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P RIMEIRA P ARTE CAPITALISMO E INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA 01 Fábio cap. 1.p65 25/9/2009, 16:54 31

CAPITALISMO E INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA · crescimento do movimento operário em boa parte da ... — que atingiu a totalidade do mundo capitalista ... ção industrial e forte

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PRIMEIRA PARTE

CAPITALISMOE INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA

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CA P Í T U L O 1O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEOE SUAS DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

ED UA R D O CO S TA PI N T O

PA U L O BA L A N C O

AFINALIDADE DESTE CAPÍTULO é efetivar uma análise das trans-formações recentes do capitalismo, procurando situá-las comoresultados do processo dialético das leis de movimento e re-

produção do valor. Procurar-se-á explorar uma linha de caracteriza-ção do cenário capitalista contemporâneo desde o pós-Segunda Guerraaté os dias atuais, à luz de alguns conceitos e realidades fundamentaishoje exaustivamente discutidos, dentre os quais o processo de rees-truturação produtiva, a dinâmica da globalização financeira, o papeldo Estado-nação e a extensão atual da crise e suas origens constitutivasna década de 1970.

Esta iniciativa, ao mesmo tempo, enseja o tratamento deste obje-to em contraponto às elaborações econômicas e políticas surgidasnos anos recentes dando conta de um quadro novo e potencialmentepositivo que se estaria materializando a partir das transformações docapitalismo. Entretanto, não comungamos com a tese de que nadamudou na relação tanto entre capital e trabalho como entre as fraçõesdo capital; sendo assim, esta análise é efetuada tendo em vista impor-tantes modificações na estrutura da produção e nas funções do Estadocapitalista.

Para esse propósito, considerando o grau de complexidade quecerca tal problemática, adota-se o constructo de que as transformaçõesrecentes tiveram origem no combate (saídas “internas”) à crise estru-tural do capital dos anos 1970. Tais novidades, na verdade, são resulta-dos do movimento contraditório entre capital e trabalho, que, por sua

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vez, provocou a elevação dos conflitos intercapitalistas, refletindo nasrelações inter e intra-estatais contemporâneas. O aumento dessesconflitos pode ser explicado tanto pela elevação das tensões externas,provocadas por modificações nas relações de coerção e controle entreos EUA e os demais países capitalistas avançados e periféricos, comotambém pela ampliação dos conflitos internos em virtude de novosrumos das estratégias públicas perante o novo poder das finanças.

Nesse sentido, além desta introdução, discute-se na segunda se-ção do capítulo, os anos dourados do capitalismo planejado, marcadopela assunção do compromisso keynesiano/fordista, uma nova forma decontrole social assentado na institucionalidade do Welfare State. Naterceira a preocupação está voltada para a apreensão das dimensõessocioeconômicas da crise do capital, iniciada no final da década de1960, e também para sua extensão atual. Para tanto, fez-se necessáriodebater, a partir de diversos eixos teóricos, as origens e as saídas “in-ternas” e “externas” das crises. Na quarta seção são apresentados oselementos constitutivos do capitalismo hodierno, a reestruturaçãoprodutiva e a globalização financeira, como contraface do mesmo fe-nômeno, qual seja: estratégias de retomada do controle social e darecuperação dos níveis de acumulação, tanto um como outro, abala-dos pelo aumento dos conflitos entre capital e trabalho na década de1970. E também como esse novo padrão de acumulação tem levadoao aumento da dependência econômica e do aprofundamento doquadro social desigual. Por fim, na sexta seção, procura-se alinhavaralgumas idéias a título de conclusão.

Os anos dourados do capitalismo planejado:a busca da harmonia entre capital e trabalho

A Primeira Guerra Mundial, fruto da agudização da concorrênciainterimperialista, reafirmou a incapacidade do modelo institucionalliberal de regular as diferenças dos mais diversos interesses socioe-conômicos que se vinham materializando desde a crise de 1872. Aofinal desse conflito não apenas a regulação da concorrência capi-talista era preocupação da classe dominante, mas também a novacorrelação de forças entre o capital e trabalho que emergiu após arevolução socialista russa de 1917. Tal evento político estimulou ocrescimento do movimento operário em boa parte da Europa Oci-

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dental. O capital não se acomodou diante de tal conjuntura “negati-va” e foi ao contra-ataque, uma vez que delegou às forças da própriamonopolização a direção dos padrões de concorrência e, no planomicroeconômico, buscou reafirmar-se diante das lutas de classesmediante novas possibilidades de controle social (Oliveira, 2004).

Nesse contexto de aumento dos conflitos interclasses (capital vstrabalho) e intraclasses (capital vs capital), as barreiras impostas aoprocesso de valorização tornaram-se mais robustas e elevadas, nota-damente com o acirramento da luta de classes, a qual representa seuprincipal componente crítico. Tal dinâmica socioeconômica con-flituosa, por sua vez, alçou o capital a uma segunda crise estrutural —iniciada nos anos de 1929 e concluída com advento da Segunda Guerra— que atingiu a totalidade do mundo capitalista, provocando (i) fortedeflação de ativos; (ii) crises bancárias recorrentes; (iii) intensa que-da dos preços das mercadorias; (iv) desvalorizações competitivas dasmoedas nacionais; (v) ruptura do padrão ouro; (vi) colapso da produ-ção industrial e forte elevação do desemprego que chegou até a 40%da população economicamente ativa em alguns países centrais.

A segunda crise estrutural de valorização do valor representou aocorrência de um evento complexo com manifestações paradoxais. Aredução dos impedimentos à acumulação só foi alcançada graças àprofilaxia drástica e amplamente destrutiva de mercadorias, de capi-tais e de força de trabalho, originárias da Segunda Guerra Mundial, eà nova forma de controle social pautada pela regulação do Estadosocial (Welfare State), planejador e produtor. Esses fatores engendra-ram certa harmonização (1945-1970) no âmbito das relações entrecapital e trabalho. Assim, foi possível o estabelecimento de uma novaplataforma de relançamento da acumulação.

Em linhas gerais, a crise de 1929, sem dúvida, desempenhou umpapel central no reforço da constituição de uma nova institucio-nalidade tanto no âmbito do capitalismo em sua generalidade quantono do Estado. Essas mudanças refletiram alterações políticas ocorri-das nos mercados capitalistas em virtude do grau mais elevado desocialização do capital até então. A busca de alternativas para conteros efeitos da crise — desemprego e deflação — tendeu a reforçar asmudanças no plano institucional e na determinação das políticas emseu todo.

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As novas alianças de classe que se articulam tendo em vistao enfrentamento da crise — New Deal, Planificação Nazista, FrontPopulaire. . . — aos poucos vão forjando aquilo que se podecaracterizar como a forma alternativa mais concreta ao Estadoliberal [. . .]: o Estado social [Welfare State]”(Oliveira, 2004,p. 197).

A retomada da acumulação, no pós-crise de 1929, deve seridentificada como o ponto de partida do longo boom pós-SegundaGuerra. O programa de recuperação da economia americana (NewDeal),1 e seus correlatos em outros espaços nacionais, inauguraramuma nova macroestrutura socioeconômica capitalista, cuja marcadecisiva foi a forte presença estatal em termos normativos e tambémcomo esfera (ramo) de produção (Estado planejador e produtor), ar-ticulada à nova forma de controle social assentada no Welfare State,especialmente nos países centrais. Essa acentuada inflexão relaciona-da às atribuições socioeconômicas designadas ao Estado capitalistabaseou-se em dois elementos fulcrais: (i) um inquestionável aparatode regulação com o propósito principal de enquadramento do capitalfinanceiro e seu direcionamento para o financiamento da produçãopor meio do planejamento, considerado necessário à própria dinâ-mica do capital nesse momento histórico; e (ii) uma acomodação dascontradições entre capital e trabalho por meio de certas concessões,pelo capital, aos trabalhadores dos países centrais (compromisso keynesia-no/fordista ou estratégia de harmonização) e de forte coerção, pelasditaduras militares, dos frágeis movimentos operários dos países pe-riféricos.

Embora o New Deal tenha sido implementado já no início dadécada de 1930, pode-se afirmar que essa nova macroestrutura e seusefeitos sobre a retomada da acumulação só se consolidaram realmen-te ao final da Segunda Guerra,2 a partir de um novo reordenamentointernacional, qual seja, a materialização de um novo sistema mone-tário internacional (padrão dólar-ouro) e de instituições internacio-nais de coordenação e controle (Fundo Monetário Internacional,Banco Mundial e Gatt), baseado nos acordos de Bretton Woods, sob aégide irrestrita da nova supremacia, quer dizer, dos Estados Unidos,que se constituiriam posteriormente numa hegemonia mundial nosentido gramsciano até meados da década 1970.

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A adoção da estratégia de recuperação socioeconômica foi assen-tada, por um lado, no princípio da economia da demanda efetiva,configurada no programa do New Deal e consolidada com o acordode Bretton Woods e com o Plano Marshall, e, por outro lado, na buscade harmonização entre as classes capitalista e trabalhadora. Tal estra-tégia somente se consubstanciou em virtude de determinados fenô-menos, a saber: (i) redução da influência dos condicionantes exter-nos — cooperação antagônica — sobre as políticas macroeconômicasdomésticas dos países capitalistas, notadamente após o começo daGuerra Fria em 1947; (ii) repressão financeira, ou seja, a “regulação”,pelas autoridades monetárias estatais, da moeda de crédito, capital ajuros, mediante o processo de monetização da dívida pública; (iii)“mediação” estatal entre o empresariado e os trabalhadores, por in-termédio de suas representações sindicais, objetivando articular oaumento dos salários reais aos ganhos de produtividade e dos preçose integrar o trabalhador ao âmbito dos processos decisórios da produ-ção. Quando a mediação não funcionava, o Estado utilizava seu podercoercitivo, notadamente nos primeiros anos após o final da SegundaGuerra; (iv) incorporação de investimentos diretos e das transferên-cias de seguridade social como componentes basilares da demanda edo controle social (Beluzzo, 1999; Guttmann, 1998; Meyer, 2000;Balanco & Pinto, 2004).

O sistema monetário de Bretton Woods (padrão dólar-ouro), umdos elementos importantes da estratégia de recuperação, configurou-se a partir de três elementos fundamentais: 1) taxas fixas de câmbio,mas ajustáveis, em virtude de “desequilíbrios fundamentais” associa-dos aos balanços de pagamentos; 2) a aceitação do controle dos fluxosde capitais internacionais; e 3) a criação do FMI para monitorar aspolíticas nacionais e oferecer financiamento para equilibrar os balan-ços de pagamentos com desequilíbrios. Segundo Eichengreen (2000,p. 132) apenas “os controles de capital constituíram-se no único ele-mento que funcionava mais ou menos segundo o planejado”. Essecontrole de capitais afrouxou os vínculos entre as políticas econô-micas domésticas e externas — redução dos condicionantes externos—, possibilitando aos governos espaços para a adoção de políticasmacroeconômicas voltadas ao pleno emprego (Eichengreen, 2000).

Essa ordem financeira e monetária internacional, em que o dó-lar passou a funcionar como moeda de circulação internacional, foi

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construída sob a égide norte-americana em virtude de sua posição desuperioridade diante de outros países centrais no pós-Segunda Guer-ra. O poderio dos EUA esteve atrelado, nesse momento, à sua posiçãode prestamista para todos os países aliados e às suas reservas em ouroque totalizavam quase que integralmente as reservas mundiais. Nessecenário de assimetria de poder, quando do encontro de Bretton Woods,a delegação dos Estados Unidos — que tinha no Plano White seuprograma de diretrizes —, impôs a maior parte de suas deliberações àdelegação da Inglaterra — que pelo Plano Keynes vislumbrava certacontenção do poderio americano — e às delegações dos outros paísesvencedores e derrotados da Segunda Guerra. Os acordos firmados aofinal do encontro permitiam a manutenção de controles sobre movi-mentos de capitais e a limitação do volume de financiamento para ospaíses que apresentassem balanço de pagamento deficitário. Essa re-solução garantiu grande poder para os países superavitários que nessemomento correspondia solitariamente aos EUA. Assim, mesmo comalgumas concessões que permitiram o controle de capitais, os EUAconsolidaram-se como o centro da ordem capitalista pós-SegundaGuerra (Eichengreen, 2000; Mattos, 2000; Serrano, 2004).

Apesar de os EUA apareceram como o espaço capitalista pioneirode desenvolvimento do New Deal, também a Europa e o Japão conhe-ceriam a aplicação dos seus principais elementos constitutivos, so-bretudo quando da imposição americana ao financiar suas reconstru-ções depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Em particular, deve-sedestacar a afinidade do Plano Marshall, aplicado à reconstrução dospaíses capitalistas da Europa Ocidental, ao modelo de demanda efeti-va e seus enquadramentos institucionais. Por conseguinte, essa orien-tação, como um dos elementos que visava à recolocação da economiacapitalista nos trilhos da expansão da acumulação, é introduzida par-ticularmente no núcleo de países que passaria a ser considerado comoo núcleo orgânico do sistema no plano mundial.

O acordo de Bretton Woods não conseguiu sanar os graves pro-blemas da Europa, pois a limitação de empréstimos para os paísesdeficitários no balanço de pagamentos — nesse momento todos ospaíses europeus — restringia a possibilidade de sua reconstrução. Ainstabilidade econômica (crise da libra esterlina em 1947) e políticana Europa criaram um terreno fértil para a possibilidade da tomadado poder estatal por partidos comunistas, o que, por sua vez, poderia

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provocar um alinhamento de alguns países europeus ocidentais aobloco socialista. Certamente este resultado potencial ampliaria o po-der da União Soviética no âmbito da Guerra Fria que se iniciou em1947, e, sobretudo, poderia elevar o poder da classe trabalhadora numanova correlação de forças entre o capital e o trabalho. Entrementes,antes de possíveis vitórias da classe trabalhadora socialista em territó-rio europeu ocidental, os EUA adotaram a estratégia da “exportaçãode capital”, em grande monta, por meio do Plano Marshall para redu-zir a instabilidade socioeconômica européia e para ampliar os tentá-culos da grande empresa hierarquizada e “verticalizada” norte-ame-ricana. Segundo Arrighi (1996, p. 306) o “Plano Marshall iniciou areconstrução da Europa Ocidental à imagem norte-americana e, di-reta e indiretamente, deu uma contribuição à expansão do comércioe da produção mundiais da década de 1950 e 1960”.

