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CONCEITOS-CHAVE 1.1 Temas conectam os conceitos da biologia 1.2 O tema central: A evolução é responsável pela uniformidade e pela diversidade da vida 1.3 Os cientistas utilizam duas formas principais de pequisa no estudo da natureza VISÃO GERAL Pesquisando o mundo da vida A flor na capa deste livro e na Figura 1.1 pertence a uma mag- nólia-árvore de linhagem ancestral nativa de florestas asiáticas e americanas. O florescimento da magnólia indica o status da planta como organismo vivo, pois as flores contêm órgãos de re- produção sexual, e a reprodução é uma propriedade essencial da vida, como aprenderemos adiante. A árvore de magnólia na Figura 1.2 é um espécime culti- vado crescendo no campo, ao invés em uma floresta, mas não vive sozinha. Por exemplo, ela depende de besouros para carre- gar pólen de uma flor para outra. Os besouros, por sua vez, se alimentam de suas flores. As flores são adaptadas aos besouros de diversas maneiras: o formato de bacia permite acesso facilita- do aos múltiplos órgãos reprodutores e às pétalas duras (vistos na Figura 1.1) e ajuda a assegurar a sobrevivência ao ataque de besouros vorazes. Essas adaptações são resultantes da evolução, o processo de modificação que transforma a vida na Terra desde os primórdios até a diversidade de organismos dos dias de hoje. Como discutiremos adiante neste capítulo, a evolução é o prin- cipal fundamento organizacional da biologia e o principal tema deste livro. Embora os biólogos saibam bastante sobre magnólias e outras plantas, muitos mistérios permanecem. Por exemplo, o que exa- tamente levou ao surgimento das angiospermas? Propor questões sobre o mundo da vida e procurar respostas com base na ciência – pesquisa científica – são as atividades centrais da biologia: o estudo científico da vida. As questões dos biólogos podem ser ambiciosas. Como uma única e pequena célula se torna árvore ou cão? Como funciona a mente humana? Como diferentes formas de vida interagem em uma floresta? Você é capaz de imaginar algumas questões interessantes sobre organismos vivos? Quando conseguir, estará começando a pensar como biólogo. Mais do que qualquer outra coisa, a biologia é uma busca, uma pesquisa cons- tante sobre a natureza da vida. É possível que algumas das perguntas formuladas estejam re- lacionadas à saúde ou a problemas sociológicos ou ambientais. Cada vez mais a biologia se entremeia no tecido da nossa cultura e pode ajudar a responder a muitas questões que afetam nossas vidas. Conquistas científicas obtidas na pesquisa em genética e biologia celular estão transformando a medicina e a agricultura. A neurociência e a biologia evolutiva estão remodelando a psico- logia e sociologia. Novos modelos em ecologia estão ajudando as sociedades a avaliar problemas ambientais, como o aquecimento global. Nunca houve momento tão importante para embarcar- mos no estudo da vida. Mas o que é vida? Até mesmo uma criança pequena percebe que cães e plantas estão vivos, ao passo que pedras não. Entre- tanto, o fenômeno que chamamos de vida desafia uma definição Figura 1.1 Que propriedades da vida são demonstradas por esta flor? 1 Introdução: Temas no Estudo da Vida Figura 1.2 Árvore de magnólia no começo da primavera.

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C O N C E I T O S - C H A V E

1.1 Temas conectam os conceitos da biologia

1.2 O tema central: A evolução é responsável pela uniformidade e pela diversidade da vida

1.3 Os cientistas utilizam duas formas principais de pequisa no estudo da natureza

V I S Ã O G E R A L

Pesquisando o mundo da vidaA flor na capa deste livro e na Figura 1.1 pertence a uma mag-nólia-árvore de linhagem ancestral nativa de florestas asiáticas e americanas. O florescimento da magnólia indica o status da planta como organismo vivo, pois as flores contêm órgãos de re-produção sexual, e a reprodução é uma propriedade essencial da vida, como aprenderemos adiante.

A árvore de magnólia na Figura 1.2 é um espécime culti-vado crescendo no campo, ao invés em uma floresta, mas não vive sozinha. Por exemplo, ela depende de besouros para carre-gar pólen de uma flor para outra. Os besouros, por sua vez, se alimentam de suas flores. As flores são adaptadas aos besouros de diversas maneiras: o formato de bacia permite acesso facilita-do aos múltiplos órgãos reprodutores e às pétalas duras (vistos na Figura 1.1) e ajuda a assegurar a sobrevivência ao ataque de besouros vorazes. Essas adaptações são resultantes da evolução, o processo de modificação que transforma a vida na Terra desde os primórdios até a diversidade de organismos dos dias de hoje. Como discutiremos adiante neste capítulo, a evolução é o prin-cipal fundamento organizacional da biologia e o principal tema deste livro.

Embora os biólogos saibam bastante sobre magnólias e outras plantas, muitos mistérios permanecem. Por exemplo, o que exa-tamente levou ao surgimento das angiospermas? Propor questões sobre o mundo da vida e procurar respostas com base na ciência – pesquisa científica – são as atividades centrais da biologia: o estudo científico da vida. As questões dos biólogos podem ser ambiciosas. Como uma única e pequena célula se torna árvore ou cão? Como funciona a mente humana? Como diferentes formas

de vida interagem em uma floresta? Você é capaz de imaginar algumas questões interessantes sobre organismos vivos? Quando conseguir, estará começando a pensar como biólogo. Mais do que qualquer outra coisa, a biologia é uma busca, uma pesquisa cons-tante sobre a natureza da vida.

É possível que algumas das perguntas formuladas estejam re-lacionadas à saúde ou a problemas sociológicos ou ambientais. Cada vez mais a biologia se entremeia no tecido da nossa cultura e pode ajudar a responder a muitas questões que afetam nossas vidas. Conquistas científicas obtidas na pesquisa em genética e biologia celular estão transformando a medicina e a agricultura. A neurociência e a biologia evolutiva estão remodelando a psico-logia e sociologia. Novos modelos em ecologia estão ajudando as sociedades a avaliar problemas ambientais, como o aquecimento global. Nunca houve momento tão importante para embarcar-mos no estudo da vida.

Mas o que é vida? Até mesmo uma criança pequena percebe que cães e plantas estão vivos, ao passo que pedras não. Entre-tanto, o fenômeno que chamamos de vida desafia uma definição

Figura 1.1 � Que propriedades da vida são demonstradas por esta flor?

1Introdução: Temas no Estudo da Vida

Figura 1.2 � Árvore de magnólia no começo da primavera.

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2 Campbell & Cols.

simples, de apenas uma sentença. Reconhecemos a vida pelo que os seres vivos realizam. A Figura 1.3 destaca propriedades e pro-cessos que associamos com a vida.

Mesmo limitada a um punhado de imagens, a Figura 1.3 realça a extraordinária variedade do mundo vivo. De que modo biólogos compreendem essa diversidade e complexidade? Este capítulo de abertura foi estruturado para responder a essa questão. A primei-

ra parte do capítulo fornece uma visão panorâmica da “paisagem” biológica, organizada em torno de alguns temas unificadores. En-tão focalizamos o tema central da biologia, a evolução, com uma introdução ao raciocínio que levou Charles Darwin à sua teoria explicativa. Finalmente, nos debruçamos sobre a pesquisa cientí-fica – como cientistas propõem e tentam responder a perguntas sobre o mundo natural.

� Regulação. A regulação do fluxo sanguíneo através dos vasos sanguíneos da orelha desta lebre ajuda a manter a temperatura corporal constante ao ajustar a troca de calor com o ar circundante.

� Reprodução. Organismos (seres vivos) reproduzem a própria espécie. Aqui, um pinguim imperial protege o filhote.

� Ordem. Esta foto em detalhe de um girassol ilustra a estrutura altamente ordenada que caracteriza a vida.

� Resposta ao ambiente. Esta dioneia fechou-se rapidamente em resposta ao estímulo ambiental de uma libélula que pousou em sua armadilha aberta.

� Adaptação evolutiva. A aparência deste cavalo-marinho pigmeu camufla o animal no seu ambiente. Essa adaptação foi desenvolvida ao longo de muitas gerações pelo sucesso reprodutivo dos indivíduos com características herdáveis mais adequadas a seus ambientes.

� Processamento de energia. Este beija-flor obtém energia em forma de néctar das flores. O beija-flor utiliza energia química estocada no alimento como combustível para o voo e outras atividades.

� Crescimento e desenvolvimento. A informação herdada carregada por genes controla o padrão do cresci-mento e do desen-volvimento de organismos como o crocodilo do Nilo.

Figura 1.3 � Certas propriedades da vida.

? Um cortador de grama movido a gasolina está vivo? Quais destas propriedades ele possui? Que propriedades não possui?

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Biologia 3

1.1 Temas conectam os conceitos da biologia

A biologia é um assunto de enorme alcance. Qualquer pessoa que acompanha o noticiário sabe que o conhecimento sobre a bio-logia está se expandindo em um ritmo nunca antes visto. Sim-plesmente memorizar os detalhes factuais sobre esse gigantesco assunto não é uma alternativa viável. Como então você, na condi-ção de estudante, pode ir além dos fatos e desenvolver uma visão coerente sobre a vida? Uma abordagem seria ajustar as muitas coisas aprendidas em um conjunto de temas que permeiam toda a biologia – modos de pensar sobre a vida ainda aplicáveis déca-das adiante. Focar poucas e grandes ideias ajudará você a organi-zar e a compreender todas as informações encontradas no estudo da biologia. Para ajudá-lo, selecionamos sete temas unificadores para servir de padrão ao longo deste livro.

Evolução, o tema supremo da biologiaA evolução é o tema central da biologia – uma ideia única que esclarece tudo o que sabemos sobre os organismos vivos. A vida tem se desenvolvido na Terra por bilhões de anos, resultando em uma vasta diversidade de organismos extintos e existentes. Junto com a diversidade podemos encontrar muitas caracterís-ticas compartilhadas. Por exemplo: o cavalo-marinho, a lebre, o beija-flor, o crocodilo e o pinguim da Figura 1.3 parecem muito diferentes, mas seus esqueletos são basicamente similares. A ex-plicação científica, tanto para essa uniformidade como para essa diversidade – e para a adequação de organismos a seus ambien-tes –, é a evolução: a ideia de que os organismos vivos presentes na Terra são descendentes modificados de um ancestral comum. Em outras palavras, podemos explicar traços compartilhados por dois organismos com a ideia de que descendem de um ancestral comum, e podemos justificar essas diferenças pela ideia de que modificações herdáveis ocorreram ao longo do percurso. Mui-tos tipos de evidências apoiam a ocorrência da evolução e a teo-ria que descreve como isso acontece. Retornaremos à evolução adiante neste capítulo, após examinar outros temas e pintar um quadro mais completo da dimensão da biologia.

Tema: Novas propriedades emergem em cada nível da hierarquia biológicaO estudo da vida se estende da escala microscópica das molécu-las e células que compõem os organismos até a escala global de todo o planeta vivo. Podemos dividir esse enorme intervalo em diferentes níveis de organização biológica.

Imagine, a partir do espaço, realizar um zoom cada vez mais detalhado sobre a vida na Terra. É primavera. Nosso destino é uma floresta em Ontário, Canadá, aonde vamos finalmente ex-plorar uma folha de bordo até o nível molecular. A Figura 1.4 (próximas duas páginas) narra essa jornada ao interior da vida, onde os números circulados irão conduzi-lo pelos níveis de orga-nização biológica ilustrados nas fotografias.

Propriedades emergentes

Se agora retrocedêssemos do zoom em nível molecular da Figu-ra 1.4, veríamos que a cada passo novas propriedades emergem, propriedades ausentes no nível anterior. Essas propriedades emergentes se devem ao arranjo e às interações das partes à me-dida que aumenta a complexidade. Por exemplo, se você misturar em tubo de ensaio a clorofila e todos os outros tipos de moléculas encontradas em um cloroplasto, a fotossíntese não acontece. A fotossíntese ocorre somente quando as moléculas estão organi-zadas de modo específico no cloroplasto intacto. Como segundo exemplo, se uma grave lesão craniana compromete a intricada arquitetura do cérebro humano, a mente pode parar de funcio-nar apropriadamente mesmo com todas as partes do cérebro presentes. Nossos pensamentos e memórias são propriedades emergentes de uma complexa rede de células nervosas. Em níveis muito mais altos de organização biológica – os ecossistemas –, a reciclagem de elementos químicos essenciais para a vida (como o carbono) depende de uma rede de diversos organismos interagin-do entre si e com o solo, com a água e com o ar.

Propriedades emergentes não são exclusivas da vida. Pode-mos perceber a importância da organização na diferença entre uma caixa com peças de uma bicicleta e uma bicicleta funcio-nando. E conquanto o grafite e o diamante sejam ambos carbono puro, eles têm propriedades muito diferentes, pois seus átomos de carbono estão arranjados de forma distinta. Mas em compa-ração a esses exemplos não vivos, a incomparável complexidade dos sistemas biológicos torna o estudo das propriedades emer-gentes da vida especialmente desafiador.

