80
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ IGOR TOLSTOI MAIA DUARTE A VALIDADE DA SÚMULA VINCULANTE SOB A ÓTICA DA TEORIA DO GARANTISMO JURÍDICO BIGUAÇU 2010

A VALIDADE DA SÚMULA VINCULANTE SOB A ÓTICA DA …siaibib01.univali.br/pdf/Igor Tolstoi Maia Duarte.pdf · 3 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de sistema

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

IGOR TOLSTOI MAIA DUARTE

A VALIDADE DA SÚMULA VINCULANTE SOB A ÓTICA DA TEORIA DO GARANTISMO JURÍDICO

BIGUAÇU

2010

2

IGOR TOLSTOI MAIA DUARTE

A VALIDADE DA SÚMULA VINCULANTE SOB A ÓTICA DA TEORIA DO GARANTISMO JURÍDICO

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. MSc. Juliano Keller do Vale

BIGUAÇU 2010

3

IGOR TOLSTOI MAIA DUARTE

A VALIDADE DA SÚMULA VINCULANTE SOB A ÓTICA DA TEORIA DO GARANTISMO JURÍDICO

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração:

Local, dia de mês de ano.

Prof. MSc. Juliano Keller do Vale UNIVALI – Campus de

Orientador

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

4

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 31 de maio de 2010.

Igor Tolstoi Maia Duarte

5

RESUMO

Este trabalho tem como objeto o estudo da súmula vinculante sob a ótica do

garantismo jurídico. É fato de que desde que a Emenda Constitucional nº 45 trouxe o

referido instituto ao ordenamento jurídico brasileiro através do art. 103-A da

Constituição Federal e, posteriormente, a Lei nº 11.417/2006 regulou o tema, tem se

notado uma beligerância doutrinária ferrenha entre duas correntes: aqueles que

defendem o instituto como um modelo de controle de constitucionalidade eficaz,

trazendo de certa forma celeridade, segurança jurídica e igualdade nas decisões.

Outros argumentam que emitir força vinculante às súmulas é temeroso, visto que

ataca diretamente a independência do juiz, concentra poderes nos tribunais

superiores, entre outros.

Aqui se analisará a súmula vinculante pela ótica do garantismo jurídico,

teoria advinda de Luigi Ferrajoli que prega a supremacia da constituição e defesa e

efetivação pelos magistrados dos direitos fundamentais. Quem está certo e quem

está errado? Pode a teoria garantista oxigenar o debate e dar uma nova saída para

o imbróglio doutrinário? São essas e outras questões que esse trabalho procura

desenvolver.

Palavras-chave: Princípios. Livre convencimento do juiz. Segurança jurídica.

Celeridade processual. Direitos Fundamentais. Garantismo Jurídico. Súmula

Vinculante.

6

ABSTRACT

This work has as object of study the summary binding under the eyes of the legal

guarantee. It is a fact that since the Constitucional Amendment nº brought that

institute to the brazilian legal planning through the art. 103-A of the Federal

Constitution and, after the law n. 11.417/2006 regulated the subject, it has been

noticed some doctrinal belligerency between to chain of thought: those who defend

the summary binding as an effective model of judicial review, bringing in a certain

way celerity, legal safety and equality in decisions. Others argue that emit binding

force to the summaries is fearful, as it attacks directly the judge independency,

concentrate powers in the superior courts of justice, etc.

Here it will be examinated the summary binding by the optics of the legal guarantee,

arising theory from Luigi Ferrajoli that folds the supremacy of the constitution and

advocates the fulfillment of the magistrates of fundamental rights. Who is right and

who is wrong? Can the garantism theory oxygenate the debate and give a new way

out to the doctrinal problem? It is those questions that this work proposes to develop.

Keywords: Principles. Free persuasion of the judge. Legal safety. Processual

celerity. Fundamental Rights. Legal Guarantee. Binding summary.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 8

1- PRINCÍPIOS JURÍDICOS ............................................................................. 10

1.1. CONCEITO, CARACTERIZAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO ENTRE NORMAS E

PRINCÍPIOS .............................................................................................................. 10

1.2. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ ........................................ 18

1.3. PRINCÍPIOS BASE DA SÚMULA VINCULANTE ............................................... 23

1.3.1. Princípio da Segurança Jurídica .................................................................. 23

1.3.2 Princípio da Celeridade Processual.............................................................. 27

2. GARANTISMO JURÍDICO ............................................................................ 30

2.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................. 30

2.1.1. Conceito ......................................................................................................... 30

2.1.2. Natureza e eficácia dos direitos fundamentais ante a norma ................... 33

2.1.2. Elementos dos direitos fundamentais ......................................................... 34

2.1.4. Classificação dos direitos fundamentais .................................................... 35

2.1.5. Integração das categorias de direitos fundamentais ................................. 38

2.2. GARANTISMO JURÍDICO ................................................................................. 39

3. SÚMULA VINCULANTE ................................................................................ 47

3.1. CONCEITO DE SÚMULA VINCULANTE E FUNDAMENTAÇÃO ...................... 47

3.2. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 2004 .................................................. 52

3.3. LEI Nº 11.417, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006 ............................................... 54

3.4. CORRENTE FAVORÁVEL À SÚMULA VINCULANTE ...................................... 60

3.5. CORRENTE CONTRÁRIA À SÚMULA VINCULANTE ...................................... 66

CONCLUSÃO ....................................................................................................... 74

REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS ............................................................... 77

8

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por escopo o estudo da validade, ou não, do instituto da

súmula vinculante, frente à teoria do garantismo jurídico. Analisar-se-á

primeiramente o conceito de princípios jurídicos, sua caracterização e a diferença

deste para com as normas em geral. Empós, os princípios que servem como base

para a súmula vinculante, e também aquele que seria violado em tese por este,

segundo a doutrina.

Em um segundo momento, se passará a analisar os direitos fundamentais,

base fundamental da teoria garantista. O conceito, natureza e eficácia dos direitos

fundamentais ante a norma, os seus elementos, suas classificações e a integração

de suas categorias ante a norma.

Após, se examinará a teoria do garantismo jurídico. Os três conceitos

formulados por Luigi Ferrajoli, o papel do juiz como defensor da constituição e dos

direitos fundamentais e a interpretação das normas infraconstitucionais frente à

Constituição Federal.

No terceiro capítulo, e não menos importante, se vislumbrará, então, o

conceito, a formulação e a regulamentação da súmula vinculante, além da opinião

da doutrina sobre tão controverso tema. É fato que desde que a Emenda

Constitucional nº 45 trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro o art. 103-A da Carta

Magna, poucas às vezes a doutrina e até mesmo a opinião pública divergiram tanto

sobre um tema. Muitos defendem a súmula vinculante como instrumento para tornar

mais ágil e célere o processamento e julgamento dos processos que abarrotam os

tribunais e varas do Brasil, além de proporcionar ao cidadão a previsibilidade das

decisões judiciais, oferecendo, então, uma suposta segurança jurídica a toda a

sociedade.

Já outros defendem a invalidade da súmula vinculante, argumentando,

principalmente, que o novo instituto violenta o princípio da independência jurídica do

julgador; restringe a criação do direito pela jurisprudência; concentra poder nos

tribunais superiores.

9

Diante do embate sem fim entre ambas as correntes doutrinárias, este

trabalho procura responder as seguintes perguntas: Quais das duas estão certas, ou

ambas estão erradas sob a ótica do garantismo jurídico? E se for assim, como pode

o magistrado elucidar a questão o magistrado? Qual o papel da súmula vinculante

segundo a teoria garantista? Mais: que função o garantismo delega ao juiz frente

aos direitos fundamentais e a Constituição Federal e como este deve interpretá-la?

Para elaboração deste trabalho será utilizado o método dedutivo e serão

realizadas pesquisas bibliográficas e doutrinárias que versam sobre o tema em

discussão.

10

1- PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Neste capítulo, através de um estudo, se analisará os princípios que servem

como base para o instituto da súmula vinculante, bem como o do livre

convencimento fundamentado. Este último princípio é o argumento que a doutrina

argumenta de forma mais veemente contra a súmula vinculante. Para entender toda

a questão polêmica advinda desse instituto, primeiramente é necessário

compreender os princípios jurídicos, seus conceitos, caracterização e as diferenças

destes para com as normas jurídicas.

1.1. CONCEITO, CARACTERIZAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO ENTRE NORMAS E

PRINCÍPIOS

Para Bonavides, os princípios são toda a norma jurídica, enquanto

consideradas determinantes de uma ou muitas outras subordinadas, que a

pressupõem, desenvolvendo-se e especificando ulteriormente o preceito em

direções mais particulares, das quais determinam e, portanto, resumem

potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam ao

contrário apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.1

Ensina Lorenzetti que, ao longo da história têm os princípios revelados duas

virtudes que lhe deram força. A primeira é a sua simplicidade, ou pelo menos a

aspiração de ter um conjunto de idéias que orientem o cálculo jurídico. A segunda é

sua hierarquia superior2.

Canaris diz que:

O princípio ocupa o ponto intermediário entre o valor, por um lado, e o conceito, por outro: ele excede aquele por estar suficientemente determinado para compreender uma indicação sobre as conseqüências jurídicas, e com isso, para possuir uma configuração

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros,

2003. p. 187. 2 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998. p. 43

11

especificamente jurídica e ultrapassa esta por ainda não estar suficientemente determinado para esconder a valoração.3

Cita, ainda, quatro características gerais: não valem sem exceção, podendo

entrar em oposição ou contradição entre si; não são exclusivos, podendo-se utilizar

um ou outro(s) para solucionar casos idênticos; os princípios, isoladamente, não

demonstram seu autêntico valor, sendo necessárias complementações e

combinações para que possam ostentar sentidos próprios; para um correto

funcionamento é fundamental a associação a regras e subprincípios, momento em

que ocorre a intermeação de novos valores autônomos, como os presentes no

próprio intérprete.4

Por seu turno, Ruy Espíndola aduz que, para caracterizar os princípios não

bastam cingir-se aos elementos de natureza jurídica, mas também política,

ideológica e social, como, de resto, o Direito e as demais normas de qualquer

sistema jurídico. A eficácia no plano da práxis jurídica – entendida como

concretização do Direito no sentido mais amplo possível – alcança, muito além dos

procedimentos estatuídos (judicialistas, legislativos e administrativos), até a

organização política dos mais diversos segmentos sociais, como os movimentos

populares, sindicatos e partidos políticos.5

David Araújo e Nunes Júnior conceituam os princípios consignados na Carta

Magna de maneira diversa. Estes autores os entendem como “regras-mestras” que

existem no ordenamento jurídico e não trabalham a dicotomia clássica entre regras e

princípios. Para eles, existem dois tipos de regras: as estruturais, que são os

princípios, e as regras derivadas destes princípios, que são as demais previsões

existentes em um determinado sistema jurídico.6

Adotando a sistemização de Carmen Lúcia Antunes Rocha, os autores

elencam as seguintes características dos princípios:

3 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 87. 4 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. pp. 88-89. 5 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 79. 6 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 43.

12

a) generalidade – são genéricos, não se aplicando a qualquer situação

concreta;

b) primariedade – são primários, deles decorrendo outros princípios;

c) dimensão axiológica – os princípios constitucionais trazem valores éticos

que refletem uma doutrina, um posicionamento político, devendo sofrer alteração

quando tais valores também se alterem.7

Autores estrangeiros, como Konrad Hesse, reconhecem valores

fundamentais nas previsões principiológicas inscritas na Constituição. O autor

alemão explica que os princípios constitucionais são “os princípios diretivos,

segundo os quais deve formar-se unidade política e devem ser exercidas tarefas

estatais. A Lei Fundamental nomeia esses princípios no preâmbulo e no art. 1º”.8

Argumenta Cruz que:

Os princípios constitucionais [...] são a expressão dos valores fundamentais da sociedade criadora do Direito. Como a Constituição não é somente um agrupamento de normas jurídicas, mas a concretização e positivação destes valores deve haver uma harmonia fundante os princípios e as regras, como partes que coabitam um mesmo ordenamento, sendo que os primeiros são espécie, e as segundas, gêneros desta.9

Neste diapasão, leciona Buechele:

[...] à seu turno, Alexy pontifica que tanto as regras como os princípios também são normas, porquanto ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição. Ambos, igualmente, constituem fundamentos para juízos concretos de dever, malgrado fundamentos de espécies distintas.10

Alexy apresenta, nesse sentido, uma teoria dos princípios como uma

“axiologia isenta de suposições insustentáveis”11. Portanto, o autor alemão embasa

sua teoria na combatida axiologia dos Direitos Fundamentais, como única via

possível de sustentação e viabilização desses direitos. Alexy, em sua proposta

7 ROCHA, Carmen Lúcia. Princípios Constitucionais da administração pública. Belo Horizonte; Del Rey, 1994. p. 43. 8 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1998. p. 109. 9 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 102 10 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da constituição. Rio de janeiro: Renovar, 1999. p.17. 11 ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 25.

13

teórica, equipara princípio a valor12. O que hoje são os Direitos Fundamentais, em

sua opinião, é definido principalmente sobre a base da jurisprudência do Tribunal

Constitucional Alemão, a também chamada “jurisprudência de valores”13, que

concebe a Constituição como uma ordem concreta de valores.14

Com sua teoria, o autor parte da análise estrutural da norma de direito

fundamental, apresentando uma diferenciação entre regras e princípios,

considerando-os como espécies do gênero “norma”. Em sua opinião, tal

diferenciação constitui a base da fundamentação jusfundamental e uma chave para

a solução dos problemas centrais da dogmática dos Direitos Fundamentais. A

distinção entre regras e princípios constitui, demais isso,

El marco de una teoria normativo-material de los derechos fundamentales y, con ello, un punto de partida para responder a la pregunta acerca de la possibilidad y los límites de la racionalidad em el ámbito de los derechos fundamentales. Por todo esto, la distinción entre regras e princípios es uno de los pilares fundamentales del edifício de la teoría de los derechos fundamentales.15

O professor alemão chama a atenção ao fato de que tanto as regras, como

os princípios são normas que dizem respeito ao “dever ser”, pois, “ambos pueden

ser formulados com la ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, la

permision y ça prohibición”. Ressalta que “los princípios, al igual que las reglas, son

razones para juicios concretos de deber ser, auncuando sean razones de um tipo

12 ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. p. 138 e 147. 13 Alexy enfrenta, nesse sentido, as fortes críticas de Jürgen Habermans, que se recusa a conceber a Constituição como ordem valorativa, diante da falta de caráter deontológico dos valores, defendendo uma visão procedimentalista do texto constitucional. Habermans afirma: “Princípios ou normas mais elevadas, em cuja luz outras normas podem ser justificadas, possuem um sentido deontológico, ao passo que os valores têm um comportamento que preenche expectativas generalizadas, ao passo que valores devem ser entendidos como preferências compartilhadas intersubjetivamente. Valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas em determinadas coletividades, podendo ser adquiridas ou realizadas através de um agir direcionado a um fim. Normas surgem com uma pretensão de validade binária, podendo ser válidas ou inválidas. [...] Os valores, ao contrário, determinam relações de preferência, as quais significam que determinados bens são mais atrativos que os outros” (HABERMANS, Jürgen. Direito e Democracia: entre factidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 316-317). 14 ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. p. 23-24. 15 ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. p. 81-82.

14

muy diferente”, e arremata dizendo que “la distinção entre reglas y principios es pues

uma distionción entre dos tipos de normas”.16

Assim é que, para Alexy, os princípios são – e este é o ponto decisivo de

sua distinção estrutural – normas que ordenam que algo seja realizado na maior

medida possível dentro das possibilidades jurídicas reais existentes. Isto é, os

princípios constituem verdadeiros “mandatos de otimização”17, estando

caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a

medida devida de seu cumprimento não somente depende das possibilidades reais,

como também das jurídicas.

Na colisão de princípios, a maneira de solucionamento é completamente

diferente. Aqui não se leva em consideração o parâmetro de validade como visto

com as regras, e sim a dimensão de peso entre os princípios colidentes. Como

explica o autor, quando dois princípios entram em colisão “uno de los dos princípios

tiene que ceder ante el outro. Pero, esto no significa declarar inválido al princípio

desplazado ni que em el princípio desplazado haya que introducir uma cláusula de

excepción”18. Para isso, na prática, uma vez constatada a relação de tensão entre

interesses opostos, lançar-se-ia mão do recurso da ponderação, avaliando-se qual

das pretensões principiológicas teria maior peso no caso concreto.

Outro aspecto importante, segundo o estudioso alemão, é que os princípios

carecem de conteúdo de determinação no que toca aos princípios contrapostos e às

possibilidades fáticas. Isto porque os princípios apresentam razões que podem ser

desprezadas por outras razões opostas. Assim, os princípios não determinam como

se pode resolver a relação entre uma razão e seu oposto. As regras, diferentemente,

contêm uma determinação no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Tal

determinação pode enfraquecer por impossibilidades jurídicas e fáticas, conduzindo

à invalidade. Mas, se isto não ocorrer, a determinação da regra será válida.19

16 ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. p. 83. 17 Afirma o autor que, como mandatos de otimização, “los principios ordenan que algo debe ser realizado em la mayor medida posible, teniendo em cuenta las posibilidades jurídicas e fácticas” (ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. p. 99.) 18 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 89. 19 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. p. 99.

