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Livro 01 - Indiana Jones e Os Cacadores Da Arca Perdi - Campbell Black

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Em 1936 o arqueologo Indiana Jones é enviado pelo governo dos EUA para encontrar a Arca da Aliança que, segundo as escrituras, conteria Os dez Mandamentos que Moises trouxe do Monte Sinai. Mas como a lenda diz que o exercito que a possuir será invencível, Indiana Jones terá como adversário na busca pela arca perdida o exército nazista, em missão a mando próprio do Adolf Hitler.

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  • ndiceCaptulo I - Amrica do Sul, 1936Captulo II - BerlimCaptulo III - ConnecticutCaptulo IV - Berchtesgaden, AlemanhaCaptulo V - NepalCaptulo VI - As Escavaes em Tnis, EgitoCaptulo VII - CairoCaptulo VIII - CairoCaptulo IX - As Escavaes de Tnis, EgitoCaptulo X - As Escavaes de Tnis, EgitoCaptulo XI - MediterrneoCaptulo XII - Uma Ilha No MediterrneoCaptulo XIII - Eplogo

  • 1AMRICA DO SUL, 1936

    A selva era uma mancha verde-escura, sombria e ameaadora. A rstia de sol quepassava entre altas barreiras de ramos e trepadeiras torcidas era plida, esbranquiada. O ar,quente e abafado, criava um muro de umidade. Pssaros gritavam em pnico, como setivessem sido apanhados subitamente numa gaiola gigantesca. Insetos cintilantes corriamdebaixo dos ps, animais agitavam-se e guinchavam na folhagem.

    Primitivamente o lugar devia ter sido um terreno perdido, um ponto no assinalado nomapa, inexplorado - o confim do mundo.

    Oito homens avanavam lentamente ao longo de uma trilha, parando de vez em quandopara cortar uma liana pendente ou decepar um ramo suspenso. frente deste grupo seguiaum homem alto com um casaco de couro e um chapu de feltro com abas.

    Atrs dele iam dois peruanos, que observavam a selva com prudncia, e cinco ndiosQuechua, nervosos, que se esforavam por dominar um par de burros que transportavam omaterial e os mantimentos.

    O homem que chefiava o grupo chamava-se Indiana Jones. Era musculoso, quase comoum atleta que ainda est no seu auge.

    Tinha uma barba loira e suja de vrios dias e riscas de suor escuro num rosto que deviater sido belo com uma expresso dcil, fotognica. J havia porm pequenas rugas em voltados olhos, dos cantos da boca, transformando a beleza quase suave numa expresso decarter, gravidade. Era como se os contornos da sua experincia tivessem comeado,lentamente, a definir o seu aspecto.

    Indy Jones no andava com a mesma cautela dos dois peruanos - a sua confiana faziaparecer que ele era o nativo, e no eles. Mas a sua arrogncia no diminua o sentido dealerta.

    Conhecia o suficiente para olhar ocasionalmente, quase imperceptivelmente, de um ladopara o outro, na expectativa de a selva revelar uma ameaa, um perigo, de um momento parao outro. O afastar sbito de um ramo ou o estalido de madeira apodrecida - esses eram ossinais, os pontos na sua bssola de perigo. s vezes parava, tirava o chapu, limpava o suorda testa e perguntava a si mesmo o que o incomodava mais - se era a umidade ou onervosismo dos Quechuas. Muitas vezes falavam acaloradamente uns com os outros emexploses naquela lngua estranha, uma lngua que fazia lembrar a Indy os sons das aves daselva, criaturas da folhagem impenetrvel, das nvoas recorrentes.

    Ele virou-se e olhou para os dois peruanos, Barranca e Satipo, e compreendeu quedepositava pouca confiana neles e que no entanto, era obrigado a depender deles para tirardaquela selva aquilo que queria.

    "Mas que grupo", pensou. "Dois peruanos furtivos, cinco ndios aterrorizados e doisburros obstinados. E eu sou o chefe, que teria melhores resultados com um grupo deescoteiros.

    Indy virou-se para Bananca e, embora soubesse qual seria a resposta,perguntou:

  • - O que os ndios esto dizendo?Bananca parecia irritado.- O mesmo de sempre, Senhor Jones. A maldio. Sempre a maldio.Indy encolheu os ombros e fitou os ndios. Indy compreendia as suas supersties, as

    suas crenas, e, de certo modo, aceitava-as. A maldio - antiga maldio do templo dosGuerreiros Chachapoyan. Os Quechuas tinham sido criados com ela; era intrnseca ao seusistema de crenas.

    Ele disse:- Diz para eles se calarem, Barranca. Diz que no acontecer nada de mau a eles.O blsamo das palavras. Sentia-se como um curandeiro a administrar uma dose de um

    soro no experimentado. Como diabo podia saber que nada de mau lhes aconteceria?Barranca observou Indy por instantes, depois falou com dureza aos ndios e estes

    ficaram calados por algum tempo - um silncio de medo reprimido. Mais uma vez, Indy sentiupena deles. Palavras vagas de consolo no podiam fazer desaparecer sculos de superstio.Ps de novo o chapu e avanou devagar pela trilha, infestada dos odores da selva, doscheiros das coisas que cresciam e de outras que apodreciam, carcaas antigas cheias demoscas varejeiras, madeira em putrefao, vegetao quase morta.

    "Podia pensar em melhores lugares que este.", pensou "Podias pensar em lugares maisagradveis." E ento comeou a se interrogar sobre Forrestal, imaginando-o caminhando aolongo daquela mesma trilha h anos, imaginando a febre no sangue de Forrestal quando estese aproximou do Templo. Mas Forrestal, um excelente arquelogo, no voltara da viagemquele lugar. Fossem quais fossem os segredos que estivessem encerrados naquele Temploainda estavam l por desvendar.

    Infeliz Forrestal. Morrer naquele lugar isolado era um terrvel epitfio. No era esse queIndy queria.

    Recomeou a caminhada ao longo da trilha, seguido pelo grupo. Naquele ponto a selvaestendia-se num vale profundo e a trilha atravessava o desfiladeiro como uma antiga cicatriz.Nvoas j se erguiam do solo, vapores que ele sabia que se tornariam mais cerrados, maisdensos, medida que as horas passassem. As nvoas ficariam presas naquele desfiladeirocomo se fossem teias de aranha tecidas pelas prprias rvores.

    Uma enorme arara, colorida como um arco-ris, saiu da vegetao rasteira soltando umgrito e desaparecendo no meio das rvores, assustando-o momentaneamente. Ento os ndiosrecomearam a tagarelar, a gesticular freneticamente com as mos, agitando-se. Barranca sevirou e os silenciou com uma ordem violenta, mas Indy sabia que seria cada vez mais difcilmant-los sob qualquer tipo de controle. Sentia a ansiedade com a mesma certeza com quesentia a umidade fazendo presso na carne.

    Alm disso, os ndios preocupavam-no menos que a crescente desconfiana nos doisperuanos. Sobretudo Barranca. Era um instinto profundo, aquele em que sempre confiava, umaintuio que sentira quase durante toda a viagem. Mas agora era mais forte: Sabia que lhecortariam a garganta por alguns amendoins salgados.

    "J no falta muito", disse para si mesmo.

  • E quando percebeu que estava prximo do templo, quando entendeu como estava pertodo dolo dos Chachapoyans, sentiu uma vez mais a adrenalina a subir: a concretizao de umsonho, um juramento antigo que fizera a si mesmo, um compromisso que assumira quando eraum principiante em arqueologia. Era como se recuasse quinze anos ao passado, ao sentido deadmirao familiar, ao impulso obsessivo de compreender os lugares obscuros da Histria,que a princpio o tinham entusiasmado em relao arqueologia. "Um sonho", pensou. "Umsonho que tomava forma, deixando de ser uma coisa nebulosa para se tornar tangvel. E agorapodia sentir a proximidade do Templo, senti-la nos ossos."

    Ele parou e escutou os ndios a tagarelar de novo. Eles tambm sabem. Sabem que jestamos perto." E isso os atemoriza.

    Entre as rvores havia uma fenda na barreira do desfiladeiro. A trilha mal se via: ficaratapada com plantas trepadeiras, abafada por ervas bulbosas que rastejavam sobre razes,razes que tinham o aspecto de ramificaes de esporos flutuantes que andavam deriva noespao, fixando-se ali por simples capricho.

    Indy cortou-as num movimento amplo do brao, para que a faca de lmina largaderrubasse os obstculos como se fossem apenas folhas fibrosas. "Maldita selva. No deviapermitir que a natureza, mesmo nos seus aspectos mais perversos, mais selvagens, tevencesse." Quando parou estava encharcado de suor e os msculos doam. Mas sentiu-sebem quando olhou para as trepadeiras cortadas, as razes rachadas. E ento percebeu aneblina que ficava mais cerrada, no era uma neblina fria, glida, mas qualquer coisaproveniente do suor da prpria selva. Conteve a respirao e atravessou a passagem.

    Vislumbrou-o quando chegou ao fim da trilha. L estava ele. L ao longe, oculto porrvores densas, o Templo.

    Sentiu-se arrebatado durante um segundo por estranhos laos da histria; era umasensao de permanncia, um contnuo que tornava possvel que algum chamado IndianaJones estivesse vivo no ano de 1936 e visse uma construo que fora erigida h dois mil anos.Receoso, Dominado, Uma sensao de humildade.

    Nenhuma daquelas descries era realmente correta. Aquela excitao era indescritvel.Durante algum tempo foi incapaz de proferir uma palavra.Contemplou o edifcio e maravilhou-se com a energia que fora necessria para construir

    uma estrutura como aquela no corao de uma selva implacvel.Ento foi despertado para o presente pelos gritos dos ndios, virou-se e viu os ndios

    fugindo pela trilha abaixo, deixando os burros para trs.Barranca tirara a pistola do coldre e apontava para os ndios em fuga, mas Indy agarrou

    o pulso do homem, torceu-o um pouco, rodou o peruano para o olhar de frente.- No ele disse.Barranca olhou-o com ar acusador.- So uns covardes, Senhor Jones.- No precisamos deles - disse Indy. - E no temos necessidade de os matar.O peruano baixou a pistola, lanou um olhar ao companheiro, Satipo, e olhou novamente

    Indy.

  • - Sem os ndios, senhor, quem transportar os mantimentos? No ficou estipulado nonosso acordo que Satipo e eu fizssemos trabalho subalterno, no ?

    Indy observou o peruano, vendo a frieza no centro dos olhos negros do homem. Nemconseguia imagin-lo a sorrir. No era capaz de imaginar que a luz do dia alcanasse a almade Barranca. Indy lembrou-se de que j vira uns olhos mortos como aqueles: num tubaro.

    - Deixamos os mantimentos. Assim que tivermos aquilo que nos trouxe aqui, podemosregressar ao avio ao anoitecer. Agora no precisamos de mantimentos.

    Barranca abanava a pistola com nervosismo. "Um tipo que gosta de puxar o gatilho.",pensou Indy. "Para ele, trs ndios mortos no faziam qualquer diferena.

    - Guarde a arma - disse Indy. - As pistolas no contam comigo, Barranca, a menos quetenha o dedo no gatilho.

    Barranca encolheu os ombros e olhou para Satipo; estabeleceu-se entre eles umaespcie de comunicao silenciosa. Indy sabia que escolheriam o momento. Agiriam nomomento certo. - Meta-a no cinto, est bem? - ordenou Indy.

    Lanou o olhar para os dois ndios, colocados nos seus lugares por Satipo. Tinhamexpresses patticas de medo nos rostos; pareciam embrutecidos.

    Indy virou-se na direo do Templo, contemplando, saboreando o momento. As nvoasadensavam-se no local, uma conspirao da natureza, como se a selva tencionasse guardarpara sempre os seus segredos.

    Satipo abaixou-se e arrancou alguma coisa da casca de uma rvore. Estendeu a mo aIndy. No centro da palma estava uma flecha minscula.

    - Hovitos - disse Satipo. - O veneno ainda est fresco... Trs dias, Senhor Jones. Devemestar nos seguindo.

