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Captulo 1 Introduo
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1.1 O Sistema Nervoso Central
O Sistema Nervoso divide-se em Sistema Nervoso Central, em ingls, Central
Nervous System (CNS) e Sistema Nervoso Perifrico, em ingls, Peripheral Nervous
System (PNS). Ao CNS chegam as informaes relacionadas com os sentidos (viso,
audio, olfacto, paladar e tacto) e dele partem as ordens destinadas aos msculos e
glndulas. Ele constitudo por encfalo (constitudo pelo crebro, cerebelo e tronco
cerebral) e pela medula espinhal, que se situa dentro do canal raquidiano e a partir da
qual se ramificam os nervos (figura 1).
Figura 1- Sistema Nervoso Central [Fonte: www.images.com/image/281944/illustration-of-t...].
http://www.images.com/image/281944/illustration-of-the-brain-spinal-cord-and-peripheral-nerves-anterior-view-shown-are-the-location-in-the-body-left-and-a-detail-of-the-brain-spinal-cord-and-upper-peripheral-nerves-right/?&results_per_page=1&detail=TRUE&page=573
No CNS existem a substncia cinzenta e a substncia branca. A substncia
cinzenta corresponde s partes do CNS nas quais se concentram os corpos celulares e os
dendritos das clulas nervosas, a substncia branca quase s constituda por axnios
de clulas nervosas. O CNS tambm contm muitas outras clulas que pertencem ao
tecido conjuntivo e em conjunto denominam-se glia ou neuroglia. H cinco tipos de
clulas gliais: os astrcitos, os oligodendrcitos, as clulas de Schwann, clulas da
microglia e clulas ependimrias. Estas clulas desempenham diversas funes, entre as
quais, a formao da mielina (material lipoproteico que envolve as fibras e aumenta a
velocidade de transmisso dos impulsos nervosos) e desempenham um papel importante
nos processos imunitrios que tm lugar no CNS. Os nervos unem o encfalo e a
medula espinhal (CNS) s regies perifricas. Os neurnios so clulas especializadas
que intervm na obteno de sensaes, no processamento de informao, no processo
cognitivo, bem como no controlo da actividade muscular e glandular. Cada neurnio
(figura 2) formado por um corpo celular, ncleo celular, situado no interior do corpo
celular e um ou vrios prolongamentos. Estes prolongamentos denominam-se dendritos,
quando transmitem os impulsos para o corpo da clula ou axnios quando transmitem
os impulsos para o exterior (Kahle et al, 1993; Garcia e Coelho, 2009).
4
Figura 2 - Neurnio. Impulso nervoso num nervo normal e num nervo lesado [Fonte:
http://angola-africa.forum-ativo.com/o-nosso-corpo-f26/doencas-degenerativas-t107.htm].
A comunicao entre os neurnios um processo rpido, graas ao revestimento
dos neurnios com bainha de mielina e que requer energia. Existem nos axnios
segmentos descontnuos de mielina, essenciais para a conduo rpida do impulso
nervoso. Os canais de sdio (Na+) sensveis voltagem produzem impulsos nervosos e
esto concentrados nos ndulos de Ranvier (pequenos segmentos de axnio
desmielinizado que se encontram entre os interndulos de mielina individuais). O
impulso nervoso propaga-se rapidamente de ndulo em ndulo, segundo um processo
denominado conduo saltatria (Dutta et al, 2006). Quando h leso da mielina (figura
http://angola-africa.forum-ativo.com/o-nosso-corpo-f26/doencas-degenerativas-t107.htm5
2), ocorre uma lentificao na transmisso do impulso nervoso e a comunicao
neuronal fica comprometida.
1.2 A maquinaria mitocondrial como principal fonte de energia
Os neurnios so altamente dependentes da energia do metabolismo oxidativo e
os axnios em particular consomem quantidades significativas de adenosina trifosfato
(ATP), o qual usado primeiramente para fornecer energia ao sdio/potssio ATPase
(Na+/K
+), para remover os ies de Na
+ que entram no axnio durante a passagem do
impulso nervoso.
Os nutrientes provenientes da dieta alimentar, nomeadamente os hidratos de
carbono, so metabolizadas em piruvato, no citosol celular, que depois convertido, na
matriz mitocondrial, em acetil-cenzima A, que processado por enzimas de fase aquosa
no ciclo dos cidos tricarboxlicos (TCA) ou ciclo de Krebs. Este ciclo gera NADH e
FADH2, intermedirios com elevado potencial redutor, que so dadores de electres
para a Cadeia Respiratria Mitocondrial, em ingls, Mitochondrial Respiratory Chain
(MRC), na membrana interna mitocondrial (Kid, 2005).
As mitocndrias, para alm de serem consideradas uma espcie de centrais
energticas das clulas, so tambm o local de um nmero importante de funes
celulares, incluindo as vias essenciais do metabolismo intermedirio, biossntese de
amino-cidos, metabolismo de esterides, controlo da concentrao do Ca2+
e apoptose.
Estes organelos possuem mltiplas cpias do seu prprio genoma e maquinaria de
traduo, que funciona de forma semi-autnoma. O genoma mitocondrial humano
6
(mtDNA) consiste numa molcula circular de DNA em dupla hlice, com cerca de 16,6
kb, que contm 37 genes codificantes para 13 polipeptdeos essenciais para o sistema da
MRC, bem como 22 tRNAs e 2 rRNAs necessrios para a sntese proteica mitocondrial
(Leonard et al, 2000). O nmero de mitocndrias por clula depende da necessidade
energtica de cada tecido. A principal funo da mitocndria gerar energia,
essencialmente na forma de ATP. A mitocndria gera mais de 90% das necessidades de
ATP da clula (Kid, 2005) e contribui para a sinalizao e regulao intracelular,
desempenhando tambm um papel central na manuteno da homeostase da composio
inica da clula (Navarro et al, 2007).
A mitocndria um organelo citoplasmtico delimitado por um sistema de dupla
membrana: a membrana mitocondrial externa, em ingls, Mitochondrial Externe
Membrane (MEM), que permevel a pequenas molculas e ies, as quais se movem
atravs de canais transmembranares formados por uma famlia de protenas integradas
na membrana, chamadas porinas. Estas protenas formam canais aninicos dependentes
de voltagem, sensveis ao potencial da MEM, que permitem a troca de metabolitos entre
a mitocndria e o citoplasma (Navarro et al, 2007). A membrana mitocondrial interna,
em ingls, Mitochondrial Interne Membrane (MIM) apresenta invaginaes para o
interior da matriz, formando cristas, onde se localizam os complexos multienzimticos
I, II, III, IV e V, que, em conjunto com os transportadores intermedirios coenzima Q e
citocromo c, formam o sistema da MRC, onde ocorre a fosforilao oxidativa,
OXPHOS (Grazina, 2004). Neste processo (figura 3), os electres provenientes da
oxidao dos substratos (aminocidos, carbohidratos e cidos gordos) so transferidos
ao longo dos vrios componentes, ocorrendo o bombeamento de protes para o espao
intermembranar, atravs dos complexos I (NADH desidrogenase, NQR), III (ubiquinol
citocromo c reductase, QCR) e IV (citocromo c oxidase, COX), estabelecendo um
7
gradiente electroqumico que, ao ser dissipado atravs do complexo V (ATP sintetase),
liberta energia usada para a sntese de ATP, a partir de adenosina difosfato (ADP) e
fosfato inorgnico, catalisada por este complexo enzimtico.