15

E nesse sentido, Alexy discorda do posicionamento de Dworkin,

especialmente pelo fato de seu modelo se aproximar da idéia de que os princípios

têm sempre um caráter prima facie e que todas as regras têm um mesmo caráter

definitivo20. É que Dworkin defende a tese de que regras, quando valem, são

aplicadas de uma maneira de “tudo ou nada”, considerando que os princípios

somente contêm uma razão que indica uma direção, mas que não tem como

consequencia necessariamente uma determinada decisão.21

Canotilho, por sua vez, comunga com Alexy, no sentido que os princípios

são “normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus

de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos”22. Em

arremate, explica que os princípios, ao constituírem exigências de otimizarão,

“permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as

regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros

princípios eventualmente conflitantes”.23

A distinção entre princípios e normas, segundo Dworkin, fica bastante

evidente nos problemas e casos em que o ordenamento jurídico vigente não possua

lei específica para a questão, ou que a norma vigente encontra-se em dissonância

com a realidade social. No entendimento do autor, a referida distinção é lógica, pois

“ambos os conjuntos de stándards apuntan as decisiones particulares referentes a la

obligación jurídica em determinadas circunstancias, mas difieren em el carácter de la

orientación que dan”.24

Outro ponto relevante do modelo normativo dworkiniano, é que os princípios

teriam uma dimensão que faltaria às normas: a dimensão de peso ou importância.

No caso de conflito na aplicação de princípios, diferentemente do conflito entre

normas/regras em que somente uma delas será considerada válida com exclusão da

regra conflitante, o julgador deverá levar em consideração o peso relativo de cada

um dele. Avaliará a importância dos princípios conflitantes em atenção às

circunstâncias em que ocorrem, considerando o princípio que tiver maior força de

20 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. p. 99. 21 DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. Barcelona: Ariel, 1989. p. 75. 22 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 1147. 23 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. p. 1151 e 1157. 24 DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. p. 75.

16

convicção25. No caso de conflito entre princípios e normas, o julgador também

deverá proceder a uma avaliação quanto ao peso e a importância do princípio em

questão, inclusive, “la literalidad de la norma puede ser desatentida por el juez

cuando viola un princípio que en esse caso especifico se considera importante”.26

Para Dworkin a distinção entre normas e princípios é o meio que utiliza para

rechaçar a regra de reconhecimento de Hart como critério para identificação do

Direito. Não poderia tal regra, segundo o autor, tornar-se fundamento de princípios,

porque não se podem formular critérios que relacionem princípios com atos

legislativos. Os princípios, ainda que alguns juspositivistas pensem em positivá-los,

não poderiam ser abarcados por todo o Direito escrito, diante de sua grande

variedade e dinamicidade.

Deste modo, entendendo o Direito como integridade e concebendo função

deontológica para o conjunto de standarts de conteúdo moral que reconhece como

princípios, Dworkin crê que os juízes – quando diante de casos difíceis – podem e

devem lançar mão do conjunto de princípios de uma comunidade para oferecer uma

resposta adequada às demandas que lhe são submetidas a julgamento. Fariam isto

através de um esforço hercúleo, concretizado através de um exercício racional que

levaria em consideração o peso e a importância do princípio, a história27 da

comunidade, e a jurisprudência anteriormente firmada. Por consequência, dar-se-ia

ao caso uma única resposta, uma resposta correta que resolveria a lide.

Para Bonavides, a normatividade é característica inerente, nos dias de hoje,

a toda definição de “princípios jurídicos”, sendo o mesmo vínculo unificador das

formulações atualmente enunciadas. Essa caminhada dos princípios gerais para a

normatividade resultou em sua conseqüente constitucionalização ocorrendo a sua

conversão para o que passou a ser denominado princípios constitucionais. Aduz,

ainda, que uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema

normativo. Dessa forma, seriam eles os guardiões de todo o entendimento das

25 DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. p. 19. 26 DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. p. 09. 27 Neste aspecto, Dworkin reconhece a influência de Gadamer em sua obra: “Recorro mais uma vez a Gadamer, que acerta em cheio ao apresentar a interpretação como algo que reconhece as imposições da história ao mesmo tempo em que luta contra elas” (DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 75).

17

questões jurídicas, não importando o quão complicado essas questões no seio de

um sistema jurídico.28

A constitucionalização dos princípios é característica da juridicidade em sua

carreira pós-positivista. Antes, tiveram os princípios outras duas fases de

juridicidade: a jusnaturalista e a juspositivista29. Tomando como base a escola

naturalista, onde para seus seguidores os princípios gerais identificavam-se com o

direito natural, sendo então os princípios de justiça formadores de um direito ideal,

habitando uma esfera abstrata. O contraponto é a grande dimensão de sua

característica ética relacionada à justiça, sendo um valor totalmente abstrato, mas

inspirador do postulado desse ideal.

Dentro da concepção positivista, os princípios gerais de direito são aqueles

que embasam e servem de fundamento para a instituição da norma. Nessa fase

juspositivista, são os princípios normatizados, porém para funcionar como algo que

fosse superior às leis30. Para Bonavides,

O juspositivismo, ao fazer dos princípios na ordem constitucional meras pautas programáticas supralegais, tem assinalado, via de regra, a sua carência de normatividade, estabelecendo, portanto, a sua relevância jurídica.

É com o advento do pós-positivismo que os princípios passam a ser

tratados como direito. Somente nas últimas décadas do século XX “as novas

constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,

convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos

novos sistemas constitucionais”31. Os princípios tornam-se, como valores, a pedra

de toque com que se aferem os conteúdos constitucionais em sua dimensão

normativa mais elevada. É a transmutação para os denominados “princípios

constitucionais”, que trazem em seu bojo os valores maiores da Constituição, em

torno dos quais estão os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade

democrática e constitucional.

28 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 211. 29 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 259. 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 262. 31 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 264

18

1.2. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ

Rui Portanova diz que hoje vigora o princípio de que o juiz é livre para

formar o seu convencimento, mas nem sempre foi assim. Diz o autor que no sistema

canônico, por exemplo, vigia o sistema da teoria da prova legal. A lei fixava regras

sobre quais as provas admissíveis, sobre o valor probante de cada meio probatório e

sobre a força probatória. A prova era tarifada, e o juiz se vinculava a tais valores.

Assim, havia prova plena, meia prova, começo da prova, etc. Podia-se, então,

calcular o valor de cada prova.32

Micheli e Taruffo justificam a existência, na Idade Média e até o começo do

século XIX, de tantas regras sobre a escolha dos meios de prova e sobre a sua

eficácia em relação à convicção do juiz “pela falta de confiança, nem sempre

injustificada, das partes relativamente ao magistrado”33. Agora, segundo o autor, é

diferente: a jurisdição é uma das funções do Estado Moderno, e a desconfiança em

relação ao juiz diminuiu – ou talvez desapareceu.

Aponta que, atualmente há uma tendência mundial pelo sistema do livre

convencimento. As provas não são escalonadas, não tem valor fixo, nem são

estimadas em lei. Está totalmente superado o princípio testis unus, testis nullus.

Pode ser que, em geral, os juízes costumem convencer-se mais com a prova

documental do que com a prova testemunhal. Isso, entretanto, só pode interessar do

ponto de vista estatístico sobre a relevância de uma ou outra prova. Jamais uma

eventual preferência por um meio de prova em relação a outro vai significar adoção

de regra, princípio ou sistema. Os resquícios de prova legal são lembranças dos

regimes de pouca liberdade, preocupados em cavar a separação entre a convicção

do juiz e o que vai efetivamente ser decidido.

Pontes de Miranda ensina que, o princípio foi consagrado pela

jurisprudência antes de se fazer lei, apontando dois fatores para tanto. O primeiro diz

com o fato de o juiz trabalhar com a verdade. O segundo fator é que o juiz trabalha

32 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 244. 33 MICHELI, Gian Antonio; Taruffo, Michele. A prova. São Paulo: Revista de processo,1979. v. 2. p.156.

19

com a realidade da vida (sua globalidade e dinâmica), e esta é, induvidosamente,

sempre maior do que métodos apriorísticos, abstratos, mecanicistas, formais e

atomísticos. Dizendo que o “juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e

as circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas

deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”, o art.

131 do Código de Processo Civil insere-se no que existe de mais moderno e

democrático no mundo do processo civil. 34

Ressalta-se ainda, segundo Pontes de Miranda, esta liberdade não é

considerada absoluta, mesmo porque, está, o juiz, vinculado às provas, as quais

deverão ser consideradas e avaliadas somente quando catalogadas nos autos

(brocardo “quod non est in actis no est in mundo”), bem como à lei, a qual deverá ser

interpretada e aplicada a cada caso.

Considerando-se estes dois elementos vinculadores, porém, não inflexíveis,

surgem algumas importantes ponderações a serem feitas quanto:

a) Das provas: ressalvados os processos em que já há declaração

expressa pelo magistrado a quem pertence o direito (por exemplo, no processo de

execução), todos os outros giram em torno de fatos os quais, via de regra, depende

de prova de sua real existência, mesmo porque surgem de uma pretensão resistida

com a alegação de direitos subjetivos.35

Quanto à definição de “prova”, há autores que dizem significar não só

aquela atividade realizada pelos sujeitos do processo na busca de demonstrar a real

existência dos fatos alegados formadores de seu direito pleiteado, os quais irão

embasar a convicção do magistrado, mas, também, o instrumento pelo qual se

verifica essa realidade.

Tem importância precípua no que diz respeito à incerteza temporária que os

demandantes provocam no juiz, a quem depende, por delegação do Estado, a

34 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. V. 3. p. 377. 35 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 45.

20

resolução do conflito, vez que os fatos são afirmados e contestados. Incerteza essa

que é sanada, ou deverá ser, pelo conteúdo probatório.36

Neste contexto, é patente que o método utilizado pelo magistrado na

condução de sua convicção à veracidade dos fatos é o indutivo, o qual lhe permite

essa formação induzido pelas provas colacionadas aos autos.

Desta forma, dois critérios de análise desse conteúdo indutivo deverão ser

utilizados:

1) Objetivo: seria quanto ao modo de apresentação e momento de produção

das provas, bem como quanto à forma pela qual a mesma resta exteriorizada no

processo. Este critério, até pelas peculiaridades e especificidades de apresentação,

formação e validade em juízo de cada prova, as quais são trazidas pela lei, é capaz

de mensurar tais formas específicas, possibilitando uma regular avaliação das

mesmas.37

2) Subjetivo: refere-se à forma pela qual a prova é interiorizada pelo julgador

e, também, no que tange ao poder de indução que tem a mesma, bem como no

reflexo desta na provocação do convencimento do magistrado. Este critério é

importantíssimo, haja vista ser, por intermédio dele, que o julgador alcança seu

convencimento sobre que é o “dono” do direito pretenso.38

Neste contexto, caracteriza fase importante também a avaliação das provas

carreadas nos autos. O Princípio do Livre Convencimento do Juiz, consagrado no

Direito pátrio, atribui ao magistrado pleno poder na avaliação das provas, devendo

buscar nelas os subsídios, bases e fundamentos de sua decisão, porém, apoiando-

se, sempre, na lei, como também, de praxe, na doutrina e na jurisprudência.

Conforme exposição trazida por Ricardo Aronne do doutrinador Moacir

Amaral dos Santos, “É dentro da prova que o raciocínio do julgador se há de mover

livremente na pesquisa da verdade colimada pelo processo, isto é, nela se apóia

36 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. p. 46 37

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. p. 46. 38

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. p.46.

21

para, de forma livre, pela influência que exerce em seu espírito de jurista e de

homem de bem, formar consciência a respeito da verdade pesquisada”.39

Completando-lhe o raciocínio, Ricardo Aronne traduz que “a liberdade a que

se refere o Princípio do Livre Convencimento do Juiz é a de apreciar os dados

apresentados pelas partes, ou por ele buscados, acerca dos fatos controvertidos, ou

seja, dos elementos de prova, a fim de embasar e formar seu convencimento,

repisa-se, na forma da lei”.40

Com o exposto, diz o autor, o juiz, até pela lógica, estará sempre

condicionado, inflexivelmente, ao objeto da ação proposta, devendo avaliar as

provas dos autos e o conjunto dos atos processuais praticados pertinentes aos fatos

e circunstâncias que, mesmo não apresentados pelas partes, constem dos autos do

processo.

Além da avaliação das provas, há também, dentro do processo de formação

da certeza processual, a valoração das provas, pela qual o julgador, dentre todas as

provas produzidas no decorrer da demanda judicial, pesa-as, levando sempre em

consideração as particularidades de cada uma delas. Assim, na prova testemunhal,

o julgador deve considerar, por exemplo, o caráter da testemunha, ou, se a mesma

possui algum impedimento, etc. Já na prova documental, busca-se a certeza da

originalidade, observando-se a presença de rasuras, entrelinhas etc. Dentro da

prova pericial, avalia-se a admissibilidade desta, se a mesma fora produzida com o

tecnicismo necessário, etc.

Consoante todo o exposto, ainda segundo Aronne (1996, p. 34), “ao juiz

cabe avaliar, livremente, o conteúdo de todas as provas produzidas, porém, quanto

à sua produção, o julgador deve ater-se aos regramentos constantes em nossos

códigos, não podendo, ainda, contrariar a prova constante nos autos”.41

b) Da lei: como já demonstrado, o papel do julgador é o de harmonizar sua

própria atividade jurisdicional com a pretensão resistida e as proposições trazidas

pelas partes ao processo e, ainda, com a realidade social do local onde tal jurisdição

39 ARONNE, Ricardo. O princípio do Livre Convencimento do Juiz. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996. p. 34. 40 ARONNE, Ricardo. O princípio do Livre Convencimento do Juiz. p.34. 41 ARONNE, Ricardo. O princípio do Livre Convencimento do Juiz. p.34.

22

é prestada, desenvolvendo, assim, a relação jurídico-processual necessariamente

triangular, dizendo o direito, sempre dentro dos limites da lei, aplicando-a e

interpretando-a ao caso concreto.42

Daí, portanto, surge a necessidade de constante renovação e adaptação

jurídica à realidade e evolução sociais. As leis, então, devem ser criadas (novas) ou

alteradas (quando ultrapassadas), mas nunca podem ser casuístas.

Isto porque, o juiz, ao interpretá-la, absorverá, a princípio, a própria vontade

nela expressa e, posteriormente, terá de respeitar – e, deverá assim fazer – os

limites relativos à extensão e a própria interpretação de referida lei, assim,

aplicando-a com racionalidade.

Resta à interpretação, portanto, a tarefa de, segundo Dernburg, citado por

Clóvis Beviláqua “tirar as conseqüências dos princípios fixados na lei, ainda que não

se tivesse apresentado na mente do legislador quando a decretou”43. Neste

contexto, diz o autor, é mister dizer que, sem a menor dúvida, é a lei a maior

limitadora do Princípio do Livre Convencimento do Juiz, pois o magistrado nunca

poderá julgar “contra legem”.

Uma vez decidido, o magistrado ainda tem por obrigação fundamentar a sua

decisão. Isso porque a sentença decisória nada mais é senão um juízo tanto quanto

subjetivo emitido pelo magistrado, sendo um decreto mais do que complexo

constituído de inúmeros questionamentos críticos, históricos e racionais por parte

daquele.44

O decreto decisório, então, seria a conjugação da lei (aqui se entendendo,

também, a doutrina e a jurisprudência), do social e da vontade, percepção e

consciência moral do julgador.

Do conjunto de características aludidas acima, o ato decisório constitui-se,

portanto, em um juízo crítico do julgador, o qual busca a verdade dos fatos com a

42 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. p. 46. 43 BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: 1980. p. 49. 44 ARONNE, Ricardo. O princípio do Livre Convencimento do Juiz. p. 80.

23

finalidade de melhor aplicação do direito e da Justiça, alcançando-se, assim, o bem

comum da sociedade.

É ato de vontade conjugado com ato de razão, daí a necessidade de

fundamentação.

Finalmente, diz Ricardo Aronne45, resta à nossa jurisprudência o papel de

traduzir a importância do Princípio do Livre Convencimento do Juiz no sistema

judicial brasileiro, dispondo da seguinte forma: “O Livre Convencimento do Juiz é

princípio inseparável da própria atividade judicante, que há de ser muito mais

formada pela ética do que pela estética. Deve ele ser extraído dos fatos e

circunstâncias constantes dos autos, mesmo quando não alegados pelas partes.

Todavia, ao assim dispor, não está se pretendendo afinar o livre convencimento com

simples e mero arbítrio; porque a convicção resultante da pesquisa e do exame

detalhado dos autos há de vir suficientemente motivada”

Com isso, resta o Princípio do Livre Convencimento do Juiz como

indispensável à celebração da justiça, indissolúvel e inseparável do poder judicante

e irrenunciável tanto aos órgãos que o representam quanto aos que dele se

beneficiam com a exata e imparcial solução das lides e conflitos interpessoais por

estes propostos.

1.3. PRINCÍPIOS BASE DA SÚMULA VINCULANTE

1.3.1. Princípio da Segurança Jurídica

Segundo Carlos Aurélio Mota de Souza, a segurança jurídica está,

primeiramente, situada como princípio na Carta Magna, no instante em que o seu

Preâmbulo proclama:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,

45 ARONNE, Ricardo. O princípio do Livre Convencimento do Juiz. p. 34.

24

a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.46

Demonstra-se, ainda, que o princípio da segurança jurídica está situado no

art. 5º, caput, da Constituição Federal, ao determinar:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...].