Para Brenner (2003) a expansão econômica do pós-guerra (1950-60) vinculou-se à capacidade do núcleo de países capitalistas avança-dos realizarem e sustentarem altas taxas de lucro,3 produzindo superá-vits relativamente elevados com base no uso de capital fixo/estoquede capital (instalações e equipamentos). No entanto, Brenner (2003)não apresenta, ou apenas tangencia, os novos elementos institucionaisque proporcionaram aos países centrais a capacidade de sustentar ataxa de lucro nos anos 1950 e 1960, delegando à política, portanto,em sua análise, um caráter secundário.

Na verdade, a sustentabilidade das taxas de lucro em um patamarelevado só foi factível a partir de um renovado arranjo político, articu-lado ao final da Segunda Guerra, ou seja, uma nova institucionalidade,tanto em níveis inter e intra-estatais quanto no plano gerencial-ad-ministrativo da produção. Com isso, a tarefa de regulação da concor-rência intercapitalista e de arrefecimento da contradição entre capi-tal e trabalho nos espaços nacionais foi facilitada pelo novo controlesocial estruturado em certas concessões aos trabalhadores. Na Europaempregou-se o reformismo social-democrata assentado da “partici-pação” dos trabalhadores em “associação” com os capitais, já nosEstados Unidos configurou-se uma racionalização fordista/tayloristaque possibilitava ganhos salariais aos trabalhadores.

A intensa acumulação de capital ocorrida nos anos dourados acon-teceu a partir do núcleo funcional composto pela grande empresa,aprofundando sua penetração nacional e internacional, e do Estado

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planejador e produtor, mediante forte intervencionismo e “regulação”.Entretanto, essa mesma receita pouco contribuiu para que os paísesperiféricos lograssem diminuir o fosso que os separavam do núcleoorgânico do sistema, confirmando o desenvolvimento desigual ehierarquizado do capitalismo.

A expansão da atuação da grande empresa4 americana no pós-Segunda Guerra, para além dos espaços nacionais que as sediavamoriginariamente, caracterizou uma nova etapa da “exportação de ca-pital”: num primeiro momento, por meio de gastos militares e doPlano Marshall; e num segundo momento, após o Plano, pela inter-nacionalização do capital privado americano, financeiro e sobretudoindustrial, para a Ásia e a América Latina. Tornou-se possível, comisso, um reordenamento na divisão internacional do trabalho, já quea revolução tecnológica então experimentada permitiu um avanço daintegração dos países subdesenvolvidos ao mercado mundial de talforma que os elevasse também à posição de produtores de bens acaba-dos. Emerge, então, um novo quadro que apenas confirmaria a inexo-rável atuação das leis econômicas do capitalismo como fatores deimpulsão ao deslocamento dos capitais entre os diversos espaços geo-gráficos do planeta. No interior desse processo, os novos interessesdas empresas multinacionais européias e, particularmente, america-nas nas regiões atrasadas do planeta levaram-nas, por conseguinte, aampliar o espaço de vigência das relações capitalistas de produção(Pinto & Balanco, 2004).

As elevadas taxas de lucro alcançadas pelas economias avançadasno pós-Segunda Guerra propiciaram a manutenção de altos índicesde investimentos, gerando uma aceleração da produtividade, associa-dos a um crescimento rápido dos salários reais sem ameaçar os lu-cros. Nesse período, a maioria das economias capitalistas avançadas,e algumas subdesenvolvidas, viveram um longo boom econômico.Materializaram-se altas taxas de crescimento do investimento (priva-do5 e estatal), da produção,6 da produtividade7 e dos salários8 nuncavistos historicamente, ao passo que se constatavam pequenos níveisde desemprego9 e de inflação10 e processos recessivos mínimos (Bren-ner, 2003).

O crescimento econômico dos anos dourados foi materializadocom base na articulação entre crescimento das taxas de lucro e dossalários reais — economia da demanda efetiva — fundada em uma

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nova institucionalidade voltada à harmonização das relações entrecapital e trabalho. Essa articulação harmonizadora tornou-se viável,conjunturalmente, em virtude de determinados eventos políticos,quais sejam, a Segunda Guerra Mundial e a posterior consolidação dobloco socialista, conformando a divisão do mundo em dois pólos. Nopólo capitalista os EUA buscaram configurar o êxito econômico paraseus aliados e concorrentes como uma forma de consolidar a ordemcapitalista — um mundo seguro para a livre empresa — e combater oregime comunista. Nesse cenário, o Estado imperialista americano,já consolidado como hegemônico, arquitetou uma cooperação antagô-nica entre os principais países capitalistas, ou seja, uma cooperaçãoentre Estados capitalistas concorrentes (Thalheimer, apud Meyer,2000), alçando o crescimento econômico e o progresso a questão desegurança nacional e de manutenção da ordem capitalista regulada.

O processo de expansão mundial não ocorreu de forma simultâ-nea no núcleo dos países avançados. Na verdade, os EUA, pelas suascondições econômicas e materiais no final da Segunda Guerra Mun-dial, saíram na frente no processo de expansão, provocando um cres-cimento temporalmente desigual entre os Estados Unidos, Europa eJapão. Quando a Europa e o Japão atravessaram os seus auges expan-sionistas a economia doméstica americana já vivia um processo dedeclínio relativo. Essa dinâmica mundial diacrônica garantiu a contí-nua vitalidade das forças dominantes dentro dos EUA, pois o desen-volvimento mais tardio, após a Segunda Guerra, da Europa e do Japão,em relação ao norte-americano, representou, de um lado, oportuni-dades de expansões externas para as empresas multinacionais e osbancos americanos, configurando canais de lucratividade para seusinvestimentos diretos. De outro lado, significou o crescimento dasexportações dos produtores internos americanos que precisavam deuma demanda estrangeira de crescimento acelerado (Brenner, 2003).

O êxito econômico estadunidense, como centro da economia-mundo capitalista, portanto, esteve atrelado ao sucesso de seus con-correntes e aliados capitalistas e à manutenção da ordem capitalistaregulada. Isto propiciou, ainda que sob hegemonia dos Estados Uni-dos, maior grau de cooperação e coordenação internacional — PlanoMarshall e sistema financeiro internacional “regulado”: BrettonWoods —, marcado por altos níveis de apoio político-econômico dosnorte-americanos a seus aliados e concorrentes. Nesse período a

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hegemonia americana foi exercida por um comportamento dual, coer-citivo e persuasivo, com o aspecto persuasivo ocupando maior desta-que na política internacional norte-americana (Meyer, 2000).

Sem dúvida, tornava-se muito claro que o capitalismo resolveraadotar um modelo de desenvolvimento de inquestionável inspiraçãokeynesiana,11 portanto, privilegiando o princípio da demanda efetivacomo norma teórica tanto no plano econômico como no cultural.Coube ao Estado o papel de controle do ciclo econômico e de disse-minação da cultura burguesa12 do consumo e da eficiência aos mol-des norte-americanos (American Way of Life) por meio do consumode massa e das transformações ideológicas dos indivíduos — um novotipo humano. À medida que as organizações trabalhistas assimila-vam tal cultura, aumentava a integração passiva dos trabalhadores aosrumos assumidos pelo movimento do capital em sua globalidade.

Um desses mecanismos estatais, no plano econômico, foi a es-trutura de regulação da moeda e do sistema de crédito adotada porRoosevelt.13 Assim, constituiu-se uma nova ordem monetária na qualas autoridades monetárias do Estado (bancos centrais) podiam inter-ferir na oferta de moeda tanto de forma direta, alterando a quantidadede moeda em circulação, quanto indireta, mediante a regulação dasatividades de criação monetária dos bancos comerciais. Isso possibi-litou a criação de uma oferta elástica de moeda a juros baixos peloaumento das despesas financiadas pelo endividamento. Esse proces-so originou uma “monetização” das dívidas e permitiu financiar, si-multaneamente, os déficits orçamentários crônicos do Estado previ-denciário, os investimentos necessários à difusão de tecnologias daprodução fordista e as normas de consumo sociais de consumo de mas-sa de bens mais caros, tais como automóveis e casas (Guttmann, 1998).

A justificativa para a intervenção estatal na economia, sob influên-cia do planejamento, em boa medida, foi explicada em vista da pro-funda destruição econômica causada pela Grande Depressão de 1929e pela Segunda Guerra. Nesse cenário deletério seria uma quimeraacreditar que semelhante situação poderia ser revertida rapidamenteapenas com base nos mecanismos espontâneos do mercado e da li-vre-iniciativa. A destruição econômica e eventos do plano político —intensificação da luta de classes na Europa e a construção do “socialis-mo real” soviético — forçaram o engendramento, pelo capital, deestratégias contra-ofensivas de caráter preservativo pautadas na

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harmonização entre as classes mediante algumas concessões14 aostrabalhadores: o chamado compromisso keynesiano/fordista. Quantomaiores fossem os poderes dos movimentos operários nacionais,maiores eram as concessões dos gerentes e representantes do capital.Assim, tal arranjo institucional “harmonicista” foi assumindo carac-terísticas bastante distintas em cada país, em face do nível nacionalde correlação de força entre as classes. Isso explica, até certo ponto, asformas diferenciadas da harmonização adotadas nos Estados Unidose na Europa e a predominância da coerção aos movimentos trabalhis-tas nos países periféricos.

Na Europa Ocidental, ou na Europa que continuaria capitalistaapós os acordos de coexistência pacífica firmados entre EUA, Ingla-terra e URSS ao final da Segunda Guerra, o compromisso keynesiano/fordista, como estratégia de harmonização, teve de assumir um cará-ter mais amplo denominado “pacto social”,15 o qual também foi trans-plantado tanto para o plano macroestrutural (regulação institucional:Welfare State) quanto para o da produção (certa “participação” dostrabalhadores nos processos organizacionais e ganhos salariaisreais), haja vista a grande insurgência das organizações dos trabalha-dores europeus.

Nos Estados Unidos o compromisso keynesiano/fordista voltou-se,prioritariamente, ao âmbito da produção mediante a racionalizaçãotaylorista/fordista. Esse processo proporcionou ingentes ganhos deprodutividade, os quais foram em parte repassados aos salários dostrabalhadores norte-americanos. A maior intermediação, nos EUA,das instâncias políticas e ideológicas no processo de harmonizaçãonão se fez necessária em face da pequena articulação dos movimen-tos operários estadunidenses — sindicalismo reformista à semelhan-ça das trade unions inglesas — e suas reivindicações de caráter muitomais salarial dos que anti-sistêmico.

Gramsci, no seu ensaio “Americanismo e Fordismo”, fora umdos primeiros a perceber a relevância da gestão taylorista/fordistapara o processo de harmonização social nos EUA. Para ele, o ganhocom essa nova gestão da produção viabilizou

[. . .] racionalizar a produção e o trabalho, combinando ha-bilmente a força (destruição do sindicalismo operário de baseterritorial) com a persuasão (altos salários benefícios sociais di-

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versos, propaganda ideológica e política habilíssima) para, final-mente, basear toda a vida do país na produção. A hegemonia [docapital] vem da fábrica e, para ser exercida, só necessita de umaquantidade mínima de intermediários profissionais da política eda ideologia (Gramsci, 1978, pp. 381-2).

Nos países periféricos a relação entre os representantes do capitale os movimentos operários não assume a forma de compromissokeynesiano/fordista e sim de maior coerção, uma vez que tais econo-mias dependentes estruturavam-se num modelo de capitalismo de-sarticulado — voltado para exportação ou para o consumo interno debens de luxo — e alicerçado na “superexploração” do trabalho. Taldinâmica capitalista dependente conformava um grande “exércitoindustrial de reserva”, o que, em certa medida, restringia a ampliaçãodas bases das organizações operárias. Com a correlação de força pen-dendo fortemente em favor do capital não se fazia necessária à harmo-nização de classes nos países periféricos. A coerção foi a arma princi-pal do capital para se impor como dominação. Ao sinal de “subversão”dos trabalhadores à “superexploração” e, por conseguinte, ao sistemaestabelecido, os representantes das frações dos capitais nacionais arti-culavam-se entre si,16 com os representantes das forças armadas, comparte das classes médias locais e com o grande capital forâneo paramanter a ordem estabelecida. O instrumento de manutenção da acu-mulação e, conseqüentemente, dessa ordem capitalista dependente,fora o golpe militar e a respectiva instalação de regimes ditatoriais,pois estes facilitavam a extração de mais-valia dos trabalhadores me-diante a repressão dos salários e a coerção da organização livre dosmovimentos operários. A “ajuda” estrangeira para manutenção daordem, geralmente, vinha dos organizadores do sistema capitalistas(EUA), quer seja por meio de intervenções militares violentas (Coréia,Vietnã, e República Dominicana), quer seja incitando e sustentandopolítica e economicamente golpes militares e ditaduras ao redor domundo (Brasil, Chile, Argentina, Grécia, Uruguai, etc.). Ao utilizartais instrumentos, o Estado norte-americano estava buscando pro-teger os interesses de suas empresas multinacionais (grande capital)e, por conseguinte, defender sua posição central na economia mun-do capitalista, além, é claro, da hegemonia do capitalismo como sis-tema social.