Figura 3- Representao esquemtica dos componentes da cadeia respiratria mitocondrial e da
via da fosforilao oxidativa [adaptada de mips.gsf.de/proj/medgen/pictures/rescha_hm.gif].
8
Os diferentes substratos com potencial redutor cedem electres em locais
diferentes da MRC. Por exemplo, o glutamato e o piruvato so metabolizados com
produo de NADH, que oxidado ao nvel do complexo I, o succinato oxidado a
fumarato ao nvel do complexo II (succinato desidrogenase), envolvendo o cofactor
FADH2; a oxidao dos cidos gordos produz NADH, que oxidado no complexo I,
mas tambm pode originar glicerol-3-fosfato (ou tambm pode ser proveniente da di-
hidroxi-acetona-fosfato formada no processo da gliclise), cuja oxidao, pela glicerol-
3-fosfato desidrogenase mitocondrial, produz FADH2, que cede os seus electres
coenzima Q ou ubiquinona, transferindo electres ao complexo III. A ubiquinona um
transportador intermedirio, que transfere os electres a partir dos complexos I e II para
o complexo III. Este, por sua vez, reduz o citocromo c, o qual cede electres ao
complexo IV, que catalisa a reduo de oxignio (O2), o aceitador final de electres da
MRC, a gua (H2O) (Leonard et al, 2000). O complexo IV contm 2 tomos de Cu em
adio aos tomos de Fe hmicos dos citocromos a e a3 (os tomos de cobre alternam
entre os estados de oxidao Cu+ e Cu
2+), o tomo de Fe do citocromo a3 est
intimamente associado ao tomo de Cu(B), e o outro tomo de cobre Cu(A) est a uma
curta distncia do heme do citocromo a. O citocromo c, uma protena que est inserida
na superfcie exterior da membrana interna da mitocndria e transfere electres, um de
cada vez, para o citocromo a e para o Cu(A). Na matriz mitocondrial, os electres so
cedidos para o citocromo a3 e para o Cu(B). Estes shutles de electres permitem que 4
electres e 4 protes sejam captados por molculas de O2 ligadas ao citocromo a3-Fe2+
,
(Mckee T et al, 1999), formando-se ento 2 molculas de gua, segundo a equao 1.
O2(g) + 4 H+ + 4e
- 2H2O (aq) (1)
9
Estes complexos proteicos, excepto o CII, que codificado exclusivamente pelo
DNA nuclear (nDNA), so constitudos por mltiplas subunidades codificadas por este
genoma e pelo DNA mitocondrial, mtDNA (Taylor et al, 2005).
Em resumo, a mitocndria utiliza oxignio para produzir ATP. Ao processo
mitocondrial de transferncia de electres e sntese de ATP chamamos OXPHOS
(Ghafourifar et al, 2008), que consiste numa via metablica, catalisada por protenas
constitutivas da MIM que medeiam a transferncia de electres entre os complexos da
MRC e na libertao vectorial de H+ para o espao intermembranar e reentrada de H
+
para a matriz atravs do F0 com sntese de ATP pela F1-ATP sintetase (Navarro et al,
2007), conforme o esquema representativo da MRC apresentado na figura 3.
1.2.1 Mitocndria: fonte e alvo de espcies reactivas
A mitocndria desempenha diversas funes na clula, para alm da produo
de ATP. de destacar o papel crucial que desempenha na regulao da apoptose,
atravs de protenas pr- e anti-apoptticas, localizadas na membrana mitocondrial
externa, bem como factores indutores da apoptose (AIFs), localizados na matriz
mitocondrial, ou pela libertao de citocromo c da MRC/MIM. Desempenha ainda a
funo de tampo celular de Ca2+
e uma fonte importante de radicais livres (Turrens et
al, 1985; Orth et al, 2001).
Um radical livre qualquer espcie qumica que contenha um ou mais pares de
electres desemparelhados, que alteram a reactividade qumica de um tomo ou
molcula tornando-os mais reactivos do que o correspondente elemento ou composto e
10
conferem-lhe a capacidade de aceitar electres de outras molculas por um processo de
oxidao-reduo. Os radicais livres celulares mais comuns so o radical hidroxilo
(OH.), o radical superxido (O2
-.) e o xido ntrico (NO
.). Os radicais livres e outras
molculas afins so muitas vezes classificados como espcies reactivas de oxignio
(ROS) e so um sub-produto do metabolismo celular, que surge pelo facto de durante o
processo de OXPHOS e em mitocndrias funcionais, 1 a 4% do O2 na mitocndria no
ser completamente reduzido a H2O, surgindo assim as ROS em vrios locais da clula,
mas so principalmente produzidos ao nvel da MRC (Grazina e Oliveira, 2001). Apesar
da maior parte do oxignio ser reduzido a gua pelo complexo IV da MRC, uma fraco
reduzida parcialmente a anio superxido ao nvel do complexo I ou da ubiquinona. A
formao de O2-. aumenta com o incremento do fluxo de electres atravs da MRC,
como por exemplo no consumo elevado de O2 ou pelo bloqueio do fluxo de electres
quando h inibio do complexo I da MRC pela rotenona, ou do complexo III pela
antimicina A.
O NO., por si s, em concentraes fisiolgicas, no reactivo; contudo, pode
ser facilmente convertido numa srie de molculas mais reactivas denominadas espcies
reactivas de nitrognio (RNS) (Brown et al, 2002). Apesar de ser um radical livre e um
poderoso oxidante apenas com 1 electro livre, desemparelhado, ele no reage
prontamente com a maior parte das molculas orgnicas que, na sua maioria, possuem
orbitais de valncia que esto totalmente preenchidas. Consequentemente, uma reaco
que envolva NO., deixa a molcula orgnica com um electro desemparelhado,
resultando da um radical orgnico intermedirio. Tais reaces tendem a possuir
energia de activao elevada e so, geralmente, lentas. Contudo, o NO. pode reagir
rpida e directamente atravs do electro desemparelhado, tanto com radicais orgnicos
como com centros de oxignio, podendo da resultar uma variedade de intermedirios
11
extremamente reactivos. O NO. reage com o O2, uma vez que o oxignio molecular
possui um tripleto no estado fundamental, contendo 2 electres desemparelhados com
spins paralelos em orbitais separadas, uma de cada tomo de oxignio. As reaces
prosseguem por passos de um electro, produzindo uma srie de espcies de oxignio
parcialmente reduzidas, que so citotxicas. Estas espcies so o O2-., o HO
. e o
perxido de hidrognio (H2O2). O mecanismo geralmente aceite para a produo de
radicais hidroxilo e peroxinitrito envolve a presena do O2-.segundo as reaces 2 a 5
(Gilgun-Sherki et al, 2004; Rubbo et al, 2008).