Para o autor, a procedência do afirmado está no fato de, expressamente, o

vocábulo “segurança” está presente nos textos do preâmbulo e “caput” do art. 5º. A

segurança garantida pelo preâmbulo e pelo artigo 5° é a genérica: envolve a

segurança pública, a segurança jurídica, a segurança na assistência à saúde, à

educação, ao lazer, ao desenvolvimento econômico, à liberdade, à vida, à

valorização da cidadania, à dignidade humana, ao emprego pleno, à igualdade

social, enfim, aos direitos e garantias individuais e sociais47. Complementa dizendo

que:

A segurança jurídica é concebida como valor na Carta Magna em razão dela, justamente com a Justiça, serem “valores que se completam e se fundamentam reciprocamente: não há Justiça materialmente eficaz se não for assegurado aos cidadãos, concretamente, o direito de ser reconhecido a cada um, o que é seu aquilo que, por ser justo, lhe compete.48

Na opinião de Luiz Streck:

“[...] a inserção constitucional da segurança jurídica como valor, ocorreu segundo Konrad Hesse, porque „a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode se separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensa eficácia da Constituição somente pode ser realizada se levar em conta essa realidade”.49

Ainda:

Por fim, “é necessário lembrar que o texto constitucional ao introduzir a segurança jurídica como um de seus princípios, empreendeu-lhe conotação de direito fundamental, uma vez que detém a função de

46 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. São Paulo: LTr, 1996, p. 128. 47 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. p.129. 48 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. pp. 17-18. 49 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 54.

25

garantir, tutelar e proteger os direitos conferidos aos sujeitos de direito”.50

Samuel Espíndola entende haver a Constituição Federal de 1988

consagrado o princípio da segurança jurídica no art. 5º, caput e seu inciso XXVI, ao

impor:

[...] que as relações jurídicas, as posições delas decorrentes, sejam validamente consolidadas, se fruto de coisa julgada, ato jurídico perfeito ou direito adquirido, não sejam tocadas, bulias, no sentido de revogá-las ou modificar-lhes os efeitos já. Reclamam também que sejam bem respeitados os institutos da decadência e da prescrição, especialmente no que toca ao direito ao direito de punir, de investigar, de aplicar sanções, por parte das autoridades.51

A segurança jurídica, na visão sempre lúcida de Paulo Bonavides, deve ser

compreendida como sendo um sobreprincípio. A respeito, afirma o insigne

doutrinador:

“A segurança jurídica é, por excelência um sobreprincipio. Não temos notícia de que algum ordenamento a contenha como regra explícita. Efetiva-se pela atuação de princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição e outros mais. Isso, contudo, em termos de concepção estática, de análise das normas enquanto tais, de avaliação de um sistema normativo sem considerarmos suas projeções sobre o meio social. Se nos detivermos num direito positivo, historicamente dado, e isolarmos o conjunto de suas normas (tanto as somente válidas como também as vigentes), indagando dos teores de sua racionalidade; do nível de congruência e harmonia que as proposições apresentam; dos vínculos de coordenação e de subordinação que armam os vários patamares da ordem posta; da rede de relações sintáticas e semânticas que respondem pela tessitura do todo – então será possível emitirmos um juízo de realidade que conclusa pela existência do primado da segurança, justamente porque neste ordenamento empírico estão cravados aqueles valores que operam para realizá-lo. Se a esse tipo de verificação circunscrevermos nosso interesse pelo sistema, mesmo que não identifiquemos a primazia daquela diretriz, não será fácil implantá-la. Bastaria instituir os valores que lhe servem de suportes, os princípios que, conjugados, formariam os fundamentos a partir dos quais se levanta. Vista por esse ângulo, difícil será encontrarmos uma ordem jurídico-normativa que não ostente o princípio da segurança.52

50 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. p.58. 51 ESPÍNDOLA, Samuel. Princípios Constitucionais e Atividade Jurídico-Administrativa – Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 273 52 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6. Ed. São Paulo : Malheiros, 2001. p. 78.

26

Vista por esse ângulo de um sobreprincípio, Carlos Aurélio Mota de Souza

diz que a segurança jurídica se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e

outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a

questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se

qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito

adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das

pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais

diferentes aspectos de sua atuação.53

Modernamente, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios

distintos, apesar das estreitas correlações entre eles. Fala-se em princípio da

segurança jurídica quando designam o que prestigia o aspecto objetivo da

estabilidade das relações jurídicas, ou seja, está em conexão com os elementos

objetivos da ordem jurídica (segurança de orientação e realização do direito),

enquanto o princípio da proteção da confiança aos componentes, designadamente,

da calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos

do ato.54

No entanto, o princípio da segurança jurídica não é absoluto:

Na consagração da tese de que o princípio da segurança jurídica não deve ser tratado como tendo natureza absoluta, lembramos sugestiva manifestação de José Frederico Marques no sentido de que “se a segurança jurídica e a Justiça estão conjugadas, como fundamento da estabilidade que a res judicata imprime às sentenças, impossível será, no entanto, a realização do justo objetivo com o sacrifício indevido do direito de liberdade. Se o status libertatis é fundamental para a pessoa humana, constituiria um atentado, em justificativa, aos princípios que tutelam e garantem a dignidade e os direitos do homem, colocar, em termos absolutos, a proeminência da segurança jurídica, na realização da Justiça, a ponto de sacrificar-se um bem jurídico tão-relevante como a liberdade. Tal sacrifício se alicerçado em sentença injusta, seria ilícito e antijurídico. E é, por isso, que a imutabilidade das sentenças absolutórias é absoluta, enquanto a das condenações está sujeita a juízo rescisório da revisão criminal”. Nessa linha de pensar, invocamos o

53 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. p. 151. 54 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. p 159.

27

pronunciamento de Izaías Dantas Freitas, advogado no DF, lembrando que “o princípio da segurança jurídica está situado entre as garantias fundamentais do Estado de Direito, e pode ser definido como a certeza que é dada aos cidadãos de que determinadas relações ou situações jurídicas não serão modificadas por motivos circunstanciais ou por causa da conveniência política do momento”

O certo é que o detalhamento do conceito de segurança jurídica tem passado por uma evolução constante na busca de ser cada vez mais aperfeiçoado, em face da sua natureza de direito fundamental. Alargando cada vez mais o campo das investigações sobre o tema, vamos continuar a apresentar mais alguns registros doutrinários.

No século XIX, especialmente após sua metade, surgiu de modo definitivo o denominado Estado de Direito, em contraposição às concepções até então vigentes no sentido de que o Estado atuava voltado para cumprir atividades administrativas, exercendo poder de polícia, cuidando das finanças e da economia públicas, sem qualquer subordinação, essencialmente, aos princípios jurídicos e aos efeitos da lei por ele próprio ditada. O conceito de Estado de direito era, portanto, restrito. O seu objetivo resumia-se em propiciar o bem estar do cidadão, porém, de acordo com os ditames da política por ele, de modo discricionário absoluto, ditado.

O Estado de Direito surgiu na metade do Século XIX em face dos movimentos doutrinários e políticos para a sua consagração. A partir desse momento, passou a se considerar, em sede de expansão conceitual, que a atuação do Estado, embora voltada para proporcionar o bem comum ou a felicidade da vida, a segurança, a saúde, a educação e a prosperidade dos seus administrados, além de proteger os seus direitos individuais, devia seguir a linha determinada pelo ordenamento legal positivo que ele próprio criou, impondo a si mesmo essas regras, autolimitando-se, o que significou o afastamento do Estado com Poder totalitário.

Os reflexos dessas mudanças impõem considerar que o Estado de Direito está sustentado em dois fundamentos: a segurança e a certeza jurídica. Esses princípios são absolutamente necessários para que a função estabilizadora do Poder Judiciário, a quem a Constituição Federal lhe concede a competência para de julgar os litígios, seja desenvolvida com estabilidade e credibilidade.55

1.3.2 Princípio da Celeridade Processual

Segundo Portanova, a celeridade deve ser um atributo dos procedimentos

administrativos e judiciais, e somente será alcançada conjugando-se o tempo e o

espaço procedimental.

55 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. p. 151.

28

Diz que, com a Emenda Constitucional nº 45, a celeridade processual

ganhou destaque no Brasil. Tal emenda introduziu na Carta Magna, em seu art. 5º,

inciso LXXVIII, que assim diz: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade

de sua tramitação”. Esta norma garante a todos, no âmbito judicial e administrativo

que a duração do processo será realizada em tempo razoável, ou seja, a garantia de

um processo justo.56

Advertem Magno Federeci Gomes e Isabela Saldanha de Souza, que a

duração do processo não pode ser considerado o principal aos demais princípios

constitucionais:

Tendo o princípio da razoável “duração do processo” ter sido erigido ao patamar de direito-garantia fundamental, ele não pode ser aplicado de forma preponderante e em detrimento dos demais princípios constitucionais que também consubstanciam o devido processo legal.57

Ao mesmo tempo, dizem os mesmos autores, a referida emenda

acrescentou ao art. 93, XIII da Constituição Federal de 1988, que haverá um número

de juízes proporcional a demanda judicial e a respectiva população.58

No decorrer dos séculos, diz Rizzo, a evolução dos meios eletrônicos de

comunicação de baixo custo, fez com que a sociedade exige tal benefício seja

refletido no processo. Com isso, mudaram também os litigiosos, que antigamente a

maioria versava sobre a propriedade de terras, litigavam família contra família, hoje o

litígio decorre de aspectos qualitativos, questões que envolvem o cotidiano. Em sua

concepção, então, resta claro que quanto mais longe esta o processo da

modernidade que nasce todos os dias, maior será a injustiça, pela demora em

acompanhar a evolução da sociedade.59

Segundo Amaral, quanto mais se aproxima o processo de seu fim, mais

ansioso fica o autor para ver seu pleito o mais rápido possível sentenciado, valendo

o mesmo para o réu, que apresentando sua defesa, desejara ver-se livre da

56 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. p. 151. 57 GOMES, Magno Federici; SOUSA, Isabella Saldanha. Teoria Neo-Institucionalista em Face da Instrumentalista: a Efetividade do Processo e a Celeridade do Procedimento. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Magister, 2008. v. 25. p. 76. 58 GOMES, Magno Federici; SOUSA, Isabella Saldanha. Teoria Neo-Institucionalista em Face da Instrumentalista: a Efetividade do Processo e a Celeridade do Procedimento. p. 76. 59 AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 53.

29

acusação o qual foi submetido injustamente pelo autor, conseqüentemente será a

pressão pela celeridade60. Neste sentido, analisa a importância da celeridade no

decorrer do termino do processo:

[...] Não é difícil concluir que a celeridade consiste num valor cuja importância se acentua à medida que avança o processo em direção à definição da norma jurídica concreta, atingindo o seu ápice no momento seguinte ao que aquela norma se torna definitiva (transito em julgado da sentença), quando os riscos de erro pela máxima aceleração do procedimento já não se mostram tão relevantes quanto nos momentos anteriores [...].61

60 AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. p. 56. 61 AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do

formalismo-valorativo. p. 56.

30

2. GARANTISMO JURÍDICO

Para que seja possível analisar a súmula vinculante sob a ótica da teoria

garantismo jurídico, primeiramente é necessário entender o que é propriamente a

teoria garantista e seu objeto tutelado, ou seja, os direitos fundamentais e a as

normas constitucionais.

2.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1.1. Conceito

Diz Silva que:

[...] a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no evolver histórico dificulta definir um conceito sintético e preciso de direitos fundamentais. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem várias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.62

Dizem-se direitos naturais aqueles inerentes à natureza do homem; direitos

inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem. Não se aceita mais com

tanta facilidade a tese de que tais direitos sejam naturais provenientes da razão

humana ou da natureza das coisas. São direitos positivos, que encontram seus

fundamentos e conteúdo nas relações sociais materiais em cada momento histórico.

Sua historicidade repele, por outro lado, a tese de que nascem pura e simplesmente

da vontade do Estado, para situá-los no terreno político da soberania popular, que

lhes confere o sentido apropriado na dialética do processo produtivo.63

Direitos humanos é expressão preferida nos documentos internacionais.

Contra ela, assim, como contra a terminologia direitos do homem, objeta-se que não

62 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 175. 63 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 176.

31

há direito que não seja humano ou do homem, afirmando-se que só o ser humano

pode ser titular de direitos.64

Direitos individuais, para o autor, são aqueles direitos do indivíduo isolado.

Ressumbra individualismo que fundamentou o aparecimento das declarações do

século XVIII. É terminologia que a doutrina tende a desprezar cada vez mais.

Contudo, ainda é empregada para denotar um grupo de direitos fundamentais,

correspondente ao que se tem denominado direitos civis ou liberdades civis. É

usada na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos fundamentais

concernente à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Direitos públicos subjetivos constituem um conceito técnico-jurídico do

Estado liberal, preso, como a expressão “direitos individuais”, à concepção

individualista do homem; por isso também se tornara insuficiente para caracterizar

os direitos fundamentais. Direito subjetivo conceitua-se como prerrogativas

estabelecidas de conformidade com regras de Direito objetivo. Nesse sentido, seu

exercício, ou não, depende da simples vontade do titular, que deles pode dispor

como melhor lhe parecer, até mesmo renunciá-los ou transferi-los, além de serem

prescritíveis, situações essas incompatíveis com os direitos fundamentais do

homem. Cunhou-se depois, a expressão direitos públicos subjetivos para exprimir a

situação jurídica subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, visando colocar os

direitos fundamentais no campo do Direito Positivo.65

Neste diapasão aduz que:

A figura do Direito público subjetivo é uma categoria histórica adaptada ao funcionamento de determinado tipo de Estado, o liberal, e a umas condições materiais que foram superadas pelo desenvolvimento econômico-social de nosso tempo. Entendida como autolimitação estatal em benefício de determinadas esferas privadas, tal categoria acha-se superada pela própria dinâmica econômica-social do nosso tempo, em que o desfrute de qualquer direito fundamental exige atuação ativa dos poderes públicos. Pois, tudo aquilo que, para a ideologia liberal, aparecia como direitos públicos subjetivos, ou como esferas de atividade privada contraposta à atividade pública, ou como liberdades limitadoras do poder, passa a ser considerado, sob o prima do Estado Democrático

64 PEREZ, luño. Los derechos humanos, significación, estatuto jurídico y sistema. Sevilla: Publicaciones de La Universidad de Sevilla, 1979. p. 25. 65 PEREZ, luño. Los derechos humanos, significación, estatuto jurídico y sistema. p. 26.

32

de Direito superador da involução do Estado social de Direito, como momentos do exercício do próprio poder, a este coexestencial e não a ele contraposto.66

Segundo o estudioso, liberdades fundamentais e liberdades públicas são

também expressões usadas para exprimir direitos fundamentais. São conceitos

limitativos e insuficientes. A primeira é ainda mais restrita, referindo-se apenas a

algumas liberdades. A última é empregada pela doutrina francesa, onde não faltam

esforços para dar-lhe significação ampla abrangente dos direitos fundamentais em

geral, especialmente jogando com os conceitos liberdade-autonomia (igual aos

direitos individuais clássicos) e liberdade-participação (também chamada liberdade

políticas, que correspondem ao gozo livre dos direitos políticos). Para Rivero67, são

consideradas na doutrina francesa como direitos do homem despidos de sua

concepção jusnaturalista pela positivação estatal, as liberdades públicas não tem o

mesmo conteúdo deles, não se incluindo no seu conceito os direitos econômicos e

sociais

O autor diz que os Direitos fundamentais do homem constituem a expressão

mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem

a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento

jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas

e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual

de todas as pessoas. No qualificativo fundamental acha-se a indicação de que se

trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não

convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de

que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas

concreta e materialmente efetivados. Direitos fundamentais do homem, segundo o

autor, significam direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos

fundamentais.68

A expressão direitos fundamentais do homem, como já se frisou, não

significa esfera privada contraposta à atividade pública, como simples limitação ao

66 PEREZ, luño. Los derechos humanos, significación, estatuto jurídico y sistema. p. 27. 67 RIVERO, Jean. Les libertés publiques – Les droits de l’Homme. Paris: PUF, 1973. p. 23-24. 68 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 178.

33

Estado ou autolimitação deste, mas “limitação imposta pela soberania popular aos

poderes constituídos do Estado que dela dependem”.69

2.1.2. Natureza e eficácia dos direitos fundamentais ante a norma

Ensina Silva que:

A natureza desses direitos, em certo sentido, já ficou insinuada antes, quando procuramos mostrar que a expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Desde que, no plano interno, assumiram o caráter concreto de normas positivas constitucionais, não tem cabimento retomar a velha disputa sobre o valor jurídico, que sua previsão em declarações ou em preâmbulos das constituições francesas suscitava. Sua natureza passara a ser constitucional, o que já era uma posição expressa no art.16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a ponto de, seguindo este, sua adoção ser um dos elementos essenciais do próprio conceito de constituição.70

São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma

constituição ou mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida

pelo poder constituinte. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, no

princípio da soberania popular. A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm

os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de

assunto que está em função do Direito positivo. A Constituição é expressa sobre o

assunto quando institui que as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata. Para o estudioso, no entanto, isso não resolve

todas as questões, visto que a Constituição mesma faz depender de legislação

ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais,

enquadrados dentre os fundamentais.

