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Cap XXX 539

Resumo:O Cráton do São Francisco é constituído por crosta

arqueana-paleoproterozóica com uma cobertura neopro-terozóica, o Supergrupo São Francisco. Esta coberturaplataformal é composta por seqüências de diamictitos glacio-marinhos (Formações Jequitaí e Bebedouro) e pelo GrupoBambuí, com sedimentos siliciclásticos marinhos e carbo-natos. O Cráton do São Francisco é circundado por váriasfaixas dobradas neoproterozóicas Brasilianas-Panafricanas.Estas estruturas são cinturões de dobras e empurrões deriva-dos da inversão de várias bacias tipo rifte e preenchidas porsedimentos gravitacionais influenciados pela glaciação.Várias unidades portadoras de diamictitos afloram dentro doCráton do São Francisco (Formações Jequitaí e Bebedouro) enos cinturões dobrados marginais. Estas unidades parecemser aproximadamente sincrônicas, pois mostram semelhanteposicionamento estratigráfico da sequência de diamictitos.

A glaciação do início do Neoproterozóico ocorreu entre800 - 750 Ma e foi regional, desenvolvida sobre o Cráton doSão Francisco. Centros glaciais continentais ou calotas degelo cobriram o cráton e deslocaram-se para bacias margi-nais marinhas. Fácies glaciomarinhas pouco espessas foramsedimentadas na região do cráton e foram retrabalhadas porfluxos gravitacionais subaquosos, gradando, lateralmente,para espessos fluxos de detritos (metadiamictitos) e turbiditos(quartzitos, metarritmitos, xistos) em bacias rifte marginais(futuras faixas dobradas). Glaciação aproximadamente sin-crônica foi denominada de Sturtiana na Austrália.

Palavras-chave: Sedimentação Glacial, Bacias RifteNeoproterozóicas, Diamictitos, Faixas Dobradas Brasilianas.

Abstract:The São Francisco craton consists of Archean and

Paleoproterozoic crust covered by the Neoproterozoic SãoFrancisco Supergroup. These platform stratigraphicsequences are composed by the Jequitaí and Bebedouroglaciomarine diamictites at the base and the marine siliciclas-tic and carbonate sediments of the Bambuí Group, at the top.The São Francisco craton is surrounded by several

GLACIAÇÃO NEOPROTEROZÓICA SOBRE O CRÁTON DO SÃO FRANCISCO E FAIXASDOBRADAS ADJACENTES.

Alexandre Uhlein Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

[email protected]

Carlos José Souza de AlvarengaUniversidade de Brasília, Brasília, DF

[email protected]

Roland TrompetteParis, França

Henri Simon Jean Benoît DupontUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

[email protected]

Marcos Egydio-SilvaUniversidade de São Paulo, São Paulo, SP

[email protected]

Neven CukrovRudjer Boskovic Institute, Zagreb, Croácia

[email protected]

Otávio Nunes Borges de LimaUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

[email protected]

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Neoproterozoic Brasiliano/Pan-African orogens. These struc-tures are fold-thrust belts derived from a rift basin filled withglacially derived gravitational sediments (debris-flow andturbidites). Several diamictite-bearing units crop out withinthe São Francisco craton (Jequitaí and BebedouroFormations) and the surrounding Neoproterozoic fold belts.According to their similar stratigraphic position, these unitsappear to be synchronous.

This glaciation from the beginning of theNeoproterozoic (around 800 - 750 Ma) was a regional glacia-tion developed over the São Francisco craton. Glacial cen-ters or ice-caps once covered the São Francisco craton andmoved towards the marginal marine basins. Thin glacioma-rine facies developed on the border of the craton have beenreworked by subaqueous gravity flows and graded, laterally,into thick debris-flow (metadiamictites) and turbiditesdeposits (quartzites, metarhythmites, schists) in these margin-al rift basins (fold belts). Broadly synchronous glaciation isdescribed in Australia as the Sturtian glaciation.

Keywords: Glacial Sedimentation, Neoproterozoic RiftBasins, Diamictites, Brasiliano Fold Belts.

Resumen:El Cratón San Francisco está constituido por corteza

arqueana-paleoproterozoica con una cobertura neopro-terozóica denominada de Supergrupo San Francisco. Estacobertura de origen de plataforma marina está compuestapor secuencias de diamictitos glacio-marinos (FormacionesJequitaí y Bebedouro) y por el Grupo Bambuí, constituidopor sedimentos siliciclásticos marinos y carbonáticos. ElCratón San Francisco está circundado por varios cinturonesorogénicos neoproterozóicos Brasilianos-Panafricanos.Estos cinturones son estructuras formadas por plegamientosy empujones derivados de la inversión de varias cuencas deltipo rift, que influenciadas por la glaciación fueronrellenadas con sedimentos gravitacionales. Varias unidadesportadoras de diamictitos afloran dentro del Cratón SanFrancisco (Formaciones Jequitaí y Bebedouro) y en los cin-turones orogénicos marginales. Estas unidades parecen sersincrónicas, pues muestran semejanza en el posicionamientoestratigráfico de la secuencia de diamictitos.

La glaciación Neoproterozóica (entre 800 - 750 Ma)desarrollada sobre el Cratón San Francisco fue de carácterregional. Centros glaciales continentales o calotas de hielocubrieron el Cratón y se desplazaron para las cuencas mar-ginales marinas. Facies glacio-marinas poco espesas fuerondepositadas en la región del cratón y retrabajadas por flujosgravitacionales subacuosos, gradando lateralmente paraespesos flujos de detritos (meta-diamictitos) y turbiditos(cuarcitos, meta-ritmitos, esquistos) en cuencas marginalesdel tipo rift (futuros cinturones orogénicos). Glaciaciónaparentemente sincrónica fue denominada de Sturtiana enAustralia.

Palabras llave: Sedimentación Glacial, Cuencas RiftNeoproterozóicas, Diamictitos, Cinturones OrogénicosBrasilianos.

Introdução

Rochas glaciogênicas são bem conhecidas emsucessões neoproterozóicas de vários continentes, evidencian-do um evento climático global (Hambrey & Harland, 1985;Hoffman et al., 1998; Kennedy et al., 1998). As glaciaçõesglobais propostas para o Neoproterozóico têm variado entre duase quatro (Kaufman et al., 1997; Hoffman et al., 1998; Kennedyet al., 1998), distribuídas nos períodos glaciais do Sturtiano(~790 - 700 Ma) e do Varangian/Marinoan (~ 620 - 580 Ma).

Pode-se subdividir as glaciações neoproterozóicas doBrasil em dois intervalos de idade (Alvarenga & Trompette,1992; Trompette, 1994):

- uma mais antiga (~900 - 750 Ma), cujos registros sãoidentificados na região centro-leste do Brasil, no domínio doCráton do São Francisco e das faixas de dobramentos margi-

nais. Dados geocronológicos recentes (Babinski & Kaufman,2003) estão sugerindo que este importante evento glacial noBrasil Central pode ser correlacionado ao evento Sturtiano(790 - 700 Ma), de ocorrência global.

- uma mais nova (~600 Ma), cujos registros são encon-trados na Faixa Paraguai, na margem sudeste do CrátonAmazônico (Alvarenga & Trompette, 1992). Este evento gla-cial mais jovem, de idade Varangian/Marinoan, identificadona Faixa Paraguai, inclui diferentes litofácies glaciomarinhase marinhas fortemente influenciadas pela glaciação(Alvarenga & Trompette, 1992; Alvarenga et al., 2004).

Diversas litologias permitem reconhecer registrosglaciais antigos, especialmente seqüências de diamictitosintercalados com sedimentos pelíticos e arenosos, às vezescom clastos caídos ou pingados (dropstones). Estes sedi-mentos ocorrem nas formações Jequitaí e Bebedouro, querecobrem o embasamento do Cráton do São Francisco emMinas Gerais e na Bahia. Seqüências metassedimentaressemelhantes ocorrem também em várias unidades estratigrá-ficas situadas nas faixas dobradas neoproterozóicas adja-centes.

Este trabalho pretende apresentar uma síntese sobre ainfluência glacial na sedimentação das unidades estratigráfi-cas de cobertura do Cráton do São Francisco e, também, nasunidades que compõem as diversas faixas dobradas ao redordo Cráton.

