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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 075
Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Mário Luiz Sarrubbo
Coordenador do CAO Criminal
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
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SUMÁRIO
SUMÁRIO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
ESTUDOS DO CAOCRIM--------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1-Tema: Acórdão TJSP- Art 157, § 2º, inciso V, artigo158, e artigo 213, caput, na forma do artigo 69,
todos do Código Penal ........................................................................................................................... 3
2 - Tema: Acordo de não persecução penal e a bem-sucedida experiência na comarca de Dracena ..... 5
3 - Tema: Associações habitacionais - aspectos criminais...................................................................... 6
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ------------------------------ 9
DIREITO PROCESSUAL PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------- 9
1- Tema: Revista íntima. Denúncia anônima. Fundamento exclusivo. Impossibilidade. Ilicitude das
provas obtidas. ...................................................................................................................................... 9
2- Tema: Compete à Justiça Federal julgar crime contra a vida em desfavor de policiais militares,
consumado ou tentado, praticado no contexto de crime de roubo armado contra órgãos, autarquias
ou empresas públicas da União ........................................................................................................... 11
3- Tema: Lei de Drogas. Interrogatório realizado no início da instrução penal. Nulidade. ................... 12
DIREITO PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 14
1-Tema: Tráfico de drogas. Crime praticado em presídio por meio de telefone. Art. 40, inciso III, da
Lei n. 11.343/2006. Majorante. Incidência. ......................................................................................... 14
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Acórdão TJSP- Art 157, § 2º, inciso V, artigo 158, e artigo 213, caput, na forma do artigo
69, todos do Código Penal - Clique aqui
Palavra da vítima: valor probatório
A doutrina mais tradicional sempre recebeu com enormes reservas a palavra do ofendido e, em
virtude disso, conferiu-lhe pouco ou mesmo nenhum valor probatório.
Sem embargo de tais ressalvas e sob determinadas condições, tem a doutrina e a jurisprudência
reconhecido grande valia no depoimento do ofendido, conforme realça Tourinho Filho:
“Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do crime. Assim, naqueles delitos
clandestinos – qui clam comittit solent – que se cometem longe dos olhares de testemunhas –, a
palavra da vítima é de valor extraordinário” (Processo Penal, p. 296).
Portanto, nesses delitos, cometidos às ocultas e naqueles em que não se vislumbra, no proceder da
vítima, nenhuma intenção em incriminar pessoa até então desconhecida, seu depoimento assume
valor decisivo. Conclui-se com as palavras de Julio Fabbrini Mirabete para quem “embora os
depoimentos das vítimas em princípio sejam suspeitos, dependendo do caso concreto, estando em
sintonia com outras provas dos autos, merecem fé, podendo servir de suporte a de seu espírito, pode
encontrar o caminho certo a seguir a fim de alcançar a realização da justiça ao valorar as declarações
da vítima, para concluir, sem prevenções, se merecem fé ou não” (Código de Processo Penal, p. 278).
Afinal, na correta advertência do então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Vicente Piragibe,
“todos nós, que somos juízes, sabemos disto: não se pode deixar de tomar em muita consideração
as declarações da ofendida, desde que sejam verossímeis e minuciosas” (Dicionário de jurisprudência
penal do Brasil, 1934, n. 3.178).
Palavra da vítima: delitos sexuais
Em sua conhecida “Jurisprudência de Teses”, o Superior Tribunal de Justiça divulgou, em outubro de
2018, a edição 111 com o tema “Provas no Processo Penal”, na qual se concluiu que “em delitos
sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que
esteja em consonância com as demais provas dos autos”.
Palavra da vítima: jurisprudência
“Os delitos contra os costumes, pela própria natureza, em regra, são praticados sem a presença de
testemunhas, razão pela qual a declaração da vítima assume extrema importância, sobretudo se
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corroborada por outros elementos de prova” (STJ – AgRG no REsp n° 1177693-MT, Rel. Og Fernandes,
j. 11.06.2013, DJe 21.06.08.2013).