69 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 178. 70 Cita o autor o art.16 da Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, que diz “Toute societé dans laquelle la garantie des droits n‟est pas assurée, ni la séparation des pouvoirs determinée, n‟a apoint de constitution” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 179). Diz, ainda, que mais recentemente, parte da doutrina italiana negara valor jurídico e eficácia às normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais.

34

Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais

democráticos e individuais são de eficácia e a aplicabilidade imediata, enquanto as

que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na

Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei

integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade

indireta. Mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque,

quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam

garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais.

2.1.2. Elementos dos direitos fundamentais

Aduz a doutrina que, esse tema desenvolveu-se à sombra das concepções

jusnaturalistas dos direitos fundamentais do homem, de onde emana a tese de que

tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis (intransferíveis) e imprescritíveis.

Expurgando-se a conotação jusnaturalista que informara a matéria, ainda é possível

reconhecer certos caracteres desses direitos, quais sejam:

Historicidade: São históricos como qualquer direito. Nascem,

modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa e

evoluem, ampliam-se, com o correr dos tempos. Sua historicidade rechaça toda

fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza

das coisas;71

Inalienabilidade: São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não

são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a

todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis;72

Imprescritibilidade: O exercício de boa parte dos direitos fundamentais

ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles

não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Nunca deixam de ser

exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a

exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos 71 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 181. 72 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 181.

35

personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se forem sempre

exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que

fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição;73

Irrenunciabilidade: não se renunciam os direitos fundamentais. Alguns

deles podem até ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite

que sejam renunciados.74

Quanto ao caráter absoluto, Pontes de Miranda e Francisco Cavalcanti

sustentam que há direitos fundamentais absolutos e relativos. Os primeiros são os

que existem não conforme os cria ou regula a lei, mas a despeito das leis que os

pretendem modificar ou conceituar, enquanto os relativos existem, mas valem

conforme a lei. Assim, absolutos seriam os supra-estatais, cuja validade, segundo os

autores, independe de positivação interna constitucional, enquanto os relativos

seriam aqueles que somente teriam validade se previstos no Direito Positivo

interno.75

2.1.4. Classificação dos direitos fundamentais

Destaca Celso de Mello que:

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos,

73 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 181. 74 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 181. 75 MIRANDA, Pontes de; CAVALCANTI, Franscisco. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.1 de 1969. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. v. 6. p. 619 e 625. 75 STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.

36

caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.76

Assim, explica Alexandre de Moraes, os direitos fundamentais de primeira

geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades

públicas), surgidos no início do século.77

Nesse diapasão, Cavalcanti analisou que:

O começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc.78

Moraes, por fim, aduz:

[...] modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso.79

Para José Afonso da Silva, a classificação que decorre do nosso Direito

Constitucional é aquela que os agrupa com base no critério de seu conteúdo, que,

ao mesmo tempo, se refere à natureza do bem protegido e do objeto de tutela. O

critério da fonte leva em conta a circunstância de a Constituição mesma admitir

outros direitos e garantias fundamentais não enumerados, quando, no § 2º do art. 5º,

declara que os direitos e garantias previstos neste artigo não excluem outros

decorrentes dos princípios e regime adotado pela Constituição e dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Daí, diz o autor,

surgem às três fontes dos direitos e garantias: os expressos (art. 5º, I a LXXVIII); os

decorrentes dos princípios e regime adotados pela Constituição; os decorrentes dos

princípios e regime adotados pela Constituição; os decorrentes de tratados e

convenções adotados pelo Brasil. Aqui, há, portanto, uma hipótese de incorporação

76 STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995. p. 39. 77 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 57. 78 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Princípios gerais de direito público. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. p. 202. 79 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 57.

37

de normas internacionais de direitos humanos no ordenamento constitucional

interno.80

Entendia-se que essa incorporação era automática, diferentemente do que

ocorre com outros tipos de tratados e acordos internacionais, dependentes sempre

de referendo congressual e ratificação governamental. Essa incorporação se fazia

com a natureza de normas constitucionais. Para o estudioso, essa questão precisa

ser repensada em face do §3º que a EC-45/2004 inseriu no art. 5º, para estabelecer

que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais.

Isso quer dizer que as normas internacionais de direitos humanos só serão

recepcionadas como direito constitucional interno, formal, se o decreto legislativo

que as referendassem for aprovado nas condições indicadas, de acordo com o

processo de formação de emendas constitucionais previsto no art. 60 da CF/88.

Direito Constitucional formal, porque só nesse caso adquirem a supremacia

própria da Constituição, pois de natureza constitucional material o serão sempre,

como o são todas as normas sobre direitos humanos. A diferença importante está aí:

as normas infraconstitucionais que violarem as normas internacionais acolhidas na

forma daquele §3 são inconstitucionais, e ficam sujeitas ao sistema de controle de

constitucionalidade na via incidente como na via direta; as que não forem acolhidas

desse modo ingressam no ordenamento interno no nível da lei ordinária e eventual

conflito se resolverá pelo modo de apreciação da relação lei especial e lei geral.81

O autor ainda estabelece o critério do conteúdo: direitos fundamentais do

homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares,

garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da

sociedade política e do próprio Estado. Por isso são reconhecidos como direitos

individuais, como é de tradição do Direito Constitucional Brasileiro (art. 5º), e ainda

por liberdades civis e liberdades-autonomia (liberdade, igualdade, segurança,

propriedade); direitos fundamentais do homem-nacional, que são os que têm por

conteúdo e objeto a definição da nacionalidade e suas faculdades; direitos

80 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 183. 81 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 183.

38

fundamentais do homem-cidadão, que são os direitos políticos (art. 14, direito de

eleger e ser eleito), chamados também direitos democráticos ou direitos de

participação política e, na opinião do autor, inadequadamente, liberdades políticas

(ou liberdades-participação), pois estas constituem apenas aspectos dos direitos

políticos; direitos fundamentais do homem-social, que constituem os direitos

assegurados ao homem em suas relações sociais e culturais (art. 6º: saúde,

educação, seguridade social etc.); direitos fundamentais do homem-membro de uma

coletividade, que a Constituição adotou como direitos-coletivos (art. 5º); uma nova

classe que se forma é a dos direitos fundamentais do homem solidário, ou direitos

fundamentais do gênero humano (direito à paz, ao desenvolvimento, comunicação,

meio ambiente, patrimônio comum da humanidade).82

2.1.5. Integração das categorias de direitos fundamentais

José Afonso da Silva suplanta a tendência da Constituição para entender os

direitos individuais como contrapostos aos direitos sociais, que as constituições

anteriores, de certo modo justificavam o que resultava da persistência da visão

individualista e liberalista dos direitos individuais. Tratava-se de deformação de

perspectiva, pois só o fato de estabelecer-se um rol de direitos econômicos, sociais

e culturais já importava, necessariamente, em conferir-se conteúdo novo àquele

conjunto de direitos chamados liberais. Diz o autor:

A Constituição, agora, fundamenta o entendimento de que as categorias de direitos humanos fundamentais, nela previstos, integram-se num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais, consubstanciados no seu art. 5º, estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que a previsão dos direitos sociais, entre eles, e os direitos de nacionalidade e políticos, de uma democracia de conteúdo basicamente político-formal, para a democracia de conteúdo social, se não de tendência socializante.

Quanto mais precisos e eficazes se tornem os direitos econômicos, sociais e culturais, mais se inclina do liberalismo para o socialismo. Transforma-se a pauta de valores: o liberalismo exalta a liberdade individual, formalmente reconhecida, mas, em verdade, auferida por pequeno grupo dominante; o socialismo realça a igualdade material

82 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 183.

39

de todos como a única base sólida em que o efetivo e geral gozo dos direitos individuais de liberdade encontra respaldo seguro. A antítese inicial entre direitos individuais e direitos sociais tende a resolver-se numa síntese de autêntica garantia para a democracia, na medida em que os últimos forem enriquecendo-se de conteúdo e eficácia. Todavia, não nos iludamos, porque a Constituição agasalhou ainda os postulados do liberalismo econômico, com a intervenção estatal, mais garantia dele do que caminho para superá-lo.83

Para o autor, o certo é que a Constituição assumiu, na sua essência, a

doutrina segundo a qual há de verificar-se a integração harmônica entre todas as

categorias dos direitos fundamentais do homem sob o influxo precisamente dos

direitos sociais, que não mais poderiam ser tidos como uma categoria contingente.

Não seria necessário fundamentá-los em bases jusnaturalistas para compreender

que eles constituem, em definitivo, os novos direitos fundamentais do homem, como

aduz Pérez Luño:

Se estima que, mais que uma categoria de direitos fundamentais, constituem um meio positivo para dar um conteúdo real e uma possibilidade de exercício eficaz a todos os direitos e liberdades. Sua proclamação supõe uma autêntica garantia para a democracia, ou seja: para o efetivo desfrute das liberdades civis e políticas.84

2.2. GARANTISMO JURÍDICO

Para Ferrajoli,

da palavra “garantismo” é possível distinguir três significados diversos, mas conexos entre si. Segundo um primeiro significado, garantismo designa um modelo normativo de direito: mais precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É, consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.85

83 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. pp. 183-184. 84 PEREZ, luño. Los derechos humanos, significación, estatuto jurídico y sistema. p. 217. 85 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 785.

40

Como se trata de um “modelo limite” deve-se falar muito mais do que

sistemas garantistas ou antigarantistas, de graus de garantismo. Neste diapasão, diz

o autor:

[...] Diremos, por exemplo, que o grau de garantismo do sistema penal italiano é decididamente elevado caso se considerem os seus princípios constitucionais, enquanto é posto em níveis baixíssimos, caso se considere a sua prática efetiva. E mensuraremos a adequação de um sistema constitucional, sobretudo pelos mecanismos de invalidação e de reparações idôneos, de modo geral, a assegurar efetividade aos direitos normativamente proclamados: uma Constituição que pode ser muito avançada, em vista dos princípios e direitos sancionados e não passar de um pedaço de papel, caso haja defeitos técnicas coercitivas – ou seja, de garantias – que propiciem o controle e a neutralização do poder e do direito ilegítimo.86

Em outro significado, “garantismo” designa uma teoria jurídica da validade e

efetividade como categorias distintas não somente entre si, mas também pela

existência ou vigor das normas. Neste diapasão, a palavra garantismo exprime uma

aproximação teórica que mantém separado o “ser” e o “dever ser” no direito. Ainda,

põe como questão teórica central a divergência existente nos ordenamentos

complexos entre modelos normativos (garantistas) e práticas operacionais

(tendentemente antigarantistas) interpretando-a com antinomia – dentro de certos

limites fisiológicos e fora destes patológicos – que subsiste entre validade dos

primeiros e efetividade dos segundos.

Essa aproximação não é somente de natureza “normativa”, nem puramente

“realista”; a teoria que esta é hábil a fundar, precisamente, é uma teoria da

divergência entre normatividade e realidade, entre direito válido e direito efetivo, um

e outro vigente. O autor defende em sua obra uma teoria garantista ao mesmo

tempo normativa e realista; referida ao funcionamento efetivo do ordenamento, o

qual se exprime nos seus níveis mais baixos, autoriza a revelar-lhe os

funcionamentos de validade e, sobretudo, invalidade; referida aos modelos

normativos, os quais se exprimem nos seus níveis mais altos, é idônea a revelar-

lhes o grau de efetividade e, sobretudo, de não efetividade.

Sob ambos os aspectos, diz o doutrinador, o garantismo opera como

doutrina jurídica de legitimação e, sobretudo, de perda da legitimação interna do

86 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, 2006. p. 786.

41

direito, que requer dos juízes e dos juristas uma constante tensão crítica sobre as

leis vigentes, por causa do duplo ponto de vista que a aproximação metodológica

aqui delineada comporta seja na sua aplicação, seja na sua explicação: o ponto de

vista normativo, ou prescritivo, do direito válido e o ponto de vista fático, ou

descritivo, do direito efetivo.87

Essa perspectiva crítica não é externa, ou política ou metajurídica, mas

interna, científica e jurídica, no sentido de que assume como universo do discurso

jurídico o inteiro direito positivo vigente, não lhe obliterando as antinomias, mas

evidenciando-as e, assim, retirando a legitimidade, do ponto de vista normativo do

direito válido, os contornos antiliberais e os momentos de arbítrio do direito efetivo

Nesta linha:

[...] incomum, na ciência e na prática jurídica, em que um equivocado juspositivismo confirma frequentemente comportamentos dogmáticos acríticos e contemplativos no que diz respeito do direito positivo, e sugere ao jurista a tarefa de cobrir-lhe ou fazer-lhe enquadrar as antinomias, mais que explicitá-las e denunciá-las. E assim o é mais ainda na cultura política e no senso comum, onde prevalece, frequentemente o obséquio ao direito vigente, qualquer que seja, e aos seus modos mesmo ilegais de funcionamento prático.

Em contraste com as imagens edificantes dos sistemas jurídicos oferecidos a partir de suas representações normativas, e com confiança a priori difusa da ciência jurídica na coerência entre normatividade e efetividade, a perspectiva garantista requer, ao contrário, a dúvida, o espírito crítico e a incerteza permanente sobre a validade das leis e de suas aplicações e, ainda, a consciência do caráter em larga medida ideal – e, em todo caso não realizado e a realizar – de suas mesmas fontes de legitimação jurídica.88

Em um terceiro significado, diz o doutrinador que, garantismo “designa uma

filosofia política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com

base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a

finalidade. Neste último sentido o garantismo pressupõe a doutrina laica da

separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno

e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o

“dever ser” do direito. E equivale à assunção, para os fins da legitimação e da perda

87 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. p. 787. 88 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. p. 787.

42

da legitimação ético-política do direito e Estado do ponto de vista exclusivamente

externo.89

Esse ponto de vista foi próprio do pensamento iluminista e da “ciência da

legislação”, por este elaborada nas origens do moderno Estado de direito; é comum,

de outra parte, a toda perspectiva não conservadora, seja ela reformadora ou

revolucionária. Em geral, a assunção de um ponto de vista externo ou político não

encoberto sobre aquele interno ou jurídico forma o pressuposto de toda a doutrina

democrática dos poderes do Estado. Em duplo sentido: porque o externo é o ponto

de vista de baixo ou ex parte populi, e o interno é o ponto de vista do alto ou ex parte

principis: e porque os valores extra ou meta ou pré-jurídicos “fundadores”, ou mesmo

os interesses e as necessidades “naturais” – individuais e coletivas – cuja satisfação

representa a justificação ou a razão de ser das coisas “artificiais”, que são

instituições jurídicas e políticas. Entretanto, o atrofiamento de um autônomo ponto

de vista externo, ou pior, a sua explícita confusão com aquele interno, forma a

conotação específica de todas as culturas políticas autoritárias, de vários modos

comuns reunidos nas idéias de autofundação e de autojustificação do direito e do

Estado como valores em si: não meios, mas eles mesmos o fim. O ônus da

justificação externa é idôneo para fundar doutrinas políticas que permitam

justificações não absolutas ou totais, mas contingentes, parciais, a posteriori e

condicionadas, em geral do direito e do Estado.90

Diz o autor que, esses três significados de “garantismo”, têm a seu ver, um

alcance teórico e filosófico geral que merece ser explicado:

Eles delineiam, precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo: o caráter vinculado do poder público no Estado de direito; a divergência entre validade e vigor produzida pelos desníveis das normas e um certo grau irredutível de ilegitimidade jurídica das atividades normativas de nível inferior; a distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico) e a conexa divergência entre justiça e validade; a autonomia e a prevalência do primeiro e em certo grau irredutível de ilegitimidade política com relação a ele das instituições vigentes. Estes elementos não valem apenas para o direito penal, mas também para outros setores do ordenamento. Inclusive, para este é, pois, possível elaborar, com referência a outros direitos fundamentais e a outras técnicas e critérios de legitimação, modelos de justiça e modelos

89 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. p. 787. 90 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. p. 788.

43

garantistas de legalidade – de direito civil, administrativo, constitucional – estruturalmente análogos àquele penal aqui elaborado. E ainda para essas categorias supramencionadas, nas quais se exprime a abordagem garantista, representam instrumentos essenciais para a análise científica e para a crítica interna e externa das antinomias e lacunas – jurídicas e políticas – que permitem relevar.91

Diz Ferrajoli que o principal pressuposto metodológico de uma teoria geral

do garantismo reside na separação entre direito e moral. Esta separação, elaborada

nas origens do Estado de direito do pensamento iluminista, deve ser por esta

tornada como tema em todo o seu alcance – espistemológico, teórico e político –

como objeto privilegiado de investigação nos diversos níveis de análise jurídica: a

meta jurídica, da relação entre direito e valores ético-políticos externos a jurídica, da

relação entre princípios constitucionais e leis ordinárias e entre leis e as suas

aplicações; e a sociológica, da relação entre direito no seu conjunto e práticas

seletivas.92

Relata que apenas o reconhecimento da divergência – insuperável porque

ligada a estrutura deôntica das normas – entre normatividade e efetividade permite,

precisamente, impostar análise dos fenômenos jurídicos, evitando a dúplice falácia,

naturalista e normativa, da assunção dos fatos como valores ou, ao contrário dos

valores como fatos.

Isso está na base de muitas regressões ideológicas que caracterizam a

história da cultura como um todo, principalmente, jurídica: seja das filosofias da

justiça, porquanto concernentes à relação entre ser e dever ser no direito e por isso

o problema da validade interna e externa ou jurídica.