Aspectos gerais sobre sedimentologia glacial

As geleiras representam grandes massas de gelo quecobriram diferentes extensões da superfície da Terra ao longodo Tempo Geológico. Estas geleiras irão influenciar direta-mente na sedimentação, permitindo a formação de sedi-mentos glaciocontinentais e glaciomarinhos e mesmo influen-ciar à distância, fornecendo suprimento para uma sedimen-tação marinha não-glacial.

A partir do início do século XX até 1950, a teoria gla-cial era a única disponível que permitia a interpretação dagênese de rochas do tipo paraconglomerado constituído porblocos, seixos e grânulos de diversas composições. Assim,desde a virada do século passado, estes paraconglomeradosmal selecionados, pouco estratificados, polimíticos e comsutis feições glaciais (seixos com forma facetada e estriados)foram interpretados como tilitos terrestres, associados compavimentos estriados e folhelhos laminados, estes últimosinterpretados como varvitos (depósito glaciolacustre).

A teoria dos depósitos turbidíticos e da sedimentaçãogravitacional, introduzida em 1950, enfatizou os fluxos demassa submarinos, o que permitiu uma explicação alternativapara a origem de paraconglomerados que se parecem com tili-tos, mas cujos processos sedimentares são distintos.

Nas décadas de 1970 a 1990 ocorreu um grande impul-so na investigação do ambiente glacial devido ao interesse decompanhias petrolíferas. Assim, desenvolveram-se trabalhosde pesquisa sobre processos glaciais recentes, especialmenteem geleiras pleistocênicas do Alaska, Canadá e norte daEuropa (Boulton, 1972; Brodzikowski & Van Loon, 1991;Eyles & Eyles, 1992). Ainda neste período desenvolveram-se,sobremaneira, os estudos sobre mecanismos de fluxos gravita-cionais (Dott Jr, 1963; Middleton & Hampton, 1976; Lowe,1979; 1982) e de escorregamento de sedimentos que ocorrem,em quantidade, no ambiente glacial (Wright & Anderson, 1982).

As geleiras representam grandes massas de gelo queoriginam-se pela acumulação de neve e sua compactação porpressão, transformando-a em gelo. Ocorrem como geleiras devale (ou alpinas), que constituem massas de gelo alongadasem vales montanhosos, ou mantos de gelo (geleiras continen-tais), com grande extensão e espessura, geralmente em baixaslatitudes. Geleiras de vale sofrem deformação devido aopróprio peso, fluxo interno e deslizamento basal. Geleirascontinentais influenciam a sedimentação em todo o globo, porcausarem mudanças climáticas, alterações no nível dos marese circulação oceânica. Importantes características das geleirassão (Edwards, 1986; Miller, 1996; Rocha-Campos & Santos,2000):

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viais e leques submarinos (Miall, 1992; Walker, 1992) egeralmente estão presentes, também, em ambientes glaciola-custres e glaciomarinhos. Neste contexto, um dos maioresproblemas da sedimentologia glacial é a distinção seguraentre tilitos e diamictitos depositados como fluxos de detritossubaquosos, próximos ao gelo.

Os critérios para reconhecimento de fácies glaciais(tilitos, varvitos) levam em consideração uma análise deta-lhada das litofácies em si (textura, geometria, paleocorrentese estruturas sedimentares) como e principalmente, o contextode associação de fácies em que esta encontra-se inserida, ouseja, análise cuidadosa das fácies pelíticas, arenosas e conglo-meráticas associadas ao diamictito.

A geleira pode ser subdividida em zona subglacial(base), supraglacial (parte superior) e englacial (interior dageleira). A zona subglacial é dominada por erosão (abrasão) edeposição de tilitos em pavimentos ou lentes de pequenaespessura. É muito influenciável pelo regime termal dageleira. A zona englacial é não-deposicional e a zonasupraglacial sofre influência do material incorporado poroutras geleiras, que associam-se lateralmente.

O ambiente glacial é constituído por diversos sub-ambientes com distintos processos que influem na sedimentação(Fig.1). O ambiente pró-glacial ocorre na margem da geleira,incluindo os subambientes glaciofluvial, glaciolacustre eglaciomarinho (Edwads, 1986; Eyles & Eyles, 1992; Eyles,1993; Miller, 1996; Rocha-Campos & Santos, 2000).

A sedimentação glacial terrestre ocorre com formaçãodo till, geralmente por baixo de uma geleira ativa, como resul-tado da fusão da mistura de gelo e detritos. Tilitos subglaciaispodem se formar por processo ativo (avanço glacial) ou pas-sivo (degelo). No primeiro caso formam-se tilitos de alojamen-to (lodgement tillites), geralmente pouco espessos (1 metro),maciços, compactados contra o substrato. No segundo caso, for-mam-se tilitos de ablação (melt out tillites), pela lenta liberaçãode detritos transportados na base da geleira.

1 - regime termal (geleira de base seca, sem água dedegelo basal, ou úmida, com fusão localizada e, portanto,apresentando delgado nível de água de degelo);

2 - mudança de fase (alternâncias climáticas, com fasede avanço e de recuo da geleira);

3 - localização geográfica (geleira polar, de condiçãoárida gelada, geleira temperada, de clima úmido, geralmentemarítima e geleira subpolar ou de condições intermediárias).

Os detritos que são carregados na base da geleirapodem sedimentar em condições favoráveis e formar depósi-tos mal selecionados que constituem o till. Tilito é a rochagerada pela litificação do till. Os fragmentos transportadospelo gelo podem ser quebrados ou cominuídos, resultandonum material de grão fino, mal selecionado. Neste processo,clastos maiores podem adquirir forma facetada, pentagonal(“ferro de engomar”) e o substrato pode ser estriado, com for-mação de pavimentos. A ação de processos de erosão glacialé intensa, tanto na forma de abrasão (produzindo pavimentosestriados e polidos), quanto arrancando blocos do substrato eincorporando-os ao gelo.

Till ou seu equivalente litificado, o tilito, é, por sua vez,um termo cuja definição é essencialmente genética. Pode serdefinido como um sedimento transportado e depositado a par-tir de geleiras, com pouca ou nenhuma seleção por água(Dreimanis & Schlüchter, 1985; Boulton & Deynoux, 1981).

Vários depósitos de detritos mal selecionados, que jáforam considerados como tilitos, hoje são descritos comodiamictitos. Este último termo não é genético e refere-se a umsedimento clástico mal selecionado, que contém clastosdiversos, maiores que dois milímetros, de grânulo a matacão,dispersos numa matriz fina, argilo-silto-arenosa, amplamentedominante (Moncrieff, 1989; Raymond, 1995). O diamictitopode ser um tilito quando se tratar de um depósito mal sele-cionado, sedimentado diretamente pela geleira (Harlandet al., 1966). Diamictitos não glaciais, depositados como flu-xos de detritos, são importantes constituintes de leques alu-

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Fig. 1 - Principaisambientes de sedimen-

tação glacial.Modificado de

Edwards (1986), Eyleset al.(1985) e Miller

(1996)

Types of glacial sedi-mentary environments.

Modified fromEdwards (1986), Eyleset al.(1985) and Miller

(1996)

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O subambiente glaciofluvial caracteriza-se pela for-mação de um sistema fluvial entrelaçado (braidplain out-wash), com intercalações de ortoconglomerados e arenitos,com abundantes estratificações cruzadas. Feições como canalsubglacial de degelo (esker) também podem ocorrer.

O subambiente glaciolacustre é caracterizado pelaexistência de dois tipos de lagos: 1- lago periglacial, que nãoestá em contato direto com o gelo, sendo assoreado pelo sis-tema fluvial braided; 2 - lago pró-glacial, que está em conta-to direto com o gelo. Os primeiros são dominados por lobosdeltaicos, formados por arenitos e sedimentos silto-argilososfinos (varvitos), depositados por fluxos de superfície ou defundo (overflow ou underflow). Os lagos pró-glaciais sãodominados por diamictitos maciços ou estratificados e siltitosargilosos provavelmente turbidíticos, contendo seixos pinga-dos (dropstones), caracterizando um leque de lavagem (out-wash) subaquoso. Estes diamictitos foram depositados emmeio subaquoso, devido a chuva de detritos de icebergs oupor fluxos gravitacionais desenvolvidos a partir da margemda geleira.

