1. FACULDADE DA AMAZNIA ANTROPOLOGIA Prof. Esp. Joo Carlos S.
Balbi
2. Captulo 2.Cultura
2.1 Natureza da cultura
A cultura, para os antroplogos em geral constitui-se no
"conceito bsico e central de sua cincia", afirma Leslie A. White
(ln Kahn, 1975: 129).
O termocultura ( colere,cultivar ou instruir;cultus,cultivo,
instruo) no se restringe ao campo da antropologia. Vrias reas do
saber humano - agronomia, biologia, artes, literatura, histria etc.
- valem-se dele, embora seja outra a conotao.
Muitas vezes, a palavracultura empregada para indicar o
desenvolvimento do indivduo por meio da educao, da instruo. Nesse
caso, uma pessoa "culta" seria aquela que adquiriu domnio no campo
intelectual ou artstico. Seria "inculta" a que no obteve
instruo.
3.
Os antroplogos no empregam os termoscultoouincultode uso
popular, e nem fazem juzo de valor sobre esta ou aquela cultura,
pois no consideram uma superior outra. Elas apenas so diferentes em
nvel de tecnologia ou integrao de seus elementos. Todas as
sociedades - rurais ou urbanas, simples ou complexas - possuem
cultura. No h indivduo humano desprovido de cultura exceto o
recm-nascido e ohomo ferusum, porque ainda no sofreu o processo de
endoculturao, e o outro, porque foi privado do convvio humano.
Para os antroplogos, a cultura tem significado amplo: engloba
os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivduos
e grupos, em sociedade.
4.
2.1.1 Conceituao
Desde o final do sculo passado os antroplogos vm elaborando
inmeros conceitos sobre cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado
160 definies, ainda no chegaram a um consenso sobre o significado
exato do termo. Para alguns, cultura comportamento aprendido; para
outros, no comportamento, mas abstrao do comportamento; e para um
terceiro grupo, a cultura consiste em idias. H os que consideram
como cultura apenas os objetos imateriais, enquanto que outros, ao
contrrio, aquilo que se refere ao material. Tambm encontram-se
estudiosos que entendem por cultura tanto as coisas materiais
quanto as no-materiais.
Alguns conceitos, para melhor esclarecimento, sero apresentados
aqui, obedecendo a uma ordem cronolgica e com as diferentes
abordagens.
Edward B. Tylor (1871) foi o primeiro a formular um conceito de
cultura, em sua obraCultura primitiva.Ele props: "Cultura ...
aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenas, a arte,
a moral, a lei, os costumes e todos os outros hbitos e aptides
adquiridos pelo homem como membro da sociedade" (ln Kahn, 1975:29).
O conceito de Tylor, que engloba todas as coisas e acontecimentos
relativos ao homem, predominou no campo da antropologia durante
vrias dcadas.
5.
Para Ralph Linton (1936), a cultura de qualquer sociedade
"consiste na soma total de idias, reaes emocionais condicionadas a
padres de comportamento habitual que seus membros adquiriram por
meio da instruo ou imitao e de que todos, em maior ou menor grau,
participam" (1965:316). Este autor atribui dois sentidos ao termo
cultura: um, geral, significando "a herana social total da
humanidade"; outro, especfico, referindo-se a "uma determinada
variante da herana social" (96).
Franz Boas (1938) define cultura como "a totalidade das reaes e
atividades mentais e fsicas que caracterizam o comportamento dos
indivduos que compem um grupo social..." (1964:166).
Malinowski (1944), emUma teoria cientfica da cultura,conceitua
cultura como "o todo global consistente de implementos e bens de
consumo, de cartas constitucionais para os vrios agrupamentos
sociais, de idias e ofcios humanos, de crenas e costumes"
(1962:43).
O mais breve dos conceitos foi formulado por Herkovits (1948),
embora este no seja o nico: "a parte do ambiente feita pelo homem"
(1963:31).
6.
Kroeber e Kluckhohn (1952), em C ulture: a criticaI review of
concepts and definitions,referem-se cultura como "uma abstrao do
comportamento concreto, mas em si prpria no comportamento" (1952:
19).
Beals e Hoijer (1953) tambm so partidrios da cultura como
abstrao.
Afirmam eles: "a cultura uma abstrao do comportamento e no deve
ser confundida com os atos do comportamento ou com os artefatos
materiais, tais como ferramentas, recipientes, obras de arte e
demais instrumentos que o homem fabrica e utiliza" (1969:265
ss).
Para Felix M. Keesing (1958), a cultura "comportamento
cultivado, ou seja, a totalidade da experincia adquirida e
acumulada pelo homem e transmitida socialmente, ou ainda, o
comportamento adquirido por aprendizado social" (1961:49).
7.
Leslie A. White (1959), emO conceito de cultura(In Kabn, 1975:
129 ss), faz diferena entre comportamento e cultura. Para ele,
:
Comportamento quando coisas e acontecimentos dependentes de
simbolizao so considerados e interpretados face sua relao com
organismos humanos, isto , em um contexto somtico" - relativo ao
organismo humano;
Cultura- "quando coisas e acontecimentos dependentes de
simbolizao so considerados e interpretados num contexto
extra-somtico, isto , face relao que tm entre si, ao invs de com os
organismos humanos" - independente do organismo humano.
8.
Dessa forma, comportamento pertence ao campo da Psicologia e
cultura ao campo da Antropologia.
Para White, esse conceito "livra a Antropologia cultural das
abstraes intangveis, imperceptveis e ontologicamente irreais e
proporciona-lhe uma disciplina verdadeira, slida e observvel".
G. M. Foster (1962) descreve a cultura como "a forma comum e
aprendida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade,
constante da totalidade dos instrumentos, tcnicas, instituies,
atitudes, crenas, motivaes e sistemas de valores conhecidos pelo
grupo" (1974:21).
Mais recentemente, Clifford Geertz (1973) prope: "a cultura
deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle - planos,
receitas, regras, instituies - para governar o comportamento". Para
ele, "mecanismos de controle" consistem naquilo que G. H. Mead e
outros chamaram de smbolos significantes, ou seja, "palavras,
gestos, desenhos, sons musicais, objetos ou qualquer coisa que seja
usada para impor um significado experincia" (1978:37). Esses
smbolos, correntes na sociedade e transmitidos aos indivduos - que
fazem uso de alguns deles, enquanto vivem -, "permanecem em
circulao" mesmo aps a morte dessas pessoas.
9.
Pelo visto, o conceito de cultura varia no tempo, no espao e em
sua essncia. Tylor, Linton, Boas e Malinowski consideram a cultura
como idias. Para Kroeber e Kluckhohn, Beals e Hoijer ela consiste
em abstraes do comportamento. Keesing e Foster a definem como
comportamento aprendido. Leslie A. White apresenta outra abordagem:
a cultura deve ser vista no como comportamento, mas em si mesma, ou
seja, fora do organismo humano.
Ele, Foster e outros englobam no conceito de cultura os
elementos materiais e no materiais da cultura.
A colocao de Geertz difere das anteriores, na medida em que
prope a cultura como um "mecanismo de controle" do
comportamento.