“No que tange aos crimes de violência doméstica e familiar, entende esta Corte que a palavra da
vítima assume especial importância, pois normalmente são cometidos sem testemunhas” (STJ – AgRg
no AREsp n° 213796-DF, Rel. Campos Marques, j. 19.02.2013, DJe 22.02.2013).
Prova – Roubo qualificado – Palavra da vítima – Valor – “Se a palavra da vítima é aceita como
suficiente para marcar a autoria do roubo, também deve ser acolhida a propósito das demais
circunstâncias do crime, como as qualificadoras, quando nada nos autos exista para demonstrar de
forma contrária” (TACRIM-SP – Rel. Barbosa de Almeida – RJD 25/288).
“O crime de maus-tratos é cometido geralmente no recôndito do lar, longe da vista de outras
pessoas não pertencentes ao convívio familiar, pelo que a falta de testemunhas presenciais não
invalida os elementos de convicção coligidos” (TACRIM-SP – Rel. Thyrso Silva – RJD 26/170).
“Constitui prova inequívoca e inquestionável da autoria, o reconhecimento do acusado pela vítima
de sequestro, se esta permaneceu junto daquele por mais de duas semanas e teve oportunidade de
vê-lo sem capuz destinado a lhe ocultar a face” (TARJ – Rel. Antonio Izaias da Costa Abreu – RT
722/530).
“Perante divergência frontal entre a palavra da vítima e a do acusado, de se dar prevalência à do
sujeito passivo, pois visando este apenas recuperação do que lhe foi subtraído e incidindo a sua
palavra sobre proceder de desconhecidos, seu único interesse é apontar os verdadeiros culpados e
narrar-lhes a atuação e não acusar inocentes. Impõe-se a solução, máxime quando se trate de réu
com antecedentes policiais” (TACRIM-SP – Rel. Juiz Roberto Martins – JUTACRIM 44/427).
Crimes de roubo e extorsão: inviabilidade da continuidade delitiva
Previsto no artigo 71, caput, do Código Penal, dá-se o crime continuado genérico (ou comum) quando
o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro.
Aparece como um dos requisitos da continuidade delitiva a pluralidade de condutas e de crimes da
mesma espécie. Aproxima-se do concurso material ao exigir condutas provocando vários crimes.
Diferencia-se, no entanto, ao restringir sua aplicação a crimes da mesma espécie.
A orientação dominante considerava crimes da mesma espécie aqueles inseridos no mesmo tipo
penal, com exceções pontuais. Atualmente, no entanto, o STJ tem decidido que tais crimes são
aqueles que protegem o mesmo bem jurídico, ainda que por meio de tipos penais diversos:
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“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça compreende que, para a caracterização da
continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva (mesmas
condições de tempo, lugar e forma de execução) e subjetiva (unidade de desígnios ou vínculo
subjetivo entre os eventos), nos termos do art. 71 do Código Penal. Exige-se, ainda, que os delitos
sejam da mesma espécie. Para tanto, não é necessário que os fatos sejam capitulados no mesmo
tipo penal, sendo suficiente que tutelem o mesmo bem jurídico e sejam perpetrados pelo mesmo
modo de execução. 2. Para fins da aplicação do instituto do crime continuado, art. 71 do Código
Penal, pode-se afirmar que os delitos de estupro de vulnerável e estupro, descritos nos arts. 217-A e
213 do CP, respectivamente, são crimes da mesma espécie” (REsp 1.767.902/RJ, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, j. 13/12/2018).
Em resumo: crimes da mesma espécie = tutela do mesmo bem jurídico.