    - Se soubessem que estamos aqui, j teriam nos matado. - disse Indy calmamente.Ele pegou a flecha. Tosca mas eficaz. Lembrou-se dos Hoviis, da sua lendria

    ferocidade, da sua ligao histrica ao Templo. Eram suficientemente supersticiosos para semanterem afastados do prprio Templo, mas indubitavelmente invejosos para matarem quemquer que l fosse.

    - Vamos. - disse ele. - Acabemos com isto.Tiveram que golpear e dar cutiladas de novo, cortar e fender as trepadeiras

    elaboradamente emaranhadas, arrancar as plantas que se erguiam do cho como elos decorrentes espera da presa. Suando, Indy parou; largou a faca e a deixou balanando juntoao ventre. Percebeu pelo canto do olho que um dos ndios erguia um ramo grosso. Foi o gritoque o fez rodar subitamente, j com a faca no ar. Foi o grito estridente do ndio que o fezcorrer para o ramo no momento em que o Quechua, ainda berrando, fugia e desaparecia naselva. O outro ndio seguiu depois, tropeando, tomado de pnico, nos ramos cheios de farpase trepadeiras cortantes. Ambos desapareceram. Indy, com a faca em riste, levantou o ramoque tanto assustara os ndios. Estava pronto para saltar sobre aquilo que os aterrorizara,pronto para atacar com a lmina.

    Afastou o ramo. Este caiu na nvoa rodopiante.Esculpida em pedra, sem tempo, era um rosto, a fico de um pesadelo tenebroso, era

  • uma escultura de um demnio Chachapoyan. Observou-o um segundo, consciente damalevolncia do rosto imutvel, e compreendeu que fora ali colocado para guardar o templo,para afugentar quem pudesse passar por l.

    "Uma obra de arte.", pensou, e interrogou-se por instantes sobre os seus criadores, oseu sistema de crenas, sobre o tipo de temor religioso que poderia ter inspirado algo tohorrvel como aquela esttua. Fez um esforo para estender a mo e tocar no ombro dodemnio de leve.

    Ento percebeu outra coisa, uma coisa que era mais perturbadora que o rosto de pedra.Mais arrepiante.

    O silncio.O silncio arrepiante.Nada. Nem pssaros. Nem insetos. Nem uma brisa para vibrar os sons das rvores.

    Nada. Como se tudo naquele lugar estivesse morto. Como se tudo tivesse sido acalmado,silenciado por uma mo terrvel, destrutiva. Tocou na testa.

    Suor frio, muito frio. "Espectros", pensou. "O lugar est cheio de espectros." Aquele eraum silncio que se poderia imaginar antes da criao.

    Ele afastou-se da figura de pedra, seguido pelos dois peruanos, que pareciamestranhamente dominados.

    - Pelo amor de Deus, o que ? - perguntou Barranca.Indy encolheu os ombros.- Ah, alguma bugiganga antiga. Que mais poderia ser? Cada casa Chachapoyan devia

    ter uma, no sabia?Barranca estava com ar carregado.- s vezes parece levar isto na brincadeira, Senhor Jones.- Existe outra forma?A nvoa arrastava-se, rolava, prendia, dando a impresso que vergava os trs homens.

    Indy espreitou por entre os vapores olhando fixamente para a entrada do templo, para osfrisos elaboradamente primitivos que cederam vegetao com a passagem do tempo, aoemaranhado de arbustos, folhas, trepadeiras. Mas aquilo que mais o surpreendeu foi a entradaescura, redonda e aberta, como a boca de um cadver.

    Lembrou-se de Forrestal entrando naquela abertura escura, indo de encontro morte.Pobre homem.

    Barranca olhou fixamente para a entrada.- Como podemos confiar em voc, Senhor Jones? Nunca saiu daqui uma pessoa com

    vida. Por que que devemos depositar a nossa confiana em voc?Indy sorriu ao peruano.- Barranca, Barranca... Tem de aprender que at um americano miservel por vezes diz

    a verdade, hein?Tirou um pergaminho dobrado do bolso da camisa. Fitou os rostos dos peruanos. As

  • suas expresses eram transparentes, expresses de desmesurada cobia. Indy perguntou a simesmo de quem tinham cortado as gargantas para que aqueles dois viles conseguissem ficarcom outra metade.

    - Isto, Barranca, dever tomar conta da vossa parte. - e estendeu o pergaminho nocho.

    Satipo tirou um pedao de pergaminho semelhante do bolso colocou-o ao lado daqueleque Indy apresentara. As duas partes encaixavam perfeitamente. Durante algum temponingum falou; chegaram ao limiar da prudncia, Indy sabia - e esperou, tenso, que algoacontecesse.

    - Ento, amigos - disse ele. - Somos scios. Temos aquilo que poderamos chamarnecessidades mtuas. Ns temos um mapa completo do plano do pavimento do Templo.Temos aquilo que jamais ningum teve. Agora, partindo do princpio de que aquele pilarassinala o canto...

    Antes que ele pudesse concluir a frase, viu, como se fosse um filme em cmera lenta,Barranca colocando a mo na pistola. Viu a mo pequena e morena agarrando a coronha daarma prateada. Depois ele ps-se em movimento. Indiana Jones moveu-se com uma rapidezque o peruano no poderia acompanhar; os seus movimentos eram uma mancha, afastou-sede Barranca e, metendo a mo na parte de trs do casaco de couro, tirou um chicoteenrolado, com a mo presa ao cabo. Os movimentos tornaram-se lquidos, uma exibio fluidae graciosa de msculo, prumo e equilbrio, dando a impresso de que o brao e o chicoteeram uma coisa s, extenses um do outro. Agitou o chicote, rasgando o ar, vendo-o enrolar-se ao pulso de Barranca. Em seguida deu um puxo para baixo, apertando mais, e a armasoltou-se caindo no cho. O peruano ficou imvel por instantes, num misto de confuso, dor edio, detestando o fato de ter sido superado, humilhado. E ento, quando o chicote em redordo pulso ficou lasso, Barranca virou-se e correu, fugindo atrs dos ndios e desaparecendo naselva.

    Indy virou-se para Satipo. O homem ergueu as mos no ar.- Senhor, por favor - disse ele. - Eu no sabia de nada, nada deste plano. Ele louco.

    um louco. Por favor, Senhor.Acredite em mim.Indy observou-o por instantes, depois acenou com a cabea e pegou nas partes do

    mapa.- Pode baixar as mos, Satipo.O peruano parecia aliviado e baixou os braos sem graa. - Temos a planta do

    pavimento - disse Indy. - Por que esperamos?E virou-se na direo da entrada do Templo.O odor era o do cheiro dos sculos, os cheiros presos de animais, de silncio e

    escurido, da umidade da floresta que se infiltrava, do apodrecimento de plantas. Gotejavagua do teto, deslizava por entre os musgos que l tinham brotado. A passagem sussurravacom a fuga das garras de animais roedores.

    E o ar - o ar era surpreendentemente frio, intocado pela luz do sol, ensombrado parasempre. "Sons estranhos", pensou ele.

  • Uma agitao dos mortos. Por momentos, teve a sensao de estar no lugar errado notempo errado, como um saqueador, um espoliador, algum decidido a danificar coisas queestavam em paz h tempo demais.

    Ele conhecia bem a sensao, uma percepo de maldade.No era o tipo de emoo que gostava de sentir porque era como ter um convidado

    enfadonho num jantar de festa decente. Viu a sua sombra mover-se luz do archote queSatipo empunhava.

    A passagem tornava-se mais sinuosa medida que se avanava no interior do Templo.De vez em quando Indy parava e olhava para o mapa, luz do archote, procurando lembrar-sedos pormenores da planta. Queria beber, a garganta estava seca, a lngua ressequida - masno queria parar. Ouvia um tique-taque no crnio, e cada batida lhe dizia, "no tens tempo, notens tempo...

    Os dois homens passaram por salincias talhadas nas paredes.Aqui e ali Indy parava e examinava artefatos que estavam colocados nas salincias.

    Observava-os excluindo alguns com percia, metendo outros nos bolsos. Moedas pequenas,minsculos medalhes, peas de barro suficientemente pequenas para as transportar. Sabia oque era valioso e o que no era.

    Mas no eram nada comparados com aquilo que realmente o levara ali - o dolo.Passou a caminhar mais depressa com o peruano a correr atrs dele, ofegante,

    enquanto procurava acompanhar a passada.E ento Indy deteve-se subitamente.- Por que paramos? - perguntou Satipo, com um tom de voz como se tivesse os pulmes

    a arder.Indy no respondeu, ficou imvel, quase sem respirar.Satipo, confuso, deu um passo na direo de Indy, ia tocar-lhe no brao, mas tambm

    parou e ficou com a mo no ar.Uma enorme tarntula preta rastejava pelas costas de Indy.Exasperadamente devagar, Indy sentiu as patas aproximarem-se da pele do pescoo

    descoberto. Esperou, o que parecia ser uma eternidade, at sentir a horrvel criatura parar noombro.

    Sentiu o pnico de Satipo, sentiu o desejo do homem de gritar e saltar.Sabia que tinha de ser rpido, mas certeiro para que Satipo no fugisse. Indy, com um

    movimento suave, deitou a mo ao ombro e fez saltar a criatura que desapareceu nassombras.

    Aliviado, comeou a avanar mas ouviu o gemido de Satipo e, ao virar-se, viu mais duasaranhas caindo no brao do peruano.

    Instintivamente, o chicote de Indy saiu rapidamente das sombras, atirando as criaturasao cho. Sem demora, Indy atacou as aranhas em fuga, esmagando-as com a bota. Satipoempalideceu, prestes a desmaiar. Indy agarrou, segurando-o pelo brao at ficar firme. Eento o arquelogo apontou na direo do corredor para uma pequena cmara em frente, uma

  • cmara que estava iluminada por um nico raio de sol que entrava por um buraco no teto.Esqueceram-se das tarntulas;

    Indy sabia que mais perigos o esperavam.- J chega, Senhor - disse Satipo, ofegante. - Voltaremos.Mas Indy no disse nada. Continuou a contemplar a cmara, com o esprito j

    trabalhando, idealizando, a imaginao ajudando-o a entrar no esprito das pessoas que tinhamconstrudo aquele lugar h tanto tempo. "Eles queriam proteger o tesouro do templo", pensou."Queriam erguer barricadas, armadilhas, para terem a certeza de que nenhum estranho jamaisatingiria o centro do templo.", Aproximou-se da entrada, movendo-se com a prudncia instintivado caador que sente o perigo no vento, que sente o perigo antes de poder ver sinais dele.Baixou-se, tateou no cho, descobriu a haste de uma planta, levantou-a - depois esticou o laoe atirou a haste para dentro da cmara. Numa frao de segundo nada aconteceu.

    E depois ouviu-se um zumbido fraco, e as paredes da cmara abriram-se bruscamentecomo gigantescos espiges de metal, como as mandbulas de um tubaro incrvel, que sejuntaram com estrondo no centro da cmara. Indiana Jones sorriu, apreciando os esforos dosautores do Templo, a astcia daquela horrvel armadilha. O peruano praguejou, ofegante,estarrecido. Indy preparava-se para dizer uma coisa quando notou um objeto empalado nosenormes espiges. Levou apenas um instante para perceber a natureza daquilo que foratrespassado pelo metal cortante.

    - Forrestal.Metade esqueleto. Metade carne. O rosto grotescamente preservado pela temperatura

    da cmara, a surpresa e o sofrimento ainda visveis, como se tivesse sido deixado intactocomo um aviso para quem quisesse entrar na sala.

    Forrestal, com o peito e a virilha trespassados, sangue escurecido na roupa caqui,manchas de morte. "Meu Deus!", pensou Indy. "Ningum merecia uma morte como aquela.Ningum.

    Sentiu um segundo de tristeza."Foi cair nela, companheiro. Estava sozinho. Devia ter ficado na sala de aula." Indy

    fechou os olhos por instantes, depois entrou na cmara e arrancou os restos do homem daspontas dos espiges, colocando o cadver no cho.