Conclui dizendo:

Uma teoria do garantismo, além de fundar a crítica do direito positivo referente aos seus parâmetros de legitimação externa e interna é, por conseqüência, também uma crítica das ideologias: das ideologias políticas, sejam estas jusnaturalistas ou ético-formalistas, as quais confundem, sob o plano político externo, a justiça com o direito ou pior, vice-versa; e das ideologias jurídicas, sejam estas normativas ou realistas, que paralelamente confundem, sob o plano jurídico ou

91 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. p. 788. 92 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. pp. 788-789.

44

interno, a validade com o vigor, ou, ao contrário, a efetividade com a validade.93

Este também é o pensamento de Alexandre Morais da Rosa, que ensina:

O garantismo jurídico baseia-se, desta feita, nos direitos individuais – vinculados à tradição iluminista – com o escopo de articular mecanismos capazes de limitar o poder do Estado Soberano, sofrendo, como curial, as influências dos acontecimentos históricos, especificadamente a transformação da sociedade relativamente à tutela dos direitos sociais e negativos de liberdade, bem como do levante neoliberal.

Para tanto, os vínculos no Estado Democrático de Direito, de viés garantista, são de tal forma substanciais/materiais que impedem a preponderância da concepção de democracia vinculada à vontade da maioria pode-se violar/negar os Direitos Fundamentais dos indivíduos que não foram alienados no momento da criação do Estado Civil.94

Logo, conclui o autor, é fato o argumento de que a teoria garantista

representa, ao mesmo tempo, o resgate e valorização da Carta Magna como

documento constituinte da sociedade. Esse resgate constitucional decorre

justamente da necessidade de existência de um núcleo jurídico/fundamental capaz

de estruturar a sociedade, fixando a forma e a unidade política das tarefas estatais,

os procedimentos para resolução de conflitos emergentes, elencando os limites

materiais do Estado, as garantias e direitos fundamentais e, ainda, disciplinando o

processo de formação político/jurídico do Estado.95

Assim, nessa concepção garantista, diz o autor, a Constituição deixa de ser

meramente normativa (formal), buscando resgatar o seu próprio conteúdo formador,

indicativo do modelo de sociedade que se pretende e de cujas linhas as práticas

jurídicas não podem se afastar.

Nesse esteio, Leonio Luiz Streck diz que:

A Constituição passa a ser, em toda a sua substancialidade, o topo hermenêutico que conformará a interpretação jurídica do restante do sistema jurídico. A constituição é, assim, a materialização da ordem jurídica do contrato social, apontando para a realização da ordem pública e social de uma comunidade, colocando à disposição os

93 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. pp.789. 94 ROSA, Alexandre morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 4. 95 ROSA, Alexandre morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. p. 15.

45

mecanismos para a concretização do conjunto de objetivos traçados no seu contexto normativo deontológico. Por isto, as Constituições Sociais devem ser interpretadas diferentemente das Constituições Liberais. O plus normativo representado pelo Estado Democrático de Direito resulta como um marco definidor de um constitucionalismo que soma a regulação social com o resgate das promessas de modernidade.96

Com efeito, as possibilidades hermenêuticas do garantismo dependem de

um deslocamento a ser efetuado no campo da linguagem, suplantando-se as velhas

maneiras de significar desde dentro da jaula do senso comum teórico. É preciso

assumir a consciência da autonomia do ator jurídico no processo de atribuição de

sentido, como diz Luis Alberto Warat:

Interpretar a lei implica sempre a produção de definições eticamente comprometidas e por isso, persuasivas. Definições onde são estabelecidos critérios de relevância visando a convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo postulado pelo emissor para o caso.97

Complementa o jurista gaúcho Luiz Lenio Streck:

Para que se romba com as concepções vigorantes no campo jurídico – dogmatizante, sustentadas no paradigma metafísico – objetificante, os textos jurídicos normativos e os fatos sociais não podem ser tratados como objetos. Com os aportes do novo paradigma hermenêutico aqui defendido, sustentado nas concepções heideggerianas-gadamerianas, essa relação objetificante pode/deve ser rompida, introduzindo-se uma relação entre o operador – intérprete do Direito e as normas/fatos sociais mediante uma ontologia fundamental onde o Dasein não é contraposto ao mundo das coisas e nem dele está apartado, mas, sim, o Dasein é/só – pode – ser junto com as coisas.98

E adiante, arremata:

Conseqüentemente, o intérprete do Direito não contempla o objeto (o Direito, os textos jurídicos, o fenômeno social, etc.), para, assim, (re)construí-lo. É ilusão pensar – e aqui parafraseio Heidegger quando fala da obra de arte – que é a nossa descrição, enquanto atividade subjetiva, que faz figurar as coisas, para depois projetá-las. A partir da linguagem turn, o intérprete é alguém já inserido – desde sempre – na linguagem, da qual o objeto inexoravelmente faz parte.99

96 STRECK, Leonio Luiz. Hermeneutica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. pp. 224-225. 97 WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral do Direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1984. v. 1. p. 33. 98 STRECK, Leonio Luiz. Hermeneutica e(m) crise. p. 241. 99 STRECK, Leonio Luiz. Hermeneutica e(m) crise. p. 241.

46

De forma resumida, a crítica do referido operador do direito atenta para o

fato de que existe uma crise de dupla face no Direito e especificamente na

dogmática jurídica informada (ainda) pelo paradigma liberal-individualista-positivista

e pela Filosofia da Consciência. E a hermenêutica, pois, deve ser (re)vista como

condição de possibilidade da efetivação dos Direitos Fundamentais no Brasil,

cabendo aqui, bem a propósito, a lição do referido autor:

Interpretar é, pois, hermenêutica, e hermenêutica é compreensão e através dessa compreensão se produz o sentido [...] Desse modo, fazer hermenêutica jurídica é realizar um processo de compreensão do Direito. Fazer hermenêutica é desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar o direito de soslaio, rompendo-se com (um) a hermé(neu)tica jurídica tradicional-objetificante prisioneira do (idealista) paradigma epistemológico de filosofia da consciência. [...] No âmbito da interpretação da lei, naquilo que tradicionalmente chamamos de hermenêutica jurídica, é preciso chamar a atenção (dos juristas) para o fato de que „nós não temos mais um significante primeiro, que se buscava tanto em Aristóteles como na Idade Média, como ainda em Kant; significante primeiro que nos daria a garantia de que os conceitos em geral remetem a um único significado (Stein). Daí por que um rompimento com essa tradição é difícil e não se faz sem ranhuras: problemas. O mesmo ocorre, aliás, com a afirmação dessa concepção. Crer que há uma essência verdadeira em si mesma do Direito – como à espera de ser captada em sua inteireza pelo sujeito do conhecimento, seja mediante um trabalho estritamente racional, isto é, as chamadas leis da natureza, seriam apreendidas como autênticos corolários a que se acederia pelo raciocínio a partir de princípios auto-evidentes estabelecidos a priori, seja captando essa essência na dinâmica da vida social, através da investigação sociológica do fenômeno jurídico; seja buscando-a na exegese dos textos legais –, crer nisso, não deixa de ser confortável.100

Portanto, diz a doutrina, é dentro da perspectiva de oxigenação

constitucional das normas infraconstitucionais, desde que materialmente válidas –

viés garantista –, informadas pela compreensão hermenêutica da própria

Constituição, que se vislumbra a possibilidade de (re)construção de uma cidadania

participativa, rompedora com o padrão liberal da individualidade e atenta à

possibilidade de transformação social pelo Direito, avivada pela concretização da

Constituição Federal.

100 STRECK, Leonio Luiz. Hermeneutica e(m) crise. pp. 198 e 227.

47

3. SÚMULA VINCULANTE

3.1. CONCEITO DE SÚMULA VINCULANTE E FUNDAMENTAÇÃO

As súmulas, em sentido amplo, são resumos, uniformizações de

jurisprudências dos tribunais. O Objetivo é impedir divergências a respeito de

determinado assunto em decisões futuras. A citação da súmula pelo número

correspondente, perante o Tribunal, dispensará a referência a outros julgados no

mesmo sentido.101

A palavra “súmula” (summary em inglês) deriva da expressão latina

summula (resumo, epítome breve, sumário, restrito), e tem o sentido de sumário, ou

de índice de alguma coisa. Trata-se de um extrato, um resumo das reiteradas

decisões. A súmula explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Veja-se a

definição de súmula em termos gerais:

Súmula: do latim summula tem o sentido de sumário, ou de índice de alguma coisa. É o que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão. No âmbito da uniformização da jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas persuasivo, e que, dividamente numerados, se estampem em repertórios.102

No âmbito jurídico, as súmulas são definidas como enunciados

jurisprudências que refletem entendimentos já salientados em determinados

tribunais, editados por meio de enumeração seqüencial, e servem de instrumento de

contribuição para o convencimento do magistrado nas soluções processuais futuras.

De acordo com Maria Helena Diniz, citando Othon Sidou, a súmula da jurisprudência

consiste na “condensação de no mínimo três acórdãos do mesmo tribunal, adotando

101 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. 1ª ed. Campinas: Russel Editores, 2008. p. 70 102 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 784.

48

igual interpretação de preceito jurídico em tese, sem efeito obrigatório, mas apenas

persuasivo, publicado com numeração em repertórios oficiais do órgão”.103

A súmula da jurisprudência pode decorrer de dois procedimentos: no

primeiro, de penas um caso, a decisão do juiz singular sobe para as instâncias

superiores (Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal

Federal), sendo que a decisão final dá origem à súmula; e a condensação de no

mínimo três acórdãos, de três diferentes casos, do mesmo tribunal.104

Na definição do Supremo Tribunal Federal, o termo “súmula” é “palavra

originária do latim summula, que significa sumário, restrito, resumo. É uma síntese

de todos os casos, parecidos, decididos da mesma maneira, colocada por meio de

uma proposição direta e clara”, ou seja, é a ementa que revela a orientação

jurisprudencial de um Tribunal para casos análogos. Por sua vez, a palavra

“jurisprudência” significa a “repetição uniforme e constante de uma decisão sempre

no mesmo sentido”.105

Na definição de Roberto Luis Luchi Demo, “a súmula de jurisprudência é o

resumo ou a condensação de vários acórdãos do mesmo tribunal, que adotem

idêntica interpretação de matéria jurídica”. Mas esclarece que:

[...] a súmula do Tribunal [direito sumular] [...] é única e formada por enunciados ou verbetes, por isso é tecnicamente incorreto usar o vocábulo “súmula” seguido de número, por exemplo: “súmula nº1 da súmula de jurisprudência dominante” ou, simplesmente, “verbete/enunciado nº1 da súmula”. Entretanto, a praxe tem consagrado aquele uso de palavra “súmula” seguida do número do respectivo enunciado.106

No entendimento de Alessandra Moraes107, no direito brasileiro a palavra

“súmula” é apresentada em dois sentidos: para significar simplesmente o resumo de

103 Othon Sidou apud DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 4. p. 463. 104 Othon Sidou apud DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. p. 463. 105 SUPREMO, Tribunal Federal. Glossário Jurídico: súmula. [s.d]. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/noticias/glossario/verbete.asp?SEQ_VERBETE=382>. Acesso em: 12 mai. 2010. p. 1. 106 DEMO, Roberto Luis Luchi. O resgate da súmula pelo Supremo Tribunal Federal. In: Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – CEJ, Brasília, nº 24, pp. 80-86 107 MORAES, Alessandra. Súmulas vinculantes: evolução ou retrocesso? [s.d]. Disponível em: <http://www.alessandramoraes.com>. Acesso em: 12 mai. 2010. p. 3.

49

um julgado enunciado pelo órgão julgador e como a síntese da orientação

jurisprudencial de um Tribunal que é editada em numeração seqüencial. Porém,

explica que “didaticamente poderíamos dizer que as súmulas são fórmulas que

sintetizam decisões assentadas pelo Tribunal em relação a determinados temas

específicos”.

Fernando Capez traz clara distinção entre súmula e jurisprudência. Nas suas palavras:

Jurisprudência e súmula. Distinção: os efeitos do julgamento de uma lide se circunscrevem exclusivamente ao caso concreto, não podendo se irradiar para outras hipóteses, ainda que assemelhadas. Embora não vincule decisões em casos futuros semelhantes, a decisão anterior normalmente influencia as novas sentenças, ainda que proferidas por juízes diferentes, principalmente quando vai se reiterando de modo pacífico e uniforme. Aplica-se o brocardo ubi idem ratio, ibi idem jus (onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito). A reiteração uniforme e constante de uma decisão sempre no mesmo sentido caracteriza o que se convencionou chamar “jurisprudência”.108

Prossegue expondo que:

Em determinadas ocasiões, quando chega a surgir um consenso quase absoluto sobre o modo de se decidir uma questão, o Tribunal correspondente pode sintetizar tal entendimento por meio de um enunciado objetivo, sintético e conciso, denominado “súmula”, palavra originária do latim summula, que significa sumário, restrito. A súmula nada mais é do que um resumo de todos os casos parecidos decididos daquela mesma maneira, colocado por meio de uma proposição clara e direta.109

Lembra ainda que:

A súmula, do mesmo modo que a jurisprudência ainda não sintetizada como tal, não possui caráter cogente, servindo apenas de orientação para as futuras decisões. Os juízes estão livres para decidir de acordo com sua convicção pessoal, mesmo que para tanto, tenha de caminhar em sentido contrário a toda a corrente dominante.110

108 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 13 mai. 2010. p. 1. 109 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 13 mai. 2010. p. 1. 110 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 13 mai. 2010. p. 1.

50

Desta forma, a súmula consiste em uma síntese ou condensação de vários

acórdãos, emitidos pelo mesmo Tribunal, que adotem idêntica interpretação de

matéria jurídica, com caráter persuasivo. Para André Ramos Tavares, “direito

sumular” é “assim considerado como o conjunto normativo derivado de enunciados

normativos”.111

Nas acepções de Jose Anchieta da Silva, a súmula é “a jurisprudência mais

consagrada, norteadora do entendimento sedimentado nas cortes de julgamento

sobre determinado assunto”.112

Ao tratar do efeito vinculante das súmulas, Fernando Capez esclarece que:

[...] uma súmula outrora meramente consultiva, pode passar a ter verdadeiro efeito vinculante, e não mais facultativo, não podendo ser contrariada. Busca-se assegurar o princípio da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações fáticas idênticas, criando distorções inaceitáveis, bem como desafogar o Supremo Tribunal Federal do atoleiro de processos em que se encontra, gerado pela repetição exaustiva de casos cujo desfecho decisório já se conhece. Contra o tema, argumenta-se a violação ao princípio da livre convicção e independência do juiz.113

Porém, enfatiza que:

De qualquer modo, como forma de não engessar a atividade do julgador, este poderá, constatando a ausência de similitude entre a matéria apreciada e aquela objeto de súmula, concluir pela presença de algum elemento diferenciador, o que o desobrigará a aplicar a súmula vinculante, desde que fundamentadamente.114

Na definição de Alessandra Moraes, as “súmulas vinculantes”:

[...] são aqueles mesmos enunciados jurisprudenciais, que, entretanto, não teriam mais apenas caráter orientativo para a comunidade jurídica já que passariam a ter cunho obrigatório para

111 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. São Paulo: Método, 2007. p. 25. 112 SILVA, Jose Anchieta da. A súmula do efeito vinculante amplo no direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 46. 113 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 13 mai. 2010. p. 1. 114 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 13 mai. 2010. p. 1.

51

todos, e principalmente para o magistrado de primeira instância, que estaria inclusive sujeito a punições caso não as utilizasse.115

Para a autora, significa dizer que a súmula vinculante é uma forma sumular

que além de servir de orientação, tem caráter cogente, eis que os demais órgãos do

Poder Judiciário passam a ter a obrigatoriedade de não apenas se orientarem, mas

de adotarem determinada interpretação sumulada pelo Supremo Tribunal Federal.

Nas palavras de Teixeira, as súmulas vinculantes podem ser definidas como

pronunciamentos jurisdicionais, decorrentes de reiteradas de reiteradas decisões

sobre matéria constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que condicionam os

demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, nas

esferas federal, estadual e municipal, a seguirem a mesma interpretação em suas

decisões.116

Dessa forma, a partir da positivação das súmulas com efeito vinculante no

ordenamento jurídico brasileiro, o magistrado passa a ter a obrigação de seguir a

linha interpretativa sumulada na aplicação concreta do direito.

Diz, então, que a súmula vinculante é um resumo, uma ementa, uma

síntese da essência do conteúdo de decisões de todos os casos parecidos,

decididos da mesma maneira, colocada por meio de uma proposição direta e clara,

que estabelece uma relação de subordinação obrigatória com as futuras decisões.

Relata que o legislador brasileiro, ao atribuir efeito vinculante às súmulas,

passou a dizer que as súmulas de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal terão

força cogente (obrigatória) sobre as demais decisões de juízes e tribunais, ou seja,

proíbe o julgador de interpretar e decidir questões do mesmo teor de maneira

contrária ao realizado, regido e “normatizado” pela súmula.117

Por fim, a súmula de efeito vinculante foi idealizada e inserida na

Constituição Federal de 1988, a partir da Emenda Constitucional nº 45/04, e pela Lei

nº 11.417/06, para funcionar como uma espécie de elo de ligação entre as decisões

– principalmente de controle de constitucionalidade ou interpretativas, proferidas

115 MORAES, Alessandra. Súmulas vinculantes: evolução ou retrocesso? [s.d]. Disponível em: <http://www.alessandramoraes.com>. Acesso em: 13 mai. 2010. p. 3. 116 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 76 117 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 76.

