escolar correspondem certificao decompetncias escolares que no so suscetveisde uma transferncia linear e direta para o exer-ccio profissional, na medida em que dizem res-peito ao campo pedaggico, que goza de relati-va autonomia. Como afirma Berthelot, a defini-o, a produo, o reconhecimento e acertificao de competncias so feitos pela es-cola independentemente da sua efetividadeprtica exterior. Por isso a idia de uma corres-pondncia e de um isomorfismo naturais e racio-nais entre as competncias escolares e as com-petncias socioprofissionais um postulado queassenta no desconhecimento da existncia deduas lgicas radicalmente diferentes, em presen-a nos dois sistemas (Berthelot, 1994: 200).

    justamente por tambm considerar que ascompetncias so da ordem do saber mobili-zar ( possvel armazenar informao, mas nocompetncias) que Guy Le Boterf (1994) lhesnega um carter de universalidade, indepen-dentemente de sujeitos e de contextos concre-tos. Segundo esse autor, a competncia nocorresponde a um estado, nem a um saber quese possui, nem a um adquirido de formao.Apenas compreensvel, e suscetvel de ser pro-duzida, em ato, do que decorre o seu carterfinalizado, contextual e contingente. Essa ma-neira de ver contraria a idia de que as compe-tncias so algo de prvio ao exerccio profissio-nal. Elas aparecem, pelo contrrio, como algoque emergente de processos de mobilizao econfronto de saberes, em contexto profissional.

    A compreenso do carter emergente das com-petncias profissionais, relativamente aos contex-tos de trabalho, pode ser reforada a partir do con-ceito de zelo no trabalho, evocado por ChristopheDejours (1998). Esse conceito fundamenta-se naexistncia de uma distncia, empiricamente ob-servada pelos socilogos do trabalho, entre traba-lho real e trabalho prescrito, que conduz a que aexecuo estrita dos procedimentos recomenda-dos pelas instncias de enquadramento produza aparalisao dos processos de trabalho, conformepode ser constatado nas situaes em que os tra-balhadores utilizam como recurso a designadagreve de zelo. Segundo Dejours, o processo de tra-balho s funciona se os trabalhadores fizerem a or-ganizao de trabalho beneficiar-se com a sua in-teligncia individual e coletiva.

    Esse exerccio da inteligncia no trabalho s possvel no apenas margem do cumprimen-to estrito dos procedimentos prescritos, mas apartir de uma atitude de infrao s normasestabelecidas. O conceito de zelo no trabalho de-signa a inteligncia eficiente no trabalho, em que possvel distinguir, por um lado, caractersticascognitivas, como fazer face ao imprevisto, ao in-dito, quilo que no ainda conhecido, nem in-tegrado na rotina, e, por outro lado, caractersti-cas afetivas, como ousar transgredir ou infringir,agir de forma inteligente mas clandestina ou, pelomenos, discreta (Dejours, 1998: 74). aconstatao de que a prtica profissional se ali-menta de um conjunto de saberes tcitos e deque h um saber escondido no agir profissional(Schon, 1996) que confere fundamento estrat-gia de otimizar o potencial formativo dos contex-tos de trabalho. Essa estratgia torna-se, ento, oeixo estruturante do percurso formativo, modifi-cando-se de maneira profunda o papel atribudo formao inicial, prvia ao exerccio profissio-nal. Como escreveu Berthelot (1994: 201),

    J no se trata, para a escola, de jogar puzzle,

    produzindo peas preconcebidas e recortadas

    [...], mas sim de jogar xadrez, quer dizer, de pro-

    duzir peas dotadas de regras genricas de fun-

    cionamento, suscetveis de serem atualizadas de

    modo diverso, consoante a configurao do jogo

    em que sero integradas, e de adquirir outras

    regras segundo a evoluo deste ltimo.

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    As situaes profissionais vividas pelos pro-fessores ocorrem no quadro de sistemas coleti-vos de ao (organizaes escolares), cujas re-gras so, ao mesmo tempo, produzidas e apren-didas pelos atores sociais em presena. Estamos,portanto, em presena de um jogo coletivo,suscetvel de mltiplas e contigentes configura-es, em funo da singularidade dos contextos. medida que a produo de prticas profissio-nais, realizada em contexto, atravessada noapenas por fatores individuais (dimenso biogr-fica), mas tambm por fatores organizacionais(dimenso contextual), que se permite pensar ofuncionamento da organizao de trabalho (nes-te caso, as escolas) como um processo de apren-dizagem coletiva do qual emergem competn-cias individuais (configuraes de saberes) etambm competncias de natureza coletiva. Es-tas correspondem a um valor acrescentado queestruturado como uma linguagem [...] emergedas articulaes e das trocas fundadas nas com-petncias individuais (Le Boterf, 1994: 249). Se,como defende Claude Dubar (1991; 1997), acei-tarmos que a produo de prticas profissionaisremete, no essencial, a processos de socializa-o profissional, ento, a formao consiste ba-sicamente em reinventar formas novas de socia-lizao profissional, o que apela a instituir e adesenvolver nos contextos de trabalho uma di-nmica simultaneamente formativa e de cons-truo identitria que torne possvel essareinveno. Ela no pode fazer-se seno na ao,de onde resulta, no caso dos professores, que aformao passa a ser centrada na escola e queos processos formativos passam a ser conside-rados como processos de interveno nas orga-nizaes escolares.

    A articulao e mesmo coincidncia entre si-tuaes de trabalho e situaes de formao, oumelhor, a transformao de situaes de traba-lho em situaes de formao passa a ser uma pre-ocupao comum quer formao inicial, quer formao contnua. A componente da prtica pro-fissional tende a deixar de ser encarada como ummomento de aplicao, para ser considerada,cada vez mais, como o elemento estruturante deuma dinmica formativa tributria de uma con-cepo de alternncia. Nessa perspectiva, a pr-tica profissional, no quadro da formao profis-

    sional inicial de professores, ganhar em ser en-tendida como uma tripla e interativa situao deformao que envolve, de forma simultnea, osalunos (futuros professores), os profissionais darea (professores cooperantes) e os professoresda escola de formao.

    Currculo e revalorizaoda experincia profissionalAssistimos, no quadro da concepo e da ges-

    to das situaes educativas, a uma revalorizaoepistemolgica da experincia cuja concretizaoem termos operacionais tem como refernciaprincipal o conceito de alternncia. A afirmaodesse conceito est ligada, na sua origem, ao cam-po da formao profissional e as prticas a qued fundamento remetem, com freqncia, para aexistncia de um movimento pendular de vai-e-vem entre dois espaos fisicamente distintos: porum lado, a escola profissional; por outro lado, ocontexto de exerccio profissional. Essa dimensode desenvolvimento alternado de atividades nasituao de formao e na situao de trabalho ,sem dvida, essencial. Porm, sem negar esse fato,deve reconhecer-se que essa concepo dealternncia simplificadora e redutora, no ex-primindo toda a riqueza potencial do conceito.

    Entendida como um simples vai-e-vem en-tre dois lugares fsicos, a alternncia no superaa exterioridade da formao relativamente aocontexto de trabalho. Ela deve ser encarada,numa acepo muito mais ampla, como um vai-e-vem entre idias e experincias, ou seja, entreteoria e prtica, tornando possvel o ciclorecursivo entre aprendizagem simblica e apren-dizagem experiencial de que nos fala GrardMalglaive (1990) e que deve ocorrer tambm nointerior da escola de formao inicial. essamaneira de encarar o conceito de alternnciaque suscetvel de lhe conferir uma maior uni-versalidade (no o restringindo s formaes deorientao profissionalizante). Ela permite, si-multaneamente, utilizar esse conceito como eixoestruturante de novos modos de pensar e con-cretizar o currculo dos cursos de formao ini-cial de professores. O objetivo de traduzir, emtermos curriculares, a riqueza e as implicaes

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    do conceito de alternncia constitui um proble-ma indeterminado, que admite uma grande di-versidade de solues, que , portanto, refrat-rio a receitas. Permito-me apenas, e de formamuito sinttica, enunciar trs grandes orienta-es que podem servir de referncia para a tra-duo da revalorizao da experincia em ter-mos curriculares e que se situam numa perspec-tiva de superao da forma escolar.

