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PENSAMENTO SISTEl\1ÃTICO E CONCEITO DE SISTEl\1A A NA CIENCIA DO DIREITO Introdução e tradução de A. MENEZES CORDEIRO

Canaris, Claus-Wilhelm - Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito - 1ª parte

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PENSAMENTO SISTEl\1ÃTICOE CONCEITO DE SISTEl\1A

A

NA CIENCIA DO DIREITO

Introdução e tradução deA. MENEZES CORDEIRO

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Traduçãodo original alemão intitulado:

SYSTEMDENKEN UND SYSTElVIBEGRIFFIN DER JURISPRUDENZ

CLAUS- WILHELM CANARIS2. Auflage. 1983

DUNCKER UND HUMBLüT. Berlim

Dedicado, em gratidão, aomeu muito venerado mestre

Reservados todos os direitos de harmonia com a leiEdição da

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIANAv. de Berna I Lisboa

1989

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I - OS DILEMAS DA CIÊNCIA DO DIREITONO FINAL DO SÉCULO XX

I. O século XX representa, na Ciência do Direito,um espaço de letargia relativa. Uma agitação prenun-ciadora de mudança viria a registar-se, apenas, noseu último quartel.

O fen6meno nada teria, em si, de surpreendente.O Direito, realidade cultural, coloca-se, tal como alíngua, numa área de estabilidade marcada. As verda-deiras mudanças são lentas; a sua detecção dependede uma certa distanciação histórica.

Os progressos anteriores deixariam, contudo, espe-rar uma melhor mobilidade.

O século XIX presenciara profundas e promisso-ras alterações no modo de entender e de realizaro Direito: retenham-se, no domínio exemplar doDireito privado (1), o êxito das grandes codifica-

(I) De acordo com a opção fundamental de CLAUS--WILHELM CANA RIS, na obra que agora se dá ao públicode língua portuguesa, as diversas asserções metodo lógicas ejwwientíficas são desenvolvidas e exemplificadas na base doDireito privado. Com desvios conhecidos - assim, a inexistên-da ele codificações no Direito público ou a relativa resistência

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ções ("), a revolução metodológica savignyana ("), oaparecimento, desenvolvimento e decadência da exe-gese moderna (4) e da jurisprudência dos conceitos (")

(l a divulgação da jurisprudência dos interesses (6) .Outras orientações mais tarde desenvolvidas, taiscomo o Direito livre (7), o formalismo neokantiano (8)ou o psicologismo (9) datam do século XIX. Esta pro-fusão explicará porventura, num certo paradoxo, aquietude subsequente: as grandes opções possíveisestavam equacionadas: a evolução posterior limitar--se-ia a repensá-Ias e a aprofundá-Ias.

posta pelo Direito penal ao irrealismo metodológico - torna-sepossível proceder a um seu alargamento às diversas disciplinas.

(2) O Código Napoleão, de 1804, que repousa no tra-balho intenso desenvolvido, nos séculos anteriores, por DOMAT(1625-1696) e POTHIER (1699-1772), constitui o epílogo de umatradição poderosa, iniciada com o humanismo e aperfeiçoadaatravés do influxo do pensamento jusracionalista: é a primeiracodificação. A segunda codificação traduz-se no Código Civilalemão, de 1896: assente na pandectística do século XIX e,principalmente, na obra de BERNHARD WINDSCHEID (1817--1892) ela corresponde já às perspectivas juscientíficas abertaspor SA VIGNY. Cf. infra, n,o 10, III e n." 11.

(I) De FRIEDRICH CARL VON SA VIGNY devem ret'er-se,em particular, Juristische Methodenlehre (1802/03), publ.G. WESENBERG (1951), Vom Beruf unsrer Zeit für Gesetzge-bung und Rechtswissenschaft (1814) e System des heutigenromischen Rechts I." vol. (1840). Cf. infra, n,o 10, IV.

(4) A exegese desenvolveu-se em torno do Código Napo-leão e mercê do fascínio por ele provocado, podendo ser tipi-ficada em quatro fases. Na primeira, -1804 a 1830- assis-te-se à sua implantação, graças .a autores como DELVIN-COURT; na segunda, -1830-1880 - dá-se o seu apogeu, comrelevo para AUBRY e RAU, DEMOLOMBE, LAURENT, MAR-CADÉ e TROPLONG; na terceira, -1880-1900 - ocorre umdeclínio, ainda que com tentativas de renovação, cabendo refe-rir BAUDRY-LACANTINERlE, BUFNOIR, HUC e SALEILLES;por fim, uma quarta fase, dita de exegese tardia, com prolon-gamentos pelo século XX, até hoje, assenta em CAPIT ANT,MAZEAUD e MAZEAUD, DE PAGE, PLANIOL e RIPERT.Esta persistência explicará o isolamento metodológico francêsem relação aos demais países do ocidente europeu.

(5) A tal propósito refere-se, de imediato, GEORGFRIEDR1CH PUCHTA, com relevo para obras que tiveram

11. A entrada em vigor do Código Civil alemão,em 1900, foi precedida por um surto, rápido masintenso, de formalismo jurídico. Com a sua elabora-ção, a ciência oitocentista ficara exangue. Sob a pres-são ameaçadora dum positivismo naturalista que

numerosas edições póstumas: Pandekten 8 (1856) e Cursus derInstitutionen 20 (1856). Outros autores, dos mais influentes,poderiam ser mencionados neste domínio, incluindo, em certamedida, o próprio WINDSCHEID.

(<J) Recorde-se RUDOLF VON JHERING, Geist des romi-sehen Reehts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung,III (1861) e o própria PHILLIP HECK, nos seus primeirosescritos onde se encontra já o essencial da doutrina que, maistarde, propugnaria: recensão a FELLNER, Die rechtliche Naturder Inhaberpapier, ZHR 37 (1890), 277-284 e recensão a VONBAR, Theorie und Praxis des Internationalen Privatrechts, ZHR:18 (1890), 305-319.

(7) Na origem, OSKAR BÜLOW, Gesetz und Richteramt(1885).

(H) RUDOLF STAMMLER, cujo pouco conhecido, masimportante, Das Recht der Schuldverhaltnisse in seiner aUge-meinen Lehren data de 1897.

(0) ERNST RUDOLF BIERLING, Juristische Prinzipien-lehre, a partir de 1894.

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parecia não ter, então, limites exteriores ao conhe-cimento humano, o pensamento jurídico intentourefugiar-se na especulação idealista transcendental.Aproveitando categorias gnoseológicas hantianas,STAMMLER apela, como bitola, ao «Direito justo»,consonante com o «ideal social»; este seria definidocomo «a ideia de uma forma, incondicionalmenteválida, na qual a substância das aspirações sociaiscondicionadas se acolha ou a ideia de um métodogeral válido, segundo o qual, como lei fundamentalgeral e como medida orientadora formal, um querere exigir jurídico possa ser determinado» (10). Repé-tidamente afirmado como forma (11), o Direito pode-ria, afinal, apreender-se e desenvolver-se através dosquadros mentais disponíveis, num apriorismo teoréticotípico do idealismo.

O formalismo jurídico, nesta acepção,raramentefoi assumido com o desassombro stammleriano. Mas

ele manteve-se, persistente, graças' à subsistência dealguns dos fundamentais quadros neo-kantianos: aneparação entre o ser e o dever-ser, base de cortesHucessivos e convictos com as realidades transpor-t.adas pelos «seres normativos», a contraposição entreDireito e Moral e um isolamento das proposições jurí-dicas na sua própria estrutura, com desinteresse pelasHuas consequências e, num limite tantas vezes alcan-çado - ainda que contra o posicionamento expressode STAMMLER - pelo próprio plano teleológico dasnormas (12). A tendência, ainda hoje flagrante, dedifundir exposições jurídicas pejadas de definiçõesubstractas e de conexões amparadas apenas nos con-ceitos definidores de que provêm, ilustra, de modoeloquente, a implantação profunda do formalismojurídico.

lU. As codificações, essencialmente redutoras esimplificadoras, provocam, num primeiro tempo, ati-l,udes positivistas. Trata-se de uma conjunção facil-mente demonstrada na França pós-1804, na Alema-nha pós-1900 e em Portugal pós-1966. As fronteirasdo positivismo vão, no entanto, bem mais longe doque o indiciado pelos exegetismos subsequentes àscodificações. Os positivismos jurídicos, seja qual fora sua feição, compartilham o postulado básico da

(10) STAMMLER, Das Recht der SchuIdverhãItnisse cit.,42. A ideia seria retomada e desenvolvida em Die Lehre vondem richtigen Rechte 2 (1964, reimp.), 140 ss. (143).

(11) Cf.,p. ex., STAMMLER, Theorie der Rechtswis-senschaft (1911), 113 SS., 291 ss., e passim, Wesen des Rechtesund der Rechtswissenschaft (1913), 17, 26, 34 ss. e 43 eLehrbuch der Rechtsphilosophie 3 (1928), 55, 65, 98 e passim.O formalismo (neo-.kantiano) não foi implantado ex novo porST AMMLER; ele deriva do próprio KANT, com raízes no fra-casso do iluminismo ingénuo anterior e projectando-se, de mododirecto, em SA VIGNY, THIBAUT e nos seus seguidores. Cf.A. NEGRI, Alle origini deI formalismo giuridico (1962), II S3.,

98, 103 e passim.

(12) Cf., quanto a estes diversos aspectos, WOLFGANG,.,lKENTSCHER, Methoden des Rechts in vergleichenderDarstellung, III- Mitteleuropaischer Rechtskreis (1976), 7 ss.,21 ss. e 39.

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recusa de quaisquer «referências metafísicas» (1n).O universo das «referências metafísicas» - ou «filo-sóficas» (HECK) - alarga-se com a intensidade dopositivismo: são, sucessivamente, afastadas as con-siderações religiosas, filosóficas e políticas, nummovimento que priva, depois a Ciência do Direitode vários dos seus planos. No limite, cai-se na exegeseliteral dos textos, situação comum nos autores queconsideram intocáveis as fórmulas codificadas. Maso positivismo novecentista assumiu outras configura-ções, com relevo para a jurisprudência dos interesses,que exerceria, em Portugal, uma influência quaseconstante, até aos nossos dias.

A jurisprudência dos interesses afirmou-se na crí-tica ao conceptualismo anterior. Os conceitos nãopoderiam ser causais em relação às soluções que,pretensamente, lhes são imputadas: a causalidade dassaídas jurídicas deveria ser procurada nos interessesem presença (14). Aparentemente promissora, estaposição cedo limitou o alargamento juscientífico queveio potenciar. Procurando prevenir a intromissão dequalquer metajuridicismo, a jurisprudência dos inte-resses acabou por procurar os juizos que, sobre osinteresses, fossem formulados pelo próprio legisla-

dor ('I.). A limitação à lei e aos seus textos não sefaria esperar.

A jurisprudência dos interesses, pela voz delJ ECK, declarou, de modo reiterado, bater-se em duasfrentes: a da jurisprudência dos conceitos e a dadoutrina do Direito livre (lG). Mas o seu grande objec-tivo residiria antes numa terceira frente: a da Filoso-fia do Direito. E assim foi quer de modo directo, afir-mando a incapacidade das considerações metajurídicaspara intervir em casos concretos e7), quer de modoindirecto, através do apelo a «interesses» ou «reali-dades da vida» (18). A jurisprudência dos interessesLinha, assim, um sucesso fácil em perspectiva: elajustificava uma desatenção - quando não ignorân-cia - por temas que extravasassem os limites estrei-tos do jus positum.

IV. O formalismo e o positivismo, apresentados,respectivamente, como o predomínio de estruturasgnoseol6gicas de tipo neo-kantiano e como a recusa,na Ciência do Direito, de considerações não estrita-

(15) HECK, Begriffsbildung cit., 106, p. ex ..(1 G) HECK, Interessenjurisprudenz und Gesetzestreue,

DJZ 1905, 1140-1142, Begriffsbildung cit., 9 e Die Leugnungder Interessenjurisprudenz durch Hermann Isay, AcP 137(1933), 47-65.

(17) HECI\, Begriffsbildung cit., 9 e Rechtsphilosophieund Interessenjurisprudenz, AcP 143 (1937), 129-196.

(18) HECK, Die reine Rechtslehre und die jungosterrei-chische Schule der Rechtswissenschaft, AcP 122 (1924), 173-194(176) e Interessenjurisprudenz cit., 12.

(t::) Cf. T. TSATSOS, Zur Problematik des Rechtspositi-vismus (1964), 9-11.

(14) PHILIPP HECK, Weshalb ein von dem bürgerlichenRechte gesondertes Handelprivatrecht? AcP 92 (1902), 438-466(440-441), Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz (1932)72 58., 91 8S. e pa5sim, Das Problem der Rechtsgewinnung 2

(1932) 9 SS., e Interessenjurisprudenz (1933), 10 88..

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mente jurídico-positivas, constituem o grande lastrometodológico do século vinte.

No fundo, afloram aqui duas grandes cepas dopensamento jurídico moderno e contemporâneo: ojusracionalismo, ele próprio manifestação exacerbadado jusnaturalismo tradicional e o cientismo, transpo-sição para as humanísticas das posturas lntelectivasdesenvolvidas perante as Ciências da Natureza.

Este lastro, a sua apreciação crítica e as subse-quentes tentativas de superação condicionam todo opensamento jurídico deste final de século.

mais importante do que a própria valoração filosóficap,/ol>al do formalismo (20) é, no entanto, o concreto

(~,,) o formalismo stammleriano tem sido criticado por(/tws grandes linhas do pensamento jusfilosófico do século: oIwo-hegelianismo de BINDER, E. KAUFMANN e LARENZ e o1'I'6prio neo-kantismo tardio sudocidental alemão, com tónica('m R1CKERT, LASK eRADBRUCH. O neo-hegelianismo juri-dlco cOl"fespondeu ao influxo, no Direito, de uma evoluçãoMeral do pensamento filosófico, encarado como via para aHuperação dum neo-lwntismo que havia esgotado as potenciali-dades do seu discurso. A esse propósito, cf. os clássicosI lEINR1CH SCHOLZ, Die Bedeutung der Hegelschen Philo-sophie für das philosophische Denken der Gegenwart (1921),:1 ss., 24 ss. e 37 sS., HE1NR1CH LEVY, Die Hegel-Renaissanceill derdeutschen Philosophie (1927), 5, 17 ss. e 3D ss. e ER1CHKAUFMANN, Hegels Rechtsphilosophie (1931) = GesammelteSchriften, 3.' vol., Rechtsidee und Recht (1960), 285·296 (289).No campo jusfilosófico, o neo-hegelianismo também se impôspor. superação - mais do que por negação- do neo-kantismo.Num aspecto relevante e hoje quase esquecido, os primeiroscríticos de fundo a STAMMLER foram-no ainda, num prismaneo-kantiano: assim as observações de JULIUS B1NDER (entãona sua fase pré-hegeliana), Rechtsbegriff und Rechtsidee IBemerkungenzur Rechtsphilosophie Rudolf Stammlers (1915),V ss. e passim, retomadas com clareza por ER1CH KAUFMANN,Kritik der neukantischen Rechtsphilosophie I Eine Betrachtungi.\ber die Beziehung zwischen Philosophie und Rechtswissen-schaft(l921), 11, de que os conceitos stammlerianos puros sãoo resultado duma abstracção generalizante a partir da reali-dade jurídica empírica e não se impõem como conceitos cate-goriais apriorísticos, no sentido de KANT. Prosseguindo na viahegelianizante, B1NDER, enfocando, do Direito justo stammle-riano, uma aderência à juspositividade em termos meramenteteorético-abstractos, acaba por intentar a superação: «... é justaa norma jurídica que corresponda ao sentimento de justiça dealguém» e « ... a tarefa da pessoa pensante só pode estar em

2. Críticas: a necessidade do discurso cientificointegral

I. A crítica a um postulado jus científico temsempre, subjacente, a afirmação de um postulado denatureza diversa. Não obstante, tratando-se do for-malismo e do positivismo, podem ser adiantadasobservações que, por compartilhadas, hoje, pelosdiversos quadrantes do pensamento jurídico, devemconsiderar-se sedimentadas.

O formalismo assenta numa gnoseologia poucoconsentânea com os dados actuais da antropologia eda própria teoria do conhecimento. Na realidade, oconhecimento a priori tem sempre, subjacentes, qua-dros mentais comunicados do exterior (19) e, como tal,mutáveis, falíveis e sujeitos à crítica. Porventura

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apontar das suas insuficiências, quando transpostopara o domínio jurídico.

O primeiro óbice que se opõe ao formalismoreside na natureza histórico-cultural do Direito. Numaconquista da escola histórica contra o jusracionalismo

I/.Ill.ecedente, sabe-se que o Direito pertence a umac(//.egoria de realidades dadas por paulatina evoluçãoelas sociedades. A sua configuração apresenta-se, pelomenos ao actual estádio dos conhecimentos humanos,como o produto de uma inabarcável complexidadec(/usal que impossibilita, por completo, explicações

subir da subjectividade do sentimento à objectividade da razão,do sentimento, da ideia» - BINDER, Philosophie des Rechts(1925), 779 e 782. ERICH KAUFMANN, por seu turno, fazum diagnóstico correcto do formalismo neo-kantiano e dassuas consequências na Ciência do Direito: «Mostra-se, no neo--kantismo, o destino do racionalismo formal que só pode levara resultados através de empréstimos do empirismo, através decaptações de conteúdos, portanto, através de hipostasiaçõesinconscientes de dados empíricos para realidades metafisicasou através de substituições psicológicas e sociológicas dassuas formas puras» -K:ritik der neukantischen Rechtsphilo-sophie cit., IO-Il. Questionando, de modo repetido, o forma-lismo e a inútil e complicante contraposição entre forma econteúdo - Kritik cit., 7, 9, 14, 16, 18 45 e 98-99 - E. KAUF-MANN procede a uma admirável superação hegeliana do for-malismo neo-kantiano; diz ele: «Nem o seu (de STAMMLER)'ideal social' nem os seus 'princípios do Direito justo' bastam,no seu formalismo abstracto, para resolver esta questão agudado Direito privado (. ..) STAMMLER está em erro sobre o fun-damento verdadeiro das decisões dadas por ele com o mais finotacto jurídico: este não está (... ) numa sobreavaliação dogeral-abstracto, mas antes na concretização da relação jurídicaespecial»-E. KAUFMANN, Das Wesen des Võlkerrechts unddie clausula rebus sic stantibus / Rechtsphilosophische Studiezum Rechts-, Staats- und Vertragsbegriff (19Il), 206-207. Pro-põe-se, assim, a utilização do conceito geral-concreto hegeliano.Finalmente, LARENZ, numa primeira e mais filosófica parteda sua obra imensa, intenta, em reacção pemnte a esterilidadedo pensamento anterior, tirar partido, na FilOSOfiae na Ciênciado Direito, dasideias básicas de HEGEL. Como efeito, pode

((p~ntar-se, no discurso de LARENZ, a manutenção d.o idea-lismo, mas em termos críticos, a opção por desenvolVimentos(' investigações centrados em institutos concretos e o a.vanç.arcom recurso a um pensamento ondulado, à imagem da dla-léctica hegeliaria; cf. LARENZ, Hegels Zurechnungslehre undder Begriff der objektiven Zurechnung / Ein Beitrag zurRechtsphilosophie des kritischen Idealismus und zur Lehrevon der «juristichen Kausalitlit», V. ss., Das Prob.lem d:rRechtsgeltung (1929), 30 ss. e Hegels Begriff der PhdosophlelInd der Rechtsphilosophie, em BINDER / BUSSE I LARENZ,Einführung in Hegels Rechtsphilosophie (1931), 5-29.

O neo-kantismo sudocidental alemão intentou também umarevisão crítica do formalismo stammleriano. Para tanto, movi-mentou-se, particularmente, em duas directrizes: a da coloca-c:ão cultural do Direito - assim, HE1NR1CH R1CKERT, Kul-turwissenschaft lInd Naturwissenschaft (1910), 5 ss. e 139 ss.,c Die Probleme der Geschichtsphilosophie / Eine Einführung(1924), EMIL LASK, Rechtsphilosophie, em GesammelteSchriften 1.' voz. (1923), publ. EUGEN HERR1GER, 275-331(309) e GUSTAV RADBRUCH, Grundzüge der Rechtsphil~.sophie (1914), 184 ss. - e a da necessidade da complen;en~açaoelos esquemas formais com valores ou outras referenc~as-idem, RICKERT, Die Probleme 3 cit., Il5, LASK, RechtsphI1oso-phie cit., 313 ss. e RADBRUCH, Gundzüge c~t., 8~ ~s. De~taforma, ficaram abertas as portas para a ulteno~ «}unspruden-cia das valorações»; não obstante, a manutençao dos quadrosgnoseolóCTicos formais - cf., p. ex., R1CKERT, Der Gegenstandder Erke~ntnis ! Einführung in die Tranzendentalphilosophie G

(1928), 69, e passim - deixaria aberta a via para o irrealismometodológico.

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integralmente lógicas ou racionais. Assim sendo, oDireito deve ser conhecido de modo directo, tal comose apresenta; uma sua apreensão apriorística resultaimpossível.

O segundo obstáculo reside na incapacidade doformalismo perante a riqueza dos casos concretos.Na verdade, todas as construções formais assentamnum discurso de grande abstracção e, como tal, mar-cado pela extrema redução das suas proposições.Quando invocadas para resolver casos concretos, taisproposições mostram-se insuficientes: elas não com-portam os elementos que lhes facultem acompanhara diversidade de ocorrências e, daí, de soluções dife-renciadas.

"ao admite - não pode admitir ~ a presença delacunas (22) . E quando, levado pela evidência, acabeflor aceitá-las, não apresenta, para elas, qualquerllOlução material (23): a integração da lacuna - ope-

limitadas à estrutura formal-abstracta das fontes, demasiadol's/;,.ita perante a vida do Direito; cf. STEFAN HAMMER, Gel-tung und diskursive Legitimitat / Zur institutionellen Abhan-gígkeit der Geltungsbegriffs, em Rechtsgeltung, publ. SCABAVARGA / OTA WEINBERGER, ARSP BH 27 (1986), 37-50.