10.
A cruz, por exemplo, pode ser vista sob essas diferentes
concepes:
idia- quando se formula a sua imagem na mente;
abstrao do comportamento- quando ela representa, na mente, um
smbolo dos cristos;
comportamento aprendido- quando os catlicos fazem o sinal da
cruz;
coisa extra-somtica- quando vista por si mesma, independente da
ao, tanto material quanto imaterial;
mecanismo de controle- quando a Igreja a utiliza para afastar o
demnio ou para obter a reverncia dos fiis.
A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob
vrios enfoques: idias (conhecimento e filosofia); crenas (religio e
superstio); valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis);
atitudes (preconceito e respeito ao prximo); padres de conduta
(monogamia, tabu); abstrao do comportamento (smbolos e
compromissos); instituies (famlia e sistemas econmicos); tcnicas
(artes e habilidades); e artefatos (machado de pedra,
telefone).
Os artefatos decorrem da tcnica, mas a sua utilizao
condicionada pela abstrao do comportamento. As instituies ordenam
os padres de conduta, que decorrem de atitudes condicionadas em
normas e baseadas em valores determinados tanto pelas crenas quanto
pelas idias.
11.
2.1.2 Localizao da cultura
As coisas e acontecimentos que constituem a cultura, segundo
Leslie A. White, encontram-se no espao e no tempo, e so
classificadas em:
intra-orgnica- dentro de organismos humanos (conceitos, crenas,
emoes, atitudes);
interorgnica- dentro dos processos de interao social entre os
seres humanos;
extra-orgnica- dentro de objetos materiais (machados, fbricas,
ferrovias, vasos de cermica) situados fora de organismos humanos,
mas dentro dos padres de interao social entre eles".
Para esse autor, um item qualquer - conceito, crena, ato,
objeto - deve ser considerado um elemento da cultura, desde
que:
haja simbolizao (representao por meio de smbolos);
seja analisado em um contexto extra-somtico.
12.
2.1.3 Essncia da Cultura
A cultura, para os antroplogos, de forma geral, consiste, como
j foi mencionado, em idias, abstraes e comportamento.
IDIAS.Idias so concepes mentais de coisas concretas ou
abstratas, ou seja, toda variedade de conhecimentos e crenas
teolgicas, filosficas, cientficas, tecnolgicas, histricas etc.
Exemplo- Lnguas, arte, mitologia etc.
Para alguns estudiosos, a cultura consiste em idias, sendo,
portanto, um fenmeno mental que exclui os objetos materiais e o
comportamento observvel.
Essa concepo, segundo White, "ingnua, pr-cientfica e
ultrapassada".
13.
A cultura, na verdade, constituda de idias, mas em parte;
atitudes, atos evidentes e objetos tambm so cultura.
ABSTRAES.Consiste naquilo que se encontra apenas no domnio das
idias, da mente, excluindo-se totalmente as coisas materiais.
Vrios autores afirmam que a cultura uma abstrao ou consiste em
abstraes, ou seja, coisas e acontecimentos no observveis, no
palpveis, no tocveis.
Novamente, Leslie A. White discorda dessa colocao. Para ele,
abstrao significa algo "imperceptvel, impondervel, intangvel ( ...
) ontologicamente irreal", o que estaria fora do campo
cientfico.
14.
COMPORTAMENTO.So modos de agir comuns a grupos humanos ou
conjuntos de atitudes e reaes dos indivduos em face do meio
social.
Inmeros antroplogos consideram a cultura como comportamento
aprendido, caracterstico dos membros de uma sociedade, uma vez que
o comportamento instintivo inerente aos animais em geral. Sob esse
ponto de vista, os instintos, os reflexos inatos e outras formas de
comportamento predeterminadas biologicamente devem ser excludos.
Cultura resulta da inveno social; aprendida e transmitida por meio
da aprendizagem e da comunicao.
15.
Para White, os atos (acontecimentos) e os objetos (coisas) no
so comportamento humano, mas "uma concretizao do comportamento
humano". A cultura consiste, portanto, em uma srie de coisas reais
que podem ser observveis, ser examinadas num contexto
extra-somtico. Para ele, h trs tipos de simbolados
(significados):
idias;
atos evidentes;
objetos materiais.
16.
2.1.4 Classificao da Cultura
A cultura pode ser classificada de diversas maneiras: material
ou imaterial (no material, espiritual), real ou ideal.
CULTURA MATERIAL(ERGOLOGIA).Consiste em coisas materiais, bens
tangveis, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos
materiais, fruto da criao humana e resultante de determinada
tecnologia. Abrange produtos concretos, tcnicas, construes, normas
e costumes que regularizam seu emprego.
Exemplos - Machados de pedra, vasos de cermica, alimentos,
mscaras, vesturio, habitaes, mquinas, navios, satlites artificiais,
cachimbo da paz, cruz, estrela de David etc.
17.
CULTURA IMATERIAL(ASPECTOS ANIMOLGICOS).Refere-se a elementos
intangveis da cultura, que no tm substncia material. Entre eles
encontram-se as crenas, conhecimentos, aptides, hbitos,
significados, normas, valores.
Os membros de uma sociedade compartilham certos conhecimentos e
crenas como reais e verdadeiros.
Exemplo- A crena na existncia de seres sobrenaturais como
deuses, espritos, fantasmas.
Para Hoebel (ln Shapiro, 1966:217), a cultura no material
"consiste no comportamento em si, tanto manifesto (atividade
motora) quanto no manifesto (que se passa no ntimo das pessoas)".
Muitas vezes, a cultura imaterial encontra-se em perfeita fuso com
a material. A cerimnia de casamento, por exemplo, apresenta os dois
aspectos.
18.
CULTURA REAL. aquela em que, concretamente, todos os membros de
uma sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas.
Entretanto, a cultura real no pode ser percebida em sua totalidade,
apenas parcialmente e, para isso, necessrio que os estudiosos a
ordenem e demonstrem em termos compreensveis.
O conhecimento cientfico nem sempre pode evidenciar a cultura
real, mesmo que empregue os mais modernos e avanados mtodos de
pesquisa, porque o real sempre apresentado como as pessoas o
conhecem ou pensam que seja
CULTURA IDEAL .A cultura ideal (normativa) consiste em um
conjunto de comportamentos que, embora expressos verbalmente como
bons, perfeitos, para o grupo, nem sempre so freqentemente
praticados. Muitas vezes, um indivduo, pelo seu egosmo, pode tomar
uma linha de ao diferente, ou os valores no revelados, ocultos,
podem levar a comportamentos contraditrios. A cultura ideal seria a
perfeita, alm, muitas vezes, do alcance comum.
Exemplo- Casamento indissolvel seria o desejvel pela sociedade
ocidental crist; casamento real, o que ocorre e nem sempre
satisfatrio ou atende ao ideal.
19.
2.1.5 Componentes da cultura
De modo geral, a cultura se constitui dos seguintes elementos:
conhecimentos, crenas, valores, normas e smbolos.
CONHECIMENTOS.Todas as culturas, sejam simples ou complexas,
possuem grande quantidade de conhecimentos que so cuidadosamente
transmitidos de gerao em gerao.