    - Conhecia esta pessoa? - perguntou Satipo.- Sim, conhecia.O peruano fez de novo o sinal da cruz.- Creio, Senhor, que no devamos avanar.- No deixaria que uma coisa insignificante como esta o desencorajasse, no , Satipo? -

    ento Indy no falou durante algum tempo. Observou os espiges de metal que comeavam aencolher-se lentamente, deslizando novamente para as paredes de onde tinham sado.Admirou-se com os mecanismos simples da engrenagem - simples e fatais.

    Indy sorriu ao peruano, tocando-lhe momentaneamente no ombro. O homem suavamuito, tremia. Indy entrou na cmara, atento aos espiges, vendo as pontas horrveisencaixando-se nas paredes. Passado algum tempo o peruano, resmungando, falando com os

  • seus botes em voz baixa, avanou. Atravessaram a cmara e entraram num corredor direitocom cerca de quinze metros de comprimento. Ao fundo do corredor havia uma porta, iluminadapelo sol que entrava por cima.

    - Estamos perto, - disse Indy - muito perto.Estudou de novo o mapa antes de o dobrar, memorizando os detalhes. Mas no se

    moveu de imediato. Os olhos perscrutaram o local em busca de mais armadilhas, mais ciladas.- Parece seguro - disse Satipo.- isso que me assusta, amigo.- seguro - repetiu o peruano. - Avancemos.Satipo, repentinamente impaciente, avanou.E ento deteve-se quando o p direito escorregou no pavimento. Foi projetado para a

    frente, soltando gritos. Indy correu e agarrou o peruano pelo cinto e iou-o. Satipo caiu nocho exausto.

    Indy olhou para o pavimento em que o peruano colocara os ps. Teias de aranha, umaextenso elaborada de antigas teias de aranha, sobre as quais havia uma camada de p,criando a iluso de um soalho. Abaixou-se, pegou numa pedra e atirou-a na superfcie dasteias. Nada, nem um som, nem um eco se ouviu.

    - uma longa descida - murmurou Indy.Satipo, sem flego, no disse nada.Indy seguiu a superfcie das teias com os olhos na direo da porta iluminada pelo sol.

    Como atravessar o espao, o poo, se no existia pavimento?Satipo disse:- Acho que agora voltamos para trs, Senhor. No ?- No - respondeu Indy. - Acho que avanamos.- Como? Com asas? nisso que est pensando?- No precisa de asas para voar, amigo.Tirou o chicote e olhou para o teto. Havia vrias vigas fixas no telhado. "Talvez estejam

    podres", pensou ele. Por outro lado, podiam ser suficientemente fortes para agentarem o seupeso. De qualquer maneira valia a pena tentar. Se no resultasse, teria de desistir do dolo.Levantou bruscamente o chicote, vendo-o enrolar-se numa viga, em seguida deu um puxo aochicote e testou a solidez.

    Satipo abanou a cabea.- No. Est louco.- V uma soluo melhor, amigo?- O chicote no vai agentar conosco. A viga rachar.- Salve-me dos pessimistas. - disse Indy - Salve-me dos descrentes. Confie em mim.

    Faa apenas aquilo que eu fizer.Indy agarrou o chicote com as mos, puxou uma vez mais para o testar, em seguida

  • iou-se lentamente no ar, sempre consciente do pavimento ilusrio por baixo dele, daescurido, do poo que ficava muito abaixo das camadas de teias de aranha e p, conscienteda possibilidade de a viga rachar, de o chicote se soltar, e ento... Mas no tinha tempo paraponderar essas hipteses. Jogou-se, agarrando com fora o chicote, sentindo o ar a fustig-lo.Balanou at ter a certeza de que estava fora das bordas do poo e depois comeou adescer, pousando em solo firme. Atirou o chicote ao peruano que estava no outro lado, quemurmurou qualquer coisa em espanhol, algo que Indy sabia que tinha um significado religioso.Perguntou a si mesmo se haveria, em algum lugar nas abbadas do Vaticano, um santopadroeiro para aqueles que tinham uma oportunidade de viajar num chicote.

    Viu o peruano pousar ao seu lado.- Eu disse, no disse?Satipo no disse nada. Mesmo na luz fraca Indy pde ver que o rosto dele estava plido.

    Indy encostou ento o cabo do chicote na parede.- Para a viagem de regresso - disse ele. - Nunca vou definitivamente para um lugar,

    Satipo.O peruano encolheu os ombros quando passaram pela porta iluminada pelo sol e

    entraram num compartimento coberto com uma cpula, cujo teto tinha clarabias que deixavamentrar feixes de luz solar que se projetavam no pavimento de ladrilhos brancos e pretos. Eento Indy notou uma coisa no outro lado da cmara, algo que lhe tirou a respirao, o encheude pavor, de um prazer que mal podia definir.

    O dolo.Colocado numa espcie de altar, com uma expresso feroz e doce, a forma dourada que

    cintilava luz do archote, brilhava luz do sol que passava atravs do telhado - o dolo.O dolo dos Guerreiros Chachapoyan.Naquele momento aquilo que sentiu era a excitao de um desejo esmagador, o desejo

    de atravessar a sala a correr e tocar na sua beleza - uma beleza rodeada de obstculos earmadilhas. que tipo de armadilha estpida tinham guardado para o fim? Que espcie dearmadilha cercava o prprio dolo?

    - Vou entrar - disse ele.O peruano tambm viu o dolo e no disse nada. Fitou a estatueta com uma expresso

    de avareza que sugeria que se sentia repentinamente to dominado pela cobia que nada maisimportava a no ser deitar-lhe a mo. Indy observou por instantes, e pensar: "Ele viu. Viu a suabeleza. No se pode confiar nele."

    Satipo preparava-se para entrar quando Indy o deteve.- Lembra-se de Forrestal? - perguntou Indy.- Lembro.Olhou fixamente para o desenho intrincado dos ladrilhos pretos e brancos, a pensar na

    preciso da disposio, no padro. Ao lado da porta havia dois archotes antigos em suportesde metal cobertos de ferrugem. Ergueu a mo, tirando um, tentando imaginar o rosto da ltimapessoa que poderia ter empunhado aquele mesmo archote; o intervalo de tempo - nuncadeixava de o surpreender que o mais insignificante dos objetos agentasse sculos. Acendeu-

  • o, olhou rapidamente para Satipo, depois baixou-se e fez presso com a ponta apagada numdos ladrilhos brancos. Bateu-lhe. Slido. Nenhum eco, nenhuma ressonncia. Muito slido. Emseguida bateu num dos ladrilhos pretos.

    Aconteceu antes de poder afastar a mo. Um rudo, o som de uma coisa a atravessarvelozmente o ar, uma coisa que sibilava com a velocidade do seu prprio movimento, e umapequena seta enterrou-se na haste do archote. Afastou rapidamente a mo.

    Satipo expirou devagar, em seguida apontou para o interior da sala.- Veio dali - disse ele. - V aquele buraco? A seta veio de l.- Tambm vejo centenas de buracos - disse Indy.O local estava repleto de teias de aranha com recantos sombrios, contendo cada um

    uma seta, cada um soltaria o seu mssil sempre que fizesse presso num ladrilho preto.- Fique aqui, Satipo.Lentamente, o peruano virou a cara.- Se insiste.Indy, empunhando o archote aceso, entrou cautelosamente na cmara, evitando os

    ladrilhos pretos, passando por cima deles para alcanar os brancos que eram seguros.Apercebeu-se da sua sombra projetada nas paredes da sala luz do archote, consciente dosburacos perigosos, perceptveis na penumbra, que continham as setas. Todavia era sobretudoo dolo que atraa a sua ateno, a beleza simples que se torna mais evidente medida quese aproximava dele, o brilho hipntico, a expresso enigmtica do rosto. "Estranho", pensou:"quinze centmetros de altura, dois mil anos, uma massa de ouro no rosto." dificilmente sepoderia dizer que fosse belo - era estranho que homens perdessem a cabea por aquilo,matassem por aquilo. E, no entanto, hipnotizava-o e viu-se obrigado a desviar o olhar."Concentra-te nos ladrilhos", disse para si mesmo. "Apenas nos ladrilhos. Nada mais. nopercas aqui o teu instinto apurado." Sob os ps, estendido sobre um ladrilho branco e crivadode setas, estava um pequeno pssaro morto.

    Olhou fixamente para ele, sentindo-se mal-disposto por instantes, dominado pelapercepo de quem construra aquele Templo, de quem concebera aquelas armadilhas, seriademasiado sagaz para as colocar apenas nos ladrilhos pretos: como uma carta perdida numbaralho, pelo menos um ladrilho branco teria sido envenenado. Pelo menos um. E se houvesseoutros? Ele hesitou, j a transpirar, sentindo a luz do sol vinda de Cima, sentindo o calor dachama do archote no rosto. Prudentemente, contornou o pssaro morto e olhou para osladrilhos brancos que ficavam entre ele e o dolo como se cada um fosse um potencial inimigo."s vezes", pensou, "no apenas a prudncia que nos torna vitoriosos. s vezes no serecebe o prmio quando se hesita, quando no se arrisca uma ltima vez. A prudncia tem deestar ligada ao acaso... mas nesse caso preciso saber de alguma forma que a vantagem nossa." A viso do dolo arrebata-o de novo. Magnetizou-o. E percebeu que Satipo estavaatrs dele, observando da entrada, certamente planejando a sua traio. "No." disse para simesmo. "No importa. Faz isso e que se dane a prudncia.

    Moveu-se com a graciosidade de um bailarino. Moveu-se com a estranha elegncia deum homem que avana serpenteando pelo meio de lminas de navalha. Cada ladrilho era umamina possvel, uma bomba de profundidade.

  • Avanou cuidadosamente e passou por cima dos quadrados pretos, espera que apresso do seu peso acionasse o mecanismo que faria vibrar o ar com setas. E j estava maisprximo do retbulo, mais prximo do dolo. Do prmio. Do triunfo. E da ltima armadilha.

    Parou uma vez mais. O corao palpitava, o pulso acelerou, o sangue ardia nas veias.Caa-lhe suor da testa e deslizava pelas plpebras, cegando-o. Limpou-o com as costas damo.

    "Mais alguns passos", pensou. "Mais alguns passos. E mais alguns ladrilhos.Moveu-se de novo, levantando as pernas e baixando-se suavemente. se alguma vez

    precisava de equilbrio era nesse momento. O dolo parecia piscar-lhe os olhos, seduzi-lo.Outro passo.Outro passo.Estendeu a perna direita, tocando no ltimo ladrilho branco antes de chegar ao altar.Conseguira. Conseguira. Tirou um frasco com uma bebida alcolica do bolso, tirou-lhe a

    tampa, engoliu um trago. "E que mereces", pensou. Em seguida guardou o frasco e fitou odolo.

    "ltima armadilha. Qual ser a ltima armadilha?", perguntou a si mesmo. "O ltimorisco.", Pensou durante muito tempo, tentou imaginar-se no esprito daqueles que tinhamcriado aquele lugar, que tinham construdo aquelas defesas. Muito bem, algum vem tirar odolo, que significa que tem de ser levantado, tem de ser retirado da pedra polida, tem de sertirado fisicamente. E depois?

    "Algum tipo de mecanismo debaixo do dolo detecta a ausncia de peso do objeto, e issoaciona o qu? Mais setas? No seria algo ainda mais destrutivo que isso? Algo maismortfero?"

    Pensou uma vez mais; o pensamento corria, os nervos vibravam. Abaixou-se e olhou emvolta da base do altar.

    Havia pedaos de pedra, p, cascalho, a acumulao de sculos."Talvez", pensou "Talvez." Tirou do bolso um pequeno saco que estava fechado com um

    fio, abriu, retirou as moedas que continha, em seguida comeou a encher o saco com terra epedras.

    Tomou-lhe o peso na palma da mo por instantes. "Talvez", pensou de novo. "Seconseguires fazer isso com rapidez suficiente. Conseguias fazer isso com uma rapidez quevencesse o mecanismo, se for de fato esse o tipo de armadilha aqui envolvida.

    Se, se, se. Demasiadas hipteses. Ele sabia que em outras circunstncias se afastaria,evitaria as conseqncias de tantas incertezas. Mas no naquele momento, naquele lugar.