(22) Cf. KARL BERGBOHM, Jl..Irisprudenz und Rechtsphi-losophie, 1.0 (1982), 371 e 373. Fórmula similar equivale a admi-I.i,. lacunas, mas afirmando que elas terão sempre a sua inte-gração perante o sistema; cf. HERMANN HEITMANN, DieSteIlung der Interessenjurisprudenz innerhalb der Geschichteder juristischen Methodenlehre (1936), 21 ss. (25).

(23) Torna-se exemplar, a tal propósito, a posição dellECK: num caso concreto, pode faltar uma lei que .indiqueuma solução, ainda que por efeito remoto; há, então, querecorrer à analogia, ainda que de Direito; e «quando falhemos juízos de valor legais, então podem vir em consideração osjuízos de valor dominantes na comunidade jurídica e o própriojuízo de valor do juiz». Cf. HECK, Gesetzesauslegung cit.,230 e 238. A importância dada pela jurisprudência dos inte-resses às lacunas e à sua integração, num relevo que foi, naaltura, bem entendido - cf. OSKAR RIEDEL, Rechtslückenund Rechtsschõpfung / Ein Beitrag zur der Lückenlehre (1933)58 ss.- e que se tornava ainda maior pelo papel dado aosdenominados «conceitos de delegação» através dos quais olegislador, abdicando de decisões sobre os interesses em pre-sença, remete para o juiz a sua formulação - cf. HECK,Rechtsgewinnung 2 cit., 5, Begriffsbildung cit., 91 e 109,Grundriss des Schuldrechts (1929, reimpr. 1958),13 e 19 eDie Interessenjurisprudenz und ihre neuen Gegner, AcP 142(1936), 129-202 e 297-332 (316)- foi, pois, muito além dosresultados obtidos no domínio das técnicas da sua integração.

II. O positivismo, por seu turno, soçobra emquatro aspectos decisivos, todos eles reconheci-dos (21). Em primeiro lugar, um positivismo cabal

(21) Tem-se em vista, naturalmente, a noção de positi-vismo acima firmada e equivalente à recusa, no Direito, daintromissão de elementos de tipo «filosófico»; tal noção é,aliás, comum. Uma noção mais estrita, que reconduz o positi-vismo ao «positivismo dogmático» subsequente a THIBAUT,pode ser confrontado em DIETRICH TRIPP, Der Einfluss desnaturwissenschaftlichen, philosophischen und historischen Posi-tivismus auf die deutsche Rechtslehre im 19. Jahrhundert(1983), 168 ss. e 286, sendo viáveis outras noções_ além dopróprio TRIPP, cf., p. ex., LAWRENCE M. FRIEDMANN, DasRechtssystem im Blickfeld der Sozialwissenschaften (1981, versoaI.), 259 ss.. Não obstante, os resultados obtidos pelos «positi-vismos não-dogmáticos» permitem generalizar a crítica figuradano texto. Na verdade, não se joga uma questão de qualificação,mas da própria validade das decisões. Estas não podem ser

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ração que, por excelência, exige o contributo máximoda Ciência do Direito - realizar-se-á, pois, à margemdo pensamento jurídico.

Um tanto na mesma linha, verifica-se, depois, queo positivismo não tem meios para lidar com conceitosindeterminados, com normas em branco e, em geral,com proposições carecidas de preenchimento comvalorações: estas realidades, cada vez mais difundidase utilizadas nos diversos sectores do ordenamento,carecem, na verdade, de um tratamento que, porvezes, tem muito em comum com a integração daslacunas (24). E tal como nesta, também naquelas ojus positum pode não oferecer soluções operativas:o positivismo cairá, então, no arbítrio do julgador.

Muito importante na crítica ao positivismo é asua inoperacionalidade em situações de contradiçõesde princípios. A possibilidade de tais contradições,há muito presente em ENGISCH (25), por exemplo,encontra-se equacionada na presente obra, por CANA-RIS, numa esquematização que não oferece dúvidasou dificuldades. Ora, a postura metodológica jusposi-tiva não pode, perante o fenómeno, senão negá-Io,ignorá-Io ou remeter a sua solução para os acasosdas decisões subjectivas.

Finalmente, o juspositivismo detém-se perante aquestão complexa mas inevitável das normas injus-tas. Desde logo, a ideia de «injustiça» duma norma

t'C"gularmente produzida é de difícil- quiçá impos-ulvel- representação para as orientações que, dojus positum, tenham uma concepção auto-suficiente:falece uma bitola que viabilize o juízo de «injustiça»,De seguida, falta, ao positivismo, a capacidade para,perante injustiças ou inconveniências graves noDireito vigente, apontar soluções alternativas.

lU. As críticas acima alinhadas contra o forma-Iismo e o positivismo constatam, no fundo, a insu-ficiência de ambas essas posturas perante as neces-sidades da efectiva realização do Direito. Esta, con-tudo, não se detém: obrigado, pela proibição donon liquet, a decidir, o julgador encontrará sempreuma qualquer solução, mesmo havendo lacuna, con-ceito indeterminado, contradição de princípios ouinjustiça grave. Munido, porém, de instrumentaçãomeramente formal ou positiva, o julgador terá deprocurar, noutras latitudes, as bases da decisão.A experiência, a sensibilidade, certos elementos extra-"positivos e, no limite, o arbítrio do subjectivo, serãoutilizados. Dos múltiplos inconvenientes daqui emer-gentes, dois sobressaem: por um lado, a fundamenta-ção que se apresente será aparente: as verdadeirasrazões da decisão, estranhas aos níveis juspositivosda linguagem, não transparecem na decisão, inviabili-zando o seu controlo; por outro, o verdadeiro eültimo processo de realização do Direito escapa àCiência dos juristas: a decisão concreta é fruto, afi-nal, não da Ciência do Direito, mas de factores des-conhecidos para ela, comprometendo, com gravidade,

(24) Assim, vide as referências de HECK aos «conceitosde delegação» citadas na nota anterior.

(25) . KARL ENGISCH, Die Einheit der Rechtsordnung(1935), 64.

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a previsibilidade, a seriedade e a própria justiça dedecisão.

Num paradoxo aparente em que as humanísticassão pródigas: o formalismoe o positivismo, tantasvezes preconizados em nome da segurança do Direitoacabam por surgir como importantes factores deinsegurança.

a resolução dos problemas. Assim, do Direito, se fezuma Ciência.

A meditação sobre as bases, os fundamentos, ajustificação e o· modo de operar da Ciência doDireito - portanto, de algum modo, o nível filosóficoe metodológico .do Direito - acompanhou, duranteboa parte do seu percurso milenário, toda a Filosofiadas Ciências Humanas.

IV. Eis, pois, o desafio. Confrontado com asinsuficiêncfas do formalismo e do positivismo, o dis-curso jurídico tem de, como primeira tarefa, ampliar asua base de incidência. Todo o processo de realizaçãode Direito, portanto todos os factores que interferem,justificam ou explicam as decisões jurídicas, devemser incluídos no discurso jus científico.

Noutros termos: o discurso científico deve serintegral.

n. A situação descrita viria a alterar-se. Designa-damente com SA VIGNY e a escola histórica, proce-deu-se à confecção de um método puramente jurí-dico (26). Esse método, que era suposto correspondera um discurso sobre o processo de realização doDireito vai, ele próprio, tornar-se objecto de novosdiscursos.

Ou seja, num fenómeno que a moderna Filosofiada Linguagem bem permite isolar, pode considerar-seque a autonomização metodol6gica do Direito com-portou um preço: o do aparecimento dum metadis-curso que, por objecto, tem não já o Direito, mas opróprio discurso sobre o Direito. Surge, então, umametalinguagem, com metaconceitos e toda umasequência abstracta que acaba por não ter já qual-quer contacto com a resolução dos casos con-cretos (27).

L O Direito é um modo de resolver casos con-cretos. Assim sendo, ele sempre teve uma particularaptidão para aderir à realidade: mesmo quando desam-parado pela reflexão dos juristas, o Direito foi, aolongo da Hist6ria, procurando as soluções possíveis.A preocupação harmonizadora dos jurisprudentesromanos permitiu um passo da maior importância,que não mais se perderia: a procura incessante deregras pré-determinadas ou pré-determináveis para

(26) Subjacente a esta posição está o conhecido e neo--kantiano esquema da formação intuitiva dos conceitos, a partirdas instituições históricas. Mais longe, há que procurar raizesno jusracionalismo e no cogito cartesiano.

(27) Cf. FRITJOF HAFT, Juristische Logik 3 (1985), 83 S8 .•

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IH. A resposta metodológica à crise aberta pelodesabar das grandes construções formalistas e posi-tivistas seguiu caminhos diversificados, abaixo aludi-dos. Tais caminhos elevaram-se, porém, a metadis.cursos jurídicos: simples discursos sobre um jáesgotado discurso metodológico, dominado pelas cate-gorias interpretativas savignyanas e pelo funciona-lismo tardio de HECK, eles perderam ocontactocom a solução dos casos concretos. No Direito pri-vado, o fenómeno pode ser equacionado com aafirmação de que - e.. pelo menos, até há poucotempo - e desde a já centenária jurisprudência dosinteresses, não há qualquer influxo do discurso meto-dológico sobre o próprio Direito (28). Domina o irrea-lismo metodológico (29).

IV. O irrealismo metodológico, enquanto fenó-meno histórico-cultural devidamente situado, emergeduma complexidade causal de análise difícil. Comofoi dito, ele tem, na base, a incapacidade demons-trada pelos esquemas formalistas tradicionais e pelojuspositivismo em acompanhar as novas necessidadesenfrentadas pelo Direito. Mas tal factor, já de siimportante, viu o seu influxo multiplicado pela espe-cialização dos juristas.

No período do Direito comum, os diversos ramosjurídico-normativos eram cultivados pela generalidadedos juristas. A evolução subsequente implicou umdesenvolvimento sem precedentes, em termos quan-titativos, do material requerido para a solução decasos concretos. A multiplicação das fontes, da dou-trina e da jurisprudência e a própria complexizaçãodas situações vocacionadas para a intervenção doDireito, atingiram, ao longo deste século, uma propor-ção que inviabiliza qualquer controlo alargado, rea-lizado por uma única pessoa.

A especialização fez, então, uma aparição inten-siva, começando, em pouco tempo, a revelar efeitosprofundos. Fracturas culturais acusam uma presençacrescente. Num primeiro tempo, este fenómeno, ini-cialmente pouco patente, veio conduzir, por exemplo,o Direito privado, o Direito administrativo e o Direitopenal, para vias jusculturais diferentes; a Metodolo-gia e a Filosofia do Direito eram cultivadas, inde-

(28) Esta situação, ainda que não desenvolvida, tem sidosugerida por diversos autores. Assim, cf. KARL LARENZ,Methodenlehre der Rechtswissenschaft 5 (1983), 57-58, RE1MERSCHMIDT, Die Bedeutung der Entwicklung von Wirtschaft undWirtschaftsrecht für das klassische Privatrecht / Eine SkizzeFS Nipperdey I (1965), 687-699 e HANS-MARTLN PA WLO~WSKI, Gedanken zur Methode der Gesetzesauslegung, AcP 160(1961), 209-237 (210-211).

(29) A demonstração cabal desta afirmação exige umainvestigação dogmática que siga a evolução de um institutomarcadamente sensível às flutuações metodológicas subjacen-tes; quando se verifique que tal instituto revela, a partir decerto estádio, uma total insensibilidade ao discurso metodo-lógico, ao ponto de os próprios autores que defendem certasorientações de base, se mostrarem incapazes de proceder, noinstituto em causa, a qualquer aplicação, há que concluir:o discurso metodológico é, na realidade, um metadiscurso

irreal. Intentou-se proceder a essa investigação em MENEZESCORDEIRO, Da boa fé no Direito civil (1984); cf., aí, em espe-cial, o 1.0 voZ., 395 ss ..

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pendentemente, por juristas dogmáticos de qualquerdesses domínios. Depois, porém, foi-se mais longe.Os próprios níveis metodológicos e filosóficos sofre-ram os influxos da especialização: vieram a ser apro-fundados por estudiosos que, do Direito, não tinhamjá qualquer valência efectiva. Por seu turno, o círculofechou-se quando os desenvolvimentos metodológicose filosóficos atingiram uma dimensão de profundidadee hermetismo tais que não mais foram acessíveis aosnão-iniciados.

11- PERSPECTIVAS METODOLóGICASNA MUDANÇA DO SÉCULO

V. O irrealismo metodológico veio, pelos facto-res genéricos apontados e, ainda, pela especializaçãodos juristas, a atingir proporções consideráveis. Ummetadiscurso inacessível para os juristas comuns esem preocupações juspositivas contracenava comuma Ciência Jurídica estiolada ao nível da vetustajurisprudência dos interesses.

A evolução do Direito, comandada por oscilaçõesambientais nunca repetidas, colocava os juristasperante situações desconhecidas que requeriam solu-ções.

Tal o dilema da Ciência do Direito no final doséculo vinte: perante problemas novos, ou se inten-sifica um metadiscurso metodológico irreal, inaplicá-vel a questões concretas e logo indiferente ao Direito,ou se pratica um formalismo ou um positivismo derecurso. Em qualquer dos casos, as soluções sãoora inadequadas ora assentes em fundamentaçõesaparentes, escapando ao controlo da Ciência doDireito.

L No rescaldo do desabar dos grandes sistemasjusfilosóficos, o pensamento jurídico deteve-se peranteo dilema positivismo-i'rrealismo metodológico. Algu-mas pontes foram, contudo, conservadas: o. Direitoefectivo manteve certa atenção junto dos metadis-cursos metodológicos, esforçando-se, ainda que commuita moderação, por captar algumas das maisimpressivas directrizes por eles elaboradas.

Na década de oitenta, embora com raízes ante-riores, poderá mesmo falar-se em discursos metodo-lógico-dogmáticos que intentaram quebrar o dilema.Nesta linha situa-se - e com carácter pioneiro - aobra de CLAUS- WILHELM CANARIS, de que o livroagora traduzido em língua portuguesa é exemplosignificativo. Tais discursos exprimem o resultado depercursos longos, por vezes complexos, abaixo esque-matizados e que se poderão considerar como produtosevoluídos, respectivamente, das tradições positivas,forma listas e sistemáticas. São possíveis novas sín-teses, que à crítica compete avaliar.

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n. Impõe-se, antes de mais, um conspecto geralda panorâmica jusmetodológica ora dominante. Comopano de fundo, pode falar-se no abandono das gran-des construções jusfilosóficas. Para tanto, contribuí-ram factores variados mas convergentes: um certonihilismo correspondente à queda do Direito natu-ral (30), um relativismo extremo no tocante àMoral (31), um agnosticismo crítico contrário a quais-quer tomadas de posições e, porventura, uma progres-siva assimilação da natureza histórico-cultural doDireito, agora entendida como base de um novo huma-nismo, fonte autónoma de soluções (32). Tem-se, de

facto, vindo a assentar na coexistência, no domíniojurídico, de múltiplas camadas normativas, surgidasem obediência a variáveis muito diversificadas. Umexemplo claro é constituído pelo Direito civil d~ hoje,e, nos espaços onde houve recepção do pandectismo:pense-se no Direito romano actual, patente em Obri-gações e Reais, no Direito comum da Família e dasSucessões e no jusracionalismo da Parte Geral. Nasdisciplinas mais recentes, como no Direito da Econo-mia ou no Direito do Trabalho, vai-se mais longe:lado a lado, convivem regras aprovadas com objecti-vos diferentes, por vezes mesmo contraditórios.

O abandono das grandes construções jusfilosófi-cas deu lugar a um ecletismo redutor: perante osdiversos problemas, todas as correntes do pensamentosão, em princípio, chamadas a depôr. Tal posturasó é possível à custa de uma simplificação das dou-trinas, com custos evidentes para a sua profun-didade.

A redução das ideias a uns quantos brocardossurge, ao lado do abandono das grandes construções,como um factor genérico da panorâmica jusmetodo-lógica da actualidade. Pouco assumida, ela tem sido,no entanto, justificada com a autonomia da Metodo-logia jurídica perante a Filosofia (33) e, dentro da pró-pria Metodologia, com o apelo a uma especializaçãopor áreas diferenciadas como a lógica deôntica, a

('10) Cf. MOTOTSUGO NISHINO, Ein Versuch zur Rekons-truktion der Rechtsontologie, em East und West / Legal Philo-sophie in Japan, ARSP BH 30 (1987), 130-138 (130) e FRANZHORNER, Die neuscholastische Naturrechtslehre: Mõglichkei-ten und Grenzen, em Woraus kann man sich noch berufen?Dauer und Wandel von Normen im Umbruchszeiten, ARSPBH 29 (1987), 19-33.

(31) PETER KOLLER, Über SinnfãIligkeit und Grenzendes moralischen Relativismus, ARSP BH 29 cito (1987), 55-70;em «tempos cínicos» fala a tal propósito, ILMAR TAMMELO,Zur Philosophie der Gerechtigkeit (1982), 135; a relatividadehistórica e o relativismo da cultura e dos conceitos são enfo-cados em ROLF ZIMMERMANN, Wahrheit - Sinndeutung _Kritik / Eine elementare Positionsbestimmung zur Philosophieder Sozialwissenschaften, ARSP LXXII (1986), 1-20.

('12) O relativismo e o irracionalismo subjacente surgiamjá, de algum modo, no segundo JHERING - cf. TRIPP, DerEinfluss des naturwissenschaftlichen, philosophischen und his-torischen Positivismus cit., 257 ss. que, por isso, fala em «falsopositivismo»; a evolução então iniciada conduziu, porém, tão-só,a um encurtar do horizonte operativo posto à disposição daCiência do Direito, através do positivismo subsequente.

(":l) Cf. GüRG HAVERKATE, Gewissheitsverluste imjuristischen Denken / Zur politischen Funktion der juristischenMethode (1977), 12.

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hermenêutica, a semântica ou a informática (34). Emtermos muito gerais, pode considerar-se que a simpli-ficação redutora referenciada potencia novas sínteses.Mas abre sempre as portas a um empobrecimentocultural, com perdas evidentes para o conhecimentoda realidade.

IH. A jurisprudência dos interesses reduzira, emextremo, as referências atendíveis, para efeitos deresolução de casos jurídicos. A coberto dum apeloà «realidade da vida», tudo quanto extravasasse osjuízos do legislador era rejeitado ou esquecido.

Só bastante mais tarde, num esforço constante,se procedeu a um alargamento paulatino dos elemen-tos relevantes para o decidir jurídico. Três notaspodem, nesse particular, ser salientadas: os apelosao raciúnalismo, à Moral e à Política.

O racionalismo - agora não entendido apenascomo um conhecimento pela razão, mas antes comoum progredir metódico, norteado por regras (35) -vai facultan uma recuperação de elementos para oprocesso de realização do Direito (3G); a própria críticahistórica, sempre de base racional, a tanto con-

duz (37), sendo certo que, em qualquer circunstância,o ponto de vista racional é sempre ponderado (38).

A Moral, apesar de todo o relativismo que nelase queira introduzir, existe e condiciona a vida queo Direito legitima; além disso, sublinha-se hoje quealguns dos seus princípios são objectivamentedemonstráveis (39), com ganhos evidentes, para umainterpenetração com certos níveis jurídicos de deci-são. O tema será abaixo retomado, a propósito dajurisprudência ética.

A Política, por fim, no sentido nobre do termo,sem propriamente instrumentalizar o Direito, na linhadas leituras mais radicais (40), permite conhecer mais

(34) G. ZACCARIA, Deutsche und italienische Tendenzenin der neueren Rechtsmethodologie, ARSP LXXII (1986), 291--314 (291).

(35) Portanto uma Verfahrensrationalitat e não, tão-só,um Vernunfterkenntnis; cf. RUDOLF STRANZINGER, Rationa-litatskriterien für Gerechtigkeit, ARSP BH 29 (1987), 101-129e JAN M. BROEKMAN, Der Rationalitat des juristischenDiskurses emWerner Krawietz I Robert Alexy, Metatheoriejuristischer Argumentation (1987), 89-125 (113-114).

('lU) Vide, p. ex., os conhecidos contributos de KARLI~. POPPER sobre probabilidades e verosimilhança - Logik derForschung (1982, 1.. ed., 1935), 144 ss. - ou sobre a teoriaracional da tradição - Conjectures and Refutations: theGrouth of Scientific Knowledge (1965), 120 ss ..

(':O) Ainda de KARL POPPER, recorde-se Das Elend desIli:;lorizismus" (/9(;9) e, na1uralmenl:e, Die offene GesellschaftlInü ihre Feind(~" (I !iHO).

C'i) Cf. CIllVSTOPH VON METTENHEIM, Recht undRationaliUit (1984), (i2 sS., HAVERKATE, Gewissheitsverlusteim juristischen Denken cit, 33 sS., ARTHUR KAUFMANN,Ober die Wissenschaftlichkcit der Rechtswissenschaft, ARSPLXXII (1986), 425-442 (425 ss.) e STRANZINGER, Rationali-von Recht und Moral, ARSP BH 29 (1987), 154-166.

('\9) Cf. OTA WEINBERGER, Freiheit und die Trennungvon Recht und Moral, ARSP BM 29 (1987), 154-166.

(40) Refira-se a obra Materialismus und Idealismus imRechtsdenken I Geschichte und Gegenwart, publ. KARL A.MOLLNAN, ARSP BI-! 31 (1987), onde se pode seguir oestado da questão na República Democrática Alemã e, aí, em

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profundamente o método jurídico, no qual sempreaflora (41); intervém no processo de formação dasleis (42) e recorda a presença, ao lado de um esquemateoréticO' de normas jurídicas, de «normas sociais»nem sempre, com ele, concordantes (43).

