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1 1 CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°125,02/2021 (semana nº 3) Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi P. Rosa Ricardo José G. de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Artigo 28 e Conflito de Atribuições Marcelo Sorrentino Neira Fernando Célio Brito Nogueira Analistas Jurídicos Ana Karenina Saura Rodrigues Victor Gabriel Tosetto

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°125,02/2021

(semana nº 3)

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi P. Rosa

Ricardo José G. de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Paulo José de Palma (descentralizado)

Artigo 28 e Conflito de Atribuições

Marcelo Sorrentino Neira

Fernando Célio Brito Nogueira

Analistas Jurídicos

Ana Karenina Saura Rodrigues

Victor Gabriel Tosetto

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Boletim Criminal Comentado 125- Fevereiro-

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SUMÁRIO

AVISO....................................................................................................................................................3

ESTUDOS DO CAOCRIM.........................................................................................................................4

1- Tema: STF conclui que direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal.........4

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................7

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................7

1-Tema: Decisão STJ - RESP MPSP - Falta de pagamento da multa impede a progressão, salvo se o

sentenciado for hipossuficiente............................................................................................................7

DIREITO PENAL:.....................................................................................................................................9

1-Tema: Dosimetria da pena. Majorantes sobejantes. Patamar fixo ou variável. Valoração em outra

fase. Possibilidade. Princípio da individualização da pena. ..................................................................9

2- Tema: Sexta Turma afasta natureza hedionda do porte de arma de uso permitido com

numeração raspada............................................................................................................................12

3- Tema: Nova súmula do STJ trata da execução da pena restritiva de direitos.................................15

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................16

1-Tema: Divergência quanto à atribuição para oficiar em notícia de fato..........................................16

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AVISO

Multa Penal e inscrição no sistema da Dívida Ativa: impossibilidade

Após o julgamento da ADI 3.150 e diante da alteração promovida no artigo 51 do Código Penal pela

Lei n.º 13.964/19, reputamos inviável a inscrição da multa penal no Sistema da Dívida Ativa, posto

que reconhecido seu caráter penal, não constituindo apenas um crédito do Estado.

A partir de consulta formulada pelo colega Rafael Salzedas Arbach, 1.º Promotor de Justiça de

Pacaembu, o Núcleo de Execuções Criminais solicitou à Subprocuradora Geral do Estado Adjunta

manifestação acerca do tema.

Clique aqui para conhecer o Ofício SUBCTF n. 01/2021.

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1- Tema: STF conclui que direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal

Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser

analisados caso a caso.

Por decisão majoritária, nesta quinta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é

incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite

impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de

comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de

expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros

constitucionais e na legislação penal e civil.

O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com

repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de grande repercussão

nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no

programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua autorização. Após quatro sessões de debates, o

julgamento foi concluído hoje, com a apresentação de mais cinco votos (ministra Cármen Lúcia e

ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luiz Fux).

Solidariedade entre gerações

Ao votar pelo desprovimento do recurso, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não há como extrair

do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito

fundamental limitador da liberdade de expressão “e, portanto, “como forma de coatar outros

direitos à memória coletiva”. Cármen Lúcia fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito

do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista

jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. “Quem vai saber da

escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição

de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”,

refletiu.

Ponderação de valores

No voto em que acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, pelo desprovimento do RE, o ministro

Ricardo Lewandowski afirmou que a liberdade de expressão é um direito de capital importância,

ligado ao exercício das franquias democráticas. No seu entendimento, enquanto categoria, o direito

ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, de maneira a

sopesar qual dos dois direitos fundamentais (a liberdade de expressão ou os direitos de

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personalidade) deve ter prevalência. “A humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é

obrigada a revivê-lo”, concluiu.

Exposição vexatória

Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes votou pelo parcial provimento do RE, acompanhando a

divergência apresentada pelo ministro Nunes Marques. Com fundamento nos direitos à intimidade

e à vida privada, Mendes entendeu que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem

e do nome de pessoas (autor e vítima) é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e

social, devendo o tribunal de origem apreciar o pedido de indenização. O ministro concluiu que, na

hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário

examinar de forma pontual qual deles deve prevalecer para fins de direito de resposta e

indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo.