NO. + .O-O.
.- ONOO
- (2)
ONOO-+ H
+ ONOOH
(3)
ONOOH .OH + NO2
. (4)
2H+ + O2
. + O2
. H2O2 + O2
(5)
O NO. reage rapidamente com metais de transio que tm estados de oxidao
que diferem de um electro, como por exemplo, o io frrico (Fe3+
) e o io ferroso
(Fe2+
). A maioria das aces fisiolgicas do NO. ocorre quando este se liga ao Fe
2+ do
grupo heme da guanilato ciclase causando activao da produo de guanosina
monofosfato cclica, em ingls, cyclic guanosine monophosphate (cGMP) (Brown,
2002).
12
A reaco do NO. com o anio superxido gera o anio peroxinitrito (ONOO
-),
um oxidante forte, capaz de danificar protenas, lpidos, membranas, DNA e organelos
subcelulares (Cross et al, 1997).
As mitocndrias so uma das principais fontes de ROS e RNS. Estima-se que 1 a
4% do total do oxignio consumido na mitocndria convertido em ROS. O aumento
de ROS pode modificar lpidos e protenas e causar alteraes significativas do
potencial transmembranar mitocondrial, (Ghafourifar et al, 2008). As ROS tambm
podem induzir um aumento da permeabilidade transitria mitocondrial, implicada no
despoletar da morte celular por apoptose (Ghafourifar et al, 2008).
Em condies normais, as clulas possuem vrios mecanismos de defesa contra
os danos induzidos pelos radicais livres. Existem defesas antioxidantes capazes de
degradar os radicais livres. O anio superoxido transformado, pela superoxido
dismutase (SOD) em H2O2, que, por aco da catalase, convertido em gua. No
entanto, o H2O2 em concentraes muito elevadas e na presena de Fe2+
livre, pode
levar formao de espcies ainda mais lesivas, tal como o radical HO., pela reaco de
Fenton e de Haber-Weiss (Grazina e Oliveira, 2001; Ghafourifar et al, 2008). Quando
existe produo excessiva de ROS e RNS ou o desequilbrio entre a sua produo
celular e a capacidade das clulas para se defenderem destas espcies ocorre o processo
denominado stresse oxidativo (Gilgun-Sherki et al, 2004; Mao et al, 2009), sendo este
um dos mecanismos propostos para explicar a etiopatogenia de vrias doenas do CNS,
incluindo a MS (Lutskii et al, 2007). O stresse oxidativo pode causar danos celulares e,
subsequentemente, morte celular, uma vez que os ROS podem oxidar componentes
celulares crticos, tais como lpidos, protenas e DNA, em especial o mtDNA, que tem
sido implicado tanto no envelhecimento como no aparecimento de doenas
neurodegenerativas (Jacobson et al, 2005; Grazina et al, 2006; Mao et al, 2009). Tal
13
como os aminocidos excitatrios e neurotransmissores, as ROS so particularmente
activas no crebro e no tecido neuronal. Uma vez que a quantidade de ROS formada
depende da quantidade de oxignio consumido, clulas como os neurnios, com
actividade metablica mais elevada, ou segmentos neuronais enriquecidos em
mitocndrias, tais como as sinapses, produzem nveis mais elevados de ROS.
As RNS causam stresse nitrosilativo, que contribui para a destruio da mielina
e das clulas da glia que participam na sua formao, os oligodendrcitos. Tem sido
sugerida na literatura (Calabrese et al, 2002; Gilgun-Sherki et al, 2004; Ghafourifar et
al, 2008) uma correlao directa entre o NO. e o bloqueio da conduo observado na
MS, uma vez que os dadores de NO. causam uma obstruo reversvel na conduo,
tanto em axnios normais como nos desmielinizados, quer no CNS, quer no PNS.
Adicionalmente, a conduo em axnios desmielinizados e remielinizados
particularmente sensvel ao bloqueio por NO., o que pode ser devido ao seu efeito
directo sobre a neurotransmisso glutamatrgica. Foi demonstrado que o receptor N-
metil-D-aspartato (NMDA) inactivado por nitrosilao e, para alm disso, observou-se
que a formao de S-nitrosoglutationa (GSNO) pode causar diminuio dos nveis de
glutatio reduzido (GSH) e, consequentemente, activar modificaes redox na
sinalizao celular, bem como modificar enzimas intracelulares chave, tais como as que
constituem os complexos da MRC (Shiva et al, 2001; Calabrese et al, 2002).
Em condies patolgicas, as RNS so produzidos em grande quantidade,
especialmente o NO., proveniente da microglia activada, por aco da sintetase do xido
ntrico (NOS) induzida (iNOS) ou a partir das clulas endoteliais, por aco da NOS
endgena (eNOS).
14
As principais fontes de espcies reactivas no processo inflamatrio so as
mitocndrias danificadas e a microglia activada (Emerit et al, 2004).
1.3 A Esclerose Mltipla
Um crebro adulto contem de cerca de 1011
- 1012
neurnios, os quais so
mantidos e protegidos por pelo menos o dobro de clulas da glia. Existem vrios tipos
de clulas da glia, sendo os mais conhecidos, os oligodendrcitos, microglia e
astrcitos. Durante muito tempo, foi considerado que as clulas da glia providenciavam
apenas suporte estrutural para ajudar a proteger os neurnios, mais recentemente, foi
sugerido que as clulas da glia, especialmente os astrcitos, exercem funes
semelhantes s dos neurnios. Os oligodendrcitos tm como principal funo, elaborar
uma bainha de constituio lipdica volta da maioria dos axnios que a atravessam, a
bainha de mielina. A microglia o equivalente aos macrfagos-moncitos, no sistema
nervoso. Os astrcitos participam na constituio da barreira hematoenceflica, em
ingls, Blood-Brain Barrier (BBB), e encefaloliquididiana (Garcia e Coelho, 2009). O
endotlio dos pequenos vasos sanguneos no crebro muito menos permevel a
molculas do que outros endotlios vasculares, mas deixa passar pequenas molculas
tais como a glucose e outras substncias lipossolveis, muitas outras so excludas do
crebro pela BBB que tambm exclui os fagcitos, num crebro saudvel (Emerit et al,
2004).