O poder e as limitações do reducionismo

Uma vez que as propriedades da vida emergem de organizações complexas, cientistas que buscam compreender sistemas biológicos confrontam um dilema. Por outro lado, não podemos explicar com-pletamente um nível mais alto de ordem por meio da fragmentação deste em partes. Um animal dissecado não tem mais funcionalida-de: uma célula reduzida a seus elementos químicos deixa de ser uma célula. Fragmentar um sistema vivo interfere em sua funcionalida-de. Por outro lado, algo tão complexo quanto um organismo ou uma célula não pode ser analisado sem antes ser separado em partes.

O reducionismo – a redução de sistemas complexos a compo-nentes mais simples e de estudo mais fácil – é uma estratégia po-derosa na biologia. Por exemplo, ao estudar a estrutura molecular do DNA extraído de uma célula, James Watson e Francis Crick de-duziram, em 1953, que essa molécula poderia servir como a base química da herança. Entretanto, o papel central do DNA nas célu-las e organismos alcançou melhor compreensão quando os cien-tistas foram capazes de estudar as interações do DNA com outras moléculas. Os biólogos devem equilibrar a estratégia reducionista com o objetivo holístico, em escala maior, de compreender as pro-priedades emergentes – como as organelas das células, os organis-mos e os níveis de ordem maior, como os ecossistemas, trabalham juntos. Na vanguarda da pesquisa de larga escala de hoje está a abordagem denominada biologia de sistemas.

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4 Campbell & Cols.Figura 1.4 �

Explorando níveis de organização biológica

� 1 A biosferaAo ficarmos próximos o bastante da Terra a ponto de observar continentes e oceanos, começamos a observar sinais de vida – no mosaico verde das florestas do planeta, por exemplo. Esse é nosso primeiro visual da biosfera, que consiste em todos os ambientes na Terra habitados por vida. A biosfera inclui a maioria das regiões terrestres, a maioria dos corpos de água e a atmosfera até alguns quilômetros de altitude.

� 2 EcossistemasAo nos aproximarmos da superf ície terrestre para uma aterrissagem imaginária em Ontá-rio, começamos a discernir uma floresta com abundância de árvores decíduas (árvores que perdem folhas em uma estação e desen-volvem novas folhas em outra). Essa floresta decídua é um exemplo de ecossistema. As planícies, os desertos e os recifes de corais oceânicos são outros tipos de ecossistemas. Um ecossistema consiste em todos os seres vivos de uma determinada área, junto com todos os componentes do ambiente com os quais a vida interage, como solo, água, gases atmosféricos e luz. A combinação de todos os ecossistemas da Terra compõe a biosfera.� 3 Comunidades

O conjunto completo dos orga-nismos que habitam um ecos-sistema particular é chamado de comunidade biológica. A comu-nidade em nosso ecossistema flo-restal inclui muitos tipos de árvo-res e outras plantas, uma grande diversidade de animais, vários co-gumelos e outros fungos, além de um enorme número de diversos micro-organismos, formas vivas como as bactérias, muito pequenas para se-rem observadas a olho nu. Cada uma dessas formas de vida é chamada de espécie.

� 4 PopulaçõesUma população consiste em todos os indivíduos de uma espécie vivendo dentro de uma determi-nada área. Por exemplo, a floresta de Ontário inclui uma população de árvores de bordo e uma popula-ção de veados de cauda branca. Podemos agora melhorar nossa definição de comunidade como o conjunto de populações que habitam determi-nada área.

� 5 OrganismosSeres vivos individuais são chamados or-ganismos. Cada uma das árvores de bordo e outras plantas na floresta é um organis-mo, assim como cada animal da floresta, rã, esquilo, veado ou inseto. No solo, há abundância de micro-organismos, como as bactérias.

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Biologia 5

50 µm

10 µm

1 µm

Átomos

Célula

� 10 MoléculasNossa última mudança de escala nos leva ao interior de um cloroplasto para vis-lumbrar a vida molecular. A molécula é uma estrutura química que consiste em duas ou mais pequenas unidades químicas deno-minadas átomos, representados por bolas neste gráfico computa-dorizado de uma molécula de clorofila. A clorofila é a molécula de pigmento que dá à folha de bordo o seu verdor. Uma das mo-léculas mais importantes na Terra, a clorofila, absorve a luz solar nos primeiros passos da fotossíntese. Dentro de cada cloroplasto, milhões de moléculas de clorofila e outras moléculas estão organi-zadas no aparato que converte a energia da luz na energia química dos alimentos.

� 6 Órgãos e sistemas de órgãosA hierarquia estrutural da vida continua a se re-velar à medida que exploramos a arquitetura dos organismos mais complexos. Uma folha de bor-do é o exemplo de um órgão, ou seja, uma par-te corporal constituída de dois ou mais tecidos (conforme veremos em nossa próxima mudança de escala). Órgãos desempenham funções parti-culares no corpo. Caules e raízes são os outros principais órgãos das plantas. O cérebro, o cora-ção e os rins são exemplos de órgãos humanos. Os órgãos humanos, de outros animais comple-xos e de plantas são organizados em sistemas de órgãos em que cada grupo de órgãos coopera

em uma função es-pecífica. Por exem-

plo, o sistema di-gestivo humano

inclui órgãos como língua,

estômago e intestinos.

� 7 TecidosNossa próxima mudan-ça de escala – para ver os tecidos de uma folha – requer um micros-cópio. A folha aqui apresentada foi cortada em diagonal. O tecido em formato de favo de mel no interior da folha (porção esquerda da foto) é o principal local da fotossín-tese – processo que converte a energia da luz em energia química do açúcar e outros alimentos. Aqui visualizamos uma folha seccionada sob uma perspectiva que nos per-mite ver também o tecido semelhante ao quebra-cabeça chamado de epiderme, a “pele” na superf ície da folha (par-te direita da foto). Os poros da epiderme permitem ao gás dióxido de carbono, matéria-prima para a produção de açúcar, chegar até o tecido fotossintético dentro da folha. Nessa escala, também vemos que cada tecido tem estru-tura celular. Cada tipo de tecido é um grupo de células se-melhantes.

� 8 CélulasA célula é a unidade básica estrutural e funcional da vida. Alguns organismos, como as amebas e a maioria das bactérias, são unicelulares. Outros organismos, incluindo plantas e animais, são multicelulares. Ao invés de uma única célula desempenhar todas as funções da vida, um organismo multicelular divide o trabalho entre células especializadas. O corpo humano consiste em trilhões de células microscópicas de muitos tipos diferentes, como células musculares e nervosas, organizadas em vários tecidos especializados. Por exemplo, o tecido muscular consiste em feixes de células musculares. Na foto abaixo, vemos em grande detalhe algumas células do tecido Foliar. Cada célula tem apenas cerca de 25 micrômetros (μm) de largura. Seriam ne-

cessárias mais de 700 células desse tamanho para cruzar uma pequena moeda. Embora essas células sejam extremamente pequenas, percebe-se que cada uma contém numerosas estruturas verdes denominadas cloroplastos, responsáveis pela fotossíntese.

� 9 OrganelasCloroplastos são exemplos de organe-las, um dos vários componentes funcio-nais que compõe as células. Nesta ima-gem, uma ferramenta muito poderosa denominada microscópio eletrônico possibilita uma excelente visualização de um único cloroplasto.

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Biologia de sistemas

Sistema é simplesmente uma combinação de componentes que funcionam juntos. Um biólogo pode estudar sistemas em qual-quer nível de organização. Uma única célula de folha pode ser considerada um sistema, assim como um sapo, uma colônia de formigas ou até mesmo o ecossistema de um deserto. Para com-preender como esses sistemas funcionam, não é suficiente ter um “catálogo de peças”, por mais completo que seja. Levando isso em conta, muitos pesquisadores agora complementam essa aborda-gem reducionista com novas estratégias para estudar sistemas como um todo. Essa mudança de perspectiva é análoga a mudar do nível do chão em uma esquina para um helicóptero sobrevoan-do a cidade, de onde se consegue ver de que modo variáveis como hora do dia, projetos de construção, acidentes e funcionamento defeituoso de semáforos afetam o tráfego através da cidade.

O objetivo da biologia de sistemas é construir modelos para o comportamento dinâmico de sistemas biológicos como um todo. Modelos bem-sucedidos permitem que biólogos predigam de que maneira uma mudança em uma ou mais variáveis afeta outros com-ponentes e o sistema como um todo. Portanto, a abordagem de sis-temas nos permite propor novos tipos de questões. Como uma dro-ga que diminui a pressão sanguínea pode afetar as funções de órgãos no corpo humano? Como o aumento do suprimento de água nas lavouras pode afetar os processos nas plantas, assim como o arma-zenamento de moléculas essenciais para a nutrição humana? Como o aumento gradual de dióxido de carbono atmosférico é capaz de alterar ecossistemas e toda a biosfera? O alvo principal da biologia de sistemas é responder a grandes perguntas como essa última.

A biologia de sistemas é relevante para o estudo da vida em todos os níveis. Durante os primeiros anos do século XX, bió-logos que estudavam fisiologia animal (funções) começaram a integrar dados envolvendo a coordenação por múltiplos órgãos de processos, como a regulação da concentração de açúcar no sangue. Na década de 1960, cientistas que investigavam ecossis-temas introduziram uma abordagem de sistemas matematica-mente mais sofisticada, com modelos elaborados investigando a rede de interações entre organismos e componentes não vivos de ecossistemas, como pântanos de água salgada. Esses modelos já se têm mostrado úteis para prever as respostas desses sistemas a variáveis em modificação. Mais recentemente, a biologia de siste-mas tem sido utilizada em termos celulares e moleculares, como descreveremos adiante quando tratarmos do DNA.

Tema: Organismos interagem com o ambiente, intercambiando matéria e energiaObserve outra vez a Figura 1.4, agora concentrando-se na floresta. Nesse ou em qualquer outro ecossistema, cada organismo interage continuamente com o ambiente, que inclui tanto fatores inanima-dos como outros organismos. Uma árvore, por exemplo, absorve água e minerais do solo, através das raízes. Ao mesmo tempo, as fo-lhas captam dióxido de carbono do ar e utilizam a luz solar absor-vida pela clorofila para realizar a fotossíntese, convertendo água e dióxido de carbono em açúcar e oxigênio. A árvore libera oxigênio

para o ar; suas raízes ajudam a formar o solo a partir da fragmenta-ção de rochas. Tanto o organismo quanto o ambiente são afetados por essas interações. A árvore também interage com outros orga-nismos, como, por exemplo, micro-organismos de solo associados às raízes e animais que se alimentam de folhas e frutos.

Dinâmica de ecossistemas

O funcionamento de qualquer ecossistema envolve dois processos principais. Um processo é a reciclagem de nutrientes. Por exem-plo, os minerais adquiridos por uma árvore acabam retornando ao solo por meio de organismos que decompõem folhas caídas, raízes mortas e outros restos orgânicos. O segundo processo principal em um ecossistema é o fluxo unidirecional de energia da luz solar para os produtores e destes para os consumidores. Os produtores são plantas e outros organismos fotossintéticos que utilizam a energia da luz para produzir açúcar. Os consumidores são organismos, como os animais, que se alimentam dos produ-tores e outros consumidores. O diagrama na Figura 1.5 destaca os dois processos atuando em um ecossistema africano.

Conversão de energia

A movimentação, o crescimento, a reprodução e as outras ativi-dades da vida são formas de trabalho, e trabalho requer energia. A troca de energia entre um organismo e tudo que lhe circunda geralmente envolve a transformação de uma espécie de energia em outra. Por exemplo, as folhas de uma planta absorvem a energia da luz e a convertem em energia química, armazenada em moléculas de açúcar. Quando as células musculares de um animal utilizam

Ecossistema

Calor

Calor

Luz solar

Consumidores(por exemplo, animais)

Produtores(plantas e outros

organismosfotossintéticos)Ciclagem

denutrientesquímicos

Energia química

Figura 1.5 � Ciclagem de nutrientes e fluxo de energia em ecos-sistemas.

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Biologia 7

açúcar como combustível para realizar movimentos, as células convertem energia química em energia cinética, a energia do movi-mento. Em todas essas conversões de energia, um pouco da energia é convertida em energia térmica, que se dissipa para os arredores em forma de calor. Enquanto os nutrientes químicos são reciclados dentro do ecossistema, a energia flui por ele, geralmente entrando em forma de luz e saindo em forma de calor (ver Figura 1.5).

Tema: Estrutura e função estão correlacionadas em todos os níveis de organização biológicaOutro tema evidente na Figura 1.4 é a ideia de que a forma se ajusta à função, coisa que você reconhece na vida cotidiana. Por exemplo, forma da chave de fenda é adequada para apertar e afrouxar parafu-sos, assim como a do martelo para pregar pregos. O funcionamento de um dispositivo está correlacionado com sua estrutura. Aplicado à biologia, esse tema é um guia para a anatomia da vida em todos os níveis estruturais. Um exemplo pode ser visto na Figura 1.4: o formato delgado achatado da folha maximiza a quantidade de luz solar capturada por seus cloroplastos. A análise de uma estrutura biológica nos dá pistas sobre o que ela faz e como funciona. Em con-traposição, o conhecimento da função de algo nos permite imaginar como ele é construído. Um exemplo do reino animal, as asas de um pássaro, fornece perspectivas adicionais do tema estrutura-função (Figura 1.6). Ao explorarmos a vida em seus diferentes níveis estru-turais, descobrimos beleza funcional a cada instante.