Ares democráticos

O ministro Marco Aurélio também seguiu o relator. A seu ver, o artigo 220 da Constituição Federal,

que assegura a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, está

inserido em um capítulo que sinaliza a proteção de direitos. “Não cabe passar a borracha e partir

para um verdadeiro obscurantismo e um retrocesso em termos de ares democráticos”, avaliou.

Segundo o ministro, os veículos de comunicação têm o dever de retratar o ocorrido. Por essa razão,

ele entendeu que decisões do juízo de origem e do órgão revisor não merecem censura, uma vez

que a emissora não cometeu ato ilícito.

Fato notório e de domínio público

Para o presidente do STF, ministro Luiz Fux, é inegável que o direito ao esquecimento é uma

decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, e, quando há confronto entre

valores constitucionais, é preciso eleger a prevalência de um deles. Para o ministro, o direito ao

esquecimento pode ser aplicado. Mas, no caso dos autos, ele observou que os fatos são notórios e

assumiram domínio público, tendo sido retratados não apenas no programa televisivo, mas em

livros, revistas e jornais. Por esse motivo, ele acompanhou o relator pelo desprovimento do

recurso.

Não participou do julgamento o ministro Luís Roberto Barroso, que declarou sua suspeição, por já

ter atuado, quando era advogado, em outro processo da ré em situação parecida com a deste

julgamento.

Tese

A tese de repercussão geral firmada no julgamento foi a seguinte:

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“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim

entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou

dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou

digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação

devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os

relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as

expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e civel”.

Processo relacionado: RE 1010606

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-Tema: Decisão STJ - RESP MPSP - Falta de pagamento da multa impede a progressão, salvo se o

sentenciado for hipossuficiente

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Cominada no preceito secundário do tipo incriminador (isolada, alternativa ou cumulativa com a

pena privativa de liberdade) ou substitutiva da prisão (art. 44 do CP), a pena de multa é espécie de

sanção penal patrimonial, consistente na obrigação imposta ao sentenciado de pagar ao fundo

penitenciário determinado valor em dinheiro.

Segundo a redação conferida ao art. 51 do Código Penal pela Lei 7.209/84, o não pagamento

voluntário da multa acarretava a sua conversão em pena privativa de liberdade. Contudo, com o

advento da Lei nº 9.268/96 não mais se admitiu a conversão, encarando-se a multa não paga

como dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda

Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição (art. 51, CP).

Essa alteração provocou extensa controvérsia a respeito da natureza da pena de multa, que, para

diversos doutrinadores, havia perdido seu caráter penal. A controvérsia instalada se estendeu à

competência para a execução da multa, pois, se o caráter penal havia desaparecido, não caberia

mais à vara de execução penal, por provocação do Ministério Público, exigir do condenado o

pagamento do valor imposto na sentença condenatória. Seria, portanto, da Fazenda Pública a

legitimidade para promover a execução. Esta orientação chegou a ser adotada pelo STJ por meio da

súmula 521, embora o tribunal tenha mantido a atribuição do Ministério Público para adotar

medidas assecuratórias do pagamento da multa

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que, em virtude da natureza de sanção penal –

não alterada pela Lei 9.268/96 –, a pena de multa deve ser executada pelo Ministério Público no

próprio juízo da execução penal. Esse raciocínio foi seguido pelo PACOTE ANTICRIME, que alterou

novamente o art. 51 do CP, prevendo, expressamente, a competência da VEC para atuar na

execução da pena pecuniária.

É importante lembrar que o STF apreciou conjuntamente a ADI 3150 e uma questão de ordem na

Ação Penal 470. A ação direta de inconstitucionalidade havia sido ajuizada pelo Procurador-Geral

da República para que o tribunal conferisse interpretação conforme ao art. 51 do Código Penal e

estabelecesse a legitimidade do Ministério Público e a competência da vara de execução penal para

a execução da pena de multa. Já na questão de ordem questionava-se decisão do ministro Barroso,

que havia estabelecido, com base no art. 164 da LEP, a legitimidade do Ministério Público para

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executar multa imposta na AP 470, mas a União sustentava que a Lei 9.268/96 havia revogado

tacitamente o disposto na Lei de Execução Penal, razão por que caberia à Procuradoria da Fazenda

Nacional executar a sanção imposta naquela condenação.