O alargamento potenciado por estes factores-aliás apenas exemplificativos - rasgaria novos hori-zontes dogmáticos.

da jurisprudência dos interesses e, em geral, do posi-tivismo jurídico. O influxo da Filosofia dos valores,presente, aliás, no neo-kantismo (44), permitiu uma[:ransposição: a uma ponderação de interesses causal-mente considerados pelo legislador contrapõe-se umsopesar de valores (45); a solução final não poderia,numa clara tradição heckiana, ser o produto de qua-lificações conceptuais, antes advindo do peso rela-Uvo dos valores subjacentes (46). Deve aliás afir-mar-se, com frontalidade, que o apelo muito comum,feito na literatura do segundo pós-guerra, à ({juris-prudência das valorações», considerada mesmo domi-rull1te nalguma doutrina, não tem suscitado estudoscuidados minimamente compatíveis com essa afirma-

IV. No alargamento progressivo dos dados sujei-tos a tratamento jurídico, teve peso a denominadajurisprudência das valorações. Na sua base encon-tra-se a insatisfação causada pela manutenção tardia

especial, LOTHAR LOTZE, Das Recht aIs Instrument, 162-167e WERNER MAIHOFER, Idealismus und Materialismus imRechtsdenken der Gegenwart, 185-195.

(41) HAVERKATE, Ge"wissheitsverluste im juristischenDenken cit., 55 ss., VON METTENHEIM, Recht und Rationa-litãt cit., 64 e 86, com particular referência a POPPER eHORST ZINKE, Die Erkenntniswert politischer Argumente inder Anwendung und wissenschaftlichen Darstellung des Zivil-rechts / Eine Untersuchung zur Bedeutung der «kritiscl1enTheorie» für die Jurisprudenz (1982), 24 ss ..

(42) Na qual intervêm disciplinas diversificadas como oconstitucionalismo, a teoria do Direito, a Filosofia, a Sociolo-gia, a Ciência Política, a Economia e as Finanças; cf. HER-MANN HILL, Einführung in die GesetzgebungsIehre, Jura1986, 57-67 (57) e Rechtsdogmatische ProbIeme der Gesetzge-bung, Jura 1986, 286-296.

(43) Cf. PAUL TRAPPE, Prozesse der M.acht in der pIura-listischen Demokratie, ARSP BH 29 (1987), 142-153 e KARL--JüRGEN BIEBACK, Inhalt und Funktion des SoziaIstaatsprin-zips, Jura 1987, 229-237 (237).

(44) A referência a «valores» logo recorda a contraposi-':úo, de raiz kantiana, entre o «ser» e o «dever-ser» - cf.RICKERT, Der Gegenstand der Erkenntnis cit., 214; além disso,da é comum na literatura mais característica da primeiraparte do século XX - p. ex., RADBRUCH, Grundzüge cit.,1!4 88., LASK, Rechtsphilosophie cit., 281 e R1CKERT, Ge-~a:hichtsphilosophie 3 cit., 115. Vide ROBERT REININGER,Wcrtphilosophie und Ethik 2 (1946), 143 ss ..

(1o) Cf. LARENZ, Methodenlehre 5 cit., 117 ss. e 205 ss.,WOLFGANG F1KENTSCHER, Methoden des Rechts in vergIei-.'llendar Darstellung, 1II - Mitteleuropãischer Rechtskreis(1!/7G), 307 ss. e IV - Dogmatischer Teil (1977), 381 ss. eJ IANS lJATTENHAUER, Die geistesgeschichtlichen GrundIagendl'~; dcutschen Rechts 3 (1987), 183 88.•

(") HARRY WESTERMANN, Wesen und Grenzen derril'ilterlichen Streitentscheidung im Zivilrecht (1955), 12 ss. eIIEIN1?JCH KRONSTEIN, RechtsausIegung im wertgebundenenI{,'('ht (1957), 26 s ..

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ção (47). No fundo, jogou-se uma reconversão línguís-tica de grandes dimensões que, à custa da precisãodas palavras, intentou compôr uma imagem não posi-tivista de uma jurisprudência envelhecida. Partindoduma certa preocupação em alargar as bitolas deponderação de interesses (48), - incluindo, de novo,o recurso ao sistema e aos conceitos (49) - a juris-prudência das valorações, por falta de desenvolvimen-tos que capacitassem uma intervenção efectiva, aca-bou por surgir como uma das áreas que maior gua-rida assegurou ao irrealismo metodológico.

Na verdade, seria necessário aguardar as véspe-ras da década de 80 para, através das investigações

de BIHLER, se alcançar uma ideia mais precisa de«valoração»; esta viria, então, a ser entendida comoum processo tendente ao aparecimento dum senti-mento jurídico o qual, por seu turno, traduz umesquema de identificação espontâneo, num conflitojurídico, com uma das posições em presença (úO) .O manuseio destas noções exige, porém, uma instru-mentação desenvolvida já por um pensamento jurí-dico bem diverso (51).

V. Finalmente, a panorâmica metodológica defundo requer uma particular referência à «jurispru-dência ética».

A Moral, assente numa afirmada interioridade,foi, na tradição de KANT, mantida diferente doDireito, fenómeno exterior (52). A separação daí resul-(47) Cf. ERNST MEYER, Grundzüge einer systemorien-

tierten Wertungsjurisprudenz (1984), 5. Quanto à difusão dajurisprudência das valorações, cf. RENÊ A. RHINOW,Rechtssetzung und Methodik (1979), 26 SS ••

(48) Assim: HELMUT COlNG, System, Geschichte undInteresse in der Privatrechtswissenschaft, JZ 1951, 481-485(483 e 485); HEINRICH HUBMANN, Grundsãtze der Interes-senabwãgung, AcP 155 (1956), 85-134 (97 ss.) e Wertung undAbwãgung im Recht (1977), 3 ss.; HANS-MARTIN PAWLO-WSKI, Problematik der Interessenjurisprudenz, NJW 1958,1561-1565;JOSEF ESSER, Interessenjurisprudenz heute, JurJb1 (1960), 111-119 (17); WOLFGANG FIKENTSCHER, RoscoePound I Von der Zweckjurisprudenz zur «Sociological Juris-prudence», FS Larenz/70 (1973), 93-108.

(49) Cf., em especial, PAWLOWSKI, Zum sog. VerfoI-gungsrecht des Gerichtsvollziehers I Eine Kritik der Interessen-und Wertungsjurisprudenz, AcP 175 (975), 189-221 (219 ss.),Die Funktion des Wertbegriffs in der Rechtswissenschaft, JuS1976, 351-356 (352 8S.) e Methodenlehre für Juristen I Theorieder Normen und des Gesetzes (1981), 60 8S .•

(:;0) MICHAEL BIHLER, Rechtsgefühl, System und Wer-I.ung I Ein Beitrag zur PsykoIogie der Rechtsgewinnung (1979),59, G8, 135, 142 ss. e passim.

(til) Cf. ERNST MEYER, Grundzüge einer systemorien-Uerten Wertungsjurisprudenz cit., 12 (funcionalidade), 42 ss.(lrermenêutica), 59 ss. (teoria unitária da interpretação doDireito e da interpretação criativa do Direito), etc. MEYER,oh. cit., 23, apenas aponta um papel efectivo da jurisprudênciadl/s valorações no domínio do Direito geral da personalidade.

(r,2) Cf. HEINRICH HENKEL, Einführung in die Rechts-philosophie 2 (1977), 78-79 e KARL ENGISCH, Auf der Suchennch der Gerechtigkeit / Haupttemen der Rechtsphilosophie(/1)71), 87. Vide, ainda, GOTTHARD PAULUS, Die juristischeI'ragestellung des Naturrechts (979), 11, AMANDUS1\ LTMANN, Freiheit im SpiegeI des rationalen Gesetzes bei Kant(UlH2), 44 S8. e HEINRICH GEDDERT, Recht und lVIoraI i ZumSinll cincs alten ProbIems (1984), 41 ss., 86 ss. e 104 ss..

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tante e um exacerbar da relatividade da Moral (53) -no fundo um expediente linguístico para melhorentronizar o positivismo - a par com o declínio doDireito natural, vieram, progressivamente, a eliminarquaisquer critérios de apreciação da Ordem Jurídica.Esta não poderá ser bitola de si própria.

As Ciências Humanas dos nossos dias permitemencarar a uma nova luz estes problemas clássicos.Na verdade, a Moral, num dado antropológico objec-tivamente demonstrável é, ainda, um fenómeno dacultura. Assim, ela depende sempre de uma aprendi-zagem sendo, nessa medida, imposta do exterior. Asregras de conduta - jurídicas ou morais - com oscompetentes códigos de «permitido)}, «proibido)} ou«obrigatório)} são ministradas aos sujeitos sem umaparticular diferenciação (5';). A superação de KANT -e de novo os quadros hegelianos têm aqui um papel-permite reponderar, agora com o apontado reforçoantropológico, novas equações para o problema.A Moral representa uma cultura (55), uma organiza-ção global (56) e conflui, com as suas finalidades, no

reforço da organização global - portanto da socie-dade e das suas projecções - em que se inclua ou aque pertença (57).

As regras jurídicas distinguem-se das demaisregras sociais, apenas, pela sua inclusão assumidanum particular processo de decisão, ou seja: pela suasujeição estrita à Ciência do Direito (58). Mas issonão absorve todas as regras. À necessidade de ele-mentos suprapositivos (59) soma-se o realismo no esta-belecer das soluções: estas, fatalmente influenciadaspelos cenários culturais que presidem ao seu encon-trar, apresentam sempre níveis éticos que não devem

~

ser ignorados (60). VilÉ, pois, hoje um lugar-comum: a jurisprudência / i ·

r _ deve ser - ética (61). Resta saber se não há, aqui,. u novo logro linguístico.

(57) JORGEN HABERMAS, Strukturwandel der õffen-l:1ichkeit / Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichenGcsellschaft (1969), 127.

(58) Cf. H. GEDDERT, Recht und Moral cit., 309 SS••

(59) ADALBERT PODLECH, Recht und Moral, RTh 3(1972), 129-148 (133) e RUPPERT SCHREIBER, Ethische Sys-teme aIs Kriterien zur Bewertung von Rechtsordnungen, emJLMAR TAMMELO I AULIS AARN10, Zum Fortschritt vonThcorie und Technik in Recht und Ethik, RTh BH 3 (1981),255-261.

(GO) Cf. LOTHAR PH1LIPPS, über Relationen-im Rechts-leben und in der Normlogik, RTh BH 3 cito (1981), 123·139.

(01) Cf., ainda, p. ex., HERBERT SCHAMBECK, Richter-nmt und Ethik (1982), 18 ss. e M1CHAELA STRASSER,Notwendigkeit eines Gerichtigkeitsbegriffes in einer Gesell-Rchaftsvertragstheorie, RTh BH 3 cito (1981), 281-291.

(53) PETER KDLLER, über sinnfalligkeit und Grenzen desmoralischen Relativismus cit., 50 ss ..

(54) ROSEMARIE POHLMANN, Recht und Moral / Kom-petenztheoretisch betrachtet, ARSP BH 13 (1980), 225-242(230 ss.), que se apoia na teoria moral cognitivo-genética, deKOHLBERG.

(55) W1LHELM SAUER, System der Rechts- und Sozial-philosophie 2 (1949), 211.

(56) ER1CH FECHNER, Rechtsphilosophie / Soziologieund Methaphysik des Rechts 2 (1962), 196.

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Para além de alguns traços comuns, com relevopara o reivindicar dessa tradição, a teoria analíticado Direito não tem unidade: ela comporta múltiplosdesenvolvimentos independentes, que se alargamdesde a ideia de common sense até ao conhecimento

~

(! manuseio da linguagem (63) . Firme no aforismouutoritas, non veritas, facit legem, a teoria analítica('; positivista no sentido mais estrito do termo, numasituação agravada, no Continente, pela aproxirnaçãoao normativismo helseniano (64). Outras das suascaracterísticas, em simplificada generalização, podemser formuladas com recurso às seguintes proposi-c.:ões(U5): ela implica uma posição empírica, mas racio-

L Sobre o pano de fundo acima esquematizadosurgem, depois, algumas correntes de pensamentoque importa conhecer. Assim sucede com a teoriaanalítica do Direito ou jurisprudência analítica.

A jurisprudência analítica tem, na origem, transfe-rências culturais operadas do espaço anglo-saxónicopara o continental e, particularmente, para aRepública Federal Alemã e para Itália. O condiciona-lismo político-económico do segundo pós-guerra surgefavorável a esse tipo de transferência; além disso, omodo de pensar «analítico», com as suas classifica-ções de normas e princípios, com o seu positivismoagravado e com o jusracionalismo de recurso quesempre o informa, confluiu no produto tardio dajurisprudência dos interesses. A evolução da jurispru-dência analítica conduziu, contudo, nos últimos anos,a latitudes inesperadas para o núcleo primordial dessetipo de pensamento.

(63) Cf. WOLFGANG MINCKE, Die finnische Rechts-lhcorie unter dem Einfluss der Analytischen Philosophie (1979),I) li5. e K. OPALEK, Sprachphilosophie und Jurisprudenz, emlmA WIETZ/OPALEK/PECZENIK/SCHRAMM, Argumentationund Hermeneutik in der Jurisprudenz, RTh BH 1 (1979), 153-161(/!ii/-154). Em geral, vide: Sprache und Analysis, publ. RÜD1-GER BUBNER (1968); C. A. VAN PEURSEN, Phãnomenologieund analytische Philosophie (1969); JOHN HOSPERS, AnIntroduction to Philosophical Analysis2 (1970), cuja 5implesordenação da matéria é eloquente; por fim, DIRK KOPPEL-II1:1RG,Die Aufhebung der analytischen Philosophie / QuineaIs Synthese von Carnap und Neurath (1987).

(111) Em especial, G. ZACCARIA, Deutsche und italieni-sche Tendenzen in der neueren Rechtsmethodologie, ARSPLXXII (1986), 291-314 (297). Cf. P. MAZUREK, AnalytischeRechtstheorie, em ARTHUR KAUFMANN / WINFRIED HAS-'sEMER, Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie derC:egenwart (1977), 164-173 (164 55.).

(II~) Cf. ZACCARIA, Deutsche und italienische TendenzendI.. 294, RAFFAELE DE GIORGI, Wahrheit und Legitimation

n. Como foi dito, a jurisprudência analíticaassenta em transposições culturais anglo-saxónicas,realizadas para o Continente europeu. Teve um par-ticular relevo a divulgação da obra de HART (62),fruto de uma tradição que remonta a AUSTIN, aBENTHAM e a HOBRES.

(62) Cf. H. L. A. HART, O Conceito de Direito, trad. portode ARMINDO RIBEIRO MENDES, ed. Fundação Calouste Gul-benkian (1987).

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nalista e antimetafísica; ela cultiva a clareza concei-tual, preocupando-se com a linguagem e a sua utili-zação; admite uma contraposição intrínseca entreproposições descritivas e prescritivas; aceita aadstringência da lógica; proclama a excelência dacrítica ética às soluções preconizadas pelo Direito.

WITTGENSTEIN (69), chegou-se à ideia do relevoHlIlJstantivo da linguagem (70). Este aspecto - que nãolU! liga, como consequência, à jurisprudência analíticaconl:inental, embora lhe deva a sua divulgação - temClI LOrme importância, sendo difícil prever até ondepoderá obrigar à revisão da doutrina jurídica tradi-donal: a linguagem não é simbólica: ela corporiza as/Jr()prias ideias, viabilizando-as, condicionando-as ou(lntendo-as na fonte - o próprio espírito humano-facultando a sua aprendizagem e divulgação e abrindoWl {lortas à crítica e às reformulações. Tocar na lin-HLwgem é tocar nas ideias. Além disso, a próprialinguagem pode suportar o discurso, assim erguido11 metadiscurso, num fenómeno que, com facilidade,pode passar despercebido: toma-se, então, por dis-curso jurídico o que mais não é do que um locubrarl/obre dados linguísticos pré-elaborados (71).

IH. O empirismo da jurisprudência analíticaprende-se ao pragmatismo do início. As derivaçõesoperadas são, contudo, de tipo dedutivo, numa pos-tura agravada pela recusa de intromissões morais (66).A racionalidade omnipresente intenta apresentar-semais a nível de fundamentação das soluções do queno plano da pesquisa dos pontos de partida (67).

A clareza conceitual, a reflectir na linguagem,cifrou-se, desde logo, no ordinary language approachpreconizado para a abordagem da teoria filosó-fica (68). Posteriormente, foi-se mais longe: na sequên-cia da teoria dos jogos de linguagem apresentada por

(tio) Tem-se em vista a segunda fase de W1TTGENSTE1N,portanto a das Philosophical Investigations, em contraposição() do Tractatus Logico-Philosophicus, ainda pre80 pela ideia daI/l'tll-ralidade da linguagem; cf. LUDW1G WITTGENSTE1N,S(:hriften, 8 voZ., (1964). Vide E. e W. LEINFELLNER / H./lfo:RGHEL / A. HÜBNER, Wittgenstein and his Impact on(:ontcmporary Thought / und sein Einfluss auf die gegenwar-ligo Philosophie (1980) e ERNST TUGENDHAT, Selbstbe-wusstsein und Selbtbestimmung / Sprachanalytische Interpre-llllloncn (1979), 91 88 e 114 8S ••

eO) FR1TJOF HAFT, Juristische Rhetorik 3 cit., 83 88.ImNST TUGENDHAT, Vorlesung zur Einführung in die sprach-IlIll1lytische Philosophie (1976), 197 88.•

("1) Cf. FR1TJOF HAFT, Recht und Sprache, em/(li I/FMANN / HASSEMER, Einführung in RechtsphilosophielIlHI Rcchtstheorie der Gegenwart (1977), 112-131.

im Recht / Ein Beitrag zur Neubegründung der Rechtstheorie(1980), 125 88., 150 88., 180 88. e 195 88., e WINFRED HASSE-MER, Juristische Hermeneutik, ARSP LXXII (1986), 195--212 (198).

(66) P. MAZUREK, Analytische Rechtstheorie cit., 17088..(67) Cf. RAINER HEGSELMANN, Normativitat und Ra-

tionalitat / Zum Problem praktischer Vernunft in der Ana-~ytischen Philosophie (1979), 165 88. e DE GIORGI, Wahrheitund Legitimation im Recht cit., 195 85.•

(68) HANS LENK, Metalogik und Sprachanalyse / Stu-dien zur analytischen Philosophie (1973), 30 88••

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A separação entre proposições descritivas e pres·critivas (72), num estrito dualismo que recorda oSein / Sollen neo-hantiano, teve na origem a preo-cupação correcta em levantar os elementos consti-tuintes do discurso. A adstringência da lógica e (1

possibilidade da crítica ética às soluções de Direitoapresentam-se, por fim, como o produto dos raciona-lismo e empirismo pragmático subjacentes.

A crítica frontal cifra-se no seguinte: perante odilema do final do século - positivismo versus irrea-/I:nno metodológico - a jurisprudência analíticaoptou decididamente pelo primeiro e abriu as portas((O segundo. Sucedem-se as obras e os desenvolvi-'/lentos: não há, no entanto, neles, quaisquer solu-(.:{)es - ou quaisquer particulares soluções - para asgrandes questões do Direito privado: lacunas, concei-tos indeterminados, contradições de princípios e nor-mns injustas têm, assim, de procurar saída noutraslatitudes.

IV. Uma crítica alargada às múltiplas pOSlçoesque, nos últimos anos, se têm reivindicado da teoriaanalítica do Direito transcende, em absoluto, ;!-_âmbito destas notas introdutórias. NJ) grande devi:!das ideias humanas, a teoria analítl;;; tem, 01' certo,

~~gura º=t o entanto, ela incorre emvárias observações e, tal como se apresenta, num'rt---crítica frontal.

As observações orbitram em torno da imprecisãoactual da própria ideia de «jurisprudência analítica».Em oposição às coerência e clareza linguísticas queera suposto defender, a «jurisprudência analítica»tem-se tornado num subterfúgio linguístico destinadoa dar abrigo a construções de irredutibilidade cres-cente. Tais construções encontram na vaguidade dalocução, uma primeira ordem de fundamentação apa-rente. Tudo isto, na medida em que se verifique,deve ser repensado.

L A jurisprudência problemática apresenta-secomo uma segunda grande corrente do pensamentojurídico actual. No seu activo, esta linha jusmetodoló-t:ica conta a própria criação do Direito, na Antiguidadeo o desenvolvimento subsequente, até aos nossos dias:na verdade, foi na base da solução concreta de pro-hlemas também concretos que se sedimentou o tra-l)(Jlho dos jurisprudentes romanos e que, mais tarde,foi decantado todo o Direito Comum (73). Sobre essalJase problemática incidiu, contudo, durante séculos,1/ ma Ciência generalizadora que, na busca de regras(' princípios, esqueceu os problemas da origem.

(72) Cf. ROBERT WEIMAR, Zur Theoriebildung in derRechtswissenschaft, OS Tammelo (1984), 703-722 (707 e 710),bem como ZACCARIA, Deutsche und italienische Tendenzencit., 294.

(7fl) Cf., quanto ao Direito prudencial, o importantedwwnvolvimento de MARTIM DE ALBUQUERQUE / RUY DEi\WUQUERQUE, História do Direito Português, 1 (1984/85),/.'15 e passim.