Tema: As células são as unidades básicas estruturais e funcionais de um organismoNa hierarquia estrutural da vida, a célula tem lugar especial como o mais baixo nível de organização capaz de desempenhar todas as atividades necessárias para a vida. Além disso, as atividades dos organismos todas baseiam-se nas atividades celulares. Por exem-plo, a divisão de células para formar novas células é a base para toda reprodução assim como para o crescimento e o reparo de organismos multicelulares (Figura 1.7). Para citar outro exemplo,

Figura 1.6 � A forma se ajusta à função nas asas da gaivota. A cons-tituição de uma ave e a estrutura de seus componentes possibilita o voo.

? Como a forma se ajusta à função na mão humana?

As asas das aves têm formato de aerodinâmica eficiente.

Os ossos da asa têm estrutura interna em forma de favo de mel, forte, mas leve.

Os músculos de voo são controlados por neurônios (células nervosas) que transmitem sinais. Com longas extensões, os neurônios são especialmente bem-estruturados para fazer a comunicação dentro do corpo.

Os músculos de voo obtêm energia em forma utilizável a partir de organelas denominadas mitocôndrias. A membrana interna da mitocôndria tem muitos dobramentos. Moléculas envoltas na membrana interna desempenham muitas etapas na produção de energia, e os dobramentos empacotam grande quantidade dessa membrana em um pequeno compartimento.

(a)(b)

(c) (d)

Dobramentos da membrana

Mitocôndria

100 µm 0,5 µm

25 µm

Figura 1.7 � A célula do pulmão de uma salamandra se divide em duas células menores que crescem e se dividem novamente.

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o movimento de seus olhos ao ler esta linha baseia-se na ativida-de de células musculares e nervosas. Mesmo um processo global como a reciclagem de carbono é o produto cumulativo das ativi-dades celulares, incluindo a fotossíntese que ocorre nos cloroplas-tos das células de uma folha. A compreensão de como as células funcionam é um dos principais objetivos da pesquisa biológica.

Todas as células compartilham certas características. Por exemplo, cada célula é envolvida por uma membrana que regula a passagem de materiais entre a célula e o meio. Cada célula usa o DNA como informação genética. Entretanto, podemos estabele-cer uma distinção entre duas formas principais: células procarió-ticas e células eucarióticas. As células de dois grupos de micro--organismos chamados de bactérias e Archaea são procarióticas. Todas as outras formas de vida, incluindo plantas e animais, são compostas de células eucarióticas.

A célula eucariótica é subdividida por membranas internas em várias organelas envoltas por membrana, observadas na Figura 1.8 e no cloroplasto da Figura 1.4. Na maioria das células eucarióti-cas, a maior organela é o núcleo, que contém o DNA da célula. As outras organelas estão localizadas no citoplasma, que compreende toda a região entre o núcleo e a membrana mais externa da célula. Como podemos ver na Figura 1.8, as células procarióticas são bem mais simples e geralmente menores que as eucarióticas. Em uma célula procariótica, o DNA não está separado do resto da célu-la por um núcleo envolto por membrana. As células procarióticas também carecem de outros tipos de organelas envoltas por mem-brana que caracterizam as células eucarióticas. Mas independente de um organismo ser constituído por células procarióticas ou euca-rióticas, sua estrutura e função dependem diretamente das células.

Tema: A continuidade da vida baseia-se em informações herdáveis em forma de DNADentro da célula em divisão na Figura 1.7 (página anterior), po-demos observar estruturas denominadas cromossomos, colori-dos com corante azul-brilhante. Os cromossomos possuem pra-ticamente todo o material genético da célula: o DNA (abreviatura para ácido desoxirribonucleico). O DNA é a substância dos ge-nes, unidades hereditárias que transmitem informações dos pais para os descendentes. Seu grupo sanguíneo (A, B, AB ou O), por exemplo, resulta de certos genes herdados de seus pais.

A estrutura e a função do DNA

Cada cromossomo tem uma molécula bastante longa de DNA, com centenas de milhares de genes organizados ao longo de sua extensão. O DNA de cromossomos se replica enquanto a célula se prepara para a divisão, e cada uma das células-filhas (duas) herda um conjunto completo de genes.

Cada um de nós começou a vida sendo uma única célula com o DNA herdado de nossos pais. A replicação do DNA a cada ro-dada de divisão celular transmite cópias do DNA aos trilhões de células que possuímos. Em cada célula, os genes dispostos ao lon-go das moléculas de DNA contêm a informação para a síntese de outras moléculas na célula. Desse modo, o DNA controla o desen-volvimento e manutenção de todo o organismo e, indiretamente, tudo que ele faz (Figura 1.9). O DNA funciona como um centro de armazenamento e processamento de dados.

A estrutura molecular do DNA está relacionada com a habili-dade de armazenar informações. Cada molécula de DNA é cons-tituída de duas cadeias longas organizadas em dupla-hélice. Cada ligação da cadeia representa um dos quatro tipos de blocos quími-cos estruturais denominados nucleotídeos (Figura 1.10). O DNA transmite a informação de maneira análoga à organização das le-tras do alfabeto em sequências precisas com significados especí-ficos. A palavra rato, por exemplo, lembra um roedor; as palavras rota e ator têm as mesmas letras, mas significados diferentes. As bibliotecas são forradas de livros com informações constituídas de sequências variantes de apenas 26 letras. Podemos pensar em nu-cleotídeos como o alfabeto da hereditariedade. Arranjos sequen-ciais específicos dessas quatro letras contêm a informação precisa nos genes, cuja estrutura possui normalmente centenas ou mi-lhares de nucleotídeos. Um gene em uma célula bacteriana pode ser traduzido como “Construa certo componente da membrana celular”. Um gene humano em especial pode significar “Produza hormônio de crescimento”.

Genes como os citados programam a produção celular de grandes moléculas denominadas proteínas. Entre outras proteínas humanas estão o grupo das proteínas responsáveis pela contração de células musculares e o grupo de proteínas de defesa denomi-nadas anticorpos. Proteínas cruciais para todas as células são as enzimas, que catalisam (aceleram) reações químicas específicas. Portanto, o DNA fornece a matriz, e as proteínas servem como ferramentas que realmente constroem e mantêm a célula e desem-penham suas atividades.

DNA(sem núcleo)

Célula procariótica

Célula eucariótica

MembranaMembrana

Organelas

Núcleo (contém o DNA)

Citoplasma

1 µm

Figura 1.8 � O contraste entre células eucarióticas e procarióticas quanto ao tamanho e à complexidade.

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Biologia 9

O DNA dos genes controla a produção de proteínas indire-tamente, a partir da utilização como intermediário de um tipo de molécula denominado RNA.

A sequência de nucleotídeos ao longo de um gene é transcrita em RNA e em seguida traduzida em uma proteína específica com forma e função únicas. No processo de tradução, todas as for-mas de vida empregam essencialmente o mesmo código genético. Uma determinada sequência de nucleotídeos tem o mesmo sig-nificado em qualquer organismo. As diferenças entre organismos estão relacionadas às diferenças nas sequências nucleotídicas.

Nem todo RNA celular é traduzido em proteína. É de conheci-mento geral há décadas que certos tipos de moléculas de RNA são na verdade componentes da maquinaria celular de produção protei-ca. Há pouco tempo, cientistas descobriram classes completamente novas de RNA que desempenham outras funções na célula, como regulação do funcionamento de genes codificantes de proteínas.

A “biblioteca” inteira de instruções genéticas herdada por um organismo é conhecida como genoma. Uma típica célula huma-na tem dois conjuntos similares de cromossomos. Cada conjunto tem um total de cerca de 3 bilhões de nucleotídeos de DNA. Se os símbolos de letra única para esses nucleotídeos fossem escritos no tamanho das letras que você está lendo agora, o texto genético pre-encheria cerca de 600 livros do porte deste. Nessa biblioteca genô-mica de sequências nucleotídicas estão genes para cerca de 75.000 tipos de proteínas e um número ainda desconhecido de moléculas de RNA.

Sistemas biológicos em termos celulares e moleculares

A sequência completa de nucleotídeos no genoma humano ago-ra é conhecida, assim como as sequências genômicas de muitos outros organismos, incluindo bactérias, Archaea, fungos, plantas e animais. Essas conquistas foram possíveis devido ao desenvol-vimento de novos métodos e aparelhos de sequenciamento de DNA, como os apresentados na Figura 1.11, na página seguinte.

O sequenciamento do genoma humano é uma realização científica e tecnológica comparável à chegada dos astronautas da

Espermatozoide

Óvulo

NúcleocomDNA

Óvulo fertilizadocom o DNAdos dois pais

Células do embrião comcópias do DNA herdado

Prole com característicasdos pais

Figura 1.9 � O DNA herdado conduz o desenvolvimento de um organismo.

A

A

T

A

T

A

T

A

T

C

C

C

G

G

(b)

Nucleotídeo

Núcleo

Célula

DNA

DNA dupla-hélice. Este modelo mostra cada átomo em um segmento de DNA. O DNA é constituído de duas longas cadeias de blocos estruturais denominados nucleotídeos e possui o formato tridimensional de uma dupla-hélice.

(a) DNA fita simples. Estes formatos geométricos e estas letras são os símbolos simples para os nucleotídeos de uma pequena seção da cadeia molecular de DNA. A informação genética encontra-se codificada nas sequências específicas dos quatro tipos de nucleotídeos. (Nomes abreviados aqui por A, T, C e G.)

Figura 1.10 � DNA: o material genético.

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10 Campbell & Cols.

Apollo à Lua em 1969. Isso é apenas o início do empenho em uma pesquisa ainda maior: o esforço para aprender como as atividades da miríade de proteínas codificadas pelo DNA são coordenadas nas células e em organismos completos.

A melhor maneira de entender a avalanche de dados gerada a partir de projetos de sequenciamento genômico e o cada vez maior catálogo de funções proteicas conhecidas é aplicar uma abordagem de sistemas em termos celulares e moleculares. A Figura 1.12 ilus-tra os resultados de um grande estudo que mapeou uma rede de interações proteicas dentro de uma célula da mosca-das-frutas, um organismo bastante utilizado em pesquisas científicas. O modelo baseia-se em um banco de dados de milhares de proteínas conhe-cidas e suas conhecidas interações com outras proteínas. Por exem-plo, a proteína A pode-se ligar e alterar a atividade das proteínas B, C e D, que então passam a interagir com outras proteínas. A figura mapeia essas parcerias proteicas com seus locais celulares.

A base da estratégia de sistemas é unidirecional. Primeiramen-te, é necessário inventariar o máximo possível de partes do sistema, como todos genes e proteínas conhecidos em uma célula (uma apli-cação do reducionismo). Em seguida, é necessário investigar como cada parte se comporta em relação as outras no sistema em funcio-namento – todas as interações proteína-proteína, no caso do nosso exemplo da célula da mosca. Finalmente, com o auxílio de progra-mas de computadores especializados, é possível agrupar todos os dados no modelo de sistema em rede apresentado na Figura 1.12.

Embora a ideia básica de sistemas biológicos seja simples, a prática não é, como seria de esperar pela complexidade de siste-mas biológicos. Foram necessários três importantes desenvolvi-mentos científicos para tornar os sistemas biológicos interpre-táveis. Um deles foi a tecnologia de “alta processividade”, uma ferramenta que consegue analisar materiais biológicos rapida-mente e gerar enormes quantidades de dados. Os aparelhos de sequenciamento automático de DNA que tornaram possível o

Membrana externae superfície celular

Citoplasma

Núcleo

Figura 1.12 � Um mapa de interações de sistemas entre proteínas em uma célula. Este diagrama mapeia 2.346 proteínas (pontos) e sua rede de interações (linhas conectando as proteínas) em uma célula da mos-ca-das-frutas. Biólogos de sistemas desenvolvem esses modelos a partir de imensas bases de dados sobre moléculas e suas interações na célula. O grande objetivo da abordagem de sistemas é utilizar modelos para predizer de que modo mudanças (como o aumento na atividade de uma proteína específica) podem propagar-se através do circuito molecular da célula e gerar outras mudanças. O número total de proteínas neste tipo de célula é provavelmente de 4.000 a 7.000.

Figura 1.11 � A biologia moderna como ciência da informação. Os apa-relhos de sequenciamento automático de DNA e o abundante poder compu-tacional tornaram possível o sequencia-mento do genoma humano. Esta insta-lação, em Walnut Creek, na Califórnia, foi um dos muitos laboratórios que co-laborou no Projeto Internacional do Ge-noma Humano.

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Biologia 11

sequenciamento do genoma humano são exemplos de dispositi-vos de alta processividade (ver Figura 1.11). O segundo é a bioin-formática, que se resume ao uso de ferramentas computacionais para armazenar, organizar e analisar o grande volume de dados resultantes dos métodos de alta processividade. O terceiro desen-volvimento fundamental é a formação de equipes interdisciplina-res de pesquisa – grupos de especialidades diversas que incluem cientistas computacionais, matemáticos, engenheiros, químicos, médicos e, é claro, biólogos de várias áreas.