    A primeira orientao diz respeito necessi-dade de construir uma outra insero espacial dasatividades de formao, encarada numa vertentedupla: por um lado, trata-se de fazer evoluir osespaos escolares tradicionais para espaos edu-cativos; por outro lado, est em causa a constru-o de uma relao interativa entre a escola e osrestantes espaos sociais. A primeira vertente con-vida a encarar a escola de formao inicial comoum meio de vida que articula diferentes graus deformalizao da ao educativa e valoriza a arti-culao entre modalidades de auto, eco eheteroformao e remete para uma concepoampla de currculo, que engloba tudo o que acon-tece no quadro da instituio escolar.

    A esse alargamento do conceito de currcu-lo (tradicionalmente circunscrito s discipli-nas, a que se acrescenta a prtica pedaggi-ca) associa-se a segunda vertente, atrs referi-da, que consiste num movimento de aproxima-o entre os espaos da escola de formao eos contextos reais de exerccio profissional.Um novo tipo de relacionamento entre situa-es e momentos escolares e situaes de tra-balho implica, no caso da formao profissio-nal de professores, que as escolas sejam vistascomo os lugares fundamentais de aprendiza-gem profissional e no como meros lugares deaplicao. A aceitao desse pressuposto im-plica que os contatos estreitos com os contex-tos de trabalho sejam o mais precoces possvele estejam presentes ao longo de todo o percur-so de formao inicial, no se circunscrevendoa uma etapa final. S dessa forma possvel fa-vorecer um percurso iterativo entre formao etrabalho que permite o movimento duplo demobilizao, para a ao, de saberes tericos,e, ao mesmo tempo, a formalizao (terica) desaberes adquiridos por via experiencial.

    O pressuposto de que os professores apren-

    dem nas escolas a sua profisso implica tam-bm, necessariamente, uma ruptura com a de-signada pedagogia do modelo. Os contextosde trabalho onde os futuros professores so cha-mados e a observar e a intervir no tm de serexemplares, na medida em que na realidadetambm no h escolas exemplares. Todas assituaes (desde que a regra seja a de lidar coma diversidade a partir de um olhar crtico) pro-piciam aprendizagens e a formao deliberadade profissionais, como sublinham Lesne eMynvielle (1990), ganha em ser pensada a par-tir da reconstruo de situaes de socializaoprofissional, o que o contrrio de uma forma-o em laboratrio.

    Uma segunda orientao consiste em orga-nizar o currculo com a preocupao de, siste-maticamente, multiplicar as ocasies de dar apalavra aos alunos e expresso de suasvivncias e expectativas.

    Como referiu Berger (1991), a experinciade usar da palavra, da leitura de textos, da ret-rica pela qual convencemos o outro da nossarazo constituem alguns exemplos de ativida-des mais significativas, para os alunos, do queos exerccios escolares tradicionais, baseados narepetio e no treino. A forma mais pertinentede analisar o currculo no consiste em averi-guar o que fazem os professores, mas sim eminquirir o que fazem os alunos e em que medi-da e de que forma lhes dada a palavra. Dar apalavra aos alunos tem como atitude comple-mentar, lgica e necessria, uma atitude de es-cuta, por parte dos professores da formao ini-cial, quer em relao aos alunos, quer em rela-o aos profissionais da rea. A tendencial su-perao da forma escolar apela instituio dapossibilidade de favorecer a reversibilidade dospapis entre quem ensina e quem aprende. Suma atitude de escuta permite ao formador terem conta os saberes tcitos dos formandos,construdos de modo intuitivo na ao cotidia-na, que, como referia Donald Schon, se tradu-zem na situao-tipo do aluno que sabe fazertrocos, mas no sabe somar nmeros.

    Uma terceira orientao consiste em tentarestruturar o currculo a partir da articulao in-terativa entre situaes de informao, situaesde interao e situaes de produo. essa ar-

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    ticulao que poder permitir fazer o sistemade formao evoluir de uma lgica de repeti-o de informaes para uma lgica de produ-o de saberes. S no quadro dessa transforma-o que o formando (no caso, o futuro profes-sor) deixa de ser tratado (para utilizar a termi-nologia de Lesne) como objeto de formaopara adquirir o estatuto de sujeito e de agentede formao. Nesta ltima perspectiva, o futu-ro professor interage com as escolas na duplacondio de aprendiz e de agente socializadordos profissionais que atuam naquela rea. Aointerrogar criticamente a sua prtica, confron-tando-a com outras maneiras de pensar e deagir, o jovem formando contribui para mudarrepresentaes e comportamentos dos profis-sionais j veteranos. Essa capacidade de ques-tionar criticamente as prticas de profissionaisexperimentados, aprendendo com elas e contraelas, s possvel se, dentro da escola de for-mao inicial, os alunos forem tratados comoprodutores de saberes.

    A prtica profissional comoelemento estruturante daescola de formaoA pertinncia e a possibilidade de a concep-

    o e a organizao das modalidades de prticaprofissional poderem instituir-se comoestruturantes no apenas do currculo dos cur-sos de formao inicial, mas da prpria escolade formao, tem o seu fundamento no fato deesta atividade contemplar, potencialmente, to-das as dimenses da misso cometida a essasescolas, facilitando a construo de um projetoeducativo prprio ( semelhana do que se es-pera das escolas do ensino bsico e secundrio).

    s escolas de formao de professores socometidas atribuies no domnio da formaoinicial e contnua, bem como atividades de inves-tigao e de interveno regional (servios co-munidade). Uma das dificuldades consiste em darcumprimento a essa misso concretizando de for-ma integrada e harmoniosa todos os valores pre-vistos. E esta dificuldade decorre da dissociaoentre a formao inicial e a formao contnua,por um lado, e, por outro, da dissociao entre as

    atividades de formao, as atividades de investi-gao e as atividades de interveno educativa. Aorganizao da prtica profissional dos futurosprofessores pode constituir um elemento de res-posta para essas dificuldades precisamente devi-do sua vocao para associar aquilo que, quasesempre, aparece dissociado.

    Assim, a prtica profissional , sempre (deforma deliberada e consciente ou no), um pro-cesso de formao inicial e contnua que envol-ve, obviamente, os alunos da formao inicial,mas tambm os profissionais que os recebem,bem como os professores da escola de forma-o, para quem esta , freqentemente, o prin-cipal elo de ligao realidade naquela rea.Torna-se, portanto, possvel e desejvel que aorganizao da prtica profissional possa fun-cionar como a base para construir uma polticade formao contnua (centrada na escola),em articulao com a formao inicial.

    Em segundo lugar, a prtica profissionalconstitui, sempre, um processo de intervenonas escolas da regio e, se no for pensada comotal, pode muito bem transformar-se num ele-mento de perturbao da vida das escolas. Pa-rece aconselhvel que a organizao da prticaprofissional se faa tendo como referentes osestabelecimentos de ensino, como organiza-es, e no os professores cooperantes indi-vidualmente considerados.

    Por fim, a organizao da prtica profissio-nal numa perspectiva de ruptura com a pedago-gia do modelo de valorizao dos saberesexperienciais supe que ela se estruture a partirde um eixo metodolgico de pesquisa que tenhacomo referencial as situaes de trabalho e en-volva a trade j referida (professores, alunos,profissionais que atuam na rea), na perspecti-va de Barbier: O ato de trabalho transforma-seem ato de formao desde que seja acompanha-do por uma atividade de anlise, de estudo oude pesquisa sobre ele prprio (1996: 3).

    Em snteseA revalorizao da experincia na formao

    profissional dos professores no pode ser con-fundida com a defesa da aprendizagem comomero processo de continuidade, em relao

  • 160

    experincia anterior. Valorizar a experincia sig-nifica, sobretudo, aprender a aprender com aexperincia, o que, freqentemente, s poss-vel a partir da crtica e da ruptura com essa ex-perincia. Aprender com a experincia nopode, ento, ser sinnimo de imitao, mas simde uma ao em que o prtico se torna um in-vestigador no contexto da prtica.

    A segunda observao destina-se a esclare-cer que a valorizao da experincia no proces-so de formao profissional dos professores nosignifica qualquer subestimao da teoria. O pro-fessor, como profissional, encaro-o como umanalista simblico a quem compete equacionare construir problemas, no terreno da prtica,marcado pela incerteza e pela complexidade, eno a dar respostas previamente aprendidas parasituaes inteiramente previsveis.

    Finalmente, gostaria de reafirmar a minhaconvico de que o modo como pensado e or-ganizado o processo de prtica profissionalser, talvez, o mais pertinente analisador doscursos de formao profissional inicial de pro-fessores, bem como um ponto de entrada paraa implantao, por parte das instituies forma-doras, de polticas integradas de formao ini-cial e contnua de professores.