    Endireitou-se, sentiu de novo o peso do saco, perguntou a si mesmo se pesava o mesmoque o dolo, esperou que sim. Em seguida agiu rapidamente, pegando no dolo e colocando osaco no seu lugar, colocando-o na pedra polida. Nada. Durante um longo momento, nada.Olhou fixamente para o saco, depois para o dolo na mo, e ento percebeu um estranho edistante rudo, um estrondo como o de uma enorme mquina que se pe em movimento, umsom de coisas que despertam de um longo sono, bramindo, dilacerando, e rangendo nosespaos do Templo. O pedestal de pedra polida baixou repentinamente - doze, treze

  • centmetros. E depois o som tornou-se mais forte, ensurdecedor, e tudo comeou a abanar, atremer, como se as fundaes se estivessem a separar, a fender, a abrir, os tijolos e amadeira a lascar e a rachar. Virou-se e retrocedeu rapidamente por cima dos ladrilhos o maisdepressa possvel em direo porta. E, no entanto, o barulho, como um trovo desesperado,aumentou e rolou e ecoou atravs dos velhos corredores e passagens e cmaras. Dirigiu-separa Satipo, que estava parado na entrada com uma expresso de terror estampada no rosto.Tudo tremia, tudo se movia, caam tijolos, desabavam paredes, tudo. Quando chegou portavirou-se e viu uma rocha a cair no soalho coberto de ladrilhos, fazendo saltar as setas, quevoavam aos milhares em todas as direes na cmara que desmoronava, Satipo, respirandocom dificuldade, aproximara-se do chicote e atravessava o poo.

    Quando alcanou o outro lado fitou Indy por instantes. "Sabia o que ia acontecer",pensou Indy. "Sentia, sabia, e agora que est prestes a acontecer, que posso fazer?" ViuSatipo arrancar o chicote da viga e enrol-lo na mo.

    - Um acordo, Senhor. Uma troca. O dolo pelo chicote. Atira o dolo, eu atiro o chicote.Indy ouviu o estrondo da destruio atrs dele e observou Satipo.- Sabe que hipteses tem, Senhor Jones? - perguntou Satipo.- E se eu deixar cair o dolo no poo, meu amigo? Tudo o que resta depois de tantos

    problemas um chicote, certo?- E o que lhe resta depois de tantos problemas, Senhor?Indy encolheu os ombros. O barulho atrs dele tornava-se mais forte; sentia o Templo a

    tremer, o soalho comeando a oscilar. "O dolo," pensou "no podia deixar que aquilo casseassim no abismo".

    - Est bem, Satipo. O dolo pelo chicote. - E atirou o dolo na direo do peruano. ViuSatipo agarrar a relquia, enfi-la no bolso e depois atirar o chicote ao cho.

    Satipo sorriu.- Lamento profundamente, Senhor Jones. Adios. E boa sorte.- No lamenta mais que eu. - gritou Indy quando viu o peruano desaparecer no corredor.

    Toda a estrutura, como uma divindade vingativa da selva, tremeu ainda mais.Ouviu o som de pedras caindo, de pilares desabando. "A maldio do dolo.", pensou

    ele. Era um filme da seo da tarde, era o tipo de filme que os jovens viam arrebatados nastardes de sbado em cinemas escuros. Havia apenas uma coisa a fazer - uma coisa, nenhumaalternativa. "Tenho que saltar.", decidiu. "Tem que arriscar e transpor o poo. Esperar que agravidade esteja do seu lado. O Inferno est solta atrs de voc e sua frente h umabismo terrvel. Por isso salta, voa para a escurido e torce. Salta!

    Respirou fundo, pulou no ar por cima do poo, balanou o mais que pde, escutou ozumbido do ar sua volta quando se moveu. Teria rezado se fosse pessoa para rezar, rezadopara que no fosse tragado pelo vazio e pela escurido.

    Descia. O mpeto abandonara o salto. Caa. Esperou que estivesse a cair no outro ladodo poo.

    Mas no estava.Sentia a escurido, o cheiro desagradvel e a umidade, que subiam vindas do fundo, e

  • estendeu os braos, procurando um apoio, um rebordo, algo a que se pudesse agarrar. Sentiuas pontas dos dedos que se enterraram na borda do poo, tentou iar-se enquanto a bordacedia e deixava cair pedras no abismo. Balanou as pernas, agarrou-se com fora, debateu-secomo um peixe que ficou preso no areal para se erguer, sair, alcanar qualquer coisa que osalvasse.

    Esforando-se arduamente, gemendo, batendo com as pernas na parede interna dopoo, lutou para se erguer. No podia permitir que o peruano traioeiro fugisse com o dolo.

    Balanou de novo as pernas, deu pontaps, procurou uma espcie de brao de alavancaque o ajudasse a sair do poo, uma coisa, qualquer coisa, fosse o que fosse. E o templocontinuava a desabar como uma pattica cabana de palha fustigada por um furaco. Gemeu,enterrou os dedos na borda, puxou at ter a impresso de que os msculos rebentariam, asveias estourariam, iou-se mesmo quando ouviu o som de unhas a partir com o peso do corpo.

    "Mais fora", pensou ele. "Mais um esforo".Com mais fora, o suor cegava-o, os nervos comearam a ceder. "Alguma coisa vai

    quebrar.", pensou. "Alguma coisa vai e ento vers onde fica o fundo deste poo." Parou,tentou ganhar foras, recuperar a energia que desaparecia, em seguida iou-se uma vez mais,centmetro a centmetro, com esforo e finalmente conseguiu levantar a perna acima, arrastar-se at a borda e para a relativa segurana do pavimento, um pavimento que abanava,ameaando partir-se a qualquer momento.

    Conseguiu ficar em p vacilando e olhou para o corredor por onde sara Satipo. Eledirigira-se para o compartimento onde tinham sido encontrados os restos mortais de Forrestal.A sala dos espiges. A cmara da tortura. E, subitamente, Indy tomou conscincia daquilo queaconteceria ao peruano, percebeu repentinamente o destino do homem mesmo antes de ouviro som estridente e terrvel dos espiges, mesmo antes de ouvir o grito horrvel do peruanoecoar no corredor. Prestou ateno, abaixou-se para apanhar o chicote e em seguida correupara a cmara. Satipo estava pendurado de lado, empalado como uma borboletagrotescamente grande na coleo de um louco.

    - Adios, Satipo. - disse Indy.Depois arrancou o dolo do bolso do homem morto, abriu caminho por entre os espiges

    e correu para o corredor do outro lado. Em frente, viu a sada, a clareira de luz, o macio dervores mais longe. E no entanto o rudo aumentava, enchendo os ouvidos, penetrando nocorpo.

    Virou-se e viu, estupefato, um enorme bloco de pedra rolar pelo corredor em direo aele, adquirindo velocidade medida que avanava. "A ltima armadilha.", pensou. "Quiseramter a certeza de que mesmo que entrasse no templo, mesmo que conseguisse esquivar-se detudo o que fosse atirado contra si, no irias sair daqui com vida." Ele correu. Correu como umlouco para a sada enquanto a enorme pedra se precipitava pelo corredor atrs dele. Atirou-separa a clareira de luz e caiu na erva espessa no exterior precisamente no momento em que obloco batia na sada, selando o templo para sempre. Exausto, ofegante, ficou deitado decostas.

    "Perto demais!", pensou. "Perto demais para qualquer forma de conforto." Queria dormir.Queria apenas a possibilidade de fechar os olhos, transportar-se para a escurido que dalvio, um alvio profundo e sem sonhos.

  • "Podia ter sofrido uma centena de mortes ali dentro.", compreendeu. "Podia ter sofridomais mortes que qualquer homem poderia esperar numa vida inteira.

    E ento sorriu, sentou, rodou vrias vezes o dolo na mo."Mas valeu a pena.", pensou. "Valeu tudo o que passei.Olhou a pea de ouro.Ainda olhava fixamente para ela quando viu uma sombra baixar sobre ele.A sombra surpreendeu-o numa posio sentada. Mantendo os olhos semicerrados, olhou

    para cima. L estavam dois guerreiros Hovitos olhando-o, com os rostos pintados com ascores vivas da guerra, as longas azagaias de bambu erguidas como se fossem lanas. Masno era a presena dos ndios que preocupava Indy naquele momento; era a viso do homembranco que estava no meio deles com uma roupa de safri e um capacete de palha. Indy nodisse nada durante muito tempo, deixando despertar o sentido do reconhecimento. O homemcom o capacete de palha sorriu, o sorriso foi frio, letal.

    - Belloq. - disse Indy.Justamente Belloq.Indy desviou o olhar do rosto do francs por instantes, lanou um olhar ao dolo na mo,

    em seguida olhou fixamente para longe, para a orla do arvoredo atrs de Belloq, onde estavamalinhados cerca de trinta guerreiros Hovitos. E ao lado dos ndios estava Barranca. Barranca,que no fitava Indy, tinha um sorriso de cobia estampado no rosto. Um sorriso que setransformou lentamente numa expresso de perplexidade e depois, mais rapidamente, numaexpresso fria, vaga, que Indy identificou como um sinal de morte.

    Os ndios de cada um dos lados do peruano traidor soltaram os braos e Barranca caiude borco. As costas estavam crivadas de setas.

    - Meu caro Dr. Jones - disse Belloq. - Tem um dom de escolher os amigos errados.Indy no disse nada. Viu Belloq abaixar-se e tirar o dolo da sua mo. Belloq apreciou a

    relquia durante algum tempo, revirando-a, com uma expresso de profunda apreciao.Belloq inclinou um pouco a cabea, um gesto breve que sugeria uma delicadeza

    incongruente, um sentido de civilidade.- Pode ter pensado que eu desistiria. Mas vemos uma vez mais que no existe nada que

    possa possuir que eu no possa tirar.Indy olhou na direo dos ndios.- E os Hovitos esperam que lhes devolva o dolo?- Exatamente - disse Belloq.Indy riu-se.- Como so ingnuos.- Como voc diz. - comentou Belloq. - Se voc ao menos falasse a lngua deles, poderia

    dar-lhes outro conselho, claro.- Claro - replicou Indy. Observou Belloq enquanto este se virava na direo dos

    guerreiros agrupados e ergueu o dolo no ar; e ento, numa extraordinria exibio de

  • movimento sincronizado que podia ter sido coreografado, ensaiado, os guerreiros deitaram-sede borco no cho. Um momento de sbita quietude, de terror religioso, primitivo.

    "Noutras circunstncias", pensou Indy, "poderia ficar bastante impressionado para ficarobservando." Noutras circunstncias, mas no naquele momento.

    Levantou-se devagar, pondo-se de joelhos, olhou para as costas de Belloq e lanou umavez mais um olhar aos guerreiros listrados - e depois afastou-se, andando depressa, correndopara as rvores, esperando pelo momento em que os ndios se levantariam e o ar ficaria cheiode setas atiradas com as azagaias. Atirou-se para o meio das rvores quando ouviu Belloqgritar atrs, berrando numa lngua que presumivelmente era a dos hovitos e desatou a correrpor entre a folhagem, em direo ao lugar do hidroavio. "Corre. Corre mesmo quando noreste um pouco de energia. Procura alguma reserva, no pare."

    E ento ouviu as setas. Ouviu-as rasgar o ar, silvando, zumbindo, criando uma teia demorte. Correu em zigue-zague, serpenteando entre a folhagem. Atrs dele ouvia o estalido dosramos que se partiam, plantas que se esmagavam, enquanto os Hovitos o perseguiam. Sentiu-se estranhamente desligado do seu prprio corpo; via sem sentir o eu fsico, sem asexigncias absurdas dos msculos e tendes, arrastando-se pelo terreno de uma formaautomtica, num reflexo primitivo. Ouvia de quando em quando a seta que batia numa cascade rvore, o esvoaar assustado das aves da selva que abandonavam os ramos, o guincho deanimais que fugiam dos Hovitos.

    "Corre", continuava a pensar. "Corre at no poder correr mais, depois corre um poucomais. No vacile, no pare." "Belloq", pensou. "A minha hora chegar. Se escapar desta."Corria no sabia h quanto tempo. Comeava a anoitecer.

    Parou, olhou para cima, para a luz fraca que passava atravs das rvores densas,depois foi na direo do rio.