52

numa dimensão concreta e uma decisão proferida com caráter abstrato (geral), ou

seja, representa uma forma de transposição do concreto-específico para o abstrato-

geral.118

A súmula vinculante é considerada abstrata, porque regula as situações de

modo geral e hipotético, ou seja, elimina os fatos concretos que caracterizam as

decisões anteriores que serviram de base para sua formulação.

3.2. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 2004

A súmula, que, como visto, é o resumo dos casos parecidos decididos

daquela mesma maneira – colocado por meio de uma proposição direta e clara, da

mesma forma que acontece com a jurisprudência, não possui caráter cogente,

servindo apenas de orientação para decisões futuras, ou seja, os juízes estão livres

para decidir de acordo com sua convicção pessoal, mesmo que isso implique em

contradizer a corrente dominante, com a ressalva, é claro, de que a decisão que

contradiga a súmula vinculante deve, necessariamente, ser fundamentada.119

Por ocasião da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004,

foi introduzido, no Brasil, o efeito vinculante das súmulas do Supremo Tribunal

Federal, para os demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta

e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua

revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

No que se relaciona ao tema em estudo, por força da Emenda

Constitucional nº 45/04 e sua pretensa “reforma do judiciário”, a Constituição Federal

de 1988 foi acrescida do artigo 103-A, in verbis:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

118 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 13 119 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 126

53

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

No artigo 8º, da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, consta in verbis:

“artigo 8º: as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito

vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na

imprensa oficial (Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Com a reforma promovida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, no

que versa sobre o tema “súmula do Supremo Tribunal Federal”, passou a prever a

“possibilidade de uma súmula ter eficácia vinculante sobre decisões futuras”, como

se extrai do caput do supracitado artigo103-A. Com essa nova postura

constitucional, uma súmula que antes era meramente consultiva, passa a ter

verdadeiro efeito vinculante, e não mais facultativo, ou seja, não pode ser

contrariada120. Com isso, pretende-se:

[...] assegurar o princípio da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações fáticas idênticas, criando distorções inaceitáveis, bem como desafogar o Supremo Tribunal Federal do atoleiro de processos em que se encontra, gerado pela repetição exaustiva de casos cujo desfecho decisório já se conhece.121

Na interpretação de Leonardo Vizeu Figueiredo:

120 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 127 121 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 14 mai. 2010. p. 1.

54

Busca-se resgatar a efetividade do devido processo legal por meio de um instituto que irá estabelecer o entendimento da Suprema Corte brasileira sobre matérias constitucionais de direito, tornando a exegese fixada pelo Pretório Excelso de observância obrigatória por todos os órgãos e entes derivados dos Poderes Constituídos Judiciário e Executivo, os quais se limitarão à análise de aspectos fáticos, tão-somente, como forma de se reduzir o lapso temporal referente ao trâmite procedimental na Justiça e na Administração Pública e de se garantir a segurança jurídica na Nação.122

Por fim, é importante a dicção do artigo 8º, da Emenda Constitucional nº 45,

de 2004, segundo a qual às súmulas editadas em data anterior à Emenda

Constitucional nº 45, de 2004, somente produzirão efeito vinculante depois de ter

sua confirmação publicada na imprensa oficial. Essa confirmação deverá ser feita

por pelo menos dois terços dos integrantes do Supremo Tribunal Federal.123

Ainda não existe consenso total se as súmulas editadas antes da Emenda

Constitucional nº 45, de 2004, para obterem o devido efeito vinculante, devem

preencher todos os requisitos expressos no artigo 103-A, da Constituição Federal de

1988, ou se é suficiente à confirmação pelo quorum de dois terços dos integrantes

do Supremo Tribunal Federal e a subsequente publicação na imprensa oficial.

Porém, para Fernando Capez, “todos os requisitos da Emenda Constitucional nº 45,

de 2004, deverão ser preenchidos”, sob o argumento de que “não se podem criar

duas categorias de súmula vinculante, uma com e outra sem conteúdo de índole

constitucional”.124

3.3. LEI Nº 11.417, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006

O artigo nº 103-A, da Constituição Federal de 1988, depois de dois anos da

sua inclusão constitucional, através da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, foi

122 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1. 123 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 129. 124 CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 911, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>. Acesso em 14 mai. 2010. p. 1.

55

regulamentado pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, com a seguinte

ementa: “regulamenta o artigo 103-A da Constituição Federal de 1988, para

disciplinar a edição, revisão, e cancelamento de súmulas com efeito vinculante, pelo

Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências”.

A referida norma, que entrou em vigor três meses depois de sua publicação

(artigo 11, da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006), então, passa a

regulamentar a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, que se traduz na

obrigatoriedade de os órgãos do governo seguirem as súmulas e não contestarem

na Justiça as questões já sumuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Ressalte-se

que:

[...] os enunciados sobre os quais serão atribuídos eficácia vinculante terão por objeto a fixação do entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da validade, interpretação e eficácia de normas federais, estaduais, distritais e municipais em face dos preceitos estabelecidos no texto constitucional para tanto.125

O instituto da súmula vinculante foi introduzido no direito brasileiro, com

fundamento em três princípios de direito: o princípio da segurança pública, o

princípio da isonomia e o princípio da celeridade processual, “além de salvaguardar

e resgatar a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade”126. As principais

inovações da referida lei foram: legitimidade ativa dos tribunais e dos municípios;

possibilidade de restrição dos efeitos da súmula vinculante; contencioso

administrativo obrigatório mitigado e a responsabilização penal do administrador

público.127

Quanto à legitimidade ativa dos tribunais:

A Constituição Federal de 1988 [artigo 103-A, caput] permitia e a Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, implementou um alargamento da legitimidade ativa para provocar o processo de

125 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1. 126 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1. 127 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 16.

56

criação de enunciado de súmula vinculante. O inciso XI, do artigo 3º, da Lei em comento, adiciona os tribunais como legitimados a proporem a edição, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante perante o Supremo Tribunal Federal.128

Nos termos do artigo 3º, inciso XI, da Lei nº 11.417/2006, in verbis:

Artigo 3º: são legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante: [...]. XI – os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

No que diz respeito à legitimidade ativa dos municípios, na previsão do

parágrafo 1º, do artigo 3º, da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, “o

Município poderá propor, incidentalmente, ao curso do processo em que seja parte,

a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que

não autoriza a suspensão do processo”.

Muito embora o legislador tenha incluído os municípios entre os legitimados

para propor a edição, a revisão ou o cancelamento do enunciado de súmula

vinculante passou a exigir dos municípios, ao contrário dos demais legitimados

ativos, que “comprovem ser parte de processo em curso e que a edição, a revisão

ou o cancelamento do enunciado de súmula seja proposta incidentalmente

(paralelamente) a esse processo” 129.

Acompanhando a linha teleológica da jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, na interpretação de Leonardo Vizeu Figueiredo130 deverá ser exigido, para

determinados legitimados, - além dos requisitos comuns a todos -, a demonstração

de interesse objetivo na fixação vinculante da interpretação normativa por parte do

Supremo Tribunal Federal com as atividades exercidas pelo respectivo legitimado.

Como decorrência, os legitimados ativos para propositura de súmula com efeito

128 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 16. 129 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 17. 130 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1.

57

vinculante podem ser, teoricamente, classificados em: legitimados universais ou

neutros, legitimados especiais ou sectários e os municípios.

Os “legitimados universais ou neutros” são todos aqueles que atuam na

defesa geral dos interesses sociais, que não precisam demonstrar relação de

pertinência objetiva na fixação obrigatória do entendimento jurisprudencial do

Supremo tribunal Federal. No ato de propositura para conhecimento do pedido de

edição, revisão ou cancelamento, essa categoria deverá, tão-somente, ater-se à

demonstração de existência dos seguintes requisitos: dano potencial ou efetivo à

segurança jurídica e à celeridade processual (artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei nº

11.417/2006). Os legitimados universais são: o Presidente da República; a Mesa do

Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Procurador-Geral da

República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o Defensor

Público-Geral da União; e partido político com representação no Congresso

Nacional.131

Por sua vez, os “legitimados especiais ou sectários” são todos aqueles que

atuam na defesa específica de interesses inerentes à determinada categoria ou

população restrita à determinada base territorial, razão pela qual precisam

demonstrar além dos requisitos exigidos aos legitimados universais ou neutros, a

relação de pertinência objetiva na fixação obrigatória do entendimento sumulado do

Supremo Tribunal Federal.132

Os legitimados especiais ou sectários são: a confederação sindical ou

entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da

Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito

Federal; e os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito

Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do

Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Além dos legitimados universais e especiais, a norma em comento trouxe a

possibilidade de formulação de proposta de súmula por parte do Município, desde

que seja efetuada incidentalmente ao curso de ação em que seja parte, além da

131 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 133 132 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 133.

58

comprovação de dano potencial ou efetivo à segurança jurídica e à celeridade

processual, bem como da demonstração de pertinência objetiva.133

Quanto à legitimidade passiva, esta inexiste, pois:

[...] uma vez que se trata de procedimento de feições objetiva, que tem por fim a fixação obrigatória de entendimento do Pretório Excelso sobre a validade, a interpretação ou a eficácia de normas jurídicas, quando confrontadas material e formalmente em face da constituição, não há que se falar em legitimidade passiva, não havendo, sequer, previsão no sentido de requisição de informações para o órgão responsável pela edição do ato normativo objeto do procedimento.134

Sobre a possibilidade de restrição dos efeitos da súmula vinculante, o artigo

4º, da Lei nº 11.417/2006, determina que, in verbis:

Art. 4o A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Permite, dessa forma, que haja “restrição dos efeitos vinculantes e restrição

temporal da eficácia do enunciado da súmula vinculante para outro momento

(futuro)”. Essa nova perspectiva levantou polêmica entre os intérpretes da lei, que

será retomada no último capítulo deste estudo.135

Mais adiante, o artigo 7º, parágrafo 1º, estabeleceu um contencioso

administrativo mitigado que deve ocorrer antes da propositura da reclamação

constitucional. Veja-se: “artigo 7º. [...]. Parágrafo 1º: contra omissão ou ato da

administração pública, o uso da reclamação só terá admitido após esgotamento das

vias administrativas”.

Conforme André Ramos Tavares, “diz-se contencioso administrativo

mitigado” porque a exigência de esgotamento das vias administrativas aplica-se

exclusivamente à reclamação por descumprimento de súmula vinculante (em

133 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 133. 134 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1. 135 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 17.

59

relação a ato ou omissão da Administração Pública), e não para as demais medidas

judiciais cabíveis, ou seja, “apenas no caso de optar pela reclamação é que deverá

atender ao requisito do prévio esgotamento de instância administrativa”.136

Por fim, outra novidade trazida pela Lei nº 11.417/2006, foi à

responsabilização plena do administrador público. De acordo com André Ramos

Tavares, o artigo 9º, da Lei em comento, alterou a Lei nº 9.784/99, que regula o

processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, para

contemplar, de forma plena, a responsabilização pessoal da autoridade e órgão

administrativos “pelo descumprimento de súmula vinculante cuja incidência para

caso semelhante já tenha sido determinada em sede de reclamação pelo Supremo

Tribunal Federal”.137

Ainda na interpretação de André Ramos Tavares, “trata-se de um

mecanismo que procura, de maneira radical, cercar a Administração Pública para

que cumpra o estabelecido em súmula vinculante. A idéia é clara: diminuir o número

de contendas envolvendo a Administração Pública”.138

De acordo com Leonardo Vizeu Figueiredo139, o procedimento para edição,

revisão e cancelamento de súmula vinculante “não se encontra suficientemente

disciplinado na lei regulamentadora”, eis que esta se limita a estabelecer o quorum

qualificado de apreciação pelo plenário; a enumeração dos legitimados ativos; a

possibilidade de manifestação de terceiros; a modulação de efeitos materiais e

temporais da súmula; a possibilidade de reclamação em face da inobservância da

súmula vinculante; e a aplicação subsidiária do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal.

Em síntese, determina a Lei nº 11.417/2006, que a apreciação de proposta

de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante é de competência do

136 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. pp. 17-8. 137 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 18. 138 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 18. 139 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1.

60

órgão pleno do Supremo Tribunal Federal, o qual irá deliberar pelo quorum

qualificado de dois terços de seus membros. Nas proposições não formuladas pelo

Procurador-Geral da República, a proposta formulada ou de ofício pelo Pretório

Excelso, ou por iniciativa de um dos legitimados ativos, será distribuída para um

relator que irá proceder à oitiva do Procurador-Geral da República, “podendo, ainda,

admitir, ou não, manifestação de terceiros”.140

Em seguida, o procedimento será submetido ao pleno do Supremo Tribunal

Federal para deliberação, que terá o prazo de dez dias para publicar o resultado

(edição, revisão ou cancelamento) na imprensa oficial, a qual irá produzir efeitos

imediatos, a partir da data de sua publicação. Porém, o Supremo Tribunal Federal,

com base nos princípios de segurança jurídica ou de excepcional interesse público,

poderá “modular seus efeitos temporais, restringindo, ainda, sua eficácia

vinculante”.141

Ressalta-se que “formulação de proposta de enunciado de súmula com

efeito vinculante não autoriza a suspensão dos processos subjetivos que tenha

como fundamento questão idêntica, não tendo o referido procedimento força de

questão prejudicial” (sic)142. Em síntese, a súmula com efeito vinculativo deverá ser

utilizada em temas que implicam grande número de causas, com relevância jurídica,

econômica e social.

3.4. CORRENTE FAVORÁVEL À SÚMULA VINCULANTE

No cenário brasileiro atual, parece não haver dúvidas de que o maior

problema enfrentado pelo Poder Judiciário é a lentidão processual, que, na prática,

140 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1. 141 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 1. 142 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 136.

61

afronta os primados constitucionais da tutela jurisdicional e de acesso a justiça. É

nesse contexto que emerge o maior argumento em defesa da instituição das

súmulas vinculantes: “a morosidade da Justiça”, verificada empiricamente pelo

imenso volume de processos que se acumulam nos Tribunais Superiores143.

O efeito vinculante dado à súmula do Supremo Tribunal Federal é

defendido, neste particular, como a solução ideal para os problemas enfrentados

pelo Poder Judiciário. Além da lentidão da Justiça e seu abarrotamento pelo excesso

de recursos, outros motivos são apontados pela doutrina, como se passa a observar.

Sálvio de Figueiredo Teixeira144 destaca quatro justificativas que têm sido

lançadas pelos defensores do efeito vinculante da súmula editada pelo Supremo

Tribunal Federal. Esses motivos justificadores da adoção da súmula de efeito

vinculativo, embora aqui sistematicamente enumerados, estão umbilicalmente

interligados, sendo que não são estanques, mas se relacionam; são eles:

morosidade, decisões contrárias, negativa do engessamento da jurisprudência e

negativa de que impediria a liberdade de decisão do juiz.

O primeiro deles é a já mencionada morosidade do processo judicial

brasileiro e a conseqüente necessidade de tornar a Justiça mais ágil e eficiente. Este

é o principal argumento em prol da instituição das súmulas vinculantes. Segundo

Alessandra Moraes, os defensores da vinculação da súmula entendem que “esta

impedia que recursos meramente protelatórios sejam interpostos e que processos

inúteis cheguem aos Tribunais Superiores, tomando tempo que poderia ser dedicado

a questões mais relevantes”145.

A expectativa é de que o efeito vinculante da súmula venha tornar realidade

esse quadro, pois com sua instituição, as decisões do Supremo Tribunal Federal

sobre determinada questão passam a servir de baliza a juízes de instâncias

inferiores, que ficam obrigados a seguir as mesmas interpretações ao julgar casos

parecidos.

143 MORAES, Alessandra. Súmulas vinculantes: evolução ou retrocesso? [s.d]. Disponível em: <http://www.alessandramoraes.com>. Acesso em: 14 mai. 2010. p. 8. 144 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A súmula e sua evolução no Brasil. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br> Acesso em: 14 mai. 2010. pp. 29-30. 145 MORAES, Alessandra. Súmulas vinculantes: evolução ou retrocesso? [s.d]. Disponível em: <http://www.alessandramoraes.com>. Acesso em: 13 mai. 2010. p. 8.

62

Ao tratar do tema, Roberto Luis Luchi Demo defende a súmula vinculante,

argumentando que:

Se no passado havia razões, como de segurança jurídica e isonomia, para fundamentar a edição de assentos, hoje se pode acrescer a celeridade processual para a edição de súmulas, constituindo uma plataforma que procedimental que catalisa o ritmo do processo, necessidade premente de uma sociedade marcada pelo caráter instantâneo das comunicações, que acelera o ritmo de nossa vida e torna nossas expectativas mais urgentes. Não está na filosofia da súmula, portanto, ser uma superestrutura de dominação intelectual. Nessa toada, a aprovação das súmulas, empresa que Maurício José Corra146 se comprometeu a lançar assim que assumisse a presidência do Supremo Tribunal Federal [foi presidente entre 2003-2004], e lançou efetivamente, foi um êxito verdadeiro para o Supremo Tribunal Federal mesmo. Essa é uma idéia que deu certo no passado, pelas mãos de Victor Nunes Leal [década de sessenta].147

Para Sérgio Renato Tejada148, ex-secretário-geral do Conselho Nacional de

Justiça – CNJ, um dos fatores que mais contribuem para a lentidão dos processos

são os casos em que os réus insistem em prosseguir na ação até o último recurso

mesmo sabendo que são causas perdidas. Ressalta, ainda, que o poder público,

envolvido na maioria dos processos no país, deveria ser o primeiro a desestimular

as protelações, e cita o seguinte exemplo:

A Caixa Econômica Federal gasta R$ 1.200 por ano em cada processo em que é autora ou ré. São um milhão de processos, R$ 1,2 bilhão por ano. É claro que vai ganhar muitos deles, mas também perderá outros. É preciso ver o custo benefício e não insistir nas causas perdidas, para centrar nos grandes casos.