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  • 161

    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    Formao inicial e continuadade professores uma sntesedas diretrizes e dos desafios aserem enfrentados

    Clia Maria Carolino Pires

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Licenciatura: um curso embusca de identidade e dasuperao de problemasOs cursos de Licenciatura tm funcionado,

    em geral como apndices dos cursos de Bacha-relado e no como cursos com identidade pr-pria que visam formao de professores. Odocumento do MEC destaca:

    As questes a serem enfrentadas na formao ini-

    cial so histricas. No caso da formao nos cur-

    sos de Licenciatura, em seus moldes tradicionais,

    a nfase est contida na formao nos contedos

    da rea, onde o Bacharelado surge como a opo

    natural que possibilitaria, como apndice, tambm

    o diploma de licenciado. Refere-se aqui a diplo-

    ma e no a formao, pois se trata muito mais

    de uma certificao formal aps o cumprimento

    ResumoAs mudanas propostas para a educao bsi-

    ca no Brasil trazem enormes desafios formao

    de professores. No processo de discusso dos Par-

    metros Curriculares Nacionais, um ponto foi

    consensual: se no houver um grande incentivo

    carreira do Magistrio e tambm um investimento

    significativo na formao de professores, dificilmen-

    te ocorrero as transformaes que se deseja na

    educao bsica.

    No segundo semestre do ano 2000, o Conselho

    Nacional de Educao (CNE) elaborou as Diretrizes

    Curriculares para a Formao Inicial de Professores

    da Educao bsica. Um dos subsdios para esse tra-

    balho do CNE foi o documento enviado pelo MEC.

    Esse documento tomou como base documentao j

    existente no MEC: textos elaborados por colaborado-

    res individuais, comisses de especialistas e grupos

    de trabalho, no mbito das diferentes Secretarias da

    estrutura do MEC, e estudos desenvolvidos pelo Inep.

    O documento se caracteriza por buscar construir

    uma sintonia entre a formao inicial de professo-

    res, os princpios prescritos pela Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional (LDBEN), as normas ins-

    titudas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

    Educao Infantil, para o Ensino Fundamental e para

    o Ensino Mdio, bem como as recomendaes cons-

    tantes dos Parmetros e dos Referenciais Curricula-

    res para a educao bsica, elaborados pelo MEC.

    de crditos burocraticamente definidos para a rea

    pedaggica do que preparao integrada que pro-

    picie uma reflexo dos contedos da rea com a

    realidade especfica da atuao docente.

    Alm dessa questo, outros desafios deve-ro ser enfrentados. Resumidamente eles so osseguintes:

    A segmentao da formao de professores (deEducao Infantil, Ensino Fundamental e En-sino Mdio), que provoca descontinuidade naformao dos alunos da educao bsica.

    A proposta pedaggica em geral se subme-te organizao institucional, que impos-sibilita muitas vezes a implementao depropostas pedaggicas inovadoras.

    As escolas de formao em geral so mui-to isoladas, especialmente em relao sescolas das redes pblica e privada, alm

  • 162

    de serem isoladas entre si.

    O distanciamento entre os cursos de forma-o e o exerccio da profisso de professor noEnsino Fundamental e Mdio.

    O distanciamento entre os cursos de forma-o de professores e as instncias de gestodos sistemas de ensino da educao bsica(MEC, Secretarias de Educao, DiretoriasRegionais de Ensino etc.).

    O repertrio de conhecimentos dos profes-sores em formao, tendo em vista que, emgeral, h srios problemas decorrentes de umaformao bastante deficiente que tiveram noEnsino Mdio e no Ensino Fundamental.

    O tratamento inadequado dos contedos, comnfase quase exclusiva em conceitos, em infor-maes, nem sempre os mais significativos erelevantes para a formao do professor.

    A desarticulao entre contedos pedaggi-cos e contedos de ensino, mantendo-seuma dicotomia entre eles, quando no atmesmo incoerncias.

    A falta de oportunidades que durante os cur-sos poderiam ser oferecidas, visando ao de-senvolvimento cultural dos professores.

    O tratamento restrito da atuao profissio-nal do professor, voltado apenas para suaatuao no interior da sala de aula.

    A concepo restrita de prtica e a inadequaodo tratamento da pesquisa na formao doprofessor.

    A ausncia de contedos relativos ao uso dosrecursos tecnolgicos e informacionais.

    A desconsiderao das especificidades prpriasdos nveis e/ou modalidades de ensino em queso atendidos os alunos da educao bsica.

    A desconsiderao das especificidades pr-prias das reas do conhecimento que com-pem o quadro curricular na educao bsica.

    Princpios orientadoresdos cursos de formaode professoresO documento elege princpios orientadores

    dos cursos de formao de professores. So eles:

    A concepo de competncia nuclear na orientao do cursode formao inicial de professores

    As competncias tratam sempre de algumaforma de atuao, s existem em situao e,portanto, no podem ser aprendidas apenas pelacomunicao de idias. Para constru-las, asaes mentais no so suficientes ainda quesejam essenciais. No basta a um profissional terconhecimentos sobre seu trabalho; fundamen-tal que saiba faz-lo.

    imprescindvel que haja coernciaentre a formao oferecida e a prticaesperada do futuro professor

    A preparao do professor tem uma peculia-ridade muito especial: ele aprende a profisso nolugar similar quele em que vai atuar, porm emsituao invertida. Isso implica que deve havercoerncia absoluta entre o que se faz na forma-o e o que dele se espera como profissional.

    O conceito de simetria invertida ajuda a des-crever um aspecto da profisso e da prtica deprofessor que inclui o conceito de homologia deprocessos, mas vai alm deste. A primeira dimen-so dessa simetria invertida refere-se ao fato deque sua a experincia como aluno, no apenasnos cursos de formao docente mas ao longode toda a sua trajetria escolar, constitutiva dopapel que exercer futuramente como docente.

    A compreenso desse fato, que caracteriza asituao especfica da profisso docente, descritapor alguns autores como homologia de proces-sos, evidencia a necessidade de que o futuro pro-fessor experiencie, como aluno, durante todo oprocesso de formao, as atitudes, os modelosdidticos, as capacidades e os modos de organi-zao que se pretende que venham a ser desem-penhados nas suas prticas pedaggicas.

    Ningum promove o desenvolvimento da-quilo que no teve oportunidade de desenvol-ver em si mesmo. Ningum promove a aprendi-zagem de contedos que no domina nem aconstituio de significados que no possui ou aautonomia que no teve oportunidade de cons-truir. portanto imprescindvel que o professorem preparao para trabalhar na educao b-

  • 163

    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    sica demonstre que desenvolveu ou tenha opor-tunidade de desenvolver, de modo slido e ple-no, as competncias previstas para os egressosda educao bsica, tais como estabelecidas nosartigos 27, 32, 35 e 36 da LDBEN, nas diretrizes,nos parmetros e nos referenciais curricularesnacionais da educao bsica. Isso condiomnima indispensvel para qualific-lo comocapaz de lecionar na Educao Infantil, no Ensi-no Fundamental ou no Ensino Mdio.

    A pesquisa elemento essencial naformao profissional de professor

    A pesquisa na formao de professores deve,portanto, ser contemplada de modo a garantir:

    a aprendizagem dos procedimentos neces-srios para acompanhar o processo de de-senvolvimento e aprendizagem dos alunos epara a produo de conhecimento pedag-gico;

    a compreenso dos processos de produode conhecimento nas cincias: naquelas comas quais interagem os conhecimentos esco-lares que ensina (Matemtica, Histria); na-quelas que do suporte a seu trabalho deeducador (Psicologia, Sociologia, Filosofia) enaquelas que se dedicam a investigar os pro-cessos de aprendizagem dos diferentes ob-jetos de conhecimento (Didticas);

    o conhecimento atualizado dos resultadosdesses processos, isto , as teorias e as infor-maes que as pesquisas nas diferentes ci-ncias produzem.

    Diretrizes gerais para aformao de professoresO documento ressalta que a formao de

    professores para a educao bsica dever vol-tar-se para o desenvolvimento de competnciasque abranjam todas as dimenses da atuaoprofissional de professor, que se referem a dife-rentes aspectos, como, por exemplo:

    comprometimento com os valores estticos,polticos e ticos inspiradores da sociedadedemocrtica;

    a compreenso do papel social da escola;

    domnio dos contedos a serem socializa-

    dos, de seus significados em diferentes con-textos e de sua articulao interdisciplinar;

    domnio do conhecimento pedaggico;

    conhecimento de processos de investigaoque possibilitem o aperfeioamento da pr-tica pedaggica;

    gerenciamento do prprio desenvolvimen-to profissional.