    Aquilo que mais desejava ouvir naquele momento era o som vital da gua impetuosa,aquilo que desejava ver era o avio que o esperava.

    Virou-se uma vez mais e atravessou uma clareira onde ficou repentinamente expostodevido ausncia de rvores. Por instantes, a clareira era ameaadora, o silncio sbito docrepsculo inquietante.

    Ento ouviu os gritos dos Hovitos e a clareira pareceu o centro de um alvo bizarro.Rodou, apercebeu o movimento de dois vultos, sentiu o ar vibrar quando duas setas passarampor ele rodopiando e depois disso desatou a correr de novo, precipitando-se para o rio.Pensou, enquanto fugia, "no ensinaram tcnicas de sobrevivncia em Arqueologia, nofornecem os manuais de sobrevivncia juntamente com a metodologia de escavao." Ecertamente no avisam da sagacidade de um francs chamado Belloq." Parou uma vez mais eescutou os ndios atrs dele. Ento ouviu outro som, um que o alegrou, que o exaltou: omovimento da gua que corria veloz, da torrente ondulante. "O rio! A que distncia ficariaainda?

    Escutou de novo para se certificar e em seguida caminhou na direo do som, com asenergias recobradas, com as baterias revitalizadas. "Agora com mais rapidez, mais esforo edestreza. Abrindo caminho atravs da folhagem que fustiga, ignora os golpes e asescoriaes. Mais rapidez, mais esforo e mais destreza.", O som tornava-se mais claro. Agua corria.

  • Deixou para trs as rvores.Na base da encosta, no outro lado da vegetao, da vegetao hostil, o rio.O rio e o hidroavio flutuando na ondulao. No poderia imaginar nada mais acolhedor.

    Desceu a encosta e ento percebeu que no havia uma maneira simples de passar atravs dafolhagem at alcanar o avio. Tambm no havia tempo para encontrar uma. "Teria que subir encosta at ao ponto em que se forma um rochedo sobre o rio e terias que saltar. Saltaria.Que importa: que mais um salto?

    Subiu, consciente da forma de um homem que estava sentado numa asa do avio l nofundo. Indy atingiu um ponto quase sobre o avio, olhou por instantes e depois fechou os olhose transps a borda do rochedo com um salto.

    Caiu na gua tpida junto asa do avio, mergulhou quando a corrente o arrastou, veio superfcie sem ver e nadou na direo do avio. O homem sobre a asa levantou-se quandoele agarrou um suporte e se iou.

    - Pe isso para trabalhar, Jock! - gritou Indy. - Pe isso para trabalhar!Jock correu ao longo da asa e subiu para o interior da cabine no momento em que Indy

    se jogou, ofegando, no compartimento do passageiro e caiu no banco.Fechou os olhos e sentiu o rumor dos motores quando o avio deslizou pela superfcie

    da gua.- No esperava que viesse to de repente. - disse Jock.- Me poupa desse deboche, est bem?- Alguma confuso, rapaz?Indy teve vontade de rir.- Me lembra de contar um dia.Encostou-se e fechou os olhos, desejando que o sono viesse. Mas ento percebeu que o

    avio no se movia. Endireitou-se e inclinou-se na direo do companheiro.- O motor deixou de trabalhar. - disse Jock.- Deixou de trabalhar! Por qu?Jock sorriu.- Eu apenas piloto este maldito aparelho. As pessoas tm a mania de que todos os

    escoceses so mecnicos, Indy.Atravs da janela, Indy pde ver os Hovitos comearem a avanar, passando os baixios

    do rio. Nove, sete metros j.Eram como fantasmas grotescos do leito do rio ressuscitados para se vingarem de uma

    transgresso histrica.Ergueram os braos; a chuva de setas voou na direo da fuselagem do avio.- Jock...- Estou tentando, Indy. Estou tentando.Indy disse, calmamente:

  • - Acho que devia se esforar mais.As setas atingiram o avio, bateram ruidosamente nas asas, bateram na fuselagem com

    o som de enormes pedras de sal.- Consegui! - disse Jock.Os motores comearam a trabalhar com algum esforo precisamente no momento em

    que dois dos Hovitos alcanavam a ponta da asa e comeavam a subir.- Est andando! - disse Jock. - Est andando.O avio avanou mais uma vez e depois comeou a subir, com alguma dificuldade,

    sobrevoando o rio.Indy viu os dois ndios perderem o equilbrio e carem na gua, como estranhas criaturas

    da selva. O avio rasava os topos das rvores e a corrente de ar balanava os ramos, eespantava as aves em pnico que desapareciam na luz crepuscular.

    Indy riu e fechou os olhos.- Pensei que talvez no conseguisse, - disse Jock. - para dizer a verdade.- Nunca duvidei. - replicou Indy, e sorriu.- Agora descontrai, homem. Dorme um pouco. Esquece esta maldita selva.Indy descontraiu-se por instantes. Alvio. O relaxamento dos msculos. Uma sensao

    agradvel. Podia entregar-se quela sensao por muito tempo.Ento uma coisa deslizou na sua coxa. Lenta e pesada.Abriu os olhos e viu uma jibia enroscar-se ameaadoramente na coxa. Endireitou-se

    rapidamente.- Jock!O piloto virou-se, sorriu.- No te far mal. a Reggie. No faz mal a ningum.- Afasta de mim, Jock.O piloto estendeu a mo, acariciou a cobra, em seguida meteu-a na cabine ao lado dele.

    Indy viu a cobra afastar-se lentamente. Uma repulsa antiga, um terror inexplicvel. Para umaspessoas eram as aranhas, para outras os ratos, para outras espaos fechados. Para ele era aviso repulsiva e o toque de uma cobra. Limpou o suor que se formara na testa, tiritandoquando a gua que ensopava a roupa se tornou repentinamente gelada.

    - Segura perto de ti - disse ele. - Detesto cobras.- Vou-te revelar um pequeno segredo. - disse Jock. - A cobra vulgar mais afvel que a

    maioria das pessoas.- Eu acredito na tua palavra, - replicou Indy. mas no a deixe se aproximar de mim."Penso que estou a salvo e uma jibia resolve aquecer-se no meu corpo. Tudo num dia

    de trabalho.", pensou.Olhou atravs da janela por instantes e viu cair a escurido sobre a imensa selva com

    uma certeza inescrutvel. "Pode guardar os seus segredos.", pensou Indy. "Pode guardar

  • todos os seus segredos".Antes de adormecer, embalado pelo rudo dos motores desejou no cruzar to cedo

    com aquele francs.

  • 2BERLIM

    Num gabinete na Wilhelmstrasse, um oficial com o uniforme preto das SS -absurdamente pequeno, chamado Eidel - estava sentado na escrivaninha, olhando fixamentepara montes de pastas de papel castanho empilhadas na frente dele. Foi evidente para ovisitante de Eidel, que se chamava Dietrich, que o homem usava as pilhas de pastas de ummodo compensatrio: faziam-no sentir-se maior, mais importante. "Hoje em dia o mesmo emtoda a parte.", pensou Dietrich. "Se avalia um homem e o seu valor pela quantidade depapelada que consegue juntar, pelo nmero de carimbos de borracha que autorizado a usar."Dietrich, que gostava de se considerar um homem de ao, suspirou interiormente e olhoupara a janela, onde fora colocado uma persiana castanho-clara. Esperou que Eidel falasse,mas o oficial das SS ficou calado durante algum tempo, como se at os seus silncios sedestinassem a comunicar alguma coisa daquilo que ele considerava como a sua prpriaimportncia.

    Dietrich olhou para o retrato do Fhrer pendurado na parede.Quando chegasse o momento, no importava aquilo que se podia pensar de uma pessoa

    como Eidel, - brando, preso escrivaninha, pomposo, fechado em gabinetes miserveis -porque Eidel tinha uma linha direta de acesso a Hitler. Por isso prestava ateno, sorria, efingia que tinha uma categoria inferior. Eidel, afinal, era membro do crculo interno, do corpo deelite da guarda privada de Hitler. Eidel alisou o uniforme, que parecia ter sido passado a ferroh pouco. Ele disse:

    - Espero que lhe tenha feito entender a importncia deste caso, Coronel?Dietrich acenou com a cabea. Sentia-se impaciente.Detestava gabinetes.Eidel levantou-se, ficou na ponta dos ps como um homem tenta agarrar uma ala no

    metr e sabe que no conseguir. Em seguida encaminhou-se para a janela.- O Fhrer est decidido a obter esse objeto. E quando decide uma coisa, claro... - Eidel

    fez uma pausa, virou-se, olhou Dietrich. Fez um gesto com as mos, indicando que tudo aquiloque passava pelo esprito do Fhrer era incompreensvel para homens inferiores.

    - Compreendo. - replicou Dietrich, batendo com as pontas dos dedos na pequena malapara documentos.

    - O significado religioso importante. - disse Eidel. - No que o Fhrer tenha uminteresse especial por relquias judaicas em si, naturalmente. - E fez outra pausa, rindo de umaforma estranha, como se o pensamento fosse muito divertido. - Tem mais interesse nosignificado simblico do artigo, se me compreende.

    Ocorreu a Dietrich que Eidel mentia, ocultando alguma coisa: era difcil imaginar que oFhrer estivesse interessado em qualquer coisa pelo seu valor simblico. Olhou atentamentepara o telegrama banal que Eidel lhe deixara ler h alguns minutos.

    Em seguida lanou de novo um olhar ao retrato de Hitler, que era srio,sinistro.

  • Eidel, com os modos de um professor universitrio de uma cidade pequena, disse:- Temos agora que tratar da questo do conhecimento de peritos.- Exatamente. - disse Dietrich.- Vamos tratar, especificamente, da competncia de peritos em arqueologia.Dietrich no disse nada. Viu onde aquilo ia dar. Viu aquilo que exigiam dele.Ele replicou:- Receio que isso no esteja ao meu alcance.Eidel esboou um sorriso.- Mas tem ligaes, segundo me informaram. -Tem relaes com as maiores

    autoridades nesse campo, no verdade?- ema questo a se debater.- No h tempo para esse tipo de debate, - disse Eidel - no estou aqui para discutir o

    que constitui a competncia dos peritos, Coronel. Estou aqui, como o senhor, para obedecer auma ordem importante.

    - No precisa me lembrar disso. - replicou Dietrich.- Eu sei - disse Eidel, encostando-se na escrivaninha - E sabe que estou falando de um

    certo perito que conhecido seu e cujos conhecimentos neste campo de interesse particularsero muito valiosos para ns. Correto?

    - O francs? - disse Dietrich.- Evidentemente.Dietrich ficou calado durante algum tempo. Sentia-se um pouco constrangido. Era como

    se o rosto de Hitler o censurasse pela sua hesitao.- difcil encontrar o francs. Como qualquer mercenrio, ele considera o mundo como

    lugar de emprego.- Quando teve notcias dele pela ltima vez?Dietrich encolheu os ombros.- Na Amrica do Sul, suponho.Eidel examinou as costas das mos, magras e claras, mas grosseiras, como as mos de

    algum que no fora capaz de concretizar a ambio de se tornar pianista de concertos. Eledisse:

    - Tem que encontr-lo. Percebe o que estou dizendo? Sabe de onde vem esta ordem?- Tenho que encontr-lo. - disse Dietrich - Mas j aviso...- No me avise, Coronel.Dietrich sentiu a garganta a ficar seca. Este secretrio imbecil e feito s pressas.

    Adoraria estrangul-lo, enfiar-lhe aquelas pastas de carto pela goela abaixo at sufocar.- Muito bem, estou prevenindo... o preo do francs alto.- No tem importncia - disse Eidel.

  • - E a sua honestidade duvidosa.- Isso uma coisa de que dever tratar. A questo, coronel Dietrich, que ter que

    encontr-lo e lev-lo presena do Fhrer. Mas isso dever ser feito com rapidez. Deveria tersido feito ontem, se me entende.

    Dietrich olhou a persiana da janela. s vezes ficava cheio de medo porque o Fhrerestava rodeado de lacaios e loucos como Eidel. Quando estavam envolvidos seres humanos,isso implicava uma certa obscuridade de julgamento.