Para o ministro Barroso – que foi acompanhado pela maioria –, a alteração promovida pela Lei

9.268/96 não alterou a natureza da pena de multa, que continuou a ser uma espécie de sanção

penal, tanto que na própria AP 470 o STF impôs o pagamento da multa como condição para a

progressão de regime.

A tese de o inadimplemento da multa poder impedir a progressão para o não hipossuficiente foi

seguida pelo STJ, em REsp do MP/SP.

RECURSO ESPECIAL Nº 1905890 - SP - Clique aqui

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DIREITO PENAL:

1-Tema: Dosimetria da pena. Majorantes sobejantes. Patamar fixo ou variável. Valoração em

outra fase. Possibilidade. Princípio da individualização da pena.

INFORMATIVO 684 STJ- SEXTA TURMA

O deslocamento da majorante sobejante para outra fase da dosimetria, além de não contrariar o

sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.

Informações do Inteiro Teor

A questão jurídica diz respeito, em síntese, à valoração de majorantes sobejantes na primeira ou na

segunda fase da dosimetria da pena, a depender se a causa de aumento traz patamar fixo ou

variável.

De início, ressalta-se que não é possível dar tratamento diferenciado à causa de aumento que traz

patamar fixo e à que traz patamar variável, porquanto, além de não se verificar utilidade na

referida distinção, o mesmo instituto jurídico teria tratamento distinto a depender de critério que

não integra sua natureza jurídica.

Quanto à possibilidade propriamente dita de deslocar a majorante sobejante para outra fase da

dosimetria, considero que se trata de providência que, além de não contrariar o sistema trifásico, é

a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.

Com efeito, o sistema trifásico, trazido no art. 68 do Código Penal, disciplina que a fixação da pena

observará três fases: a fixação da pena-base, por meio da valoração das circunstâncias judiciais

previstas no art. 59 do Código Penal; a fixação da pena intermediária, com a valoração das

atenuantes e das agravantes; e a pena definitiva, após a incidência das causas de diminuição e de

aumento da pena.

O Código Penal não atribui um patamar fixo às circunstâncias judiciais nem às agravantes e

atenuantes, as quais devem ser sopesadas de acordo com o livre convencimento motivado do

Magistrado, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As causas de

aumento e de diminuição, por seu turno, já apresentam os patamares que devem ser utilizados, de

forma fixa ou variável.

Segundo a doutrina, as causas de aumento também são chamadas de qualificadoras em sentido

amplo e, "por integrarem a estrutura típica do delito, permitem a fixação da pena acima do máximo

em abstrato previsto pelo legislador".

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Nessa linha de raciocínio, nos mesmos moldes em que ocorre com o crime qualificado, já existindo

uma circunstância que qualifique ou majore o crime, autorizando, assim, a alteração do preceito

secundário, ou a incidência de fração de aumento, considera-se correta a jurisprudência que

prevalece no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que as qualificadoras e majorantes

sobressalentes podem ser valoradas na primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena.

De fato, da mesma forma que a existência de mais de uma qualificadora não modifica nem o tipo

penal nem o preceito secundário, tem-se que a existência de mais de uma majorante também não

autoriza a retirada da fração de aumento do mínimo, uma vez que se "exige fundamentação

concreta, não sendo suficiente a mera indicação do número de majorantes", nos termos do

entendimento sumulado no verbete n. 443 da Súmula desta Corte.

Nesse contexto, a desconsideração tanto da qualificadora quanto da majorante sobressalentes

acaba por violar o princípio da individualização da pena, o qual preconiza a necessidade de a pena

ser aplicada em observância ao caso concreto, com a valoração de todas as circunstâncias objetivas

e subjetivas do crime.