O subambiente glaciomarinho subdivide-se em proxi-mal e distal (Fig.1). O primeiro é semelhante às fácies glacio-lacustrinas pró-glaciais, com diamictitos, arenitos e siltitosargilosos caracterizando leques de outwash subaquoso. Osegundo, distal, é dominado por processos não glaciais, even-tualmente com sedimentação plataformal, dominada porprocessos de ondas e marés ou mesmo com sedimentaçãogravitacional de talude e bacia oceânica, onde predominam osdepósitos turbidíticos de leque submarino (Eyles & Eyles,1992; Walker, 1992).

O Cráton do São Francisco e as faixas dobradasmarginais

A estruturação geológica da região centro-leste doBrasil é, em grande parte, herdada da orogênese brasiliana,que estabeleceu uma rede de faixas de dobramentos separadaspor crátons. As faixas dobradas correspondem a baciassedimentares neoproterozóicas que sofreram processos deinversão tectônica. O cráton é o segmento crustal estáveldurante a orogênese brasiliana e que, portanto, não foienvolvido nos processos orogenéticos neoproterozóicos.

O Cráton do São Francisco (vide capítulo 1,deste volume) consiste em um embasamentoarqueano-paleoproterozóico e coberturas sedimen-tares paleo-mesoproterozóicas e neoproterozóicas:o Supergrupo Espinhaço e o Supergrupo SãoFrancisco, os quais apresentam deformação emetamorfismo incipientes. O Cráton do SãoFrancisco (Almeida, 1977) corresponde a umsegmento crustal consolidado ao final daorogênese Transamazônica e poupado pelaorogênese Brasiliana, que estabeleceu seuslimites. Ocupa uma área de aproximadamente680.000 km , estendendo-se pelos Estados deMinas Gerais, Bahia e Goiás. É envolvido poruma rede de cinturões ou faixas dobradas

brasilianas vergentes para o seu interior e denominadas deFaixas Brasília, Araçuaí, Rio Preto, Riacho do Pontal eSergipana (Almeida, 1967; 1977; Fuck et al., 1993;Trompette, 1994; Brito Neves et al., 1999). O embasamentodo cráton é constituído por gnaisses, granitóides e granulitosde idade Arqueana, às vezes reativados no CicloTransamazônico, com remanescentes de greenstone belts eseqüências vulcano-sedimentares de idade Arqueana aPaleopreoterozóica (Teixeira & Figueiredo, 1991). Entretanto,o Cráton do São Francisco tem a maior parte de sua áreacoberta por metassedimentos e sedimentos paleoproterozói-cos a neoproterozóicos e, também, fanerozóicos. As cober-turas precambrianas (Almeida et al. , 1976; Domingues, 1993;Trompette, 1994) correspondem ao Supergrupo Espinhaço(Paleo/Mesoproterozóico) e ao Supergrupo São Francisco(Neoproterozóico) (Fig.2). O Supergrupo Espinhaço corres-ponde a uma sucessão de sedimentos terrígenos (siliciclásti-cos), com algumas rochas ácidas/intermediárias na base eraros carbonatos no topo. Assenta-se discordantemente sobreo embasamento ou sobre supracrustais do Paleoproterozóico(afetadas pelo evento Transamazônico) e separa-se doSupergrupo São Francisco por uma discordância angular eerosiva. O Supergrupo São Francisco recobre quase todo osegmento centro-sul do Cráton, marcando o que muitosautores denominam Bacia Sedimentar do São Francisco, etambém ocorre na Chapada Diamantina, geralmente super-posto ao Supergrupo Espinhaço ou sobre o embasamentognáissico. Estratigraficamente, é constituído por diamictitosna base (Formação Jequitaí, Bebedouro) e uma porção supe-rior carbonática-terrígena (Gr. Bambuí, Una). Superpostas aoSupergrupo São Francisco ocorrem coberturas fanerozóicas,

Fig. 2 - O Cráton do São Francisco e as faixas móveismarginais. Segundo Almeida, 1977; Alkmim et al.,1993; Trompette, 1994. The São Francisco

Craton and the adjacent fold belts. From Almeida,1977; Alkmim et al., 1993; Trompette, 1994

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em carbonatos, assim como datação Pb/Pb em calcários pós-glaciais, têm sugerido idades entre 800 e 700 Ma para estaglaciação (Santos et al., 2000, Pimentel et al., 2002; Babinski& Kaufman, 2003)

Contexto estratigráfico, sedimentológico e geotec-tônico de registros da glaciação neoproterozóica noCráton do São Francisco

Metassedimentos com influência glacial ocorrem sobreo Cráton do São Francisco e nas faixas de dobramentosmarginais Araçuaí, Brasília, Rio Preto e Sergipana, represen-tados por metadiamictitos, quartzitos, metarritmitos emetapelitos. Geralmente o metamorfismo superimposto é debaixo grau e permite, ainda, reconstruções e interpretaçõessedimentológicas e estratigráficas. Os metadiamictitos destaampla região foram interpretados, durante as décadas de 50 a80, via de regra, como tilitos. Mais recentemente, os proces-sos deposicionais passaram a ser melhor entendidos e osdiversos diamictitos passaram a receber interpretações distin-tas, mais relacionadas a processos de sedimentaçãoglaciomarinhos, especialmente fluxos gravitacionais sub-aquosos. Estes metadiamictitos encontram-se associados aquartzitos e metapelitos compondo seqüências sedimentaresde bacias extensionais (tipo rifte intracontinental e/oumargem passiva) e de bacias convergentes, próximas de arcosmagmáticos neoproterozóicos.

Formação Bebedouro: Cráton do São Francisco, Bahia

A Formação Bebedouro sobrepõe-se ao Grupo ChapadaDiamantina (Mesoproterozóico) em discordância e está recober-ta pelos carbonatos da Formação Salitre, Grupo Una. Aflora emvários sinclinais, de maneira descontínua, com espessuras de até150 m, na região da Chapada Diamantina, no interior do Estadoda Bahia (Montes, 1977; Montes et al., 1981; Rocha-Campos &Hasui, 1981a; Karfunkel & Hoppe, 1988; Dominguez, 1993).Foi descrita, inicialmente, por Derby (1906) e, posteriormente,por Oliveira & Leonardos (1940 in Guimarães, 1996), que intro-duziram o termo Formação Bebedouro.

É constituída por diamictitos (Fig.3), com intercalações dearenitos e pelitos, estratificados e maciços, geralmente emcamadas alternadas, limitadas por contatos bruscos, erosivos egradativos (Guimarães, 1996).

Inicialmente, as litofácies da Formação Bebedouro foraminterpretadas como relacionadas a uma sedimentação glaciocon-tinental (Montes, 1977; Montes et al., 1981; Karfunkel & Hoppe,1988). Os diamictitos foram interpretados como tilitos, eventual-mente contendo clastos estriados e facetados, e varvitos (sedi-mentos pelíticos com clastos pingados - dropstones) foram iden-tificados. Montes (1977) descreveu ainda pavimentos estriados,feldspatos frescos, fragmentados e angulares, e marcas de per-

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constituídas principalmente por arenitos horizontais de idadeMesozóica a Cenozóica.

As faixas dobradas adjacentes, também chamadas defaixas móveis, representam bacias sedimentares invertidas,que passaram por processos tectono-metamórficos orogenéti-cos (Fig.2). O metamorfismo é de baixo a médio grau e per-mite reconstruções estratigráficas e paleogeográficas, possi-bilitando reconhecer ambientes e processos sedimentares,assim como correlações com seqüências sedimentares da áreacratônica. Via de regra, a cobertura do cráton torna-se,gradualmente, mais deformada e metamórfica, até atingir aregião da faixa dobrada e um limite gradativo se impõe entreo domínio cratônico e o domínio da faixa. Por vezes, umafalha de empurrão importante, cartografada com segurançanos mapas geológicos regionais, marca um limite bruscoentre a cobertura deformada do cráton e as unidades estrati-gráficas da faixa dobrada. Geralmente as faixas dobradas aoredor do Cráton do São Francisco mostram uma estruturaçãode dobras e empurrões (fold-thrust belt), envolvendo umembasamento arqueano/paleoproterozóico remobilizado, evárias unidades estratigráficas meso a neoproterozóicas, commetamorfismo da fácies xisto verde a anfibolito e vergênciapara a região cratônica.

Os limites geocronológicos utilizados neste trabalho são ossugeridos por Fuck (1991), conforme a IUGS, assim relaciona-dos: Arqueano (> 3,6 - 2,5 Ga), Paleoproterozóico (2,5 - 1,6 Ga),Mesoproterozóico (1,6 - 1,0) e Neoproterozóico (1,0 - 0,5 Ma).