    Eidel sorriu, como se estivesse divertido com o embarao de Dietrich. Em seguida disse:- A rapidez importante, claro. Obviamente que outros partidos esto interessados.

    Esses partidos no representam os melhores interesses do Reich. Fao-me entender?- Entendido. - replicou Dietrich. Dietrich pensou por instantes no francs; sabia, apesar

    de no ter dito a Eidel, que Belloq se encontrava no sul de Frana naquele preciso momento. Aperspectiva de fazer negcio com Belloq era aquilo que o aterrava. Havia uma certa brandurano homem que encobria uma crueldade profunda, um egosmo, um desrespeito por filosofias,crenas, poltica. Se servisse os interesses de Belloq, era, portanto, vlido.

    - Ter que tratar de outros grupos, se emergirem, - dizia Eidel - no deve se preocuparcom eles.

    - Ento ser assim que os tratarei. - disse Dietrich.Eidel pegou o telegrama e deu uma olhada.- Aquilo de que falamos no sai destas quatro paredes, Coronel. No preciso dizer, no

    ?- No precisa dizer. - repetiu Dietrich, irritado.Eidel sentou-se de novo e olhou fixamente para o outro homem do outro lado do monte

    de pastas. Ficou calado por instantes.E depois fingiu-se surpreendido quando viu Dietrich sentado na frente dele.- Ainda aqui est, Coronel?Dietrich agarrou na pasta de documentos e levantou-se. Era difcil no sentir dio por

    aqueles palhaos de uniforme preto. Agiam como se fossem os donos do mundo.- Ia sair agora mesmo. - disse Dietrich.- Heil Hitler! - exclamou Eidel, erguendo a mo com o brao rgido.Junto porta Dietrich respondeu com as mesmas palavras.

  • 3CONNECTICUT

    Indiana Jones estava sentado no seu gabinete no Marshall College.Conclura h pouco a primeira palestra do ano para Arqueologia, e correu tudo bem.

    Corria sempre bem. Adorava ensinar e sabia que era capaz de transmitir a sua paixo pelamatria aos seus alunos. Mas naquele momento estava inquieto e a sua inquietaoperturbava-o. Porque tinha conscincia daquilo que desejava fazer.

    Indy colocou os ps em cima da escrivaninha, derrubou deliberadamente alguns livros,em seguida levantou-se e andou de um lado para o outro no gabinete - vendo-o no como olugar ntimo que era habitualmente, o seu refgio, o seu esconderijo, mas como a cela de umdesconhecido.

    "Jones." disse para si mesmo."Indiana Jones, toma juzo.Os objetos sua volta pareceram espalhar o seu significado por algum tempo. O

    enorme mapa de parede da Amrica do Sul tornou-se uma mancha surrealista, a concepodadasta de um artista. Repentinamente a rplica do dolo em barro pareceu ridcula, horrvel.Pegou-a e pensou: "Por uma coisa como esta voc arriscou a vida? Deve ter um parafusoessencial solto, um parafuso fora do lugar.

    Segurou a rplica do dolo, olhando-a com o pensamento distante.Aquela paixo louca pela antiguidade apoderou-se dele como algo profano, antinatural.

    Uma paixo insana, com o sentido da histria - mais que o sentido, a necessidade de estendera mo e de lhe tocar, de a segurar, de a compreender atravs das relquias e artefatos, ver-se perseguido pelos rostos de artesos e artfices h muito falecidos, assombrado pela idiadas mos que criaram esses objetos, por dedos que h muito se transformaram emesqueletos, em p. Mas nunca esquecidos, nunca verdadeiramente esquecidos, desde que seexista essa paixo irracional.

    Por instantes os sentimentos antigos apoderaram-se de novo dele, diversos, assaltaram-no, numa excitao que jamais sentira desde que fora estudante. Quando? H quinze anos?Dezesseis? Vinte?

    No tinha importncia: o tempo tinha um significado diferente para ele do que tinha paraa maioria das pessoas. O tempo era algo que se descobria atravs dos segredos queenterrara - em templos, em runas, sob rochas, p e areia. O tempo estendia-se, tornava-seelstico, criando aquela sensao extraordinria de que tudo aquilo que existiu estava ligado atudo aquilo que existia naquele momento; e a morte era fundamentalmente desprovida designificao por causa daquilo que se deixava para trs.

    Desprovida de significao.Lembrou-se de Champollion trabalhando na pedra Rosetta, da admirao de decifrar

    finalmente hierglifos antigos. Lembrou-se de Schliemann que descobriu o lugar onde existiuTria. Flinders Petrie que fizera escavaes no cemitrio pr-dinstico em Nagada. Wooley

  • que descobrira o cemitrio real em Ur no Iraque. Carter e lorde Carnarvon que encontrarampor acaso o tmulo de Tutankhamon.

    Foi a que tudo comeou. Naquela conscincia da descoberta, que era como o centro deum furaco. E era arrastado, levado, transportado ao passado naquela mquina do tempo queos escritores da fantasia no conseguiam compreender: a nossa mquina do tempo, a nossalinha privada que nos ligava ao passado vital.

    Equilibrou a rplica do dolo no centro da mo e olhou-a como se fosse um inimigopessoal. "No," pensou ele, "voc o seu pior inimigo, Jones. Foi levado porque teve acesso metade de um mapa que se encontrava nos papis de Forrestal e porque quis confiardesesperadamente nos dois encrenqueiros que tinham a outra metade.

    "Moron." pensou.E Belloq. Belloq era provavelmente o mais astuto. Belloq tinha astcia para aproveitar

    as oportunidades. Belloq sempre teve essa qualidade - como as cobras pelas quais tem umafobia. Saindo, sem ser visto, de debaixo de uma pedra, o predador que desliza, agarrandosempre aquilo que no procurara.

    Naquele momento tudo o que se formou no centro do esprito foi uma imagem de Belloq- aquele rosto delicado, belo, o tom escuro dos olhos, o sorriso que ocultava a astcia.

    Recordou outros encontros com o francs. Lembrou da licenciatura, quando Belloq secandidatou ao Prmio da Sociedade de Arqueologia, apresentando um trabalho sobreestratigrafia, em cuja base Indy reconheceu uma obra sua. E de alguma forma Belloq plagiara-o, conseguira acesso a ela de qualquer maneira. Indy no podia provar nada porque teria sidoum caso de maledicncia, um ataque de inveja.

    1934. Vero negro. Passara meses a planejar uma escavao no Deserto al Khali, naArbia Saudita. Meses de trabalho, de preparao e a pedir fundos, juntando as peas,argumentando que os seus instintos em relao escavao estavam certos, que iriamdescobrir os vestgios de uma cultura nmade naquele lugar rido, uma cultura anterior erade Cristo. E depois?

    Ele fechou os olhos.Mesmo naquele momento a recordao encheu-o de amargura.Belloq esteve l antes dele.Belloq escavou o lugar.Era verdade que o francs descobriu pouca coisa de significado histrico nas

    escavaes, mas no era essa a questo.A questo era que Belloq o roubou uma vez mais. E uma vez mais no sabia ao certo

    como poderia provar o roubo.E depois o dolo.Indy levantou os olhos, interrompido no seu devaneio, quando a porta do gabinete se

    abriu lentamente.Apareceu Marcus Brody, com uma expresso de prudncia estampada no rosto, uma

    prudncia que era parte preocupao.

  • Indy olhou atentamente para Marcus, conservador do National Museum, o seu melhoramigo.

    - Indiana. - disse ele numa voz branda.Ergueu a rplica do dolo, como se fosse oferec-la ao outro homem, depois,

    repentinamente, deitou-a na lata do lixo que estava no cho.- Tive o original na minha mo, Marcus. O original. - Indy recostou-se, com os olhos

    fechados, massageando vigorosamente as plpebras com os dedos.- Voc contou, Indiana. J me contou. - disse Brody. - Assim que regressou. Lembra?- Eu posso recuper-lo, Marcus. Posso recuper-lo. Pensei nisso. Belloq tem que vend-

    lo, certo? Por isso, onde vai vend-lo? Hein?Brody olhou para ele com uma expresso de tolerncia.- Onde, Indiana?- Marraquexe, Marraquexe a. - Indy levantou-se, indicando diversas figuras que

    estavam em cima da escrivaninha.Aqueles eram os artigos que tirou do Templo, os fragmentos e as peas que juntara

    rapidamente. - Olha. Devem valer alguma coisa, Marcus. Devem render o dinheiro suficientepara poder ir a Marraquexe, certo?

    Brody mal olhou para os artigos. Em vez disso, estendeu a mo e pousou-a no ombro deIndy, um toque de amizade e preocupao.

    - O museu ir compr-los, como sempre. Incondicionalmente. Mas falaremos do dolomais tarde. Neste momento quero que conhea umas pessoas. Vieram de muito longe para teverem, Indiana.

    - Que pessoas?Brody replicou:- Vieram de Washington, Indiana. S para falarem contigo.- Quem so? - perguntou Indy com ar triste.- Dos servios secretos do exrcito.- O qu? Estou metido em alguma confuso?- No. Pelo contrrio. Parece que precisam da tua ajuda.- A nica ajuda em que estou interessado em obter o dinheiro para ir a Marraquexe,

    Marcus. Estes objetos devem valer alguma coisa.- Mais tarde, Indiana. Mais tarde. Primeiro quero que receba essas pessoas.Indy parou junto ao mapa da Amrica do Sul.- Sim. - disse ele - Eu recebo.- Esto espera na sala de conferncias.Saram para o corredor.Uma moa bonita apareceu na frente de Indy. Trazia uma pilha de livros e fingia ser

  • estudiosa, eficiente. Indy animou-se quando a viu.- Professor Jones. - dizia ela.- Uh...- Estava contando que pudssemos ter uma conversa. - disse ela timidamente, lanando

    um olhar a Marcus Brody.- Sim, claro, Susan, sei que disse que conversaramos.Marcus Brody disse:- Agora no. Agora no, Indiana. - E virou-se para a moa. - O professor Jones tem de

    ir a uma conferncia importante, minha cara. Por que no lhe telefona mais tarde?- Sim. - murmurou Indy - Regressarei ao meio-dia.A moa sorriu, desapontada, depois afastou-se seguindo pelo corredor. Indy viu-a ir

    embora, admirando as pernas, as barrigas das pernas torneadas, os tornozelos magros.Sentiu Brody puxar-lhe a manga.

    - Bonita. Superior aos teus padres habituais, Indiana. Mas mais tarde, est bem?- Mais tarde. - disse Indy, desviando o olhar da moa com relutncia.Brody abriu a porta da sala de conferncias. Sentados junto do estrado estavam dois

    oficiais do exrcito uniformizados.Viraram a cara ao mesmo tempo quando a porta se abriu.- Se esta a comisso da inspeo, j fiz o servio militar. - disse Indy.Marcus Brody conduziu Indy a uma cadeira no estrado.- Indiana, gostaria de apresentar o coronel Musgrove e o major Eaton. So as pessoas

    que vieram de Washington para falar com voc.Eaton disse.- Prazer em o conhecer. Ouvi falar muito em voc, professor Jones. Doutor em

    Arqueologia, perito em cincias ocultas, possuidor de antiguidades raras.- uma forma de colocar a questo - disse Indy.- O possuidor de antiguidades raras parece intrigante. - comentou o major.Indy lanou um olhar a Brody, que disse:- Tenho a certeza de que tudo aquilo que o professor Jones faz para o nosso museu

    respeita rigorosamente as linhas gerais do Tratado para a Proteo de Antiguidades.- Oh, tenho a certeza disso. - comentou o major Eaton.Musgrove disse:- um homem de muitos talentos, Professor.Indy fez um gesto de protesto, acenando com uma mo. Que queriam aqueles

    indivduos? O major Eaton disse:- Sei que estudou sob a orientao do professor Ravenwood na Universidade de

    Chicago?

  • - Sim.- Tem alguma idia do lugar onde ele se encontra presentemente?Ravenwood. O nome trouxe-lhe recordaes com uma violncia que no agradou a Indy.- Rumores, nada mais. Creio que ouvi dizer que estava na sia. No sei.- Disseram-nos que era amigo ntimo dele - disse Musgrove.- Sim. - Indy coou o queixo. - ramos amigos... Porm no nos falamos durante anos.