Tema: Mecanismos de retroalimentação regulam os sistemas biológicosA lei econômica da oferta e da procura se aplica a muitos siste-mas biológicos. Considere os músculos, por exemplo. Quando as células musculares necessitam de mais energia durante um exer-cício, elas aumentam o consumo de moléculas de açúcar que for-necem combustível. Em contraposição, em repouso, um conjunto diferente de reações químicas converte o açúcar excedente em moléculas de armazenamento.

Assim como na maioria dos processos químicos celulares, os processos que decompõem ou armazenam açúcares são ace-lerados ou catalisados por proteínas especializadas denominadas enzimas. Cada tipo de enzima catalisa uma reação química espe-cífica. Em muitos casos, essas reações estão integradas em rotas químicas, cada etapa com enzima própria. Como a célula coor-dena a série de rotas químicas? No exemplo do gerenciamento de açúcar, como a célula faz para ajustar o suprimento de combus-tível à demanda, regulando as rotas opostas de consumo e de ar-mazenamento de açúcar? O segredo está na habilidade de muitos processos biológicos em se autorregular por meio do mecanismo denominado retroalimentação.

Na regulação de retroalimentação, a saída ou o produto de um processo regula esse mesmo processo. Na vida, a forma mais comum de regulação é a retroalimentação negativa, onde o acúmulo do produto final desacelera o processo. Por exemplo, a quebra celular de açúcar gera energia química em forma de uma substância denominada ATP. Quando a célula produz mais ATP do que pode utilizar, o ATP excedente “retroalimenta” e inibe a enzima presente no início da rota (Figura 1.13a).

Embora menos comuns do que os processos regulados por retroalimentação negativa, existem também muitos processos biológicos regulados por retroalimentação positiva, onde o produto final acelera sua produção (Figura 1.13b). A coagula-ção do sangue em resposta a lesões é um exemplo. Quando um vaso sanguíneo é danificado, estruturas no sangue denominadas plaquetas começam a agregar-se no local. A retroalimentação positiva ocorre, pois compostos liberados pelas plaquetas atraem mais plaquetas. O acúmulo de plaquetas então inicia um comple-xo processo que fecha a lesão com um coágulo.

A retroalimentação é um molde regulador comum para a vida em todos os níveis, desde moléculas até ecossistemas e a biosfera. Essa regulação é um exemplo da integração que torna os sistemas vivos muito maiores do que a soma de suas partes.

R E V I S Ã O D O C O N C E I T O

1. Para cada nível biológico na Figura 1.4, escreva uma sentença que inclua o próximo nível “inferior”. Exemplo: “Uma comunidade consiste em populações das diversas espécies habitando uma área específica”.

2. Que tema ou temas são exemplificados pelos (a) espinhos pontiagudos de um porco-espinho, (b) a clonagem de uma planta a partir de uma única célula e (c) um beija-flor utili-zando açúcar para realizar o voo?

3. E SE...? Para cada tema discutido nesta seção, dê um exemplo não mencionado no livro.Ver as respostas sugeridas no Apêndice A.

–Retroalimentaçãonegativa

O excessode D bloqueiauma etapa

(a)

A

B

C

D

D

D D

Enzima 1

Enzima 2

Enzima 3

Retroalimentação negativa. Esta rota de três passos químicos converte a substância A na substância D. Uma enzima específica catalisa cada reação química. O acúmulo do produto final (D) inibe a primeira enzima da sequência, desacelerando a produção de mais D.

+Retroalimentaçãopositiva

O excesso deZ estimulauma etapa

(b)

W

X

Y

Z

Z

Z

Z

Enzima 4

Enzima 5

Enzima 6

Retroalimentação positiva. Em uma rota bioquímica regulada por retroalimentação positiva, o produto estimula uma enzima na sequência de reações, aumentando o ritmo de produção do produto.

Figura 1.13 � Regulação por mecanismos de retroalimentação.

? O que aconteceria se a enzima 2 estivesse ausente?

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12 Campbell & Cols.

1.2 O tema central: A evolução é responsável pela uniformidade e pela diversidade da vida

A lista de temas biológicos discutidos no item 1.1 não é absoluta; alguns podem considerar de maior utilidade listas mais curtas ou mais longas. Entretanto, há um consenso entre biólogos sobre o tema central da biologia: é a evolução. Para citar um dos fundado-res da teoria evolutiva moderna, Theodosius Dobzhansky, “Nada faz sentido em biologia, exceto sob a luz da evolução”.

Além de abranger uma hierarquia de escalas de tamanho desde moléculas até a biosfera, a biologia se estende através da grande diversidade de espécies que vive ou já viveu na Terra. Para compreender a afirmação de Dobzhansky, precisamos discutir o que biólogos pensam sobre essa vasta diversidade.

Organizando a diversidade da vidaA diversidade é uma indicação da autenticidade da vida. Os bió-logos já identificaram e nomearam 1,8 milhões de espécies. Até o presente, essa diversidade de vida inclui pelo menos 6.300 es-pécies de procariotos (organismos com células procarióticas), 100.000 fungos, 290.000 plantas, 52.000 vertebrados (animais com ossos) e um milhão de insetos (mais da metade de todas as formas de vida conhecidas). Pesquisadores identificam milhares de novas espécies a cada ano. Estimativas do número total de espécies variam de cerca de 10 milhões até mais de 100 milhões. Independente do número exato, a enorme variedade de vida dá à biologia um alcance bastante amplo. Biólogos se deparam com um grande desafio ao tentar compreender essa variedade (Figu-ra 1.14).

Carnívoros

Mamíferos

Cordados

Espécie

Ursus americanus(urso preto americano)

Ursus

Ursidae

Animais

Eukarya

Gênero Família Ordem Classe Filo Reino Domínio

Figura 1.14 � Classificando a vida. Para ajudar a organizar a diversidade da vida, os biólogos classificam as espécies em grupos então combinados em grupos ainda mais abrangentes. As espécies com parentesco muito próximo, como ursos polares e ursos marrons, estão posicionadas no mesmo gênero; os gêneros são agrupados em famílias; e assim por diante. Este exem-plo classifica a espécie Ursus americanus, o urso preto americano.

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Biologia 13

� As Bactérias são os procariotos mais disseminados e atualmente se dividem em muitos reinos. Cada uma das estruturas em forma de bastão nesta foto é uma célula bacteriana.

(a) DOMÍNIO BACTERIA

� Muitos dos procariotos conhecidos como Archaea vivem em ambientes extremos da Terra, como lagos salgados e gêiseres de água quente. O domínio Archaea inclui múltiplos reinos. A foto mostra uma colônia composta de muitas células.

� O reino Animália consiste em eucariotos multicelulares que ingerem outros organismos.

� O reino Fungi é definido em parte pelo modo nutricional de seus componentes. Por exemplo, este cogumelo absorve nutrientes após decompor material orgânico.

� Protistas (múltiplos reinos) são eucariotos unicelulares e seus relativa-mente simples parentes multicelulares. A figura acima apresenta um sortimento de protistas habitando uma poça de água. Cientistas têm debatido sobre como distribuir os protistas em reinos que reflitam exatamente suas relações evolucionárias. � O reino Plantae

consiste em eucariotos multicelulares que fazem fotossíntese, a conversão de energia luminosa em energia química no alimento.

(b) DOMÍNIO ARCHAEA

(c) DOMÍNIO EUKARYA

Figura 1.15 � Os três domínios da vida.

Agrupando espécies: a ideia básica

Há uma tendência humana em agrupar itens diversos de acordo com suas semelhanças. Por exemplo, você possivelmente organi-za sua coleção de cds por artista. Depois talvez agrupe os vários artistas em categorias maiores, como rock, jazz e música clássica. Da mesma forma, é natural agrupar espécies semelhantes. Po-demos falar em esquilos e borboletas, apesar de reconhecermos muitas espécies diferentes em cada grupo. Podemos até mesmo separar grupos em categorias mais amplas, como roedores (que incluem esquilos) e insetos (que incluem borboletas). A taxono-mia – o ramo da biologia que nomeia e classifica as espécies – formaliza esse ordenamento de espécies em grupos de amplitu-de crescente (ver Figura 1.14). Vamos aprender mais sobre esse esquema taxonômico no Capítulo 26. Por enquanto, será dado enfoque a reinos e domínios, as unidades mais amplas de classi-ficação.

Os três domínios da vida

Até cerca de 20 anos atrás, a maioria dos biólogos adotava um esquema taxonômico que dividia a diversidade da vida em cinco reinos: plantas, animais, fungos, organismos eucarióticos uni-celulares e procariotos. Desde então, novos métodos (como a comparação de sequências de DNA de diferentes espécies) leva-ram à reavaliação do número e limites dos reinos. Pesquisadores propuseram algo entre seis e dúzias de reinos. Ao mesmo tempo em que o debate continua em termos de reino, há o consenso de que os reinos da vida podem agora ser agrupados em três níveis ainda mais altos de classificação denominados domínios. Os três domínios são conhecidos como Bacteria, Archaea e Eukarya (Fi-gure 1.15).

Os organismos que compõem o domínio Bacteria e o domí-nio Archaea são todos procariotos. A maioria dos procariotos é unicelular e microscópica. No sistema de cinco reinos, bactéria e archaea foram combinados em um reino comum, pois compar-

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14 Campbell & Cols.

tilhavam a forma procariótica de estrutura celular. Mas muitas evidências têm sustentado a visão de que bactéria e archaea re-presentam dois ramos consideravelmente distintos de vida pro-cariótica, diferentes em maneiras essenciais que vamos aprender no Capítulo 27. Há também evidências de que os organismos do domínio Archaea são no mínimo tão intimamente aparentados a organismos eucarióticos do que com as bactérias.

Todos os eucariotos (organismos com células eucarióticas) ago-ra agrupam-se em vários reinos do domínio Eukarya. Na época do modelo de cinco reinos, a maioria dos eucariotos unicelulares, entre eles os micro-organismos conhecidos como protozoários, foram co-locados em um só reino, o reino “Protista”. Muitos biólogos estende-ram os limites do reino Protista para incluir certas formas multice-lulares, como as algas marinhas, intimamente relacionadas a certos protistas unicelulares. A recente tendência taxonômica é separar os protistas em uma série de reinos. Além desses reinos protistas, o domínio Eukarya inclui três reinos de eucariotos multicelulares: os reinos Plantae, Fungi e Animália. Esses três reinos podem ser dis-tinguidos em parte pelo modo de nutrição. As plantas produzem os próprios açúcares e outros alimentos a partir da fotossíntese. Os fungos em sua maioria são decompositores, que decompõem orga-nismos mortos e restos orgânicos (folhas caídas e fezes de animais) e absorvem nutrientes a partir dessas fontes. Os animais obtêm ali-mento através da ingestão, que consiste no consumo e na digestão de outros organismos. É claro: pertencemos ao reino Animália.

Uniformidade na diversidade da vida

A vida, mesmo tão diversa, apresenta também notável uniformi-dade. Antes mencionamos a semelhança dos esqueletos de dife-rentes animais vertebrados, mas as semelhanças são ainda mais intrigantes em termos moleculares e celulares. Por exemplo, a linguagem genética universal do DNA é a mesma em organismos completamente diferentes como bactérias e animais. A uniformi-dade é evidente também em muitas características da estrutura celular (Figura 1.16).

Como podemos explicar a dupla natureza da uniformidade e da diversidade da vida? O processo da evolução, explicado a seguir, elucida tanto as semelhanças como as diferenças no mundo da vida e introduz outra dimensão da biologia: o período histórico.

Charles Darwin e a teoria da seleção naturalA história da vida, documentada por fósseis e outras evidências, é a saga do planeta Terra e bilhões de anos de modificação, ha-bitado por um leque cada vez maior de formas de vida (Figura 1.17). Essa visão evolutiva da vida surgiu em novembro de 1859, quando Charles Robert Darwin publicou um de seus livros mais importantes. Intitulado A origem das espécies por meio da seleção natural, o livro de Darwin tornou-se imediatamente um sucesso de vendas e logo transformou o “darwinismo” em sinônimo do conceito de evolução (Figura 1.18).

Seção transversal de um cílio, observada em microscópio eletrônico

Cílios de células da traqueia. As células que revestem a traqueia humana são equipadas com cílios que ajudam a manter o pulmão limpo varrendo uma película de muco removendo os resíduos para fora.

Cílios de Paramecium. Os cílios de um Paramecium unicelular propulsionam o organismo através da água.

0.1 µm

15 µm5 µm

Figura 1.16 � Um exemplo da uniformidade sustentando a diversidade da vida: a arquitetura dos cílios em eucariotos. Cílios são extensões de células cuja função é a locomoção. Eles estão presentes em eucariotos tão diversos como paramécios e humanos. Até mesmo organismos tão diferentes compartilham cílios com uma arquitetura comum, com um sistema elaborado de túbulos que se torna evidente em cortes transversais.