    Outra diretriz importante a afirmao deque a escola de formao de professores para aeducao bsica deve, sempre que necessrio,responsabilizar-se por oferecer aos futuros pro-fessores condies de aprendizagem dos conhe-cimentos da escolaridade bsica, de acordo coma LDBEN e as Diretrizes Curriculares Nacionais.

    O desenvolvimento das competncias pro-fissionais de professor pressupe que os estu-dantes dos cursos de formao docente tenhamconstrudo os conhecimentos e desenvolvido ascompetncias previstos para a concluso da es-colaridade bsica. Entretanto, a realidade atualdo sistema educacional brasileiro marcada poruma formao bsica precria e muitas vezes in-suficiente como base para qualquer formaoprofissional.

    Sendo assim, a formao de professores terde garantir que os aspirantes a professor domi-nem efetivamente esses conhecimentos: sempreque necessrio, devem ser oferecidas unidadescurriculares de complementao dos conheci-mentos relacionados ao uso eficaz da linguageme aos demais contedos.

    Como em qualquer campo de atuao, o co-nhecimento profissional de professor representao conjunto de saberes que o habilita para o exer-ccio da docncia e de todas as suas funes pro-fissionais: os saberes produzidos nos diferentescampos cientficos e acadmicos que subsidiamo trabalho educativo; os saberes escolares quedever ensinar; os saberes produzidos no campoda pesquisa didtica; os saberes desenvolvidosnas escolas, pelos profissionais que nelas atuam;os saberes pessoais construdos na experinciaprpria de cada futuro professor. Assim, na for-mao de prfessores para a educao bsica de-vem ser contemplados diferentes mbitos do co-nhecimento profissional de professor, ou seja:

    cultura geral e profissional;

  • 164

    conhecimento sobre crianas, jovens e adul-tos;

    conhecimento sobre a dimenso cultural, so-cial, poltica e econmica da educao;

    contedos das reas de ensino;

    conhecimento pedaggico;

    conhecimento experiencial (conhecimentoconstrudo na experincia, que no pode serconstrudo de outra forma e de modo algumpode ser substitudo pelo conhecimento so-bre a realidade).

    Outro aspecto apontado refere-se seleo doscontedos das reas de ensino que compem aEducao bsica e que, na formao de professo-res, devem ir alm daquilo que os professores iroensinar nas diferentes etapas da escolaridade.

    Polivalente ou especialista, aquilo que o pro-fessor precisa saber para ensinar no equivalen-te ao que seu aluno vai aprender: so conheci-mentos mais amplos do que os que se constroemat o Ensino Mdio, tanto no que se refere ao n-vel de profundidade quanto ao tipo de saber. Por-tanto, sua formao deve ir alm dos contedosdefinidos para as diferentes etapas da escolarida-de nas quais o futuro professor atuar, incluindoconhecimentos necessariamente a eles articula-dos, que compem um campo de ampliao eaprofundamento da rea.

    Isso se justifica porque a compreenso do pro-cesso de aprendizagem dos contedos pelos alu-nos da educao bsica e a transposio didticaadequada dependem do domnio desses conhe-cimentos. Sem isso fica impossvel construir si-tuaes didticas que problematizem os conhe-cimentos prvios com os quais, a cada momento,crianas, jovens e adultos se aproximam dos con-tedos escolares, desafiando-os a novas aprendi-zagens que vo constituindo saberes cada vezmais complexos e abrangentes.

    No documento defende-se a idia de que oscontedos a serem ensinados na escolaridadebsica devem ser tratados de modo articuladocom suas didticas especficas. Nas ltimas d-cadas, cresceram os estudos e as pesquisas quetomam a aprendizagem e o ensino de cada umadas diferentes reas de conhecimento como ob-jeto de investigao. Em algumas reas, e paradeterminados aspectos do ensino e da aprendi-

    zagem, esse crescimento foi mais significativo queem outras. Porm possvel afirmar que em to-das elas h investigaes em andamento.

    Essas pesquisas ajudam a criar didticas es-pecficas para os diferentes objetos de ensino daeducao bsica e para seus contedos. Assim,por exemplo, estudos sobre a psicognese da ln-gua escrita trouxeram dados para a didtica narea de Lngua Portuguesa, especialmente no quese refere alfabetizao. Do mesmo modo, na reade Matemtica, tem havido progressos na produ-o de conhecimento sobre aprendizagem denmeros, operaes etc. que fundamentam umadidtica prpria para o ensino desses contedos.

    Os professores em formao precisam conhe-cer tanto os contedos definidos nos currculos daeducao bsica, pelo desenvolvimento dos quaissero responsveis, quanto as didticas especfi-cas que permitiro um ensino eficaz. Em outraspalavras, a melhor estratgia trat-los de modoarticulado, o que significa que o estudo dos con-tedos da Educao bsica que iro ensinar deve-r ser feito a partir da perspectiva de sua didtica.

    Com relao avaliao, num curso de for-mao de professores, o documento destaca queela deve ter como finalidades a orientao do tra-balho dos formadores, a autonomia dos futurosprofessores em relao ao seu processo de apren-dizagem e a habilitao de profissionais com con-dies de iniciar a carreira.

    Tomando como princpio o desenvolvimentode competncias profissionais, importante colo-car o foco da avaliao na capacidade de acionarconhecimentos e de buscar outros, necessrios atuao profissional, e no na quantidade de co-nhecimento adquirido ao longo do curso.

    Os instrumentos de avaliao da aprendiza-gem devem ser diversificados, para o que ne-cessrio transformar formas convencionais e cri-ar novos instrumentos. Avaliar as competnciasprofissionais dos futuros professores verificar se(e quanto) fazem uso dos conhecimentos cons-trudos e dos recursos disponveis para resolversituaes-problema reais ou simuladas relacio-nadas de alguma forma com o exerccio da pro-fisso. Sendo assim, a avaliao deve pautar-sepor indicadores oferecidos pela participao dosfuturos professores em atividades regulares docurso, pelo empenho e desempenho em ativida-

  • 165

    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    des especialmente preparadas por solicitao dosformadores, pela produo de diferentes tipos dedocumentao, pela capacidade de atuar em si-tuaes-problema.

    A avaliao deve ser realizada mediante cri-trios explcitos e compartilhados com os futu-ros professores, uma vez que o que objeto deavaliao representa uma referncia importantepara quem avaliado, tanto para orientao dosestudos como para identificao dos aspectosconsiderados mais relevantes para a formao emcada momento do curso. Isso permite que cadafuturo professor v investindo no seu processo deaprendizagem, construindo um percurso pessoalde formao.

    Assim, necessrio, tambm, prever instru-mentos de auto-avaliao do processo de forma-o pelos futuros professores, o que favorece atomada de conscincia do percurso de aprendi-zagem, a construo de estratgias pessoais deinvestimento no desenvolvimento profissional, oestabelecimento de metas e o exerccio da auto-nomia em relao prpria formao. Por seuturno, o sistema de avaliao da formao inicialdeve estar articulado a um programa de acompa-nhamento e orientao do futuro professor paraa superao das eventuais dificuldades.

    Diretrizes para a organizaocurricular dos cursos deformao de professoresOs cursos devem ser organizados de forma

    que propiciem aos professores em formaovivenciar experincias interdisciplinares. A cons-truo da maioria das capacidades que se preten-de que os alunos da Educao Infantil, do EnsinoFundamental e do Mdio desenvolvam atravessaas tradicionais fronteiras disciplinares e exige umtrabalho integrado de diferentes professores.

    A construo de competncia profissional re-quer da formao a utilizao da estratgia did-tica de resoluo de situaes-problema contex-tualizadas, que necessitam de abordagens inter-disciplinares. Sobretudo os cursos de formao deprofessores especialistas devem promover aesdirecionadas para o desenvolvimento de verda-deira postura interdisciplinar, pois h uma idia

    bastante generalizada de que algumas reas pou-ca relao tm com as demais reas de conheci-mento ou com o tratamento de questes sociaisurgentes.