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Em 1953, ao relançar a ideia básica de que oDireito é e permanece uma técnica de resolução deproblemas, THEODOR VIEHWEG traçou as bases damoderna jurisprudência problemática (74).

cial de discussão de problemas, havendo que tornartal esquema claro e seguro, graças ao desenvolvi-mento duma teoria da praxe (7G) .

lI. Segundo VIEHWEG, o Direito só na aparên-cia comportaria uma estrutura sistemática, que possi-bilitaria a dedução de todas as suas proposições ecompetentes soluções a partir de uns quantos axio-mas de base. Na verdade, quatro planos decisivosimpossibilitariam tal contextura para a Ciência doDireito: a escolha dos princípios de base e seus con-ceitos é, logicamente, arbitrária; a aplicação doDireito requer, perante as proposições pré-elabora-das, extensões, restrições, assimilações, concentraçõese passos similares; a necessidade de recurso à lin-guagem, sempre multi-significativa, impossibilita deri-vações; a apreensão da matéria de facto, condicio-nante de qualquer solução, escapa ao sistema (15).Perante tal situação, quedaria uma natureza tópicapara o Direito; dado um problema, chegar-se-ia auma solução; de seguida, tal solução seria apoiadaem tópicos, em pontos de vista susceptíveis de seremcompartilhados pelo adversário na discussão, pontosde vista esses que, uma vez admitidos, originariamrespostas lógicas infalíveis. Em suma, a Ciência doDireito deveria ser entendida como um processo espe-

lU. O pensamento viehwegiano foi exemplar-mente criticado por CANARIS, na obra agora tradu-zida (71); em síntese, pode dizer-se que o Direito nãoé, na essência, tópico, antes surgindo sistemático-'- em sentido não axiomático,- numa tradição quremonta ao lus Romanum. Não obstante, sectorial-mente, a tópica faz a sua erupção. Pense-se, porexemplo, na integração de certas lacunas ou nomanuseio de conceitos indeterminados. Não se apro-undam, pois, estes aspectos.

Cabe, no entanto, situar a tópica no contexto dametodologia jurídica dos nossos dias.

A tópica teve um vivo sucesso, depois de ter pas-sado despercebida nos anos subsequootes ao estudode VIEHWEG. O mérito da ideia foi enfocado (78);

(16) VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz 5 cit., 14, 25-34e 95-110.

(11) CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sis-lema, infra 243 SS ••

(78) De entre a inumerável bibliografia, refiram-se: KARLENGISCH, rec. a VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz, ZStW69 (1957), 596-601 (596 e 599) e Einführung in das juristischeI)enken 8 (1983), 196; ADOLF ARNDT, Gesetzesrecht undRichterrecht, NJW 1963, 1273-1284 (1277); NORBERT HORN,Zur Bedeutung der Topiklehre Theodor Viehwegs für einel'inheitliche Theorie des juristischen Denkens, NJW 1967,fiOl-G08 (GOl) e Topik in der rechtstheoretischen Diskussion,em DIETER BREUER / HELMUT SCHANZE, Topik / Beitrage

(74) THEODOR VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz / EinBeitrag zur rechtswissenschaftlichen Grundlagenforschung 5

(1974).(15) VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz 5 cit., 84-90.

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mas sobretudo, assistiu-se a um vulgarizar do termr I

«tópicos» - muitas vezes expresso no grego alalinado, mais impressivo, «topoi» - que veio, assim, (J

conhecer um emprego alargado, mesmo em áreasonde, com total propriedade, se deveria antes dizer«princípios», «vectores» ou, até, «normas)}. A pre-texto de adesões tópicas, redobrou-se na crítica aopensamento sistemático, sem atentar no facto de osargumentos de VIEHWEG - conhecidos, aliás, hámuito - atingirem, tão-só, um certo tipo de sistema:o axiomático-dedutivo. ,_ ,----

A vulgarização da tópica, clara acha na fogueira Jdo irrealismo metodológico, deve ser combatida emnome da mais elementar precisão e seriedade de"---linguagem.

elo conhecimento; facultou, assim elementos impor-tantes para as novas sínteses que se desenham e,clesignadamente: abriu as portas à retórica jurídica,u. lógica jurídica, a uma nova linha linguística e habi-litou os juristas com a instrumentação necessáriapara agir - ou explicar a sua actuação - perantelacunas rebeldes a qualquer tipo de integração siste-mática ou equivalentes.

A retórica jurídica remonta à Antiguidade. O seuesquecimento perante o assalto jusracionalista não(1 fez - não podia fazer - desaparecer; apenas impe-diu o seu estudo assumido, com claras perdas paraa cientificidade do discurso jurídico. Apresentadacomo ciência de argumentação, ela serviria parafixar as premissas endoxais (79) das quais, depois,

IV. Não obstante, a jurisprudência problemática,assente na tópica, veio agitar uma série de sectores

(79) Propõe-se o termo «premissa endoxal» para exprimira proposição formada ~E àviloEUlV, ou seja, a proposição assenteem pontos admitidos pelas partes numa discussão, mercê daautoridade de todos, de quase todos, da maioria ou dos maissábios; a premissa endoxal, por dedução silogfstica, conduz aodiscurso dialéctico, no sentido aristotélico, assim se contra-pondo ao discurso apodíctico, que avança na base de premissasverdadeiras. Cf. AR1STóTELES, Tópicos, versão bilingue greco-·-francesa, de BRUNSCHWIG (1967), I, 1, 4 (1); a este últimose deve a ideia de introduzir o termo «endoxal» - exacto antá-nimo de paradoxal- para prevenir as traduções comuns ine-)<:actas de premissas ~E S\lBÓEwv, embora não a use, depois, naversão francesa dos Tópicos; cf. BRUNSCHWIG cit., XXXV,nota 1. Quanto a ARISTÓTELES, cf. HANS GEORG GADAMER,ITcrmeneutik aIs theoreti5che und praktische Aufgabe, RlntPhn." .127-128 (1979), 239-259 (244 5S.) e JOZEF A. R. KEMPER,'I'opik in der antiken rhetorischen Techne, em BREUER I/ SCHANZE, Topik cit. (1981), 17-32 (23).

zur interdisziplinaren Diskussion (1981), 57-64 (57); OLOFEKELOF, Topik und Jura, em Le raisonnement juridique (1971),43-62 (43); GERHARD OTTE, Zwanzig Jahre Topik-Diskussion:Ertrag und Aufgaben, RTh I (1970), 183-197 (183); PAN J.ZEPOS, «Topik» und «Glaubhaftmachung» im Prozess, FSLarenz (1973), 289-292 (290); OTTO POGGELER, DiaIektik undTopik, em Rehabilitierung der praktischen Philosophie, 2 (1974),291-331 (305); REINHOLD ZIPPELIUS, Das Wesen des Rechts IEine Einführung in die Rechtsphilosophie (1978), 192; SAMUELSTOLJAR, System and Topoi, RTh 12 (1981), 385-393 (385 e386); KARL ALLGAIER, Toposbewusstsein aIs literaturwissen-schaftliche Kategorie, em BREUER I SCHANZE, Topik cito(1981), 264-274 (264).

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derivaria a justificação para a solução preconizadopara o problema. A Retórica jurídica teria assim,para visões tópicas, ainda que atenuadas, do Direito,um verdadeiro papel de base. A doutrina veio, con-tudo, enfoear o seu relevo no domínio da justificação,fundamentação e legitimação das decisões (80).

A lógica, também antiga, faz, no Direito, umaaparição renovada. Introduzida pelos estudos pionei-ros de KLAUS e SCHREIBER (81), e amparada nalógica simbólica desenvolvida por CARNAP (82), o qualaliás foi também pioneiro nas suas aplicações linguísti-cas (83), a lógica jurídica assentou nos campos aber-

los pela jurisprudência problemática, dando hoje lugara uma literatura imensa, cada vez mais especiali-zada (84). Na postura problemática, a lógica teriaduplo papel: na fundamentação das premissas endo-xais, dado o largo poder convincente dos «tópicos16gicos»; na justificação das soluções obtidas a partirdessas premissas, numa derivação que se reclama dalógica absoluta. Mais tarde, porém, a lógica jurídicafoi desenvolvida apenas por si, sem atentar ness sdomínios aplicativos.

A linguagem, por seu turno, sofreu o duploinfluxo da retórica e da lógica, na linha acima refe-rida. Trata-se de um desenvolvimento que viria aconfluir na tradição wittgensteiniana da jurisprudên-cia analítica, num reforço que deixa antever inúmeraspossibilidades futuras.

Finalmente, a jurisprudência problemática revelatodas as suas potencialidades no domínio das lacunasrebeldes aos processos sistemáticos de integração-portanto à analogia e aos princípios gerais: impedidode denegar justiça, o intérprete-aplicador terá debuscar uma saída razoável que, então, intentará jus-lificar nos tópicos que encontrar.

(80) Cf. ROBERT ALEXY, Theorie der juristischenArgumentation / Die Theorie des rationaIen Diskurs aIsTheorie des juristischen Begründung (1978), com rec. aprecia-tiva de HELMUT RÜSSMANN, RTh 10 (1979), 110-120 (120);SCHElDER / SCHROTH, Sichtweisen juristischer Entschei-dung / Argumentation und Legitimation, em KAUFMANN // HASSEMER, Einführung in Rechtsphilosophie und Rechts-theorie der Gegenwart (1977), 254-272; AUL1S AARNIO // ROBERT ALEXY / ALEKSANDER PECZENIK, GrundIagender juristischen Argumentation, em KRA WIETZ / ALEXY,Metatheorie juristischer Argumentation (1983), 9-87 (9 8S.);RITA ZIMMERMANN, Die ReIevanz einer herrschenden Mei-nung für Anwendung, Fortbildung und wissenschaftliche For-schung des Rechts (1983), 95 ss. e passim; HERMANN HURA,Juristische Rhetorik, Jura 1987, 517-521 (517).

(81) ULRICH KLUG, Juristische Logik 4 (1982, mas 1, 1953)e RUPERT SCHREIBER, Logik des Rechts (1962).

(82) RUDOLF CARNAP, Abriss der Logistik (1929), Sym-bolische Logik (1960) e EinfUhrung in die symbolische Logik // Mit besonderer Berücksichtigung ihrer Anwendungen (1954).

(83) RUDOLF CARNAP, Überwindung der Methaphysikdurch Iogische AnaIyse der Sprache (1931), em Methaphysik,

[lLlbl. GEORG JANOSKA / FRANK KAUZ (1977), 50-78,Iledeutung und Notwendigkeit / Eine Studie zur Semantik undmodaIen Logik (1972, versão alemã de Meaning and Necessity,1967) e Logische Syntax der Sprache2 (1968).

(84) Sobre a lógica no Direito, cf· OTA WEINBERG~~: lLo,i"h, Analy" in do< Ju'''p,"d,", (1979), 27 ". , p",,~

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V. Como foi referido e vem, depois, explicadodetidamente por CANARIS, o pensamento jurídiconão é, puramente, um pensamento tópico ou proble-mático. A apreciação que agora importa fazer põe-se, .contudo, noutras latitudes.

A jurisprudência analítica é, de algum modo, oproduto do positivismo dos princípios do século XX.Paralelamente, pode considerar-se a jurisprudênciaproblemática como o resultado do evoluir do for-maZismo.

As linhas de evolução que, originadas na tópicaviehwegiana, têm vindo a animar toda a literaturada argumentação jurídica e da lógica jurídica são,assumidamente, linhas formais. A bondade ou a con-veniência das soluções a que conduzam são-lhes indi-ferentes; tudo assenta na pureza da derivação ou dajustificação apresentadas. Acresce ainda que a lite-ratura relativa à argumentação e à lógica tem vindoa assumir um grau de hermetismo que a torna, emabsoluto, inacessível aos não-iniciados. Não há,sequer, a pretensão de, por uma forma ou outra,interferir no apontar das soluções concretas. Estesaspectos, em conjunto com a já referida vulgarizaçãoda referência a «topoi» fazem da jurisprudência pro-blemática um dos grandes pilares do irrealismo meto-do lógico.

Mas como qualquer ideia humana, a jurisprudên-cia problemática contribui, também, para as novassínteses metodológicas.

1. No domínio das perspectivas metodológicas daactualidade, cabe ainda fazer referência ao pensa-mento ontológico que, com raízes em HEGEL, e deHEIDEGGER a GADAMER, está na base das sínteseshermenêuticas hoje em curso. Tais sínteses derivam,também, do encontro desse pensamento ontológicocontinental com as jurisprudências analítica e pro-blemática, bem como com a preocupação, finalmenteassumida, de superar o irrealismo metodológico.

O pensamento jurídico é um pensamento objec-tivo - ou não é científico (85). A vontade livre pau-tada pelo Direito deriva a sua natureza apenas noquadro do Estado juridicamente organizado (8C) ou,se se quiser, no âmbito de um Direito pré-dado.Aberto ao exterior, o Homem apreende o Direitocuja existência reside na sua regular concretiza-

(85) WERNER KRA WIETZ, Recht und Rationalitat in dermodernen Systemtheorie, GS Tammelo (1984), 723-739 (724),rala da objectivação como um processo de racionalização. ?

(86) Cf. MICHAEL W. FISCHER, SOziolog~sc~e Ge!tung.übcr Hegels Beitrag zur Soziologisierung des Wlrk1JchkeItsver-:IU.lndnisses, em VARGA / WEINBERGER, Rechtsgeltung, ARS~Hll 27 (1986), 24-36, R. DE GIORGI, Abstraktion versus.lnstl-t.ution? Phãnomenologie und Geltungsgrund des Rechts 10 derFrUhphilosophie des jungen Hegels, FS T~oller .80: (198:),!):'-105 (95 ss.) e JOSÉ LAMEGO, Hermenêutl?a e JUrI~pr~den-!'ia / I - Hermenêutica e motivos hermenêutIcos n~ JUflSP~U-d(\ncia de valoração e na Filosofia do Direito analitlca (polre.,I !1H'l), 42 ss ..

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ção (87). A hermenêutica adapta, a esta luz, o papelde motor do processo jurídico: ela é pressuposta,sempre, por qualquer discussão. A linguagem assume,assim, um papel constituinte mais profundo. A apreen-são hermenêutica da realidade - para o caso, darealidade jurídica - só é possível porque o sujeitocognoscente conhece de antemão a linguagem emjogo e o alcance da instrumentação nela usada (88).Ha, pois, todo um conjunto de pré-estruturas dosaber, a que se poderá chamar o pré-entendimento lidas matérias. ---...)1

Esta perspectiva, em si simples, põe em crisetodos os modelos formais de discurso jurídico (89) ;não há, apenas, um entendimento da matéria: estaé o entendimento (90), confundindo-se com a lingua-gem que o suporta.

lI. Surge, assim, a ideia de círculo do entendi-mento (91) transposta para a hermenêutica jurídicapor FRIEDRICH MüLLER (02) e JOSEF ESSER (93)e, mais tarde, por uma série de outros Autores, comrelevo para KARL LARENZ (94) (Ou). Explica essaconstrução que, no Direito, há uma particular relaçãoentre o problema e a resposta; na busca desta} recor-re-se a normas que se tornam inteligíveis por utili-

vra metafísica é utilizada apesar de Heidegger)>>.Cf. poGGE-I.ER, Heidegger und die hermeneutische Philosophie cit., 247 ss.e KEN TAKESHITA, Von der Normativen zur OntologischenAuffassung des Rechts, ARSP BH 30 (1987), 167-176 (175~'

(91) Cf. HANS-GEORG GADAMER, Vom Zirkel desr;:rstehens (1959) = Gesammelte Werke, 2.0 vol. (1986), 57-6~. :Lc; (92) FRIEDRICH MOLLER, Normstruktur und Nor

vitat / Zum Verhãltnis von Recht und der juristischen Herme-neutik, entwickelt an Fragen der Verfassungsinterpretation(1966), 50 e, por último, em Strukturierende Rechtslehre(1984), 47 SS ••

(93) JOSEF ESSER, Vorverstãndnis und Methodenwahlin der Rechtsfindung / Rationalitãtsgrundlage richterlicherEntscheidungspraxis 2 (1972), 137 ss.; sobre esse escrito, cf.IIANS-JOACHIM KOCH, Zur Rationalitãt richterlichen Ent-scheidens, RTh 4 (1973), 183-206 (197-198); uma adopção daideia pode ser vista em PAWLOWSKI, Zum sog. Verfol-gungsrecht cit., 200 ss..

(94) KARL LARENZ, Methodenlehre 5 cit., 199 ss.; cf.MONIKA FROMMEL, Die Rezeption der Hermeneutik bei Kar1Larenz und Josef Esser (1981), 1 ss., 12 ss., 44 ss., 55 8S.-epassim.

(95) P. ex. JOACHIM HRUSCHKA, Das Verstehen vonRechtstexten (1972), 43; HORST ZINKE, Die Erkenntniswertpolitischer Argumente cit., 109 8S.; HASSEMER, JuristischeI r(~rmeneutik cit., 207 ss. (210).

(87) MARTIN HEIDEGGER, Sein und Zeit (1927),§ 13 = Gesamtausgabe, 2." vol. (1964), 80 ss. e Brief über denHumanismus (1949) = Wegmarken (1967), 145-194 (149 8S.);cf. FECHNER, Rechtsphilosophie2 cit., 230 e OTTO POGGELER,Heidegger un die hermeneutische Philosophie (1983), 171 SS ••

(88) HANS-GEORG GADAMER, Wahrheit und Methode 4

(1975), 250 sS.; cf., também de GADAMER, Mensch und Spra-che (1966) = Gesammelte Werke, 2." voz. (1986), 146-154.

(89) Recordem-se as críticas de HEGEL às concepçõesformais de Direito natural; cf. G. PAULUS, Die juristischeFragestellung des Naturrechts cit., 14 ss..

(90) HASSAN GIVSAN, Der verweigerte Dialog / Notizenzur Leitfrage des Symposions: «Worauf kann man sich nochberufem>, ARSP BH SP BH 29 (1987), 9-18 (9): «O título her-menêutico não está primordialmente para a arte da interpre-tação ou o método do entendimento, mas deve antes mostrara metafísica do ser e da tradição que lhe subjazem (e a pala-

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zarem uma linguagem e uma conceitologia pré--conhecidas pelo intérprete-aplicado r; essas mesmasnormas são procuradas pelo pré-julgamento sobre aordenação e a própria solução que, para o problema,

mesmo intérprete-aplicador tenha visualizado, nummomento prévio. Surge, assim, a imagem do círcq.lou espiral hermenêutica: perante um problema, ointérprete-aplicador terá de efectuar tantas idas evindas entre o pré-entendimento e o entendimentoem si quantas as necessárias para a sua integraç-o.

--f Este poentar gnoseológico - tal como gnoseoló-,Rica é a relação entre o Direíto e a realidade (96) -abre, desde logo, perspecÍivascompletamente diver-sas à estruturação do discurso jurídico: o pré-enten-dimento das questões opera em modelos concretos deproblemas; a espiral hermenêutica desenvolve-se entrequestões e pré-questões, soluções e pré-SOluções~tudo em termos gerais-concretos. A hipótese histó-rica de quebra da insolubilidade da relação entre oconceito abstracto e o caso real ganha consistênci~,-

Deve ainda ter-se presente que, na própria lição·gadameriana, o relevo do pré-entendimento permiteexplicar o peso da tradição (97), cujo papel, semprerelevante, não era, antes, assumido. E no Direito,entende-se, a essa luz, o relevo da experiência pro-

j'issional do intérprete-aplicado r, no domínio, porexemplo, da aplicação jurisprudencial (98).

lH. Nas sínteses hermenêuticas dos nossos dias,tiveram ainda peso várias directrizes derivadas dapanorâmica geral metodológica do final do século e,ainda, múltiplas indicações dadas pelas acima deno-minadas jurisprudências analítica e problemática.

Assim, cabe referir a integração de ramos dosaber, os quais não devem ser deformados no seuconteúdo pelas limitações humanas que obrigam aum cultivar separado das diversas disciplinas. Desdelogo se recordam as relações mutuamente enriquece-doras entre a Hermenêutica e o Direito (99), incluindoCl dogmática (l00) , entre a própria Hermenêutica, al,ôgica e a Semântica (101), e, naturalmente, a Filoso-[ia da linguagem (102). Depois, aviva-se o rela-

(98) LARENZ, Methodenlehre 5 cit., 202 ss..(99) Cf. HASSMER, Juristische Hermeneutik cit., 195.(100) FRIEDRICH MÜLLER, Strukturierende Rechtslehre

dI:., 381 ss.. A própria dogmática comporta uma Ciência euma Técnica, em termos abaixo examinados - cf. AULISAARNIO, Denkweisen der Rechtswissenschaft (1979), 33 ss.-ou, como quer ALEKSANDER PECZENIK, Grundlagen derJuristischen Argumentation (1983), 153 ss., no que parecerepresentar uma superação das categorias analíticas, um mistodI'. teorias descritivas e doutrinas valorativas.

(101) Cf. CHRISTIANE und OTA WEINBERGER, Logik,Semantik, Hermeneutik (1979) e Ota Weinberger, LogischeAnalyse in der Jurisprudenz (1979), 27 ss, e 127 ss..

(102) PETER SCHIFFAUER, Wortbedeutung und Rechtser-kenntnis / Entwickelt an Hand einer Studie zum Verhiiltnis vonv(~rfassungskonformer Auslegung und Analogie (1979), 71 SS ••

r; -(96) Cf. HANS VON GLEICHENSTEIN, Die AIlgemeinheit

.d~ Roch" / Zum lrngwü,dig,n Gere'htigk"'''patho, 'o'ial~-staatlichen Rechtsreformen (1979), 14.

(97) GADAMER, Wahrheit und Methode 4 cit., 256 S8.e 261 8S ••

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cionamento entre o Direito, o poder e a estruturasocial (103), agora também no sentido enriquecido deo próprio caso concreto ser parte do mundo vivo (104).Os valores fundamentais, designadamente na sua for-mulação constitucional, conquistam uma dimensão deefectiva capacidade de decisão (105).

Os próprios níveis adjectivos e instrumentais assu-mem uma dimensão substantiva, devendo ser consi-derados no todo.

/wrmenêutica (107), verifica-se que uma determinada.'wlução vale, para além do seu conteúdo e apesardele, por surgir através da entidade competente oumediante um processo a tanto adequado (108). Estavalidação processual das decisões jurídicas surge inte-grada no todo hermenêutico: apenas por razões de(málise científica pode, dele, ser desinserida.

IV. Aspecto promissor das sínteses em cursoprende-se com os níveis legitimadores doJ discurso.Seja num prisma sociológico (106), seja por pura via

Vorverstandnis 2 cit., 207, R. ZIPPELIUS, Legitimation durchVerfahren?, FS Larenz 70. (1973), 293-304 (302 ss.) e J. LLOM-}'ART, Gerechtigkeit und geschichtliches Rechtsprinzip, ARSP(;7 (1981), 39-60 (50-51) - cifram-se mais no extremismo da.'lua leitura (apenas o processo legitimaria e a legitimação seriacondição suficiente de validade) do que na sua inexactidão:afinal, na complexidade das sociedades actuais, apenas nahase da legitimação processual é possível decidir em grandel!scala, enquanto a autoridade argumentativa pesa decisiva-mente nas estruturas da racionalidade jurídica - cf. NOR-IIERT HORN, Rationalitat und Autoritãt in der juristischenArgumentation, RTh 6 (1975), 145-160 (150 55.).