Ademais, referida desconsideração vai de encontro ao sistema trifásico, pois as causas de aumento

(3ª fase), assim como algumas das agravantes, são, em regra, circunstâncias do crime (1ª fase)

valoradas de forma mais gravosa pelo legislador. Assim, não sendo valoradas na terceira fase, nada

impede sua valoração de forma residual na primeira ou na segunda fases.

A desconsideração das majorantes sobressalentes na dosimetria acabaria por subverter a própria

individualização da pena realizada pelo legislador, uma vez que as circunstâncias consideradas mais

gravosas, a ponto de serem tratadas como causas de aumento, acabariam sendo desprezadas. Lado

outro, se não tivessem sido previstas como majorantes, poderiam ser integralmente valoradas na

primeira e na segunda fases da dosimetria.

Por fim, não há se falar que o deslocamento da causa de aumento para a primeira fase permite o

"agravamento do regime prisional por via transversa", porquanto o que não se admite é a fixação

de regime prisional mais gravoso sem a devida fundamentação. Assim, ainda que a pena-base seja

fixada no mínimo legal, é possível a imposição de regime mais gravoso que o estabelecido em lei,

desde que seja declinada motivação concreta.

Processo: HC 463.434-MT, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade,

julgado em 25/11/2020, DJe 18/12/2020

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Nesse tema importante discutir o art. 68, parágrafo único, do CP, não raras vezes mal interpretado.

Reza referido dispositivo:

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“No concurso de causas de aumento (...) previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só

aumento (...), prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente (...)”.

Do seu teor, extrai-se:

Quando previstas na parte geral do Código Penal, ou uma na parte geral e outra na parte especial, o

juiz, sem escolha, deve aplicar as duas, observando, no entanto, o princípio da incidência isolada,

isto é, o segundo aumento recai sobre a pena precedente, não sobre a pena já aumentada.

Quando previstas na parte especial, aplica-se o art. 68, parágrafo único. O juiz, atento aos fins da

pena, escolhe aplicar as duas (observando o princípio da incidência isolada) ou apenas uma,

escolhendo, nesse caso, a que mais aumenta.

Se houver por bem aplicar apenas uma das causas de aumento, o juiz pode considerar a outra na

aplicação da pena-base. Assim, por exemplo, se um roubo for cometido em concurso de pessoas

(art. 157, §2º., II) mediante emprego de arma de fogo (art. 157, §2º-A, I), é possível ao juiz

considerar esta última na terceira fase, pois é a que mais aumenta (2/3), e o concurso de agentes

na primeira fase de aplicação da pena, mais precisamente na análise das circunstâncias judiciais

(art. 59 do CP). Sobre o tema, decidiu o STJ:

“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça e a do Supremo Tribunal Federal são no sentido

de que o art. 68, parágrafo Único, do Código Penal, não exige que o juiz aplique uma única causa de

aumento da parte especial do Código Penal quando estiver diante de concurso de majorantes, mas

que sempre justifique a escolha da fração imposta.

Assim, não há ilegalidade flagrante, em tese, na cumulação de causas de aumento da parte especial

do Código Penal, sendo razoável a interpretação da lei no sentido de que eventual afastamento da

dupla cumulação deverá ser feito apenas no caso de sobreposição do campo de aplicação ou

excessividade do resultado (ARE 896.843/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, DJe

23/09/2015).

Contudo, na hipótese ora analisada, as instâncias ordinárias não fundamentaram, concretamente, o

cúmulo de causas de aumento, com remissão a peculiaridades do caso em comento, pois o modus

operandi do delito, como narrado, confunde-se com a mera descrição típica das majorantes

reconhecidas, não refletindo especial gravidade.

Assim, respeitada a proporcionalidade da pena no caso concreto, e a intenção da Lei n.

13.654/2018, afasta-se a majorante do art. 157, § 2.º, inciso II ('A pena aumenta-se de 1/3 (um

terço) até metade se há o concurso de duas ou mais pessoas'), aplicando-se apenas a do art. 157, §

2.º-A, inciso I ('A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços)' se a violência ou ameaça é exercida com

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emprego de arma de fogo'), ambas do Código Penal” (HC 472.771/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da

Fonseca, j. 04/12/2018).