A Esclerose Mltipla, em ingls, Multiple Sclerosis (MS) uma doena do CNS
mediada pelo sistema imunitrio. At data, a sua causa ainda pouco clara mas
acredita-se que resulta de uma resposta anormal do sistema imunitrio a um ou mais
15
antignio de mielina, que se desenvolvem em indivduos geneticamente susceptveis,
depois de expostos a agentes causais no definidos. Caracteriza-se por uma acumulao
de macrfagos (microglia e crebro) e linfcitos, no CNS (massa branca e massa
cinzenta), conduzindo desmielinizao, destruio dos axnios (Mao et al, 2009) e
formao de placas esclerticas (Kalman et al, 1999).
As principais caractersticas neuropatolgicas so a perda de oligodendrcitos,
desmielinizao, diminuio neuroaxonal associada inflamao e, possivelmente,
disfuno mitocondrial (Andrews et al, 2005; Kumleh et al, 2006; Dutta et al, 2006;
Kalman et al, 2007; McQualter et al, 2007; Ghafourifar et al, 2008). O curso da doena
resulta no seu agravamento, podendo ocorrer perodos sem manifestaes clnicas
(remisses), que alternam com surtos da doena (exarcerbaes) (Andrews et al, 2005).
Com o decorrer do tempo, os doentes podem desenvolver leses crnicas que
promovem a leso axonal irreversvel, daqui resultando que a fase denominada
relapsing-remitting (RRMS) evolui para uma fase secundria progressiva (SPMS), fase
esta que caracterizada por no haver recuperao ou recuperao mnima (Mao et al,
2009).
A MS caracteriza-se por ser uma doena heterognea, com uma hereditariedade
moderada e uma componente ambiental significativa. A complexidade desta patologia
resulta do facto de no ser possvel prever a expresso do fentipo a partir do
conhecimento dos efeitos dos factores etiolgicos individuais considerados por si s,
sendo necessrio um estudo multidisciplinar para esta doena (Oksenberg et al, 2008).
A MS uma patologia relativamente comum, afectando mais de 2 milhes de
pessoas em todo o mundo. O risco da doena est associado latitude, sendo menor em
crianas e velhos e maior nas mulheres e na populao caucasiana. A incidncia da MS
16
parece ter aumentado consideravelmente no ltimo sculo, com maior expresso nas
mulheres (Oksenberg et al, 2008). possvel que alguns dos mltiplos factores
envolvidos sejam defeitos ao nvel do DNA, tanto no genoma nuclear como no
mitocondrial, infeces virais, hipoxia e stresse oxidativo, baixa exposio luz solar
ou nveis insuficientes de vitamina D, nveis aumentados de macrfagos e linfcitos no
crebro (Mao et al, 2009). A figura 4 sumariza as possveis causas para a MS.
A prevalncia da MS maior na Escandinvia, Islndia, Ilhas Britnicas e
Amrica do Norte (1 - 2: 1.000) do que no Sul da Europa (figura 5).
De acordo com alguns observadores, esta distribuio geogrfica implica um
agente patognico ambiental que se encontra distribudo de forma ubqua. Apesar desta
distribuio geogrfica da MS poder tambm ser explicada, pelo menos em parte, por
variaes regionais de factores de risco gentico, curiosamente sabe-se que a exposio
residencial ou ocupacional de doentes com MS luz solar pode estar associada com
uma baixa taxa de mortalidade, com a vitamina D a mediar o processo de abrandar a
progresso da doena. Uma vez que a radiao ultravioleta o principal catalizador da
sntese endgena da vitamina D3 nos humanos e que os nveis de vitamina D3 so mais
baixos comummente nas latitudes a Norte do que a Sul, isto poder explicar a razo pela
qual os pases do sul da Europa, tm taxas mais baixas de MS nas suas populaes (Mao
et al, 2009).
17
Foram realizados vrios estudos para encontrar loci de susceptibilidade gentica
associados MS, que apontam para o cromossoma 6p21.3, em particular do gene que
codifica o antignio leucocitrio humano (HLA), bem como para os cromossomas 5p14
e 17q22 (Kalman et al, 1999).
Figura 4 - Factores que podem contribuir para o desenvolvimento e progresso da MS
[Adaptado de Mao et al, 2009].
Esclerose
Mltipla
Factores genticos
Infeco viral
Exposio
solar
reduzida
(Vit D)
Hip
oxia
Stresse o
xid
ativo
Acumulao Macrfagos
Linfcitos
no crebro
18
Figura 5 Distribuio geogrfica da Esclerose Mltipla no mundo [Fonte:
http://sofija.wordpress.com/2007/01].
A hiptese mais antiga para a etiologia da MS a de doena infecciosa causada
por um micro-organismo. Contudo, aps dcadas de pesquisa, no se encontrou nenhum
agente infeccioso especfico na MS. Mesmo assim, muitos neurologistas e
investigadores so da opinio de que o vrus Epstein-Barr e o Coronavrus podem estar
envolvidos na patogenia da MS atravs do seu neurotropismo e ataque ao sistema
imunitrio (Mao et al, 2009).
A investigao de aspectos neuropatolgicos avaliados por imagiologia destaca a
contribuio da inflamao na neurodegenerescncia que ocorre na MS (Kalman et al,
2007). As leses resultantes da inflamao sugeriram a existncia de uma resposta auto-
http://sofija.wordpress.com/2007/0119
imune contra os componentes da mielina do CNS. Acredita-se que h muitas clulas
envolvidas no processo da doena, tais como as clulas T CD4+ reactivas mielina, as
clulas T CD25+ regulatrias, as quais podem controlar as clulas CD4+ auto-reactivas,
as clulas B reactivas mielina, as clulas killer CD8+, macrfagos e a microglia do
crebro. Estas clulas infiltram-se em reas discretas de tecido no CNS, onde vo
provocar danos nos neurnios (leses nos axnios) e nos oligodendrcitos, que se
traduzem em alteraes relacionadas com a desmielinizao, resultando da a formao
de placas esclerticas. A desmielinizao pode conduzir a leses mais profundas nos
axnios e perda neuronal, sendo estas as principais caractersticas da doena e, ao
mesmo tempo, os factores principais responsveis pela progresso da doena e
incapacidade do indivduo (Ziemssen et al, 2005).
O ambiente intracelular, especialmente o balano inico, so crticos para a
manuteno das funes neuronais. O desequilbrio inico uma das hipteses para
explicar o mecanismo chave da fisiopatologia da MS.