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Em linhas gerais, a arquitetura de regulação e coordenação, sobcontrole norte-americano, seria ainda ampliada à dimensão inter-nacional. O capitalismo pôs em prática um mecanismo “regulatório”dirigido para o controle das relações entre países, abarcando, dessamaneira, os fluxos financeiros e de mercadorias. Os acordos de BrettonWoods resultaram na substituição definitiva do padrão-ouro pelo pa-drão dólar-ouro e na construção de uma estrutura institucional basea-da em organismos como o FMI, o Banco Mundial e o Gatt, sob a égidedos EUA. A principal preocupação vinculava-se à necessidade de evi-tar mudanças bruscas e imprevisíveis, amenizando a autonomia dosfluxos financeiros especulativos e potencialmente portadores de ele-mentos desestabilizadores. Depois de 1944, quando os acordos deBretton Woods foram firmados, prevaleceu até 1971 um controle re-lativo que acabou por privilegiar os fluxos de mercadorias e de inves-timento direto mediante um sistema de taxas de câmbio fixas forte-mente administrado.

O excesso de liberdade para os movimentos dos capitais, das duasprimeiras décadas do século XX, daria lugar a uma condução econô-mica estatal planejada de perfil anticíclico associada ao controle so-cial por meio da harmonização. Dessa forma, o papel da demandaagregada, no plano socioeconômico, passou a ser decisivo, o que im-plicou a elevação para o primeiro plano de dois elementos dessamacroestrutura, a saber, os gastos em consumo privado e as despesaspúblico-estatais. No que diz respeito à função do consumo neste mo-delo, tornou-se necessário estabelecer uma estrutura institucional de“reforçamento” dos rendimentos do trabalho e de elevação do nívelde emprego.

O redimensionamento do Estado configurou-se como um dosprincipais componentes estruturais do padrão de acumulação postoem prática nesse período. Este redimensionamento, por um lado,expressou os novos componentes de controle social supracitado e,por outro, atribuiu ao Estado o papel de esfera produtiva no interior dadivisão social do trabalho da economia. Todavia, não correspondeintegralmente, e nem poderia, ao conceito de esfera produtiva talqual a da categoria capital industrial como teorizado por Marx (1986)em sua interpretação da reprodução capitalista. No padrão de desen-volvimento dos anos dourados, o Estado cumpre atuação de inspiraçãokeynesiana, o que significa dizer que, no plano econômico, o mesmo

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passa a se responsabilizar direta e indiretamente pela efetivação deuma determinada taxa de investimento, constituindo-se, por conse-guinte, em fonte de estabilidade cíclica.

Além disso, o Estado passa a ser fonte de financiamento funda-mental ao capital produtivo. Tendo em vista a atrofia da esfera finan-ceira e seu descolamento em relação à esfera produtiva, tal como seapresentou no período anterior à Grande Depressão, as amplas refor-mas introduzidas pelo New Deal, e propagadas para a Europa e o Ja-pão, levaram a modificação drástica da estrutura de financiamento daeconomia. Isso significou uma ampliação da atuação estatal nestecampo, uma vez que bancos, agências de financiamento e organis-mos de fomento de caráter público/estatal foram criados. O própriosegmento privado do setor financeiro passou por um processo desaneamento, ficando sujeito a legislações voltadas ao estímulo dasatividades produtivas. Tais dispositivos de ampliação do financiamentodo setor produtivo constituíram-se na outra faceta relacionada à im-portância adquirida pelo endividamento público, como instrumentoque possibilitava a consecução de políticas fiscais expansionistas (dé-ficit orçamentário) voltadas ao controle dos ciclos econômicos.

Neste contexto, o gasto público assume significado relevante àdinâmica capitalista. Sem sombra de dúvida, em meio à fase de pros-peridade experimentada pelos países centrais, a dívida pública torna-se um dos componentes da acumulação produtiva. Ao lado dos ele-mentos favoráveis à acumulação de capital, entre eles, o arrefecimentoda luta de classes, a inovação tecnológica e organizacional, o padrãode consumo de massas e a introdução das relações capitalistas emnovos espaços geográficos do planeta, a dívida pública cumpriu seupapel a contento ao se transformar em fonte de estabilidade cíclica ede acumulação. Portanto, a transferência de parte da riqueza e da ren-da para o Estado — e sua redistribuição sistêmica integradora de ummecanismo reprodutivo favorável aos capitais privados na esfera nãofinanceira — foi tolerada sem maiores questionamentos até que opadrão de acumulação começasse a se esgarçar. Isso começou a ocor-rer no final da década de 1960.

Os primeiros sinais de reversão da expansão de cerca de três dé-cadas surgem ao final da década de 1960. Desde então, a economiacapitalista passou a conviver com uma significativa inflexão da taxageral de lucro e dos níveis de acumulação gerados por uma grave crise.

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Em paralelo, como conseqüências típicas dos processos recessivos, aredução das taxas de investimento e crescimento foi acompanhadade resultados sociais amplamente negativos. Destaca-se assim, entreoutros, o aumento do desemprego e seu caráter crônico, notadamente,nos países avançados da Europa Ocidental e nos EUA (Brenner, 1998).

Assim fica muito claro que o dispositivo “regulatório” tanto“harmonicista” quanto coercitivo aplicado ao mundo do trabalhonos mais diversos países reduziu as resistências dos trabalhadores àexploração, o que viabilizou a retomada do processo de acumulação e,por conseguinte, dos níveis de lucratividade que o capitalismo veriadesaparecer com a eclosão da crise na década de 1970.

A crise da década de 1970 em perspectivas:impedimentos à acumulação ou à dominação?Um debate contraditório

Por volta do final dos anos 1960 o boom econômico “virtuoso”dos anos dourados começou a se deteriorar. O padrão de acumulaçãoassentado em normas “regulatórias”, no planejamento econômico ena harmonização entre as classes apresentava sinais de esgotamento.Assim, como na crise agrária de 1873 e na crise de 1929, fortes restri-ções impuseram-se à continuidade do processo de acumulação daordem capitalista regulada e “harmonicista” dos anos dourados.

O esgotamento desse padrão criou um contexto socioeconômicode instabilidade e incerteza quanto à trajetória societal. Tal fenômeno“problemático” suscitou diversas perspectivas para sua explicação esolução. Será que o sistema capitalista estaria atravessando um ciclo/momento econômico e/ou institucional ou tecnológica desfavorá-vel? Fundado em um determinado diagnóstico tal ciclo poderia sercorrigido (i) por políticas macroeconômicas de regulação e planeja-mento de inspirações keynesianas e kaleckianas; ou (ii) por um novomodo de regulação institucional pautado no regulacionismo francês;ou (iii) pela conformação de um novo paradigma tecnológico de ori-gem neo-schumpeteriana; ou ainda (iv) por novos rearranjos priva-dos regulados por um Estado liberal, sob uma perspectiva neoclássica.Ou será que se estaria vivenciando uma terceira crise estrutural17 docapital, como defendido por correntes marxistas, que poderia ser so-lucionada, pelo lado do trabalho, por uma ruptura anti-sistêmica ou,

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pelo lado, do capital, por transformações socioeconômicas de grandeenvergadura que propugnaria um novo padrão de acumulação?

Para os neoliberais18 — liberais que não admitiam intervençõesdo Estado na atividade produtiva —, a crise da década de 1970 não teveorigem em problemas na demanda, mas, sim, no poder excessivo dossindicatos, que pressionavam tanto as empresas por maiores saláriosquanto o Estado pelo aumento dos benefícios sociais. Isso, por suavez, levaria à compressão dos lucros, corroendo as bases da acumula-ção das empresas e acelerando a inflação. A partir desse diagnóstico,as propostas e ações neoliberais vão todas no intuito de desestruturaro compromisso keynesiano/fordista dos anos dourados e engendraruma nova forma de Estado. Para tanto, fazia-se necessário (i) rompercom o poder dos sindicatos, buscando restaurar a taxa “natural dedesemprego”; (ii) desregulamentar os diversos mercados, principal-mente o financeiro e o de trabalho; e (iii) reduzir as intervenções es-tatais no campo econômico e social, ou seja, substituir a regulaçãokeynesiana pela “livre concorrência”, com o Estado assumindo umadimensão mínima e forte para manter a ordem e a livre iniciativa.

Apesar da apregoada oposição dos diversos pensamentos teóricossupracitados, quase todos eles, à exceção dos neoliberais e de algumascorrentes marxistas,

[. . .] se baseavam nas evidências conjunturais [da crise dosanos 70], cujos registros estavam fundados essencialmente nasdificuldades de realização das mercadorias produzidas. Dessemodo, terminava por rodar em círculos e a construir identidadesproblemáticas: não realiza porque não há renda, ou não há rendaporque não realiza (Oliveira, 1999, p. 58).

Por outro lado, o diagnóstico da crise baseado na insuficiência dedemanda, como formulado pelos kaleckianos e keynesianos, não sechocava completamente com o que postulavam os liberais interven-cionistas que admitiam certas correções voltadas ao equilíbrio entredemanda e oferta por meio de rearranjos privados auto-regulados ouregulados por um Estado liberal (agências reguladoras). Mesmo algu-mas correntes marxistas, em certa medida, para direcionarem alter-nativas à crise, depois de efetuarem diagnósticos assentados em leitu-ras d’O Capital, no que se refere à lei da tendência decrescente da taxa

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de lucro e ao problema de realização, adotaram uma mescla da estru-tura teórica de Keynes e Kalecki (Oliveira, 1999).

Para os neo-schumpeterianos19 a crise seria uma manifestaçãoperiódica (ciclos ou ondas longas), autodeterminada e autogerada as-sociado ao esgotamento de um determinado paradigma tecnológico,a força motriz do capitalismo. Tal interpretação da crise assenta-se novelho empirismo que tem como um de seus principais representan-tes o economista russo N. D. Kondratieff, que, fundado na análise dosmovimentos de preços de atacados em vários países industrializados,detectou uma cronologia das flutuações longas. Para os schumpete-rianos e neo-schumpeterianos as ondas longas de ascendência e des-cendência (crise) seriam determinadas pelas transformações doparadigma tecnológico.

A saída da crise, para os neo-schumpeterianos, dar-se-ia, pelolado da oferta, na configuração de novo paradigma tecnológico, ten-do em vista que o paradigma da microeletrônica não conseguiu rever-ter a queda da lucratividade do sistema econômico. Tal paradigmanovo proporcionaria nova fase de expansão do investimento e doproduto. Para eles, a via “revolucionária” de superação da crise seria abiotecnologia, ou a bioeletrônica,20 já que, pela engenharia genética,poderia ocorrer uma ruptura do fluxo circular, tanto das técnicas utili-zadas como de suas aplicações, viabilizando a criação de novos orga-nismos a serviço da produção de riquezas (Perez, 1986). Assim sendo,a biotecnologia, como inovação estrutural, levaria a uma fase de obten-ção de lucros acima do normal pelas empresas inovadoras e atrairiaempresas imitadoras, resultando na elevação do nível de riqueza.

Essa visão tem caráter pragmático, uma vez que confunde emlinhas a crise como uma manifestação periódica, autodeterminada eautogerada. Percebe-se um esforço de neutralização das principaisdeterminações da crise, sendo esta um fenômeno estritamente ligadoao paradigma tecnológico. Para tal corrente a ciência e a tecnologia(paradigma tecnológico) teriam uma lógica autônoma e apresenta-riam uma trajetória independente. No entanto, a ciência e a tecnologiaestão vinculadas às condições sociais do sistema econômico e depen-dem do seu movimento reprodutivo.

O maior dilema da ciência moderna é que o seu desenvolvi-mento esteve sempre vinculado ao dinamismo contraditório do

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próprio capital. Além do mais [. . .] a ciência moderna não podedeixar de ser orientada para a implantação, a mais efetiva possí-vel, dos imperativos objetivos que determinam a natureza e oslimites inerentes ao capital, assim como seu modo necessário defuncionamento sob as mais variadas circunstâncias. [. . .] A ob-tenção da justa disjunção entre ciência e as determinações capi-talistas destrutivas é concebível somente se a sociedade como umtodo tiver sucesso em sair fora da órbita do capital e proceder umnovo patamar — com princípios de orientação diferentes(Mészáros, apud Antunes, 1999, pp. 122-3).

Para Lipietz (1989), um dos principais representantes da Escolada Regulação Francesa, a crise seria um fenômeno orgânico do capi-talismo em virtude do seu caráter intrínseco atrelado ao movimentoe ao funcionamento contraditório do sistema. A contradição estariano âmago da relação salarial, já que, sendo a taxa de exploração muitoacentuada, existiria a ameaça de uma crise de superprodução. Ao con-trário, se a taxa é muito fraca, a possibilidade de subinvestimentopoderia efetivar-se.

Nesse arquétipo teórico, a crise emergiria em virtude do descom-passo temporal/histórico entre as estruturas econômicas e os seuselementos de regulação.21 Dessa maneira, a crise do regime de acu-mulação fordista,22 da década de 1970, delineou-se à medida que sur-giram dificuldades para a manutenção da estrutura macroeconômicakeynesiana/fordista, em vista da queda da produtividade, do aumentodos salários reais e do aumento da concorrência do setor manufatu-reiro, elementos esses geradores da redução dos lucros (Lipietz, 1989).Para Aglietta (1979), as condições gerais da crise somente são apreen-didas com base nas leis de regulação do capitalismo, pois estas satisfa-zem o princípio da invariabilidade e conformam historicamente umadeterminada relação salarial, implicando, por conseguinte, que a cri-se do regime de acumulação fordista estaria associada à contestaçãodos fundamentos do modo de regulação.

Vejamos os sinais do esgotamento apontados por Aglietta (1979):1) A evolução da organização do trabalho que, em sua aplicação cadavez mais mecânica, tendeu a provocar o esgotamento das potencia-lidades produtivas e a renovar a insatisfação dos trabalhadores aoprocesso de trabalho fordistas; 2) O aumento da dependência do con-

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sumo do governo para manter o nível de demanda em virtude daestabilização do consumo de massa; 3) A elevação dos gastos sociaisdos Estados provenientes de maior pressão social; e 4) A incapacidadedas políticas econômicas para conter a debilidade monetária mani-festada por meio da inflação.