Há de se destacar, porém, a existência de crimes que, não obstante tutelem o mesmo bem jurídico,
são considerados de espécies distintas pelo STJ, que, em razão disso, impede a incidência da
continuidade delitiva. Roubo e extorsão estão nesse rol:
“Não é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, pois
embora sejam delitos do mesmo gênero, são de espécies distintas, o que inviabiliza a aplicação da
regra contida no art. 71 do Código Penal. Precedentes” (HC 461.794/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, j. 07/02/2019).
2 - Tema: Acordo de não persecução penal e a bem-sucedida experiência na comarca de Dracena
Acordos de não persecução penal firmados pela Promotoria de Justiça de Dracena com autores de
crimes de falsidade ideológica e corrupção ativa já possibilitaram a obtenção de R$ 246.500,00, valor
que vem sendo pago de forma parcelada. De acordo com os promotores de Justiça Ruy Bodini, Rufino
Campos e Antonio Simini Junior, novos acordos podem levar a arrecadação à marca de R$ 1 milhão.
As quantias serão divididas entre as entidades assistenciais devidamente credenciadas junto à
comarca de Dracena.
O Centro de Apoio Operacional Criminal (CAO Crim) do MPSP auxiliou os promotores fornecendo
modelos que embasaram os acordos firmados e também computadores específicos para este fim.
Os acordos estão sendo entabulados com indivíduos que agiram de forma ilícita ao transferirem suas
CNHs, originalmente de São Paulo, para Mato Grosso do Sul, com o objetivo de burlar sanções
decorrentes de autuações que haviam recebido no Estado de origem. Alguns deles estavam com
habilitações suspensas, cassadas ou prestes a ter tais sanções impostas.
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A organização criminosa dedicada ao esquema foi desbaratada na Operação Dedo Podre, deflagrada
com participação da Polícia Civil. Por meio de interceptação de comunicações, as autoridades
verificaram que quatro pessoas se uniram para transferir, de maneira ilícita e mediante o pagamento
de propina, CNHs de condutores do Estado de São Paulo para Mato Grosso do Sul. Um dos
integrantes da associação criminosa era conhecido morador da cidade de Dracena, bacharel em
Direito que se identificava como advogado especialista no ramo de recursos em multas de trânsito.
Ele conseguiu cooptar 2 mil motoristas do município e da região, realizando as intermediações para
as transferências das carteiras de habilitações para o Estado vizinho.
Após a tramitação de inquérito policial, Campos ofereceu denúncia contra os quatro indivíduos,
obtendo junto ao Judiciário a decretação da prisão preventiva de todos. Eles estão detidos desde
agosto deste ano. O mesmo promotor requisitou a instauração de inquéritos policiais para cada um
dos 131 condutores de veículos que comprovadamente haviam utilizado os serviços da quadrilha,
solicitando o bloqueio judicial provisório nos cadastros das CNHs no banco de dados dos Estados de
Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Pará, com a consequente apreensão do documento pela
autoridade policial.
Os motoristas praticaram crimes de falsidade ideológica (ao apresentar endereço falso junto ao
Detran/MS, alegando que moravam na cidade de Selvíria e solicitando a transferência da CNH) e de
corrupção ativa (caracterizado pelo aos criminosos, sendo que um deles, servidor público do
Detran/MS, fazia vistas grossas às pontuações ou penalidades registradas no banco de dados do
Estado de São Paulo, aceitando o pedido de transferência dos condutores).
A ideia de firmar acordos de não persecução penal com os envolvidos surgiu a partir do recebimento
de várias reclamações de investigados que são profissionais dedicados a atividades que exigem o uso
da CNH (caminhoneiros, motoristas, taxistas, etc.). Foram impostas condições como o pagamento de
prestação pecuniária fixada no valor mínimo de R$ 5 mil. Em um esforço que envolveu ainda
Judiciário, delegados de polícia, Detran e OAB, em um único mês foram entabulados 30 acordos de
não persecução penal, todos realizados na sede da Promotoria de Justiça de Dracena.
Clique na PASTA JUSTIÇA NEGOCIADA, na página do CAOCRIM, para ter acesso aos roteiro e modelos
de ANPP.