Os conhecimentos, de modo geral, so prticos. Sobre o meio
ambiente, por exemplo, os indivduos aprendem principalmente aquilo
que lhes permite a sobrevivncia, ou seja, obteno de alimentos,
construes de abrigos ou habitaes, meio de transporte, proteo contra
as intempries, contra os animais ferozes etc.
O conhecimento engloba tambm aspectos referentes organizao
social, estrutura do parentesco, aos usos e costumes, s crenas, s
tcnicas de trabalho etc.
20.
CRENAS. Crena a aceitao como verdadeira de uma proposio
comprovada ou no cientificamente. Consiste em uma atitude mental do
indivduo, que serve de base ao voluntria. Embora intelectual,
possui conotao emocional.
H crenas falsas e verdadeiras, dependendo da evidncia certa,
efetiva ou de aparncias enganosas.
Para Goodenough (In Kahn, 1975:207), so trs os tipos de
crenas:
"Pessoais- as proposies aceitas por um indivduo como certas
independentes das crenas dos demais.
Exemplo- Acreditar em lobisomem.
"Declaradas- as proposies que uma pessoa aparenta aceitar como
verdadeiras, em seu comportamento pblico, e que as menciona apenas
para defender ou justificar suas aes perante os outros.
Exemplos- Favorvel democracia, igualdade dos sexos, ausncia de
preconceitos.
"Pblicas- as proposies que os membros de um grupo concordam,
aceitam e declaram como suas crenas comuns."
Exemplos- O mistrio da encarnao para os cristos; a reencarnao
para hindus e espritas; a hierarquia militar nas Foras
Armadas.
21.
Outros autores classificam as crenas, ainda,
em:cientficas,quando podem ser comprovadas (ida do homem
lua);supersticiosas,quando no se pratica determinada ao com medo
que lhe acontea algo ruim (no dar esmola pela janela para no ficar
pobre);extravagantes,quando fogem ao comum (a mulher grvida
sentar-se no pilo para dar luz mais facilmente).
H crenasbenficas,quando resultam em algum benefcio (podar as
roseiras na lua nova, no ms de julho ou agosto, para que brotem
viosas); oumalficas,quando causam mal a algum (imolao de
recm-nascidos para obter proteo de deuses).
22.
VALORES. O termo valor, de modo geral, empregado para indicar
objetos e situaes consideradas boas, desejveis, apropriadas,
importantes, ou seja, para indicar riqueza, prestgio, poder,
crenas, instituies, objetos materiais etc. Alm de expressar
sentimentos, o valor incentiva e orienta o comportamento
humano.
Existem dois elementos no valor: um, emocional, e outro,
ideacional.
Exemplo- Gostar, desejar.
Os valores variam de acordo com a maior ou menor importncia que
os membros de uma sociedade lhes atribuem. Sendo um estado mental,
uma realidade psicolgica, o valor no pode ser medido pelos meios at
agora descobertos, uma vez que sua realidade se encontra na mente
humana. Todavia, pode ser reconhecida sua existncia, por meio da
pesquisa social ou psicolgica.
23.
As sociedades, em geral, possuem valores dominantes e
secundrios, havendo uma escala de graduao entre os dois plos.
Exemplos de valores:
dominantes- liberdade de expresso, de religio, de direito
vida;
secundrios- servir caf s visitas, presentear a parturiente,
agradecer cartes de Boas Festas.
Williams (Apud Johnson, 1967: 102) aponta quatro critrios dos
valores dominantes:
amplitude- valor revelado por meio da proporo e atividade de
uma populao (direitos humanos);
durao- tempo de permanncia do valor (liberdade religiosa);
intensidade- grau elevado da procura e mantena do valor
(conquista da independncia poltica);
prestgio- importncia dada ao valor pelos seus portadores
(direito propriedade) .
24.
O termo valor, em sentido amplo, pode ter vrios significados.
Em sentido restrito, para Raymond Firth (1974:59 e 60), ele
significa "a qualidade da preferncia atribuda e um objeto, em
virtude de uma relao entre meios e fins, na ao social".
Para Firth, h seis tipos de qualidades do valor:
tecnolgico- qualidade do alimento;
econmico- condies de comercializao;
moral- alimento para todos: ricos e pobres;
ritual- proibio de comer carne de porco (muulmanos); de vaca
(indianos);
esttico- apresentao de um prato alimentcio;
associativo- jantar comemorativo.
25.
NORMAS. Normas so regras que indicam os modos de agir dos
indivduos em determinadas situaes. Consistem, pois, em um conjunto
de idias, de convenes referentes quilo que prprio do pensar, sentir
e agir em dadas situaes.
As culturas so constitudas de normas comportamentais, ou seja,
de um tipo de conduta que ocorre com maior ou menor freqncia.
26.
Para Beals e Hoijer (1969:268), h dois tipos de normas
compreendidas em uma cultura: as ideais e as comportamentais.
Normas Ideais- aquelas que os membros de uma sociedade deveriam
praticar ou dizer, em dada situao, acatando as regras estabelecidas
pela cultura. Representa os deveres e desejos de uma cultura
particular.
Exemplo- Enterrar ou cremar os mortos.
As normas ideais, para Beals e Hoijer, podem ser classificadas
em cinco categorias:
Obrigatrias -no se pode fugir a elas (andar vestido);
Preferenciais- um modo de comportamento mais valorizado do que
outro (juventude usarjeans) );
Tpicas- quando, entre vrios modos de comportamento aceitveis,
um deles mais usado (cabelos longos e colares doshippies);
Alternativas -quando so aceitos diferentes modos de conduta,
sem que haja diferena de valorao ou de freqncia de uso (mulher usar
cala comprida ou saia);
Restritas -formas de conduta aceitas apenas por alguns membros
da sociedade (indumentria do monge budista);
Normas Comportamentais -so os comportamentos reais dos
indivduos, em determinadas situaes, que fogem s normas ideais.
Exemplo- A pulseira no tornozelo.
Toda sociedade engloba um conjunto de conhecimentos, crenas,
valores e normas de comportamento que, embora seja uma herana
acumulada do passado, continuamente, a cada gerao, vai-se
aperfeioando.
27.
SMBOLOS .Smbolos so realidades fsicas ou sensoriais aos quais
os indivduos que os utilizam lhes atribuem valores ou significados
especficos. Comumente representam ou implicam coisas concretas ou
abstratas.
Pessoas, gestos, palavras, ordens, sinais sensoriais, frmulas
mgicas, valores, crenas, poder, solidariedade, sentimentos,
cerimnias, hinos, bandeiras, textos sagrados, objetos materiais
etc., que tenham adquirido significado especfico, representante em
um contexto cultural, por meio de atos, atitudes e sentimentos,
constituem-se smbolos.
Os significados podem ser;
Arbitrrios- medida que no tm relao obrigatria com as
propriedades fsicas dos fenmenos que os recebem. Fora do campo
lingstico, a ligao entre smbolo e objeto caracteriza-se pela total
ausncia de afinidade intrnseca.