(107) ROBERT ALEXY, Die Idee einer prozeduraIen'I'hcorie der juristischen Argumentation, em AULIS AARNIO // lLKKA NIlNILUOTO I JURKI UUSITALO, MethodoIogieund Erkenntnistheorie der juristischen Argumentation, RThIllI 2 (1981), 177-188 (178): a verdade surge enquanto tal comoproduto de um discurso racional; GüNTHER STAHLMANN,Zur Theorie des Zivilprozessrechts / Von der Legitimationdurch Erkenntnis zur Legitimation durch Verfahren (1979);DE GIORGI, Wahrheit und Legitimation im Recht cit., 233 55.;

SCI1REIDER / SCHROTH, Sichtweisen juristischer Entschei-dung / Argumentation und Legitimation, em KAUFMANN /I 11ASSEMER, Einführung in Rechtsphilosophie cit., (1977),:'f)''1-272.

(' (8) Cf. HERMANN HUBA, Juristische Rhetorik, JuraI!IH7, 517-521 (517 ss.).

(103) L. FRIEDMANN, Das Rechtssystem im BlickfeId derSoziaIwissenschaften cit., 179 ss. e ERNST E. HIRSCH,Rechtssoziologie für Juristen / Eine AufsatzsammIung (1984),86 ss ..

(104) JAN SCHAPP, HauptprobIeme der juristischen Metho-denIehre cit., 15, NIKLAS LUHMANN, Die Lebenswelt - nachRücksprache mit PhanomenoIogen, ARSP LXXII (1986) 176-194(176 55.), E. HIRSCH, RechtssozioIogie für Juristen cit., 127 ss.e ROBERT WEIMAR, Rechtswissenschaft aIs Weltbild, FGTroller (1987), 351-368 (356 S8.).

(105) PETER SCHIFFAUER, Wortbedeutung und Rechtser-kenntnis cit., 28 SS., e 41 55., RITA ZIMMERMANN, Die ReIe-vanz einer herrschenden Meinung cit., 106 ss., FRIEDRICHMOLLER, Strukturierende RechtsIehre cit., 184 ss., ERHARDMOCK, Rechtsgeltung, Legitimation und Legitimitat im demo·kratischen Verfassungsstaat, ARSP BH 27 (1986), 51-58 eROBERT ALEXY, Rechtssystem und pratische Vernunft, RTh18 (1987), 405-419.

(106) Cf. NIKLAS LUHMANN, Legitimation durch Ver-fahren 2 (1975), 30 ss .. As críticas a LUHMANN - cf. ESSER,

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A legitimidade do discurso hermenêutico operapelo consenso das soluções em que se corporiza (109) .Mais do que um dado sociológico ou político (no) oudo que uma hipótese racional ou razoável de elabora-ção justeorética (111), o apelo ao consenso permiteaferir a bondade das soluções através da sua con-fluência no sistema donde promanem.

Chega-se, com isto, à necessidade de um discursosistemático renovado que, do Direito, ponha a tónica/10 inter-relacionar das regras com os factos (112).

L As perspectivas metodológicas da actualidadepodem, no rescaldo das considerações acima tecidas,ser sintetizadas em duas ideias fundamentais: a natu-reza cultural do Direito e a necessidade de dotar asdecisões jurídicas de uma estruturação científica.

A natureza cultural do Direito, herança irrepudiá-vel da escola histórica, coloca a ordem jurídica nacategoria das criações humanas, configuradas porevolução paulatina e por uma complexidade causalque as torna imprevisíveis e insubumíveis em mode-los rígidos de lógica formal. Nesta dimensão, oDireito é um fenómeno pré-dado: o jurista deveupreendê-lo, do exterior, tal como ele se encontra,de acordo com coordenadas históricas e geográficas.

A fenomenologia jurídica não se esgota, porém,/10 factor de irracionalidade que a sua natureza cul-

(Hl9) Cf. ROLAND DUB1SCHAR, Einführung in die Rechts-theorie (1983), 70 ss., JOSEF ESSER, Vorverstandnis 2 cit.,13 e Juristisches Argumentieren im WandeI des Rechtsfin-dungskonzepts unseres Jahrhunderts (1979), 10 e 15 e OTAWE1NBERGER, Logische AnaIyse aIs Basis der juristischenArgumentation, em KRA WIETZ / ALEXY, Metatheorie juris-tischer Argumentation (1983), 159 -232 (212), Die Rolle desKonsenses in der Wissenschaft, im Recht und in der Politik,em AARNIO / NIlN1LUOTO / UUS1TALO, MethodoIogie undErkenntnistheorie der juristischen Argumentation, RTh BH 2(1981), 147-165 (148 ss.) e AnaIytische-DiaIektische Gerech-tigkeitstheorie / Skizze einer handIungstheoretischen undnon-kogniti'lischen GerechtigkeitsIehre, em TAMMELO / AAR-N10, Zum Fortschritt von Theorie und Technik in Recht undEthik, RTh BH 3 (1981), 307-330 (327 ss.).

(119) ALFRED BÜLLESBACH, Systemtheoretische Ansatzeund ihre Kritik, em KAUFMANN / HASSEMER, Einführungin Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart (1977),235-253 (236 ss.), DUBISCHAR, Einführung in die Rechtstheoriecit., 79 ss. e ULR1CH STE1NVORTH, über die Rolle vonVertrag und Konsens in der politischen Theorie, ARSP LXXII(1986), 21-31.

(111) MICHAELA STRASSER, Notwendigkeit eines Gerich-tigkeitsbegriffes in einer Gesellschaftsvertragstheorie, RThBH 3 cito (1981), 281-291, PETER KOLLER, Theorien desSoziaIkontrakts aIs Rechtsfertigungsmodelle politischer Insti-tutionen, FG Weinberger (1984), 241-275 (243), HANS-JüRGEN

J\ OHN, SoziaIe Gerechtigkeit aIs moraIphilosophische Forde-1'1ll1g / Zur Theorie der Gerechtigkeit von John RawIs (1984),l:~ ss. e JAN M. BROEKMAN, Zur OntoIogie des juristischenSprechakts, FG Troller (1987), 231-242 (231 ss.).

(112) Refira-se, desde já, a nova construção de ARTHURI\I\UFMANN, VorüberIegungen zu einer juristischen Logik,IIm\ OntoIogie der ReIationen, RTh 17 (1986), 257-276 (265 e:~'1:I),que põe, justamente, o Direito, não na norma nem no<'(ISO, mas na sua relação.

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tural necessariamente postula: ela assenta em deci-sões que se querem previsíveis e que devem variarde acordo com uma certa adequação, em função doprincípio tratar o igual de modo igual e o diferentede forma diferente, de acordo com a medida da dife-rença. Ou seja: a decisão deve obedecer a regras;estrutura-se, pois, cientificamente.

lI. A natureza cultural do Direito e a estrutura-ção científica das suas decisões apresentam-se, assim,como os dois pólos de uma realidade destrinçadaapenas pelas necessidades de estudo. A permanentetensão existente nessa realidade, entre um conjuntode elementos pré-dados, que o intérprete aplicadorintenta conhecer e as necessidades de soluções cien-tificamente elaboradas é, no entanto, bem conhecidapelos juristas.

O problema a enfrentar reside, pois, na busca deesquemas que permitam lidar com os dois pólos emcausa da realidade jurídica. A teoria evolutiva dossistemas e os esquemas da realização do Direito apre-sentam-se como respostas a essa questão.

O. A ideia de sistema como base do discursocientífico

I. A existência do Direito assenta numa sériede fenómenos que se concretizam com regulari-dade (113). Sem essa regularidade, o Direito não teriaI/Lwlquer consistência, ideal ou real: ininteligível,imperceptível e ineficaz, ele deveria ser afastado das('(/tegorias existentes.

Em termos esquemáticos, pode considerar-se que,mediante bitolas eleitas em cada cultura jurídica, oDireito tende para tratar o igual de modo igual e odiferente de modo diferente, de acordo com a medidadl1 diferença. De outro modo, os diversos problemas('oncretos seriam resolvidos ao acaso, surgindo comoexpressão do puro arbítrio. Noutros termos: por pri-mitiva que seja a sociedade onde a questão se ponha,,';1) pode falar-se em Direito quando os confrontos dei/lteresses mereçam saídas previsíveis, diferenciadas('111 função do que se entenda ser relevante.

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Os fenómenos jurídicos implicam relações estáveisentre si; essas relações facultam um conjunto deestruturas que permitem a consistência ontológicado conjunto. Seja qual for o labor teórico que sobreele incida, o Direito, ainda que relativizado segundocoordenadas históricas e geográficas, pressupõe comoque uma concatenação imanente.

Impõe-se, desde logo, uma primeira ideia de sis-tema: o Direito assenta em relações estáveis, firma-das entre fenómenos que se repetem, seja qual for aconsciência que, disso, haja.

11. A ideia de sistema em Direito provoca dúvi-das e discussões. Como hipótese de trabalho - e talcomo faz CANARIS - é, em regra, utilizada a no >,-

Ge KANT: sistema é a unidade, sob uma ideia, deconh~c~mentos. diversos ou, se _se quiser, a ordenação,de varras realzdades em funçao de pontos de vista

.unitários (114). --,

Esta ideia pode ser aplicada às relações estáveisque são o Direito. A repetição, a medida ou a própriaestabilidade são-no porquanto informam os pontos devista unitários da fórmula kantiana. Assim se obtémo sistema interno, equivalente à lógica mínima quepermite destrinçar o Direito do arbítrio puro.

A esta luz, o sistema existe, quer dele se tenha,quer não, uma específica consciência.

~

-

'(111) Além do próprio CANA RIS, cf. FRANZ-JOSEPH0:,EINE' Das Recht als System (1983), 32 e LARENZ, Metho-Ldenlehre 5 cit., 420 55.•

lIl. O papel do sistema no Direito vai, porém,bem mais longe. Enquanto realidade cultural, oDireito deve ser conhecido, para ter aplicação.A aprendizagem dos fenómenos jurídicos torna-se,assim, indispensável.

Tal aprendizagem pode, em teoria, processar-sepor via empírica. As diversas situações relevantesR{íO ministradas, caso a caso, aos sujeitos, funcio-nando, depois, em todas as conjunções similares.Pode-se, então, dizer que o Direito, embora dotadonecessariamente do seu sistema interno, segue viasassistemáticas de reprodução. Uma segunda posição(", no entanto, viável e, porventura, mesmo preferível,li partir de certo estádio de evolução histórica: a dasistematização na aprendizagem ou na comunicação.Ou seja, na exteriorização do Direito, não se recorrejâ a uma técnica empírica ou puramente casuística:os estudiosos antes procuram fórmulas redutoras quepermitam exprimir grandes categorias de casos, atra-Vl'S da pesquisa e da ordenação do que, neles, hajade regular, de comum ou de diferente, em função dadiFerença. Por oposição ao interno, este sistema decomunicação e de aprendizagem recebe o nome desisf;ema externo (115).

IV. A ideia de sistema é, assim, a base de qual-I///er discurso científico, em Direito. A seu favordepõem aspectos como os da necessidade de um

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mlnlmO de racionalidade na dogmática (116) , o daidentificação das instituições com sistemas de acçõese de interacções (117) ou do próprio Direito como umsistema de comunicações (118), o do apoio sociológicoda estruturação jurídica (llD), o do tipo de pensamentodos juristas (120), etc.. Mas depõem, sobretudo, asconsiderações muito simples, acima efectuadas, sobrea própria existência do Direito e sobre a necessidadede, na sua comunicação, utilizar uma linguagem inte-ligível e redutora, sob pena de inabarcável complexi-dade. Ou seja: há um sistema interno e deve haver umexterno.

( V. A contraposição entre o sistema interno e oexterno deve-se a HECK e é um conhecido arrimopositivista. Ela permitia, na verdade, concluir pela

/ irrelevância do segundo, que ficaria na disponibili-"L· dade do estudioso, afastando, desse modo, toda uma

série de elementos do jus positum.Há, hoje, elementos sobejos para se saber que não

é assim: a contraposição entre os sistemas interno eexterno deve ser superada.

O Direito pressupõe, na verdade, uma repetiçãode fenómenos normativos, enquanto acontecimentosdotados de dimensão social, independentes, em certosestádios evolutivos, da própria consciência gnoseoló-gica que, deles, exista.

A objectivação assim permitida não pode, noentanto, fazer esquecer que o Direito é sempre umfenómeno cultural. A sua existência depende da cria-ção humana e a sua estruturação advém da adopçãopelos elementos que compõem uma sociedade, decertas bitolas de comportamento.

O Direito - qualquer Direito - depende de umaaprendizagem, sofrida pelos membros da comunidadejurídica; tal como a própria Moral, há sempre umministrar de códigos de conduta, do qual depende asubsistência e a reprodução dos dados norma-tivos (121).

Numa sociedade primitiva, de estruturação nor-mativa simplificada, essa aprendizagem poderia serministrada de modo empírico, isto é, fazendo corres-

(116) WERNER KRA WIETZ, Rechtssystem und Rationa-Iitãt in der juristischen Dogmatik, em AARNIO I NIINI-LUOTO ! UUSITALO, Methodologie und Erkenntnistheorie derjuristischen Argumentation, RTh BH 2 (1981), 299-335 (318 e327) e Recht und Rationalitãt cit., 737 ss ..

(117) OTA WEINBERGER, Ontologie, Hermeneutik undder Begriff des geltenden Rechts, ARSP BH 27 (1986), 109-126(115 ss.). A ideia remonta, sabidamente, a TALCOTT PAR-SONS; cf., deste, The social system (1964) e Social systemsand the evolution of action theory (1977), entre outros escritos,bem como REINHARD DAMM, Systemtheorie und Recht / ZurNormentheorie Talcott Parsons (1976), 50 ss..

(118) NIKLAS LUHMANN, Die Codierung des Rechtssys-tems, RTh 17 (1986), 171-203 (178).

(llD) ALFRED BÜLLESBACH, Systemtheoretische Ansatzeund ihre Kritik, em KAUFMANN / HASSEMER, Einführungin Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart (1979),235-253 (236 ss), que, no entanto, formula críticas ao pensa-mento sistemático.

(120) AULIS AARNIO, Denweisen der Rechtswissenschaftcit., 50 ss ..

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ponder, em termos descritivos, às situações típicasda vida, determinadas consequências jurídicas. Atin-gido, porém, um determinado patamar de desenvolvi-mento social, a aprendizagem requer reduções dogmá-ticas, isto é, generalizações simplificadas que facultema transmissão de conhecimentos crescentementecomplexos. O fenómeno é perceptível, com clareza,no próprio Direito romano. O sistema externo, antesdispensável, adquire, em tais condições, um relevocrescente: só o seu manuseamento permite conheceras conexões materiais internas! do Direito. E deve-seter presente que tais conexões, a serem desconheci-das, não integram a cultura nem são Direito.

A ordenação exterior, imprimida à realidade jurí-dica com puras preocupações: de estudo e aprendi-zagem, vai moldar, em maior ou menor grau, seja aspróprias proposições jurídicas, seja o pensamentogeral de que vai depender a sua concretizaçãoulterior.

Mas se o sistema externo interfere no interno, oinverso não é menos verdadeiro.

A partida, o sistema externo visa comunicar ointerno, tornando-o acessível ao estudo e à aprendi-zagem. Ele nasce, pois, com uma preocupação defidedignidade. As alterações evolutivas das conexõesjurídicas materiais projectam-se nas exteriorizaçõesdo Direito, interferindo nelas de modo mais ou menosimediato.

VI. O sistema externo torna-se necessário eimprescindível. E quando isso suceda, ele vai bulir,de modo fatal e compreensível, com o próprio sis-tema interno. O universo das realidades jurídicas, nassuas previsões e nas suas consequências é, pela natu-reza cultural, logo espiritual ou imaterial, do Direito,um conjunto de possibilidades linguisticamente des-critas, relativizadas mesmo à própria linguagem uti-lizada (122). As cadeias linguísticas - mesmo quandonão passem por estruturas materiais - vêm, afinal,a consubstanciar as conexões propriamente jurídicas:estas dependem daquelas, no seu conhecimento comona sua própria onticidade.

VII. A concepção positivista da contraposiçãoentre os sistemas interno e externo deve ser supe-rada, através da sua síntese. Definitivamente ínter-ligadas, a lógica imanente do 'Direito e as proposi-ções externas necessárias ao seu estudo e à suaaprendizagem constituem um todo que só em abor-dagens analíticas pode ser dissociado.

Por isso, quando se fala em sistema, no Direito,tem-se em mente uma ordenação de realidades jurí-dicas, tomadas nas suas conexões imanentes e nassuas fórmulas de exteriorização.

Por isso, também, pode antever-se o relevo pro-fundo que a arrumação imprimida, pelo legislador,aos seus diplomas, assume em sede de soluçõesjurídico-materiais.

(122) Cf. H. W. ERDTMANN, Eine eigenstandigeRechtssprache, RTh 9 (1978), 177-200 (179) e JAN BROEK-MAN, Juristischer Diskurs und Rechtstheorie, RTh 11 (1980),17-46 (17), bem como a bibliografia referida supra, no" 5, lH.

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VIII. As críticas movidas, desde o segundoJHERING, ao pensamento conceptual, atingiram comgravidade a própria ideia de sistema e o pensamentosistemático. Num fenómeno que CANARIS explica edocumenta com exaustão, foram atingidos, de entãopara cá, os fundamentos do pensamento científicojurídico, na base de puras confusões linguísticas: osistema não é, necessariamente, axiomático, fechado,completo e dedutivo, antes comportando todas asoperações que a moderna doutrina tem vindo a isolar.O pensamento sistemático em jogo é, em termosclaros, muito diferente do inicial.

A rejeição do sistema surge como o coroar doirrealismo metodológico: na sua falta, as fontes tor-nam-se não-manuseáveis e as decisões irredutíveis,inexplicáveis e incontroláveis.

Os progressos hermenêuticos alcanço/tos, comrelevo para a substantivação da linguagf')n1, permitem,em definitivo, colocar a ideia de sistema na base dodiscurso científico.

A situação pode ser testada com clareza nasgrandes compilações do Direito romano, em parti-cular no Digesto. As soluções aí reunidas tinham umalógica imanente: procurando tratar o igual de modoigual e o diferente de modo diferente, de acordo coma medida da diferença, elas atingiram uma adequaçãoformal que assegura a actualidade de muitas delasaté aos nossos dias. A arrumação exterior dessassoluções era, contudo, pré-sistemática: obedecendoaos acasos da História ou a puros juízos de oportu-nidade empírica, os fragmentos do Digesto, mesmoquando reportados aos mesmos temas, dispersam-sepelos seus cinquenta livros.

- O Direito privado continental resulta de trêsrecepções sucessivas do Direito romano: a recepçãodas universidades medievais, a partir de Bolonha, arecepção humanista, com tónica em França, noéculo XVI e a recepção pandectística, na Alemanha

'do século XIX.Na recepção verifica-se que uma comunidade,

independente de qualquer dominação política, econó-mica ou social, adopta elementos jurídicos significa-tivos próprios de outra, presente ou passada. Trata-sede um fenómeno cultural, incompreensível peranteesquemas simplistas de dominantes ou determinanteseconómicas (12:\). Uma transposição pura e simples de

10. A evolução do direito e a sucessão de modelossistemáticos; os modelos periférico, central e

, integrado

~

I. O Direito teve, desde sempre, o seu sistemainterno. O externo, porém, só se tornou possívelquando a Ciência do Direito atingiu um determinado

efvel de desenvolvimento.(123) Assim: a recepção tem sido ligada à ascensão da

burguesia; mas ela faltou onde a burguesia tinha maior pujança,e apesar de todas as condições universitárias serem favoráveis:em Inglaterra; ela tem sido associada à centraliza.ção monár-

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Direito, subjacente às ideias clássicas de recepção (121),releva de um conceptualismo positivista que, doDireito, ofereça uma ideia de normas objectivadas. Orao Direito é um modo social de existência, patente noscomportamentos de cada pessoa e na sua legitimação.

A essência da recepção é outra: ela repousa numadifusão cultural de certos elementos ou, se se quiser,na aprendizagem de uma determinada Ciência (125).

quica; mas atingiu o máximo onde tal centralização não ocor-reu: na Alemanha; ela surge, conectada à ideia política doImpério; mas operou em áreas onde tal ideia sempre foirepudiada, como na Península. Em compensação, parece claraa sua ligação à igreja; mas não por razões religiosas, já queo Direito romano é laico: joga o poder cultural da Igreja.

(124) Cf., p. ex., HERMANN CONRAD, DeutscheRechtsgeschichte, II 2 (1966), 339.

(125) Este entendimento da recepção, fundamental paratornar compreensível a actual configuração do Direito Civilportuguês - pense-se, por exemplo, na recepção do Direitoalemão em Portugal, a partir de 1900- deve-se, em particular,a FRANZ WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit 2

(1967), § 7.0 (124 ss.) = trad. portuguesa (1981), 129 ss., 134 8S.,

250 e 272. Em certas zonas, seria possível destrinçar umarecepção teórica e uma recepção prática - cf. GERHARDWESENBERG / GÜNTER WESENER, Neuere deutsche Privat-rechtsgeschichte im Rahmen der europaischen Rechtsentwick-lung (1976), 76: a primeira exprimiria um acto formal derecepção, que determinaria, iure imperii, uma adopção jurídica;a segunda, pelo contrário, corresponderia a uma efectiva assun-ção de certo Direito, por uma comunidade jurídica. Ora apenasesta última releva, sendo certo que a primeira, quando ocorra,mais não visa do que dar a um fenómeno cultural já verifi-cado - cf. HANS PLANITZ / AUGUST ECKHART, DeutscheRechtsgeschichte (1961), 133 e PETER BENDER, Die Rezeption

Uma Ciência é a obra dos seus cultores. O DireitoI/flO constitui excepção. A recepção prende-se, pois,,';empre com o nível de aprendizagem dos juristas (12G)./lá largos séculos que a Ciência do Direito tem umaprerrogativa única: é concretizada e aplicada, pratica-mente, apenas por especialistas formados em univer-sidades.