3 - Tema: Associações habitacionais – aspectos criminais
É sabido, inclusive com previsão no Manual de Atuação Funcional do Ministério Público do Estado de
São Paulo, que a implantação de parcelamento do solo para fins urbanos (loteamentos e
desmembramentos) exige a aprovação da Prefeitura Municipal, dos órgãos estaduais e,
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eventualmente, de órgãos federais, quer seja efetuado por pessoa física ou jurídica, de direito público
ou provado, associações, cooperativas ou outras formas associativas (art. 460).
Não se questiona, portanto, a legitimidade da associação para esse fim. Questiona-se, na verdade, o
que vem, copiosamente, ocorrendo na prática. Associações “de fachada” adquirem imóvel (em regra,
grandes glebas rurais). Em seguida, num simples projeto, parcelam o imóvel em lotes menores, para
fins urbanos. Desenhado o empreendimento, passam a comercializar as unidades como se fossem
cotas da associação existente. Independentemente de seguir para a aprovação nos órgãos
competentes, já existe crime.
Reza o art. 50 da Lei 6.766/79:
Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.
I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização
do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito
Federal, Estados e Municípios;
II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância
das determinações constantes do ato administrativo de licença;
III - fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa
sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a
ele relativo.
Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente
no País.
Parágrafo único - O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido.
I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção
de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente.
II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art.
18, §§ 4o e 5o, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Deve ser destacado, para o presente estudo, o parágrafo único do art. 50, que contempla
qualificadoras. No inciso I, aparecem como delito qualificado as condutas do alienante consistentes
na venda, promessa de venda ou reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem
a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de
Imóveis competente.
A inexistência de “affectio societatis” sugere a sua utilização para burlar consumidores e o Poder
Público. Com efeito, não havendo o vínculo entre os “associados”, a associação será de “fachada”,
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servindo para comercializar lotes de empreendimento não registrado, prática que é vedada por lei
(art. 37 da Lei nº 6.766/79).
Nesse caso, a venda de cotas não só configura citado delito, como dá ao adquirente nenhuma
garantia, não havendo vínculo real.
Na comarca de Monte Mor, o Município ajuizou ação em face de associação e de seu responsável,
que foi julgada procedente e condenou à regularização do empreendimento ou, caso não seja
possível, à indenização dos lesados. A matrícula do imóvel foi bloqueada (autos nº 0000302-
92.2014.8.26.372).
Clique aqui para ter acesso ao roteiro elaborado pelos CAOs Criminal e Cível.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Revista íntima. Denúncia anônima. Fundamento exclusivo. Impossibilidade. Ilicitude das
provas obtidas.
INFORMATIVO 659 STJ- SEXTA TURMA
É ilícita a prova obtida por meio de revista íntima realizada com base unicamente em denúncia
anônima.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:
De início, é inarredável a afirmação de que a revista íntima, eventualmente, constitui conduta
atentatória à dignidade da pessoa humana, em razão de, em certas ocasiões, violar brutalmente o
direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso. Em
verdade, a adoção de revistas íntimas vexatórias e humilhantes viola tratados internacionais de
Direitos Humanos firmados pelo Brasil e contraria recomendações da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, das Organizações das Nações Unidas e da Corte Europeia de Direitos Humanos.