Exemplo- No h relao necessria entre a cruz (propriedade fsica)
e os valores simblicos que os cristos lhe atribuem.
Partilhados- quando o smbolo tem o mesmo significado para
diferentes culturas (geral) ou para determinada sociedade
(particular).
Exemplo- A palma, como aplauso, conhecida em quase todas as
sociedades humanas. A palma que o crente bate frente ao templo
xintosta, no Japo, para chamar a ateno de seu deus (como a dizer; -
estou aqui) conhecida apenas entre os adeptos dessa religio.
c.Referenciais- quando os smbolos referem-se a uma coisa
especfica.
Exemplo- A cor branca, smbolo de luto entre os chineses; hino
nacional brasileiro.
A simbolizao permite ao homem transmitir seus conhecimentos
aprendidos e acumulados durante as diferentes geraes. Eles
resguardam os valores considerados bsicos para a perpetuao da
cultura e da sociedade. A criao deles consiste, basicamente, na
associao de significados quilo que se pode perceber pelos sentidos,
ou seja, ver, ouvir, tocar, cheirar.
28.
O smbolo social, tendo significado partilhado, pode comunicar
tal significado; mas se o indivduo desconhece os valores simblicos
utilizados em uma cultura, ele precisa ser instrudo acerca do mesmo
para poder entend-lo. ou inferir, atravs da observao, o seu
significado. Quando os smbolos so estabelecidos entre pessoas
preparadas para saber a forma e o sentido que eles tm na tradio
cultural, esses indivduos participam de entendimentos comuns. Um
observador est sujeito a erros, quando tenta inferir significados
baseado nos de sua prpria cultura. Entretanto, se o sentido e a
forma estiveram correlacionados com os de sua cultura, ele ter
maior probabilidade de acerto.
Em muitos tipos de comunicao e expresso, incluindo religio e
arte, os smbolos so de fundamental importncia. Nas culturas, a
lngua consiste em um dos sistemas mais importantes de smbolo, sendo
a fala sua forma principal.
29.
2.1.6 Relativismo Cultural
A posio cultural relativista tem como fundamento a idia de que
os indivduos so condicionados a um modo de vida especfico e
particular, por meio do processo de endoculturao. Adquirem, assim,
seus prprios sistemas de valores e sua prpria integridade
cultural.
As culturas, de modo geral, diferem umas das outras em relao
aos postulados bsicos, embora tenham caractersticas comuns.
Toda a cultura considerada como configurao saudvel para os
indivduos que a praticam. Todos os povos formulam juzos em relao
aos modos de vida diferentes dos seus. Por isso, o relativismo
cultural no concorda com a idia de normas e valores absolutos e
defende o pressuposto de que as avaliaes devem ser sempre relativas
prpria cultura onde surgem.
Os padres ou valores de certo ou errado, dos usos e costumes,
das sociedades em geral, esto relacionados com a cultura da qual
fazem parte. Dessa maneira, um costume pode ser vlido em relao a um
ambiente cultural e no a outro e, mesmo, ser repudiado.
Exemplo- No Brasil, come-se manteiga; na frica, ela serve para
untar o corpo. Pescoos longos (mulheres-girafas da Birmnia), lbios
deformados (indgenas brasileiros), nariz furado (indianas),
escarificao facial (entre aborgenes australianos), deformaes
cranianas (ndios sul-americanos) so valores culturais para essas
sociedades. Esses tipos de adornos significam beleza. O infanticdio
e o gerontocdio, costumes praticados em algumas culturas (esquims),
so totalmente rejeitados por outras.
30.
2.1.7 Etnocentrismo
O conceito de etnocentrismo acha-se intimamente relacionado ao
de relativismo cultural. A posio relativista liberta o indivduo das
perspectivas deturpadoras do etnocentrismo, que significa a
supervalorizao da prpria cultura em detrimento das demais. Todos os
indivduos so portadores desse sentimento e a tendncia na avaliao
cultural julgar as culturas segundo os moldes da sua prpria. A
ocorrncia da grande diversidade de culturas vem testemunhar que h
modos de vida bons para um grupo e que jamais serviriam para
outro.
Toda referncia a povos primitivos e civilizados deve ser feita
em termos de culturas diferentes e no na relao
superior/inferior.
O etnocentrismo pode ser manifestado no comportamento agressivo
ou em atitudes de superioridade e at de hostilidade. A discriminao,
o proselitismo, a violncia, a agressividade verbal so outras formas
de expressar o etnocentrismo.
Entretanto, o etnocentrismo apresenta um aspecto positivo, ao
ser agente de valorizao do prprio grupo. Seus integrantes passam a
considerar e aceitar o seu modo de vida como o melhor, o mais
saudvel, o que favorece o bem-estar individual e a integrao
social.
31.
2.1.8 Funo da Cultura
A cultura formada de milhares de traos culturais selecionados,
mas integrados, formando um todo. Sem exceo, cada trao possui forma
e funo.
a. Forma- feitio ou maneira como uma coisa se apresenta ou se
manifesta. Feio exterior, que caracteriza determinado elemento da
cultura. Assim, cada trao cultural possui sua forma especfica.
Exemplo- Anel, cachimbo, casa, cerimnia de casamento, funeral,
processo jurdico etc.
b. Funo- tipo de ao ou procedimento inter-relacionado de traos
de cultura. A maneira como um elemento se relaciona com outros
contribui para o modo de vida global.
Exemplo- Um anel pode ter diferentes formas (medidas)
materiais, figuras e vrias funes (enfeite,
compromisso,status).
Cada trao cultural d cultura total uma contribuio, e o modo
como eles se inter-relacionam leva estrutura da cultura.
32.
2.2 Estrutura da Cultura
Para analisar a cultura, alguns antroplogos desenvolveram
conceitos de traos, complexos e padres culturais.
2.2.1 Traos Culturais
Em geral, os antroplogos consideram os traos culturais como os
menores elementos que permitem a descrio da cultura. Referem-se,
portanto, menor unidade ou componente significativo da cultura, que
pode ser isolado no comportamento cultural. Embora os traos sejam
constitudos de partes menores, os itens, estes no tm valor por si
ss.
Exemplo- Uma caneta pode existir com um objetivo definido, mas
s pode funcionar como unidade cultural em sua associao com a tinta,
convertendo-se assim em um trao cultural. O mesmo ocorre com os
culos (precisam da associao da lente com a armao) e o arco e a
flecha (arma).
33.
Alguns traos culturais so simples objetos, ou seja, cadeira,
mesa, brinco, colar, machado, vestido, carro, habitao etc. Os traos
culturais no materiais compreendem atitudes, comunicao,
habilidades.
Exemplo- Aperto de mo, beijo, orao, poesia, festa, tcnica
artesanal etc.
Nem sempre a idia de trao facilmente identificvel em uma
cultura, em face da integrao, total ou parcial, de suas partes.
Muitas vezes, fica difcil saber quando uma "unidade mnima
identificvel" pode ser considerada um trao ou um item.
Exemplo- O feijo, como prato alimentcio, um trao cultural
material; mas o feijo, como um dos ingredientes da feijoada,
toma-se apenas um item dessa dieta brasileira.