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Biologia 15

A origem das espécies articula dois pontos principais. Primei-ro, Darwin apresenta evidências para apoiar a opinião de que as espécies contemporâneas surgiram a partir de uma sucessão de ancestrais. (Discutiremos a evidência de evolução em detalhe no Capítulo 22.) Darwin chamou essa história evolutiva das espécies de “descendência com modificação”. Essa foi uma expressão sig-nificativa, pois resumia a dualidade da vida: uniformidade versus

diversidade – uniformidade no parentesco das espécies que des-cenderam de ancestrais comuns; diversidade nas modificações que evoluíram quando as espécies se ramificaram a partir dos ances-trais comuns (Figura 1.19). O se-gundo ponto principal de Darwin foi propor um mecanismo para a descendência com modificação. Ele chamou esse mecanismo evo-lutivo de seleção natural.

Darwin sintetizou sua teoria da seleção natural a partir de ob-servações que por si só não eram novas nem tampouco profundas. Outros pesquisadores tinham as peças do quebra-cabeça, mas foi Darwin quem descobriu como elas se encaixavam. Ele iniciou com as seguintes observações obtidas da natureza: indivíduos de uma população variam em suas características, muitas das quais parecem ser herdáveis (passadas dos pais para a prole). Além dis-so, uma população consegue produzir um número bem maior de descendentes comparado ao número que consegue sobrevi-ver e produzir a própria descendência. Com mais indivíduos que o ambiente pode sustentar, a competição passa a ser inevitável. Por fim, as espécies geralmente se ajustam ao ambiente em que vivem. Por exemplo, aves que vivem em lugares onde sementes duras são uma boa fonte de alimento podem ter bicos especial-mente fortes.

Darwin partiu dessas observações e fez inferências para che-gar à teoria da evolução. Ele argumentou que indivíduos com ca-racterísticas herdadas melhor adaptadas ao ambiente local estão mais propensos a sobreviver e a se reproduzir do que indivíduos

Figura 1.17 � Desenterrando o passado. O paleontologista Paul Sereno, da Universidade de Chicago, escava cuidadosamente os ossos da perna de um fóssil de dinossauro na Nigéria.

Figura 1.18 � Charles Darwin quando jovem.

Figura 1.19 � Uniformidade e diversidade na família das orquí-deas. Estas três orquídeas da floresta tropical são variações de um tema floral comum. Por exemplo, todas estas flores têm uma pétala em forma de lábio que ajuda a atrair polinizadores, além de fornecer uma plataforma de pouso para esses insetos.

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16 Campbell & Cols.

menos adaptados. Ao longo de muitas gerações, uma proporção cada vez maior de indivíduos na população terá as características vantajosas. A evolução ocorre à medida que o sucesso reproduti-vo desigual dos indivíduos adapta a população ao ambiente.

Darwin chamou esse mecanismo de adaptação evolutiva de “seleção natural”, já que o ambiente natural “seleciona” para a pro-pagação de certas características. O exemplo na Figura 1.20 ilustra a habilidade da seleção natural em “editar” variações hereditárias de cor de uma população. Vemos os produtos da seleção natural nas requintadas adaptações de vários organismos às circunstâncias especiais de seu estilo de vida e de seu ambiente (Figura 1.21).

A árvore da vidaDê uma nova olhada na arquitetura do esqueleto das asas do mor-cego na Figura 1.21. Esses membros anteriores, embora adapta-dos para o voo, têm na verdade os mesmos ossos, juntas, nervos e vasos sanguíneos encontrados em outros membros tão diferentes quanto o braço humano, a pata dianteira do cavalo e a nadadeira da baleia. De fato, todos os membros anteriores de mamíferos são variações anatômicas de uma arquitetura comum, assim como as flores na Figura 1.19 são variações em torno do tema básico “orquí-dea”. Esses exemplos de parentesco conectam a singularidade da diversidade da vida ao conceito darwiniano de descendência com modificação. Nessa visão, a uniformidade da anatomia do membro de mamífero reflete a herança daquela estrutura oriunda de um ancestral comum – o mamífero “protótipo” do qual todos os ou-tros mamíferos descendem. A diversidade dos membros anteriores dos mamíferos resulta da modificação pela seleção natural agindo durante milhões de gerações em diferentes contextos ambientais. Fósseis e outras evidências corroboram a uniformidade anatômica e sustentam essa visão de descendência dos mamíferos a partir de um ancestral comum.

Darwin propôs que devido aos efeitos cumulativos da sele-ção natural, atuando ao longo de amplos períodos de tempo, uma espécie ancestral poderia originar duas ou mais espécies descen-

dentes. Isso poderia ocorrer, por exemplo, se uma população se fragmentasse em subpopulações isoladas em diferentes ambientes. Nessas arenas separadas pela seleção natural, uma espécie poderia gradualmente irradiar-se em múltiplas espécies à medida que as populações geograficamente isoladas se adaptavam, ao longo de muitas gerações, aos diferentes conjuntos de fatores ambientais.

A “árvore genealógica” de 14 tentilhões na Figura 1.22 ilustra um famoso exemplo de radiação adaptativa de novas espécies a partir de um ancestral comum. Darwin colecionou espécimes des-ses pássaros durante sua visita em 1835 às remotas Ilhas Galápagos, a 900 quilômetros (km) da costa do Pacífico, na América do Sul. Essas ilhas vulcânicas relativamente novas são o hábitat exclusivo de muitas espécies de plantas e animais, embora a maioria dos or-ganismos desta ilha tenha claro parentesco com espécies presentes no continente sul-americano. Após a formação vulcânica das Ilhas Galápagos há vários milhões de anos, os tentilhões provavelmente se diversificaram nas várias ilhas a partir de uma espécie de ten-tilhão ancestral que, ao acaso, chegou ao arquipélago oriunda de outra localidade. (Anteriormente se acreditava que a origem dos

Figura1.21 � Adaptações evolutivas. Morcegos, os únicos mamí-feros com capacidade ativa de voo, têm asas com membranas entre os “dedos”. Na visão darwiniana de vida, essas adaptações são o resultado da seleção natural.

Figura 1.20 � Seleção natural. Esta população imaginária de besouros colonizou um local onde o solo foi escurecido por um incêndio recente. Inicialmente, há ampla variação na cor herdada nos indivíduos da população, desde o cinza claro até o preto carvão. Para pássaros famintos que caçam besouros, é mais fácil localizar os besouros mais claros.

População com características hereditárias variadas.

1 Eliminação de indivíduos com certas características.

2 Reprodução dos sobreviventes.

3 Aumento na frequência de características que aumentam o sucesso de sobrevivência e reprodução.

4

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Biologia 17

tentilhões ancestrais era o continente sul-americano, assim como a de muitos organismos de Galápagos; atualmente, acredita-se que os tentilhões vieram das ilhas do Caribe.) Anos após a coleção de tentilhões de Galápagos de Darwin, pesquisadores começaram a investigar o parentesco entre as espécies de tentilhões, primeiro a partir de dados anatômicos e geográficos e, mais recentemente, com o auxílio de comparações de sequências de DNA.

Diagramas biológicos de relações evolutivas em geral têm a estrutura de uma árvore. No entanto, atualmente, os biólogos dei-taram as árvores, como na Figura 1.22. Diagramas do tipo árvore fazem sentido: assim como a descendência de um indivíduo pode ser diagramada em uma árvore genealógica, cada espécie de or-ganismo é um pequeno ramo de um galho de uma árvore da vida que se estende rumo ao passado através de espécies ancestrais cada

vez mais remotas. Espécies muito similares, como os tentilhões de Galápagos, compartilham um ancestral comum em um ponto de ramificação relativamente recente na árvore da vida. Entretanto, por conta de um ancestral que viveu há um período muito maior, os tentilhões têm parentesco com pardais, gaviões, pinguins e todas as outras aves. Assim, aves, mamíferos e todos os outros vertebrados compartilham um ancestral comum ainda mais antigo. Podemos encontrar evidências de parentesco ainda mais abrangentes nessas semelhanças, como a idêntica construção de todos os cílios eucarió-ticos (ver Figura 1.16). Rastreie a vida até seus primórdios e sobrarão apenas fósseis dos procariotos primitivos, que habitaram a Terra há 3,5 bilhões de anos. Podemos reconhecer seus vestígios em nossas próprias células – no código genético universal, por exemplo. Toda a forma de vida está conectada numa longa história evolutiva.

ANCESTRALCOMUM

Tentilh

ões

cano

ros

Co

med

ores

de in

setos

Co

med

ores

de in

setos

Co

med

ores

de sem

entes

Tentilh

ões

arbó

reos

Co

med

ores

de b

roto

s

Co

med

ores

de sem

entes

Co

med

ores d

e sem

entes

Co

med

ores d

e flo

res de cacto

s

Tentilhão canoro verdeCerthidea olivacea

Tentilhão canoro cinzaCerthidea fusca

Tentilhão terrestre de bico afiadoGeospiza difficilis

Tentilhão vegetarianoPlatyspiza crassirostris

Tentilhão mangroveCactospiza heliobates

Tentilhão pica-pauCactospiza pallida

Médio tentilhão arbóreo Camarhynchus pauper

Grande tentilhão arbóreo Camarhynchus psittacula

Pequeno tentilhãoarbóreoCamarhynchus parvulus

Grande tentilhão terrestre comedor de cactosGeospiza conirostrisTentilhão terrestre comedor de cactosGeospiza scandens

Pequeno tentilhãoterrestreGeospiza fuliginosa

Médio tentilhão terrestreGeospiza fortis

Grande tentilhãoterrestreGeospiza magnirostris

Figura 1.22 � Descendência com modificação: radiação adaptati-va de tentilhões nas Ilhas Galápagos. Esta “árvore” ilustra o modelo atual da evolução dos tentilhões nas Ilhas Galápagos. Observe os bicos diferentes, adaptados para as fontes alimentares das diferentes ilhas.

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18 Campbell & Cols.

R E V I S Ã O D O C O N C E I T O

1. Como um endereço de postagem pode ser análogo ao sis-tema biológico de hierarquia taxonômica?

2. Explique por que “editar” é melhor do que “criar” como metáfora para o modo que seleção natural atua na varia-ção hereditária das populações.

2. E SE...? Os três domínios aprendidos no item 1.2 po-dem ser representados como as três principais ramifica-ções na árvore da vida. Na ramificação eucariótica, três das sub-ramificações são os reinos Plantae, Fungi e Ani-malia. E se fungos e animais tivessem parentesco mais ín-timo entre si do que com o reino das plantas – como evi-dências recentes sugerem? Desenhe um modelo simples de ramificação que simbolize a relação proposta entre es-ses três reinos eucarióticos.Ver as respostas sugeridas no Apêndice A.

1.3 Os cientistas utilizam duas formas principais de pesquisa no estudo da natureza

A palavra ciência deriva do verbo latino que significa “conhecer”. A ciência é uma forma de conhecer o mundo natural. Ela evo-luiu de nossa curiosidade sobre nós, outras formas de vida, nosso planeta e o universo. Tentar entender parece ser um dos nossos impulsos básicos.

No coração da ciência está a pesquisa, uma busca por infor-mação e explicação, geralmente focada em questões específicas. A pesquisa levou Darwin a procurar na natureza respostas para como as espécies se adaptam a seus ambientes. Atualmente a pesquisa impulsiona as análises genômicas que nos ajudam a en-tender a uniformidade e a diversidade biológica em termos mo-leculares. A mente pesquisadora é a engrenagem que impulsiona todos os progressos na biologia.

Não há fórmula para uma pesquisa científica bem-sucedida. Nenhum método científico em particular possui um manual que os pesquisadores devam seguir à risca. Como em todas as bus-cas, a ciência inclui elementos de desafio, aventura e sorte, junto com planejamento cuidadoso, sensatez, criatividade, cooperação, competição, paciência e persistência para superar reveses. Esses distintos elementos da pesquisa tornam a ciência consideravel-mente menos estruturada do que a maioria das pessoas imagina. Posto isso, é possível separar certas características que ajudam a distinguir a ciência de outras maneiras de descrever e explicar a natureza.

Biólogos utilizam dois tipos principais de pesquisa científi-ca: a ciência da descoberta e a ciência com base em hipóteses. A ciência da descoberta envolve basicamente descrever a natureza. A ciência com base em hipóteses tem a ver basicamente com ex-plicar a natureza. A maioria das pesquisas científicas combina essas duas abordagens.

A ciência da descobertaAlgumas vezes denominada ciência descritiva, a ciência da des-coberta descreve estruturas e processos naturais com a maior precisão possível, a partir de cuidadosas observações e análises de dados. Por exemplo, a ciência da descoberta construiu nos-sa compreensão sobre a estrutura celular e tem expandido nossa base de dados sobre os genomas de diversas espécies.

Tipos de dados

Observar é utilizar os sentidos para obter informações diretas ou indiretas, com o auxílio de ferramentas como microscópios que aguçam nossos sentidos. Observações registradas são denomina-das dados. Em outras palavras, dados são itens de informação em que se baseia a pesquisa científica.

O termo dados implica números para muitas pessoas. Mas alguns dados são qualitativos, em geral na forma de descrições registradas, em vez de medidas numéricas. Por exemplo, Jane Goodall investiu décadas registrando observações sobre o com-portamento de chimpanzés durante a pesquisa de campo nas sel-vas da Gâmbia (Figura 1.23). Ela também documentou as obser-vações com fotos e filmagens. Junto com esses dados qualitativos, Goodall também enriqueceu o campo do comportamento animal com volumosos dados quantitativos, geralmente registrados como medidas. Dê uma olhada em qualquer uma das revistas científicas da biblioteca da sua universidade: você verá muitos exemplos de dados quantitativos organizados em tabelas e gráficos.