Para compatibilizar os direitos e deveres envolvidos na questão relativa ao controle de ingresso de
visitantes em estabelecimentos penitenciários, existem, basicamente, duas correntes. A primeira
considera não ser possível a realização de revista íntima em presídios, por ser ela vexatória e
atentatória à dignidade da pessoa humana, valor básico ensejador dos direitos fundamentais. Ainda,
invoca a proibição constitucional de se submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou
degradante (art. 5º, III). Há, no entanto, uma segunda corrente, para a qual é possível, sim, a
realização de revista íntima em estabelecimentos prisionais, com base em uma ponderação de
interesses, pois existe a necessidade de controlar a entrada de produtos proibidos nos presídios –
armas, bebidas, drogas etc. –, de forma que, por questão de segurança pública e em nome da
segurança prisional, estaria autorizada a medida (desde que, obviamente, fossem tomadas as
cautelas devidas, tais como a realização de revista em mulheres por agentes públicos do sexo
feminino). No caso, a acusada foi submetida à realização de revista íntima com base, tão somente,
em uma denúncia anônima feita ao presídio no dia dos fatos informando que ela tentaria entrar no
presídio com drogas, sem a realização de outras diligências prévias para apurar a veracidade e a
plausibilidade dessa informação. Portanto, se não havia fundadas suspeitas para a realização de
revista na acusada, não há como se admitir que a mera constatação de situação de flagrância,
posterior à revista, justifique a medida, sob pena de esvaziar-se o direito constitucional à intimidade,
à honra e à imagem do indivíduo.
PROCESSO: REsp 1.695.349-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade,
julgado em 08/10/2019, DJe 14/10/2019
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
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COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Entende-se por revista íntima, em síntese, a inspeção reservada em pessoas (notadamente
familiares) que visitam os habitantes prisionais. Dessa revista não escapa ninguém, mulheres e
homens, sejam crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos. Todos são inspecionados!
De acordo com a praxe, os visitantes inspecionados são obrigados a se despir por completo e agachar
repetidamente sobre um espelho, abrir com as mãos o ânus e a vagina, contraindo os músculos para
que servidores do estabelecimento penal possam verificar se estão carregando instrumentos ilegais
(drogas, material bélicos, acessórios para celulares etc.) ou qualquer outro objeto proibido para
dentro do presídio.
É praticamente unânime a opinião dos estudiosos no sentido de que a revista íntima contraria não
apenas a Constituição Federal, mas também Convenções Internacionais (em especial, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos).
Temos corrente lecionando que submeter familiares do preso ao sistema de inspeção vexatória e
humilhante é, de certa forma, fazer com que a pena do preso, mesmo que indiretamente, passe para
terceiros, violando o art. 5º, XLV, da nossa Bíblia Política.
Vale lembrar que a Argentina, por exemplo, já foi condenada pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos por ter submetido mulheres e crianças a procedimento similar. Trata-se de um
caso envolvendo a Sra. X e sua filha Y, de 13 anos, que foram submetidas a “revistas vaginais”.
A Comissão concluiu que, “ao impor uma condição ilegal para a realização das visitas à penitenciária
sem dispor de mandado judicial ou oferecer as garantias médicas apropriadas, e ao efetuar revistas
e inspeções nessas condições, o Estado argentino violou os direitos da Senhora X e sua filha Y
consagrados nos artigos 5, 11 e 17 da Convenção, em correlação com o artigo 1.1, que dispõe pela
obrigação do Estado argentino de respeitar e garantir o pleno e livre exercício de todas as disposições
reconhecidas na Convenção. No caso da menor Y, a Comissão conclui que o Estado argentino também
transgrediu o artigo 19 da Convenção”.
Alguns estados já adotam a “revista íntima humanizada”, isto é, logo ao chegar à unidade, a visitante
faz um cadastro, onde os agentes identificam se essa pessoa está apta ou não a fazer a visita. A
aptidão é avaliada levando-se em consideração características do apenado (comportamento,
incidentes por atos de indisciplina, desacatos, ameaças, brigas internas etc.). Realizado esse
procedimento preliminar, inicia-se a revista manual, denominada “triagem”. Os agentes revistam
manualmente os objetos que os visitantes querem levar para dentro do presídio e determinam o que
pode ou não entrar. Em seguida, passam os objetos pelo raio x, onde é possível verificar o seu interior.