No mesmo sentido é a opinião do jurista André Ramos Tavares:

Considere-se o dado de que o Poder Público (União, Estados-membros e Municípios) é o maior “cliente” (em termos de números de processos nos quais estão envolvidos) do Judiciário Brasileiro, porque reiteradamente questiona direitos fundamentais (caros ao cidadão) já previamente reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal – STF; com isso, ter-se-á um breve panorama da súmula

146 Maurício José Correa, ministro do Supremo Tribunal Federal, atualmente aposentado desde 2004. Foi Presidente do Supremo Tribunal Federal no período entre 2003-2004. 147 DEMO, Roberto Luis Luchi. O resgate da súmula pelo Supremo Tribunal Federal. In: Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – CEJ, Brasília, nº 24. p. 85. 148 Sérgio Renato Tejada apud ANSEF – Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal. Súmula vinculante pode ajudar a desafogar tribunais. Disponível em: <http://www.ansef.org.br/verNoticia.php?cod=1237>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1.

63

vinculante no modelo brasileiro (que, nesse sentido, soma-se ao “efeito vinculante” das decisões em ações diretas).149

Nessa hipótese, a súmula vinculante funcionaria para afastar inúmeras

ações desnecessárias e recursos protelatórios, que, “na maioria reproduzindo peças

lançadas em computador, estão a congestionar os tribunais, agredindo o princípio da

celeridade processual e tornando a prestação jurisdicional ainda mais morosa”150.

Isso tudo vem fazendo com que a Justiça brasileira seja alvo constante das mais

variadas críticas, que culmina num nefasto descrédito generalizado.

Argumenta-se, aqui, que não existem justificativas para a multiplicidade de

demandas e recursos sobre teses jurídicas absolutamente idênticas, já definidas

inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que o descumprimento das

diretrizes dessas decisões profanas, na maioria das vezes, da própria Administração

Pública.

Em segundo lugar está a necessidade de se prestigiar o princípio isonômico

– direito fundamental à igualdade perante a lei -, eliminando o perigo das decisões

contraditórias, muitas delas que afrontam, inclusive, a declarações de

inconstitucionalidade, em incompreensível contra-senso. Esse motivo, apontado

como justificante da adoção da súmula vinculativa, se resume na imprescindibilidade

de resguardar o princípio da segurança jurídica, assegurando a previsibilidade das

decisões judiciais em causas idênticas.151

Via de regra, esse é o posicionamento de políticos, juristas e até

economistas, de base governista, pois acreditam que a súmula vinculante é um

elemento de estabilidade que contribui para atrai investimentos estrangeiros, que

relutam em aplicar capitais no Brasil, não apenas pela instabilidade econômica, mas

também, pela falta de previsibilidade. Nas palavras de André Ramos Tavares:

Os mais ardorosos combatentes do “neoliberalismo” vêem na previsibilidade do direito, uma exigência imposta pela globalização e, com ela, pelo capital externo, aos países de periferia ou de

149 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 109. 150 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A súmula e sua evolução no Brasil. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 15 mai. 2010. pp. 29-30. 151 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A súmula e sua evolução no Brasil. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 15 mai. 2010. pp. 29-30.

64

modernidade tardia. Mas essa é uma visão parcial e distorcida, que parece ignorar as reais necessidades de um país que busca alternativas pragmáticas que superem o descumprimento e o desconhecimento generalizados das leis e da Constituição, bem como o custo social que isso representa.152

Portanto, além da preocupação com a celeridade processual, essa corrente

de pensamento entende que há, ainda, a vantagem da segurança jurídica,

sentimento que faz com que o cidadão tenha a confiança de que receberá

tratamento isonômico perante o Poder Judiciário, corolário do princípio da igualdade

de todos perante a lei, expresso no artigo 5º, caput, da Carta Magna.153

Outro motivo que baliza a tese favorável à súmula vinculante é que não

existe perigo de engessamento da jurisprudência, vez que são previstos o

cancelamento e a alteração dos enunciados sumulares. Francisco Dias Teixeira,

Subprocurador-Geral da República desde 2003, é enfático ao afirmar que a súmula

com efeito vinculante:

[...] não ofende o princípio da independência funcional do juiz, porque aí o que se tem é a interpretação prévia de uma norma pelo órgão superior que, pelo mecanismo do recurso, teria mesmo o poder de fazê-lo no caso concreto. A súmula vinculante, portanto, apenas antecipa o que seria realizado por meio do complexo mecanismo de recursos. Daí por que a súmula não poderá veicular juízo sobre questões de fatos, pois estas contêm possibilidades mais amplas de juízos que as questões de direito.154

Também sobre a possibilidade da súmula vinculante subtrair a

independência do juiz, Cláudio Lemos Fonteles, ex-procurador geral da República

(2003-2005), compreende não ocorrer interferência no convencimento do

magistrado, justificando que:

[...] é o órgão que tem a palavra final em toda e qualquer decisão. A crítica maior seria no sentido de que você engessasse, imobilizasse as decisões da suprema corte. Mas aí, de tempos em tempos você pode questionar essas decisões, levá-las a público. Á medida que o Judiciário – e estamos vendo isso com muito bons olhos – passe a ser um poder que hoje está a dialogar com a sociedade brasileira – a própria associação dos magistrados brasileiros realizou um encontro

152 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. pp. 108-109. 153 MORAES, Alessandra. Súmulas vinculantes: evolução ou retrocesso? [s.d]. Disponível em: <http://www.alessandramoraes.com>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 8. 154 TEIXEIRA, Francisco Dias. Princípios constitucionais do Ministério Público, ainda. In: Boletim Científico, ano III, nº 10, pp. 10-30. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU, jan./mar., 2004. p. 27, nota 21.

65

em Salvador e deixou clara a necessidade do Judiciário se envolver com a temática da sociedade -, acho que não fere a independência do magistrado. Não digo o Superior Tribunal de Justiça – STJ, digo somente o Supremo Tribunal Federal, dada essa posição peculiar e fundamental, a meu juízo, para o regime democrático do órgão que zela pela constitucionalidade das leis e das decisões. Então, o que ele falar nós temos de observar.155

Porém, conforme André Ramos Tavares156, a respeito da liberdade de

convicção do juiz em face da súmula vinculante, é necessário ponderar duas

situações:

a) em primeiro lugar, ao julgador restará, sempre, a possibilidade de

avaliar se aplica ou não uma dada súmula a um determinado caso concreto, o que

se dá através da “operação de verificação”. Esclarece que a súmula não incorpora

os casos concretos que formaram a base para sua edição. Dessa forma, sendo a

vinculação apenas ao enunciado da súmula, o juiz terá que fazer uma operação

mental de verificação do cabimento da súmula ao caso concreto que lhe foi

apresentado, bem como sobre as normas aplicáveis à situação fática que está

analisando para proferir julgamento.

b) Em segundo lugar, a própria súmula é passível de sofrer uma

interpretação, porque é expressa em linguagem escrita, tal como as leis em geral.

Nas palavras do autor:

[...] a suposta “amarração” que uma súmula editada pelo Supremo Tribunal Federal provocará é, como qualquer outra vinculação, vertida em comando escrito, limitada, na medida em que a própria súmula será passível de interpretação e, assim, não irá escapar de uma leitura “subjetiva” ou diversificada.157

Continua questionando:

Como sustentar que na livre convicção do magistrado (que é essencial à própria sobrevivência do sistema, e só por isso existe como diretriz) esteja contida a liberdade arbitrária do magistrado, a discordar dos posicionamentos já amplamente fixados sobre o direito oposto (e que conduziriam à derrocada do próprio sistema jurídico).

155 A NOTÍCIA. Entrevista: Cláudio Lemos Fonteles. In: Jornal A Notícia, 16 nov. 2003. Disponível em: <http://www.an.com.br>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1. 156 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. pp. 107-109. 157 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. p. 108.

66

Só uma confusão entre referidos conceitos poderia conduzir ao posicionamento radical de oposição às súmulas.158

Por fim, conclui que:

Há riscos é claro. Mas igualmente não há como deixar de assumi-los, na busca de um sistema que se baseie menos na sorte (loteria de pensamentos jurídico-judiciais divergentes em relação a temas largamente debatidos) e mais na previsibilidade, própria da finalidade que se atribui ao e que justifica o direito.

Por sua vez, Maurício José Corrêa, ministro do Supremo Tribunal Federal

aposentado desde 2004, utiliza-se de algumas estatísticas para defender a súmula

vinculante. Relata que o combate à morosidade da Justiça custa ao país US$ 20

bilhões por ano e que 57% dos processos do Supremo Tribunal Federal de 2003

eram agravos de instrumento, cuja “esmagadora maioria é julgada incabível ou

improcedente”. Informa, ainda, que no Tribunal Superior do Trabalho, o índice

chegou a 72% e o Supremo Tribunal Federal recebeu 57 mil em 2002. Por isso,

argumenta que “a insistência em recorrer de questões já superadas, não pode

continuar a merecer a complacência da lei”.159

Esses são, em síntese, os argumentos daqueles que defendem a instituição

e permanência da súmula vinculante no cenário brasileiro.

3.5. CORRENTE CONTRÁRIA À SÚMULA VINCULANTE

Em termos gerais, a corrente contrária à adoção da súmula com efeito

vinculante, concentra suas críticas nos seguintes argumentos: atribui função

legislativa ao Judiciário contrariando o princípio da separação dos poderes; é um

instituto autoritário; violenta o princípio da independência jurídica do julgador;

restringe a criação do direito pela jurisprudência; concentrar poder nos tribunais

158 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. pp.108-109. 159 KASEKER, Camila. Súmula vinculante: o poder judiciário dividido. In: Tribuna do Direito, ano 11, nº 131, mar. 2004. Disponível em: <http://www.tribunadodireito.com.br/2004/marco/marco_38htm. Acesso em: 15 mai. 2010>. p. 1.

67

superiores; e restringe o princípio constitucional do direito de ação160. Conforme

Renato Marcão:

Críticas as mais variadas sempre foram feitas e as opiniões contrárias à sua adoção sempre foram submetidas ao conhecimento dos Poderes do Estado, que a despeito das graves e relevantes questões ventiladas sempre se dos revelaram impermeáveis, ao menos na cúpula.161

A Associação dos Magistrados Brasileiros posicionou-se francamente

contrária à súmula vinculante. No entendimento de Rodrigo Collaço162, ex-presidente

da Associação dos Magistrados brasileiros – AMB (2005-2007) a súmula vinculante

concentra o poder das decisões jurídicas nas mãos dos onze ministros do Supremo

Tribunal Federal, que, segundo seu entendimento, não conhecem as várias

realidades do país. Além disso, concebe que a súmula vinculante termina por afastar

as pessoas do Judiciário. Nas suas palavras “a súmula vinculante engessa a Justiça

e produz injustiças, já que os juízes de primeira instância são quem tem um contato

mais direto com a realidade das pessoas”.

Rodrigo Collaço reconhece que a instituição da súmula vinculante introduz

algumas inovações elogiáveis, porém, argumenta que, em contra-partida, acaba

provocando uma “verticalização do poder”, já que os poderes ficam excessivamente

concentrados na cúpula do sistema, ocorrendo uma notável subtração de poder da

base da pirâmide judiciária, que, segundo ele, é exatamente o espaço onde os

juízes atuam mais próximos a sociedade e mais distantes do estamento político

federal. Ressalta que as decisões de primeira instância não são valorizadas, “por

isso precisamos de uma ampla reforma processual para que possa se colocar a

Justiça a serviço de quem realmente tem direito163.

160 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A súmula e sua evolução no Brasil. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 15 mai. 2010. pp. 28-29. 161 MARCÃO, Renato. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 726, 1 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6942>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1. 162 Rodrigo Collaço apud MELO, Stalin. Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB critica reforma política. In: Notícias/ Imprensa, 3 set. 2005. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=2247>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1. 163 Rodrigo Collaço apud MELO, Stalin. Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB critica reforma política. In: Notícias/ Imprensa, 3 set. 2005. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=2247>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1.

68

As críticas da Associação dos Magistrados Brasileiros em relação à súmula

vinculante não são de hoje. Cláudio Baldino Maciel164, no discurso que proferiu

quando tomou posse na presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros

(2002-2004), em 12 de dezembro de 2001, já desde aquela data se posicionava

nesse sentido, criticando veementemente a súmula com efeito vinculante, sob a

justificativa de que concentra poder na cúpula do sistema judiciário” e,

conseqüentemente, “desvaloriza o juiz de primeiro grau”. Sobre a forma de

nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, assim se manifesta:

Aumenta-se consideravelmente o poder do Supremo Tribunal Federal, mas, sem embargo, em nenhum momento se questiona, com a profundidade necessária, como se fosse tema proibido entre nós, a forma de nomeação dos ministros da Excelsa Corte, sistema que hoje se impõe ao urgente debate com a sociedade, sobremodo por divulgar-se que o próximo Presidente da República indicará nada menos do que cinco dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, exatamente o tribunal que, dentre as suas mais relevantes funções, está a de conter o impulso do próprio Executivo em exercer o poder além das balizas da Lei Maior.165

No que diz respeito à desvalorização do juiz de primeiro grau, entende que

a súmula vinculante concentra o poder na cúpula do sistema judiciário, esquecendo-

se que o no Brasil, é o juiz de primeira instância quem deveria ser mais valorizado

em primeiro lugar, não como acontece na atualidade, onde o primeiro grau figura-se

como mera etapa, quase indiferente, de passagem para a segunda instância,

“porque de tudo permite-se o recurso processual”.166

164 MACIEL, Cláudio Baldino. Discurso de posse do Desembargador Cláudio Baldino Maciel, na Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, em 12 de dezembro de 2001, em Brasília-DF. In: AMB, Debate, 2001. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=posse_claudio>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1. 165 MACIEL, Cláudio Baldino. Discurso de posse do Desembargador Cláudio Baldino Maciel, na Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, em 12 de dezembro de 2001, em Brasília-DF. In: AMB, Debate, 2001. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=posse_claudio>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1. 166 MACIEL, Cláudio Baldino. Discurso de posse do Desembargador Cláudio Baldino Maciel, na Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, em 12 de dezembro de 2001, em Brasília-DF. In: AMB, Debate, 2001. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=posse_claudio>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1.

69

Ainda na esteira de Cláudio Baldino Maciel, a súmula vinculante é o mais

destacado exemplo da concentração de poderes na cúpula do sistema judiciário,

cuja necessidade fundamenta-se no argumento de que “os tribunais superiores

enfrentam volume invencível de serviço, no mais das vezes representado por causas

idênticas, recursos „de safra‟ sobre matérias e decisões iguais”. Muito embora

reconheça que o “fato é inegável e deve ser com urgência enfrentado”.

Cláudio Baldino Maciel verifica que existem mecanismos mais simples e

mais efetivos, “sem o sacrifício do maior patrimônio moral-institucional do Poder

Judiciário: a independência jurídica do juiz de todos os juízes”. Cita, por exemplo, a

“súmula impeditiva de recursos”, proposta como alternativa ao desafogamento do

Judiciário, pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e pela Ordem dos

Advogados do Brasil, que resultou aprovada pela Lei nº 11.276, de 7 de fevereiro de

2006.

De acordo com o autor, a súmula impeditiva de recursos “alcança ainda

melhor efeito saneador do problema, ou seja, com maior eficiência para evitar o

excesso de feitos com matéria idêntica nos tribunais superiores”.167

Ainda, diz que o Poder Judiciário foi instituído para oferecer,

indistintamente, a justiça justa aos jurisdicionados, com fundamento em valores

jurídicos, éticos, políticos, sociais, morais e econômicos, todos esses princípios de

forma equilibrada, ou seja, na justa medida, pois, apenas procedendo dessa forma é

que o Poder Judiciário poderia efetivamente ser instrumento de garantia de tutela

jurisdicional de qualidade. Significa dizer que o Poder Judiciário não foi criado para

funcionar em parceria com a atividade econômica.

Nesse contexto é, no mínimo, curiosa à declaração de Luiz Inácio Lula da

Silva, que em 1998, quando candidato na sua terceira campanha à Presidência da

República, comprometeu-se a combater a súmula vinculante, com as seguintes

palavras:

167

MACIEL, Cláudio Baldino. Discurso de posse do Desembargador Cláudio Baldino Maciel, na Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, em 12 de dezembro de 2001, em Brasília-DF. In: AMB, Debate, 2001. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=posse_claudio>. Acesso em: 15 mai. 2010. p. 1.

70

Assumo o compromisso de contribuir para a independência e o fortalecimento do Judiciário. Por essa razão, o meu governo interromperá, toda e qualquer iniciativa de adoção da súmula vinculante, por considerá-la fator de debilitamento e até mesmo de esterilização do Judiciário.168

Foi o agora Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quem

sancionou a Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que disciplina a edição, a

revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal

Federal.