Figura 1.23 � Jane Goodall coletando dados qualitativos sobre o comportamento do chimpanzé. Goodall registrou suas observações em cadernos de campo, em geral com desenhos sobre o comportamento dos animais.

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Biologia 19

Indução na ciência da descoberta

A ciência da descoberta pode levar a importantes conclusões com base em um tipo de lógica denominada indução ou argumentação indutiva. Por meio da indução, fazemos generalizações a partir de um grande número de observações científicas. “O sol sempre nasce a leste” e “Todos os organismos são constituídos de células” são exemplos. A segunda generalização, pertencente à conhecida teoria celular, baseia-se em dois séculos de descobertas biológicas celulares envolvendo diversos espécimes biológicos observados ao microscópio. As cuidadosas observações e análises de dados da ciência da descoberta, junto a generalizações alcançadas pela in-dução, são fundamentais para a nossa compreensão da natureza.

Ciência com base em hipótesesAs observações e as induções da ciência da descoberta estimulam a busca de causas e explicações naturais para essas observações. Por que ocorreu a diversificação de tentilhões nas Ilhas Galápagos? Por que as raízes crescem para baixo e para cima os caules com folhas? Em que se baseia a generalização de que o sol sempre nasce no leste? Na ciência, essa pesquisa geralmente envolve a proposi-ção e o teste de explicações hipotéticas – ou seja, hipóteses.

O papel da hipótese na pesquisa

Na ciência, hipóteses são explicações experimentais para ques-tões bem-formuladas – uma explanação em teste. Em geral são palpites bem-embasados, fundamentados na experiência e em dados disponíveis a partir da ciência da descoberta. Uma hipóte-se científica leva a predições que podem ser testadas com obser-vações adicionais ou a realização de experimentos.

Todos utilizamos hipóteses para resolver problemas diários. Digamos, por exemplo, que a lanterna falhe durante um acam-pamento. Isso é uma observação. A questão óbvia: por que a lanterna não funciona? Duas hipóteses razoáveis, com base na experiência, seriam: (1) as pilhas da lanterna gastaram ou (2) a lâmpada queimou. Cada uma dessas hipóteses alternativas faz predições que podem ser testadas experimentalmente. Por exem-plo, a hipótese das pilhas esgotadas prediz que a troca por pilhas novas irá solucionar o problema. A Figura 1.24 apresenta um diagrama dessa pesquisa de campo. Raramente dissecamos nos-sos processos de pensamento dessa maneira quando resolvemos um problema utilizando hipóteses, predições e experimentos. A ciência com base em hipóteses claramente tem sua origem na tendência humana em descobrir as coisas por tentativa e erro.

Dedução: a lógica “se... então” da ciência com base em hipóteses

Um tipo de lógica denominada dedução fundamenta-se na ciên-cia com base na hipótese. A dedução contrasta com a indução, que, lembrando, é o raciocínio a partir de um conjunto de ob-servações específicas para chegar a uma conclusão geral. No ra-ciocínio dedutivo, a lógica flui na direção oposta, do geral para o específico. Partindo de premissas gerais, extrapolamos para os resultados específicos que deveríamos esperar se as premissas

fossem verdadeiras. Se todos os organismos são constituídos de células (premissa 1), e humanos são organismos (premissa 2), en-tão humanos são compostos de células (predição dedutiva sobre um caso específico).

Na ciência com base na hipótese, as deduções geralmente as-sumem a forma de predições de resultados experimentais ou ob-servacionais encontrados se uma determinada hipótese (premis-

Observações

Questão

Hipótese #1: Pilhas gastas

Hipótese #2: Lâmpada queimada

Predição: a troca das baterias irá solucionar o problema

Predição: a troca da lâmpada irá solucionar o problema

Testar predição Testar predição

O teste refuta a hipótese O teste não refuta a hipótese

Figura 1.24 � Exemplo da pesquisa com base em hipóteses em um acampamento.

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sa) estiver correta. Então testamos essa hipótese com a realização de experimentos ou observações para revelar se os resultados são previsíveis ou não. Esse teste dedutivo toma a forma de uma ló-gica do tipo “se... então”. No caso do exemplo da lanterna: Se a hipótese das pilhas esgotadas estiver correta, e você trocá-las por novas, então a lanterna irá funcionar.

Um olhar mais detalhado nas hipóteses da pesquisa científica

O exemplo da lanterna ilustra duas importantes qualidades das hipóteses científicas. Em primeiro lugar, a hipótese deve ser tes-tável; deve existir uma forma de se verificar a validade da ideia. Segundo, a hipótese deve ser refutável (provar que a hipótese está errada); deve haver uma observação ou um experimento capaz de revelar se a ideia não é verdadeira. A hipótese de que as pi-lhas descarregadas são a única causa da lanterna não funcionar poderia ser refutada ao trocarmos as pilhas velhas por novas e descobrir que a lanterna continua não funcionando. Nem todas as hipóteses seguem o critério da ciência: tente realizar um teste para refutar a hipótese de que assombrações do acampamento estejam brincando com a sua lanterna!

A pesquisa sobre a lanterna ilustra outro ponto essencial so-bre a ciência com base na hipótese. O ideal é estabelecer duas ou mais hipóteses alternativas e projetar experimentos para refutar as possíveis explicações. Além das duas explicações testadas na Figura 1.24, outra das muitas possíveis hipóteses alternativas seria de que tanto as pilhas quanto a lâmpada estejam comprometidas. O que essa hipótese prediz sobre o desfecho dos experimentos na Figura 1.24? Que experimento adicional você projetaria para testar esta hipótese de defeitos múltiplos?

Podemos explorar o cenário da lanterna com pelo menos ou-tra lição importante sobre a ciência com base em hipóteses. Embo-ra a hipótese da lâmpada queimada representar a explicação mais provável, note que o teste sustenta essa hipótese, não por sugerir que ela esteja correta, mas por não refutá-la. É possível que a lâm-pada estivesse apenas frouxa e a nova lâmpada tivesse sido inseri-da corretamente. Poderíamos tentar refutar a hipótese da lâmpa-da queimada ao tentar outro experimento: remover a lâmpada e reinstalá-la cuidadosamente. Mas nenhuma quantidade de testes experimentais é capaz de provar uma hipótese acima de qualquer dúvida, pois é impossível testar todas as hipóteses alternativas. Uma hipótese ganha credibilidade ao sobreviver às tentativas de refutá-la enquanto o teste elimina (refuta) hipóteses alternativas.

O mito da metodologia científica

O exemplo da lanterna na Figura 1.24 rastreia um processo ideal de pesquisa denominado método científico. Podemos reconhecer os elementos desse processo na maioria dos artigos de pesquisa publicados por cientistas, mas raramente numa forma tão bem estruturada. Pouquíssimas pesquisas científicas seguem rigi-damente a sequência de passos prescrita pelo “livro-texto” dos métodos científicos. Por exemplo, um cientista pode começar a projetar um experimento, mas então recuar ao ver que são ne-

cessárias mais observações. Em outros casos, observações intri-gantes simplesmente não provocam questões bem definidas até que outras pesquisas levem aquelas observações a outro contex-to. Por exemplo, Darwin colecionou espécimes de tentilhões das Galápagos, mas apenas muitos anos mais tarde, quando a ideia de seleção natural começou a fluir, é que biólogos começaram a formular questões cruciais sobre a história daqueles pássaros.

Além disso, os cientistas algumas vezes redirecionam a pesqui-sa ao se darem conta de que têm feito a pergunta errada. Por exem-plo, no início do século XX, grande parte da pesquisa envolvendo esquizofrenia e distúrbio maníaco-depressivo (hoje, denominado distúrbio bipolar) perdeu o rumo ao se fixar demais em como as experiências de vida podem causar esses distúrbios sérios. As pes-quisas sobre as causas e os possíveis tratamentos tornaram-se mais produtivas quando passaram a ser redirecionadas a como certos desequilíbrios químicos no cérebro contribuíam com doenças mentais. Sendo justos, reconhecemos que essas reviravoltas na pesquisa científica se tornam mais evidentes com a vantagem da perspectiva histórica.

Há ainda outra razão pela qual a ciência não necessita se ajus-tar com exatidão a um método específico de pesquisa: a ciência da descoberta tem contribuído muito para a nossa compreensão da natureza sem a maioria das etapas do assim chamado método científico.

É importante adquirir um pouco de experiência com o po-der do método científico – ao utilizá-lo em algumas pesquisas de laboratório em seu curso de biologia, por exemplo. É impor-tante também evitar a ciência de esteriótipo que pode travar este método.

Um estudo de caso em pesquisa científica: investigando o mimetismo em populações de cobrasAgora que já discutimos as características essenciais da ciência da descoberta e da ciência com base em hipóteses, você deve ser capaz de reconhecer essas formas de pesquisas em um estudo de caso científico real.

A história começa com um conjunto de observações e gene-ralizações da ciência da descoberta. Muitos animais venenosos têm coloração forte, geralmente com padrões distintos que se destacam na paisagem em que se encontram. Essa coloração se denomina coloração de alerta, pois aparentemente sinaliza “es-pécies perigosas” a potenciais predadores. Mas também existem mimetismos. Esses impostores se assemelham a espécies veneno-sas, mas na verdade são inofensivos. A pergunta que surge dessas observações é: qual a função desse mimetismo? Uma hipótese razoável seria de que esse “engano” seria uma adaptação evoluti-va que reduz o risco de animais inofensivos serem devorados, já que os predadores os confundiriam com animais venenosos. Essa hipótese foi formulada pela primeira vez pelo cientista britânico Henry Bates, em 1862.

Apesar da hipótese parecer um tanto óbvia, tem sido rela-tivamente dif ícil de ser testada, especialmente com experimen-

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tos de campo. Em 2001, os biólogos David e Karin Pfennig, da Universidade da Carolina do Norte, juntamente com o aluno de graduação William Harcombe, planejaram um simples e elegan-te conjunto de experimentos de campo para testar a hipótese de mimetismo de Bates.

A equipe investigou um caso de mimetismo em cobras que vivem na Carolina do Norte e na Carolina do Sul (Figura 1.25). Uma cobra venenosa denominada cobra-coral do leste tem co-loração de alerta: anéis grossos alternados em cor vermelha, amarela (ou branca) e preta. Predadores raramente atacam es-sas cobras. É pouco provável que predadores aprendam a evitar essas cobras por tentativa e erro, já que um primeiro encontro com uma cobra-coral é geralmente mortal. Em áreas onde vivem cobras-coral, a seleção natural parece ter aumentado a frequência de predadores que herdaram o instinto de evitar a coloração da cobra-coral. Uma cobra não venenosa denominada “falsa-coral” mimetiza a coloração anelada da cobra-coral.

Os dois tipos de cobras vivem nos dois Estados da Carolina, mas a distribuição geográfica da “falsa-coral” também se esten-de a regiões onde não existem cobras-coral (ver Figura 1.25). A distribuição geográfica das cobras possibilitou que se testasse o prognóstico básico da hipótese de mimetismo. Evitar cobras com

coloração de alerta é uma adaptação que esperamos somente em populações de predadores que evoluíram em áreas onde existem as corais venenosas. Portanto, o mimetismo deve ajudar a prote-ger as “falsas-corais” de predadores, mas apenas em regiões onde as cobras-coral também coexistam. A hipótese de mimetismo prediz que predadores adaptados à coloração de alerta das co-bras-coral atacarão “falsas-corais” com menor frequência do que predadores em áreas onde cobras-coral estejam ausentes.

Experimentos de campo com cobras artificiais

Para testar a predição, Harcombe produziu centenas de cobras ar-tificiais de arame coberto com plástico. Ele criou duas versões da cobra falsa: um grupo experimental com o padrão anelado verme-lho, preto e branco das “falsas-corais”; e um grupo controle de co-bras artificiais marrons como base de comparação (Figura 1.26).

Os pesquisadores posicionaram números iguais dos dois ti-pos de cobras artificiais em locais de campo em vários pontos da Carolina do Norte e da Carolina do Sul, incluindo a região onde as cobras-coral estão ausentes. Após quatro semanas, os cientis-tas recuperaram as cobras falsas e registraram quantas haviam sido atacadas, procurando marcas de mordida ou garras. Os pre-dadores mais comuns foram raposas, coiotes e uma espécie de quati da América do Norte, mas ursos pretos também atacaram algumas cobras falsas (ver Figura 1.26b).

Os dados se ajustaram à predição principal da hipótese de mimetismo. Em comparação às cobras artificiais marrons, as co-bras artificiais aneladas foram atacadas por predadores com me-nor frequência apenas em sítios de campo dentro da distribuição geográfica das cobras-coral venenosas. A Figura 1.27 resume os

(a) Falsa-coral artificial.

(b) Cobra marrom artificial atacada.

Figura 1.26 � Cobras artificiais utilizadas para testar a hipótese de mimetismo. É possível observar onde um urso mastigou a cobra mar-rom artificial em (b).