Os regulacionistas franceses delegam papel importante ao pro-cesso histórico para a apreensão das crises. Para Boyer (1999) as crisesmaiores se sucedem; contudo, jamais se repetem quanto ao seu for-mato, já que o capitalismo evolui em espiral, nunca passando pelamesma configuração. As crises e conflitos, nesta dinâmica capitalista“inovativa” contemporânea, marcada por notável irreversibilidade,são os momentos oportunos para reajustamentos das formas insti-tucionais. Assim, cada crise estrutural tende a ser original no exatoentrelaçamento das causas e mecanismos de transmissão.

Nessa linha, a saída da crise, segundo Aglietta (1979), passariapor uma nova forma de institucionalidade — novo modo de regulação:neofordismo — criada a partir de uma nova “relação salarial” coerentecom as transformações das estruturas econômicas contemporâneas.Isso só seria possível se a nova forma de regulação proporcionasseuma articulação entre os custos sociais da força de trabalho — base daacumulação intensiva — e uma reestruturação do consumo por mei-os coletivos. Boyer (1999) e Lipietz (1989) passam a incorporar, commaior ênfase, o âmbito internacional, no processo de construção deum novo modo de regulação articulado nacional e internacional-mente. Para eles, a crise poderia ser sanada com base na regulação dasfinanças internacionais, articulando-as aos compromissos nacionaisvoltados para o crescimento econômico assentado na demanda do-méstica. Para tanto, far-se-ia necessário construir uma nova agendapolítica (modo de regulação), completamente renovada, num duplosentido: i) domesticar novamente as finanças e o mercado que devemtornar-se meios para garantir o bem-estar das sociedades; e ii) estabe-lecer novos compromissos institucionalizados para engendrar o cres-cimento vinculado à exportação e ao mercado interno.

A formulação regulacionista apresenta, em certa medida, os con-flitos e os choques de interesses de grupos organizados como delinea-dores da dinâmica do sistema capitalista de produção, destacando asdiferenças entre os aspectos econômicos e sociais e o caráter intrínse-co das crises a partir de um processo histórico. Para tal eixo teórico, a

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crise, apesar de sua regularidade, poderia ser eliminada, pelo menostemporariamente, por meio de controles instrumentais baseados nomodo de regulação como peça-chave para contornar a crise, ao mesmotempo preservando o padrão atual das relações sociais. Desse modo,as relações sociais contraditórias do capitalismo deixam de ser impe-dimento à continuidade sistêmica, do que se pode deduzir que estaescola, ao delinear suas alternativas à crise, torna-se funcional paradinâmica excludente do capital, uma vez que busca a harmonizaçãopara a retomada da acumulação, pondo a luta de classe num papelsecundário (Oliveira, 2004; Braga, 2003). Essa funcionalidade da teo-ria da regulação francesa ao capital foi muito bem expressa por Braga:

Sinteticamente, a Teoria da Regulação apresenta, desde asorigens, sua vocação: representar, do ponto de vista teórico, osuposto destino dos trabalhadores em colaborar inevitavelmentecom a burguesia. Por intermédio do reprodutivismo teórico, asdeterminações políticas da classe trabalhadora são sacrificadasno altar das “necessidades sistêmicas” capitalistas. O formalismoda análise expulsa, progressivamente, as referências aos antago-nismos sociais, eliminado a contradição: a relação salarial assu-me o espaço da luta de classe (Braga, 2003, p. 228).

De outro lado, as leituras marxistas, no que tange à reflexão dacrise do capital e suas alternativas, podem ser divididas em dois gran-des grupos: 1) os que a entendem apenas como uma crise de acumula-ção; e 2) os que a compreendem como uma crise de dominação. Veja-mos os eixos dessas duas perspectivas marxistas.

Alguns dos que apreendem a crise do capital sob um eixo apenasda acumulação tende a realizar leituras textuais d’O Capital sobre a leida tendência decrescente da taxa de lucro e sobre o problema de rea-lização das mercadorias. Os partidários desse tipo de leitura, em certamedida, “quase sempre se afastaram para uma linha de reflexão queprivilegiava, sobretudo, as saídas internas; [acabando por] reforçar aslinhas de harmonização em vista das retomadas de crescimento [e,por conseguinte, da dinâmica do capital]” (Oliveira, 1999, p. 62).

As leituras marxistas, que apreendem a crise apenas com base emproblemas na acumulação, argumentam que a crise ocorreria emvirtude (i) das dificuldades de realização das mercadorias, associadas

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ao subconsumo ou à superprodução, provocadas por desproporçãointersetorial, ou pela queda nas taxas de lucro médias da economia, e(ii) da leitura textual e naturalizada da lei tendencial decrescente dataxa de lucro.23 Tais análises críticas partem quase sempre de umalógica derivada do próprio capital.

Os problemas na realização das mercadorias (superprodução ousubconsumo), como um dos processos originários da crise de acumu-lação, estariam associados a dois elementos, que não necessariamenteestariam interligados, a saber: (1) a desproporção24 entre os setoresprodutivos; e (2) a queda nas taxas de lucros médias na economia.

O primeiro elemento problemático à realização, a desproporçãoentre os vários ramos da produção, seria originário do caráter nãoplanificado ou “anárquico” da produção capitalista. Quando algumramo produtivo amplia a oferta de mercadorias acima do nível dademanda, ocorreria superprodução setorial. Tal ramo, por sua vez,restringiria suas compras de mercadorias dos outros setores, provo-cando uma superprodução também nestes últimos e assim sucessiva-mente, gerando uma crise geral de superprodução (Migliolli, 1986;Tugan-Baranowsky, apud Sweezy, 1976). A origem desse tipo de crisepoderia ser eliminada pelo planejamento capitalista que funcionariacomo uma saída “interna” à crise, o que permitiria a moderação dosconflitos em prol do crescimento econômico e, conseqüentemente,manteria a hegemonia do capital. Sweezy, no trecho abaixo, critica,de forma irônica, a idéia de Tugan e seus discípulos de que a crise seriaprovocada apenas pela desproporção:

[. . .] se as crises são realmente causadas apenas pelas des-proporções no processo produtivo, então a ordem social existen-te parece estar a salvo, pelo menos até que as pessoas se tornemsuficientemente bem educadas e moralmente evoluídas para de-sejarem uma ordem melhor. Enquanto isso, não só não há neces-sidade de um colapso no capitalismo, como muito se pode fazer[por meio do planejamento], mesmo sob o capitalismo, paraeliminar as desproporções, causa de muito sofrimento (Sweezy,1976, pp. 188-9).

A queda na taxa de lucro média da economia, como outra leiturado problema crítico da acumulação, seria derivada do próprio movi-

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mento do capital, pois à medida que ocorresse um declínio da taxamédia de lucro, proveniente principalmente do aumento da concor-rência intercapitalista, consubstanciar-se-ia uma redução do investi-mento que acabaria por provocar redução nos níveis de emprego esalários, afetando a demanda por mercadorias e deflagrando a crisede superprodução.

A visão de Robert Brenner sobre a crise dos anos 1970, em seuensaio “A Crise Emergente do Capitalismo Mundial. . .” e no seulivro O Boom e a Bolha, o põe na perspectiva crítica de acumulaçãoatrelada à queda na taxa de lucro média, muito embora rejeite o fun-damento da lei marxista representado pelo crescimento da composi-ção orgânica do capital. Para ele, a crise seria proveniente da quedasecular da lucratividade, oriunda do excesso de capacidade e produ-ção do setor manufatureiro mundial. Tal compressão dos lucros dessesetor teria origem no acirramento da competição internacional, poisà medida que os produtores da Europa Ocidental e do Japão começama suprir frações cada vez maiores do mercado mundial, com benssimilares aos que já eram produzidos pelos EUA, surge redundância eexcesso de capacidade e de produção. Para Brenner, o problema ten-deu a se agravar com a crise monetária internacional e com o colapsoda ordem de Bretton Woods, entre 1971 e 1973. Tanto o Japão quantoa Alemanha foram obrigados a enfrentar custos maiores em virtudedas elevadas valorizações de suas moedas ante o dólar, e, por conse-guinte, viram suas taxas de lucro reduzir-se, aprofundando ainda maisa contração dos lucros do setor manufatureiro internacional. À medi-da que se consubstanciava a redução das taxas de acumulação de capi-tal, materializava-se a queda dos níveis de investimento e, conseqüen-temente, do emprego. Isso provocou queda na demanda, o que, porsua vez, agravou o problema da realização, ampliando o problema doexcesso de capacidade e de produção (Brenner, 1999 e 2003).

Ainda na perspectiva de Brenner, a explicação da crise acaba porrecair no problema de insuficiência da demanda atrelada à reduçãoda taxa de lucro. O epicentro da crise seria conformado no plano daconcorrência do setor manufatureiro, mormente nos países centrais;há, então, o deslocamento da luta de classe como o elemento principaldo problema enfrentado pelo capital. Ao deslocá-la para posição se-cundária do movimento crítico, assumiu-se a concorrência intercapi-talista como fator causal da crise, abrindo novamente possibilidades

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de saídas “internas” a ela. Tais saídas podem ser representadas (i) porarranjos nacionais e internacionais de controle da concorrência capi-talista que estimulem a demanda e (ii) por novos processos distri-butivos que levam à harmonização entre as classes; garantindo assim,elementos de sustentação do domínio do capital.

Ainda numa perspectiva de crise de acumulação, algumas leiturasmarxistas utilizam a lei tendencial decrescente da taxa de lucro deforma textual e naturalizada, uma vez que a crise ocorreria em virtudeda busca obsessiva dos capitalistas por mais-valia, tanto relativa quan-to absoluta. Na busca pela valorização, o capital, no âmbito da con-corrência intersetorial, é levado a reduzir ao máximo o uso da forçade trabalho por meio do rebaixamento dos custos. Então, a tendênciaà queda da taxa de lucro seria originária da crescente exploração dotrabalhador ante os ditames da concorrência intercapitalista. À medi-da que aumenta a extração de mais-valia (exploração) maior seria aresistência dos trabalhadores; em vista dessa maior resistência, ocor-reria uma diminuição da mais-valia. De outro lado, essa situação am-plia a possibilidade de utilização de novas tecnologias, que resultarána ampliação da mais-valia apenas à medida que haja diminuição daresistência dos trabalhadores. Atrelada a essa dinâmica há uma ten-dência ao aumento da relação entre as máquinas e a mão-de-obradireta (composição orgânica do capital) no processo produtivo. Isso,por sua vez, tenderia a provocar uma retração relativa da própria mais-valia, gerando assim uma crise. Em suma, a crise seria fruto de umcrescimento mais elevado da composição orgânica do capital em re-lação ao crescimento da taxa de mais-valia (Sweezy, 1976).

Geralmente, em tal análise da crise, a concorrência ganha prece-dência à resistência dos trabalhadores ao processo de exploração. Aoadotar tal primazia do elemento concorrencial, a crise, nessa pers-pectiva, torna-se auto-impulsionada pelos fatores econômicos. Issoconduz a um determinismo e a uma naturalização da lei tendencialdecrescente da taxa de lucro. Essa visão abre também margens paraformulações mecanicistas e positivistas extremadas de autodestruiçãodo capital (teoria do colapso catastrófico) (Oliveira, 1999).

Alguns marxistas, ao adotarem essa perspectiva de crise autoge-rada, esqueceram que Marx (1986) ao lado da formulação da leitendencial decrescente da taxa de lucro também enumerou elemen-tos “contrabalançadores” ou de contratendências — tais como o ba-

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rateamento dos elementos do capital constante, a elevação da inten-sidade da exploração, a compra da força de trabalho por preço abaixodo seu valor-de-troca, dentro outros — que podem manter reduzida acomposição orgânica do capital ou elevar a taxa de mais-valia. Ascontratendências podem, portanto, impedir ou anular a queda dataxa de lucro. Assim, tal lei problemática ao capital assume carátertendencial.

Nenhuma lei em economia política pode deixar de sertendencial, na medida em que é obtida isolando um certo núme-ro de elementos e deixando de lado, portanto, as forças contra-postas. Seguramente, será necessário distinguir um grau maiorou menor de tendencialidade e, enquanto geralmente o adjetivo“tendencial” subentende-se como óbvio, insistindo-se nele, pelocontrário, a tendencialidade converte-se em uma característicaorganicamente relevante (como neste caso, no qual a queda dataxa de lucro é apresentada como o aspecto contraditório de outralei, a da produção de mais-valia relativa, na qual uma tende a supri-mir a outra com a previsão de que a queda da taxa de lucro serápredominante). [. . .] Quando se pode imaginar que a contradi-ção chegará ao nó górdio, insolúvel normalmente, mas que exi-ja a intervenção de uma espada de Alexandre? [. . .] Quando acontradição econômica transforma-se em contradição política eresolve-se politicamente [, por meio da luta de classe,] emuma inversão da práxis (Gramsci, 1977, p. 1.279, apud Braga,2003, p. 216).

Será, então, que o capitalismo se perpetuaria como sistema so-cial, em virtude dos elementos de contratendência que proporciona-riam saídas “internas” à crise? Gramsci, na passagem acima, respon-de a essa questão mostrando que a crise ao ganhar dimensão detotalidade (contradições econômicas e políticas) abre a possibilidadede saídas “externas” à sociabilidade construída pelo capital por meioda inversão de práxis.