Idade da glaciação neoproterozóica sobre o Crátondo São Francisco

Ao longo da década de 1980 e primórdios de 1990, acre-ditava-se que a glaciação neoproterozóica do Cráton do SãoFrancisco teria ocorrido entre 1000 a 900 Ma (Almeida et al.1976; Karfunkel & Hoppe, 1988; Trompette, 1994). Asdatações geocronológicas eram, ainda, pouco confiáveis,especialmente pela dificuldade de se datar rochas sedimen-tares. Em função da escassez de dados geocronológicos con-fiáveis e pelo fato dos diamictitos de origem glacial ocor-rerem estratigraficamente na base ou perto da base de seqüên-cias neoproterozóicas, acreditava-se que deveriam cor-responder ao início do Neoproterozóico.

Entretanto, pesquisas geocronológicas recentes, combase em dados U/Pb Shrimp em zircões detríticos dos diamic-titos da Formação Jequitaí (Buchwaldt et al., 1999; Pimentelet al., 2002), indicaram idades de até 900 Ma, para a crista-lização destes zircões nas rochas-fonte. Assim, a glaciaçãoteria ocorrido depois deste limite superior. Aliado a isto,determinações de isótopos de Sr em calcários da FormaçãoSete Lagoas, recobrindo os diamictitos (Misi & Veizer, 1998;Alvarenga et al., 2003) sugerem que este importante eventoglacial no Brasil Central seja correlacionado à glaciação doevento Sturtiano (790 - 750 Ma). A idade sturtiana para estaglaciação é também sugerida pelos trabalhos com determinaçõesde isótopos de carbono e oxigênio em carbonatos que sucedem aglaciação (Santos et al., 2000; Santos et al., no prelo).

O Grupo Macaúbas, importante unidade estratigráficada Faixa Araçuaí, foi sedimentado com influência glacial, e éconstituído por metadiamictitos, quartzitos e xistos. Ele apre-senta zircões detríticos com idades U/Pb Shrimp variando entre2066 Ma e 980 Ma (Pedrosa Soares et al., 2000) e idade Sm/Ndde metabasaltos de fundo oceânico em torno de 800 - 750 Ma(Pedrosa Soares et al., 1992, 1998). Recentemente, Limaet al. (2002) efetuaram análises geocronológicas U/Pb Shrimpem zircões detríticos da Formação Salinas (topo do GrupoMacaúbas), evidenciando idade de sedimentação entre 570 a500 Ma. Estes dados geocronológicos indicam idade de sedi-mentação entre 850 - 500 Ma para o Grupo Macaúbas.

Amostras de calcários da Formação Sete Lagoas,preservadas e sem deformação, mostram idades Pb/Pb de740 ± 22 Ma (Babinski & Kaufman, 2003), sugerindo que osdiamictitos de origem glacial, depositados sobre o Cráton doSão Francisco, estariam relacionados ao evento Sturtiano.

Assim, pesquisas geocronológicas recentes, baseadasem U/Pb em zircões detríticos, estudos isotópicos de Sr, C, O

Fig. 3 - Aspecto geral do diamictito da Formação Bebedouro na regiãode Morro do Chapéu, Bahia

- Overall aspect of Bebedouro formation diamictite at Morro doChapéu, Bahia

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efetuadas descrevendo feições glaciais importantes. Trata-se daunidade que reúne as melhores evidências da glaciação neopro-terozóica no Cráton do São Francisco. Na região da Serra daÁgua Fria, próxima à cidade de Jequitaí, o embasamento repre-sentado pelo Supergrupo Espinhaço mostra um magnífico pavi-mento estriado, com sulcos longos, de vários metros, retilíneos,sugerindo transporte do gelo de oeste para leste (Isotta et al.,1969; Karfunkel et al., 2003).

Isotta et al. (1969) publicaram as primeiras evidências deuma glaciação neoproterozóica, com descrição do pavimentoestriado e polido da Serra da Água Fria e seixos estriados, poli-dos, com forma pentagonal no diamictito (tilito) que recobre opavimento (Figs. 5, 6A e 6B).

A Formação Jequitaí é constituída por diamictitos, comraras intercalações de arenitos e pelitos, com espessura variandode 0 até 100 metros, localmente até 150 metros. Na base ocor-rem diamictitos maciços, mas para o topo predominam diamic-titos estratificados, com variação na composição da matriz, emesmo na composição e tamanho dos clastos, os quais são degranitos, gnaisses, quartzitos, siltitos, quartzo e calcários, desdegrânulo até matacão. Localmente mostra intercalações de are-nitos lenticulares maciços e pelitos laminados, em camadasmétricas a decimétricas (Fig. 4).

Inicialmente, a Formação Jequitaí foi interpretada comofácies glaciocontinentais com base nos pavimentos estriados daSerra da Água Fria, próximo da cidade de Jequitaí (Isotta et al.,1969; Karfunkel & Karfunkel, 1976; Rocha-Campos & Hasui,1981b; Karfunkel & Hoppe, 1988). Os diamictitos foram inter-pretados como tilitos e sedimentos finos, rítmicos, como varvi-tos (Hettich & Karfunkel, 1978; Karfunkel & Hoppe, 1988),assim como lentes quartzíticas dentro do diamictito, comodepósitos de eskers (Karfunkel & Hoppe, 1988; Karfunkel etal., 2003).

Karfunkel et al. (1984) e Karfunkel & Hoppe (1988) for-mularam um modelo de glaciação continental, com posiciona-mento da atual região da Serra do Cabral e da Serra da Água

cussão (chatter marks) em cristais de granada.Atualmente, segundo Guimarães (1996), a Formação

Bebedouro foi depositada num contexto plataformal, compredominância de fácies glaciomarinhas proximais e osdiamictitos representam sedimentação de fluxos gravita-cionais subaquosos, próximos do gelo. Este autor descreveu,como principais processos sedimentares responsáveis pelaslitofácies da Formação Bebedouro, fluxos de detritos sub-aquáticos, correntes de turbidez de alta e baixa concentraçãoe derretimento de icebergs.

Reconstituições paleogeográficas descrevem geleirassituadas na região nordeste da Chapada Diamantina e emtorno da Serra de Jacobina, fluindo para leste e sudeste(Montes et al., 1981; Dominguez, 1993; Guimarães, 1996),interagindo num ambiente glaciomarinho e sedimentando aFormação Bebedouro em contexto plataformal. Portanto,lobos de gelo situados a leste sobre sedimentos do Espinhaçoe Pré-Espinhaço depositaram as litofácies da FormaçãoBebedouro em contexto glaciomarinho (Guimarães, 1996).

Formação Jequitaí e Grupo Macaúbas: TransiçãoCráton do São Francisco - Faixa Araçuaí

Na região sul do Cráton do São Francisco afloram sedi-mentos da Formação Jequitaí e, na faixa dobrada Araçuaí, osmetassedimentos deformados do Grupo Macaúbas (Uhlein,1991; Pedrosa Soares et al., 1992; Uhlein et al., 1995). Ambasas unidades depositaram-se em discordância sobre quartzitos doSupergrupo Espinhaço (Mesoproterozóico). Sobrepostos àFormação Jequitaí tem-se siltitos e carbonatos do GrupoBambuí. (Fig.4)

A origem glacial da Formação Jequitaí foi reconhecidano início do século passado (Branner, 1919) e posteriormenteconfirmada por Moraes & Guimarães (1930). Esta unidade aflo-ra na cidade homônima e na região da Serra do Cabral, próximodo limite com a Faixa Araçuaí. Inúmeras publicações já foram

Fig. 4 - Principais litofácies da FormaçãoJequitaí nos arredores da Serra do Cabral-MGe na região de Cristalina-GO (SegundoCukrov, 1999; Uhlein et al, 1999)

- Lithofacies variations of Jequitaí Formationnear Serra do Cabral (MG) and Cristalina(GO) regions. (From Cukrov, 1999; Uhleinet al , 1999)

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545Cap XXX

Fria num domínio glacioterrestre, o qual transicionaria, paraleste, a um domínio glaciomarinho.

Gravenor & Monteiro (1983) interpretaram os quartzi-tos lenticulares intercalados nos diamictitos de Jequitaí comomega-clastos e propuseram diferentes direções de movimen-to do gelo.