    O documento destaca que o tempo destina-do pela legislao parte prtica (800 horas) devepermear todo o curso de formao, de modo quepromova o conhecimento experiencial do profes-sor. A finalidade desse tempo de prtica possi-bilitar aos alunos da formao a construo da-queles conhecimentos experienciais conformedefinidos anteriormente, essenciais a sua atuaocomo professores.

    Os cursos de formao de professores nopodem mais propor um espao isolado para a ex-perincia prtica, que faz com que, por exemplo,o estgio se configure como algo com finalidadeem si mesmo e se realize de modo desarticuladocom o restante do curso. Tambm no possveldeixar ao futuro professor a tarefa de integrar etranspor seu saber para o saber fazer, sem teroportunidade de participar de uma reflexo co-letiva e sistemtica sobre esse processo.

    Nessa perspectiva, o planejamento dos cursosde formao deve prever situaes didticas emque os professores coloquem em uso os conheci-mentos que aprendem, ao mesmo tempo que pos-sam mobilizar outros, de diferentes naturezas eoriundos de diferentes experincias, em diferen-tes tempos e espaos curriculares, tais como:

    no interior das reas ou disciplinas, duranteo prprio processo de aprendizagem dos con-tedos que precisa saber;

    nos estgios a serem feitos nas escolas de edu-cao bsica;

    num tempo e espao curricular especficochamado de superviso, em trabalhos ori-entados pelos diferentes formadores.

    A organizao dos currculos deve contemplaratividades curriculares diversificadas. Ao elaborarseu projeto curricular, a equipe de formadores temcomo primeira ao necessria a de buscar novasformas de organizao, em contraposio a formastradicionais concentradas exclusivamente em cur-sos de disciplinas, a partir das quais se definemcontedos que nem sempre so significativos paraa atuao profissional dos professores.

    Isso no significa renunciar a todo ensino

  • 166

    estruturado, nem relevar a importncia das dis-ciplinas na formao, mas consider-las comorecursos que ganham sentido em relao aosdomnios profissionais visados. Os cursos comtempos e programas predefinidos para alcanarseus objetivos so fundamentais para a apropria-o e a organizao de conhecimentos. Tm, as-sim, papel fundamental na atualizao e noaprofundamento dos conhecimentos relaciona-dos com o trabalho de professor, que so chavesde leitura necessrias atuao contextualizadae condio para a prtica reflexiva do professor.

    O desafio principal da elaborao de um pla-no de formao profissional no dar lugar atodos os tipos de disciplinas, mas conceber umdesenho curricular que permita construir, colo-car em uso e avaliar as competncias essenciaisao seu exerccio.

    Para contemplar a complexidade dessa for-mao, preciso renunciar idia de repartir otempo disponvel entre as disciplinas. Ao con-trrio, preciso instituir tempos e espaos cur-riculares diferenciados, como oficinas, semin-rios, grupos de trabalho supervisionado, gruposde estudo, tutorias e eventos, entre outros capa-zes de promover e ao mesmo tempo exigir dosfuturos professores atuaes diferenciadas, per-cursos de aprendizagens variados, diferentesmodos de organizao do trabalho, possibilitan-do o exerccio das diferentes competncias a se-rem desenvolvidas. As oficinas, por exemplo, ofe-recem timas possibilidades de colocar em usotipos de conhecimento, construindo instrumen-tos e materiais didticos, vivenciando procedi-mentos prprios de cada rea de ensino.

    O currculo de formao deve ainda preveratividades autnomas dos alunos ou a sua par-ticipao na organizao delas: a constituio degrupos de estudo; a realizao de seminrioslongitudinais e interdisciplinares sobre temaseducacionais e profissionais; a programao deexposies e debates de trabalhos realizados oude atividades culturais so exemplos possveis.

    Convm ainda destacar a importncia de ati-vidades individuais como a produo domemorial do professor em formao, a recupe-rao de sua histria de aluno, projetos de in-vestigao sobre temas especficos e at mesmomonografias de concluso de curso.

    O documento defende ainda que a organi-zao dos currculos de formao deve incluiruma dimenso comum a todos os professores deeducao bsica.

    Um dos grandes desafios da formao deprofessores atender s especificidades do tra-balho educativo com as diferentes etapas de vidados alunos, sem nela reproduzir uma viso seg-mentada do desenvolvimento e da aprendiza-gem humanas. Muitos conhecimentos so igual-mente necessrios, muitas das temticas soigualmente pertinentes, assim como so comunsos pressupostos para a formao do professor.

    S possvel pensar na formao de profes-sores da educao bsica porque existe algo decomum a todo professor, atue ele na EducaoInfantil, no Ensino Fundamental ou no EnsinoMdio. Portanto, h competncias profissionaisque todos eles precisam desenvolver.

    Ao mesmo tempo, preciso considerar queh desafios prprios dos professores de atuaomultidisciplinar e outros dos especialistas, tantoem funo da etapa da escolaridade em que atu-am quanto do domnio de contedos a ensinar.

    Finalmente, h competncias ligadas espe-cificidade da docncia em cada etapa da escola-ridade. Contempl-las de modo integrado exigemanter o princpio de que a formao deve tercomo referncia a atuao profissional, na qual adiferena se d principalmente no que se refere dimenso da docncia. a que as especificidadesse concretizam e, portanto, ela (a docncia) quedever ser tratada no curso de modo especfico.Isso pede uma organizao curricular que possi-bilite, ao mesmo tempo, um aprofundamento emrelao aos segmentos da escolaridade e uma for-mao comum a todos os professores.

    O detalhamento que segue est expresso emtermos de competncias indicativas da defini-o de contedos, uma vez que por meio daaprendizagem deles que se d o desenvolvimen-to dessas diferentes competncias. Os projetospedaggicos dos cursos de formao de profes-sores no podem, portanto, deixar de definir eexplicitar os contedos ou conhecimentos es-senciais constituio dessas competncias, demodo que garantam sua qualidade.

    Para que os futuros professores tenham umaviso ampla e no fragmentada da vida e dos pro-

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    cessos de aprendizagem dos seus alunos e do tra-balho escolar que realizam, os cursos deverocontemplar essas diferentes dimenses da for-mao, de modo articulado e complementar.

    Em decorrncia, a organizao curricular doscursos deve incluir sempre:

    espaos e tempos em que se garanta umaformao comum aos professores de todasas etapas da educao bsica;

    nos cursos para atuao multidisciplinar, porsua vez, uma formao comum a esse tipode atuao, seja da Educao Infantil, sejadas sries iniciais do Ensino Fundamental;

    analogamente, nos cursos para atuao es-pecializada por reas ou disciplinas, deverhaver uma formao comum a todos os pro-fessores especialistas;

    assentada na base comum, os cursos deve-ro oferecer formao especfica de Licencia-tura de professores para Educao Infantil,anos iniciais e anos finais do Ensino Funda-mental e Ensino Mdio, esta, por sua vez,especializada por reas de conhecimento oudisciplinas;

    cursos optativos, a critrio da instituio,para atuao em reas especficas.

    Entre a formao iniciale a formao continuada dosprofessores: qual conexo?Por uma estratgia de formaocontinuada, com acompanhamento

    Charles Hadji

    Universidade Pierre Mends-France/Grenoble/Frana

    ResumoCom o aparecimento de novos pblicos esco-

    lares e o desenvolvimento das novas tecnologias

    de informao e de comunicao, as atividades de

    ensino desdobram-se hoje em condies transfor-

    madas, que convidam a uma reflexo sobre as mo-

    dalidades de formao de professores que sejam

    as mais apropriadas a esse novo contexto. A dupla

    necessidade de uma maior profissionalizao e de

    levar em conta as novas tecnologias, por exemplo,

    no parece ser absolutamente contestada. Mas

    como a formao poderia, concretamente, levar

    em conta essas duas necessidades? Em particular,

    qual poderia ser a estruturao adequada das ati-

    vidades de formao na sua organizao tempo-

    ral? Ser que devemos aceitar sempre o esquema

    de uma dicotomia entre uma formao inicial, mi-

    nistrada a iniciantes ou a novatos, para arm-los

    bem para o exerccio da profisso, e uma formao

    continuada oferecida alguns anos depois para per-

    mitir a reciclagem dos professores cujas compe-

    tncias teriam se desgastado com o tempo? Defen-

    deremos uma melhor repartio do esforo de for-

    mao no tempo (da vida dos profissionais). Pois

    ingressamos na era da formao acompanhante,

    ou seja, de uma formao concebida como um fa-

    tor contnuo de desenvolvimento profissional. Isso

    exigir que nos situemos numa problemtica de

    formao continuada e, portanto, de repensar a

    formao inicial situando-a num marco temporal

    muito mais amplo.