2- Tema: Sexta Turma afasta natureza hedionda do porte de arma de uso permitido com

numeração raspada

STJ- PUBLICADO EM NOTÍCIAS DO STJ

O porte ou a posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro

sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, não tem natureza de crime hediondo.

A decisão foi tomada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual, superando o

entendimento que prevalecia na corte, concedeu dois habeas corpus em favor de réus condenados

por porte ou posse de arma de uso permitido com numeração suprimida, para afastar o caráter

hediondo do crime.

Em um dos casos, o juízo da execução penal negou o pedido de exclusão da hediondez, entendendo

que a Lei 13.497/2017, ao considerar hediondo o crime de posse ou porte de arma de uso restrito

(artigo 16 da Lei 10.826/2003), teria incluído na mesma categoria a posse ou o porte de arma de

fogo com identificação adulterada ou suprimida (antigo parágrafo único do mesmo dispositivo). O

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também entendeu que a inclusão do artigo 16 no rol dos

crimes hediondos implicava a inclusão da conduta prevista no parágrafo.

Redução de danos

No pedido de habeas corpus, a Defensoria Pública sustentou que a previsão da Lei dos Crimes

Hediondos não inclui o parágrafo do artigo 16, e que a finalidade da lei é coibir com mais rigor

quem utiliza armamentos pesados, como fuzis e metralhadoras. "Fere o princípio da

proporcionalidade considerar o porte ilegal de um revólver 38 com numeração raspada um delito

hediondo", alegou a Defensoria.

De acordo com a relatora do habeas corpus, ministra Laurita Vaz, o STJ vinha afirmando até agora

que os legisladores teriam atribuído ao porte e à posse de arma de uso permitido com numeração

suprimida uma reprovação equivalente à da conduta do artigo 16, caput, da Lei 10.826/2003, que

diz respeito a armas de uso exclusivo das polícias e das Forças Armadas. Esse entendimento,

segundo ela, deve ser superado.

"Corrobora a necessidade de superação do posicionamento acima apontado a constatação de que,

diante de texto legal obscuro – como é o parágrafo único do artigo 1º da Lei de Crimes

Hediondos na parte em que dispõe sobre a hediondez do crime de posse ou porte ilegal de arma de

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fogo – e de tema com repercussões relevantes na execução penal, cabe ao julgador adotar uma

postura redutora de danos, em consonância com o princípio da humanidade", declarou a ministra.

Debate legislativo

Para Laurita Vaz, o Congresso Nacional, ao elaborar a Lei 13.497/2017 – que alterou a Lei de Crimes

Hediondos –, quis dar tratamento mais grave apenas ao crime de posse ou porte de arma de fogo,

acessório ou munição de uso proibido ou restrito, não abrangendo o crime relativo a armamento

de uso permitido com numeração raspada.

Segundo a relatora, durante os debates no Poder Legislativo, ficou claro que a proposta dos

parlamentares era que somente os crimes que envolvessem armas de fogo de uso restrito fossem

incluídos no rol dos hediondos; posteriormente, ao dar nova redação aos dispositivos legais em

questão, a Lei 13.964/2019 reforçou o entendimento de que apenas foi equiparado a hediondo o

crime de posse ou porte de arma de uso proibido, previsto no artigo 16 da Lei 10.826/2003.

A ministra lembrou ainda que, no relatório apresentado pelo grupo de trabalho da Câmara dos

Deputados que analisou as propostas do Pacote Anticrime, foi afirmada a necessidade de se coibir

mais severamente a posse e o porte de arma de uso restrito ou proibido, pois tal situação amplia

consideravelmente o mercado do tráfico de armas.

Laurita Vaz disse que, da mesma maneira, ao alterar a redação do artigo 16 da Lei 10.826/2003,

com a imposição de penas diferenciadas para a posse ou o porte de arma de fogo de uso restrito, a

Lei 13.964/2019 atribuiu reprovação criminal diversa, a depender da classificação do armamento.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 525249HC 575933

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

O art. 16 do Estatuto do Desarmamento, antes da Lei 13.964/19, punia, no caput, as condutas de

possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que

gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,

acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com

determinação legal ou regulamentar.