Martins Neto et al. (1999) descrevem, com detalhe,um afloramento na BR-365, próximo da cidade de Jequitaí.Trata-se de um arenito com estratificações cruzadas, interpre-tado como pertencente a um sistema fluvial entrelaçadoproglacial (outwash plain). A partir de dados de paleocor-rentes na Serra da Água Fria, Martins Neto et al. (1999) eMartins Neto & Hercos (2001) fazem a proposição de umaglaciação de altitude.

Na região da Serra do Cabral, estudos detalhados deDupont (1996) e Dupont et al. (2000), especialmente no flan-co leste da Serra, mostraram a existência de diamictitos e luti-tos brancos, constituindo a Formação Jequitaí. Estas fáciesforam interpretadas como morenas recessionais de tilitosalternando com lutitos brancos, localmente laminados,depositados em corpos de água, entre as morenas recessio-nais.

Os pavimentos estriados da Serra da Água Fria, próxi-mos de Jequitaí, foram re-examinados por Rocha-Camposet al. (1996) e relacionados à erosão glacial num substrato mole,produzidos pela ação de geleiras marinhas flutuantes.

Aliado a isto, Uhlein et al. (1994; 1999a), Cukrov (1999)e Cukrov et al. (2004) interpretaram a Formação Jequitaí comorelacionada à deposição glaciomarinha em plataforma rasa.Para estes autores, os diamictitos da Formação Jequitaí repre-sentam fluxos gravitacionais glaciogênicos subaquosos, for-mados por recuo ou degelo glacial, em contexto glacioma-rinho proximal. Segundo estes autores, a grande espessurados diamictitos da Formação Jequitaí (0-120 m), a predominân-cia de diamictitos estratificados, a inexistência de fácies flu-vioglaciais bem definidas, a ocorrência de intercalações depelitos laminados, são fatos indicativos de sedimentaçãoglaciomarinha proximal ao gelo. Segundo Cukrov (1999), omapeamento geológico da Serra da Água Fria mostrou que osarenitos com estratificações cruzadas, descritos por Martins-Neto et al. (1999) como fácies flúvio-glaciais, constituem oprolongamento norte dos quartzitos do Supergrupo Espinhaço,portanto situados estratigraficamente abaixo da FormaçãoJequitaí.

O Grupo Macaúbas, principal unidade estratigráfica daFaixa Araçuaí, tem a espessura de alguns quilômetros, con-sistindo de metadiamictitos com gradação vertical e lateralpara quartzitos e metapelitos (Moraes & Guimarães, 1930;Karfunkel & Karfunkel, 1976; Hettich, 1977; Karfunkel &Hoppe, 1988; Uhlein, 1991; Pedrosa Soares et al., 1992; Uhleinet al., 1995; Martins Neto et al., 2001). Os metadiamictitos pos-suem matriz areno-argilosa a silto-argilosa e arcabouço aber-to, com grânulos, seixos e matacões de quartzitos, grani-tóides, calcários, xistos e quartzo. A matriz é sempre predo-minante em relação aos seixos, na proporção de 60% (diamic-tito rico em clastos) até 98% (diamictito pobre em clastos). Oaspecto é maciço, com clastos distribuídos de maneiraaleatória, variando em quantidade, às vezes fortemente estira-dos tectonicamente (Fig.7). A geometria dos corpos é irregu-lar, sendo, via de regra, difícil de distinguir os contatos entrediferentes corpos de diamictitos. A espessura dos dois pacotesde diamictitos é grande, variando de uma centena de metrosaté 3 km. Estas características apontam para uma deposiçãopor fluxos de detritos (debris-flow) onde os clastos são supor-tados pela elevada coesão da mistura água-sedimento quecompõe a matriz. Os diamictitos apresentam algumas inter-calações de metaconglomerados e, principalmente, quartzitosou metarritmitos, geralmente lenticulares. Os quartzitos emetarritmitos que se associam lateralmente aos diamictitossão constituídos por sedimentos arenosos e silto-argilosos, emdiversos arranjos de espessura, às vezes mostrando estratifi-cação gradacional e demais intervalos da sequência deBouma (Fig. 8, 9 e 10) e, ainda, ocasionais seixos pingados(dropstones), especialmente na porção sul da bacia.

Estudos paleogeográficos na bacia ou rifte Araçuaí

Fig. 5 - Diamictito rico em clastos da Formação Jequitaí nosarredores da cidade homônima, Minas Gerais

- Clast bearing diamictite of Jequitaí, Minas Gerais

Fig. 6A - Visão geral do pavimento estriado da Serra da Água Fria,situado próximo da cidade de Jequitaí (MG)

- General view of striated pavement of the Serra da Água Fria, nearJequitaí, Minas Gerais

Fig. 6B - Detalhe do pavimento da Serra da Água Fria, com sulcos, caneluras e estrias de abrasão glacial

- Serra da Água Fria pavement detail with grooves, micro-channelsand striations of glacial abrasion

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(Uhlein & Trompette, 1998; Uhlein et al., 1999 a, 1999b) per-mitiram a reconstituição da posição das principais falhas nor-mais ativas durante a sedimentação neoproterozóica. Estasfalhas foram reconstituídas, em função de critérios sedimen-tológicos, a partir da posição de cunhas clásticas subaquosas,representadas pelos diamictitos, depositados ao sopé de falhas

tectonicamente ativas. Assim, a bacia ou rifte Araçuaí apre-sentou escarpas de falhas a oeste e norte, com sedimentaçãogravitacional importante, na forma de cunhas clásticas dediamictitos subparalelos às bordas da bacia. Para sudeste,haveria um aprofundamento gradual da bacia, com sedimen-tação de ritmitos areno-peliticos, depositados através de cor-rentes de turbidez de alta e baixa concentração. A baciaAraçuaí foi dominantemente ensiálica, desenvolvida sobrecrosta continental, mas na região sudeste do rifte formou-seuma cunha de crosta oceânica conforme Pedrosa-Soares et al.(1992; 1998).

Um modelo deposicional foi estabelecido para a sedi-mentação da Formação Jequitaí e do Grupo Macaúbasdurante o neoproterozóico, na borda sudeste do paleoconti-nente do São Francisco (Uhlein et al., 1994; 1999 a). Doisdomínios sedimentológicos podem ser identificados, cada umcom distintas associações de fácies: uma plataforma marinhaglaciada influenciada por geleiras aterradas e/ou flutuantes(Formação Jequitaí) e a borda de uma bacia extensional comdepósitos de fluxos gravitacionais (Grupo Macaúbas). Falhasnormais com provável atividade sísmica, individualizaramblocos com diferentes taxas de subsidência, possibilitando asedimentação dos fluxos gravitacionais subaquosos. O GrupoMacaúbas representa sedimentação gravitacional, na borda deuma bacia extensional, com ressedimentação de material gla-cial, por ação de fluxos de detritos e correntes de turbidez.Posteriormente, as falhas normais foram retomadas comofalhas de empurrão, especialmente no limite cráton-faixa

546

Fig. 7 - Metadiamictito do Grupo Macaúbas com clastos deformados

Group Macaúbas Metadiamictite with deformed clasts

Fig. 8 - Quartzito do Grupo Macaúbas mostrando estratificação grada-cional

Group Macaúbas quartzite showing graded bedding

Fig. 9 - Quartzitos turbidíticos do Grupo Macaúbas, mostrandogradação

- Turbiditic quartzites of Macaúbas group showing graded bed-ding

Fig. 10 - Metarritmitos turbidíticos do Grupo Macaúbas,mostrando gradação

- Turbiditic Metarythmites of Macaúbas group showing grad-ed bedding

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Neoproterozóico. A oeste desenvolveu-se uma sedimentaçãoglácio-marinha e a leste, processos de ressedimentaçãopreencheram o rifte Macaúbas. Posteriormente, no final doNeoproterozóico, a orogênese Brasiliana deformou intensa-mente os metassedimentos do Grupo Macaúbas e doSupergrupo Espinhaço, estabelecendo um cinturão de dobras ecavalgamentos (Fig 11B), na borda sudeste do Cráton do São

dobrada.O modelo deposicional (Fig 11A) mostra o embasa-

mento gnáissico e o Supergrupo Espinhaço, este subdivididona sequência sin-rifte (quartzitos e metaconglomerados) epós-rifte (metassiltitos, quartzitos). Sobre este embasamentoestabeleceu-se um importante rifteamento, com diques máfi-cos marcando a fase extensional, e uma glaciação regional, no

547Cap XXX

Fig 11 - Modelo deposicional (A) e seção estrutural (B) na Faixa Araçuaí. Segundo Uhlein et al., 1990, 1995, 1999a

- Depositional model (A) and structural cross section (B) in the Araçuaí fold belt. From Uhlein et al, 1990; 1995; 1999a

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Francisco (Almeida, 1977; Uhlein, 1991, Uhlein et al., 1995).Na região da Serra do Espinhaço Setentrional aflora o

Grupo Santo Onofre, considerado como ramificação norte doGrupo Macaúbas (Schobbenhaus, 1996; Danderfer, 2000), naregião central do Cráton do São Francisco. É possível identi-ficar falhas normais sinsedimentares que devem corresponderà continuidade para norte das falhas do rifte Araçuaí. O GrupoSanto Onofre é constituído por metabrechas, quartzitos,metarritmitos e pelitos, formados por sedimentação gravita-cional (fluxo de detritos e correntes de turbidez), mas semevidências de influência glacial. Provavelmente, o sítiodeposicional do Grupo Santo Onofre situava-se distante doscentros glaciais (ice-caps).