  • 168

    Repensar a atividade deformao na sua relaoorgnica com o campoprofissional

    A formao: uma atividade dinmicaO que significa formar? s vezes define-se a

    formao como um conjunto de conhecimen-tos e de competncias que um ensino permiteadquirir com anterioridade ao ingresso na vidaativa. Uma definio como essa triplamenteproblemtica:

    Primeiramente, a formao no do gne-ro do contedo (uma bagagem a ser adqui-rida), mas do gnero da ao (ou das ativi-dades) visando adquirir essa bagagem.

    Essas atividades podem assumir a forma deum ensino; mas esta no nem necessria,nem a nica, nem necessariamente a maistil. Poderemos realizar atividades espec-ficas de formao, diferentes daquelas ati-vidades tradicionais de ensino, sobretudocom um pblico constitudo de adultos.

    Finalmente, se a formao antes de ingres-sar na vida ativa (formao inicial) impor-tante, inclusive essencial, seria redutor de-mais esquecer a formao durante a vidaprofissional (formao contnua ou forma-o continuada).

    Assim sendo, a formao triplamente di-nmica:

    Dinmica no sentido de uma ao que seexerce sobre um sujeito tendo em vista pro-vocar e/ou acompanhar mudanas nas suasmaneiras de pensar e de fazer, para torn-lo capaz de agir com eficcia em certas ca-tegorias de situaes bem definidas.

    Dinmica no sentido do processo de evo-luo e de autotransformao do formado,sendo este scio ativo dessa construo desi como mais competente. Isso faz da for-mao um parceria formador/formado, detal forma que este ltimo no vem a ser,absolutamente, um simples aluno: ele serum novato (versus o especialista), ou uminiciante (versus o veterano), ou um apren-diz (versus o profissional experiente); ja-

    mais um simples aprendente.

    Dinmica no sentido de uma srie de aesque se inscrevem na durao de uma vidaprofissional (formao permanente): o pro-blema no reside em simplesmente prepa-rar para o exerccio profissional, mas emmanter e inclusive desenvolver o nvel dequalificao profissional ao longo de todo operodo da vida ativa.

    A formao: uma objetivaoprofissional

    O que especifica essa atividade dinmica a sua objetivao. A formao s existe emreferncia a um campo profissional. Formarsignifica acompanhar algum no seu trabalhode construo de uma determinada compe-tncia social. Significa ajud-lo a progredir nodomnio das competncias necessrias parase tornar profissional numa determinadarea. Significa, portanto, em primeiro lugar,fazer adquirir ou aperfeioar habilidades pro-fissionais. essa relao com a profisso (fu-tura ou atual) que essencial. Isso foi clara-mente salientado por Guy Avanzini (1996). Aformao est sempre restrita a um objetivopreciso. Ela propicia uma qualificao que stem sentido dentro da perspectiva de exercera profisso para a qual essa qualificao requerida. Assim, a formao uma ativida-de conduzida tendo em vista conceder ao su-jeito uma competncia que seja: a) precisa elimitada (visa-se um determinado objetivoprofissional); e b) predeterminada (viemospara adquirir aquilo que necessrio para oexerccio desta profisso que se deseja exer-cer, ou que j exercemos).

    A fora dessa relao orgnica com o cam-po profissional manifesta-se justamente notema da necessria profissionalizao. Dese-ja-se hoje formar professores profissionais(Paquay et al., 2001). Indagamo-nos acerca dainsero profissional dos professores jovens(Htu et al., 1999). Os ofcios (que se originamprimeiramente de uma camaradagem e quetm uma dimenso tcnica predominante)transformam-se em profisses quando a com-plexidade do seu exerccio exige o recurso a

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    uma base de saberes profissionais especia-lizados, que ser a prerrogativa de um grupode profissionais, com uma identidade reco-nhecida pelo corpo social. Assim, podemosentender por:

    Profisso: uma prtica social complexa, ori-entada na direo de fins precisos, e queexige o domnio de um conjunto (em evo-luo) de saberes especficos e de savoir-faire especializados, de alto nvel (da a ne-cessidade der uma formao institucional-mente organizada).

    Profissionalidade: o conjunto de atributosdo profissional, que lhe permite exerceressa atividade douta de maneira autnoma,eficaz e respeitando um certo nmero deregras de tipo deontolgico.

    Profissionalismo: o resultado do processode socializao profissional, que se carac-teriza pela adeso ativa dos membros docorpo de profissionais s regras, normas eatitudes que definem uma conscincia pro-fissional; ou, dito de outra forma, uma cer-ta maneira socializada de ser, de pensar ede agir (Gauthier, 1997: 43 e 51). Ou, ainda,sob um outro ponto de vista, a capacidadedo profissional em satisfazer a essas normase padres prprios da profisso.

    Profissionalizao: para os indivduos, o processo dinmi-

    co de aquisio de competncias (sabe-res, savoir-faire, capacidades) e de atri-butos (autonomia, altrusmo, autorida-de sobre os clientes) necessrios parao exerccio da profisso;

    para uma prtica social, o processo peloqual tal prtica se institucionaliza numaprofisso, mediante a especificao denormas, regras e padres de trato socialde certos problemas;

    para um determinado grupo social, aconstruo de uma identidade e a ob-teno de um conjunto de direitos e deprivilgios, indo de par com um certonmero de obrigaes, e ligados ao do-mnio de um know-how profissional dealto nvel.

    Toda a questo reside em saber, concreta-mente, como formar, hoje, professores profis-

    sionais tendo em conta essa dimenso dinmi-ca da formao e essa relao orgnica com ocampo profissional do ensino.

    Superar os riscosde contradio devidos presena de lgicasem tensoPara atingir o objetivo que acabamos de

    identificar, ser preciso, em primeiro lugar, re-solver trs dilemas. Todo processo de formao, de fato, atravessado por tenses resultantesda presena de lgicas antagnicas. Isso nosleva ao inevitvel confronto com aquilo queFerry (1983) denomina como dilemasorganizacionais. Podemos detectar trs dile-mas principais, que se devem s tenses entretrs sries de lgicas em operao.

    A tenso entre saberes e savoir-faire(ou prticas)

    Existe, para toda profissionalizao, um ver-dadeiro paradoxo. A profissionalizao carac-terizada pelo surgimento de saberes (profissio-nais) de alto nvel (um slido ncleo de conhe-cimentos Gauthier, 1997: 51). Porm essessaberes so, antes de mais nada, de ordem pr-tica, pois se trata, concretamente, de confron-tar-se com tarefas sociais contextualizadas. Ora,o laboratrio (onde se constroem os saberes)no o campo profissional (onde se exercitamas prticas). Mesmo que a formao, em parti-cular, no momento em que ela constri seusprogramas e escolhe seus currculos, deva es-tar atenta a duas sries de evolues:

    a evoluo dos saberes doutos que seconstroem nos campos disciplinares (novosconhecimentos referentes ao homem emdesenvolvimento, pontos de vista neuro-biolgicos, psicolgicos, sociais etc.);

    a evoluo das prticas sociais de refern-cia, tal como elas se modificam concreta-mente no campo profissional.

    Certamente, essas prticas esto relaciona-das com os saberes. Mas so muito poucas as

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    ligaes unidimensionais saberesprticas.Uma mesma prtica depende de vrios saberes.Um mesmo saber pode estar implicado em di-versas prticas. As evolues de uns e de outrosno esto sincronizadas. E, sem dvida, temosde distinguir entre saberes de ao e saberestericos (Barbier, 1996).

    Isso implica, para a formao, a dupla ne-cessidade de:

    ter um cuidado pela profissionalizao, en-tendida como ateno ao surgimento desaberes doutos teis para a profisso;

    ter um cuidado pela operatividade (Durand,1996), objetivando a construo das ima-gens operativas e dos savoir-faire concre-tamente teis para os profissionais.

    A superao dessa tenso ser precedidapela construo de saberes diretamente opera-tivos, que designamos como saberes de aopedaggica (Gauthier, 1997) ou saberes daao (Barbier, 1996).