O visitante é convidado a se sentar num detector de metal em forma de banco, que apontará
qualquer objeto de metal que possa ter sido inserido da cintura para baixo. Como etapa seguinte,
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
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passa por um “portal”, que detecta possíveis metais ocultos em outras partes do corpo. Desse modo,
seguindo essas fases, finaliza-se a revista sem humilhação.
Nessa linha de política pública penitenciária mais humanizada, diversos estados já proíbem a revista
íntima, dentre eles o de São Paulo, que editou a Lei 15.552/14. A norma estadual anunciou um prazo
de 180 dias (iniciado dia 12 de agosto de 2014) para o governo do Estado adquirir scanners,
detectores de metais e equipamentos de Raio-X para todas as suas unidades prisionais. Após a
instalação dos equipamentos, os servidores ficariam proibidos de exigir que as visitas se dispam e
sejam tocadas. Todos os visitantes passariam, então, por scanner; caso algo de interesse fosse
detectado, os visitantes passariam por outro equipamento (raio-x e/ou detectores de metal).
Permanecendo o alerta, o visitante seria impedido de entrar na unidade; se insistir, deveria ser
encaminhado a um ambulatório para que um médico fizesse a verificação. Localizado algo ilícito
escondido no corpo, o visitante seria encaminhado à delegacia. A ideia contida na lei parece ideal,
mas, infelizmente, ainda não é realidade no Estado, em que pese, no mês de janeiro de 2016, ter sido
condenado a pagar indenização no valor de 10 mil reais por danos morais a uma mulher que, ao
visitar o filho em uma penitenciária, foi submetida a revista íntima excessiva e vexatória por suspeita
de portar entorpecentes (Apelação nº 0006133-85.2011.8.26.0224).
2- Tema: Compete à Justiça Federal julgar crime contra a vida em desfavor de policiais militares,
consumado ou tentado, praticado no contexto de crime de roubo armado contra órgãos,
autarquias ou empresas públicas da União.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A Terceira Seção já definiu ser da competência da Justiça comum estadual julgar crimes de homicídio
praticados contra Policiais Militares estaduais no exercício de suas funções, mesmo que ocorridos no
contexto do crime federal de contrabando.
Não obstante, no PROCESSO: CC 165.117-RS a Corte, através da sua 3ª. Seção destacou situação
específica, que redunda em conclusão diversa (diametralmente oposta). Trata-se do caso em que o
crime contra a vida é praticado no contexto do crime de roubo armado contra órgãos, autarquias ou
empresas públicas da União, cuja tipificação traz as elementares da violência ou da grave ameaça,
impera o reconhecimento da competência do Juízo Federal. De acordo com a doutrina, quando um
crime ocorre para garantir a impunidade ou vantagem de outro, tem-se a conexão objetiva
consequencial ou sequencial. No caso de roubo praticado em detrimento de empresa pública federal
- por exemplo, Empresa de Correios e Telégrafos, Caixa Econômica Federal -, havendo a imediata
perseguição com troca de tiros, eventual homicídio, consumado ou tentado, implicará conexão
consequencial entre os dois delitos. O crime contra a vida, nessa hipótese, só existe em razão do
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
12
delito contra a empresa federal e seu objetivo último é o exaurimento da infração patrimonial. Em
outros termos, no mundo fenomenológico, esse homicídio orbita em torno do roubo em detrimento
da empresa pública federal em total dependência deste.
PROCESSO: CC 165.117-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em
23/10/2019, DJe 30/10/2019
3- Tema: Lei de Drogas. Interrogatório realizado no início da instrução penal. Nulidade
DECISÃO DO STF- Publicado em notícias do STF no dia 22/11/2019
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu o Habeas Corpus (HC)
162650 para determinar a realização de uma nova audiência de instrução e julgamento, com a
efetivação do interrogatório judicial como último ato da instrução processual penal, em um processo
envolvendo um condenado por tráfico de drogas.