CHAVE

Distribuição exclusivada falsa-coral

Distribuição sobrepostada falsa-coral e da cobra-coral do leste

Falsa-coral (não venenosa)

Falsa-coral (não venenosa)

Cobra-coral do leste(venenosa)

Carolinado Norte

Carolinado Sul

Figura 1.25 � A distribuição geográfica de uma cobra venenosa e de sua impostora. A falsa-coral (Lampropeltis triangulum) mimetiza a coloração de alerta da venenosa cobra-coral do leste (Micrurus fulvius).

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experimentos de campo realizados pelos pesquisadores. Essa fi-gura também introduz o formato que iremos utilizar ao longo deste livro para outros exemplos de pesquisa biológica.

Planejando experimentos controlados

O experimento de mimetismo com a cobra é um exemplo de ex-perimento controlado, planejado para comparar um grupo ex-perimental (as “falsas-corais” artificiais, no caso) com um grupo controle (as cobras artificiais marrons). Idealmente, os grupos experimental e controle diferem somente em um único fator: aquele que o experimento foi desenhado para testar. Em nosso exemplo, o efeito da coloração da cobra no comportamento dos predadores. Sem o grupo controle, os pesquisadores não teriam sido capazes de descartar outros fatores como causas dos ataques mais frequentes às “falsas-corais” artificiais – como diferentes números de predadores ou diferentes temperaturas nas diferentes áreas-teste. O inteligente experimento planejado manteve a colo-ração como o único fator que poderia ser responsável pela baixa taxa de predação nas “falsas-corais” artificiais colocadas dentro da distribuição das cobras-coral. Não foi o número absoluto de ataques nas “falsas-corais” artificiais que contou, mas a diferença entre esse número e o número de ataques nas cobras marrons.

É comum o conceito errôneo de que o termo experimento controlado significa que cientistas controlam o ambiente experi-mental para manter tudo constante, exceto a variável sendo tes-tada. Mas isso é impossível na pesquisa de campo e não é realista nem mesmo em ambientes de laboratório altamente regulados. Pesquisadores geralmente “controlam” variáveis indesejadas não ao eliminá-las através do controle do ambiente, mas por anular seus efeitos ao utilizar grupos controle.

Limitações da ciênciaA pesquisa científica é uma forma poderosa de aprender sobre a natureza, mas existem limitações para os tipos de questões que ela pode responder. Esses limites são estabelecidos pelas exigências científicas de que as hipóteses sejam testáveis e refutáveis e de que as observações e os resultados experimentais sejam reproduzíveis.

Observações que não podem ser verificadas podem ser inte-ressantes ou mesmo divertidas, mas não podem servir como evi-dência em pesquisa científica. As manchetes de tabloides de no-tícias sensacionalistas fariam você acreditar que seres humanos ocasionalmente nascem com cabeça de cachorro e que alguns de seus colegas são extraterrestres. Os relatos de testemunhas ocula-res não confirmadas e as fotos computadorizadas são divertidas, mas não convincentes. Na ciência, evidências a partir de obser-vações e experimentos são convincentes somente se respeitam o critério de repetibilidade. Os cientistas que investigaram o mime-tismo das cobras nos dois Estados da Carolina obtiveram dados semelhantes quando repetiram os experimentos com espécies diferentes de cobras-coral e falsas-corais no Arizona. E qualquer pesquisador, inclusive você, deve ser capaz de obter resultados semelhantes ao repetir os experimentos com as cobras.

A ciência exige explicações naturais para fenômenos natu-rais. Por isso, ela não tem a capacidade de sustentar nem de re-

futar hipóteses de que anjos, fantasmas ou espíritos benevolen-tes ou malignos sejam responsáveis por tempestades, arco-íris, doenças ou curas. Essas explicações sobrenaturais simplesmente estão fora dos limites da ciência.

Figura 1.27 � PesquisaA presença de cobras-coral venenosas afeta as taxas de predação de quem as mimetiza (as falsas-corais)?

EXPERIMENTO David Pfennig e seus colegas confeccionaram cobras artificiais para testar uma predição da hipótese de mimetismo: as falsas-co-rais se beneficiam mimetizando a coloração de alerta de corais venenosas somente em regiões onde corais estão presentes. Os pesquisadores distri-buíram números iguais de falsas-corais artificiais (grupo experimental) e cobras marrons artificiais (grupo de controle) em 14 locais de campo, sen-do metade na área que as duas cobras coabitavam e metade na área onde as cobras-coral estavam ausentes. Os pesquisadores recolheram as cobras artificiais após quatro semanas e tabularam os dados de predação com base em marcas de dentes e garras.

RESULTADOS Em locais no campo onde cobras-coral estavam pre-sentes, a maioria dos ataques ocorreu nas cobras artificiais marrons. Onde cobras corais estavam ausentes, a maioria dos ataques ocorreu nas fal-sas-corais artificiais.

83% 84%

Cobras-coralausentes

17% 16%

Cobras-coralpresentes

20

0

40

60

80

100

Perc

entu

al d

o to

tal d

e at

aque

sem

cob

ras

artif

icia

is

Falsas-coraisartificiais

Cobras marrons artificiais

CONCLUSÃO Os experimentos de campo sustentam a hipótese de mimetismo não por refutar a predição de que a imitação de cobras-coral é efetiva somente onde cobras-coral estão presentes. Os experimentos tam-bém testaram uma hipótese alternativa: de que os predadores geralmente evitam todas as cobras com anéis de forte coloração. Essa hipótese foi refuta-da pelos dados que mostram que a coloração anelada falhou em repelir pre-dadores onde as corais estavam ausentes. (As falsas-corais artificiais podem ter sido atacadas com maior frequência nessas áreas porque seu padrão claro as tornou de visualização mais fácil do que as marrons artificiais).

FONTE D. W. Pfennig, W. R. Harcombe, e K. S. Pfennig, Frequency-de-pendent Batesian mimicry, Nature 410:323 (2001).

Pesquisa em ação Leia e analise o artigo original em pesquisa em ação: interpretando artigos científicos.

E SE...? Que resultados experimentais você preveria se predadores nos dois Estados da Carolina evitassem todas as cobras com padrões de colo-ração anelada colorida?

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Biologia 23

Teorias na ciência“É apenas uma teoria!” Nossa utilização diária do termo teo-ria geralmente implica uma especulação não testada. O termo teoria tem significado diferente em ciência. O que são teorias científicas e o quanto elas diferem de hipóteses ou de meras es-peculações?

Em primeiro lugar, teoria científica tem alcance muito mais abrangente do que uma hipótese. Esta é uma hipótese: “Mimeti-zar a coloração de cobras venenosas é uma adaptação que prote-ge cobras não venenosas de predadores”. Mas esta é uma teoria: “Adaptações evolutivas surgem por seleção natural”. A teoria de Darwin da seleção natural engloba uma grande diversidade de adaptações, incluindo o mimetismo.

Em segundo lugar, uma teoria é geral o suficiente para gerar muitas novas hipóteses específicas que podem ser testadas. Por exemplo, dois pesquisadores da Universidade de Princeton, Peter e Rosemary Grant, foram motivados pela teoria da seleção natural para testar a hipótese específica de que os bicos dos tentilhões de Galápagos evoluíram em resposta a mudanças nos tipos de alimen-to disponível. (Seus resultados sustentaram a hipótese; ver p. 468.)

Em terceiro lugar, comparada a qualquer outra hipótese, a teoria é geralmente sustentada por uma quantidade muito maior de evidências. As teorias que se tornam amplamente adotadas na ciência (como a teoria da seleção natural) explicam uma grande di-versidade de observações e são sustentadas por um vasto acúmulo de evidências. Na verdade, o exame minucioso de teorias continua por meio dos testes das hipóteses específicas refutáveis criadas.

Apesar da quantidade de evidências dando suporte a uma teoria amplamente aceita, os cientistas devem algumas vezes modificar ou mesmo rejeitar quando novos métodos de pesquisa produzem resultados que não se encaixam. Por exemplo, a teoria dos cinco reinos da diversidade biológica começou a cair quando novos métodos para comparar células e moléculas possibilitaram testar alguns dos parentescos hipotéticos entre organismos que se baseavam na teoria. Se existe “verdade” na ciência, ela é condi-cional, com base na preponderância das evidências disponíveis.

Construção de modelos em ciênciaVocê poderá trabalhar com muitos modelos no curso de biolo-gia este ano. Talvez você construirá um modelo representativo da divisão celular utilizando escovinhas de limpar cachimbos para representar os cromossomos. Ou talvez você utilize modelos ma-temáticos para prever o crescimento de populações bacterianas. Cientistas geralmente constroem modelos como representações de fenômenos naturais. Modelos científicos podem assumir vá-rias formas, incluindo diagramas (como a árvore evolutiva na Fi-gura 1.22), gráficos, objetos tridimensionais, programas de com-putador ou equações matemáticas.

A escolha do tipo mais apropriado de modelo depende do que precisa ser comunicado e explicado sobre o objeto, a ideia ou o processo que o modelo irá representar. Alguns modelos pre-cisam ser o mais parecido possível com a vida. Outros modelos são mais úteis sendo esquemas simples. Por exemplo, o diagrama

simples na Figura 1.28 representa bem um modelo de fluxo san-guíneo através das câmaras de um coração humano mesmo sem se assemelhar a um coração real. Um modelo de coração desen-volvido para auxiliar no treinamento de cirurgias cardíacas pare-ceria bem diferente. Seja qual for o desenho de um modelo, o seu sucesso depende do quanto ele se ajusta aos dados disponíveis, da facilidade para acomodar novas observações, da exatidão com que prevê desfecho de novos experimentos e observações, e da eficiência em comunicar seus objetivos.

A cultura da ciênciaFilmes e desenhos animados às vezes retratam solitários cientis-tas trabalhando em laboratórios isolados. Na realidade, a ciência é uma atividade social intensa. A maioria dos cientistas trabalha em grupos, que geralmente incluem alunos formados e de gradu-ação (Figura 1.29). E para ter sucesso na ciência, é de grande valia ser um bom orador e comunicador. Resultados de pesquisa não têm impacto algum até serem compartilhados com a comunidade científica, por meio de seminários, publicações e websites.

Figura 1.29 � A ciên-cia como processo so-cial. No seu laboratório na Universidade de Nova York, a bióloga de plan-tas Gloria Coruzzi ensina a uma estudante os mé-todos de biologia mole-cular.

Átriodireito

Docorpo

Para os pulmões

Dospulmões

Para o corpo

Ventrículodireito

Átrioesquerdo

Ventrículoesquerdo

Figura 1.28 � Um modelo do fluxo sanguíneo através das quatro câmaras do coração humano.

? O sangue capta oxigênio (e libera dióxido de carbono) nos pulmões e libera oxigênio (e capta dióxido de carbono) no resto do corpo. A par-

tir do modelo aqui apresentado, conjeture sobre o que aconteceria se hou-vesse um pequeno buraco entre os dois ventrículos.

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Tanto a cooperação quanto a competição caracterizam a cultura científica. Cientistas que trabalham no mesmo campo de pesquisa geralmente verificam as alegações dos outros gru-pos tentando confirmar observações ou repetir experimentos. E quando vários cientistas convergem para a mesma questão de pesquisa, há toda uma empolgação que lembra uma corrida. Cientistas gostam de serem os primeiros a fazer uma importante descoberta ou um experimento fundamental.

A comunidade biológica é parte da sociedade como um todo, inserida no meio cultural dos tempos. Por exemplo, a mudança de atitude na escolha da profissão aumentou a proporção de mulheres na biologia. Isso, por sua vez, mudou a ênfase para certos campos de pesquisa. Algumas décadas atrás, por exemplo, biólogos que estuda-vam o comportamento do acasalamento dos animais davam maior enfoque na competição entre os machos pelo acesso às fêmeas. Pes-quisas mais recentes, entretanto, enfatizam o papel importante que as fêmeas desempenham na escolha dos parceiros. Por exemplo, em muitas espécies de pássaros, as fêmeas preferem machos de colora-ção brilhante, que “atesta” o vigor masculino, comportamento que aumenta a probabilidade feminina de gerar prole saudável.

Alguns filósofos da ciência argumentam que cientistas são tão influenciados por valores culturais e políticos que a ciência não é mais objetiva que outras formas de entender a natureza. No outro extremo, pessoas falam de teorias científicas como se fossem leis naturais, em vez de interpretações humanas da na-tureza. A realidade da ciência fica provavelmente entre as duas – raramente de todo objetiva, mas continuamente checada por meio da expectativa de que observações e experimentos sejam reproduzíveis e hipóteses sejam testáveis e refutáveis.

Ciência, tecnologia e sociedadeA relação da ciência com a sociedade torna-se mais clara quando adicionamos a tecnologia ao panorama. Embora a ciência e a tec-nologia algumas vezes empreguem padrões similares de pesquisa, seus objetivos básicos diferem. O objetivo da ciência é entender fenômenos naturais. Em contraposição, a tecnologia geralmente aplica o conhecimento científico para certos propósitos específi-cos. Biólogos e outros cientistas geralmente falam de “descober-tas”, e engenheiros e outros tecnológos falam mais frequentemen-te de “invenções”. Entre os beneficiários dessas invenções estão os cientistas, que põem em prática novas tecnologias para trabalhar em suas pesquisas; o impacto da tecnologia da informação na biologia de sistemas é apenas um exemplo. Portanto, ciência e tecnologia são interdependentes.