Em suma, a visão marxista de crise do capital, enquanto apenasuma crise de acumulação, associada aos problemas de realização (sub-consumo e/ou superprodução) ou vinculada à leitura naturalizada emecânica da lei de tendência decrescente da taxa de lucro, tende a

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deslocar do eixo crítico da luta de classe, tornando-a uma variávelexterna, dependente e passiva à dinâmica do capital. Isso acaba des-cartando a necessidade de transformação social “para além do capi-tal”. Ao adotar tal trajetória, essa leitura marxista se torna economicistaà medida que privilegia o formalismo nas interpretações da crise emdetrimento das análises das contradições.

Abdicar da luta de classe como fonte originária [da crise]abria caminhos para a busca de soluções orgânicas através doplanejamento da repartição, da harmonia intersetorial com ainterveniência do capital financeiro e da distribuição de rendas[. . .]. No fundo, o que se procurava deslocar como anacrônicoera a idéia mesma de uma revolução como alternativa, em no-me das reformas graduais. Não por acaso, estas paulatinamenteocupam esse espaço, quando a aposta intelectual se desloca paraa possibilidade de eliminar a revolução pelo planejamento e pe-los consensos possíveis, mesmo que ao custo da exclusão dossetores de base (Oliveira, 1999, pp. 62-3).

Em outra direção, considerando-se agora a leitura do segundogrande grupo marxista, a crise somente ocorre quando existem ele-mentos problemáticos à dominação do capital. Ou seja, uma crise dedominação, que deve ser tomada como categoria mais ampla do que ada crise de acumulação, uma vez que incorpora a luta de classes comoprincipal elemento crítico, articulando-a aos fenômenos problemá-ticos à realização das mercadorias. Essa leitura assume caráter, aomesmo tempo, objetivo e subjetivo, com interações dialéticas, já quea crise surge objetivamente no âmbito das relações de produção, asso-ciada à lei da tendência decrescente da taxa de lucro, ampliando-separa todo o conjunto das relações societais (culturais, políticas, éticas,intelectuais, ideológicas e morais), atingindo a dimensão de uma cri-se de dominação do capital. Cabe ressaltar que a crise de dominaçãopode atingir graus, formas e temporalidades diferenciadas em cadapaís em face da correlação de força entre as classes no nível nacional— haja vista o grau de desenvolvimento das forças produtivas, o nívelde intercâmbio interno e as estruturas políticas de cada país — e,também, ao grau de hierarquização entre Estados nacionais mais for-tes e mais fracos.

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Ao alcançar o patamar de crise de dominação, esta adquire caráterestrutural, isto é, de totalidade, à medida que desestabiliza, em certamedida, a hegemonia das classes dominantes, abrindo a possibilidadede rupturas sociais e, por conseguinte, de novas alternativas “societárias”fora do eixo do capital. Para Braga (2003, p. 215), apoiado em Gramsci,“a crise [de dominação], nesse sentido, aponta uma ruptura, por ve-zes violenta, dos vínculos que atavam as classes subalternas a todo umambiente intelectual e moral [das classes dominantes]. Um verda-deiro movimento de erosão das bases do consentimento”.

Na perspectiva marxista de crise de dominação, como uma crisedo capital em sua totalidade, a luta de classe assume papel fulcraltanto no movimento da crise como em suas saídas “externas”, poisela representa uma das principais restrições à acumulação e, tam-bém, pode funcionar como o elemento propulsor de novas trajetóriassociais. Segundo Oliveira (1999, p. 62), “fora o próprio Marx quem jáalertara para o fato de que as maiores restrições impostas à continui-dade do processo de acumulação são de natureza essencialmente po-lítica”, uma vez que depende “da correlação de forças que se expressana luta marcada pela resistência dos trabalhadores à exploração”. Dessemodo, a luta de classes está “na origem do processo crítico e, em pers-pectiva, é dela que vai depender o seu desfecho, não havendo, portan-to, nada de natural ou mecânico no seu desenrolar”.

Assim, a efetivação da crise de dominação do capital só pode serapreendida a partir de uma dualidade, qual seja, ela se constitui quan-do os “de baixo” (classe trabalhadora) não quiserem mais subor-dinar-se à dinâmica do capital e os “de cima” (classe dominante)perdem certa capacidade e instrumentos para manterem-se comodominação/hegemonia. Com isso, materializa-se um ambiente deincerteza quando às trajetórias sociais.

Os ciclos/momentos econômicos desfavoráveis que adquiremdimensão de crise de acumulação, vinculados à lei tendencial decres-cente da taxa de lucro, são condições necessárias, mas não suficientes,para o surgimento de uma crise de dominação. Dito de outra manei-ra, para que ela exista faz-se necessário que os elementos econômicosobjetivos, elevação do conflito distributivo entre lucro e salário, trans-bordem ao campo das contradições políticos da luta de classe.

A possibilidade de um processo diacrônico, entre as dimensõescríticas da economia e da política, está vinculada à dificuldade, pelo

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capital, em determinados momentos históricos, em articular instru-mentos de coerção e consentimento socioeconômicos25 que, ao mes-mo tempo, eliminem os problemas na realização das mercadorias ereduzam a intensidade da luta de classe. Numa situação como esta aclasse trabalhadora é mantida numa condição de “classe em si”, im-pedindo assim que se constitua numa “classe para si”. Quando o capi-tal consegue engendrar tal articulação estaria por eliminar, pelo me-nos temporariamente, a crise em sua totalidade, quer dizer, tanto nadimensão da acumulação como da dominação.

A construção do arranjo institucional do compromisso keynesiano/fordista do pós-Segunda Guerra permitiu a eliminação da crise estru-tural de 1929 em sua totalidade, já que criou um ambiente de harmo-nização da luta de classe e engendrou um novo modelo de acumula-ção assentado na demanda efetiva. Tal saída interna à crise do capital,de 1929, levou a um novo período de elevada taxa de acumulaçãocapitalista.

Em suma, a análise da crise do capital sob apenas uma das suasdimensões, a da acumulação, acaba por privilegiar, em certa medida,as resoluções dos problemas de realização. Ao adotar tal caminhosubordinam o movimento da sociedade à dinâmica do capital e, emalguns momentos, acabam por viabilizar alternativas socioeconô-micas para o próprio capital. Em outro campo, os que apreendem acrise do capital como um processo crítico de dominação tende a ado-tarem saídas “externas” à sociabilidade ditada pela lógica do capitalainda que estas, às vezes, não se evidenciem como uma possibilidadeem determinados momentos históricos.

Os que se detiveram na crise como ruptura de um ciclo dedominação nem sempre estiveram colocados à construção dosarranjos institucionais e de outra natureza em vista da recompo-sição dos espaços do capital. Estiveram sim bem mais atentos aoscaminhos da revolução como necessidades históricas ainda queesta, às vezes, não se evidenciasse como uma possibilidade (Oli-veira, 1999, pp. 62-3).

Após essa incursão nos eixos teóricos de apreensão da crise, faz-senecessário engendrar uma análise sobre o fenômeno crítico do capi-tal iniciado no final da década de 1960 e suas dimensões atuais. Existe

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certo consenso, dentre as diversas correntes teóricas supracitadas, deque a década de 1970 foi marcada por um esgotamento do modelo deacumulação. Esse consenso deixa de existir no que se refere à duraçãodessa crise. Para muitos analistas críticos, a crise estaria presente atéos dias atuais. Será que existe uma crise estrutural do capital no mo-mento presente? Parte-se aqui do constructo de que não existe hojeuma crise estrutural do capital, como crise de dominação, mais sim oque existe é uma crise de acumulação, associada ao problema de reali-zação das mercadorias que teve início na década de 1960 e perdurahodiernamente.

A crise, atrelada ao esgotamento do padrão de acumulação dosanos dourados, foi ampliado-se e transbordou, no fim de 1960, aoâmbito político da luta de classes, particularmente nos países centraisdo capitalismo. Nesse momento, a crise deixava de se configurar ape-nas como de acumulação para se materializar como de dominação,ganhado assim um caráter estrutural e de totalidade em vários espa-ços nacionais. Os representantes do capital nesses territórios, ao per-ceberem o momento de instabilidade de sua hegemonia, contra-ata-caram engendrando transformações socioeconômicas de grandeenvergadura que acabaram por contornar a crise de dominação, porvolta do início dos anos 1980, pela redução do poder da classe traba-lhadora. Vale ressaltar que a cronologia histórica e as dimensões dacrise assumem características bastante diferenciadas nos países peri-féricos, pois nestes a crise de acumulação, em certa medida, foi adiadapelas ditaduras militares, em virtude de instrumentos de achatamen-to dos salários que retardaram temporariamente, até finais dos anos1970, à queda da lucratividade. Ademais, nessa região a crise de acu-mulação não se propagou para a dimensão de crise de dominação.

As amplas transformações construídas conseguiram arrefecer acrise de dominação, mas não a crise em sua totalidade, uma vez queoutros impedimentos à acumulação, atrelados sobretudo à concor-rência capitalista inter e intra-setores, continuaram e continuam atéos dias atuais. A continuidade da crise decorre da dificuldade de fixa-ção de um novo padrão de acumulação que incorpore os diversosinteresses organizados, em virtude das próprias transformações (re-gulação liberal e reestruturação produtiva) engendradas pelo capitalpara contornar a luta de classe. Vejamos, a seguir, de forma mais deta-lhada a dinâmica prática da crise.

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Por volta do final dos anos de 1960, as contradições do padrãodos anos dourados vão sendo reforçadas à medida que (i) se elevava acontradição entre as classes, mediante a rearticulação dos movimen-tos operários diante da redução do “exército industrial de reserva”;(ii) se acirrava a concorrência inter e intra-setorial dos capitais, nota-damente nos países centrais (EUA, Alemanha e Japão) pela busca deapropriação dos segmentos mais lucrativos, o que acabou gerandoum excesso de produção e de capacidade; (iii) ocorreram aumentosnos preços das matérias-primas, associados à redução dos investi-mentos da indústria petrolífera e à maior pressão da Opep por reajus-tes de preços que estavam defasados em valores reais, provocando aelevação dos custos de produção (Claudin, 1977, apud Oliveira, 1999).

Esses foram os três fatores determinantes da queda tendencialobservada nas taxas de lucro, a partir da década de 1970, na origem daqual está o aumento da contradição de classes no âmbito da produ-ção, particularmente entre o final da década de 1950 e início da déca-da de 1980. Nesse período, os movimentos operários (classe trabalha-dora) rearticularam-se em decorrência da redução do “exércitoindustrial de reserva” provocada pelo crescimento econômico dosanos dourados. Em boa parte do planeta os movimentos trabalhistasrealizaram uma ofensiva ao capital com características bastante pe-culiares. Dentre essas, destaca-se a construção de movimentos/grevesde base operária autônoma e, por conseguinte, independentes, emcerta medida, das instituições sindicais social-democratas que nessaaltura ainda “representavam” os trabalhadores na arquitetura do com-promisso keynesiano/fordista (consenso estabelecido entre a buro-cracia sindical e os patrões). Tais iniciativas dos trabalhadores foramdenominadas, num primeiro momento, de greves “selvagens”, fican-do depois conhecidas como movimentos autônomos. Não foram pou-cas as ocupações das empresas por trabalhadores buscando remode-lar as relações tayloristas/fordistas26 de trabalho e sua respectivadisciplina empresarial. Boa parte do movimento grevista esteve emluta contra essa forma de organização da produção e sua rígidahierarquização (Bernardo, 2000; Antunes, 1999).

A contradição entre as classes elevou-se, em maior ou menorgrau, tanto na Europa, notadamente nos países industrializados cen-trais, quanto na América à época. Pelos idos de 1968, as ações dosmovimentos trabalhistas de deslegitimação destes processos de tra-

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balho autoritários e avessos a formas democráticas de participaçãoatingiram um dos seus pontos culminantes. Passou-se a questionaralguns pilares constitutivos do capital, tanto no âmbito da produçãoquanto, em certa medida, da superestrutura, particularmente os rela-cionados ao controle social. A ampliação da luta de classe e do poderdo operariado, nos países capitalistas desenvolvidos, perturbou seria-mente o funcionamento do sistema capitalista, constituindo-se nofator mais importante no desencadear da crise estrutural do capital. Àmedida que o conflito distributivo passava a uma dimensão de luta declasse, verificava-se o aumento da resistência dos trabalhadores à ex-ploração que, por sua vez, provocava a queda da taxa de lucro.

A crise transbordara ao âmbito das contradições políticas da lutade classe, ao longo da década de 1970, tanto no plano da fábrica,quanto além dela, em menor grau, por meio dos movimentos estu-dantis, dos grupos em luta por direitos humanos, da oposição à guerrado Vietnã e dos movimentos de contracultura. À época verificava-secerta contestação da ordem estabelecida, ou seja, o capital atravessavauma crise estrutural em sua totalidade equivalente a uma crise dedominação. Vale ressaltar que ela foi menos intensa do que as crisesestruturais pretéritas, em função da influência social-democrata nointerior dos movimentos proletários e da absorção, pelos trabalhado-res, da cultura e da ideologia burguesa do american way of life.

Além da intensificação da luta de classe, outros dois fatores pro-vocaram a redução na taxa de lucro. O primeiro foi a elevação dospreços das matérias-primas, especialmente, como já mencionado, dopetróleo. A Opep começou, a partir de 1971, a pressionar por reajustesno preço internacional do petróleo que estavam defasados. Os EUAaceitaram um reajuste de cerca de 50% no preço internacional dopetróleo, entre 1971 e 1973, buscando manter relações estáveis comos países árabes e, em especial, para viabilizar a indústria petrolíferanorte-americana cujos custos se haviam elevado. Em 1973, a guerraentre os países árabes e Israel foi o estopim de um elevado aumentodos preços do petróleo, que quase quadruplicou (Serrano, 2004). Des-se modo, os custos das matérias-primas elevaram-se provocando umacompressão nos lucros.