No caso, o interrogatório foi feito no início da instrução. Segundo o decano, o artigo 400 do Código
de Processo Penal (CPP) define o interrogatório judicial do réu como o último ato da instrução
processual penal e se aplica aos procedimentos penais em geral, inclusive àqueles disciplinados por
legislação especial, como a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
Assim, para o ministro Celso de Mello, houve clara nulidade processual absoluta, pois o
interrogatório foi praticado prematuramente, privando o réu da possibilidade de conhecer todos os
elementos eventualmente incriminadores contra ele produzidos em juízo, como provas
documentais, exames periciais, declarações da vítima e depoimentos testemunhais.
O relator apontou que o interrogatório é ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a
responder a qualquer indagação feita pelo magistrado, também não pode sofrer qualquer restrição
em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa prerrogativa.
O decano frisou que a estrita observância das formas processuais representa, no contexto do
ordenamento positivo brasileiro, a certeza de respeito aos direitos, prerrogativas e garantias que o
sistema normativo confere a qualquer pessoa sob persecução criminal.
O ministro Celso de Mello anulou a sentença proferida pelo juízo da Vara Criminal de Tupã (SP), que
havia condenado o acusado a 12 anos de reclusão, e o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJ-SP), o qual havia reduzido a pena para 6 anos e 9 meses. Determinou, ainda, que o acusado seja
colocado em liberdade se não estiver preso por outro motivo.
Leia a íntegra da decisão.
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
13
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O interrogatório tem natureza mista: meio de obtenção de prova e meio de defesa. Essa orientação
está presente no STF e no STJ. A sua violação tem sido causa de nulidade. Por conta desse cenário, o
CAO-CRIM, não apenas realizou estudo em boletins pretéritos, como também solicitou ao PGJ a
publicação de AVISO aos órgãos de execução do Ministério Público, nos seguintes termos:
AVISO nº 0258/2019 –PGJ
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, a pedido do Centro de Apoio Operacional Criminal, AVISA aos
Promotores de Justiça Criminais que, considerando o entendimento preponderante do Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que no rito processual de crime previsto
na Lei n° 11.343/2006, o interrogatório deve ser o último ato da instrução, à luz, especialmente, dos
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, solicita-se que tal entendimento seja
observado para se evitar anulação da prova produzida. Outras considerações poderão ser obtidas no
Boletim do CAOCrim de Setembro de 2018 – semana 4
(http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Boletim_Semanal/CAOCrim%20informati
vo%20setembro%202018%20_4.pdf)
Boletim Criminal Comentado n° 075 – Novembro 2019
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DIREITO PENAL:
1-Tema: Tráfico de drogas. Crime praticado em presídio por meio de telefone. Art. 40, inciso III, da
Lei n. 11.343/2006. Majorante. Incidência.
INFORMATIVO 659 STJ-QUINTA TURMA
Não é necessário que a droga passe por dentro do presídio para que incida a majorante prevista no
art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:
O art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006 dispõe que as penas previstas nos arts. 33 a 37 da Lei são
aumentadas de um sexto a dois terços se a infração tiver sido cometida nas dependências ou
imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades
estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo,
de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de
tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou
em transportes públicos.
No caso objeto do julgado em comento, parte dos acusados de integrar associação criminosa que
movimentava grandes volumes de entorpecentes entre estados diversos da federação estavam
presos e organizavam a dinâmica da associação valendo-se de telefones celulares possuídos
clandestinamente.
Assim, estando os autores dos crimes incluídos no sistema penitenciário, não se pode afastar a
conclusão de que seus atos foram praticados no interior do presídio, ainda que os efeitos destes atos
tenham se manifestado a quilômetros de distância.
O inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 não faz a exigência de que as drogas, objeto do crime,
efetivamente passem por dentro dos locais que se busca dar maior proteção, mas apenas que o
cometimento dos crimes tenha ocorrido em seu interior.
PROCESSO: HC 440.888-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado
em 15/10/2019, DJe 18/10/2019