    Receio que tivemos o que se poderia chamar de uma desavena. - "Uma desavena," pensouera uma maneira de colocar a situao. Uma desavena. Parecia mais um corte total". E entolembrou-se de Marion, uma recordao indesejada, algo que ainda tinha que arrancar doestrato mais profundo do esprito. Marion Ravenwood, a moa com os olhos maravilhosos.

    Os oficiais trocavam palavras em voz baixa, decidindo alguma coisa. Em seguida Eatonvirou-se e ficou com um ar solene e disse:

    - Aquilo que vamos dizer estritamente confidencial.- Com certeza. - disse Indy. Ravenwood... onde se encaixava o velho naquele frgil

    enigma? E quando que algum iria direto ao assunto?Musgrove disse:- Ontem, uma das nossas bases europias interceptou um comunicado alemo enviado

    do Cairo para Berlim. A notcia que continha era obviamente excitante para os agentesalemes no Egito. - Musgrove olhou para Eaton, esperando que este continuasse a narrativa,como se cada um fosse capaz de transmitir apenas certas informaes de cada vez.

    Eaton disse:- No sei bem se estou dizendo uma coisa que j sabe, professor Jones, quando

    menciono o fato de os Nazis terem equipes de arquelogos que percorrem o mundo nestesdois ltimos anos...

    - No me passou despercebido.- Claro. Parece que procuram freneticamente qualquer tipo de artefato religioso que

    possam obter. Hitler, segundo os relatrios dos nossos servios secretos, tem at umadivinho, se o que dizem for verdade. E parece que neste momento est em curso umaespcie de escavao arqueolgica, ultra-secreta, no deserto prximo a Cairo.

    Indy acenou com a cabea. Aquilo estava dando sono.Tinha conhecimento da preocupao aparentemente infinita de Hitler em adivinhar o

    futuro, extrair ouro do chumbo, em busca de elixir, ou o que quer que fosse. " s dizerem,"pensou "e se for suficientemente estranho, ento com certeza que o homenzinho louco debigode ficar interessado."

    Indy viu Musgrove tirar uma folha da pasta. Segurou-a por instantes, depois disse:- Este comunicado contm algumas informaes relacionadas com a atividade no

    deserto, mas no sabemos que concluso podemos tirar. Pensamos que talvez lhe dissessealguma coisa.

    E entregou a folha a Indy. A mensagem dizia:

  • ATIVIDADE DE DESENVOLVIMENTO TANIS. CONSIGAM O FLORO, BASTO DER, ABNER RAVENWOOD, E. U.

    Ele leu uma vez mais as palavras, com o esprito repentinamente lcido, repentinamentevivo. Levantou-se, olhou para Brody e disse, com uma expresso de incredulidade:

    - Os Nazis descobriram tnis.O rosto de Brody ficou srio e plido.Eaton replicou:- Desculpe. Agora me confundiu. Que significa tnis para vocs?Indy atravessou o estrado em direo janela, j com o esprito agitado. Abriu

    bruscamente a janela e inspirou o ar frio da manh, sentindo-o agradavelmente fresco nospulmes.

    "tnis. O Basto da R. Ravenwood". Vieram-lhe ao pensamento as antigas lendas, asfbulas, as histrias. Foi atacado por uma montanha de conhecimentos, informaes quearmazenou no crebro durante anos - tantas que quis tirar rapidamente, deix-las para trs."Tem calma." pensou. "Conta devagar para que compreendam". Virou-se para os oficiais edisse:

    - Vo ter dificuldade em perceber muitas coisas. Talvez, no sei. Depender das vossascrenas pessoais, desde j o que posso dizer. Est bem? - Fez uma pausa, olhando para osrostos sem expresso.

    - A cidade de tnis um dos possveis lugares onde est a Arca Perdida...Musgrove interrompeu:- Arca? Como a de No?Indy abanou a cabea.- No a de No. Estou falando da Arca da Aliana. Estou falando da arca que os

    Israelitas usaram para transportar os Dez Mandamentos.Eaton disse:- D uma ajuda. Refere-se aos Dez Mandamentos?- Refiro-me s placas de pedra gravadas, as originais que Moiss trouxe do Monte

    Horeb. Aquelas que disse que partiu quando viu a decadncia dos Judeus. Enquanto ele estavano cume da montanha comunicando com Deus e Este lhe revelava a lei, o resto do seu povofazia orgias e construa dolos. Por isso ficou furioso e despedaou as placas, certo?

    Os rostos dos militares estavam impvidos. Indy sentiu vontade de lhes incutir oentusiasmo que ele prprio comeava a sentir.

    - Ento os Israelitas colocaram os pedaos na Arca e levaram-na para onde quer quefossem. Quando se instalaram em Cana, a Arca foi colocada no templo. Ficou l duranteanos... depois desapareceu.

    - Onde? - perguntou Musgrove.- Ningum sabe quem a levou nem quando.Brody, falando com mais pacincia que Indy, disse:

  • - Um fara egpcio invadiu Jerusalm cerca de 926 a. C. Shislak era o seu nome. Podet-la levado de novo para a cidade de tnis...

    Indy interrompeu-o:- Onde pode ter escondido numa cmara secreta, a que chamavam Poo das Almas.Fez-se silncio no salo.Ento Indy disse:- Seja como for, um mito. Mas parece que aconteciam sempre coisas ms aos

    forasteiros que mexiam na Arca. Pouco tempo depois de Shislak ter regressado ao Egito, acidade de tnis foi consumida por uma tempestade de areia que durou um ano.

    - A maldio obrigatria. - comentou Eaton.Indy ficou aborrecido com o cepticismo do homem.- Se prefere assim. - disse ele, tentando no perder a pacincia. - Mas, durante a

    Batalha de Jeric, os padres hebreus transportaram a arca pela cidade sete dias antes de asmuralhas rurem. E, quando os Filisteus supostamente se apoderaram da Arca, fizeram comque tudo se abatesse sobre eles... incluindo pragas de erupes e pragas de ratos.

    Eaton disse:- Isto tudo muito interessante, suponho. Mas por que razo seria mencionado um

    americano num telegrama nazi, se conseguimos decifrar o essencial?- Ele o perito em tnis. - replicou Indy. - tnis era a obsesso dele, at colecionou

    algumas das suas relquias. Mas nunca encontrou a cidade.- Por que razo os Nazis se interessariam por ele? - perguntou Musgrove.Indy fez uma curta pausa.- Parece que os Nazis procuram o floro do Basto de R.E pensam que est em posse de Abner.- O Basto de R. - disse Eaton. - tudo um pouco complicado.Musgrove, que parecia mais interessado, curvou-se na cadeira.- O que o Basto de R, professor Jones?- Eu fao um desenho. - disse Indy. Dirigiu-se ao quadro e comeou a fazer rapidamente

    um esboo. Quando fez um trao de um lado ao outro com o giz, disse:- Supe-se que o Basto de R seja a chave para a localizao da Arca. Uma pista

    muito engenhosa neste caso. Era basicamente um basto comprido, talvez com um metro eoitenta e dois de altura, ningum sabe ao certo.

    Em todo o caso, encimado por um floro elaborado com a forma do sol e com um cristalno centro. Era preciso levar o basto para uma sala de mapas na cidade de tnis... estacontinha a planta completa da cidade em miniatura. Quando se colocava o basto numdeterminado lugar nessa sala a certa hora do dia, o sol incidia no cristal do floro e projetavaum raio de luz no mapa, dando a localizao do Poo das Almas...

    - Onde esconderam a Arca. - disse Musgrove.

  • - Exatamente. Deve ser por isso que os Nazis querem o floro. O que explica o nome deRavenwood no telegrama.

    Eaton levantou-se e comeou a andar em voltas cheio de nervosismo.- Afinal qual o aspecto da Arca?- Eu mostro. - disse Indy. Foi rapidamente para o fundo do salo, encontrou um livro,

    folheou-o at encontrar uma gravura grande e colorida. Mostrou-a aos dois oficiais.Olharam a ilustrao, que representava uma cena da batalha bblica, em silncio. O

    exrcito dos Israelitas vencia o inimigo; na primeira fila das tropas israelitas estavam doishomens que transportavam a Arca da Aliana, uma arca de ouro, alongada, coroada com doisquerubins de ouro. Os Israelitas transportavam a arca com varas compridas enfiadas emargolas especiais nos cantos. Um objeto de extraordinria beleza, mas mais impressionanteque o seu aspecto era o feixe de luz branca muito forte que saa das asas dos anjos, um feixeluminoso que penetrava nas fileiras do exrcito em retirada, parecendo criar terror edevastao.

    Musgrove disse, impressionado:- Que aquilo que parece sair das asas?Indy encolheu os ombros.- Quem sabe? Um raio. Fogo. O poder de Deus. Seja do que for que chamemos, parece

    que era capaz de arrasar montanhas e destruir regies inteiras. Segundo Moiss, um exrcitoque transportasse a Arca na fila da frente ficava invencvel. - Indy olhou para o rosto de Eatone concluiu:

    "Este tipo no tem imaginao. Nada inflamar este indivduo.Eaton encolheu os ombros e continuou a olhar a ilustrao."Descrena." pensou Indy "Ceticismo militar.Musgrove disse:- Qual a sua opinio relativamente a isto... ao suposto poder da Arca, Professor?- Como disse, depende das nossas crenas. Depende de aceitarmos o mito como tendo

    uma base na verdade.- Est esquivando-se - disse Musgrove e sorriu.- Tenho um esprito aberto. - respondeu Indy.- Um louco como Hitler, porm... Talvez acreditasse realmente nesse poder, certo?

    Talvez comprasse tudo.- Possivelmente. - disse Indy. Observou Eaton por instantes, subitamente dominado por

    uma sensao de antecipao familiar, pela subida da temperatura. A cidade perdida detnis. O Poo das Almas. A Arca." Havia uma melodia alusiva, e atraa-o como o canto sedutorde uma sereia.

    - Podia pensar que se possusse a Arca a mquina militar seria invencvel. - disse Eaton,mais para ele mesmo que para qualquer outra pessoa. - Estou vendo, se engolir o conto defadas, pelo menos sentiria a vantagem psicolgica.

  • Indy disse:- H uma outra coisa. Segundo a lenda, a Arca ser recuperada no momento da vinda do

    verdadeiro Messias.- O verdadeiro Messias - repetiu Musgrove.- Provavelmente isso que Hitler pensa que . - comentou Eaton.Fez-se silncio no salo. Indy olhou uma vez mais para a ilustrao, para a intensidade

    da luz que irradiava das asas dos anjos e queimava os inimigos em fuga. Um poder acima detodos os poderes. Indefinvel. Fechou os olhos um segundo. E se fosse verdade? Se essepoder existisse mesmo? "Muito bem, tenta ser racional, tenta pensar como Eaton, atribuindoaquilo a uma lenda antiga, posta a circular por um bando de Israelitas invejosos. Uma tticaintimidatria contra os inimigos, uma espcie de guerra psicolgica. Mesmo assim, haviaqualquer coisa que no podia ser ignorada, ser posta parte.

    Ele abriu os olhos e ouviu Musgrove suspirar e dizer:- Ajudou-nos muito. Espero que possamos visit-lo de novo se precisarmos.- A qualquer hora, senhores. Sempre que queiram. disse Indy.Despediram-se com um aperto de mo e em seguida Brody acompanhou os oficiais at

    a porta. S, no salo deserto, Indy fechou o livro. Pensou por instantes, procurando ao mesmotempo reprimir a excitao que sentia. "Os Nazis descobriram tnis", e aquelas palavrasrodopiaram no seu crebro.

    Susan, a moa, disse:- Espero sinceramente no o ter embaraado quando estava com Brody. Fui to... clara.- No foi clara - disse Indy.Estavam sentados na sala de estar desarrumada dele. Na casa pr-fabricada de Indy. A

    sala estava cheia de recordaes de viagens, de escavaes, vasilhas de barro restauradas,minsculas esttuas, fragmentos de porcelana, mapas e globos - "to desarrumada", pensavaele s vezes, "como a minha vida".