A combinação potente da ciência e da tecnologia tem efeitos dramáticos na sociedade. Por exemplo, a descoberta da estrutura do DNA por Watson e Crick há meio século e os avanços posterio-res na ciência do DNA conduziram às tecnologias de engenharia do DNA que estão revolucionando muitos campos aplicados, incluin-do medicina, agricultura e medicina forense (Figura 1.30). Talvez Watson e Crick tenham imaginado que sua descoberta resultaria um dia em importantes aplicações, mas é improvável que pudessem predizer com precisão como seriam todas essas aplicações.

As direções que a tecnologia toma dependem menos da curio-sidade que move a ciência básica do que das necessidades e desejos atuais das pessoas e do ambiente social do período. Debates sobre tecnologia estão mais centrados no “convém fazer isto” do que “so-mos capazes de fazer isto”. Os avanços na tecnologia geram dif íceis escolhas. Por exemplo, sob quais circunstâncias é aceitável utilizar a tecnologia do DNA para descobrir se determinadas pessoas pos-suem genes para doenças hereditárias? Será que esses testes gené-ticos deveriam ser sempre voluntários, ou existem circunstâncias em que deveriam ser obrigatórios? Será que companhias de seguro e empregadores deveriam ter acesso às informações, assim como para muitos outros dados referentes à saúde pessoal?

Esses temas éticos têm a ver tanto com valores políticos, eco-nômicos e culturais quanto com ciência e tecnologia. Todos os cidadãos – não apenas cientistas profissionais – têm a respon-sabilidade de serem informados sobre como a ciência funciona e sobre os potenciais benef ícios e riscos da tecnologia. A relação entre ciência, tecnologia e sociedade aumenta a importância e valor de qualquer curso de biologia.

R E V I S Ã O D O C O N C E I T O

1. Compare raciocínio indutivo com raciocínio dedutivo. 2. Por que a seleção natural é considerada uma teoria? 3. E SE...? Supondo que você expandisse o experimento

de mimetismo da cobra a uma área da Virgínia onde não vive nenhum dos dois tipos de cobra. Que resultados você esperaria a campo?Ver as respostas sugeridas no Apêndice A.

Figura 1.30 � Tecnologia de DNA e investigação da cena do cri-me. Os técnicos forenses podem utilizar traços de DNA extraídos a partir de amostras de sangue ou outros tecidos do corpo coletados na cena do crime para produzir “impressões digitais” moleculares. As bandas coradas que você observa nessa figura representam fragmentos de DNA e o pa-drão de bandas varia de pessoa para pessoa.

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Biologia 25

RESUMO DOS CONCEITOS-CHAVE

1.1 Temas conectam os conceitos da biologia (p. 3-11)

� Evolução, o tema supremo da biologia A evo-lução é responsável pela uniformidade e pela diversidade da vida, assim como pela adaptabi-lidade dos organismos aos ambientes.� Tema: Novas propriedades emergem em cada nível da hierarquia biológica A hierarquia da vida ocorre na seguinte ordem: biosfera > ecossistema > comunidade > população > organismo > sistema de órgãos > órgão > te-cido > célula > organela > molécula > átomo. Para cada etapa “acima” dos átomos, novas

propriedades emergem como resultado da interação entre os componentes dos níveis inferiores. Em uma abordagem deno-minada reducionismo, sistemas complexos são desmembrados em componentes mais simples e mais fáceis de se estudar. Na biologia de sistemas, os cientistas produzem complexos mode-los de sistemas biológicos.

� Tema: Organismos interagem com o ambiente, intercambiando matéria e energia O ambiente de um organismo inclui outros organismos, assim como fatores não vivos. Enquanto os nutrientes químicos são reciclados dentro do ecossistema, a energia flui através do ecossis-tema. Todos os organismos devem executar trabalho, o que demanda energia. A energia flui da luz solar para produtores e destes para consumidores.� Tema: Estrutura e função estão correlacionadas em todos os níveis de organização biológica A forma da estrutura biológica é adequada à fun-ção e vice-versa.

� Tema: As células são as unidades básicas estru-turais e funcionais de um organismo A célula é o nível mais baixo de organização capaz de desempenhar todas as atividades necessárias para a vida. As células podem ser procarióticas ou eucarióticas. Células eucarióticas contêm organelas envoltas por membrana, incluindo um núcleo que abriga o DNA. Células proca-rióticas carecem de tais organelas.� Tema: A continuidade da vida beseia-se em informações herdáveis em forma de DNA A in-formação genética é codificada nas sequências nucleotídicas do DNA. É o DNA que trans-mite informações hereditárias dos pais para os filhos. Sequências de DNA programam a produção proteica celular aos serem transcritas em RNA e então traduzidas em proteínas es-pecíficas. O RNA não traduzido em proteína é utilizado para outras funções importantes.

� Tema: Mecanismos de retroalimentação regu-lam os sistemas biológicos Na retroalimentação negativa, o acúmulo do produto final desace-lera o processo que produz aquele produto. Na retroalimentação positiva, o produto final estimula a produção de mais produto. A retro-alimentação é um tipo de regulação comum em todos os níveis da vida, desde moléculas até ecossistemas.

1.2 O tema central: A evolução é responsável pela uniformidade e pela diversidade da vida (p. 12-18)

Organizando a diversidade da vida � Biólogos classificam as espé-cies segundo um sistema de grupos cada vez mais abrangentes. O domínio Bacteria e o domínio Archaea consistem em pro-cariotos. O domínio Eukarya, os eucariotos, inclui os vários reinos protistas e os reinos Plantae, Fungi e Animália. Apesar da imensa diversidade, há também evidência de surpreendente uniformidade, revelada nas semelhanças entre diferentes tipos de organismos.Charles Darwin e a teoria da seleção natural � Darwin propôs a se-leção natural como o mecanismo para a adaptação evolutiva das populações a seus ambientes.

População de organismos

Fatores ambientais

Variações hereditárias

Superprodução e competição

Diferenças no sucessoreprodutivo de indivíduos

Evolução de adaptações na população

A árvore da vida � Cada espécie é um pequeno ramo de uma árvo-re da vida cujos galhos se estendem de volta no tempo até espé-cies ancestrais cada vez mais remotas. Toda a vida é conectada através da sua longa história evolutiva.

1.3 Os cientistas utilizam duas formas principais de pesquisa no estudo da natureza (p. 18-24)

A ciência da descoberta � Na ciência da descoberta, cientistas ob-servam e descrevem alguns aspectos do mundo e utilizam racio-cínio indutivo para formular conclusões gerais.Ciência com base em hipóteses � Com base em observações, os cientistas propõem hipóteses que levam a predições. Então tes-

Revisão do Capítulo 1

Produtores

Consumidores

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26 Campbell & Cols.

tam as hipóteses ao verificarem se as predições são verdadeiras. O raciocínio dedutivo é utilizado no teste das hipóteses: se uma hipótese estiver correta, e nós a testamos, então podemos espe-rar um resultado em especial. Hipóteses devem obrigatoriamen-te ser testáveis e refutáveis.Um estudo de caso em pesquisa científica: investigando o mimetis- �

mo em populações de cobras Experimentos devem ser planejados para demonstrar o efeito de uma variável testando-se grupos con-trole e grupos experimentais que diferem em apenas uma variável.Limitações da ciência � A ciência não admite a possibilidade de fenômenos sobrenaturais. As hipóteses devem ser testáveis e refutáveis, e observações e resultados experimentais devem ser reproduzíveis.Teorias na ciência � Uma teoria científica é ampla em alcance, gera novas hipóteses e é sustentada por uma grande quantidade de evidências.Construção de modelos em ciência � Modelos de ideias, estruturas e processos nos ajudam a compreender fenômenos científicos e a fazer predições.A cultura da ciência � A ciência é uma atividade social caracteriza-da tanto pela cooperação quanto pela competição.Ciência, tecnologia e sociedade � A tecnologia é um método ou maquinária que aplica conhecimento científico para propósitos mais específicos.

TESTE SEU CONHECIMENTO

1. Todos os organismos no seu campus formama. um ecossistema.b. uma comunidade.c. uma população.d. um grupo experimental.e. um domínio taxonômico.

2. Qual é a sequência correta de níveis na hierarquia da vida, indo para baixo a partir de um animal individual?a. cérebro, sistema de órgãos, célula nervosa, tecido nervoso.b. sistema de órgãos, tecido nervoso, cérebro.c. organismo, sistema de órgãos, tecido, célula, órgão.d. sistema nervoso, cérebro, tecido nervoso, célula nervosa.e. sistema de órgãos, tecido, molécula, célula.

3. Qual das seguintes não é uma observação ou inferência em que a teoria da seleção natural de Darwin se baseia?a. animais pouco adaptados nunca produzem prole.b. há variação hereditária entre indivíduos.c. devido à superprodução de prole, há competição por recur-

sos limitados.d. indivíduos cujas características hereditárias lhes favorecem a

certo ambiente geralmente produzirão mais descendentes.e. uma população pode adaptar-se ao ambiente.

4. Biologia de sistemas é basicamente uma tentativa dea. compreender a integração de todos os níveis de organização

biológica de moléculas até a biosfera.b. simplificar problemas complexos ao reduzir o sistema a uni-

dades menores e menos complexas.c. construir modelos do comportamento de sistemas biológi-

cos integrais.

d. construir aparelhos de “alta processividade” para a rápida aquisição de dados biológicos.

e. aumentar a aplicação tecnológica de conhecimento científico. 5. Protistas e bactérias são agrupados em diferentes domínios,

pois:a. protistas comem bactérias.b. bactérias não são constituídas de células.c. protistas têm um núcleo envolto por membrana, do qual as

células bacterianas carecem.d. bactérias decompõem protistas.e. protistas são fotossintéticos.

6. Qual das seguintes melhor demonstra a uniformidade entre to-dos os organismos?a. comparando sequências nucleotídicas de DNA.b. descendência com modificação.c. a estrutura e função do DNA.d. seleção natural.e. propriedades emergentes.

7. Qual das alternativas seguintes é um exemplo de dado qualita-tivo?a. a temperatura decresceu de 20ºC para 15ºC.b. a planta mede 25 centímetros de altura.c. o peixe nadou em movimentos de zigue zague.d. os seis pares de pardais chocaram em média três filhotes

cada par.e. o conteúdo do estômago é misturado a cada 20 segundos.

8. Qual das seguintes alternativas descreve melhor a lógica da ciência com base em hipóteses?a. se eu gerar uma hipótese testável, testes e observação irão

sustentá-la.b. se minha predição estiver correta, ela me levará a uma hipó-

tese testável.c. se minhas observações estiverem precisas, elas irão susten-

tar minha hipótese.d. se minha hipótese estiver correta, eu posso esperar certos

resultados do teste.e. se meus experimentos forem adequados, levarão a uma hi-

pótese testável. 9. Um experimento controlado

a. progride de forma lenta o suficiente para que um cientista possa fazer registros dos resultados cuidadosamente.

b. pode incluir grupos experimentais e grupos controle parale-lamente testados.

c. é repetido muitas vezes para garantir a precisão dos resul-tados.

d. mantém todas as variáveis ambientais constantes.e. é supervisionado por um cientista experiente.

10. Na ciência, qual das seguintes afirmações melhor distingue hi-póteses de teorias?a. teorias são hipóteses comprovadas.b. hipóteses são palpites; teorias são respostas corretas.c. hipóteses são, em geral, relativamente restritas em alcance;

teorias têm amplo poder explicativo.d. hipóteses e teorias são essencialmente a mesma coisa.e. teorias são comprováveis em todos os casos; hipóteses são

geralmente refutadas por testes.

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Biologia 27

11. DESENHE Com riscos simples, desenhe uma hierarquia bioló-gica similar à da Figura 1.4, mas utilizando um recife de coral como ecossistema, um peixe como organismo, o estômago do peixe como órgão e o DNA como a molécula. Inclua todos os níveis na hierarquia.

Para as respostas do teste, ver no Apêndice A.

CONEXÃO EVOLUTIVA

12. Uma típica célula procariótica tem aproximadamente 3.000 genes no seu DNA, e uma célula humana tem cerca de 25.000 genes. Cerca de 1.000 desses genes estão presentes nos dois ti-pos de células. Com base em sua compreensão sobre evolução, explique como organismos tão diferentes podem ter esse mes-mo conjunto de genes. Que tipo de funções podem ter esses genes?

PESQUISA CIENTÍFICA

13. Com base nos resultados do estudo de caso de mimetismo de cobras, sugira outra hipótese que os cientistas possam utilizar para estender a investigação.

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

14. Os frutos de espécies selvagens de tomate são diminutos quan-do comparados aos tomates gigantes que dispomos atualmente. Essa diferença no tamanho da fruta se deve basicamente ao grande número de células na fruta cultivada. Biólogos molecu-lares vegetais descobriram recentemente genes responsáveis por controlar a divisão celular em tomates. Como essa desco-berta poderia ser importante para produtores de outros tipos de frutas e vegetais? E para o estudo do desenvolvimento hu-mano e doenças? E para nossa compreensão básica de biologia?