O parágrafo único do art. 16 tipificava como condutas equiparadas:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou

artefato;

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II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de

uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade

policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou

em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou

qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou

explosivo a criança ou adolescente;

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma,

munição ou explosivo.

Pois bem, a Lei 13.497/17 alterou a Lei 8.072/90 para dispor que o crime de posse ou porte ilegal

de arma de fogo de uso restrito ou proibido passa a ser hediondo. Surgiu, então, uma dúvida diante

da menção genérica ao art. 16: todas as formas nele tipificadas passaram a ser tratadas como

hediondas, ou só a forma básica, tipificada no caput?

Prevaleceu, num primeiro momento, inclusive no STJ, que todas as formas, previstas no caput e no

parágrafo único, deveriam sofrer os consectários da Lei 8.072/90.

Limitar a incidência da Lei dos Crimes Hediondos a uma parte do tipo penal criaria uma situação

desproporcional. Ora, ainda que se considere a natureza diversa de algumas das condutas

tipificadas no parágrafo único, trata-se de figuras equiparadas ao caput por expressa disposição

legal. Se, ao elaborar tipo do art. 16, o legislador utilizou a fórmula “nas mesmas penas incorre”,

isso se deu porque as condutas ali elencadas eram consideradas da mesma gravidade das

anteriores. É, afinal, o que fundamenta as formas equiparadas nos tipos penais. Ignorar isso e

destacar, para os efeitos da hediondez, o caput do parágrafo único seria nada mais do que conferir

tratamento diferenciado a figuras penais que o legislador erigiu à categoria de equivalentes. Diante

disso, qualquer conduta do art. 16, caput e § 1º, da Lei 10.826/03 passa a atrair os consectários

relativos aos crimes hediondos ( STJ - HC 460.910 - PR 2018/0184654-0).

Contudo, a Corte Cidadã muda seu entendimento, excluindo do rol as formas equiparadas. A

discussão tende a perder importância. É que a Lei 13.964/19 traz novas mudanças. Alterou o art. 16

do Estatuto do Desarmamento. Separou os tipos quando a conduta envolve arma de uso restrito

(caput) e uso proibido (§2º.). O parágrafo único agora é o §1º. No que diz respeito ao rótulo de

hediondo, preferiu restringir aos casos envolvendo arma de fogo de uso proibido, leia-se, apenas o

art. 16, §2º.

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3- Tema: Nova súmula do STJ trata da execução da pena restritiva de direitos.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializada em direito penal, aprovou na

última quarta-feira (10) novo enunciado sumular. A Súmula 643 trata da execução da pena

restritiva de direitos.

O enunciado tem a seguinte redação:

Súmula 643: "A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em julgado da

condenação".

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

É sabido que o STF, nas ADCs 43, 44 e 54, proibiu a execução provisória da pena privativa de

liberdade. Embora a Corte Suprema não tenha tratado das penas restritivas de direitos, a tendência

era no mesmo sentido da pena privativa de liberdade, ou seja, da inconstitucionalidade da sua

execução provisória. Nesse sentido: STF (HC 161.140, Min. Gilmar Mendes, j. 10.06.19) e STJ (HC

509.605, Min. Ribeiro Dantas, j. 16.05.19).

O STJ se posicionou nesse exato sentido, através de Súmula (643).

Lembramos, por fim, que o PACOTE ANTICRIME (Lei 13.964/19) autorizou a execução provisória no

júri, quando a pena imposta pelos jurados for igual ou superior a 15 anos (art. 492, I, “e”, CPP).

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1-Tema: Divergência quanto à atribuição para oficiar em notícia de fato

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO

Autos da Notícia de Fato n.º 38.06xx.00010xx/2020 (Promotoria de Justiça Criminal do Tatuapé)

Suscitante: Promotor de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Suscitado: 1º Promotor de Justiça Criminal do Tatuapé

Assunto: divergência quanto à atribuição para oficiar em notícia de fato

Trata-se de procedimento autuado e registrado sob o número NF 38.0634.000xxxx/2020,

instaurado a partir de documentação encaminhada através de carta endereçada à Promotoria de

Justiça Criminal do Tatuapé, contendo “Denúncia para Investigação de Crime de Corrupção”,

assinada por “Good Angels”.