Formação Jequitaí e Grupo Ibiá: Faixa Brasília

Na Faixa Brasília afloram metadiamictitos, quartzitos emetapelitos sedimentados em ambientes com possível influên-cia glacial, relacionados à Formação Jequitaí, que aflora nodomo de Cristalina (GO) e ao Grupo Ibiá, que aflora desde acidade de Ibiá, em Minas Gerais, até o sul do Estado de Goiás(Dardenne et al., 1978; Rocha-Campos & Hasui, 1981c; Faria,1985; Dardenne, 2000). Ambas as unidades ocorrem em dis-cordância sobre rochas mesoproterozóicas dos GruposCanastra e Paranoá (Faria, 1985; Karfunkel & Hoppe, 1988;Pereira et al., 1994; Cukrov, 1999; Dardenne, 2000).

Na região de Cristalina, a Formação Jequitaí possuiespessura aflorante da ordem de 150 metros e ocorre em dis-

cordância sobre metarritmitos ou quartzitos do GrupoParanoá, estando limitada no topo por falha de cavalgamentocom os filitos e quartzitos do Grupo Canastra (Faria, 1985). Alitofácie dominante da Formação Jequitaí em Cristalina é odiamictito com matriz síltica-arenosa e clastos de quartzitos,filito, siltito, calcários e dolomitos, quartzo. Ocorrem, fre-qüentemente, camadas alternadas de diamictitos pobres emseixos (< 10% de clastos) e de diamictitos ricos em seixos (até50% de clastos), com espessuras da ordem de 10 a 15 metros.Ocorrem, ainda, litofácies subordinadas como quartzito fino amédio, maciço, em camadas com 1 a 2 metros de espessura esiltitos laminados, com seixos ou clastos pingados (drop-stones), com espessura de vários metros. Estas litofáciesforam interpretadas por Faria (1985) como representandouma associação de tilitos e varvitos em contexto glacioconti-nental. Entretanto, Cukrov (1999), em função do predomíniode diamictitos estratificados e grande quantidade de pelitosintercalados nos diamictitos, interpretou estas litofácies comodepositadas num ambiente glaciomarinho. A maior espessurada Formação Jequitaí em Cristalina-GO, aliada aos significa-tivos intervalos de sedimentação pelítica com clastos pinga-dos, sugere um ambiente marinho de águas mais profundas,mais longe do gelo, quando comparados aos depósitos daFormação Jequitaí nos arredores da cidade homônima(Cukrov, 1999). A Fig 12. mostra os principais processos desedimentação glaciomarinha e a situação provável do contex-to deposicional da Formação Jequitaí, tanto na cidade homô-nima quanto no Domo de Cristalina.

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Fig 12 - Processos e depósitos sedimentares associados ao ambiente glaciomarinho (segundo Eyles et al., 1985) e o contexto deposicionalda Formação Jequitaí

- Processes and sedimentary deposits related to glaciomarine environment (from Eyles et al., 1985) and the depositional context of theJequitaí Formation

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bem estratificados e laminados. A grande espessura, aliada àhomogeneidade dos diamictitos, assim como associação comritmitos superiores, pode ser relacionada a fluxos gravita-cionais subaquosos, de borda de bacia.

Lima & Morato (2003) e Lima et al. (2003) estabele-ceram um modelo paleogeográfico (Fig.14), onde a FormaçãoJequitaí, na região de Cristalina (GO), representa sedimen-tação glaciomarinha, enquanto que o Grupo Ibiá, mais espes-so e subsidente, constituiria a borda de uma bacia atrás doarco (back arc) com sedimentação gravitacional associada auma rampa de falha de borda de bacia, com fluxos de detritose correntes de turbidez diluídas. Neste contexto, a proveniên-cia seria de leste, com influência glacial da região do futuroCráton do São Francisco, corroborada por determinaçõesgeocronológicas U/Pb em zircão detrítico, inclusos na matrizdos diamictitos, conforme Dardenne et al. (2003). Associadoao progressivo consumo do Oceano Goiás e o desenvolvi-mento de arcos de ilhas juvenis, a oeste, a Bacia Ibiá passa areceber também sedimentos originários de arcos magmáticos,em contexto de bacia atrás do arco (back arc basin) conformeSeer (1999), Seer et al. (2000) e Dardenne (2000).

O modelo deposicional (Fig. 14A) mostra um embasa-mento constituído por rochas granito-gnáissicas e pelosGrupos Paranoá (quartzitos, metassiltitos e metacarbonatos) eGrupo Canastra (quartzitos e xistos), ambos mesoproterozói-cos. Sobre este embasamento, estabeleceu-se uma baciapreenchida por sedimentação gravitacional dos Grupos Araxáe Ibiá. Progressivamente, ocorre contribuição de um arcomagmático a oeste e desenvolve-se uma bacia atrás do arco(back arc) (Seer et al., 2000). Para nordeste, ocorreu umaglaciação importante com formação de uma plataforma comsedimentação glaciomarinha (Formação Jequitaí).Posteriormente, uma colisão continental de grandes pro-porções, durante a orogênese Brasiliana, provoca deformaçãoe metamorfismo, alterando as relações estratigráficas origi-nais. Estabeleceu-se grande aloctonia, com nappes e dobras(Fig.14B), que mostram transporte tectônico para o Cráton doSão Francisco (Seer, 1999).

Faixa Ribeira - Araçuaí: Formação Carandaí, na regiãode São João Del Rei (MG)

Próximo à cidade de São João Del Rei, na região su-deste do Estado de Minas Gerais, afloram metadiamictitosinterpretados como tilitos e metapelitos com seixos pingados,relacionados à Formação Carandaí (Rocha-Campos & Hasui,1981d; Karfunkel & Noce, 1983; Karfunkel & Hoppe, 1988).

Os diamictitos foram descritos pela primeira vez porLeonardos (1940) e considerados como “tilitos metamórfi-cos” e incluídos na Formação Carandaí, assim como xistos,filitos e metacarbonatos.

Karfunkel & Noce (1983) e Karfunkel & Hoppe (1988)descrevem, no Grupo São João Del Rei, uma unidade média,com cerca de 70 a 100 metros de espessura, com diamictitosna base e metapelitos laminados no topo, às vezes com clas-tos pingados (dropstones). Os diamictitos são interpretadoscomo tilitos, com matriz arenosa ou silto-argilosa, com clas-tos centimétricos a métricos em diâmetro, variando de com-posição desde granitos, gnaisses, quartzitos, xistos, carbo-natos e rochas básicas, estes últimos menos abundantes.