O segundo deles diz respeito ao acirramento da concorrênciainter e intra-setorial, notadamente entre os capitais americanos, ale-mães e japoneses, a partir da segunda metade da década de 1960, uma

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vez que os produtores da Europa Ocidental e do Japão começaram asuprir frações cada vez maiores do mercado mundial, até mesmocom bens similares aos que já eram produzidos pelos Estados Unidos.Tal situação acabou por reduzir ainda mais as taxas de lucro que sevinham comprimindo em virtude da elevação da luta de classes. As-sim, havia-se tornado difícil repassar aos preços a elevação dos custosde produção, ante o excesso de produção. Com a intensificação daconcorrência capitalista ocorreu a elevação do grau de atrito entre osEstados nacionais industrializados (EUA, Alemanha e Japão), geran-do também a ruptura do arranjo institucional do sistema monetáriode Bretton Woods construído nos anos dourados.

Nesse contexto de desarranjo institucional cresciam os conflitosentre os Estados desenvolvidos ao longo dos anos 1970. A cooperaçãoantagônica desestruturou-se. O acirramento das tensões no bloco ca-pitalista esteve eminentemente vinculado à contestação da suprema-cia norte-americana no sistema-mundo capitalista pelos capitais ja-poneses e alemães. Muitos analistas, na década de 1970, dos maisdiversos matizes, afirmaram que a supremacia dos EUA estaria che-gando ao seu ocaso e que estaria por emergir um novo centro capita-lista. Tais previsões não se confirmaram; ao contrário, o que se verifi-cou foi uma forte retomada da supremacia dos Estados Unidos,notadamente no final dos anos de 1970 com a política Volcker do“dólar forte”. Mais recentemente, pós-dissolução do Pacto de Varsóviae do fim da União Soviética, os Estados Unidos têm ampliado seupoderio econômico, político, militar e cultural, e, a partir de 1991,vem buscando consolidar um projeto de império. “Segundo HenryKissinger, os Estados Unidos enfrentaram, em 1991, pela terceira vezna sua história, o desafio de redesenhar o mundo à sua imagem esemelhança [. . .]” (Fiori, 2004, p. 94).

Em suma, a crise foi conseqüência de um conjunto de manifesta-ções econômicas e políticas que caracterizaram um determinado pe-ríodo histórico, a saber: o aumento da contradição entre as classes,articulado ao aumento da concorrência intercapitalista entre países,a partir da década de 1960, e à elevação dos preços das matérias-pri-mas. Tal processo crítico assumiu a dimensão de crise de dominaçãoa partir da ampliação dos movimentos de contestação, em certa me-dida, da ordem capitalista estabelecida. Os representantes do capital,diante da crise estrutural (dimensão econômica e política), engen-

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draram estratégias contra-ofensivas de caráter preservativo, em seusdiversos espaços nacionais, em especial nos países desenvolvidos, pau-tadas principalmente na coerção e no controle sobre a classe ope-rária, provocando intenso processo de desvalorização da força de tra-balho, diferentemente da estratégia “harmonicista” (compromissokeynesiano/fordista) adotada como alternativa à crise de 1929. As estra-tégias de reação à crise, implementadas pelo capital, tanto no planomicro (reestruturação da produção) quanto no macro (modelo deregulação liberal), em associação com a dificuldade dos movimentosoperários de construir um projeto hegemônico 27 contrário ao capi-tal, acabaram por arrefecer a crise de dominação. Como resultado,houve arrefecimento da luta de classes decorrente, sobretudo, da des-valorização da força de trabalho e de sua contrapartida, o aumento do“exército industrial de reserva”, além do combate dos sindicatos. Noentanto, não ocorreu a eliminação da crise em sua totalidade, perma-necendo no plano econômico, uma vez que, por um lado, o processode reestruturação produtiva, ao criar um maior contingente de de-sempregados, acabou por reduzir a demanda agregada e, por conse-guinte, gerou problemas na realização das mercadorias. Por outrolado, a adoção do modelo de regulação liberal (neoliberalismo) difi-cultou, e continua dificultando, a consolidação de um novo padrão deacumulação que consiga incorporar os diversos interesses organiza-dos, ainda mais com a assunção dos rentistas à posição central nadisputa entre frações da classe dominante.

A regulação neoliberal, na verdade, ampliou a concorrência ca-pitalista intra e intersetores e abriu brechas para a assunção das fi-nanças como importante motor da dinâmica capitalista, provocandoprofundas transformações na natureza dos ciclos econômicos, tor-nando-os cada vez mais curtos e instáveis, consubstanciando, assim,crises financeiras constantemente.

O enfrentamento da crise:reestruturação produtiva e globalização financeiracomo contra face do mesmo fenômeno

A instabilidade socioeconômica fora a marca da década de 1970.O capitalismo mergulhara numa crise estrutural (de dominação) quesignificou um abalo nos mecanismos de controle social e de acumu-

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lação. Em tal contexto crítico, o capital engendrou, nos mais diversosespaços nacionais, particularmente onde a crise estrutural assumiumaior intensidade, uma série de importantes transformações estru-turais de grande envergadura, tanto no âmbito da produção quantono plano superestrutural do Estado e da ideologia.

O enfrentamento da crise estrutural processou-se a partir de duasdimensões que se articulam, quais sejam: (i) no plano da produção,pela reafirmação do capital diante das lutas de classes mediante afragmentação da produção e, conseqüentemente, do trabalho, asso-ciado ao processo de centralização e concentração do capital. Isso foiviabilizado pela reestruturação da produção — que teve como bali-zadores a acumulação flexível e a adoção de novas formas de organi-zação das empresas — e pelas mudanças institucionais no âmbitonacional e internacional; e (ii) no plano institucional, pela assunçãodo modelo de regulação neoliberal que trouxe subsídios ao processode fragmentação da produção e ao processo de retomada da suprema-cia pelos Estados Unidos. Este modelo neoliberal centrou-se e centra-se na liberalização dos fluxos comerciais e financeiros, na desregula-mentação dos mercados de trabalho, no forte ataque à estruturasindical, na diminuição dos gastos públicos sociais e na redução daintervenção estatal na economia (privatizações). Esta nova regulaçãoinstitucional abriu espaço para a globalização financeira e, por conse-guinte, para o favorecimento do rentista, particularmente nos EUA,elevando seus beneficiários a uma posição central na disputa entre asfrações da classe dominante nacional e internacional pela apropria-ção da renda e da riqueza.

Reestruturação produtiva e reafirmação do capital:fragmentação do trabalho com centralização e concentraçãodo capitalNo ambiente de acirramento da luta de classes (crise de do-

minação) da década de 1970 os movimentos autônomos trabalhis-tas demonstraram a capacidade relativa dos trabalhadores de con-trolar diretamente tanto os movimentos reivindicatórios quanto ofuncionamento da empresa. No entanto, os instrumentos de auto-organização dos trabalhadores acabaram sendo transformados, peloscapitalistas, em meios para a própria reestruturação produtiva. A auto-organização do trabalho, agora sob a égide do capital, em associação

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com novas tecnologias eletrônicas e computacionais (microeletrô-nica), se convertera na base para a reorganização capitalista sob novasformas de gestão do trabalho, tais como o toyotismo, a produção “en-xuta”, a qualidade total, entre outras formas similares de gestão dotrabalho associados ao padrão da acumulação flexível. Tal processoteve por objetivo retomar o controle social — abalado pelo questio-namento da hierarquia e controle da produção fordista pelos traba-lhadores — abafando as lutas de classes e restabelecendo níveis eleva-dos de lucratividade.

A passagem abaixo, do livro Transnacionalização do Capital e Frag-mentação dos Trabalhadores, de João Bernardo, expressa muito bemesse processo:

Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se li-mitarem a explorar a atividade muscular dos trabalhadores, pri-vando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausuradosnas compartimentações estritas do taylorismo/fordismo, po-diam multiplicar o seu lucro explorando-lhes a imaginação, osdotes organizativos, a capacidade de cooperação, todas as virtua-lidades da inteligência. Foi com esse fim que se desenvolveram atecnologia eletrônica e os computadores e que se remodelaramos sistemas de administração de empresas, implantando-se o toyo-tismo, a qualidade total e outras técnicas similares de gestão(Bernardo, 2000, p. 29).

Além das novas formas de gestão/organização do trabalho, areestruturação produtiva vinculou-se também às transformações daprodução tanto no âmbito setorial quanto nas estruturas organizativasdas empresas. Tais modificações consubstanciaram estratégias defen-sivas, diante da crise estrutural, voltadas ao aumento da concentraçãoe da centralização do capital, em articulação com a descentralizaçãodas operações (fragmentação da produção).

O processo de acumulação flexível, estruturado a partir de for-mas novas da gestão do trabalho, em associação com a introduçãoampliada de novos padrões de automação informatizada (basemicroeletrônica) e da teleinformática, possibilitou o surgimento denovas formas de organização industrial, combinando a desconcen-tração espacial da produção tanto nacional como internacionalmen-

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te. Também faz parte dessa combinação a estrutura mais “horizon-talizada” da grande firma e a integração entre a grande empresa e asdiversas unidades menores subcontratadas em redes hierarquizadas,processo este denominado de terceirização. Nesse contexto, as em-presas, por um lado, dispõem, cada vez mais, de menor contingentede força de trabalho e, por outro, de maiores índices de produtividade(Chesnais, 1996; Antunes, 1999). Na verdade, estas mudanças de ges-tão da produção permitiram aumentar a extração de mais-valia, tantorelativa quanto absoluta.

Esses novos elementos, relacionados tanto à gestão do trabalhoquanto às novas formas de organização industrial (“empresa-rede”),possibilitaram às multinacionais (empresas e bancos) maior contro-le da expansão de seus ativos em escala internacional. Ao mesmotempo, também serviram para reforçar a ampliação das operaçõesdessas firmas ao âmbito mundial por meio do crescimento tanto dasrelações de terceirização entre firmas localizadas a milhares de qui-lômetros umas das outras quanto da “deslocalização” de tarefas roti-neiras nas indústrias. Esta dinâmica, por um lado, levou a maior con-centração e centralização do capital, uma vez que os investimentosinternacionais cruzados e as fusões-aquisições entre as multinacionais,notadamente nos EUA, Japão e Alemanha, consubstanciaram umaelevada concentração da oferta mundial. De outro lado, possibilitou afragmentação de processo de trabalho e as novas formas de “trabalhoem domicílio” (Chesnais, 1996).

A centralização do capital é uma característica histórica e neces-sária ao padrão de desenvolvimento capitalista. No entanto, em mo-mentos de crise esse fenômeno tende a se intensificar em vista dasestratégias defensivas dos representantes do capital. Verifica-se que taltendência vem materializando-se a partir dos anos 1980, na medi-da em que se observa uma grande elevação de fusões e aquisições,ampliando a concentração e a centralização dos mais diversos ramosprodutivos. As indústrias já oligopolistas em seus espaços nacionaisampliaram seu espaço de atuação internacionalmente. Para tanto,utilizaram os investimentos externos diretos (IED) como forma deintegrar, tanto horizontal quanto verticalmente, as novas bases in-dustriais nacionais separadas e distintas (op. cit., 1996).

Desse modo, verifica-se hodiernamente que os setores produti-vos estão articulados internacionalmente, ou seja, a partir de diversos

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espaços nacionais, diferentemente do que ocorreu nos anos douradosdo capitalismo. Vale ressaltar que o processo atual de fragmentação daprodução não significou perda de poder para os Estados centrais, jáque o controle do processo produtivo continuou aí instalado.

À proporção que avançava o processo de reestruturação produtivao capital ficava, cada vez mais, à vontade para se impor diante dotrabalho. Esse maior poder do capital não pode ser associado apenasao plano da produção, mas também ao campo da institucionalidade,uma vez que a assunção da regulação neoliberal teve papel preponde-rante na viabilização da reorganização da produção ao combater ossindicados e ao instituir o processo de abertura dos fluxos financeirose comerciais. De fato, a abertura significou um elemento de funda-mental importância à promoção da integração entre as bases empre-sariais nos diversos países — quer seja por meio dos IED, quer seja pormaiores facilidades às importações e às exportações intrafirmas — e,por outro lado, abriu o caminho às alternativas de lucros centradasem fundamentos financeiros.

As mudanças da estrutura produtiva, articuladas à regulaçãoneoliberal, como estratégia de reorganização da dinâmica capitalista,acabaram por restabelecer a maior dominação do capital diante dotrabalho quando a fragmentação dos processos de trabalho provocouintensa desvalorização da força de trabalho, notadamente em virtu-de da reconstrução do “exército industrial de reserva”. Tal dinâmicadeletéria foi estruturada a partir de(a) (i) uma enorme desregulamen-tação dos direitos do trabalho; (ii) grande “precarização” e terceiri-zação da força de trabalho, num cenário de aparecimento de desi-gualdades salariais; (iii) destruição dos sindicatos classistas.

A reconstrução do exército de reserva de trabalhadores, associadoà pujança da ideologia neoliberal — centrada no individualismo e naliberdade burguesa — desarticulou as formas clássicas de solidarieda-de. Isso, por sua vez, provocou fraturas nos vínculos classistas entre ostrabalhadores, implicando a “precarização” das ações coletivas e umengajamento personalista e “egoísta”.

Por outro lado, as medidas voltadas à desvalorização da força detrabalho geraram efeitos colaterais à acumulação produtiva, já quetais medidas provocaram redução na massa de salários e, conseqüen-temente, consubstanciaram redução da demanda agregada, tanto pelolado do consumo das famílias como dos investimentos, gerando as-

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sim, problemas na realização das mercadorias. Tal dificuldade emrealizar a produção criou limites à acumulação produtiva. Para com-pensar essa limitação, os representantes do capital buscaram al-ternativas nas finanças. Deslocando-se da produção, os capitalistaspassaram a privilegiar o universo do capital-dinheiro em um grau deautonomia muitas vezes superior ao que se manifesta quando o capitalportador de juros atua somente como apêndice da esfera produtiva.