    A moa levantou os joelhos, apertando-os com as mos, encostando o rosto neles."Como um gato," pensou ele "um gatinho satisfeito.

    - Adoro esta sala - disse ela. - Adoro a casa toda... mas sobretudo esta sala.Indy levantou-se do sof e, com as mos nos bolsos, andou de um lado para o outro na

    sala. A moa, por qualquer motivo, era uma intrusa, ao contrrio do que se passava noutrostempos. s vezes, quando ela falava, deixava de ouvi-la.

    Escutava apenas o som da sua voz e no apreendia o significado das palavras. Serviu-se de uma bebida, bebeu lentamente, engoliu; ardeu no peito - uma sensao de ardoragradvel, como o calor de um pequeno sol a brilhar bem no fundo.

    Susan disse:- Esta noite parece to distante, Indy.- Distante?- Est preocupado com alguma coisa. No sei. - Ela encolheu os ombros.

  • Ele caminhou na direo do rdio, ligou, quase sem ouvir o rumor de algum que faziaum relato em voz alta para Maxwell House. A moa mudou a estao e depois ouviu-se msicade dana tocada por um conjunto. "Distante." pensou ele. "Muito mais longe do que poderiaimaginar. A milhas de distncia, oceanos, continentes e sculos.

    Repentinamente pensava em Ravenwood, na ltima conversa que tinham tido, na friaterrvel do velho, na sua ira. Quando escutava os ecos daquelas vozes, sentia-se triste,desapontado com ele mesmo; aceitara uma confiana frgil e despedaara-a.

    "A Marion est apaixonada por voc, e voc aproveitou-se disso.""Tem 28 anos, provavelmente um homem adulto e tirou partido do entusiasmo louco de

    uma moa e aproveitou-se dele para satisfazer os seus prprios interesses s porque elapensa que est apaixonada por voc.

    Susan disse:- Se quer que eu v embora, Indy, eu vou. Se quiser ficar s, eu compreendo.- No tem importncia. Srio. Fique.Ouviu-se um toque na porta; a varanda rangeu.Indy saiu da sala e dirigiu-se ao ptio de entrada e viu Marcus Brody. Tinha um sorriso

    estranho, como se tivesse notcias que desejava guardar, saborear enquanto pudesse.- Marcus, - disse Indy - no contava com sua vinda.- Acho que contava. - disse Brody, empurrando a porta dupla.- Vamos para o gabinete - disse Indy.- Por que no vamos para a sala de estar?- Porque tenho companhia.- Ah. E que mais?Entraram no gabinete.- Preparou aquilo, no foi? - Perguntou Indy.Brody sorriu.- Querem que encontre a Arca antes dos Nazis.Por algum tempo Indy no conseguiu dizer nada. Teve uma sensao de exaltao, uma

    conscincia do triunfo. A Arca.Respondeu:- Creio que tenho esperado toda a vida para ouvir uma coisa como essa.Brody olhou para o copo com bebida na mo de Indy por instantes.- Falaram com os superiores em Washington. Depois consultaram-me. Precisam de

    voc, Indiana. Querem que seja voc.Indy sentou-se na escrivaninha, olhou para dentro do copo, em seguida lanou um olhar

    pela sala. Subitamente uma estranha sensao apoderou-se dele; aquilo era mais que livros,artigos e mapas, mais que especulao, argumento acadmico, discusso, debate - uma

  • sensao de realidade substituiu todas as palavras e imagens.Brody disse:- Claro, tendo em conta o esprito militar, no acreditam inteiramente no poder da Arca e

    etc. No pretendem aceitar essas mitologias. Afinal, so soldados, e os soldados gostam depensar que so realistas de linha dura. Querem a Arca... e passo a citar - "se for capaz... porcausa do seu significado histrico e cultural, e porque um objeto to valioso no pode serpropriedade de um regime fascista." Ou palavras com esse significado.

    - Os seus motivos no interessam. - disse Indy.- Alm disso, pagaro bem...- No quero saber do dinheiro, Marcus. - Indy levantou uma mo, apontando

    rapidamente para a sala. A Arca representa o aspecto elusivo que eu sinto em relao arqueologia... Voc sabe, a histria que esconde os seus segredos. Coisas que esperam porser descobertas. No troco isso pelos motivos deles nem pelo dinheiro. - E fez estalar osdedos.

    Brody acenou com a cabea, concordando.- O museu, claro, ficar com a Arca.- Evidentemente.- Se existir... - Brody calou-se por instantes, em seguida acrescentou. - No devemos ter

    muitas esperanas.Indy levantou-se.- Primeiro tenho que encontrar Abner. Esse seria o passo lgico. Se Abner tiver o floro,

    ento terei de lhe deitar a mo antes que a oposio o faa. Faz sentido, no faz? Sem ofloro, voil, no h Arca. Por isso onde encontrarei Abner?

    Calou-se, percebendo que falou muito depressa. - Creio que sei onde devo comear aprocurar...

    Brody disse:- Passou muito tempo, Indiana. Tudo muda.Indy olhou o outro homem um segundo. Considerou o comentrio enigmtico: "Tudo

    muda." E ento compreendeu que Marcus Brody estava falando de Marion.- Talvez no esteja to irritado com voc. - disse Brody - Por outro lado, pode sentir

    ainda ressentimento. Nesse caso, razovel pensar que no querer dar o floro. Se de fatoo tiver.

    - Esperemos que as coisas corram pelo melhor, meu amigo.- Sempre otimista, no?- Nem sempre. - disse Indy. - O otimismo pode ser fatal.Brody calou-se, andando de um lado para o outro na sala, folheando as pginas dos

    livros. Em seguida olhou para Indy com um ar srio.- Quero que tenha cuidado, Indiana.

  • - Eu tenho sempre cuidado.- s vezes bastante imprudente. Sabes isso to bem quanto eu. Mas no procuraste

    nada semelhante Arca. mais importante. Mais perigoso. - Brody fechou bruscamente umlivro, como se fosse para realar esse ponto. - No sou ctico, como esses militares... achoque a Arca encerra segredos. Creio que tem segredos perigosos.

    Durante um segundo Indy teve vontade de dizer algo irreverente, algo sobre o tommelodramtico da voz do outro homem. Mas viu pela expresso no rosto de Brody que ohomem estava falando a srio.

    - No quero perder voc, Indiana, por maior que seja o prmio. Entende?Os dois homens deram um aperto de mo.Indy notou que a pele de Brody estava cheia de suor.Sozinho, Indy ficou em p at altas horas da noite, sem conseguir dormir, sem conseguir

    deixar de pensar. Percorreu os compartimentos da casa, abrindo e fechando as mos."Passados tantos anos," pensou "tanto tempo depois... Ravenwood o ajudaria? Se ele tivesseo floro, viria Ravenwood em seu auxlio?" E por trs daquelas perguntas ainda havia outra.

    "Marion ainda viveria com o pai?", Continuou andando de sala em sala at que se sentoupor fim no gabinete e ps os ps em cima da escrivaninha, olhando para os diversos objetosespalhados na sala. Em seguida fechou os olhos por instantes, tentando raciocinar, e levantou-se. Tirou um exemplar da velha revista de Ravenwood de uma estante, um presente do velhodos tempos em que ainda eram amigos. Indy folheou-a, reparando numa lista de desiluses,uma escavao que se gorara, outra que revelara apenas as pistas mais tnues, maisdesesperadoras do paradeiro da Arca. As linhas gerais de uma obsesso naquelas pginas; aprocura dilacerante de um objeto perdido da histria. Mas a Arca corria-lhe no sangue e enchiao ar que respirava. E compreendeu a sinceridade do velho, a sua devoo, a nsia que o levoua andar de pas em pas, de esperana em esperana. As pginas revelavam tudo isso, masno havia referncia ao floro em parte alguma. Nada.

    O ltimo artigo da revista mencionava o Nepal, a perspectiva de outra escavao."Nepal." pensou Indy; "Os Himalaias, a regio mais inspita da terra. E muito distante daquiloque os Alemes realizavam no Egito. Talvez Ravenwood tivesse encontrado l alguma coisapor acaso, uma pista para descobrir a Arca. Talvez tudo o que se dizia de tnis estivesse mal.Talvez".

    "Nepal. Teria de comear por l".Era um comeo.Folheou a revista mais algum tempo, depois largou-a, desejando saber como Abner

    Ravenwood reagiria com ele.E como reagiria Marion.

  • 4BERCHTESGADEN, ALEMANHA

    Dietrich sentia-se constrangido na companhia de Ren Belloq.No era tanto a falta de confiana que sentia no francs, mas a sensao que tinha de

    que Belloq tratava quase tudo com igual cinismo; era mais o estranho carisma de Belloq quepreocupava Dietrich, a idia de que de certa forma sentisse vontade de simpatizar com ele,que o atraia contra a sua prpria vontade.

    Estavam sentados na antecmara em Berchtesgaden, o refgio do Fhrer na montanha,um lugar que Dietrich nunca visitara e que o apavorava. Mas reparou que Belloq, recostando-se vontade, com as pernas compridas estendidas, no evidenciava nenhum sentimentosemelhante. Muito pelo contrrio - Belloq parecia estar sentado descontraidamente num caffrancs vulgar, num lugar como aquele em que Dietrich o encontrara em Marselha. "Semrespeito", pensou Dietrich. "Sem sentido da importncia das situaes." Estava irritado com aatitude do arquelogo.

    Ouviu o tique-taque de um relgio, os sons suaves dos carrilhes. Belloq suspirou, rodouas pernas e olhou para o relgio de pulso.

    - Por que esperamos, Dietrich? - perguntou ele.Dietrich no pde evitar falar em voz baixa.- O Fhrer nos receber quando estiver pronto, Belloq. Deve pensar que no tem nada

    melhor para fazer que conversar com ele sobre uma pea de museu.- Uma pea de museu. - Belloq falou com evidente desprezo, olhando para o alemo do

    outro lado da sala. "Como sabem to pouco", pensou. "Como sabem to pouco de histria.Acreditam em todas as coisas erradas: constroem os arcos monumentais e exibem osexrcitos com andar altivo... sem perceberem que no se pode criar deliberadamente o temorda histria. algo que j existe, algo que no se pode aspirar a fabricar com o aparato dofausto." A Arca: s de pensar na possibilidade de descobrir a Arca ficou impaciente. Afinal porque razo tinha que falar com aquele miservel pintor de casas alemo?

    Por que era obrigado a assistir a uma reunio com o homem se a escavao j seiniciara no Egito? Afinal que poderia aprender com Hitler?

    "Nada", pensou. "Absolutamente nada. Talvez fosse uma palestra pomposa. Uma crticaspera. Alguma coisa sobre a grandeza do Reich. Quais seriam os motivos que justificariam aposse da Arca por parte dos Alemes, se ela existisse?

    "O que eles sabiam?", perguntou-se ele.A Arca no pertencia a lugar nenhum. Se tinha segredos, se continha o poder que diziam

    possuir, ento queria ser o primeiro a descobri-la - no era uma coisa que se confiasse denimo leve ao manaco que estava naquele momento noutra sala daquela casa da montanha eo fazia esperar.

    Suspirou cheio de impacincia, mexendo-se na cadeira.

  • Em seguida levantou-se, encaminhou-se para a janela e olhou as montanhas, sem as ver,fitando-as distraidamente.

    Pensava no momento de abrir a caixa, de espreitar e contemplar as relquias das placasde pedra que Moiss trouxera do Monte Horeb. Era fcil imaginar a mo levantando a tampa,o som da sua prpria voz - depois o momento da revelao.

    O momento de uma vida inteira; no havia prmio mais valioso que a Arca Bblica.Quando se afastou da janela, Dietrich observava. O alemo reparou na expresso

    estranha dos olhos de Belloq, o sorriso tnue na boca que parecia interiorizar-se, como seestivesse a apreciar uma enorme piada, um pensamento profundo e divertido.

    Compreendeu ento at onde podia ir a falta de confiana - mas era um negcio doFhrer, fora o Fhrer que pedira Ren Belloq.

    Dietrich ouviu bater o quarto de hora no relgio. De um corredor em algum luga