    A tenso entre o centro (de formao)e o trabalho de campo(de exerccio da profisso)

    Sendo cientfica e visando o domnio desaberes (acadmicos, prprios das discipli-nas ensinadas; sobre o tema ensinado, pro-duzidos pelas disciplinas contributivas; so-bre a atividade do ensino, produzidos pelaPedagogia e pela Didtica) a formao serministrada num centro, diferente do lugarde trabalho de campo e, se possvel, prxi-mo das universidades (at mesmo verdadei-ramente universitrio, para notabilizar adignidade dos saberes em causa).

    Sendo profissional e visando ao domniode uma atividade complexa no terreno pro-fissional, essa formao deve: a) estar emcontato com o trabalho de campo; e b) fa-zer intervir profissionais do trabalho decampo.

    Tentar-se- uma superao dessa tensocom uma melhor articulao centro/traba-lho de campo, o que redundar num duploempenho: do centro, para levar em consi-derao os problemas de campo e admitirque est a servio do trabalho de campo. E

    deste, para tornar-se formativo e admitir anecessidade de relegar temporariamente aosegundo plano as exigncias da produo afim de dar aos novatos o tempo necessriopara a construo de si mesmo (o que im-plica um direito ao erro, proibido ao profis-sional em exerccio). Huberman (1986) pro-ps, nesse sentido, um modelo original quearticula de maneira feliz um centro, conce-bido como sistema com recursos, ao tra-balho de campo, concebido como sistemado usurio.

    A tenso entre a dimensoprofissional (aprender um ofcio)e a dimenso pessoal (desenvolversua personalidade) da formao

    Toda formao tem uma dimenso educati-va. E a educao constitui o substrato, como otrampolim, da formao. Entretanto, o objetivoessencial da formao , tal como assinalaAvanzini (1996), o de incrementar os haveres dosujeito (aquisio de competncias precisas e pre-determinadas). Ora, os formados tambm podemter um objetivo, num certo sentido privado, pormais educao (aumento da polivalncia da pes-soa). Trata-se, ento, de um desenvolvimento doser. Esses dois objetivos podem entrar em con-flito, tal como podemos ver no uso que s vezesos professores fazem de um catlogo de ofertasde formao (continuada), ou nas tentativas dedesvio de certos estgios em prol de objetivosmais pessoais.

    Essas ambigidades da articulao oferta/demanda, bem como esses conflitos entre ob-jetivos profissionais e objetivos pessoais, po-dero ser superados tornando mais transpa-rentes os objetivos da formao e, talvez, dis-tinguindo, como proposto por Avanzini (1996),de um lado, educao (com fins indetermi-nados, focada no desejo de mudar) e forma-o (com fins predeterminados, focada na ne-cessidade de mudar) de adultos; do outro, nonvel da formao, distinguindo aes de for-mao de adultos (visando melhorar direta-mente a qualificao) e aes de formao per-manente (visando melhorar indiretamente aqualificao pelo expediente de uma evoluo

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    da personalidade). O problema da articulaoentre objetivo social e objetivo pessoal deve-r, portanto, ser sempre claramente colocado.

    Inscrever-se decididamentenuma dinmica de projetosEssa necessidade pode ser analisada sob o

    duplo ponto de vista da dinmica do processode formao e da dinmica do processo de evo-luo individual dos formados.

    Do ponto de vista da dinmica doprocesso de formao

    Junto com Lesne (1984), podemos conside-rar quatro grandes momentos correspondentesa quatro subconjuntos de atividades.

    O momento do projeto no sentido estritoTrata-se de saber com que objetivo forma-

    mos os professores; isso implica determinar trsquestes:

    a) os valores que do sentido ao projeto eque justificam as finalidades escolhidas.Faz-se necessria aqui uma reflexo cole-tiva para obter um consenso mnimo sobreos fins, sem o qual no haver projeto deformao que tenha verdadeiramente sen-tido (Avanzini, 1991);

    b) o ideal do bom professor, na direo doqual se desejaria que os formados se orien-tassem. A considerao dos resultados detrabalhos sobre os efeitos-professor seriaaqui especialmente til (Bressoux, 1994);

    c) as modalidades eficazes de ao pedag-gica, o que implica um recurso a trabalhosde pesquisa de ordem pedaggica ou, maisespecificamente, didtica (Durand, 1996).

    O projeto se traduzir concretamente numapoltica (especificao de objetivos em funodo triplo trabalho acima mencionado) e numaestratgia.

    aqui que se coloca de maneira intensa oproblema do tipo de formao privilegiado, se-gundo o peso e a prioridade concedidos for-mao inicial. Poderamos considerar trs gran-des casos:

    Estratgia 1: O essencial inclusive a tota-lidade do esforo de formao feito an-tes da entrada na vida escolar. O que ad-quirido ento considerado como definiti-vamente adquirido e no ser jamais ques-tionado. Trata-se da estratgia histrica naFrana, de uma formao inicial que se se-gue imediatamente aprovao num con-curso de emprego.

    Estratgia 2: A formao torna-se continu-ada, como continuao de uma formaoinicial anterior qual reconhece-se um pa-pel privilegiado, sendo que oportunidadesde formao so oferecidas ao longo de umacarreira, eventualmente sob a forma de cr-dito formao.

    Estratgia 3: A formao contnua, apsum incio, que uma primeira fase, mas noessencial, com o qual ela est em continui-dade; ela intervm regularmente durante odesenvolvimento da vida profissional, emmomentos de igual importncia.

    Baseando-nos em todas as consideraesanteriores, a primeira estratgia nos parece ob-soleta e ultrapassada. Portanto, temos hoje a es-colha entre uma formao continuada e umaformao contnua. Essas duas estratgias tmo mrito de permitir a considerao da subver-so das tarefas, das misses e das ocupaes,que produz uma prtica docente caracterizadapela passagem de uma obrigao de meios parauma obrigao de resultados (Demailly, 2001: 19)e a irrupo de novos pblicos que transformamas condies e as formas da atividade docente.As duas implicam a organizao de uma cone-xo entre formao inicial e tempo (ocasio) deformao continuada. Elas traduzem uma con-siderao da temporalidade e das mudanas,tanto coletivas (tecnolgicas, econmicas e so-ciais) quanto individuais (evoluo pessoal eprofissional).

    Entretanto, devido importncia particulardo primeiro tempo, aquele durante o qual seadquire aquilo sem o qual o exerccio da ocu-pao no seria possvel, preferimos, por nossavez, uma estratgia do tipo formao continua-da, que: a) coloca a questo do vitico inicial-mente necessrio para o exerccio da ocupao;b) obriga a pensar esse momento de formao

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    inicial, articulando-o com os momentos de for-mao continuada que se seguiro; e c) convi-da a construir os momentos seguintes em coe-rncia com aqueles que os antecederam.

    O momento do planejamentoA escolha de uma estratgia de formao con-

    tinuada conduz a uma concepo necessariamen-te dinmica do planejamento. De fato, ser pre-ciso considerar pelo menos duas sries de objeti-vos: no curto prazo (constituio do vitico) e amdio ou longo prazos (garantia da forma-bilidade e da evolutividade profissional e pes-soal: o profissional deve estar, em certo sentido,preparado para adaptar-se s futuras evolues,inclusive aquelas dificilmente previsveis). E amodalidade incluir o conjunto dos momentosde formao. Alm disso, em suma, toda modali-dade dever ser concebida como suscetvel dedesenvolver-se em funo das evolues concre-tamente identificadas no contexto.

    O momento do processo pedaggicoO que j falamos sobre a diferena entre en-

    sino e formao tem aqui grande relevncia. Aeducao visa construo do saber ser; o ensi-no visa construo dos saberes; e a formao,as competncias socioprofissionais (Hadji, 1995).Portanto, no se pode conceber, para as ativida-des de formao propostas, que se baseiem ape-nas no nico modelo das atividades de ensino.As atividades de formao tm de ser maisenvolventes, mais prticas, estando diretamen-te relacionadas com problemas profissionais. Poroutro lado, poderamos imaginar, alm das ati-vidades que visam aquisies precisas, ativida-des que privilegiem um modo de proceder, nocurso do qual nos exercitaramos; por ltimo,atividades de anlise que priorizem a capacida-de de observar e de analisar as situaes (mo-delos focados na aquisio, no procedimento ouna anlise) (Ferry, 1983).