Além dos magistrados brasileiros, a Ordem dos Advogados do Brasil

também combate à súmula vinculante. Roberto Antonio Busato, ex-presidente do

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2004-2007), é contrário à

súmula vinculante e à repercussão geral, e defende a súmula impeditiva. Argumenta

que:

A súmula vinculante restringe a liberdade de a parte de ter acesso à Corte máxima e engessa o Judiciário por não permitir ao juiz decidir em contrário. A súmula impeditiva permite ao juiz decidir cada caso e, mantida a orientação jurisprudencial, cabe-lhe determinar o impedimento do recurso. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB também é contrária à repercussão geral. Na ditadura militar, criou-se um instrumento idêntico, chamado de argüição de relevância. O Supremo Tribunal Federal – STF decide subjetivamente as matérias com ou sem repercussão.169

Para Roberto Antonio Busato, a situação da Justiça brasileira, onde

tramitam mais de trinta e cinco milhões de processos, somente será resolvida se for

realizada uma tripla revolução: tecnológica, mental e de regras processuais. Entende

que a criação de mecanismos como a súmula vinculante e a repercussão geral, não

conseguirá resolver o problema , ao contrário, “a adoção da súmula vinculante

168 FREITAS, Silvana de. Governo passa a aceitar súmula vinculante. In: Folha de São Paulo, Brasília, 20 mar. 2004. Disponível em: <http://acreditesequiser.blogspot.com/2004_04_18_archivr.html>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1. 169 FREITAS, Silvana de. Governo passa a aceitar súmula vinculante. In: Folha de São Paulo, Brasília, 20 mar. 2004. Disponível em: <http://acreditesequiser.blogspot.com/2004_04_18_archivr.html>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1.

71

causará completo engessamento no julgamento e nas decisões dos juízes de

primeiro grau, o que é inadequado ao país” 170.

Na esteira de Raimundo Cezar Britto Aragão, atual presidente do Conselho

Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2007-2010):

Afinal, como vem criticando a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, no passar dos anos, não pode a última palavra sobre a vida de um país ser dada por onze pessoas nomeadas por critérios exclusivamente políticos, ainda mais quando recentemente aprovada a centralizadora súmula vinculante. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal – STF ter agasalhado e testemunhado fantásticos e competentes magistrados em suas sessões, a sorte da Justiça não pode ficar subordinada aos dados ou humores políticos do Presidente da República. O acerto ou desacerto do magistrado é de interesse direto da cidadania.171

De acordo com Luiz Flávio Borges D‟Urso, ex-presidente da Ordem dos

Advogados do Brasil, seccional de São Paulo – OAB-SP (2007-2009), a súmula

vinculante, criada para servir de instrumento para dinamizar a prestação

jurisdicional, “constitui verdadeiramente um retrocesso”, argumentando que:

Conserva o ranço das Ordenações Manuelinas, a draconiana legislação portuguesa adotada por nossos antigos tribunais monarquistas, que a República aboliu. As súmulas entraram na história do Supremo Tribunal Federal por ação do ministro Victor Leal Nunes, em 1963, tendo ele mesmo afastado a idéia de tirá-las do caráter de predominante para convertê-las em vinculante. Amparada na hipótese de diminuir os trabalhos das altas Cortes, a Súmula produz vícios insanáveis, ao provar os magistrados de autonomia e crítica na interpretação da lei, prejudicando os cidadãos que terão seus direitos cerceados. Dessa forma, o Poder Judiciário, descumpre o inciso LVI, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa em todo o processo judicial ou administrativo.172

Prossegue expondo que a súmula vinculante:

170 FREITAS, Silvana de. Governo passa a aceitar súmula vinculante. In: Folha de São Paulo, Brasília, 20 mar. 2004. Disponível em: <http://acreditesequiser.blogspot.com/2004_04_18_archivr.html>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1. 171 ARAGÃO, Raimundo Cezar Britto. Uma visão provinciana. In: Portal infonet, 30 jan. 2006. Disponível em: <http://www.infonet.com.br/cezarbritto/ler.asp?id=43727&titulo=Cezar_Brito>. Aceso em: 16 mai. 2010. p.1. 172 D‟URSO, Luiz Flávio Borges. Súmula vinculante é retrocesso. In: Jornal Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2004/75>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1.

72

[...] retira do juiz a sua capacidade de entendimento e a sua livre convicção, ou seja, a sua independência para julgar. Torna-se o juiz um mero cumpridor de normas baixadas pelo grau superior, comprometendo-se, dessa forma, ao inibir a livre apreciação dos fatos e do direito, a criação e o desenvolvimento da jurisprudência. Tornando-se mero burocrata, exercendo papel de subalterno que reproduz decisões de instâncias superiores, o juiz, contra a sua vontade, acaba prestando um desserviço à causa dos direitos fundamentais e da cidadania.173

Além disso, o autor enfatiza que o jurisdicionado, quando procura o Poder

Judiciário, almeja ver seu direito apreciado e devidamente julgado, ou seja, “espera

que a justiça esgote todas as suas possibilidades de avaliações e julgamento” e não

“se sentir refém de uma jurisprudência que não pode e não deve ter cunho de

definitividade em relação a um cidadão que não foi parte em feitos anteriores”.

Essas considerações levam à conclusão de que:

[...] se a Justiça evolui na esteira da dinâmica da própria humanidade, entra em um processo estático quando se depara com a súmula vinculante, que nada mais é do que a formação de um “julgamento pétreo”, imodificável, subtraindo, assim, o oxigênio do direito.174

Quanto ao argumento de que a súmula vinculante é um “instrumento para

equacionar o problema dos excessos do serviço judiciário”, rebate esclarecendo que

“essa hipótese também acabará por eliminar a apreciação judicial de direitos

apontados como violados”, o que “não é um solução para a crise”, mas “um

extermínio de direitos”, que, ao final, amordaça a própria democracia. Por fim,

conclui:

Os recursos e processos que entulham as salas das altas Cortes, parcela dos quais tratando sobre matéria julgada, contribuem, sim, para atravancar as decisões e atrasar a aplicação da Justiça. Mas é um erro monumental procurar aliviar a carga de serviços das Cortes superiores com instrumentos que eliminam o que o juiz tem de mais nobre à sua função: o livre convencimento, a independência para julgar. Que se procurem outras soluções, entre elas, o suprimento de recursos humanos e financeiros, a incorporação de tecnologias avançadas, a desburocratização que retarda o andamento processual e o próprio cumprimento dos comandos constitucionais

173 D‟URSO, Luiz Flávio Borges. Súmula vinculante é retrocesso. In: Jornal Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2004/75>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1. 174 D‟URSO, Luiz Flávio Borges. Súmula vinculante é retrocesso. In: Jornal Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2004/75>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1.

73

para amparo aos carentes. Cerca de oito mil juízes para uma população de 175 milhões de brasileiros, pode-se aduzir, é muito pouco. O Poder Judiciário carece de reforma, não há dúvida. Reformar, porém, significa avançar, evoluir, inovar, jamais retroceder. A súmula vinculante é um retrocesso.175

Por fim, Odelmir Bilhalva Teixeira diz que:

Seja como for, é inegável que a liberdade e independência dos magistrados brasileiros devem ser preservadas, e a súmula vinculante pode acabar funcionando como um mecanismo de controle e manipulação dos juízes singulares pelos tribunais superiores.

Os juízes de primeira instância são aqueles que de modo mais eficiente podem valorar experiências regionais e particularizadas, dando um rosto mais humano à justiça brasileira. Em decorrência disso, inibi-los em sua liberdade de construir o direito caso a caso, através de sua interpretação, e configurar o descumprimento reiterado das súmulas vinculantes como crime de responsabilidade pessoa do julgador, é ato visivelmente antidemocrático, e está na contramão da história.

Verifica-se, portanto, que a súmula vinculante, nos moldes como foi regulamentada, está bastante distante de ser a panacéia da crise do sistema jurisdicional, e em contrapartida poderá acabar violando o curso evolutivo do direito brasileiro.176

175 D‟URSO, Luiz Flávio Borges. Súmula vinculante é retrocesso. In: Jornal Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2004/75>. Acesso em: 16 mai. 2010. p.1. 176 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula Vinculante: perigo ou solução. p. 193.

74

CONCLUSÃO

Nos dias atuais, são notórios para qualquer cidadão bem informado os

óbices e dilemas enfrentados pelo Poder Judiciário: insuficiência de recursos de

ordem financeira; diminuto número de magistrados para atender adequadamente

toda a população; falta de investimento em recursos tecnológicos e materiais;

excesso de processos e recursos nos tribunais; e principalmente, a morosidade da

prestação jurisdicional.

Com isso em mente, a Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de

2004, introduziu o inc. LXXVIII o ao art. 5º da Constituição Federal de 1998,

explicitando, assim, a celeridade processual como norma constitucional e direito

fundamental do ser humano. Outra novidade trazida ao ordenamento jurídico pela

referida norma foi à criação do artigo 103-A da Carta Magna, que delegava ao

Supremo Tribunal Federal e outros legitimados o poder de editar, revisar ou cancelar

súmulas com efeito vinculante.

A instituição da súmula vinculante, criada pela Emenda Constitucional nº 45

e regulamentada pela Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006, veio com a premissa

de acabar, ou pelo atenuar, dois problemas: primeiramente, a insegurança jurídica

decorrente da prestação da jurisdição pelos órgãos do judiciário, onde um tema

possa ter duas ou mais decisões contraditórias entre si, além de proporcionar ao

homem médio a previsibilidade das sentenças judiciais; e possibilitar que haja uma

celeridade ao julgamento dos processos, visto que bastaria ao magistrado aplicar a

súmula vinculante no caso concreto.

Disso decorreu um grande debate entre os operadores do direito, entre

aqueles favoráveis a edição da súmula vinculante, e aqueles que combatem com

veemência a adição ao ordenamento de súmulas com efeito vinculante, sob o forte

argumento, entre outros, de que o princípio da persuasão racional do juiz estaria em

xeque.

No entanto, sob a ótica da teoria do garantismo jurídico, que defende

basicamente a proteção irrestrita e efetivação concreta dos direitos fundamentais,

75

não se poderia deixar de atestar a importância da súmula vinculante, visto que este

instituto procura de uma forma ou outra, garantir de forma patente a aplicação do

direito fundamental relacionado à celeridade processual dos processos estacionados

nos arcabouços do judiciário. Todavia, também não seria adequado também realizar

a aplicação irrestrita da súmula vinculante, visto a possibilidade de violação aos

próprios direitos fundamentais e ao princípio do livre convencimento do magistrado.

É valida, portanto, a institucionalização da súmula vinculante, se aplicada de

forma restrita. Isso porque, para o garantismo, quando houver confronto entre a

súmula vinculante e os direitos fundamentais em sua interpretação, devem

prevalecer estes, e não aquela. Portanto, o magistrado, em tais casos, deve

desconsiderar a força vinculante e se utilizar de sua livre persuasão, de forma

fundamentada, para elucidar a questão e garantir a supremacia dos direitos

fundamentais.

Essa nova interpretação do papel do Estado-juiz como garantidor dos

direitos fundamentais inseridos ou decorrentes da Constituição Federal da

República, só é possível em um novo modelo interpretativo.

O magistrado, no modelo positivista tradicional possui relação formal com a

Constituição, demovendo-se, até inconscientemente às vezes, do dever ético-

político de absoluta intimidade com o texto constitucional. Acredita, ainda, que a

forma é a garantia da eficácia do direito, sem qualquer valoração, cumprindo as

normas porque existem e tem vigência (aspecto meramente formal).

No modelo garantista, o magistrado assume posição diversa, passando a

tutelar não somente a formalidade, mas também sobre o conteúdo constitucional.

Sob esse prisma, a sujeição do juiz à lei não é de fato, como no modelo positivista,

mas sim sujeição a norma enquanto válida, ou seja, coerente com a Constituição.

Essa validade, no modelo constitucional-garantista, já não é um dogma ligado à

existência formal da lei, mas uma qualidade contingente ligada à coerência, e

sempre submetida à valoração do magistrado quanto aos seus significados com a

Constituição. Daí deriva que a interpretação da norma pelo juiz é também um juízo

sobre esta, relativamente a qual o magistrado tem o dever e a responsabilidade de

76

escolher somente os significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas

constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos.

Visto isso, pode-se concluir com esse trabalho, que pela teoria do

garantismo jurídico, a súmula vinculante é válida de um modo geral, já que é um

mecanismo de efetivação de direitos fundamentais ainda não concretamente

aplicados no ordenamento jurídico. No entanto, diante da nova posição do

magistrado de defensor e garantidor eficaz da constituição vislumbrado também pela

teoria garantista, este deixará de se submeter à força vinculante daquela, quando

houver confronto entre a Constituição Federal e a súmula vinculante, e aplicar

concretamente através de seu livre convencimento, os direitos e garantias

constitucionais.

77

REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho. Barcelona: Gedisa, 1997.

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001.

AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

A NOTÍCIA. Entrevista: Cláudio Lemos Fonteles. In: Jornal A Notícia, 16 nov. 2003. Disponível em: <http://www.an.com.br>.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998.

ARAGÃO, Raimundo Cezar Britto. Uma visão provinciana. In: Portal infonet, 30 jan. 2006. Disponível em: <http://www.infonet.com.br/cezarbritto/ler.asp?id=43727&titulo=Cezar_Brito>.

ARONNE, Ricardo. O princípio do Livre Convencimento do Juiz. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996.

BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: 1980.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BUECHELE, Paulo Armínio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da constituição. Rio de janeiro: Renovar, 1999.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina. 2002.

CAPEZ, Fernando. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 9, 31 dez de 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7710>.

CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Princípios gerais de direito público. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966.

CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2003.

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999.

78

DEMO, Roberto Luis Luchi. O resgate da súmula pelo Supremo Tribunal Federal. In: Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – CEJ, Brasília, nº 24.

D‟URSO, Luiz Flávio Borges. Súmula vinculante é retrocesso. In: Jornal Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2004/75>.

DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. Barcelona: Ariel, 1989.

DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Princípios Constitucionais e Atividade Jurídico-Administrativa – Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1.295, 17 de janeiro. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>.

FREITAS, Silvana de. Governo passa a aceitar súmula vinculante. In: Folha de São Paulo, Brasília, 20 mar. 2004. Disponível em: HTTP://acreditesequiser.blogspot.com/2004_04_18_archivr.html.

GOMES, Magno Federici; SOUSA, Isabella Saldanha. Teoria Neo-Institucionalista em Face da Instrumentalista: a Efetividade do Processo e a Celeridade do Procedimento. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil – V. 25. Porto Alegre: Magister, Junho e Agosto, 2008.

HABERMANS, Jürgen. Direito e Democracia: entre factidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1998.

KASEKER, Camila. Súmula vinculante: o poder judiciário dividido. In: Tribuna do Direito, ano 11, nº 131, mar. 2004. Disponível em: http://www.tribunadodireito.com.br/2004/marco/marco_38htm.

LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

MACIEL, Cláudio Baldino. Discurso de posse do Desembargador Cláudio Baldino Maciel, na Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, em 12 de dezembro de 2001, em Brasília-DF. In: AMB, Debate, 2001. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=posse_claudio>.

79

MARCÃO, Renato. Súmula Vinculante. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 726, 1 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6942>.

MICHELI, Gian Antonio; TARUFFO, Michele. A prova. Revista de Processo, 1979, v. 6.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. 3.

MIRANDA, Pontes de; CAVALCANTI, Franscisco. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.1 de 1969. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. v. 6.

MORAES, Alessandra. Súmulas vinculantes: evolução ou retrocesso? [s.d]. Disponível em: <http://www.alessandramoraes.com>.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. P. 57.

Othon Sidou apud DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 4.

PEREZ, luño. Los derechos humanos, significación, estatuto jurídico y sistema. Sevilla: Publicaciones de La Universidad de Sevilla, 1979.

PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 6. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

RIVERO, Jean. Les libertés publiques – Les droits de l‟Homme. Paris: PUF, 1973.

ROCHA, Carmen Lúcia. Princípios Constitucionais da administração pública. Belo Horizonte; Del Rey, 1994.

Rodrigo Collaço apud MELO, Stalin. Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB critica reforma política. In: Notícias/ Imprensa, 03 set. 2005. Disponível em: <http://amb.locaweb.com.br/portal/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=2247>.

Sérgio Renato Tejada apud ANSEF – Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal. Súmula vinculante pode ajudar a desafogar tribunais. Disponível em: <http://www.ansef.org.br/verNoticia.php?cod=1237>.

ROSA, Alexandre morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

SILVA, Jose Anchieta da. A súmula do efeito vinculante amplo no direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

80

SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico jurídico. São Paulo: LTr, 1996.

STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Glossário Jurídico: súmula. [s.d]. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/noticias/glossario/verbete.asp?SEQ_VERBETE=382>.

TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei nº 11. 417, de 19 de dezembro de 2006. São Paulo: Método, 2007.

TEIXEIRA, Francisco Dias. Princípios constitucionais do Ministério Público, ainda. In: Boletim Científico, ano III, nº 10, pp. 10-30. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU, jan./mar., 2004.

TEIXEIRA, ODELMIR BILHALVA. Súmula Vinculante: perigo ou solução. 1ª ed. Campinas: Russel Editores, 2008.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A súmula e sua evolução no Brasil. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>.

WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral do Direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1984. v. 1.