Os estudiosos da cultura, na verdade, esto mais preocupados com
o significado e a maneira como os traos se integram em uma cultura,
do que com o seu total acervo.
O mesmo material, utilizado e organizado por pessoas
pertencentes a duas sociedades diversas, pode chegar a resultados
diferentes; vai depender da utilizao e da importncia ou valor do
objeto para cada uma dessas culturas.
Exemplo- Um arteso pode, com fibras de junco, confeccionar
cadeiras (Brasil) ou casas (Iraque).
34.
Em cada cultura, deve-se estudar no s os diferentes traos
culturais encontrados, mas, principalmente, a relao existente entre
eles. "Todo elemento cultural tem dois aspectos: subjetivo e
objetivo" (o objeto em si e o seu significado) (White, 1975:
140-1).
Atualmente, parece que os antroplogos tm preferido o
termoelemento cultural,em substituio a trao cultural. Hoebel e
Frost (1981 :20 ss) definem elemento cultural como "a unidade
reconhecidamente irredutvel de padres de comportamento aprendido ou
o produto material do mesmo".
35.
2.2.2 Complexos culturais
Complexos culturais consistem no conjunto de traos ou num grupo
de traos associados, formando um todo funcional; ou ainda um grupo
de caractersticas culturais interligadas, encontrado em uma rea
cultural.
O complexo cultural constitudo, portanto, de um sistema
interligado, interdependente e harmnico, organizado em tomo de um
foco de interesse central.
Cada cultura engloba um nmero grande e varivel de complexos
inter-relacionados. Dessa maneira, o complexo cultural engloba
todas as atividades relacionadas com o trao cultural.
Exemplo- O carnaval brasileiro, que rene um grupo de traos ou
elementos relacionados entre si, ou seja, carros alegricos, msica,
dana, instrumentos musicais, desfile, organizao etc. A cultura do
caf, que abrange tcnicas agrcolas, instrumentos, meios de
transporte, mquinas. O complexo do fumo, entre sociedades tribais,
envolvendo cultivo, produto, e os mais variados usos sociais e
cerimoniais; o complexo do casamento, da tecelagem caseira
etc.
36.
2.2.3 Padres culturais
Padres culturais so, segundo Herskovits (1963:231), "os
contornos adquiridos pelos elementos de uma cultura, as
coincidncias dos padres individuais de conduta, manifestos pelos
membros de uma sociedade, que do ao modo de vida essa coerncia,
continuidade e forma diferenciada".
O padro resulta do agrupamento de complexos culturais de um
interesse ou tema central do qual derivam o seu significado. O
padro de comportamento consiste em uma norma comportamental,
estabelecida pelos membros de determinada cultura. Essa norma
relativamente homognea, aceita pela sociedade, e reflete as
maneiras de pensar, de agir e de sentir do grupo, assim como os
objetos materiais correlatos.
37.
Herskovits aponta dois significados nos padres, que embora
paream contraditrios, na verdade, so complementares:
a.Forma- quando diz respeito s caractersticas dos
elementos.
Exemplo- Casas cobertas de telha e no de madeira.
b.Psicolgico- quando se refere conduta das pessoas.
Exemplo- Comer com talher e no com pauzinhos.
Os indivduos, atravs do processo de endoculturao, assimilam os
diferentes elementos da cultura e passam a agir de acordo com os
padres estabelecidos pelo grupo ou sociedade.
O padro cultural , portanto, um comportamento generalizado,
estandardizado e regularizado; ele estabelece o que aceitvel ou no
na conduta de uma dada cultura.
Nenhuma sociedade totalmente homognea. Existem padres de
comportamento distintos para homens e mulheres, para adultos e
jovens. Quando os elementos de uma sociedade pensam e agem como
membros de um grupo, expressam os padres culturais do grupo.
38.
O comportamento do indivduo influenciado pelos padres da
cultura em que vive. Embora cada pessoa tenha carter exclusivo,
devido s prprias experincias, os padres culturais, de diferentes
sociedades, produzem tipos distintos de personalidades,
caractersticos dos membros dessas sociedades. O padro forma-se pela
repetio contnua. Quando muitas pessoas, em dada sociedade, agem da
mesma forma ou modo, durante um largo perodo de tempo,
desenvolve-se um padro cultural.
Exemplos- O matrimnio, como padro cultural brasileiro, engloba
o complexo do casamento, que inclui vrios traos (cerimnia, aliana,
roupas, flores, presentes, convites, agradecimentos, festa, jogar
arroz nos noivos, amarrar latas no carro etc.); o complexo da vida
familiar, de cuidar da casa, de criar os filhos, de educar as
crianas. Ir igreja aos domingos, participar do carnaval, assistir
ao futebol, comer trs vezes ao dia so alguns dos inmeros padres de
comportamento que constituem a cultura total.
39.
2.2.4 Configuraes culturais
Configurao cultural consiste na integrao dos diferentes traos e
complexos de uma cultura, com seus valores objetivos mais ou menos
coerentes, que lhe do unidade.
Ruth Benedict (s.d.: 37), que introduziu a idia de configurao
cultural na Antropologia moderna, escreve: "uma cultura um modelo
mais ou menos consistente de pensamento e ao (...). No apenas a
soma de todas as suas partes, mas o resultado de um nico arranjo e
nica inter-relao das partes, do que resultou uma nova
entidade".
A configurao cultural uma qualidade especfica que caracteriza
uma cultura. Tem sua origem no inter-relacionamento de suas
partes.
Desse modo, a cultura deve ser vista como um todo, cujas partes
esto de tal modo entrelaadas, que a mudana em uma das partes afetar
as demais. Ao estudar uma cultura, deve-se ter viso conjunta de
suas instituies, costumes, usos, meios de transporte etc. que
estejam influindo entre si.
Duas sociedades com a mesma soma de elementos culturais podem
apresentar configuraes totalmente diferentes, dependendo do modo
como esses elementos esto organizados e relacionados.
Exemplo- ndios Pueblo e Navajo das Plancies (USA).
40.
2.2.5 reas culturais
As reas culturais so territrios geogrficos onde as culturas se
assemelham. Os traos e complexos culturais mais significativos esto
difundidos, resultando um modo peculiar e caracterstico de seus
grupos constituintes.
A rea cultural refere-se a um territrio relativamente pequeno
em relao ao da sociedade global, no qual os indivduos compartilham
os mesmos padres de comportamento.
A rea cultural nem sempre corresponde s divises geogrficas,
administrativas ou polticas. O conceito, que em princpio referia-se
mais cultura material do que a outros aspectos, tornou-se, com o
passar do tempo, em face das pesquisas realizadas, mais
abrangente.
O estudo das reas importante para o conhecimento de povos
grafos ou para anlise histrica das tribos antigas, a fim de
descobrir a origem e difuso de traos culturais. importante tambm
para verificar as mudanas que ocorrem na cultura.
41.
2.2.6 Subcultura
O termosubcultura,em geral, significa alguma variao da cultura
total. Para Ralph Linton, a cultura um agregado de
subculturas.