Tudo isto permite entender como, nas recepções.':ucessivas, sob um aparente imobilismo dos textosromanos, o Direito ia sendo modificado com recursotis alterações introduzidas no sistema externo.

A teoria evolutiva dos sistemas pretende explicar(J progresso do Direito civil continental na base delima sucessão de modelos sistemáticos externos.() relevo do pensamento sistemático pode, assim, ser/l'sl,ado, revelando as suas dimensões.

d,':; rümischen Rechts im Urteil der deutschen Rechtswissenschaft(Ul7IJ), 29-embora, naturalmente, o venha reforçar-HERMANN/WAUSE, Kaiserrecht und Rezeption (1952), 86 e HEINRICH/\li J'I'TEIS / HEINZ LIEBERICH, Deutsche Rechtsgeschichte 16

(/1)81), 296. A concepção de WIEACKER está hoje consagrada;"f. ./1. SCHLOSSER, Grundzüge der neueren Privatrechtsge-::chichte" (1979), 3-4. No mesmo sentido e independentemented,' WIEACKER, vi de MARTIM DE ALBUQUERQUE / RUYDE ALBUQUERQUE, História do Direito Português I cit.,:~'liiSS., especialmente, 281 ss ..

(1211) Além dos autores e obras cito na nota anterior, cf.JlELMUT COING, Die Rezeption des romischen Rechts in'!rankfurt aro Main I' Ein Beitrag zur Rezeptionsgeschichte(1U:I.')), 152 e Romisches Recht in Deutschland, IRMAE. V, 6(/I)(N). § 3, 12 e 26 (36 ss. e 86 8S.).

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11. A Ciência Jurídica europeia nasceu com a pri-meira recepção do Direito Romano, levada a cabo nasUniversidades medievais, a partir do século XII. Glo-sas e comentários permitiram a sua implantaçãonuma sociedade muito diferente daquela para que elefora, no início, pensado (127).

A passagem do tempo actua, porém, nas realida-des humarws, não sendo, o Direito, excepção.

No termo da Idade Média, a Ciência Jurídica daprimeira recepção encontrou dificuldades. Os textosjustinianeus vinham acompanhados de largo materialque dificultava o ensino do Direito e inviabilizava ainovação., O problema - que não era especificamente jurí-ico - veio a ser removido pelo Renascimento que,

. no Direito, assumiu a feição de humanismo jurí-dico (128).

Sendo um fenómeno complexo (129), pode, noentanto, intentar-se uma clarificação do humanismonalgumas proposições:

- o Homem apresenta-se como centro do Uni-verso, sendo a Antiguidade um modelo aseguir (130) ;

- a linguística e a crítica da linguagem adquiremum estatuto importante (131); trata-se de umaspecto directamente relevante para o estudodas fontes (132) ;

- a Filosofia redescobre Platão e o esta i-cismo (1:):').

No domínio jurídico, o Humanismo promoveu acolocação histórica dos problemas. Mas não pro-

(129) Cf. NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, Huma-Ilismo e Direito em Portugal no século XVI (1964), 25, 27-28,.'11 e 59.

(130) JAKOB BURCKHARDT, Die Kultur der Renaissancein Italien (1928), 131 e ss. e ALFRED MANIGK, Savigny unddie Kritik der Rezeption, SZRom 61 (1941), 187-229 (207).

(131) DOMENICO MAFFEI, Gli inizi dell'umanesimo giu-ridico cit., 151.

(132) Data dessa época a pesquisa das interpolações noCorpus Iuris Civilis; cf. LUIGI PALAZZINI FINETTI, Storiadella ricerca delle interpolazioni nel Corpus Iuris giustinianeo(1953), 26 e 44-45.

(1')3) HELMUT C01NG, Grundzüge der Rechtsphiloso.phie 'i (1976), 28 e K. P. HASSE, Die italienische RenaissancedI., 141.

(127) A recepçáo medieval do Direito romano - ou pri-meira recepção - foi precedida pela difusão do Direito canó-nico - em si já muito romanizado - que muito a facilitou.Fala-se, para designar o fenómeno, em «pré-recepção»; cf.WIEACKER, Privatrechtsgeschichte 2 cit., 116 ss. = trad. port.,121, C01NG, Romisches Recht in Deutschland cit., 19·20 eWESENBERG / WESENER, Neuere deutsche Privatrechtsge-schichte cit., 21-22.

(128) Prefere-se essa fórmula para exprimir as relaçõesentre o 1-1umanismo é' o Renascimento, embora haja outrasordenações possíveis; cf. FRANCESCO CALASSO, Medio evodeI diritto, 1 - Le fonti (1954), 601, DOMENICO MAFFEI, Gliinizi de!l'umanesimo giuridico (1968, reimpr.), 20-21 e KARLPAUL HASSE, Die italienische Renais~ance / Ein Grundrissder Geschichte ihre Ku1tut (1925), 31.

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curou - nem poderia fazê-lo - um puro regresso aoDireito romano clássico. Houve, no essencial, umarenovação pedagógica e metodológica, mais do quealterações no fundo das velhas soluções românicas.Ao ensino da escolástica anterior, considerado memo-rizador e estereotipado, tentou contrapor-se umestudo dirigido para ideias perpétuas de validadegeral.

O Direito Romano ficara sedimentado no Corpusluris Civilis, principalmente nos Digesta. Apesar dalógica interna que o informava, o Corpus Iuris Civilis,repositório de proposições prudenciais e tópicas, apre-sentava-se em moldes caracterizados pela ausênciade ordenação. Essa situação, que glosadores e comen-tadores eram levados a acompanhar, dado o método,seguido, tornava difícil o manuseio das fontes e pos-sibilitava, nestas, repetições, lacunas e contradições.

O grande problema enfrentado - e, de algummodo, solucionado - pelos humanistas, residiu Justa-mente na busca de uma ordem de exposição para oDireito civil, portanto, dum sistema externo. As ten-tativas mais conseguidas devem-se a CUIACIUS(1522-1590) (134) e a DONELLUS (1527-1591) (135),

protagonistas do mos gallicus ou jurisprudência ele-gante (13G).

OS jurisprudentes humanistas aceitaram o Direitoromano, tal como podiam conhecê-lo, como elementopré-dado: constituía uma base histórico-cultural detoda a elaboração posterior. Intentaram, no entanto,dar-lhe uma ordem exterior.

As matérias, em vez de aparecerem ao acaso dasmassas de fragmentos dos Digesta, são ordenadas emfunção de certos factares de similitude exterior: equi-valência linguística, proximidades do objecto, etc ..As aproximações periféricas tornam-se dominantes.

A tentativa é empírica, mas surge eficaz: oDireito assume, pela primeira vez, uma ordenação ou,nesse sentido, um sistema externo: é a primeira sis-temática ou sistemática periférica.

Mais assimilável e melhor adaptado à realidadeda época, que implicava, pelo desenvolvimento econó-mico-social, um número sempre crescente de instân-cias de decisão, o Ius Romanum conheceu uma novae eficaz recepção.

IH. O Humanismo alcançou a primeira sistemá-tica, de tipo empírico e periférico. Faltava-lhe umvigoroso discurso teórico que, transcendendo as COI1-

(134) Confrontou-se a obra JACOBI CUJACII, Ig. Tolo-satis Opera ad Parisiensem fabrotianam editionem diligentis-sime exacta XIII Tomos (ed. publ. a partir de 1836).

(135) Confrontou-se a obra HUGONIS DONELLI, Operaomnia (12 volumes) Commentatorium de jure civile cum natisOSVALDI HILLIGERI (ad. publ. a partir de 1840).

(136) Verifica-se, assim, que embora o Humanismo sejaoriginário de Itália, ele daria frutos jurídicos mais sensíveisem França; em Itália, haveria uma regressão motivada pelopeso do escolasticismo anterior que manteve o método tradi-cional conhecido, por isso, como mos italicus.

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tingências dos contactos superficiais entre temas jurí-dicos, dispersas nas fontes, facultasse um verdadeirosistema externo de Direito.

Esse discurso seria atingido e projectado porDESCARTES (1596-1650) (137), cujas regras de pro-gressão científica estão na base das Ciências Moder-nas (138). Transposto para as Ciências Humanas porHOBBES (1588-1679) (l39), O cartesianismo daria lugara uma sistematização de tipo muito diferenciado.

Em termos metodológicos, o pensamento carte-siano seguia um processo totalmente inverso do pre-conizado pela Escolástica como pelo Humanismo.Os elementos histórico-culturais não eram aceitescomo pré-dados. As desconexões daí derivadasopunham-se, em irredutível antinomia, ao cogito,válido pela clareza da sua asserção. Todo o edifíciodas Ciências Humanas assentaria, na nova visão, nal-guns quantos postulados, dos quais, por dedução,seria possível retirar os demais elementos. Na leiturade HORRES, elementos variados como a sociedade,o Estado e o poder articulam-se mercê de postulados

hásicos tais como: a aspiração à sobrevivência dos/lOmens, a guerra como estado natural reinante entre<!Ies, a insegurança provocada, a necessidade de asolucionar com recurso ao Estado e à sociedade, aprivação da liberdade assim ocasionada, etc ..

O pensamento existencial de HORRES teve como

)

/~:()ntraponto o jusnaturalismo ideal de GRÕCIO (1583--1645). Deve-se, a este, um esquema de Direito natu-ral caracterizado por ilações matemáticas, elabora-

\ das a. partir de princípios apriorísticos fixados pelaJ razão e informadas pela universalidade e pela imu-

(tabilidade (140).Nestas condições, seria possível elaborar um

esquema jurídico inverso do da sistemática perifé-rica: em vez de se assentar em elementos pré-elabo-rados a intentar a sua ordenação, escolher-se-iam unsquantos princípios nucleares; destes, por dedução,seria depois retirada toda a sequência. Houve umasignificativa confluência meto do lógica de fracçãesaparentemente diversas, num claro sinal dos tempos.

(1:)7) Em especial, RENÉ DESCARTES, Discours de Iaméthode (1637).

(138) Ci, TALCOTT PARSONS, Social systems cit., 155 ss ..(139) THOMAS HOBBES, De cive (1642), De homine

(1658) e Leviathan or the matter, forme and power aÍ acammonwealth ecclesiasticall and civil (1651). A conexão DES-CARTES / Jusracionalismo, feita através de HOBBES, deve-sea genial intuição de WIEACKER, na l,a ed. da Privat-rechtsgeschichtc (1952), 150, tendo sido, depois, investigadapor MALTE DIESSELHORST, Ursprünge des modernen Sys-temdenkens bei Hobbes (1968).

(HO) HUGO GROTIUS, De jure belli ac pacis libri tres(1(25), como obra mais conhecida; esta obra teve como ante-cedente o De iure praedae commentarius (1604) o qual derivou,por seu turno, do Parallelon rerum publicarum liber tertius(1601 ou 1602), quase despercebido, até à publicação parcialfeita por W. FIKENTSCHER, De fide perfidia / der Treuge-danken in den «Staatsparallelem> des Huga Grotius aus heuti-ger Sicht (1972). Cf., quanto ao jusnaturalismo grociano, entrea muita literatura existente, HANS WELZEL, Naturrecht undmateriale Gerechtigkeit 4 (1962), 12·1 ss ..

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A sistemática assim possibilitada é central, poroposição a periférica. Respeitando as precedências einserções históricas, pode falar-se, a seu propósito,em segunda sistemática ou sistemática jusracionalista.

As grandes construções, sabiamente concatenadas,encontram, no Direito, particulares dificuldades: anatureza histórico-cultural das realidades jurídicasdesafia, por vezes, as tentativas de redução lógica.Quando isso suceda - e tem sucedido, pelo menos noactual estado de limitação dos conhecimentos huma-nos - verifica-se uma inoperacionalidade das constru-ções em causa para reduzir a realidade do Direito.Esta, sempre necessária em sociedade, terá de pros-seguir o seu caminho sem o amparo das construçõesoferecidas.

O jusracionalismo estaria, a essa luz, destinadoao fracasso: a pretensão de intuição raciona lista dacoisa social e de dedução logicista subsequente des-conhece, por definição assumida, toda a riqueza his-tórico-cultural pré-dada, que não se pode escamotear.

Outro foi, porém, o caminho seguido pelos jusra-cionalistas. Abdicando duma sequência perfeita noseu modo de pensar, e graças a autores comoPUFENDORF (1932-1694) (141), o jusracionalismosoube fazer u~ subtil de realidades cul-turais subjacentes: os desenvolvimentos lógicos eramapoiados no Direito Romano. Trata-se duma orien-

tação desenvolvida, depois por DOMAT (1625-1696) (142) e POTHIER (1699-1772) (143), de grandeinfluxo posterior e que, colocando-se numa certasequência com os jurisprudentes elegantes, recordamque as ideias humanas avançam num continuum his-tórico.

IV. O pandectismo exprime, terminologicamente,o pensamento jurídico assente nos Digesta. O monu-mento de IUSTINIANUS tem comportado, contudo,ao longo da História, uma utilização diversificada.A segunda sistemática deu-lhe um particular relevo,intensificando a sua utilização no que ficaria conhe-cido como usus modernus pandectarum (século XVIII):o Ius Romanum relevaria na medida em que se mos-trasse adaptado às necessidades da época.

No entanto, o pandectismo, agora em causa,reporta-se a outro período histórico: o da doutrinageral do Direito civil, iniciada por SA VIGNY e desen-volvida a partir da Alemanha, nos princípios doséculo XIX.

Na linha do criticismo jusracionalista anterior,SA VIGNY fixaria os particulares quadros da escola

(142) JEAN DOMAT, Les lois civiles dans leu r ordrenaturel (1689-1694).

(143) R.-J. POTHIER, em especial nas Pandectae e noTraité des Obligations; a obra de POTH1ER alarga-se pordezenas de tratados; existe uma recolha Oeuvres, de Pothier,em 32 volumes.

(141) SAMUEL PUFENDORF, De jure naturae et gentiumlibri octo (1688), como obra mais divulgada e representativa.

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histórica (144). O Direito é, na verdade, apresentadocomo produto dum permanente devir: mas mais doque o evolucionismo, deve entender-se que SA VIGNY,ao colocar o Direito ao abrigo de iniciativas arbitrá-rias dos legisladores, estabeleceu, nele, as bases parauma verdadeira reflexão científica (145) .

O Direito corresponderia ao «espírito do povo»;SA VIGNY, no entanto, reconduzia tal «espírito» aoDireito Romano (146), evitando, por isso, o naufragar

(144) Em especial: LARENZ, MethodenIehre 5 cit., 11 ss.,FIKENTSCHER, Methoden des Rechts cit., III - MitteIeuro-pãischer Rechtskreis (1976), 37 SS., WIEACKER, Privat-rechtsgeschichte 2 cit., 384 SS., COING, Grundzüge derRechtsphilosophie 3 cit., 41 SS. e WALTER WILHELM, Zurjuristischen MethodenIehre im 19. Jahrhundert (1958), 62 ss.;entre nós, CASTANHEIRA NEVES, Escola histórica do Direito,Enc. Pólis 2 (1984), 1046-1062 e OLIVEIRA ASCENSÃO,O Direito - Introdução e Teoria Geral 4 (1987), 154 ss ..

(141l) Cf. FRIEDR1CH CARL VON SAVIGNY, Vom Berufunsrer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (1814), 8;nesse ponto, p. ex., FRANZ WIEACKER, \Vandlungen imBilde der historischen RechtsschuIe (1967), 5.

(146) SAVIGNY, Vom Beruf cit., 118. O «espírito dopovo» designava, pois, a cultura reduzindo-se, nessa medida,ao Ius Romanum. Cf. HERMANN KANTOROW1CZ, VoIksgeistund historische RechtsschuIe, HZ 108 (1912), 295-315 (299),ER1CH SACHERS, Die historische SchuIe Savignys' und dasromische Recht, em Atti deI Congresso Internazionale di DirittoRomano, Bolonha II (1937), 217-250 (234 ss.), KARL-AUGUSTWOLFF, Kritik der Volksgeist!ehre v. Savignys (1937), 7.HANS THIEME, Savigny und das deutsche Recht, SZGerm 80(1963), 1-26 (9) e PIO CARON1, Savigny und die Kodifikation(Versuch einer Neudeutung des «Berufs»), SZGerm 86 (1969),97-176 (163).

\de toda a sua construção, por total impraticabilzdade.

À natureza histórica do Direiro junta SAVIGNYuma outra e importante característica: o ser uma«Ciência filosófica», devendo «... na sua conexão inte-rior, produzir uma unidade» (147). Apela-se, pois, e demodo expresso, à necessidade de um sistema.

Nenhum destes aspectos foi, tomado em si, ori-ginal. O Humanismo já havia proclamado a essênciahistórica do Direito, desenvolvendo esforços paravalorizar essa dimensão. Por seu turno, as neces-sidades de construção sistemática, exigência clara docartesianismo, foram implantadas e desenvolvidaspelo jusracionalismo. A originalidade savignyana ana-lisa-se na síntese desses dois aspectos: a naturezahistórico-cultural do Direito deve articular-se com umadequado sistema de exposição. Nasce, assim, a ter-ceira sistemática ou sistemática integrada.

v. O pandectismo aceita o Direito periférico-perante o conjunto de factores que, nos diversos pro-hlemas concretos e a esse nível, promovam soluçõesaplicáveis e aplicadas - como irrecusável herançahistórico-cultural. Trata-se de um complexo pré··dado.

(147) Esta e outras ímportantes considerações contém-seem SAVIGNY, Juristische Methodenlehre, 1802-1803, na redac-~'ão de JAKOB GR1MM publ. por G. WESENBERG (1952);cf. aí, 14. Trata-se dum escrito que tem merecido a maioratenção dos juscientistas actuais - cf. W1EACKER, Privat-rcchtsgeschichte 2 cit., 386, LARENZ, Methodenlehre 5 cit.,11-17 e FR1TZ SCHWARZ, Was bedeutet Savigny heute?AcP 161 (1962), 481-499 (484-489).

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Não abdica, contudo, de uma reelaboração científicado material recebido, ordenando-a em função de pon-t~s de vista unitários. Tal ordenação tem relevo: apro-xzmando e cotejando determinadas matérias, surgémlacunas, repetições e contradições que podem sercorrigidas; além disso, os princípios nucleares nãosão inócuos, repercutindo-se nas soluções periféricas.Estas, por seu turno, não deixam de agir na própriaescolha e concatenação dos princípios centrais. Dá-setoda uma interacção centro-periferia, de dois senti-dos, que sugere a perfeita síntese dos momentos his-tóricos anteriores: as experiências puramente empíri-cas e periféricas do Humanismo e as tentativascentrais e racionais do Jusracionalismo são inte-gradas.

O sistema do pandectismo traduz a conquista aca-bada de um esforço secular de aperfeiçoamentojuscientífico. Sob o seu manto ocorreu, no século XIX,uma última e decisiva recepção do Ius Romanum,que cristalizaria no Código Civil alemão de 1896.A, difusão deste Código asseguraria, ao longo doseculo XIX, um retorno a muitas solucões româ-nicas.

11. Modelos sistemáticos e codificações civis

r. A relevância substantiva do sistema - ou dosdiversos modelos sistemáticos - pode ser compro-vada através dos seus reflexos nas codificações civis.

A codificação não se confunde com uma com-pilação. Uma compilação implica sempre um con-

/junto de fontes, submetido a determinada ordenação.Pode ser envolvente e, teoricamente, mesmo total,~urgindo acompanhada da expressa menção da revo-

1, gação de todas as fontes nela não incluídas e·18): nempor isso ela se confunde com uma codificação.

A codificação corresponde a uma estruturaçãojuscientífica de certas fontes (14B). Pode dar-se umpasso: a codificação implica a sujeição das fontes aopensamento sistemático; joga-se, nela, uma consciên-cia mais ou menos assumida do relevo da linguageme da dimensão estruturante do todo, na cultura.A codificação torna-se possível apenas com a obten-ção de um certo: estádio de desenvolvimento daCiência do Direito. A tarefa é morosa e muito com-plexa: o nível necessário só foi atingido em França,nos finais do século XVIII. Acrescente-se ainda quenão basta, para uma codificação, a obtenção de parti-culares resultados juscientíficos. No Direito, jogam-sesempre amplas dimensões culturais, pelo que umacodificação requer ainda circunstâncias políticas euniversitárias favoráveis er,O).

(148) Quanto às compilações romanas, vi de SEBASTIÃOCRUZ, Direito Romano 14 (1987), 441 55.; quanto às Ordena-ções do Reino, vide MARTIM DE ALBUQUERQUE I RUYDE ALBUQUERQUE, História do Direito Português, 2.0 vol.,1.0 tom., 31 55•.

(149) Em especial, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito 4

cit., 293 5S..(150) A inexistência de tais condições explica a relativa

morosidade da codificação germânica e o ritmo da5 codifica-ções tardias.

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lI. A primeira codificação no sentido próprio dotermo - portanto com o alcance e as implicaçõesjuscientíficas que acima ficaram expressas - é afrancesa, de 1804, ou Código Napoleão. a Allgemei-nes Landrecht prussiano, de 1794, tinha já traçostípicos de uma codificação; por carências várias,designadamente a nível de síntese, não pode, contudo,considerar-se uma verdadeira codificação.

a Código Napoleão é fruto da segunda sistemá-tica. Foi elaborado na linha de todo um trabalholevado a cabo nos séculos XVII e XVIII e que per-mitiu o conhecimento e o redimensionar do materialjurídico românico. a papel fundamental nesse domí-nio foi o de DaMAT e paTHIER, com raízes nosjurisprudentes elegantes, CUIACIUS e DONELLUS.Ponderadas as obras destes autores, pode conside-rar-se que, nos finais do século XVIII, a Ciência doDireito ultrapassara largamente a ordem jlirídicapositivo-formal. a esforço reformador de Napoleãopermitiu acertar a distância.