Durante a progresso da doena, os mediadores inflamatrios, incluindo
citocinas, oxidantes e NO., so libertados pela microglia ou so gerados por hipoxia,
fenmeno que se segue leso dos tecidos e que se acredita resultar numa disfuno do
metabolismo oxidativo nos axnios desmielinizados. Estes mediadores diminuem a
concentrao de ATP e perturbam a funo mitocondrial, causando falha na Na+/K
+-
ATPase, a enzima que responsvel pela correco rpida dos nveis de Na+ e K
+ e pela
extorso do Na+ a partir do axnio, o que previne o influxo patolgico deste io tanto
nos axnios em repouso como em actividade. Por sua vez, a hipoxia considerada um
factor de stresse fisiolgico, que induz uma resposta de dano na replicao do DNA.
Tambm induz a inibio da actividade da Na+/K
+-ATPase e, para alm disso, as ROS
tambm aumentam a degradao desta enzima. Quando as altas concentraes intra-
20
axonais de Na+ resultantes desta falha, causam aumento da actividade da bomba
Na+/Ca
2+, com o efluxo de Na
+, a requerer um nvel mais elevado de influxo de Ca
2+,
activam-se as proteases intra-axonais, resultando na fragmentao do neurofilamento e
perturbao do transporte e integridade do axnio, conduzindo, por ltimo,
degenerescncia neuronal. De facto, a perda de actividade da ATPase Na+/K
+parece ser
que mais contribui para o contnuo declnio neurolgico nos estadios crnicos da MS
(Mao et al, 2009).
Tendo em conta a limitao existente, relativa aos mecanismos etiopatognicos
da MS, foram desenvolvidos modelos experimentais com animais, em particular de
encefalomielite autoimune experimental (EAE), com o objectivo de clarificar as causas
e consequncias desta doena, determinar mecanismos de perda de axnios na MS e
avaliar a eficcia de terapias neuroprotectoras. Este modelo tem sido muito usado para
avaliar a eficcia de tratamentos imunomodulatrios na MS, que envolve a formao de
uma resposta auto-imune na periferia imunolgica, imunizando animais com protenas
de mielina. Neste modelo simplificado, a EAE pode ser induzida por imunizao dos
animais susceptveis com um nmero de antignios de mielina, incluindo protena de
mielina bsica (BMP), protena proteolipdica (PLP) e glicoprotena da mielina do
oligodendrodendrcito (MOG) (Mao et al, 2009). A doena tambm pode ser passada
de um animal afectado para um saudvel, transferindo clulas T reactivas mielina, os
animais desenvolvem ento um padro patolgico que bastante diferente do humano
mas onde se podem encontrar algumas marcas comuns MS humana, nomeadamente,
leses inflamatrias focais no sistema nervoso (Ziemssen et al, 2005). Existem algumas
limitaes em usar a EAE como modelo para estudar a MS: primeiro porque a MS
uma doena espontnea enquanto a EAE induzida, depois porque a MS tem uma
grande heterogeneidade gentica na populao humana. Por isso, para entender a
21
progresso e a patologia da MS em ratos, seria necessrio estudar mltiplos modelos
que melhor se assemelhassem s caractersticas humanas (Mao et al, 2009).
1.4 Mecanismo molecular da inflamao
A MS uma das doenas do CNS que possui maior componente de inflamao,
desmielinizao, astrogliose e danos nos axnios (Rejdak et al, 2008). Nesta doena, o
sistema imunitrio destri as bainhas de mielina das fibras das clulas nervosas do
crebro e medula espinal (Adibhatla et al, 2008). A BBB responsvel pelo transporte
selectivo de molculas e clulas, da circulao para o CNS. Durante o estado de doena,
como por exemplo na MS, torna-se permevel e permite a infiltrao de molculas e
muitas clulas perifricas no crebro. Algumas dessas clulas so as clulas T e B, que
ficaram activas durante o processo inflamatrio e que passaram a BBB, indo alojar-se
no local da leso. A, as clulas T so reactivadas pelos antignios da mielina, libertam
citocinas e activam a microglia, que comea a destruir a bainha de mielina. A
desmielinizao conduz disfuno, primeiro reversvel, depois irreversvel, dos
axnios, cujas propriedades de conduo vo ficar deterioradas e contribuir para os
sintomas clnicos associados a remisses (Ziemssen et al, 2005). As clulas T podem
induzir a expresso de iNOS nas clulas da glia ao estabelecer contacto com elas (Saha
et al, 2006). A penetrao da BBB envolve inicialmente a captura de leuccitos pelas
clulas endoteliais atravs das selectinas. Os leuccitos aderem ao endotlio atravs de
interaces ligando-receptor das molculas de adeso celular, e as quimiocinas
produzidas localmente conduzem a migrao direccionada atravs do endotlio. O
Antignio-1 Associado a Funo Leucocitria, do ingls, leucocyte function-associated
22
antigene-1 (LFA-1) e o Antignio-4 Muito Tardio, do ingls, very late antigen-4 (VLA-
4) so membros das molculas de adeso do tipo integrinas, que esto envolvidas no
trfego e extravaso dos leuccitos. O LFA-1 expresso exclusivamente nos leuccitos
e interage com os seus ligandos, com as molculas de adeso-1/-2/-3, para promover
uma variedade de eventos de adeso celular necessrios para o sistema imunitrio, quer
em casos normais quer patolgicos. O VLA-4 expresso maioritariamente nos
linfcitos, moncitos e eosinfilos e interage com o seu ligando, a molcula-1 vascular
de adeso celular, durante a inflamao crnica (MCQualter et al, 2007). Est bem
documentado que, na MS, as molculas de adeso, tais como as selectinas-E, e a
molcula-1 de adeso celular, so expressas durante as leses activas do CNS, nas
clulas endoteliais dos microvasos. Qualquer clula T activada, que expresse molculas
de adeso, pode ligar-se s molculas de adeso correspondentes na superfcie do
endotlio, iniciando assim, a travessia do primeiro componente da BBB. Segue-se a
extravaso da camada endotelial e as clulas T activadas que se dirigem ao tecido
perivascular devem passar atravs da membrana basal endotelial composta por
colagnio tipo IV. As clulas T utilizam enzimas da matriz, conhecidas por
metaloproteinases, e outras capazes de degradar a matriz, que fazem clipes selectivos
nos componentes da matriz extracelular, para facilitar a transmigrao da lmina basal.
O colagnio tipo IV marcado selectivamente pelas metaloproteinases 2 e 9 da matriz,
as quais podem ser detectadas em doentes com MS. Uma vez passada a BBB, outras
clulas inflamatrias, tais como as clulas T CD4+ e CD8+, macrfagos, granulcitos e
clulas B, invadem rapidamente o CNS em resposta ao estmulo quimiotctico e
disseminam-se na substncia branca (McQualter et al, 2007).