Em suma, o processo de reestruturação produtiva (centralizaçãoe concentração do capital e fragmentação do trabalho), vinculado àimplantação da regulação estatal neoliberal, consolidada nos anosfinais da década de 1970, notadamente nos países centrais do capi-talismo, arrefeceu a luta de classes. O capital retomara o controlesocial. Entrementes, os mecanismos utilizados para tal “feito”, pro-vocaram restrições à acumulação no âmbito da produção, o que levoua adoção, por parte dos capitalistas, de alternativas de acumulaçãopautadas nas finanças.

Globalização financeira: o papel dos Estados Unidosna ampliação da acumulação financeira

Desde o início da década de 1970, em meio a um cenário marca-do pela crise estrutural, as taxas de acumulação produtiva do capitalnos países avançados começaram a apresentar trajetórias de desa-celeração. Nem mesmo as estratégias, no âmbito da produção, volta-das ao aumento da produtividade, propiciaram a retomada da acumu-lação aos níveis pretéritos. Nesse contexto de aumento das barreiras àvalorização do valor originadas do aumento do conflito entre capitale trabalho, configura-se um excesso de capacidade e de produção nosetor manufatureiro, em decorrência da maior confrontação interca-pital. Os preços do setor manufatureiro mundial não foram capazesde se elevar na mesma proporção dos custos diretos de produção. Essadinâmica acabou gerando, ao longo da década de 1970, a desaceleraçãodas taxas de crescimento do produto, da produtividade e dos lucrosnas economias capitalistas.28

Diante de um quadro crítico estrutural, que se revelou reticente noque se refere à recuperação das taxas de lucros do setor produtivo e noque tange à expansão econômica e geopolítica dos EUA, importantestransformações estruturais foram introduzidas com o objetivo de

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recolocar o capital norte-americano no centro da economia-mundo.O processo de retomada da supremacia norte-americana foi consubs-tanciado, por um lado, pelo processo de globalização financeira e, poroutro, pela “diplomacia das armas”, atrelada ao aumento da corridaarmamentista e ao programa “guerra nas estrelas” (Tavares, 1997).

As amplas transformações introduzidas no plano da produção,conforme já descrito, não foram capazes de alavancar a retomada daacumulação produtiva aos níveis dos anos dourados. Nesse contexto, asuperestrutura financeira envereda por uma trajetória de descolamen-to atrofiado relativamente à esfera produtiva, destacando-se as alter-nativas de realização do lucro financeiro, primeiro na forma de capi-tais de empréstimos e, depois, como capitais voláteis especulativos,configurando-se a partir desse momento uma dinâmica de acumula-ção predominantemente financeira (Balanco & Pinto, 2004).

A nova superestrutura financeira levantada depois dos anos 1970viabilizou a chamada “financeirização”, quer dizer, a diminuição acen-tuada das restrições com as quais as empresas se deparavam para ob-terem um diferencial de rentabilidade positiva quando aplicam seuscapitais em investimentos financeiros em vez de em investimentosprodutivos (Salama, 2000).

Vejamos agora de forma detalhada como a assunção do padrão deacumulação predominantemente financeiro esteve associada à criseestrutural da década de 1970 e às estratégias de suas saídas, voltadas àretomada do controle social e à recuperação da acumulação.

A economia norte-americana, ao final dos anos 1960, enfrentavadéficits astronômicos e persistentes no balanço de pagamentos, emvirtude dos investimentos externos crescentes, associados ao PlanoMarshall e aos gastos militares no exterior com a Guerra do Vietnã.Esses dois elementos, e mais a ingente elevação da quantidade depetrodólares no mercado financeiro europeu, produziram forte au-mento na liquidez do dólar nos mercados internacionais, provocan-do a “crise do dólar” na década de 1970. Na verdade, desde o iníciodos anos 1960, o padrão cambial do dólar-ouro, firmado em BrettonWoods, começava dar sinais de precariedade. Segundo Eichengreen(2000, p. 160), em 1960, “pela primeira vez o passivo monetário dosEstados Unidos no exterior ultrapassou as reservas norte-americanasde ouro” e, em 1963, “o passivo norte-americano junto a autoridadesmonetárias externas” também ultrapassou suas reservas em ouro. A

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paridade estabelecida entre o ouro e dólar estabelecida em BrettonWoods estava sob suspeita.

Desde 1947, o economista Robert Triffin já vinha alertando paraa instabilidade dinâmica do sistema de Bretton Woods à medida queaumentava, nos Estados Unidos, a geração de reservas mediante aacumulação de passivos oficiais no exterior sobre cada vez menosouro. Isso causava uma instabilidade no padrão dólar-ouro, conheci-da como “dilema de Triffin”, já que

[. . .] acumular reservas em dólares era algo atraente apenasna medida em que não houvesse dúvidas sobre sua conversibili-dade em ouro. Mas, depois que os saldos em dólares do exteriorcresceram muito em relação às reservas norte-americanas deouro, a credibilidade desse compromisso poderia ser colocadaem dúvida. [. . .] Se alguns credores estrangeiros procurassemconverter suas reservas, as decisões destes poderiam produzir omesmo efeito de uma fila de correntistas às portas de um banco.Outros entrariam na fila por temer que elas fossem fechadas(Eichengreen, 2000, p. 160).

O crescimento do comércio e da renda nos principais paíseseuropeus, que passaram à condição de superavitários, a conversibili-dade das contas correntes e a gradativa redução das restrições à mobi-lidade de capitais levaram a uma encruzilhada, a saber, as políticaseconômicas nos Estados Unidos deveriam preservar a paridade dólar-ouro ou garantir as medidas internas expansionistas. Diante de taltensão, os EUA não hesitaram em eleger os interesses domésticoscomo prioridade (Cunha, 2003; Eichengreen, 2000).

Em face disso, tornou-se inevitável a ruína do sistema monetáriode Bretton Woods, de relativa rigidez das taxas de câmbio e de taxas dejuros fixadas em patamares reduzidos. Tal resultado possibilitou aogoverno norte-americano praticar políticas monetárias expansionistase keynesianas de déficits orçamentários “visando, de uma só vez, esti-mular o crescimento doméstico, desvalorizar o dólar para ajudar nacompetitividade do setor manufatureiro e depreciar as reservas dedólares mantidas no exterior por governos e indivíduos estrangeiros”(Brenner, 2003, p. 69).

O financiamento dos déficits, tanto orçamentários quanto nobalanço de pagamentos, do governo norte-americano, foram realiza-

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dos mediante o aumento da dívida pública. Para tanto, foi de funda-mental importância o crescimento da mobilidade de capital com ointuito de captar capitais forâneos e repatriar parte do capital dosEstados Unidos que se havia deslocado para a Europa. O aumento dadívida pública norte-americana, nesse primeiro momento, facilitouos planos “produtivistas” de retomada do crescimento da economiae, ao mesmo tempo, fortaleceu os interesses financeiros domésticosdos principais bancos do país.

As economias avançadas, sobretudo a dos Estados Unidos, emmeados da década de 1970, recorreram uma vez mais, agora excepcio-nalmente, aos déficits keynesianos, em larga escala, que geraram in-tenso crescimento da dívida pública, possibilitando a superação pelomenos temporária da crise do petróleo por meio do subsídio à de-manda. Contudo, o remédio keynesiano não limpou o caminho paranovas expansões, pois perpetuou o excesso de capacidade de produçãocombinada com elevação de preços, gerando estagflação.

Nesse contexto crítico de “crise do dólar”, o presidente Carterdecidiu adotar uma mudança de sinal na sua política interna e exter-na mediante medidas monetaristas voltadas ao aperto da base mone-tária e aos ajustes do “lado da oferta”. A valorização do dólar, em 1979,implementada de forma unilateral pelo governo dos EUA, a denomi-nada política Volcker, teve como objetivo estratégico enquadrar ospaíses sócios e os principais competidores econômicos do mundocapitalista. Tal política foi centrada na elevação das taxas de juros dosEstados Unidos que propiciou um direcionamento dos fluxos de capi-tais da Europa, Japão e, especialmente dos países subdesenvolvidos,no sentido dos Estados Unidos, já que outrora este era o principalexportador de capitais. Esta ação permitiu o equilíbrio da balança depagamentos, posto que o fluxo de capital oriundo do exterior mos-trou-se suficiente para cobrir os déficits crescentes. Por essa razão, avalorização do dólar em 1979, como um típico ato de força, acaboupor repercutir sobre os mais diversos espaços nacionais, atingindodiferentes instâncias de regulação regional. A política Volcker, porexemplo, praticamente decretou o default da maioria dos países lati-no-americanos na década de 1980.

O (des)arranjo institucional entre Estados — provocado pelo fimdo sistema financeiro internacional “regulado”, em 1973, e pela po-lítica do dólar forte adotada, em 1979 — acabou abrindo espaço para

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o reflorescimento da fração da classe dominante do sistema capitalis-ta, os rentistas, que fora mantida sob controle relativo durante o pa-drão de acumulação dos anos dourados. Isto porque o novo ambienteestabelecido para a recuperação do controle social e da acumulação,muito embora se apresentasse eficiente de per si, ao mesmo tempoabrira caminho inapelavelmente para a prevalência da acumulaçãoem seu caráter financeiro, o que passou a limitar a acumulação me-diante a reativação do capital produtivo.

Características inéditas relevantes foram consolidadas como ele-mentos dessa nova arquitetura financeira. A primeira delas, relacio-nada à tomada de decisão dos proprietários do capital e dos consumi-dores de alta renda, corresponde ao fenômeno denominado porChesnais de “efeito mercado acionário”: este tem dois componentes,a saber, um “efeito-renda”, que financia o consumo com base emdividendos e juros, e um efeito “posse de patrimônio”, que patrocinadespesas apoiadas em antecipações de ganhos financeiros futuros(Chesnais, 2001).

Nesta nova fase do capitalismo a liquidez absoluta adquire statusde meta exclusiva dos investidores, assegurando, por isso, um com-portamento distintivo relativamente ao mercado financeiro tradicio-nal. Se no passado o interesse primordial era o recebimento de divi-dendos, no presente se busca a liquidez a mais ampla possível. Estepropósito é viabilizado por intermédio da apropriação de excedentesbursáteis mediante alternativas amplas de escolhas das aplicações, asquais podem ser encaminhadas instantaneamente para os mais dife-rentes espaços intra e internacionais. É por essa razão que as finançasexigem mercados financeiros amplos, nos quais as transações ocor-ram livremente em busca de revalorização de títulos e recomposiçãode portafólios. Por combinar originalmente mercados facilitadoresda especulação e das “retiradas” estratégicas pode ser consideradacomo uma “estrutura ideal” (op. cit., 2001).

A segunda característica, por outro lado, diz respeito ao papel doendividamento, o qual, visando à recuperação da lucratividade docapital financeiro, se estende para a esfera das relações entre as na-ções. A nova arquitetura das finanças internacionais, correspondendoa esta lógica, estrutura uma nova face da chamada “exportação decapitais”. Por conta da adoção dos procedimentos “desregulatórios”de estirpe neoliberal o movimento dos excedentes de capitais, cujos

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proprietários optam por não transformá-los em investimentos pro-dutivos, torna-se muito mais fácil. Parcela significativa da chamadaliquidez financeira do mercado internacional flui sem obstáculosentre os países centrais e os países atrasados, sobretudo na forma deaplicações especulativas.

Neste ambiente a continuidade do pagamento do serviço da dí-vida e, ao mesmo tempo, a remuneração generosa do capital estran-geiro especulativo, deixam os países periféricos numa posição fun-cional ímpar no escopo da reprodução da crise econômica. Estafuncionalidade os obriga a implementarem políticas de ajuste macro-econômico de forte contensão ao nível interno de atividade. Paralela-mente, o crescimento do endividamento interno, mediante a ofertade títulos públicos a juros generosos ao capital financeiro, se transfor-mou em uma componente cotidiana deste processo.

Com o avanço da acumulação financeira, verificou-se desacele-ração do nível de atividade da economia mundial, também nos paísescapitalistas avançados, como Japão e União Européia, que enfrenta-ram taxas de crescimento reduzidas durante as décadas de 1980 e1990. A exceção fica com os EUA, particularmente na segunda meta-de dos anos 1990, em razão de seus ganhos de corretagem sobre o ca-pital financeiro nacional e internacional e das políticas keynesianasparciais configuradas em gastos bélicos. O baixo crescimento da eco-nomia mundial, a partir dos anos 1970 até os dias atuais, revela que apredominância das finanças na dinâmica da acumulação vem con-substanciando profundas transformações na natureza dos ciclos eco-nômicos, tornando-os cada vez mais curtos e instáveis e, por conse-guinte, gerando constantemente crises econômicas em vários países.

Ao mesmo tempo, praticando a arbitragem, estes capitais especu-lativos não estabelecem prazos nem critérios definidos para sair dosmercados nacionais. E quando o fazem, em função de melhores opor-tunidades em outras regiões do planeta, ou em decorrência da deterio-ração das contas externas dos países onde se encontram, são armadosataques especulativos que os põem diante de crises econômico-finan-ceiras agudas. Esta realidade é enfrentada não apenas pelos paíseslatino-americanos, mas também outros países ditos emergentes,como é o caso dos novos países industrializados do Sudeste Asiático.

Finalmente, seria conveniente mencionar o novo papel das ins-tituições “supranacionais” dentro dessa estrutura. Após a crise da

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macroestrutura definida pelos acordos de Breton Woods, estes orga-nismos, entre os quais se destacam o FMI, o Banco Mundial e a OMC(ex-Gatt), são chamados para concretizar novas formas de integraçãodos espaços nacionais à dinâmica do capital. Isto acaba facilitando oprocesso acelerado de centralização acima observado, cujo rebatimen-to mais importante é a ampliação do poder econômico e políticonum espaço restrito, qual seja, o Estado norte-americano. Estas agên-cias, na verdade, colaboram para a cristalização de uma nova configu-ração interestatal com a elevação da hierarquização entre países, aqual apresenta o Leviatã estatal americano desfrutando de uma ascen-dência inaudita sobre os demais estados nacionais.