Conforme se verifica de fls. 2, o denunciante alega haver superfaturamento nas obras de

reformas das creches na zona leste da Capital, pois a Construtora Itajaí estaria reformando um lote

de 20 creches municipais na Capital, de julho a outubro de 2020 e, segundo rumores no segmento,

esta não é a empresa que venceu a licitação, tendo as obras sido “terceirizadas” por um grupo de

engenheiros que venceram a licitação.

Apontou, ainda, a denúncia, que na zona leste da Capital se comenta que o custo da

reforma de cada creche não seria maior que R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), mas o

valor licitado para cada unidade seria por volta de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), o que

importaria em superfaturamento da ordem de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais).

Consta, também, da denúncia, uma relação de creches onde as obras estão sendo

realizadas.

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O Douto Promotor de Justiça que recebeu a notícia de fato considerou que trata-se de

possível crime de corrupção em razão da narrativa de superfaturamento de R$ 35.000.000,00

(trinta e cinco milhões de reais), delito que tem cominação de pena de reclusão, motivo pelo qual

determinou a remessa dos autos à Promotoria Criminal do Foro Central da Capital.

A Douta Representante Ministerial que recebeu o expediente determinou a expedição de

ofício à Prefeitura da Cidade de São Paulo solicitando informações sobre a contratação de empresa,

durante o ano de 2020, para a construção de creches na zona leste da capital.

A Prefeitura Municipal de São Paulo respondeu à requisição ministerial.

Então, a Douta Promotora de Justiça atuante na 3ª Promotoria de Justiça Criminal da

Capital observou que do expediente não há qualquer menção à solicitação ou recebimento, para si

ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em

razão dela, de vantagem indevida, ou aceitação de promessa de tal vantagem (crime de corrupção

passiva), ou ainda de oferta ou promessa de vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício (crime de corrupção ativa).

Argumentou, também, que os crimes em tese noticiados, conforme narrativa fática acima

exposta, são aqueles dos artigos 89 e 96 da Lei 8.666/1995, de competência dos Foros Regionais,

motivo pelo qual suscitou conflito negativo de atribuição.

Eis a síntese do necessário.

A remessa se fundamenta no art. 115 da Lei Complementar Estadual no 734/93,

encontrando-se configurado o incidente supramencionado entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do

Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado

(conflito negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que

importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito

positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 486-487).

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Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não

se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência

a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de

diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos

autos.

Pois bem.

No mérito, cremos que a razão está com a Douta Suscitante, com a devida vênia do Douto

Suscitado.

Na denúncia encaminhada por carta à Promotoria de Justiça Criminal do Tatuapé, embora

conste que o objeto seria a investigação do crime de corrupção, os fatos descritos apontam para

suposto superfaturamento nas obras indicadas, inclusive com menção a valores que teriam sido

pagos sem correspondência com a prestação de serviços nas creches municipais.

Instada, a Prefeitura Municipal de São Paulo informou que as unidades educacionais estão

passando por “intervenções de manutenção”, que estão sendo executadas através de contratações

de empresas feitas por meio de Ata de Registro de Preços, através da Secretaria Municipal de

Educação.

Constam, também, das referidas informações, os números dos procedimentos

administrativos de contratação para manutenção de cada unidade educacional.

Nesse cenário, é imperioso o aprofundamento das investigações, visando identificar

supostas práticas ilícitas nas contratações ou mesmo na execução dos contratos, ante a informação

da prática de superfaturamento, com a realização de pagamentos em valores muito superiores aos

serviços efetivamente realizados nas creches municipais.