A figura 6 resume o processo da imunopatogenese da MS. Em (A), mostra-se o
conceito patognico da MS baseado na predisposio genmica, em que os doentes
23
herdam traos que conduzem a uma resposta imunitria alterada. Quando encontram um
agente infeccioso, surge uma resposta imunitria das suas protenas no sistema linftico
perifrico. Os antignios especficos das clulas T e B activados atravessam a BBB e
atingem os prprios antignios expressos pelos oligodendrcitos e neurnios. Em
concertao com a resposta imunitria inata no CNS, as clulas T e B causam danos
inflamatrios. A susceptibilidade dos oligodendrcitos e neurnios aos danos
inflamatrios e a capacidade de reparao e reorganizao do CNS, determinam a
extenso e as consequncias funcionais dos danos inflamatrios. Em (B) apresenta-se o
esquema da imunopatologia da leso na MS. Um certo nmero clulas de imunitrias e
do CNS esto envolvidas no desenvolvimento das leses e na sua reparao. As clulas
T e B e os macrfagos infiltram-se nas leses. As clulas T CD4+ encontram-se
localizadas na bainha perivascular. Estas clulas tornam-se reactivadas pelos antignios
presentes nas clulas dendrticas e nas clulas da microglia, libertando localmente
citocinas e outros mediadores inflamatrios e, desse modo, atraindo os macrfagos para
as leses. As clulas T CD8+ infiltram-se no parnquima e, para alm de libertarem
outros mediadores inflamatrios, atacam directamente as clulas que expressam
antignio leucocitrio humano classe I, tais como neurnios e oligodendrcitos. As
clulas B encontram-se no espao perivascular e meninges, onde libertam anticorpos
IgG. Estes anticorpos ligam protenas, que se expressam na superfcie de
oligodendrcitos e neurnios. Os anticorpos ligados podem fixar o complemento
iniciando assim a cascata do complemento ou induzindo macrfagos fagocitose
mediada pelo anticorpo. Os macrfagos activados por sua vez, tambm libertam
molculas txicas e inflamatrias (ex: NO.), as quais vo danificar predominantemente
oligodendrcitos e neurnios. Os astrcitos reactivos vo induzir a gliose na fronteira da
24
leso, seguindo-se o dano inflamatrio, os oligodendrcitos proliferam e remielinizam
os axnios danificados (Hemmer et al, 2006).
Figura 6- Imunopatognese da MS [Fonte: Hemmer et al, 2006].
25
Foram feitos vrios estudos em humanos, tanto em colheitas ps-mortem como
em bipsias de tecido cerebral, tendo-se verificado que ocorrem precocemente leses
significativas nos axnios, denominadas leses desmielinizantes, e que h uma
correlao directa entre o grau de leso axonal aguda e a magnitude da resposta
inflamatria. Os dados da literatura permitiram sugerir que, na MS, as leses axonais
agudas so secundrias ao surgimento de uma variedade de mediadores inflamatrios
txicos incluindo o TNF, o Interfero e o NO., sendo este ltimo, um dos principais
candidatos a mediador txico primrio dos danos agudos observados nos axnios. Na
fase aguda da MS, o NO. encontra-se presente em nveis elevados, ao mesmo tempo que
a actividade dos axnios decai na sua presena. Fizeram-se experincias que
confirmaram esta vulnerabilidade, apoiando a hiptese de que os axnios apresentam as
fases iniciais da degenerao, quando esto a conduzir impulsos nas frequncias
fisiolgicas enquanto esto expostos ao NO., mesmo que seja a baixas concentraes
(Smith et al, 2001).
Os estudos por espectroscopia de ressonncia magntica (MRS) in vivo so
consistentes com as marcas neuropatolgicas das leses que ocorrem precocemente nos
axnios de doentes com MS. Esta tcnica permite medir um marcador especfico do
neurnio, o N-acetilaspartato (NAA), o qual sintetizado na mitocndria e expresso
pelos neurnios de um crebro adulto e um dos ndices mais especficos da densidade
e da integridade dos axnios na substncia branca. A flutuao, ou a descida, do nvel
de NAA, indica uma disfuno mitocondrial presente no incio da doena e indica a
perda neuroaxonal em leses crnicas. O NAA est diminudo nas leses agudas da MS
e parcialmente reversvel na recuperao. Esta reversibilidade correlaciona-se com a
fase de remisso da MS enquanto a reduo permanente de NAA foi observada na fase
de exacerbao (Andrews et al, 2005; Kalman et al, 2007).
26
1.5 Stresse oxidativo e desmielinizao
Existem mltiplos factores que podem precipitar a ocorrncia de stresse
oxidativo, envolvendo diferentes vias e conduzindo degenerescncia neuronal e
(Gilgun-Sherki et al, 2004). O CNS contm grandes quantidades de lpidos,
essencialmente nas membranas celulares, sendo, por isso, muito susceptvel
peroxidao lipdica, em ingls, lipid peroxidation, (LPO). Este um dos processos
reguladores mais importantes do metabolismo das principais biomolculas e est
subjacente a fenmenos de plasticidade celular, podendo influenciar o suporte
energtico das clulas e do corpo como um todo (Lutskii et al, 2007). Por exemplo, a
cardiolipina um fosfolpido que se encontra exclusivamente na membrana
mitocondrial e essencial para o bom funcionamento da MRC (Adibhatla et al, 2008).
Se as membranas da clula sofrerem distrbios ao nvel funcional ou estrutural,
em resultado da aco de elevadas concentraes de ROS e de produtos da peroxidao
lipdica resultantes do stresse oxidativo, esto criadas as condies de base para o
desenvolvimento de patologia. O stresse oxidativo encarado como um dos
mecanismos subjacentes patogenia de vrias doenas do CNS, incluindo a MS
(Lutskii et al, 2007;Ghafourifar et al, 2008).
A desmielinizao deve-se, primariamente, ao facto da mielina ser uma
membrana lipoproteica constituda por mais de 80% de fosfolpidos, glicolpidos e
esterides, sendo por isso susceptvel LPO. Por outro lado, deve-se tambm s
caractersticas do CNS, nomeadamente capacidade insuficiente dos sistemas de defesa
antioxidante, perante condies de stresse oxidativo intenso.
Durante a fase aguda da MS, os nveis de produtos resultantes do stresse
oxidativo encontram-se aumentados e/ou os nveis de enzimas ou outras defesas
27
antioxidantes encontram-se diminudos, quer no sangue, quer no liquido
encefalorraquidiano, em ingls, cerebrospinal fluid, (CSF) (Sayer et al, 2008). O stresse
oxidativo na MS pode ser uma consequncia dos nveis elevados de ROS e RNS,
resultantes da reaco inflamatria, que reflectem maioritariamente a falha do sistema
energtico da microglia activada. Foi observado que, nos doentes com MS, as clulas
mononucleares activadas produziam quantidades elevadas de ROS e RNS e foram
descritos danos oxidativos no DNA, incluindo o mtDNA, em associao com a
inflamao das placas crnicas activas (Sayer et al, 2008). Sabe-se que os macrfagos e
a microglia expressam metaloproteinases e geram ROS na substncia branca. Estudos
recentes que envolvem o cortex cerebral na MS, indicam que a produo microglial de
ROS tambm est provavelmente envolvida na desmielinizao cortical (Mao et al,
2009).