Ribeiro et al. (1995) descrevem, na bacia Carandaí (ouSequência Deposicional Carandaí, conforme Ribeiro, 1996)uma espessa sucessão com cerca de 1000 a 1200 metros deespessura, constituída por pelitos, margas, calcários e diamic-titos depositados por correntes de turbidez diluídas e por flu-xos de detritos. A bacia é orientada NE-SW. Os diamictitossão predominantemente estratificados, mostrando matrizareno-argilosa e clastos variando de grânulos a matacões,constituídos por gnaisses, granitóides, quartzitos, filitos,metabasitos e calcários. Os diamictitos são consideradoscomo depósitos de fluxos gravitacionais coesivos sub-aquosos, depositados na borda de bacia. Os metapelitos (naforma de siltitos gradados) apresentam intercalações de are-nitos maciços ou gradados, e são considerados como rela-cionados a fluxos turbidíticos A Seqüência Deposicional

549Cap XXX

Ambientes marinhos em bacias glaciadas são os maisimportantes sítios de sedimentação. Geleiras que chegam atéo litoral podem atingir o mar, internando-se como uma geleiraaterrada, isto é, arrastando-se sobre o substrato, ou flutuante,levando à formação de icebergs e influenciando a sedimen-tação marinha que aí ocorre. A geleira atua como fonte desedimentos e a deposição ocorre por processos atuantes nointerior do corpo d’água. Ambiente glaciomarinho desen-volve-se numa bacia marinha glacialmente influenciada, istoé, numa margem continental com plataforma, talude e baciaoceânica ou mesmo numa bacia intracratônica (Eyles et al.,1985). A sedimentação é influenciada pelo: 1) suprimentoglacial, controlado pelo relevo da margem da bacia, regimetermal da geleira e dinâmica do fluxo do gelo; 2) peloambiente deposicional que, por sua vez, é influenciado porcorrentes, relevo do substrato e proximidade com o gêlo. Osubambiente glaciomarinho proximal é semelhante ao sub-ambiente glaciolacustrino pró-glacial, onde o gelo entra emcontato com o corpo d’água, desenvolvendo leque delavagem (outwash) subaquoso, com diamictitos, arenitos eritmitos com seixos caídos ou pingados (dropstones), eviden-ciando a ação de icebergs.

Eyles et al. (1985) e Eyles & Eyles, (1992) descreveram,com detalhe, os três processos responsáveis pela geração dediamictitos em meio subaquoso (Fig.12):

1- decantação de sedimentos finos em suspensão asso-ciados a liberação de clastos contidos em blocos de gelo flu-tuantes (processo de rain out). O degelo libera material sedi-mentar que é carregado para o ambiente marinho. Os finossão dispersos através de uma nuvem ou pluma de espraia-mento. Neste caso, ocorre decantação dos sedimentos maisfinos que se encontravam em suspensão na coluna de água,junto com clastos de tamanho variável liberados pela fusão deblocos de gelo flutuantes (ice rafted debris ).

2- ressedimentação, em que sedimentos (tills ) glaciaispreviamente acumulados são transportados pela ação de flu-xos gravitacionais em superfícies inclinadas, adquirindofaciologia bastante distinta (fluxo de detritos e turbiditos);

3- retrabalhamento por correntes e decantação, demaneira combinada, gerando diamictitos com matriz arenosa eestruturas trativas, intercalado com diamictito de matriz pelíticae laminado. Neste caso, o retrabalhamento ocorre pela ação demarés, ondas de tempestades e correntes oceânicas.

No Grupo Ibiá, Pereira (1992) e Pereira et al. (1994)individualizaram, na base, a Formação Cubatão, com meta-diamictitos de matriz argilo-arenosa bem foliada (Fig.13),centenas de metros de espessura e, no topo, pela FormaçãoRio Verde, constituída por metarritmitos e filitos. Ambas asunidades são relacionadas à sedimentação marinha cominfluência glacial (Pereira et al., 1994), depositadas num con-texto de margem passiva (Fuck et al., 1993), com evolução pro-gressiva para uma bacia back-arc (Seer, 1999; Dardenne, 2000;Seer et al., 2000).

Lima & Morato (2003) fizeram um mapeamento deta-lhado na Serra dos Pilões, Guarda-Mor, e caracterizaram osmetadiamictitos da Formação Cubatão com espessuras daordem de 500 a 1000 metros, predominando diamictitosmaciços e estratificados, com matriz pelítica, localmentearenosa e clastos de granitóides, mica-xistos, quartzitos,carbonatos, variando desde 3 até 20 centímetros, podendochegar a 1 metro. Geralmente apresentam xistosidade proe-minente e seixos achatados tectonicamente. A Formação RioVerde, é constituída por metarritmitos areno-silto-argilosos,

Fig. 13 -Metadiamictitos doGrupo Ibiá, com diver-sos clastos, destacando-se um matacão de gran-itóide

Fig.13 - Ibiá groupMetadiamictite withseveral clasts, with aproeminent granitoidboulder

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Fig. 14 - Modelo deposicional (A) e seção estrutural (B) para os grupos Araxá, Ibiá e Formação Jequitaí, na Faixa Brasília. SegundoDardenne (2000), Seer et al.(2000) e Lima et al.(2003)

- Depositional model (A) and strutural cross section (B) in Brasília fold belt. From Dardenne (2000), Seer et al.(2000) and Lima et al.(2003)

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de cisalhamento transcorrente no embasamento, que induziu umleque na cobertura metassedimentar (Egydio Silva et al., 1993).

Faixa Sergipana - Formação Capitão-Palestina

A Faixa Sergipana ocorre no limite nordeste do Cráton doSão Francisco e pode ser subdividida num domínio de coberturacratônica, um domínio externo, com metassedimentos fracamentedeformados e num domínio interno, com metassedimentos meta-morfizados nas fácies xisto verde a anfibolito (Almeida, 1977).Tectônica de nappes com vergência para o sul e zonas de cisa-lhamento transcorrêntes constituem as principais estruturas(Campos Neto & Brito Neves, 1987; Del Rey, 1995).

A Faixa Sergipana compreende os Grupos Miaba e Vaza-Barris (Humphrey & Allard, 1969; Trompette, 1994; Fuck et al.,1993). O primeiro, com cerca de 1 km de espessuras, apresenta,na unidade média (Formação Jacarecica) metagrauvacasseixosas, com clastos de até 1 metro de diâmetro, constituídos porgnais-ses, granitóides e quartzitos, possivelmente correlacionávelà Formação Bebedouro. É superposta pela Formação Jacoca,constituída por metacalcários e dolomitos.

No Grupo Vaza-Barris, unidade alóctone, com váriosquilômetros de espesssura, aflora, na base, a Form. CapitãoPalestina, constituída por metagrauvacas seixosas (meta-diamictitos), com freqüentes intercalações de metapelitos equartzitos, interpretadas como resultado de fluxos de lama e detri-tos (Fuck et al., 1993). As metagrauvacas apresentam clastos deseixos a matacões, predominantemente de gnaisses e granitóides.Para o topo, aparecem metacarbonatos (Formação Olhos d’Água)e recorrências de metagrauvacas conglomeráticas (Formação FreiPaulo- Ribeirópolis). Mais ao norte ocorrem metassedimentos doGrupo Macururé, com micaxistos, metagrauvacas e paragnaissesque correspondem a depósitos turbidíticos. Estas duas unidadesestratigráficas devem corresponder à sedimentação neopro-terozóica, em parte de margem passiva (Fuck et al., 1993), nointervalo 900 a 700 Ma. Influência glacial importante na bacia desedimentação não foi descrita, mas o material sedimentar sugerecomparação ou correlação com o Grupo Macaúbas, da FaixaAraçuaí.

Conclusões sobre a paleogeografia da glaciaçãoNeoproterozóica na região centro-leste do Brasil

A glaciação neoproterozóica está relativamente bemcaracterizada na região do Brasil Central (Karfunkel & Hoppe,

Carandaí transiciona, mais para leste, para a SeqüênciaAndrelândia, onde, próximo da cidade de Madre de Deus, asul de São João Del Rei, afloram biotita xistos conglomeráticos,com grandes clastos de gnaisse, provavelmente caídos a partir deicebergs, que influenciavam a sedimentação neoproterozóica dasequência Andrelândia.

Uma capa de gelo neoproterozóico (ice cap) poderia estarrepresentada a noroeste da cidade de São João del Rey, sobre oembasamento gnáissico da região e influenciando, para sul-sudeste, a borda da bacia sedimentar Carandaí-Andrelândia,preenchida, principalmente, por sedimentação gravitacional.Clastos isolados, provavelmente caídos de icebergs neoproterozói-cos, são descritos a sudeste de São João del Rey, em biotita xistosda seqüência Andrelândia (Trouw et al., 1984). Este contexto,semelhante ao da Faixa Araçuaí, mais ao norte, indica glaciação naborda de uma bacia extensional do tipo rifte, influenciando a sed-imentação neoproterozóica da bacia Andrelândia e permitindo aformação de clastos pingados ou caídos a partir de icebergs.