Como bem ressaltado pela Ilustre Suscitante, ao menos por ora, os delitos a serem

investigados estão listados na Lei nº. 8.666/93:

Diz o art. 90 da Lei de Licitações:

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“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Comentando o dispositivo legal, Renee do Ó Souza leciona que:

“O ajuste, a combinação ou o expediente capaz de frustrar ou fraudar a competição podem ser realizados com ou sem a participação do servidor público, bem como podem ser meramente parciais. Os casos mais comuns de fraude à licitação são:

Sobrepreço – É a fixação de preços superiores aos de mercado. O artigo 31, §1o, I, da Lei 13.303/16 define que há sobrepreço quando os preços orçados para a licitação ou os preços contratados são expressivamente superiores aos preços referenciais de mercado, podendo se referir ao valor unitário de um item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, ou ao valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por preço global ou por empreitada” (Leis Penais Especiais Comentadas, coordenação de Rogério Sanches Cunha, Ronaldo Batista Pinto e Renee do Ó Souza, Editora JusPodivm, 3ª edição, pág. 776).

Destaque-se, ainda, que a depender das circunstâncias do caso concreto, o suposto

superfaturamento de preços também pode configurar o delito previsto no artigo 96 da Lei n.

8.666/93:

"Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

I - elevando arbitrariamente os preços;

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II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

III - entregando uma mercadoria por outra;

IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa."

No sentido de que o superfaturamento de preços pode configurar crime capitulado na Lei

de Licitações, o seguinte julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME (ATIPICIDADE, AUSÊNCIA DE INDÍCIOS E INÉPCIA DA DENÚNCIA). NÃO OCORRÊNCIA. REQUISITOS DA MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DA FUNÇÃO PÚBLICA. DEMONSTRAÇÃO DO NEXO ENTRE O DELITO IMPUTADO E A ATIVIDADE FUNCIONAL DESENVOLVIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O trancamento do processo-crime pela via do habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios capazes de fundamentar a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, circunstâncias não evidenciadas no caso em apreço. Precedentes do STJ.

2. A denúncia apresenta os elementos para a tipificação do crime em tese (art. 90 da Lei n.º 8666/1993) e demonstra o suposto envolvimento do Recorrente com o fato delituoso - pois formalizou todas as fases do procedimento licitatório, o qual teve superfaturamento do objeto e do valor, além do caráter competitivo fraudado, permitindo-lhe, portanto, ter ciência da conduta típica que lhe foi imputada, de modo a garantir o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

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3. A teor do art. 282, inciso I, do Código de Processo Penal, as medidas cautelares deverão ser aplicadas observando-se: "necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais".

4. A Sexta Turma desta Corte Superior já decidiu que, "se os delitos investigados guardam relação direta com o exercício do cargo, como na espécie, o afastamento do exercício da atividade pública constitui medida necessária para evitar a reiteração delitiva, bem como para impedir eventual óbice à apuração dos fatos" (RHC 79.011/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 27/09/2017.) 5. No caso, as instâncias ordinárias demonstraram o nexo entre o delito imputado (fraude à licitação) e a atividade funcional desenvolvida pelo Recorrente (no setor de licitações da Prefeitura Municipal), o que denota concretamente a necessidade do juízo acautelatório pautado nos vetores da ordem pública (para evitar a prática de infrações penais) e da conveniência da instrução criminal.

6. Recurso ordinário desprovido.

(RHC 103.289/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 01/03/2019)

É bem verdade que o aprofundamento das investigações poderá demonstrar a ocorrência

de crimes contra a administração pública (art. 317 e 333, do CP), dentre outros, mas não é este o

cenário que se antevê no expediente neste momento.

Tendo em vista que os delitos excogitados são apenados com detenção, a apuração deverá

ficar a cargo da Promotoria de Justiça que oficia perante o Foro Regional do Tatuapé.

Ante o exposto, conhece-se do presente incidente a fim de declarar que a atribuição para

oficiar neste expediente é do Douto Suscitado, 1º Promotor de Justiça Criminal do Tatuapé.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, pois diversa a opinião delitiva

por ele vislumbrada, designa-se outro representante ministerial para intervir no feito, facultando-se

ao Ilustre designado observar o disposto no art. 4-A da Resolução n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07

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de janeiro de 2003, com redação dada pela Resolução n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro

de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

São Paulo, 22 de janeiro de 2021.

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-Geral de Justiça