1.6 Disfuno da mitocndria como causa da neurodegenerescncia na MS
A investigao actual aponta para o envolvimento de anomalias especficas, ao
nvel mitocondrial, no desenvolvimento e progresso da MS, nomeadamente: 1)
defeitos ao nvel do mtDNA, 2) expresso anormal dos genes mitocondriais, 3)
actividade enzimtica mitocondrial anormal, 4) actividade reparadora do DNA
mitocondrial deficiente e 5) disfuno mitocondrial (figura 7).
28
Figura 7- Anomalias mitocondriais em doentes com MS. Modelo proposto por Mao et
al, 2009, com base na investigao mais recente [Esquema adaptado de Mao et al, 2009].
Neste modelo proposto por Mao et al, 2009, para alm da dinmica anormal da
mitocndria (aumento da fisso e diminuio da fuso em neurnios afectados pela
MS), os autores tambm propem que as anomalias mitocondriais e a falha energtica
mitocondrial possa ter implicaes noutras vias celulares, incluindo o aumento da
Mudanas
estruturais da
mitocndria
Expresso gnica
anormal
Reparao deficiente
do mtDNA
Anomalias mitocondriais na MS
Defeitos no
mtDNA
Aumento
de ROS
e danos oxidativos
Actividade
enzimtica
mitocondrial
anormal
29
desmielinizao e inflamao em neurnios e tecidos que se encontram afectados na
MS.
Desde que a sequncia total do mtDNA foi publicada, em 1981, tm surgido
cada vez mais descobertas de mutaes do mtDNA associadas a doenas (Grazina,
2004, Grazina et al, 2006). O mtDNA constitui a pequena parte extra nuclear do
genoma humano. As mutaes deletrias, incluindo variaes de sequncia ou delees
do mtDNA afectam frequentemente o funcionamento do CNS.
Existem diversos estudos na literatura que apontam para o possvel
envolvimento do mtDNA na MS, principalmente devido ao facto de se ter constatado
com mais frequncia uma transmisso da doena de me para filho do que de pai para
filho. Alm disso, foi observada uma associao da MS com uma doena mitocondrial
Neuropatia ptica Hereditria de Leber (LHON). Estudos moleculares recentes, ao
nvel do mtDNA, mostraram a presena de variaes de sequncia primrias de LHON
(patognicas) nos nucletidos 3460 e 11778, em doentes com MS que apresentavam
neurite ptica proeminente (PON). Foi tambm observada, na MS, uma frequncia
superior de variaes de sequncia secundrias de LHON (polimorfismos no-
patognicos per se), marcadores de haplogrupos nos nucletidos 13708G>A, 4216T>C
e 4917A>G. Existem outros estudos que demonstraram a ausncia de alteraes do
mtDNA em doentes com MS. Concluiu-se ser necessrio fazer um estudo em larga
escala de doentes e controlos no sentido de apresentar concluses mais concretas e
definitivas sobre o envolvimento das variaes de sequncia, polimorfismos e
haplotipos do mtDNA na MS (Kalman et al, 1999).
O mtDNA muito susceptvel aos radicais livres devido ausncia de histonas
protectoras e baixa capacidade de reparao. Quando aumentam os danos oxidativos
30
no mtDNA, ocorrem variaes de sequncia que podem alterar, de forma severa, as
funes mitocondriais, incluindo a OXPHOS, com diminuio da velocidade de
transferncia de electres, actividades enzimticas e, por ltimo, dos nveis energticos
na clula (Andrews et al, 2005; Ghafourifar et al, 2008).
A hiptese de que a mitocndria deve desempenhar um papel importante na
etiopatogenia da MS, foi apoiada pela observao de danos oxidativos no mtDNA, em
placas esclerticas crnicas de doentes com esta patologia (Andrews et al, 2005).
Em 2000, Lu et al propuseram que a mitocndria disfuncional pode conduzir ao
processo inflamatrio na MS. Estes autores demonstram que a reduo na actividade do
complexo I, observada nas placas esclerticas crnicas, estava associada leso
oxidativa do mtDNA (11). O mecanismo subjacente a estes danos poder envolver uma
deficincia energtica, provocada pela inibio da MRC por NO., em que este entraria
em competio pelo local de ligao do O2 inibindo o complexo IV, ou, quando em
maiores quantidades, poderia causar inibio dos complexos I e IV por aco do
ONOO- (8). Como o complexo IV est envolvido no bombeamento de protes para o
espao intermembranar, que essencial para a sntese de ATP, foi proposto (Andrews,
2005) que ocorria uma falha ao nvel da Na+/K
+- TPase dependente de energia, o que
conduziria a um aumento secundrio de Na+ intra-axonal e, subsequentemente, a um
aumento do Ca2+
intra-axonal via trocador Na+/Ca
2+ (figura 8).
Foi proposto que o aumento da concentrao intracelular de ies Ca2+
, resultante
da reduo na concentrao de ATP, pode levar degenerescncia dos axnios por
activao de vrias enzimas degradativas. Colocou-se, ento, a hiptese de que a morte
neuronal possa surgir em resultado da exposio dos axnios a NO., em particular
devido sobrecarga de ies Na+ resultante do impulso nervoso (Smith et al, 2001).
31
Figura 8- Fluxos inicos axonais durante a transmisso do impulso nervoso. Sequncia
hipottica de eventos em situao: (a) normal; (b) de dfice energtico, com depleo de ATP
[Adaptado de Andrews et al, 2005].
A inibio da MRC por NO. pode ocorrer por duas vias distintas: (i) inibio por
NO., rpida, selectiva, reversvel, do complexo IV; (ii) inibio por RNS lenta, no-
selectiva, irreversvel, de diversos componentes mitocondriais. A via de inibio
reversvel (i) da COX por NO. ocorre para nveis de concentrao na ordem dos
32
nanomolar, de tal modo que o NO., produzido localmente na mitocndria pela NOS,
um potencial regulador da MRC. Pode ligar-se ao local de ligao do oxignio de dois
modos diferentes, bloqueando a ligao do O2 em qualquer deles. Este local do
complexo IV constitudo por dois metais, o ferro do grupo heme a3 e o cobre do centro
CuB, em que o oxignio se liga entre eles e rapidamente reduzido. O NO. tanto pode
ligar-se ao citocromo a3, originando citocromo a32+
-NO, ou ao CuB2+
surgindo CuB+-
NO, em que o NO pode sofrer hidratao rapidamente para formar nitrito (NO2-
). Estas
reaces de inibio podem ocorrer simultaneamente, pelo menos in vitro, mas a
primeira favorecida para nveis elevados de citocromo reduzido e baixos nveis de
oxignio, enquanto a segunda favorecida para as condies opostas (Brown et al,
2002).