Subcultura pode ser considerada como um meio peculiar de vida
de um grupo menor. dentro de uma sociedade maior. Embora os padres
da subcultura apresentem algumas divergncias em relao cultura
central ou outra subcultura, mantm-se coesos entre si.
A subcultura no tem conotao valorativa, ou seja, no superior ou
inferior a outra; so apenas diferentes, devido organizao e
estrutura de seus elementos. Tambm no est necessariamente ligada a
determinado espao geogrfico. Uma rea cultural pode corresponder a
uma subcultura, mas dificilmente ocorre o inverso, isto , uma
subcultura identificar-se com determinada rea cultural.
Alguns antroplogos associam o termosubculturaa certos grupos
regionais, tnicos, castas e classes sociais.
Exemplo- Os quchua do Peru, os ndios das Plancies (USA), a
cultura do Nordeste brasileiro.
42.
2.3 Nvel de participao
As culturas so constitudas de normas comportamentais ou
costumes.
Ralph Linton (1965:298 ss) classifica essas normas em trs
grupos, de acordo com o nvel de participao - obrigatrio ou
facultativo - dos indivduos. Em cada cultura distinguem-se,
portanto, osuniversais , asespecialidadese asalternativas . Alm
disso, pode-se considerar as peculiaridades individuais.
.
2.3.1 Universais
Embora o contedo da cultura varie de uma sociedade para outra,
existem padres de conduta caractersticos de todos os membros de uma
sociedade, os universais. Abrangem idias, costumes, reaes emotivas
condicionadas, comuns a todos os membros de determinada
sociedade.
Em uma cultura simples predominam as normas universais, ao
contrrio das sociedades grandes e complexas. A lngua e os padres
morais dominantes so sempre universais em qualquer cultura. Os
valores, princpios que justificam e explicam as normas, so os
universais de maior importncia (monogamia, democracia, liberdade,
para vrias sociedades).
Nem sempre uma norma considerada universal para uma sociedade o
tambm para outra, mas pode aparecer como uma alternativa ou
especialidade. So universais: as tradies, os usos, as idias, os
costumes conhecidos e praticados por todos os componentes da
cultura.
Exemplo- A proibio do incesto, encontrada entre todos os povos
do mundo, salvo poucas e raras excees; andar vestido, em muitas
sociedades; enterrar ou cremar os mortos; lngua portuguesa no
Brasil.
43.
2.3.2 Especialidades
Em todas as sociedades, certas normas, praticadas e seguidas
apenas por alguns grupos, so chamadas especialidades. Podem ser
conhecidas pelos outros membros da sociedade, mas no so praticadas
por eles. H, portanto, padres de conduta compartilhados apenas por
certos indivduos ou um subgrupo particular.
Esses padres de comportamento consistem em conhecimentos e
capacidades, reciprocamente interdependentes, atribudos a
diferentes partes da sociedade. So habilidades e conhecimentos
tcnicos de diferentes categorias ocupacionais como ama-de-leite,
arteso, feiticeiro, curandeiro, administrador, arquivista,
engenheiro etc.
O conjunto de especialidades, embora no seja compartilhado por
toda a sociedade, aceito por ela, uma vez que possibilita o
desenvolvimento de habilidades manuais, dos conhecimentos e de
tcnicas que, em forma de bens e servios, vm favorecer a todos
Um indivduo jamais pode adquirir ou manifestar todos os
elementos de sua cultura, assim como um estudioso jamais ter
condies de arrolar todos os aspectos da cultura.
As especialidades so hbitos e idias pertencentes a determinados
grupos de sexo, idade, profissionais, religiosos.
Exemplo- Saudao do escoteiro; o V da vitria.
44.
2.3.3 Alternativas
Em todas as culturas existem inmeros traos partilhados por
certo nmero de indivduos, mas que no so comuns a todos os membros
da sociedade, nem aos grupos de especializao, por no se
assemelharem a qualquer categoria especial de ocupao.
As alternativas variam amplamente e esto vinculadas livre
escolha.
Para uma mesma situao, a cultura oferece vrias frmulas, e assim
o indivduo pode fazer sua opo aceitando uma ou outra modalidade.
So, portanto, padres culturais no obrigatrios, como os universais,
mas facultativos.
Nas culturas de sociedades pequenas - tribais ou grafas - o
nmero de alternativas reduzido, ao passo que nas sociedades grandes
e complexas enorme.
Exemplo- Mulher optar por saia ou cala comprida; ser ou no
vegetariano.
45.
2.3.4 Peculiaridades individuais
As peculiaridades ficam alm dos limites da cultura e constituem
as caractersticas pessoais do indivduo. Embora adquiridas por meio
de condicionamentos diversos, no so compartilhadas por outrem.
Exemplo- Habilidade manual de um arteso; apreciar ou no msica;
medo de andar de avio.
Os universais e as especialidades, por serem mais estveis,
formam o ncleo da cultura. A coeso de uma sociedade est intimamente
relacionada com o equilbrio entre os universais e as
especialidades.
Apesar de no partilhadas por todos os membros da sociedade, as
alternativas so importantes na dinmica da cultura, pois, caso se
difundam, sejam imitadas ou seguidas, incorporam-se cultura. H
sempre algum, numa comunidade, que descobre ou inventa coisas.
46.
2.4 Qualidade da cultura
A cultura significa o modo de vida de um povo e manifesta-se
nos seus atos e nos seus artefatos. Os modos de comportamento que
compem a cultura de qualquer sociedade representam generalizaes de
comportamento de todos ou de alguns como membros da sociedade.
A cultura social ,seletiva ,explcitaeimplcita .
47.
2.4.1 Social
A cultura criada, aprendida e acumulada pelos membros do grupo
e transmitida socialmente de uma gerao a outra e perpetuada em sua
forma original ou modificada. Os indivduos aprendem a cultura ou os
aspectos da cultura no transcurso de suas vidas, dos grupos em que
nascem ou convivem. Dessa maneira, ela compartilhada por
todos.
A cultura dinmica e contnua, em virtude de estar constantemente
se modificando, em face dos contatos com outros grupos ou com suas
prprias descobertas e invenes, ampliando, dessa maneira, o acervo
cultural de gerao em gerao. Varia, portanto, no tempo e no
espao.
O crescimento da cultura, todavia, no uniforme; pode haver
pocas de grande desenvolvimento, de paradas e at de retrocessos. A
alterao pode ser realizada por substituio ou por acumulao, tomando
de emprstimo elementos de outra cultura, conservando-os ou
adaptando-os.
Quando os elementos componentes de uma cultura se harmonizam e
se completam, tem-se a integrao cultural, que aparece em diferentes
graus de interao, levando a uma participao geral.
A cultura padronizada medida que todos os membros de uma
sociedade agem da mesma maneira.
48.
2.4.2 Seletiva
As sociedades, ao construrem suas culturas, atravs dos tempos,
nem sempre incluem todos os padres comportamentais dominantes de
outras culturas, por vrias razes:
por estarem latentes nas sociedades anteriores;
para no perturbar a ordem estabelecida;
por serem, muitas vezes, contraditrios ou conflitantes com os
seus.
