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Políticas públicas para o setor cultural
Semana 3Texto base 2
Concepção contemporânea de política pública cultural: articulação, fomento e disseminação de ações culturais na sociedade
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Albino Rubim chama a atenção para a superação, ainda que parcial, das três “tradições”
(ausências, autoritarismos e instabilidades) na primeira década do século XXI, em especial
após a chegada do músico Gilberto Gil ao Ministério da Cultura, quando da posse de Luiz
Inácio Lula da Silva na Presidência da República.
O pesquisador ilustra o enfrentamento da tradição de ausência com a recuperação do
papel ativo do Estado, que retoma o protagonismo na elaboração de políticas culturais, em
sintonia com a declaração do ministro de que “formular políticas culturais é fazer cultura”.
Rubim ressalta ainda que “o autoritarismo estrutural que impregna a sociedade brasileira”
foi também enfrentado a partir da ampliação do próprio conceito de cultura, como já vimos
no início deste curso. Para ilustrar esse aspecto, o pesquisador sublinha a abertura conceitual
e prática da visão elitista e discriminadora da cultura que prevalecia até então. A infl exão é
ilustrada pelo anúncio de que o público prioritário de atuação do Ministério da Cultura é a
sociedade brasileira e não apenas os criadores culturais.
Essas mudanças de rumo do MinC foram acompanhadas da adoção da concepção
antropológica de cultura e do abandono da atuação “circunscrita ao patrimônio (material) e às
artes (reconhecidas), abrindo suas fronteiras para outras culturas: populares, afro-brasileiras,
indígenas, de gênero, das periferias, audiovisuais, das redes e tecnologias digitais, entre outras”.
Como já mencionamos no início de nosso curso, a tese da “cultura em três dimensões” –
cultura como simbologia, como cidadania e como economia – foi outra importante conquista
do MinC nesse período. Esses três aspectos passaram a ser vistos de maneira integrada,
como indissociáveis na elaboração das políticas culturais, nenhum deles sendo subordinável
a qualquer dos demais.
Outra herança signifi cativa desse momento foi o Cultura Viva – Programa Nacional de
Cultura, Educação e Cidadania –, voltado à articulação, fomento e disseminação de ações
culturais provenientes, especialmente, de agentes culturais periféricos e comunitários. Tendo
como base os Pontos e Pontões de Cultura, o programa foi concebido para fortalecer o
protagonismo cultural na sociedade brasileira, valorizando as iniciativas culturais de grupos
e comunidades, ampliando o acesso aos meios de produção, circulação e fruição de bens e
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serviços culturais. Em 2014, o programa foi transformado pela presidenta Dilma Rousseff em
política de Estado – a Política Nacional de Cultura Viva – simplifi cando e desburocratizando
ainda seus processos de prestação de contas e os repasses de recursos para as organizações
da sociedade civil.
É importante ressaltar que os Pontos de Cultura materializaram também a primeira ação
de política pública no campo cultural voltada ao contexto das redes e tecnologias digitais.
Vamos nos debruçar mais detidamente sobre esse aspecto dos Pontos de Cultura em nossa
próxima sessão, na qual trataremos da “sociedade em rede” e da cultura digital.
Em 2007, houve a descentralização do programa Cultura Viva para os estados e municípios.
Hoje, a Rede Estadual de Pontos de Cultura é formada, no estado do Rio de Janeiro, por
196 Pontos de Cultura. Liderada pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, em
articulação com o Ministério da Cultura, a rede tem como objetivo fomentar a rica diversidade
cultural do estado, proporcionando apoio fi nanceiro e articulação institucional a iniciativas
culturais bem-sucedidas da sociedade civil.
Quanto à terceira das “tristes tradições” das políticas culturais brasileiras identifi cadas por
Rubim, as instabilidades, este destaca que o MinC preocupou-se, na gestão mencionada, com
a proposição de políticas nacionais mais permanentes, que pudessem transcender governos.
É o caso da implantação e desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e do Plano
Nacional de Cultura (PNC), bem como do esforço de elevação das verbas destinadas à pasta
da cultura nas esferas nacional, estadual e municipal. Trataremos mais detidamente dessas
frentes um pouco mais adiante em nosso curso.
Tentando consolidar o que vimos até aqui, devemos então ter em mente que uma política
pública cultural contemporânea deve, de fato, reconhecer a existência de uma diversidade
de públicos, com toda uma pluralidade de visões e demandas. Além disso, uma vez que os
recursos para a cultura são historicamente escassos, pode-se deduzir que conceber e gerir
políticas culturais hoje é, também, fazer escolhas. Surge assim outra importante indagação/
refl exão: quais os critérios e motivações que devem reger essas escolhas?
O Brasil é um país de dimensões continentais, maior, por exemplo, que toda a Europa
Ocidental. Somos mais de 200 milhões de brasileiros. Se a diversidade cultural é o nosso maior
trunfo, a disparidade e a exclusão social são nossos maiores desafi os, que se materializam na
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desigualdade de acesso aos recursos e oportunidades de consumo, de prática e de criação
culturais. Esse quadro, evidentemente, não pode ser deixado de lado quando se trata da
elaboração de políticas públicas sob uma ótica de reconhecimento e valorização de direitos.
Nesse sentido, pode-se dizer que as políticas públicas culturais têm entre seus sentidos
mais ricos o da efetivação da cidadania. Elas devem ter como referência fundamental a
proteção, a promoção e a reparação de direitos declarados e garantidos na forma da lei e,
ao mesmo tempo, constituir-se em resposta às demandas sociais por novos direitos. Como
registra o professor e pesquisador Jorge Barbosa em seu artigo Cidadania, território e políticas
públicas:
Quando falamos de público não podemos nos limitar ao
Estado, mas sim alargar o seu horizonte com afi rmação de
ações plurais de empoderamento de cidadãos no âmbito da
formulação, execução e avaliação de políticas efetivamente
públicas [...]. Decisões e escolhas devem fazer parte de
uma sociedade e devem estar inscritas em suas diferentes
existências territoriais. Um novo sentido para público emerge,
sendo interpretado e vivido como o espaço de práticas plurais,
onde os homens podem mostrar quem são concretamente,
tornando possível produzir a sua história coletiva e, enquanto
manifestação da vida, a história de cada pessoa, de cada lugar
e de nossa existência.