A guisa de conclusão

Procurou-se ao longo deste capítulo, mediante uma trajetóriaanalítica centrada no arcabouço teórico marxista, mostrar que os ele-mentos constitutivos do capitalismo contemporâneo, assentados nareestruturação produtiva e na globalização financeira, em articulaçãocom a (des)regulação neoliberal — como estratégias de saídas “inter-nas” à crise estrutural do capital dos anos 1970 —, propiciaram aretomada do controle social do capital, em virtude do processo defragmentação da classe trabalhadora e da desvalorização da força detrabalho. Entretanto, tais modificações criaram impedimentos à acu-mulação produtiva, já que reduziram a demanda agregada, tanto pelolado do consumo dos trabalhadores como pelo dos investimentos. Asituação problemática à dinâmica da acumulação capitalista foi con-tornada mediante a ampliação da acumulação centrada nas finanças.

O padrão de acumulação predominantemente financeiro é pos-to em prática num contexto de “convivência” com os problemas derealização das mercadorias e, principalmente, com o aprofundamentodo quadro social desigual entre os países. Uma vez que tal padrãoprovocou transformações na natureza dos ciclos econômicos, tor-nando-os cada vez mais curtos e erráticos, gerando assim crises eco-nômicas recorrentes, particularmente nos países periféricos.

Neste contexto, os países periféricos, em especial os latino-ameri-canos, foram, um a um, integrando-se passivamente à dinâmica fi-nanceira, por meio dos programas de ajustes neoliberais, que abriramespaço para os movimentos de capitais especulativos e voláteis na região.

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Dada a configuração do capitalismo atual, não existem elemen-tos suficientes que ensejem fortes potenciais de agravamento ou ex-plosão (crise de dominação), pois a luta de classe, principal alternativade saídas “externas” ao capital, foi arrefecida ao longo dos anos 1980e 1990. Contudo, existe uma crise no plano econômico, atrelada aosproblemas na acumulação produtiva, que poderia, em algum mo-mento, alcançar um estágio crítico de dimensões políticas (intensi-ficação da luta de classe). Essa não seria uma projeção factível nocurto-prazo, em virtude da grande penetração da ideologia burguesaneoliberal no imaginário dos trabalhadores e dos movimentos ope-rário. Na verdade, a saída “interna” à crise econômica — um novoarranjo institucional que articule os mais diversos interesses socio-econômicos em prol da manutenção da lógica do capital — delineia-se muito mais nitidamente, no momento histórico atual, do que aalternativa de saída “externa” ao capital.

Notas

1 “A essência do New Deal era a idéia de que os grandes governosdeveriam gastar com liberdade para conquistar a segurança e o progres-so. Assim, a segurança do após-guerra exigiria certa liberdade de desem-bolsos por parte dos Estados Unidos, a fim de superar o caos criado pelaguerra. [. . .] A ajuda aos [. . .] países pobres teria o mesmo efeito dosprogramas de bem-estar social dentro dos Estados Unidos — dar-lhes-iasegurança para superar o caos e impediria que eles se transformassemem revolucionários violentos” (Schurmann, 1974, p. 67, apud Arrighi,1996, p. 285).

2 O programa de recuperação americana (New Deal) não conseguiuretomar inicialmente (1933-1938) os investimentos privados no mon-tante esperado, em virtude das baixas expectativas de expansão dosmercados, configurando-se em um fracasso parcial num primeiro mo-mento. Na verdade, a retomada da acumulação nos Estados Unidos teveforte vinculação à economia de guerra e ao processo de reconstrução daEuropa no pós-guerra (Mandel, 1985). Apesar de certo fracasso inicial,as diretrizes do New Deal de maior intervenção e regulação estatal sobreos mercados, além de uma nova forma de controle social, tornaram-se oeixo da acumulação capitalista entre o pós-Segunda Guerra e a crise dadécada de 1970.

3 Entre 1950 e 1970, a taxa de lucro líquido do setor manufatureiro,em média anual, foi de 24,3% nos EUA, de 23,1% na Alemanha e de40,4% no Japão (Brenner, 2003).

4 A grande empresa teve, ao longo de quase todo o século XX, obinômio taylorista/fordista como a expressão dominante da gestão daprodução e seus respectivos processo de trabalho. Tal arranjo da produ-

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C A P I T A L I S M O E D I M E N S Õ E S C O N S T I T U T I V A S �� 77ção estava baseado na produção em massa de mercadorias mais homoge-neizadas e na estrutura organizacional “verticalizada” (Antunes, 1999).

5 Verificou-se um crescimento relevante do estoque de capital (eco-nomia das empresas privadas), entre 1960 e 1969, de 3,9% nos EstadosUnidos (estoque líquido), de 11,3% no Japão (estoque bruto), de 6,6%na Alemanha (estoque bruto), e de 4,8% no G-7 (estoque bruto) (Brenner,2003, p. 93).

6 Entre 1950 e 1973, a economia mundial cresceu 4,9%, em médiaanual, recorde histórico. Tal crescimento foi puxado pela França e Ale-manha, na Europa, que cresceram 5,0% e 6,0%, respectivamente; peloJapão, na Ásia, que cresceu 9,2%; e pelo Brasil, na América Latina, quecresceu 6,8% (Gonçalves, 2002, p. 108).

7 As taxas de produtividade da mão-de-obra dos países centrais(PIB/trabalhador) alcançaram seus maiores crescimentos entre 1960 e1969. Nesse período ocorreu alto crescimento nos Estados Unidos, noJapão, na Alemanha, na União Européia e no G-7 de 2,5%, 8,6%, 4,3%,5,2% e 4,8%, respectivamente (Brenner, 2003, p. 93).

8 Os salários reais, entre 1960 e 1973, elevaram-se fortemente nospaíses centrais. Nos EUA, Japão, Alemanha e União Européia ocorreramcrescimentos dos salários de 2,8% (por hora), 7,7% (por pessoa), 5,4%(por pessoa) e 5,6% (por pessoa), respectivamente (Brenner, 2003, p. 90).

9 Na década de 1960, as taxas de desemprego alcançaram os meno-res índices do século XX.

10 As baixas taxas de inflação dos anos dourados podem ser considera-das, em certa medida, surpreendentes num contexto de altas taxas doproduto e do emprego. Na verdade, a estabilidade de preços teve comofatores relevantes o regime de cambio quase fixo de Bretton Woods e ocontrole, pelos norte-americanos, do petróleo do Oriente Médio. Isso,por sua vez, garantia a estabilidades dos preços das commodities negocia-das internacionalmente, incluído o petróleo (Serrano, 2004).

11 A leitura keynesiana, como apresentada neste trabalho — a mes-ma defendida por Oliveira (2004) —, não se reduz apenas ao planoeconômico: adoção, pelo Estado, de políticas ativas de criação de de-manda agregada e de instrumentos passivos (regulação) de naturezamonetária buscando a simples reativação do controle do ciclo; mas tam-bém ao plano cultural, uma vez que o Estado disseminou a culturaburguesa do consumo e eficiência mediante o consumo de massa (Oli-veira, 2004).

12 O acesso aos bens e serviços representaria a felicidade individuale para tanto os envolvidos na produção deveriam comprometer-se coma eficiência.

13 A regulação do sistema financeiro americano pós-crise de 1929 es-teve assentado na Glass-Steagall Act (1933) e pelo Securities ExchangeAct (1934) e estruturou-se “em três princípios: a) proteção estatal que in-cluiu o sistema de seguro dos depósitos e mecanismos de supervisão; b)restrição à competição exacerbada entre instituições financeiras; c) inten-ção de dar transparência na gestão dos negócios” (Braga & Cintra, 2004,

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p. 257). Tais medidas tinham como objetivo regular a interação creditíciae especulativa interorganizações financeiras e entre bancos e indústria.

14 Vale ressaltar que essas concessões visavam contornar a ofensivaoperária sem, no entanto, atingir a legitimidade do domínio do capital.

15 A “concertação” do “pacto social”, que perpassava pelo consensonegociado e pela harmonização das relações sociais entre capital e tra-balho sob orientação social-democrata, assentou-se numa nova aliançade classe que concedia aos trabalhadores certas benesses em troca dofim das lutas mais radicais orientadas ao débâcle do sistema capitalista.A classe capitalista só aceitou fazer certas concessões em virtude doaumento, no primeiro quartel do século XX, das constantes insurgências,greves e revoluções da classe trabalhadora contra a ordem vigente nospaíses europeus industrializados e do “perigo” comunista que rondavao ocidente (Oliveira, 2004).

16 Em momento de possíveis rupturas sistêmicas as frações das clas-ses dominantes deixam de lado, pelo menos temporariamente, os seusconflitos, associados à apropriação e à repartição da riqueza, em prol deinstrumentos de manutenção da hegemonia do capital.

17 Para Marx a crise real só pode ser explicada pelo movimento reale dialético da produção, materializado na contradição entre capital etrabalho, e do conflito intercapitalista configurado a partir da concor-rência e do crédito capitalista.

18 O neoliberalismo nasceu na Europa, logo após a Segunda GuerraMundial, e teve como texto seminal o livro O Caminho da Servidão deFriedrich Hayek. A Sociedade de Mont Pellerin foi o eixo de resistênciados pensadores neoliberais os anos dourados do capitalismo, uma vezque tais ideólogos se reuniam de dois em dois anos, com o intuito dereforçar o combate ao keynesianismo e ao solidarismo, buscando prepa-rar as bases para um capitalismo sem regulação estatal.

19 A concepção neo-schumpteriana — que tem como principais re-presentantes Fremann, Dossi, Winter e Carlota Perez — está pautada naobra de Schumpeter, que interpreta o ciclo econômico a partir da inova-ção e da difusão, a qual apresenta a seguinte dinâmica: em um determi-nado momento “inicial” todos os empresários estariam obtendo “lucronormal” (reprodução simples), essa situação só seria modificada se umdeles, mediante seu “instinto inovador”, implementasse determinadainovação. Desse modo, ele conseguiria obter lucros acima do normal;tal atitude seria imitada pelos demais empresários, desencadeando umaonda de difusão por imitação (fase de ascendência do ciclo) e, por con-seguinte, ocorreria a expansão do investimento, incentivada por rendastemporárias de monopólio obtidas pelo empresário inovador. Quandoa difusão da inovação chegasse ao máximo, o lucro do setor tende a re-tornar a zero. Isso ocorria por causa da sobrecapacidade engendradapelo grande número de imitadores, caracterizando a fase de declínio dociclo econômico (Schumpeter, 1984).

20 A bioeletrônica é objeto de crescente interesse no desenvolvi-mento de novas tecnologias, com a fabricação de “biochips”, mediante

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C A P I T A L I S M O E D I M E N S Õ E S C O N S T I T U T I V A S �� 79a utilização de células com capacidade de memória cem mil vezesmaior que os chips atuais e maior velocidade de operação.

21 O modo de regulação inclui, entre outras coisas, as formas de de-terminação dos salários diretos e indiretos, de concorrência e de coorde-nação interempresas e da gestão da moeda.

22 O regime de acumulação fordista foi estruturado com base emacordos salariais coletivos, que viabilizaram a demanda efetiva paraprodutos padronizados, e de um novo sistema de proteção social, quetinha como objetivo manter o status de consumidor aos trabalhadoresdesempregados.

23 Alguns eixos marxistas ao adotarem uma visão naturalizada emecânica da lei tendencial decrescente da taxa de lucro foram levados aassumir a idéia de autodestruição do capital, ou seja, a teoria do colapsocatastrófico. Kautsky, por exemplo, escreveu, em 1891, que as “forçaseconômicas irresistíveis levam, com a certeza do destino, a produçãocapitalista ao naufrágio. A substituição da ordem social existente poruma nova já não é simplesmente desejável — tornou-se inevitável”(Kautsky, 1910, apud Sweezy, 1976, p. 220). Ao adotarem tal visão in-correram fortemente numa perspectiva positivista e determinista, dei-xando de lado o método materialista histórico e dialético que é a essên-cia da perspectiva de Marx.

24 Tugan-Baranowsky foi um dos primeiros a utilizar os esquemasde reprodução expostos por Marx para provar que a crise seria provocadapela desproporcionalidade setorial. No entanto, Tugan pode ser consi-derado um “revisionista” de Marx, pois ele se utilizou de tal instrumen-tal para rejeitar as explicações de Marx para a crise (Sweezy, 1976).

25 Tais instrumentos ideológicos, culturais, intelectuais, morais eéticos, no âmbito da superestrutura, e de controle do trabalho, no nívelestrutural, viabilizam a integração passiva do trabalho à dinâmica docapital. A implementação desses é propugnada pelo Estado, pelos meiosde “comunicação de massa”, pela “indústria cultural” e por novas for-mas de organização da produção e de controle do trabalho.

26 Segundo Antunes (1999, p. 37), esse processo produtivo caracte-riza-se “pela mescla da produção em série fordista com o cronômetrotaylorista, além da vigência de uma separação nítida entre elaboração eexecução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do tra-balho, “suprindo” a dimensão intelectual do trabalho operário, que eratransferida para as esferas da gerência científica”.

27 Os movimento operários tiveram problemas para construir umprojeto societal hegemônico contrário, dada a dificuldade de reduzir ainfluência do sindicalismo social-democrata no interior do proletaria-do e a dificuldade de transbordar, com maior intensidade, a luta contrao controle e a hierarquia da produção fordista/taylorista para a luta con-tra o capital (Antunes, 1999).

28 Brenner (2003) apresenta, de forma detalhada, os índices de de-saceleração da atividade econômica na década de 1970.

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