A seleo nem sempre ocorre por acaso; feita levando-se em
considerao certos postulados bsicos a respeito no s do homem, como
do mundo que o cerca.
Hoebel e Frost (1981:20) apontam dois postulados bsicos:
a.existenciais- relativos natureza da existncia;
b.normativos- referentes s coisas e ao homem no que tange ao
bom ou ao ruim.
Muitas vezes, a sociedade preocupa-se com a escolha de padres
complexos, coerentes e compatveis com seu modo de vida, tentando
conseguir maior integrao.
A seleo pode ser consciente e desejada, mas a adoo de alguns
padres ou valores se faz de forma inconsciente.
Em certos setores da cultura nem sempre se encontram
justificativas para o aparecimento ou desaparecimento de alguns
padres culturais. Muitas vezes, convivem, lado a lado, dois traos
culturais opostos: o emprego de uma tcnica avanada com outra
superada.
Exemplo- Nos garimpos de diamantes, tanto h homens trabalhando
com mquinas especializadas quanto com bateias ou peneiras.
49.
2.4.3 Explcita ou manifesta
A cultura explcita ou manifesta, tambm designada aberta, aquela
que pode ser exteriorizada por meio de aes e movimentos. Os padres
normativos tendem a ser francos, objetivos e conscientes.
A cultura manifesta inclui hbitos, comportamentos, aptides,
prticas religiosas, normas em geral.
Exemplo- Abrao, dana, jogo. Porm, o exemplo mais tpico o da
cultura material: artefatos, instrumentos, objetos.
50.
2.4.4 Implcita ou no manifesta
A cultura implcita, no manifesta ou latente, aquela que se
encontra no ntimo das pessoas. subjetiva, oculta, inconsciente ou
dissimulada, portanto, perceptvel somente pelo observador. Deve ser
analisada minuciosamente atravs de normas manifestas que os incluem
ou expressam.
A cultura no manifesta de uma sociedade, muitas vezes, no pode
ser percebida nem pelos seus prprios membros, por no fazerem parte
de sua vida cotidiana. Incluem valores, crenas, idias,
conhecimentos.
Exemplo- Reencarnao; modo de trajar da juventude atual.
51.
2.5 Processos culturais
Processo a maneira, consciente ou inconsciente, pela qual as
coisas se realizam, se comportam ou se organizam.
As culturas mudam continuamente, assimilam novos traos ou
abandonam os antigos, atravs de diferentes formas. Crescimento,
transmisso, difuso, estagnao, declnio, fuso so aspectos aos quais
as culturas esto sujeitas.
52.
2.5.1 Mudana cultural
Mudana qualquer alterao na cultura, sejam traos, complexos,
padres ou toda uma cultura, o que mais raro. Pode ocorrer com maior
ou menor facilidade, dependendo do grau de resistncia ou aceitao. O
aumento ou diminuio das populaes, as migraes, os contatos com povos
e culturas diferentes, as inovaes cientficas e tecnolgicas, as
catstrofes (perdas de safras, epidemias, guerras), as depresses
econmicas, as descobertas fortuitas, a mudana violenta de governo
etc. podem exercer especial influncia, levando a alteraes
significativas na cultura de uma sociedade.
Quando o nmero de elementos novos, adotados, supera os antigos,
que caram em desuso, tem-se o crescimento da cultura. As mudanas
podem ser realizadas com lentido ou com rapidez (como ocorre
atualmente, em face dos meios de comunicao) devido aos contatos
diretos e contnuos entre povos.
A mudana pode surgir em conseqncia de fatores internos
-endgenos(descoberta e inveno) ou externos -exgenos(difuso
cultural). Assim, tem-se mudana quando:
novos elementos so agregados ou os velhos aperfeioados por meio
de invenes;
novos elementos so tomados de emprstimo de outras
sociedades;
elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, so
abandonados ou substitudos;
alguns elementos, por falta de transmisso de gerao em gerao, se
perdem.
53.
O crescimento de uma cultura no uniforme nem contnuo, no espao
e no tempo, pois est sujeito a variaes.
Quando os povos mantm-se isolados ocorre a estagnao, pois a
cultura permanece relativamente esttica, modificando-se apenas em
conseqncia de aes internas. Somente as culturas totalmente isoladas
podem manter-se estveis.
Se os elementos culturais desaparecem, tem-se o declnio
cultural. Muitas vezes, condies religiosas, sociais e ambientais
levam ao desaparecimento ou mudana de um complexo cultural. Por um
lado, se um simples trao ou toda uma cultura pode desaparecer, por
outro, o renascimento cultural pode ocorrer, em conseqncia de
fatores endgenos ou exgenos.
Quando os elementos novos, acrescentados a uma cultura, forem
menos significativos em relao aos anteriores, desaparecidos, a
cultura permanecer estacionria ou declinar.
O crescimento, no mbito geral de uma cultura, no se processa no
mesmo ritmo em todos os setores. Esse retardamento ou diferena de
movimento entre as partes de uma cultura recebe o nome de demora ou
retardamento cultural.
54.
As modificaes na cultura, segundo Murdock (ln Shapiro, 1966:208
ss), esto relacionadas com quatro fatores: inovaes, aceitao social,
eliminao seletiva e integrao.
INOVAO .A inovao, que sempre comea com o ato de algum, pode ser
efetuada de cinco maneiras:
Variao- representada por uma ligeira mudana nos padres de
comportamento.
Inveno ou descoberta- atravs da criatividade. Os processos de
descoberta e inveno podem ser atribudos casualidade ou necessidade.
Algumas invenes so absolutamente locais; outras exigem um meio
geogrfico propcio para se desenvolverem, por isso, so em nmero
reduzido.
No campo das inovaes, deve-se fazer distino entre:
descoberta- aquisio de um elemento novo, coisa j existente
(eletricidade, vapor);
inveno- aplicao da descoberta (lmpada, mquinas).
As invenes, em geral, so atribudas a substncias concretas, mas
o termo pode ser aplicado s coisas imateriais, como um novo
costume, uma nova organizao.
A inveno pode serno volutivaou acidental, evolutiva,ou seja,
resultado de um processo racional.
55.
No crescimento da cultura, cada novo trao cultural nada mais do
que o desenvolvimento de elementos culturais existentes
anteriormente. Mesmo que paream totalmente novas, as invenes so
compostas de velhos elementos, como os sindicatos, cuja origem se
encontra na organizao dos trabalhadores por ofcios. Poucos
elementos de uma cultura so inventos locais: a grande parte da
herana cultural brasileira, por exemplo, proveio de Portugal, de
algumas regies da frica, da Europa e de outras localidades.
Tentativa- quando surgem elementos que tenham pouca ou nenhuma
ligao com o passado.
Exemplo- Mquina de escrever e computadores.
Emprstimo cultural- elementos vindos de outra cultura.
De todas as inovaes, o emprstimo cultural o meio mais comum e
importante. Depende do contato humano e, nesse caso, o inovador
apenas o seu introdutor. O emprstimo cultural no necessita ser
completo; s vezes, a nica coisa emprestada a forma. Muitas vezes
resulta do desejo de adoo de um elemento cultural mais
adequado.