Nos séculos XVII e XVIII, a doutrina francesaprocurou enfrentar e resolver três problemas funda-mentais (151):

-- a unificação das fontes;- a busca de uma sistemática racional;- a adaptação dos institutos a novas realidades.

A unificação das fontes era um problema parti-cularmente grave em França, dividida numa zonanorte, de costumes - ainda que redigidos em termosromanizados - e numa zona sul, de Direito escrito-() Corpus Iuris Civilis. Mas para além disso, havialoda uma situação complexa gerada pela existênciadas compilações justinianeias, de inúmeras leis nacio-nais, do Direito canónico e de vários costumes e pra-xes jurisdicionais.

A busca de uma sistemática racional correspondiaô necessidade de encontrar uma ordem para a com-preensão e a aprendizagem do Direito ou, se se quiser,de aprontar um sistema externo que superasse asmeras ordenações periféricas levadas a cabo pelosjurisprudentes elegantes. Parecendo, hoje, uma tarefafácil, a sistematização racional levantava, então, difi-culdades praticamente insolúveis (152). Apenas uma(lctividade aturada, durante o longo período da pré--codificação, possibilitaria perspectivas novas.

A adaptação dos institutos a novas realidadestem-se prestado a equívocos que, por desvirtuarem aessência das codificações civis, cabe esclarecer.a Código Napoleão é, com frequência, assimilado awn diploma cheio de intenções perante a Revolução

'-,(151) Estas questões constam do trabalho de A.-J.

ARNAUD, Les origines doctrinales du Code civil français(1969), sendo aqui proposta uma sua adaptação.

(152) Cf. HANS TH1EME, Das Naturrecht und die euro-pliische Privatrechtsgeschichte (1947), 25, G10VANN1 TA-RELLO, Le ideologie della codificazione nel secol0 XVIII(/974), 21-22 e 57 ss. e ARNAUD, Ler; origines doctrinalescit., 7.

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liberal e a burguesia industrial que se anunciava (m).Há muito se proclama o simplismo desta orienta-ção (154): a primeira codificação traduz o ponto dechegada de uma evolução complexa, iniciada com oscomentaristas, renovada pelo humanismo e pela pri-meira sistemática e inflectida pelo jusracionalismo.Entre a doutrina pré-revolucionária e o Código nãohá quebras ou, sequer, evoluções significativas; pelocontrário: o Código Napoleão pôs cobro às múltiplasinovações introduzidas durante o período revolucio-nário, adoptando soluções anteriores (155). A adapta-ção dos institutos a novas realidades, aquando daefectivação de uma codificação civil, tem, pois, outroalcance: trata-se de generalizar segmentos já aprovei-

fados e comprovados sectorialmente, de consagrarinovações preconizadas há muito pela doutrina, delimar arestas em esquemas há muito conhecidas oude irradicar fórmulas consideradas, de modo pacífico,como inúteis.

A primeira codificação tem permitido um examedos condicionalismos ambientais que permitem a fei-fura dos grandes códigos, que moldam o Direito civilactual.

Como factor primordial, têm sido apontadas asflecessidades político-sociais de simplificação (156),sensíveis em épocas históricas de reconstrução ou deprogresso. Tal simplificação postula a introdução deesquemas de tipo económico nas proposições jurídi-cas, de modo a tornar os circuitos do Direito acessí-veis aos não-juristas. Além disso, ela implica uma<'fectiva e já referida revogação das regras ante-riores - quando não, assistir-se-ia a uma mera com-pilação - e, ainda, uma condensação nos conteúdosIlormativos: institutos que traduzem pequenas varia-<,.:i)essão suprimidos a favor de tipos unitários que atodos abranjam, enquanto as figuras de utilizaçãomenos frequente são abolidas.

Os grandes pilares de fundo do Código Napoleãoresidiriam nos seus artigos 544 e 1134/1, assim con-cebidos:

«A propriedade é o direito de gozar e de dispordos bens da forma mais absoluta, desde que não se

(15:;) Cf. ORLANDO DE CARVALHO, Para uma teoriada relação jurídica civil2 (1981), I 32 ss ..

(154) Cf. HERMANN CONRAD, Code Civil und histori-sche Rechtsschule, em Deutschland-Frankreich II (1943), 59-69(59) e ESMEIN, L'originalité du Code Civil, em Le livre ducentenaire, 1.0 voz. (1904), 5.

(lü:') O Código Napoleão foi obra de quatro juristas deprestígio e qualidade: PORTALIS (1745-1807), TRONCHET(1726-1806), MALEV1LLE (1741-1821) e B1GOT-PRÉAMENEU(1747-1825); todos eles foram, aliás, alvo de perseguições noperíodo revolucionário, como informa ARNAUD, Les originesdoctrinales cit., 23 ss.. O próprio NAPOLEÃO teve um papelpessoal importante no dinamizar dos trabalhos, assegurandouma conclusão rápida da tarefa. As várias peripécias queacompanharam a elaboração do Código Napoleão podem serconfrontadas em SAVATIER, L'art de faire les 10is / Bonaparteet le Code civil (1927).

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faça deles um uso proibido pelas leis e pelos regu-lamentos».

e«As convenções legalmente formadas valem como

leis para aqueles que as fizeram ... »

Na linha dos parâmetros gerais que sempre justi-ficam uma codificação, o Código Napoleão veio aindaacusar, de modo marcado, o influxo jusnaturalista.Na verdade, o Código em causa apresenta-se comoum produto terminal da segunda sistemática, possibi-litado embora por exprimir, a vários níveis, a reali-dade cultural românica.

A presença da sistemática central no tecido napo-leónico apresenta-se clara se se tiver em conta a suasistematização. O Código Napoleão reparte-se, comefeito, por três livros:

Trata-se, contudo, de regras que tiveram o sim-ples mérito de proclamar com clareza aquilo que jáera bem conhecido no Direito anterior. A propriedaderemonta ao Direito romano; o facto de se lhe reco-nhecerem, à partida, limites, denota bem uma preo-cupação moderadora. O relevo dos contratos ou,mais precisamente, da autonomia privada era, porseu turno, sublinhado já em fases antecedentes (157).O essencial das inovações integradas num novo está-dio político-social cifrara-se, tudo visto, em supres-sões, como a das antigas corporações (158): a aberturado Direito privado, assente na ausência de regula-ções, facultou, por si, como já foi referido (159), umamelhor actuação dos níveis económicos no planoprivado.

- Livro r - Das pessoas;- Livro II - Dos bens e· das diversas modifica-

ções da propriedade;- Livro IIr - Das diferentes formas por que se

adquire a propriedade.

No livro I trata-se da matéria referente à posiçãojurídica do indivíduo e de situações jurídicas fami-liares; no livro II, surgem as coisas, a propriedade eoutros direitos reais; no livro III são versadas assucessões, doações, contratos em geral, casamento eregimes matrimoniais, contratos em especial, hipote-cas e prescrição.

Toda a matéria se desenvolve, pois, a partir deideias centrais simples e claras: a pessoa, enquantoindivíduo, carece de bens que movimenta, para sobre-viver e se expandir. A aplicação destes postulados,por não atentar suficientemente nos elementos pré--sistemáticos que a cultura e a história sempre com-

(157) DIETER GRIMM, Soziale, Wirtschaftliche und poli-ti5che Voraussetzungen der Vertragsfreiheit / Eine verglei-chende Skizze em La formazionel storica deI diritto europeo(1977), 1245 e HARALD STEINDL, überIegungen zumVerhaltnis von Privatrecht, Gewerbefreiheit und Industrialisie-rung, IC 15 (1981), 76-107 (79).

(158) HARALD STEINDL, Zur Genese des PrivatrechtsaIs «alIgemeines Wirtschaftsrecht», FG Coing (1982), 349-386(352-353).

(159) HARAtD STEINDL, Zur Genese des Privatrechtscit., 364.

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portam, mostra-se pouco apta, perante os regimes emjogo, como a evolução acabaria por demonstrar.

Bem elaborado, o Código Napoleão surgiu comoum monumento legislativo de primeira grandeza.Assim, ele impôs-se para além das suas fronteirasnaturais, seja pela força das armas napoleónicas, sejapor livre adopção - portanto, num fenómeno derecepção - dos interessados.

Nuns casos, ele foi simplesmente traduzido eposto em vigor: assim sucedeu na Renânia, onde umaversão alemã do Code vigorou até ao advento doBGB (160). Noutros, ele serviu de modelo inspiradora Códigos dotados de grau variável de originali-dade (161), com exemplo claro no Código Civil deSeabra, de 1865.

Mais importante, porventura, do que o influxo naconfiguração formal das fontes foi a divulgação deum certo estilo juscientífico, promovida pelo CódigoNapoleão.

[eitos e avançados: o Código Civil alemão. Estemerece, a título pleno, a designação de «segundacodificação».

O Código Civil alemão corresponde ao ponto ter-minal da intensa actividade juscientífica do pandec-tismo, que se prolongou por todo o século XIX. Nabase de um estudo aturado do Direito comum - oDireito romano, com determinadas adaptações e emcerta leitura - os pandectistas foram levados a con-feccionar todo um sistema civil: as proposições jurí-dicas singulares, os institutos, os princípios e aordenação sistemática sofreram remodelações profun-das, aperfeiçoando-se, evitando contradições e desar-monias e multiplicando o seu tecido regulativo demodo a colmatar lacunas.

A Ciência Jurídica alemã servida, para mais, poruma língua rica e muito analítica e num ambientede grande aprofundamento das ciências humanas ede intenso pensamento filosófico, depressa ultrapas-sou as suas congéneres. A doutrina francesa, designa-damente, presa a uma exegese intensa do texto napo-leónico, não cessou de perder terreno, até aos nossosdias (162).

IH. A influência dominadora, científica e cultu-ral, do Código Civil francês esmoreceria perante oaparecimento, nos finais do século XIX, de uma novacodificação, assente em dados científicos mais per-

(160) Surgiu, assim, uma rica literatura alemã, elaboradasobre o Código Francês, com relevo para ZACHARIX VONLINGENTHAL / CARL CROME, Handbuch des FranzosichenCivilrechts 4 vols. (1894).

(161) Cf., em especial, ZWEIGERT/K6TZ, Einführung indie Rechtsvergleichung, auf dem Gebiete des Privatrechts 2 - IGrundlagen (1894), § 8, (1-13 ss.) e WIEACKER, Privatrechts-geschichte 2 cit., 346 ss ..

IV. A segunda codificação tem, subjacente, asestruturas científicas da terceira sistemática. O pan-dectismo do século XIX aceitou expressamente oDireito romano como elemento pré-dado, elaborado

(162) Cf., quanto às fraquezas da doutrina francesa,designadamente no campo metodológico, MENEZES COR-DEIRO, Da boa fé cit., 1 voz., 252.

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pela História e pela cultura e património insubsti-tuível dos povos. Os elementos assim obtidos eram,no entanto, elaborados e sistematizados em funçãode pontos de vista unitários: conseguia-se, deste modo,a determinação de dis/unções, incongruências e incom-pleitudes, facultando a sua correcção. Os pontos devista unitários que presidiam à ordenação da matérianão se obtinham em termos de escolha arbitrária: ospróprios dados periféricos, uma vez concatenados,propiciavam a determinação desses pontos. E aconcluir a integração sistemática, recorde-se que ospróprios princípios se revelam criativos: por um lado,não há ordenações inóquas; por outro, cabe recorreraos princípios quando, na periferia, se apurem lacunasirredutíveis.

As preocupações imediatamente ideológicas - pa-tentes no Código Napoleão e, em geral, nas codifica-ções de inspiração liberal - desaparecem da Ciênciado Direito, a favor de considerações de predomíniotécnico.

Para além de corresponder a um elevado desen-volvimento técnico-científico da doutrina que o ante-cedeu, o Código Civil alemão foi originado por par-ticulares condicionalismos extrínsecos, que explica-ram, em certa medida, o seu aparecimento relativa-mente tardio. Em 1814, sob o entusiasmo provocadopela codificação napoleónica, THIBAUT preconizou aefectivação de um Código alemão (163); mas logo se

lhe opôs o próprio SA V1GNY, em nome da naturezacultural do Direito (161). As dúvidas científicas vieramsomar-se problemas políticos: a unidade alemã sólentamente se ia afirmando, dela dependendo umacodificação eficaz. Os trabalhos codificadores teriam,assim, o seu inícid, depois da proclamação, porBlSMARK, do 2.° Império alemão (165).

Iniciados os trabalhos, vieram estes a prolon-gar-se por vinte e três anos de labor sério eintenso (166): houve, aqui, um vivo contraste com arapidez que presidiu à elaboração do Código Napo-leão. A comissão foi dominada pela figura deBERNHARD WINDSCHEID que presidiu numa: pri-meira fase e que foi, na sua ausência, sempre repre-sentado pelas suas Pandekten (167).

(164) SAVIGNY, Vom Beruf unsrer Zeit cit.; estes escri-tos podem ser confrontados em Thibaut und Savigny / Ihreprogrammatischen Schriften, publ. HANS HATTENHAUER(1973). A projecção posterior deste debate pode ser aferida emFELIX VIERHAUS, Die Entstehungsgeschichte des Entwurfeseines Bürgerlichen Gesetzbuches für das Deutsche Reich (1888),9 ss. e LEHNSEN, Was ist am Bürgerlichen Gesetzbuchdeutscher Ursprung? (1933), 13 ss ..

(165) Cf. GOLDSCHMIDT, Die Codification des DeutschenbUrgerlichen und HandeIs-Rechts, ZHR 20 (1874) 134-171(134 ss.), HANS-PETER BENOHR, Die Grundlage des BGB-Das Gutachten der Vorkommission von 1874, JuS 1977, 79-82(79 ss.) e HELLMUT GEORG ISELE, Ein halbes Jahrhundertdeutsches Bürgerliches Gesetzbuch, AcP 150 (1949), 1-27 (1).

(166) J. W. HEDEMANN, Fünfzig Jahre BürgerlichesGesetzbuch, JR 1950, 1-4 (1).

(167) Cf. HANS THIEME, Aus der Vorgeschichte des Bür-gerlichen Gesetzbuchs, DJZ 1934, 968-971 (970). A formação

(163) ANTON FRIEDRICH JUSTUS THIBAUT, Ueber dieNothwendigkeit eines aIlgemeinen bürgerlichen Rechts fHrDeutschland (1814).

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Como qualquer codificação, o BGB traduz «umarecolha do já existente e não uma criação de novida-des» (1G8); sintetiza a Ciência Jurídica do século XIX,no que ela tinha de mais evoluído (1G9).

Na linha do pandectismo oitocentista, o BGBapresenta uma sistematização em cinco livros: Partegeral; Direito das relações obrigacionais; Direito dascoisas; Direito da família; Direito das sucessões.

Trata-se da chamada classificação germânica doDireito Civil.

O BGB, apesar de escrito, por vezes, numa lin-guagem complicada ~ mas, em compensação muitoprecisa - teve uma grande influência (170): as dificul-dades linguísticas foram compensadas pelo enormeinteresse técnico do diploma.

Também aqui, o essencial residia, no entanto, naCiência do Direito que lhe estava subjacente: estapode enfrentar, com êxito, os dois grandes desafiosque lhe foram lançados.

O primeiro derivou da inexistência, no própriotexto do BGB, de normas adaptadas ao trabalho, talcomo este se desenvolve nas sociedades indus-triais (171); o seguinte adveio das perturbações econó-micas e sociais profundas que não cessaram deaumentar depois da primeira guerra mundial.

Em resposta ao primeiro problema nasceu o Direitodo trabalho, como Direito privado especial; o segundoconduziu ao desenvolvimento de vários institutosimportantes, no âmbito civil.

Tudo isto teve uma influência determinante naactual civilística portuguesa, através de um fenómenode recepção, provocado pelo ensino universitário doDireito, a partir de GUILHERME MOREIRA, na vira-gem do século.

do BGB pode ser confrontada em: WIEACKER, História doD. privado moderno 2 cit., 536 ss.; THILO RAMM, Einführungin das Privatrecht / Allgemeiner Teil des BGB 2 (1974), 1,G 13 ss. e L 193 ss.; KARL LARENZ, AIIgemeiner Teil des deut-schen Bürgerlichen Rechts 6 (1983), 15 ss.; para mais ponneno-res, vide WERNER SCHUBERT, Materialien zur Entstehungsge-schichte des BGB: Einführung, Biographien, Materialen (1978);quanto à sua aprovação no Reichstag, cf. MALLMAN, 50 JahreBGB, DRZ 1946, 52.

(1G8) ISELE, Ein halbes Jahrhundert deutsches Bürger-liches Gesetzbuch cit., 3.

(169) Nas palavras da HANS D6LLE, Das BürgerlicheGesetzbuch in der Gegenwart (1950), 15, o BGB não ahriu oportão do séc. XX; fechou o do séc. XIX.

(170) Cf. ZWEIGERT /K6TZ, Einführung in die Rechts-vergleichung 2 cit., § 12 (180 ss.).

(171) Cf. WILHELM KISCH, Fünfzig Jahre BürgerlichesGesetzbuch, NJW 1950, 1-3 (1), HEDEMANN, Fünfzig Jahrecit., 3 e D6LLE, Das Bürgerliche Gesetzbuch cit., 16. Ficaramclássicas, a esse propósito, as críticas movidas na época porOTTO VON GIERKE, Der Entwurf eines bürgerlichen Gesetz-buchs und das deutsche Recht (1889), 245 e ANTON MENGER,Das bürgerliche Recht und die besitzlosen Volksklassen 5

(1927), 160 ss. (a 1." ed. é de 1890). Também o Código Civilfrancês fora omisso no tocante ao contrato de trabalho; em1804, no entanto, ainda não se consumara, em França, aRevolução Industrial, o que permitiria entender o silênciodo Code.

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v. As duas grandes cOdificações - primeira esegunda - foram, inquestionavelmente, a francesa ea alemã. Mais do que a importância dos textos emque se consubstanciaram, convém recordar que esteveem jogo o culminar das duas grandes tradições jus-científicas do continente europeu: a segunda sistemá-tica, como produto do jusracionalismo e a terceirasistemática, como resultado da pandectística. E nasua sequência, surgiriam os dois grandes estilos querepartem hoje o espaço juscultural românico.

O Direito civil posterior manter-se-ia dentro dasbalizas resultantes da sistemática savignyana. E nemse poderá falar, por isso, no estagnar da Ciência Jurí-dica: antes se verifica que uma sistemática integrada,articulada numa síntese entre uma periferia culturale um núcleo juscientífico, destacáveis mas interde-pendentes, pode evoluir a partir do seu própriointerior

Nesta sequência, chamar-se-á «codificações tar-dias» aos códigos civis surgidos depois do BGB, istoé, aos códigos do séc. XX; especialmente em causaficam os Códigos civis suíço (1907), grego (1940),italiano (1942) e português (1966).

As codificações tardias têm, essencialmente, asseguintes características:

- têm em conta as críticas sectoriais feitas àsprimeira e segunda codificações e consagramcertos institutos novos obtidos já depois delas;

- apresentam desvios provocados pelas diversasrealidades nacionais.

- são fruto da terceira sistemática;

- correspondem a uma certa universalização doDireito e da sua Ciência;

As codificações tardias são fruto da terceira sis-temática. Foram precedidas pela recepção e pelodesenvolvimento de uma Ciência Jurídica de tipo pan-dectístico, que procurando evitar os extremos de umDireito puramente raciona lista ou de um Direito empí-rico no seu todo, efectuou a síntese integrada dessesdois níveis jurídicos.

As codificações tardias assentam em transferên-cias culturais relevantes, ocorridas entre os diversosespaços nacionais. O Código Napoleão é um produtoda doutrina francesa, tal como o BGB da doutrinaalemã. Mas as diversas codificações do século XXtiveram, na sua base, estudos científicos alargados,que não se detiveram em fronteiras nacionais ou lin-guísticas. Pode, assim, considerar-se que eles corres-pondem a uma universalização do Direito e da suaCiência que, de então em diante, passaram a actuara uma escala europeia. Trata-se de um fenómeno claro.'1C se considerar, ainda que de modo abreviado, agénese dos Códigos suíço, grego, italiano e português.

As codificações tardias aproveitaram as críticasreitas aos códigos anteriores: evitaram erros de con-cepção - por exemplo, a «parte geral» foi suprimidanos códigos suíço e italiano - e consagraram, demodo expresso, institutos resultantes de uma elabo-

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ração jurisprudencial posterior a 1900 - por exem-plo, o abuso de direito, a alteração das circunstânciasou a violação positiva do contrato.

As codificações tardias apresentam, por fim, umaidentidade própria, motivada pelas particularidadesdos espaços em que surgiram.

VI. A feição assumida pelas diversas codificaçõescivis - no fundo, pois, a sua filiação, em termos sis-temáticos - condiciona e explica muitas das diversi-dades subjacentes, em termos de soluções para osproblemas.

A teoria evolutiva dos sistemas põe em relevo opensamento sistemático como factor necessário emqualquer pensamento jurídico. No fundo, ele dá corpoaos elementos culturais e históricos que se inserem,constituintes, no tecido jurídico, condicionando, paraalém disso, todas as operações de realização doDireito e da sua justificação.

12. O esquema concepto-subsuntivo; crítícas; a uni-dade de realização do direito e a naturezaconstituinte da decisão

I. O esquema clássico da realização do Direito -aliás ainda largamente defendido e, sobretudo, utili-zado - assentava em dois pilares essenciais: a com-partimentação do processo interpretativo-aplicativo eo método da subsunção.

O processo da realização do Direito era decom-posto em várias operações: a determinação da fonterelevante, a sua interpretação, a integração de even-tuais lacunas - admitidas com dificuldade, como foivisto -, a delimitação da matéria de facto resultante,(l sua qualificação jurídica e a aplicação.