Faixa Rio Preto - Formação Canabravinha

A Faixa Rio Preto ocorre no limite noroeste do Cráton doSão Francisco, entre os Estados da Bahia e Piauí. Foi descrita edefinida por Almeida (1977) e Inda & Barbosa (1978), os quaisdefiniram zonas eugeossinclinal, miogeossinclinal, pericratônicae cratônica.

É constituída, estratigraficamente, pelo Grupo Rio Preto,que aflora no vale do Rio Preto, constituído por quartzitos, meta-margas, xistos e anfibolitos. Afloram também metadiamictitos,quartzitos, siltitos e calcários.

Egydio-Silva (1987) desenvolveu um detalhado trabalholito-estrutural na Faixa Rio Preto, definindo cinco unidades lito-estruturais, conforme a intensidade da deformação e do meta-morfismo. O Grupo Rio Preto foi considerado um provávelequivalente estratigráfico do Supergrupo Espinhaço, sendo cons-tituído por quartzitos micáceos, mica xistos, quartzitos ferrugi-nosos ou itabiritos, filitos hematíticos e grafitosos e anfibolitos. Ésuperposto pelas Formações Canabravinha, São Desidério, Serrada Mamona e Riachão das Neves (Egydio-Silva, 1987; Egydio-Silva et al., 1990). A Formação Canabravinha foi consideradacomo um provável equivalente da Formação Bebedouro, a qual ésuperposta pelas demais formações, que constituem o GrupoBambuí na região noroeste da Bahia.

Entre as cidades de Formosa do Rio Preto e Monte Alegre,próximo da divisa Bahia-Pernambuco, aflora, na Faixa Rio Preto,a Formação Canabravinha, constituída por metadiamictitos(Fig.15), quartzitos feldspáticos, às vezes carbonáticos, metapeli-tos e metamargas, com cerca de 500 a 1000 metros de espessura,correlacionável à Form. Bebedouro (Egydio-Silva, 1987; Egydio-Silva et al., 1990). Os metadiamictitos formam camadas oulentes, intercalados nas demais litologias. Apresentam pre-domínio de matriz areno-pelítica, e clastos deformados e estira-dos, desde centimétricos a decimétricos, compostos por quartzi-tos, gnaisses e, subordinadamente, metapelitos e metacalcários. Amatriz dos diamictitos é constituída por quartzo, carbonatos,feldspatos, clorita, sericita e opacos. As litofácies descritas porEgydio-Silva (1987) indicam sedimentação gravitacional, comfluxos de detritos e correntes de turbidez, associada a talude ourampa de falha (Fig. 16). Influência glacial na sedimentação daFormação Canabravinha não é descrita. Possivelmente a sedi-mentação neoproterozóica da Faixa Rio Preto ocorreu em con-texto muito distante dos sítios cobertos pelo gelo (ice caps) neo-proterozóico. A reconstituição da bacia sedimentar sugere umgráben ou rifte intracontinental (Egydio Silva, op.cit.). Umquadro estratigráfico é apresentado (Fig. 16A), com represen-tação do Grupo Rio Preto, Formação Canabravinha e as unidadescorrelacionáveis ao Grupo Bambuí, discordantes entre si emostrando deslocamento do depocentro com avanço da sedi-mentação.

A estrutura da Faixa é incomum no contexto do Cráton doSão Francisco, mostrando um leque de dupla vergência (Fig.16B), assimétrico, com uma porção mais desenvolvida, a sul,com deslocamento de massa para a região do Cráton do SãoFrancisco e uma porção mais curta a norte com vergência paranorte. A origem da estrutura está relacionada a uma possível zona

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Fig. 15 - Metadiamictito da Formação Canabravinha, mostrandomatacão de granitóide

- Canabravinha formation metadiamictite showing granitoid boulder

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1988; Dominguez, 1993; Trompette, 1994). Estudos paleo-magnéticos efetuados sobre diques máficos na região leste doCráton do São Francisco (D’Agrella Filho et al., 1990)indicam que a região sob influência de glaciação estaria entre40º e 60º de latitude. Neste contexto, as geleiras, provavel-mente de base úmida, teriam ocupado as áreas elevadas,estáveis (futuro Cráton do São Francisco), nas quais os proces-sos eram dominantemente erosivos (Fig. 17). Nas bacias neo-proterozóicas adjacentes, geralmente de margem passiva(com crosta oceânica) ou como rift intracontinental (inteira-mente sobre crosta siálica), ocorria sedimentação gravita-cional associada com tectonismo extensional. Falhas normaismarcam os limites das bacias neoproterozóicas, que coinci-dem com ocorrência de espessos diamictitos sedimentadoscomo fluxos gravitacionais subaquosos.

Três geleiras (ice caps) podem ser individualizadas,com respectivas direções de transporte, deduzidas a partir deorientação de estrias, diminuição do diâmetro de clastos dos

diamictitos e posição de fácies distais, pelíticas, com clastospingados (Fig. 17).

A geleira situada mais ao norte, nos arredores da Serra daJacobina, no interior do Estado da Bahia, deslocava-se para SW,com lobos de gelo migrando para dentro de um corpo d’água(Dominguez, 1993; Guimarães, 1996). A geleira central deslo-cava-se preferencialmente para SE (Isotta et al. ,1969;Karfunkel & Hoppe, 1988), ou mesmo para SW e S (Dardenneet al., 1978; Dupont et al., 2000), direções deduzidas a partir depavimentos estriados e padrão de interdigitação de fácies. Ageleira situada mais ao sul deslocava-se preferencialmente paraSE, influenciando a sedimentação das sequências Carandaí eAndrelândia, na borda sul do paleocontinente do São Francisco.

Nas bacias neoproterozóicas o material glacial incon-solidado, geralmente glaciomarinho, foi ressedimentadocomo depósito gravitacional, do tipo gerado por fluxo dedetritos (diamictitos) e turbiditos (metarritmitos areno-silto-argilosos). Este fenômeno de ressedimentação nas bacias neo-

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FIG. 16 - Quadro estratigráfico (A) e seção estrutural (B) na Faixa Rio Preto. (Segundo Egydio-Silva, 1987; Egydio-Silva et al., 1990)

- Stratigraphic architecture (A) and structural cross section (B) in Rio Preto fold belt. From Egydio-Silva, 1987; Egydio-Silva et al., 1990

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proterozóicas é associado à deglaciação e ao tectonismosinsedimentar de abertura dos riftes.

Este evento tectônico extensional representa a frag-mentação do supercontinente Rodínia, com abertura de baciasneoproterozóicas. Este evento tectônico foi aproximadamentecontemporâneo à glaciação regional. Com o degelo, ocorreuum soerguimento isostático pós-glacial que, possivelmente,ampliou e incrementou a extensão continental.

Assim, acredita-se na formação de diversas geleirascontinentais ou ice caps na região centro-leste do Brasil, pos-sivelmente no intervalo de 800 a 750 Ma, talvez relacionadasao evento glacial Sturtiano (Santos et al., 2000; Pimentel et al.,2002; Babinski & Kaufman, 2003, Alvarenga et al., 2003). Emparte concomitante, ou logo posterior ao evento glacial, ocorreuabertura de bacias sedimentares, que foram preenchidas por

sedimentação gravitacional. Estas bacias transformaram-se,através de processos tectono-metamórficos orogenéticos, emfaixas dobradas, edificando cadeias de montanhas, configu-rando e determinando os limites do Cráton do São Francisco.

Agradecimentos

Ao Professor Fernando Flávio Marques de Almeida,pelos ensinamentos transmitidos através das inúmeras publi-cações sobre a Geologia do Brasil. Aos editores deste livro,pelo incentivo e convite para a elaboração do artigo e aoProfessor Joel Carneiro de Castro (UNESP) pela revisão doartigo. Às nossas instituições, pelo apoio nas atividades deensino e pesquisa.

Fig. 17 - Paleogeografia da glaciação sturtiana (~800 Ma) e principais bacias sedimentares neoproterozóicas. Segundo Karfunkel & Hoppe(1988), Dominguez (1993) e Dupont et al.(2000)

- Paleogeographic analysis of Sturtian glaciation ( 800 Ma) and main neoproterozoic sedimentary basins. From Karfunkel & Hoppe(1988), Dominguez (1993) e Dupont et al.(2000)