Exemplo- fumo, arado, zen-budismo, Papai Noel etc.
Incentivo- elemento alheio, aceito por um povo quando atende a
suas necessidades. essencial ao emprstimo cultural.
Exemplo- Rdio, televiso, rob e computador.
56.
ACEITAO SOCIAL .Aceitao a adoo de um novo trao cultural atravs
da imitao ou do comportamento copiado. No incio, esse elemento pode
ser aceito apenas por um indivduo, estendendo-se depois aos demais.
Preconceitos preexistentes dos membros de uma sociedade receptora
facilitam ou bloqueiam a aceitao ou o emprstimo de uma nova
possibilidade cultural.
A aceitao de um trao depende, muitas vezes, do seu significado.
Ele avaliado, aceito com ou sem modificaes ou rejeitado, pela
cultura receptora. A aceitao vai depender de sua utilizao ou
necessidade. Todavia, a sociedade pode aceitar traos no utilitrios
como um jogo, um mito, uma ideologia, mas a aceitao mais
demorada.
57.
ELIMINAO SELETIVA .Consiste na competio pela sobrevivncia feita
pelo elemento novo. Quando um trao cultural ainda se revela mais
compensador do que suas alternativas, ele perdura; mas quando deixa
de satisfazer as necessidades do grupo, cai no desuso e desaparece,
numa espcie de processo seletivo.
Exemplo- A liteira, a carruagem, o trole, que foram substitudos
pelo automvel, a bicicleta, a motocicleta etc.
58.
INTEGRAO CULTURAL .O processo de integrao, segundo Ralph Linton
(1965:377), consiste no "desenvolvimento progressivo de ajustamento
cada vez mais completo, entre os vrios elementos que compem a
cultura total". A integrao perfeita, pois h sempre modificaes na
cultura. Na integrao deve haver adaptao progressiva, ajustamento
recproco entre os elementos culturais.
2.5.2 Difuso cultural
Difuso " um processo, na dinmica cultural, em que os elementos
ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra",
afirmam Hoebel e Frost (1981 :445). As culturas, quando vigorosas,
tendem a se estender a outras regies, sob a forma de emprstimo mais
ou menos consistente. A difuso de um elemento da cultura pode
realizar-se por imitao ou por estmulo, dependendo das condies
sociais, favorveis ou no, difuso. O tipo mais significativo de
difuso o das relaes pacficas entre os povos, numa troca contnua de
pensamentos e invenes. Nem tudo, porm, aceito imediatamente: h
rejeies em relao a certos traos culturais. Quase sempre ocorre uma
modificao no trao de uma cultura tomado de emprstimo pela outra,
havendo reinterpretao posterior pela sociedade que o adotou.
Um trao, vindo de outra cultura atravs do emprstimo, pode
sofrer reformulaes quanto forma, aplicao, ao significado e
funo.
As condies geogrficas e o isolamento so fatores de impedimento
difuso cultural, que inclui trs processos:
apresentao de um ou mais elementos culturais novos a uma
sociedade;
aceitao desses elementos;
integrao, na cultura existente, de um ou mais elementos.
59.
2.5.3 Aculturao
Aculturao a fuso de duas culturas diferentes que, entrando em
contato contnuo, originam mudanas nos padres da cultura de ambos os
grupos. Pode abranger numerosos traos culturais, apesar de, na
troca recproca entre as duas culturas, um grupo dar mais e receber
menos. Dos contatos ntimos e contnuos entre culturas e sociedades
diferentes resulta um intercmbio de elementos culturais. Com o
passar do tempo, essas culturas fundem-se para formar uma sociedade
e uma cultura nova. O exemplo mais comum relaciona-se com as
grandes conquistas.
60.
ASSIMILAO .A assimilao, como uma fase da aculturao, seria o
processo mediante o qual os grupos que vivem em territrio comum,
embora procedentes de lugares diversos, alcanam uma "solidariedade
cultural
O termo aculturao, no entanto, vem sendo empregado ultimamente,
tambm, como fuso de subculturas ou cultura ruralversuscultura
urbana.
No processo de aculturao deve haver a fuso completa dos grupos
de origens diversas, supresso de um grupo ou de ambos, e a
persistncia dos dois no equilbrio dinmico da sociedade.
Segundo Herskovits, o termo aculturao "no implica, de modo
algum, que as culturas que entram em contato se devam distinguir
uma da outra como 'superior' ou 'mais avanada', ou como tendo um
maior 'contedo de civilizao', ou por diferir em qualquer outra
forma qualitativa".
Exemplo- A cultura brasileira resultou, em princpio, da fuso
das culturas europia, africana e indgena.
O processo de aculturao inclui o processo de sincretismo e
transculturao.
61.
SINCRETISMO .Em religio, seria a fuso de dois elementos
culturais anlogos (crenas e prticas), de culturas distintas ou
no.
Exemplo- Umbanda, que contm traos do catolicismo, do fetichismo
africano e indgena e do espiritismo.
Em linguagem, consiste no uso de uma forma gramatical
particular, a fim de realar as funes de outra ou de outras, alm da
sua.
Exemplo- Abacaxi (fruta ou problema); po (alimento ou rapaz
bonito).
62.
TRANSCULTURAO .A transculturao consiste na troca de elementos
culturais entre sociedades diferentes.
Exemplo- Os srio-libaneses trouxeram oquibee aesfihapara o
Brasil e adotaram o arroz com feijo.
A aculturao consiste, pois, em uma forma especial de mudana. A
sociedade que sofre o processo de aculturao modifica a sua cultura,
ajustando ou conformando seus padres culturais aos daquela que a
domina. Entretanto, embora sofra grandes alteraes no seu modo de
vida, conserva sempre algo de sua prpria identidade.
No processo de aculturao, a mudana surge como um desvio das
normas consuetudinrias existentes, afirmam Hoebel e Frost (49). O
desvio realizado de formas diferenciadas, ou seja, com "entusiasmo,
desprezo, totalmente desaprovado, sancionado levemente ou
lentamente ou totalmente rejeitado".
Em nenhuma sociedade os processos de aculturao ocorrem total ou
instantaneamente; a mudana sempre mais rpida e aceita com maior
facilidade em relao a traos materiais.
Quando um trao novo entra em competio com outro j existente e o
substitui, tem-se adeculturao.
Exemplo- O fogo a gs que substitui o de lenha.
63.
2.5.4 Endoculturao
O processo de "aprendizagem e educao em uma cultura desde a
infncia" chamadoenculturaotanto por Felix Keesing quanto por Hoebel
e Frost. Herskovits emprega o termoendoculturaopara conceituar a
mesma coisa, significando, alm disso, o processo que estrutura o
condicionamento da conduta, dando estabilidade cultura.
Cada indivduo adquire as crenas, o comportamento, os modos de
vida da sociedade a que pertence. Ningum aprende, todavia, toda a
cultura, mas est condicionada a certos aspectos particulares da
transmisso de seu grupo.
As sociedades no permitem que seus membros hajam de forma
diferenciada. Todos os atos, comportamentos e atitudes de seus
membros so controlados por ela.