Na base deste entendimento está, por um lado, aconcepção jusracionalista da separação dos poderese, por outro, o estilo savignyano da formação dosconceitos, na degenerescência subsequente conhecidapor elaboração conceitual do Direito. A separaçãodos poderes, levada ao mais marcado grau, intenta,do juiz, fazer um autómato: todas as soluções estãoIHI lei, cabendo ao julgador, sem margem de arbítrio,retirar. dela, as saídas concretas. A elaboração con-

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ceitual do Direito, por seu turno, deriva de se traba-lhar não já com as instituições cuja contemplação-nas palavras de SAVIGNY - permitiria a formaçãointuitiva dos conceitos mas, tão-só, com os própriosconceitos já formados.

O método da subsunção resultava, por seu turno,da particular técnica de elaboração da premissa menordo silogismo judiciário (172), assente na reconduçãoautomática de certos factos a determinados conceitosjurídicos.

Por seu turno, a subsunção abre as portas aométodo da inversão (173): com base na construção deconceitos, procedia-se à sua definição exacta e à suarecondução a conceitos gerais; estes são, depois, usa-dos para integrar lacunas, invertendo-se, com isso, arelação entre o especial e o geral. Em termos maislatos: o conceito traduz, por definição, uma reduçãosimplificativa da realidade sobre a qual ele foi con-feccionado; pretender passar do conceito para a reali-dade, sempre mais rica, além de traduzir uma inver-são metodológica, implicaria, de modo necessário, ocomplemento do conceito com elementos estranhosàs proposições conceptualizadas e, como tal, estra-nhos à fundamentação e à demonstração.

Finalmente, tanto a compartimentação como asubsunção radicam numa posição positivista básica.Daí o soçobrarem perante os obstáculos, já referi-dos (' 7"): a ocorrencia de normas vagas, indetermina-do:-:, suscepHvcis de concretização, apenas, no casoconcrdo; a incompleitude do sistema com a subse-qwmLc presença de lacunas intra e extra-sistemáticas;a ocorrenda de contradições de princípios; a existên-cia, por fim, de soluções injustas ou inconvenientes.

H. O processo clássico, acima esquematizado,depara, contudo, com vários e decisivos óbices.

A compartimentação nas operações de realizaçãodo Direito não resiste à própria observação da reali-dade. Quando soluciona os problemas que se lheponham, o jurista dá corpo a uma actuação unitáriaque, em conjunto, trabalha com fontes, com factos,com a interpretação e com a aplicação. Apenas numesforço de análise é possível, num todo unitário,apontar várias operações.

(172) No silogismo judiciário, a premissa maior resultariada interpretação que facultaria a regra aplicável (p. ex., oscontratos devem ser cumpridos), a premissa menor, da subsun-ção de certos factos considerados relevantes em determinadoconceito jurídico (p. ex., as declarações feitas por A e B cor-respondem a um contrato) e a solução, da própria conclusãodo silogismo (p. ex., A e B devem cumprir o contrato quecelebraram). Como se vê, a chave do processo não reside naconclusão - sempre automática - nem na formação da pre-missa maior; ela está, pelo contrário, na premissa menor, maisprecisamente na subsunção.

IH. As críticas ao esquema concepto-subsuntivo,bastante comuns na sequência da divulgação de

(173) Cf. HECK, Rechtsgewinnung 2 cit., 10 e Begriffsbil-dung cit., 92.

(174) Supra, n." 2, II.

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HECK, não foram, em tempo útil, seguidas por ade-quadas propostas alternativas. Os esquemas tradicio-nais de realização do Direito eram destruídos, nadase oferecendo em troca, salvo as abstractas conside-rações tecidas pelo irrealismo metodológico. Aquiestará mais um factor - e não dos menores - queterá jogado no divórcio entre o pensamento metodo-lógico e a dogmática jurídica.

No entanto, este aspecto está hoje superado: épossível apresentar, com precisão, um esquema derealização do Direito, que funcione como alternativaaos esquemas clássicos registados. A alternativaassenta em dois pontos fundamentais: a unidade derealização do Direito e a natureza constituinte dadecisão.

A realização do Direito é unitária: apenas em aná-lise abstracta é possível decompô-Ia em várias fasesque funcionam, tão-só, em inseparável conjunto.Particularmente focada é a unidade entre interpreta-ção e aplicação (175). Mas há que ir mais longe:tudo está implicado, desde a localização da fonte à

delimitação dos Jactores relevantes; o caso é partede um todo vivo (176), sendo certo que interpretar éconhecer e decidir (177); a própriaj ontologia doDireito foi, numa última revisão do seu pensamento,fixada por ARTHUR KAUFMANN, na relação entre() caso e a norma (178).

Não quer dizer que se percam ou devam perdertodos os clássicos elementos da interpretação e daaplicação, em nome de um reducionismo informe.Apenas se chama a atenção para a necessidade de,aquando da realização do Direito, não perder de vista,em estereotipos, a natureza do labor em curso. Podefalar-se, também aqui, num círculo ou espiral de rea-lização do Direito: há que passar da interpretaçãoà aplicação e, destas às fontes e aos factos, tantasvezes quantas as necessárias para obter uma sínteseque supere todas essas fases, na decisão consti-tuinte final.

IV. A natureza constituinte da decisão parte daconstatação, em si simples, de que apenas na solução

(175) Assim: F. MÜLLER, Normstruktur und Normativitãtcit., 39; LARENZ, Aufgabe und Eigenart der Jurisprudenz,JuS 1971, 449-455 (453) e Methodenlehre 5 cit., 202 ss.; GADA-MER, Wahrheit und Methode 4 cit., 307 ss. (312); E. MEYER,Grundztige einer systemorientierten Wertungsjurisprudenz cit.,59 ss.; W. KRA WIETZ, Zur Korrelation von Rechtsfrage undTatfrage in der Rechtsanwendung, em NORBERT ACHTER-BERG, Rechtsprechungslehre (1986), 517-553 (551); CASTA-NHEIRA NEVES, Interpretação jurídica, Enc. Pólis 7 (1985),651-707 (698 ss.); MENEZES CORDEIRO, Lei (aplicação da),Enc. Pólis 3 (1985), 1046-1062 (1049 ss.).

(176) JAN SCHAPP, Hauptprobleme der juristischenMethodenlehre cit., 15 ss ..

(177) BERND-CHRlSTIAN FUNK, Juristische AuslegungaIs Erkenntnis- und Entscheidungsprozess, em KRA WIETZ//OPALEK/PECZENIK/SCHRAMM, Argumentation und Herme-neutik in der Jurisprudenz, RTh BH 1 (1979), 107-112.

(178) ARTHUR KAUFMANN, Vorüberlegungen zu einerjuristischen Logik und Ontologie der ReIationen, RTh 17 (1986),257-276 (264); como aí se explica, a construção dos jactorese a interpretação da norma estão entre si numa relação demútua correlatividade.

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concreta há Direito (179). Basta atentar no dilemaalternativo: conhecer um Direito independentementedas soluções que ele promova ou viabilizar decisõesjurídicas sem a prévia intervenção de regras consti-tuintes e legitimadoras.

A decisão constituinte é, por definição, uma mani-festação de vontade humana. Trata-se, porém. nãode uma vontade vinculada, no sentido de se limitara apreender os elementos dados pelas fontes e pelosfactos, tirando, depois, a lógica conclusão, mas deuma manifestação cognitivo-volitiva: o julgado rapreende certos elementos e decide, criativamente,em termos finais (180). Por certo que o quantum dacriatividade não é uniforme: atingindo um máximo

(/quando da aplicação de conceitos vazios ou da inte-f{ração de lacunas rebeldes à analogia e extra-siste-m.áticas, ele surge reduzido perante normas rígidas oumesmo típicas. Mas existe sempre, desde a apreensãoelos factos à localização das fontes.

A natureza cognitivo-volitiva da decisão jurídicaf>(~rmite captar o relevo da sua capacidade consti-{,uinte. A decisão implica sempre algo de novo, queClf>enasnela ocorre e se concretiza (181). Também por('.sta via fica clara a impossibilidade de fazer meto-elologia sem dogmática.

13. Os modelos de decisão; pré-entendimento,sil1épica e integração horizontal

(179) Ainda que em termos diversos, refiram-se: HELMUTCOING, Die AusIegungsmethoden und die Lehren der allge-meinen Hermeneutik (1959), 23; LARENZ, Aufgabe und Eigen-hart der Jurisprudenz cit., 450; J. LLOMPART, Juristischesund Philosophisches Denken cit., 86; RALF DREIER, ZumSeIbstverstandnis der Jurisprudenz aIs Wissenschaft. RTh 2(1971), 37-54 (43 e 45); FRANZ HORAK, Zur rechtstheoreti-schen Problematik der juristischen Begründung von Entschei-dungen, em RAINER SPRUNG, Entscheidungsbegründung(1974), 1-26 (1 ss.); W. ROTHER, EIemente und Grenzen deszivilrechtlichen Denkens (1975), 12.; H. ALBERT, Traktat überrationale Praxis (1878), 22 ss. e 65 ss.; GERHARD HASSOLD,Strukturen der GesetzesausIegung, FS Larenz I 80 (1983),2II-240 (212-213).

(180) Estas construções surgiram já há mais de cemanos - p. ex., OSKAR BÜLOW, Gesetz und Richteramt (1985),29 ss., 32, 36 e 81 ss. - tendo sido desenvolvidas, na actualí-dade, pelas sínteses hermenêutícas acima referencíadas.

L A natureza constituinte, volitivo-cognitiva, derealização do Direito obriga a recolocar o processoela sua efectivação. Na sua base está, como foí dito,a vontade humana. Não se trata, porém, duma von-tade arbitrária; pelo contrário, é uma vontade orien-{;ada por uma série de proposições dadas pela Ciência

(181) A. KAUFMANN, num prisma lógico, e utilizando oseI1[;udosde PIERCE, chama a atenção para este fenómeno enfo-nllldo que, para além das operações clássicas da dedução e dailldução, existe uma terceira forma de concluir: a abdução.Nela, em vez de se progredir estritamente na base de elemen-[.OS já disponíveis, introduz-se uma ideia nova. Cf. A. KAUF-MANN, Vorüberlegungen zu einer juristischen Logik und Onto-logie der ReIationen cit., 260 ss ..

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do Direito. Tais proposlçoes, porquanto dirigidas àvontade humana, são argumentos em sentido próprio.Eles jogam entre si em função do peso próprio e dopapel que lhe atribua o sistema, articulando-se emmodelos de decisão.

Os modelos de decisão apresentam densidadesmuito variáveis, consoante a margem de discriciona-riedade que deixem ao intérprete-aplicador. Serámesmo possível fixar categorias de modelos, em con-sonância com esse factor: modelos rígidos, quando adecisão tenha de seguir estritamente o sentido incul-cado por certas proposições (p. ex., a maioridade aos18 anos); modelos comuns, sempre que proposiçõesfirmes se articulem com valorações do intérprete(p. ex., a interpretação dum negócio); modelos móveis,caso haja que atender a vários factores, que o intér-prete terá de ordenar em concreto (p. ex., a indemni-zação de danos provocados em estado de necessidade,artigo 339.°12 do Código Civil); modelos de equidade,nas hipóteses em que se dispensem quaisquer elemen-tos formais; modelos vagos, por via da junção damobilidade com princípios em oposição (p. ex., a alte-ração das circunstâncias, artigo 437.°11 do CódigoCivil); modelos em branco se, porventura, ocorreruma lacuna extra-sistemática ou uma irredutível con-tradição de princípios.

mcntos, utilizáveis desde que se não perca de vista aunidade do processo. Os conhecimentos hoje dispo-níveis levam, contudo, a alargar o processo de reali-zação do Direito em dois sentidos: a montante, atravésdo pré-entendimento e a jusante, com recurso à ideiade sinépica.

O pré-entendimento, já considerado (182), implicaaqui que o intérprete-aplicador, quando confeccione emanuseie os modelos de decisão, tenha já uma pré--visão do problema, fruto da sua experiência, dosseus conhecimentos, das suas convicções e da próprialinguagem. Esta realidade não pode escapar à Ciênciado Direito, sob pena de se admitirem áreas não-cien-tíficas no processo de decisão. Por isso, através daanálise dos factores pré-firmados da decisão, e assu-mindo-se, designadamente, a dimensão pedagógica doDireito, há que integrar, na medida do possível, opróprio pré-entendimento nos modelos de decisão,limando arestas e valorizando os factores sistemáti-cos que inclua.

III. Na outra extremidade do processo, há quelidar com as denominadas consequências da decisão.Na origem, pode colocar-se o utilitarismo, deBENTHAM a JHER1NG e precisado através deBIERLING (183), que veio exigir, na interpretação, aindagação do escopo prosseguido pelo legislador.

lI. Os elementos que compõem os modelos dedecisão - os argumentos - advêm do labor da Ciên-cia do Direito, no seu diálogo com as fontes. Têm,com esse fito, sido aperfeiçoados múltiplos instru-

(182) Supra, n.o 7, lI.(183) ERNST RUDOLF B1ERLING, Juristische Prinzipien-

lehre, 4.0 vol. (1911, reimpr. 1961), 276.

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Desenvolveu-se, assim, o factor teleológico da interpre-tação (184), particularmente valorado por CANARIS.

Vai-se, agora, mais longe. Para além da finalidadedo Direito, a consignar condignamente nos modelosde decisão, há que lidar com as consequências dessaprópria decisão (185). Na verdade, a sequência da deci-são - domínio, em princípio, fora já da esfera do jul-gador - pode sufragar ou inviabilizar os objectivosda lei e do Direito. Ignorá-lo, enfraquece a mensagemnormativa; incluí-lo no próprio modelo de decisãopermite, em definitivo, superar estádios meramenteformais no domínio da aplicação do Direito. Nessalinha, surge a sinépica: trata-se de um conjunto de

regras que, habilitando o intérprete-aplicador a «pen-sar em consequências», permitem o conhecimento e aponderação dos efeitos das decisões (180).

IV. A consideração do pré-entendimento e dosaspectos sinépicos das decisões correspondem comoque a uma integração vertical do processo de realiza-ção do Direito. Impõe-se, também, uma integraçãovertical.

Perante um problema a resolver, não se aplica,apenas, a norma primacialmente vocacionada para asolução: todo o Direito é chamado a depôr. Por isso,há que lidar com os diversos ramos do Direito, emtermos articulados, com relevo para a Constituição -a interpretação deve ser conforme com a Constitui-ção (187), os diversos dados normativos relevan-

(184) Cf. HARRO HOGER, Die Bedeutung von Zweckbe-stimmung in der Gesetzgebung der Bundesrepublik Deutschland(1976) e V1LMOS PESCHKA, Die Theorie der Rechtsnormen(1982), 16 88.•

(185) ADALBERT PODLECH, Wertungen und Werte imRecht, AOR 95 (1970), 185-223 (198 88.) e Recht und Moral"RTh 3 (1972), 129-148 (138); GÜNTHER TEUBNER, Folgenkon-trolle und responsive Dogmatik, RTh 6 (1975), 179-204 (182 e200-201); RE1NHARD DAMM, Norm und Faktum in der his-torischen Entwicklung der juristischen Methodenlehre, RTh 7(1976), 213-248 (228); ER1CH DOHR1NG, Die gesellschaftli-chen Grundlagen der juristischen Entscheidung (1977), 3; THO-MAS SAMBUC, Folgenerwagung im Richterrecht (1977), 138;THOMAS W. WALDE, Juristische Folgenorientierung I «PolicyAnalisis» und Sozialkybernetik: Methodische und organisato-rische überlegung zur Bewaltigung der Folgenorientierungim Rechtssystem (1979), 24 88.; ZINKE, Die Erkenntniswertpolitischer Argumente in der Anwendung und wissenschaftli-chen Darstellung des Zivilrechts cit., 70 88. e HERMANNH1LL, Einführung in die Gesetzgebungslehre, Jura 1986,57-67 (63).

(186) Cf. WOLFGANG FIKENTSCHER, Synepeik in Rechtund Gerechtigkeit I Synepeics in Law and Justice (1979, polie.),Methoden des Rechts, 5." vol. (1977), 30 e 32 e Synepeik undeine synepeisehe Definition des Rechts, em Entstehung undWandel recht1icher Traditionen (1980), 53-120.

(187) Cf., p. ex.: FR1EDRICH SCHACK, Die verfassungs-konforme Auslegung, JuS 1961, 269-274; HELMUT M1CHAEL,idem 274-281; WOLF-DIETER ECKART, Die verfassungskon-forme Auslegung von Gesetzen (1966), 21 88., 86 88., 127 88. epassim; H. BOGS, Die verfassungskonforme Auslegung vonGesetzen unter besonderer Berücksichsichtigung der Recht-sprechung des Bundesverfassungsgerichts (1966); DETLEFCHR1STOPH GbLDNER, Verfassungsprinzip und Privatrechts-norm in der verfassungskonformen Auslegung und Rechts-fortbildung (1969), 43 88. e pa8sim; FR1EDR1CH MüLLER,Juristische Methodik (1976), 168 88.; HANS-PAUL PRÜMM,

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tes (188) e os próprios níveis instrumentais, como oprocesso (189).

A especialização dos juristas deve ser complemen-ta da com novas sínteses e conexões que, à realizaçãodo Direito, dêem todas as suas dimensões.

admite questões a ele exteriores, que terão de encon-trar saídas; intensivo por oposição a contínuo: com-patibiliza-se, no seu interior, com elementos materiais(1 ele estranhos. Móvel por, no seu seio, não postularproposições hierarquizadas, antes surgindo intermu-táveis. Heterogéneo por apresentar, no seu corpo,áreas de densidade diversa: desde coberturas integraispor proposições rígidas até às quebras intra-sistemá-ticas e às lacunas rebeldes à analogia. Cibernéticapor atentar nas consequências de decisões que legi-time, modificando-se e adaptando-se em função des-ses elementos periféricos.

L As exigências renovadas de uma Ciência Jurí-dica clara e precisa, capaz de responder a uma reali-dade em evolução permanente e que tenha em contaos actuais conhecimentos hermenêuticos e as exigên-cias de maleabilidade deles decorrentes apontam paraum novo pensamento sistemático.

Tal pensamento pode ser comodamente indiciadoatravés de quatro requisitos presentes no sistema porele postulado: trata-se de um sistema aberto, móvel,heterogéneo e cibernética. Aberto no duplo sentido deextensivo e intensivo; extensivo por oposição a pleno:

lI. O Pensamento sistemático e conceito de sis-tema, de CLAUS- WILHELM CANARIS, escrito há jáalguns anos, mas sufragado, ainda, pelo seu Autor,aparece como uma obra de charneira, na grande vira-gem da Ciência Jurídica dos nossos dias.

Procurando introduzir a clareza e a precisão numdomínio que se presta a confusos desenvolvimentos,CLAUS-WILHELM CANARIS sintetiza, num pequenolivro, a ideia, o conteúdo, a natureza e os limites dopensamento sistemático. A carga que as fáceis apro-ximações entre o sistema e os axiomas têm provocadoé alijada, com isso se prevenindo o espectacular retro-cesso que o apelo acrítico à tópica formal vinha pro-vocando na Ciência do Direito. Finalmente, o dis-curso teórico relativo ao sistema é acompanhado edesenvolvido com base em problemas jurídico-positi-vos retirados do Direito privado. Consegue-se, assim,

Verfassung und Methodik / Beitrage zur verfassungskonformenAuslegung, Lückenerganzung und Gesetzeskorrektur (1977),10055.; P. SCHIFFAUER, Wortbedeutung und Rechtserkenntniscit., 71 S5.; R. ZIMMERMANN, Die Relevanz einer herrschen-den Meinung cit., 106 55••

(188) Cf. JOHANNES HAGER, Gesetzes- und sittenkon-forme Auslegung und Aufrechterhaltung von Rechtsgeschaften(1983).

(189) Cf. ERW1N QUAMBUSCH, Recht und genetischesProgramm / Ansatze zur Neubelebung de5 Naturrechtsgedan-kes (1983), 185 55. e HERMANN HUBA, Juristische Rhetorik,Jura 1987, 517-521 (517).

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um passo pioneiro no domínio da superação do irrea-lismo metodológico.

Ao promover a presente tradução, a FundaçãoCalouste Gulbenkian dá mais um passo importantena linha fina e segura que vem seguindo em ediçõesdeste tipo: põe à disposição do público universitáriode língua portuguesa uma obra que prenuncia, domelhor modo, a Ciência do Direito do virar doséculo. o presente escrito resultou da conferência que eu

proferi no dia 20 de Julho de 1967, no âmbito do meuprocesso de habilitação, perante a Faculdade deDireito da Universidade de Munique. A sua elabora-ção ficou concluída em Agosto de 1968; a literaturaposteriormente aparecida só pode ser considerada iso-ladamente nas notas de rodapé.

O trabalho é dedicado ao meu muito venerado mes-tre Karl Larenz, como modesto sinal da gratidão pelofico incentivo que dele recebi, no domínio científicocomo no pessoal. Para além disso, devo também agra-decer aos restantes membros da Faculdade de Muni-que a benevolência e a simpatia que, no meu tempo deassistente e de docente, sempre me concederam.

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o presente escrito, que remonta à minha conferên-cia de habilitação feita no ano de 1967, encontra-seesgotado há muitos anos. Não obstante, só com hesi-tação acedi ao desejo, manifestado pela Editora, deuma nova edição pois, por razões atinentes à técnicada impressão, havia que excluir grandes alterações.Não obstante, as ideias fundamentais, tal como resul-tam, em especial, das teses inseridas no fim do livro,correspondem, ainda hoje, ao meu pensamento. Desistipois de, no particular, realizar grandes acrescentos.O texto corresponde assim, salvas pequenas altera-ções, ao da primeira edição. Outro tanto sucede comas citaçõe.s, que eu deixo no estado anterior; actualizá--Ias ou, até, continuar a discussão desde então iniciada,teria forçosamente conduzido a reescrever, em parte,o livro - e não foi esse, como se disse, o objectivodesta nova edição.

Estão em preparação traduções em japonês e emportuguês.