    O momento das atividades de regulagemTais atividades devero ser concebidas de

    forma precisa, no como um momento partee isolvel, mas operando continuamente para

    permitir uma conduo (pilotagem) adequadado processo. Evidentemente, trata-se do proble-ma da conduo conjunta das operaes de for-mao que deveria ser colocado. O processopedaggico regulado com referncia ao pla-no. Mas este, no sendo imvel, , ele mesmo,regulado com referncia s evolues das reali-dades (ferramentas e tecnologias disponveis;novos pblicos; condies de exerccio) e s re-presentaes (fins e valores de referncia). Nose trata de regular um sistema fechado, mas umsistema verdadeiramente aberto.

    Do ponto de vista da dinmica dosadultos em formao

    No se pode esquecer de que, se a forma-o, de um lado, uma atividade instituda quese exerce sobre um ator com vista a sua profis-sionalizao, do outro, ela tambm uma ati-vidade pessoal que o formado exerce sobre simesmo, no mbito de sua prpria histria. Afacilitao desse trabalho sobre si, produtor denovas representaes, atitudes e condutas(Ferry, 1987), dever, portanto, apoiar-se emtudo aquilo que aprendemos com a pesquisasobre a formao de adultos.

    Trata-se de obter o engajamento do sujeitopara adquirir a forma julgada socialmentedesejvel sem confin-lo num molde rgido. E,tambm, de permitir a ele encontrar sua pr-pria forma sem por isso afastar-se, perigosa-mente, da forma ideal do profissional eficaz.Para isso, ser preciso respeitar as trs condi-es necessrias para a efetivao de aprendi-zagens no adulto (Bourgeois, 1996):

    um suficiente embasamento na experin-cia de sua prpria vida, o nico suscetvelde tornar possvel um investimento pessoalnum trabalho de construo da identidade(isso implica levar em conta a biografia es-colar e universitria dos formados);

    a possibilidade de estabelecer laos de con-fiana recproca com os formadores;

    a realidade de um trabalho pessoal.

    Portanto, a formao continuada dever tera inteligncia de outorgar um lugar essencialpara a experincia dos formados, partindo dassuas prprias indagaes, no mbito de suas

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    Articulao entre as formaes inicial e continuada de professoresSIMPSIO 10

    problemticas pessoais. Isso porque aprender,para um adulto, significa construir um sentido,num ato criativo que se inscreve numa dinmi-ca de (trans)formao pessoal. Isso significa:

    que a formao s pode ser contnua, nosentido de que preciso dar um tempo paraque os formados faam sua experincia, sema qual se permanece no artificial;

    que, j, o tempo de formao inicial devetornar possvel o desenvolvimento dessaexperincia, em comparao com um tra-balho de campo (no mbito da articulaoorgnica centro / trabalho em campo);

    que, a todo momento, deve-se dar priori-dade aos problemas encontrados pelos pro-fessores no campo, sem o que se permane-ce no abstrato;

    que, a todo momento, deve-se dar um lu-gar importante aos pares, que conhecemesses problemas, para viv-los. Uma forma-o continuada dar pelo menos importn-cia igual aos pares e aos especialistas.

    Gerir inteligentemente osuporte em falsoA formao se situa sobre um paradoxo

    constitutivo. Como se encontra necessariamen-te defasada com respeito ao trabalho de cam-po, sem o qual ela se reduziria a uma formaoem servio (a necessidade da produo iriaimpor ento suas leis, o que seria contra o di-reito ao erro pressuposto pela aprendizagem: oque quer dizer que impossvel, em ltima ins-tncia, ter uma boa formao em servio!), elase coloca como um suporte em falso (desali-nhada, em situao de desequilbrio) em rela-o a tal trabalho de campo. Durante a forma-o em geral, e no centro em particular, anali-samos, preparamo-nos para tarefas que s se-ro assumidas quando sairmos da situao deformao. Embora naveguemos sempre nomeio de dois grandes riscos:

    o risco de nos afogarmos no exerccio daocupao em campo, se no houver o mni-mo de defasagem e de distanciamento ne-cessrios para domesticar a tarefa;

    o risco de se perder e de perder seu tempo

    em situaes de formao abstratas, artifi-ciais e, finalmente, sem interesse, se a lgi-ca do ensino vier se impor e se no houver amnima relao com os problemas e com asprticas de campo, sem as quais no pode-ramos nos preparar para a tarefa.

    Toda a dificuldade, e toda a arte, reside empensar, organizar, gerir esse duplo afastamen-to espacial (centro versus trabalho de campo) etemporal (tempo da paciente construo dascompetncias versus a urgncia das tarefas deproduo profissional). preciso de tempo parafazer e continuar a fazer um bom profissio-nal, nas atividades de formao ligadas ao tra-balho de campo.

    Saber encontrar a boa distncia nos pareceser o maior desafio para a formao de docen-tes no sculo XXI. Isso resulta, dentre outras, emtrs reas de trabalho que iro condicionar umaconexo feliz entre os tempos de formao ini-cial e continuada.

    A rea da elaborao de programas deformao centrados no essencial epreservando o essencial

    Os perfis dos egressos que do sentido formao inicial devem ser, de um lado, evolu-tivos, para ter em conta mudanas objetivas docontexto profissional e da evoluo dos saberes;de outro, devem ser econmicos, no sentido deque eles no podem visar a, nem cobrir, todas assituaes imaginveis (a experincia dever serconstruda), nem prover de know-how pronto eacabado, nem colocar disposio todas as tc-nicas de trabalho existentes.

    Seria desmesurado visar exausto. E issocingiria na rigidez algumas tcnicas que, pelafora das circunstncias, tornar-se-iam rotinas.Para fugir ao mesmo tempo a uma especializa-o precoce, um fator de rigidez, e a uma ex-cessiva fragmentao, um fator de incoerncia,a formao dever objetivar algumas compe-tncias centrais integrativas, mais do que umapluralidade de saberes particulares ou de habi-lidades demasiado especficas (Hadji, 1997).Ser preciso identificar essas competnciascentrais e estar atento ao surgimento de poss-veis novas competncias (Perrenoud, 1999).

  • A rea da inveno de modalidadesadequadas de trabalho pedaggico

    As atividades a ser implementadas em fasede processo pedaggico devem responder auma dupla condio:

    no se limitar a atividades de ensino;

    estar em relao de analogia estrutural comas prticas profissionais que se deseja de-senvolver, segundo um princpio de isomor-fismo (Ferry, 1983).

    Isso equivale a solicitar aos formadores umainterveno, aplicando os princpios suscetveis detornar eficaz o trabalho do professor. Portanto, issoexige progressos nas pesquisas sobre a eficcia doensino e um grande esforo de ativa apropriaodos resultados dessas pesquisas pelos formadores!

    A rea da criao de centros deformao ligados organicamente aocampo do exerccio profissional

    Trata-se (e podemos pensar aqui no novomodelo para o desenvolvimento profissional dosprofessores, de Huberman, 1986) de articular,de maneira suficientemente forte, o centro deformao (imaginado como centro de desenvol-vimento profissional, ou sistema de recursos) eo trabalho de campo (pensado como espao deemergncia dos problemas, ou sistema do usu-rio) para tornar possvel, entre atividades deformao e atividades profissionais, uma relaoque no seja de aplicao (da teoria em direo prtica), nem simplesmente de alternncia (umir-e-vir entre teoria e prtica), mas, sim, deregulagem (uma conduta constante da prtica luz de referenciais tericos) (Ferry, 1983).

    Assim, uma estratgia de formao continua-da nos parece ser do tipo de ligar organicamen-te a atividade de formao ao campo profissio-nal: superando, tanto quanto possvel, as tensesderivadas das lgicas antagnicas que estiverem

    em ao (e sem sacrificar, em nada, cada um dosfatores dinmicos em causa); inserindo-se numaverdadeira dinmica de projeto; concedendo temporalidade das evolues todo o espao ne-cessrio; propiciando os meios de gerir de ma-neira inteligente o suporte em falso formao/exerccio profissional.

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    SIMPSIOSIMPSIOSIMPSIOSIMPSIOSIMPSIO 1111111111

    AVALIAO DA APRENDIZAGEM,CURRCULO E FORMAODE PROFESSORES

    Andy Hargreaves

    Iza Locatelli

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    A reforma liderada pela avaliao dos alu-nos atualmente uma das estratgias maisfavorecidas para promover padres de ensino eaprendizagem mais elevados, um aprendizadomais consistente e formas mais confiveis deprestao de contas para o pblico em geral(Murphy e Broadfoot, 1995; Gipps, 1994; Black,1998). Embora avaliaes prescritas pela legis-lao e feitas em grande escala recebam umamaior ateno, as avaliaes em sala de aula soas que mais impor