Observou-se que o NO. produzido endogenamente pode causar a inibio da
MRC em alguns tipos de clulas, geralmente por competio com o oxignio; de tal
modo, que o NO. pode aumentar muito a Km aparente da respirao por oxignio.
Concluiu-se que o NO. pode induzir a entrada das clulas em hipoxia, mesmo com
nveis relativamente elevados de oxignio, e induzir leso tecidular. Quando a
inflamao activada e a expresso de iNOS estimulada em diversos tipos de clulas,
como macrfagos, microglia, astrcitos e clulas endoteliais, produz-se NO. suficiente
para inibir, no apenas a sua prpria MRC mas tambm a das clulas circundantes, via
inibio reversvel da COX.
Observou-se que, em clulas de cultura expostas a NO., aps ter ocorrido
inibio reversvel da COX, algumas horas aps a exposio, surgiu uma inibio
irreversvel (ii) da MRC, em mltiplos locais, provavelmente devido converso do
NO. em RNS. Um dos efeitos que surgia mais rapidamente era a inactivao do
complexo I, possivelmente devido S-nitrosilao deste complexo, seguindo-se a
33
inibio da aconitase do TCA e do complexo II da MRC, provavelmente devido
remoo de ferro dos centros de ferro-enxofre, sob condies nas quais pode ocorrer a
formao de peroxinitrito. Este pode inibir os complexos I, II/III, IV (Mahad et al,
2008) e V da MRC, a aconitase, a SOD mitocondrial, dependente de mangansio (Mn-
SOD), a creatina cinase e provavelmente muitas outras protenas. O peroxinitrito um
poderoso oxidante que tambm pode causar danos no DNA, induzir peroxidao
lipdica e aumentar a permeabilidade da mitocndria aos protes (Brown et al, 2002).
Para alm da inibio da respirao, o NO. tem outros efeitos na mitocndria,
relevantes no desencadeamento de morte celular: 1) aumento da produo de ROS e
RNS; 2) induo do poro de transio mitocondrial (MPT) pelas RNS (Brown et al,
2002), estando o envolvimento de ambos proposto na etiopatogenia da MS.
Os antioxidantes podem retardar ou anular os efeitos do stresse oxidativo e
proteger as clulas e os tecidos contra o efeito deletrio das ROS e RNS. Contudo, nos
doentes com MS podem desenvolver-se dfices ao nvel das defesas antioxidantes
durante o decurso da doena, em resultado da inflamao crnica, acompanhada pelo
aumento do stresse oxidativo. Estes eventos moleculares acompanham a alterao da
funo mitocondrial, ocorrendo perturbaes ao nvel da homeostase do clcio, levando
por sua vez reduo dos nveis de ATP (Smith et al, 2006; Ghafourifar et al, 2008),
como j foi referido anteriormente. Estas alteraes bioqumicas esto associadas
apoptose dos neurnios da retina, crebro e da medula espinal (Kalman et al, 2007).
O desenvolvimento de estratgias que permitissem reverter o metabolismo
anormal e restaurar o funcionamento normal e a sobrevivncia dos neurnios
constituiriam a abordagem teraputica ideal na MS, sendo actualmente uma realidade
distante.
34
Captulo 2 Materiais e mtodos
35
2.1 Materiais
Todos os reagentes usados so do mais elevado grau de pureza comercialmente
disponvel.
2.2 Amostragem
Os doentes descritos neste estudo foram seguidos na consulta especializada de
Neurologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Todos eles tinham uma histria
clnica de MS com mais de 5 anos de durao. Adicionalmente, foram recolhidas
amostras de indivduos saudveis, sem qualquer doena neurodegenerativa conhecida,
voluntrios, para servirem de controlo. Todos os indivduos mencionados neste estudo
deram o seu consentimento informado para a realizao do estudo.
Na avaliao da actividade enzimtica dos complexos da MRC entraram: i) 50
indivduos controlo com uma mdia de idades de 31,7 anos (21 49) (mnimo
mximo), sendo 18 indivduos do sexo masculino e 32 do sexo feminino (Grazina,
2004); ii) 50 indivduos doentes MS com uma mdia de idades de 40,56 anos (22 61)
(mnimo mximo), sendo 15 indivduos do sexo masculino e 35 do sexo feminino.
Nos estudos genticos foi usada a seguinte amostragem: i) 216 indivduos
controlo com uma mdia de idades de 51,7 anos (1 90) (mnimo mximo), sendo 82
indivduos do sexo masculino e 134 do sexo feminino (Oliveira, 2007); ii) 87 indivduos
doentes, com MS, com uma mdia de idades de 43,3 anos (22 63) (mnimo
mximo), sendo 26 indivduos do sexo masculino e 61 do sexo feminino.
Usou-se a Escala de Kurtzke ampliada, em ingls, Extended Disability Status Scale
(EDSS), para avaliao da severidade na MS de todos os doentes que foi de, na altura da
anlise, 3,7 2,3 (mdia desvio padro), numa gama de (1 8) (mnimo mximo),
36
sendo a mdia de durao da doena em anos 11,3 8,7 (mdia desvio padro) numa
gama de (1 39) (mnimo mximo).
2.3 Mtodos
2.3.1 Isolamento de linfcitos
Partindo de 10 ml de sangue venoso colhido para tubos com EDTAK3 a uma
concentrao de 0,34 M, fez-se uma diluio de 1:1 em soluo salina de tampo fosfato
PBS (phosphate-buffered saline: NaCl 120 mM, KCl 2,7 mM, SIGMA), a 10 mM e
pH=7,4 a 25C. A soluo diluda foi cuidadosamente colocada sobre um volume de 10
ml de Ficoll (Ficoll-Paque Plus; GE Healthcare Bio-Science AB Uppsala, Sweden),
num tubo cnico de 50 ml (tipo Falcon). O tubo foi centrifugado a 800 g durante 20
minutos a 20C (Centrifuga SIGMA 302 K, com rotor 11133). A camada superior do
plasma e o anel de linfcitos foram retirados cuidadosamente e transferidos para um
novo tubo de centrifugao, ao qual adicionmos 10 ml de PBS. Fez-se nova
centrifugao a 800 g durante 10 minutos a 20 C para obter o sedimento celular. O
sobrenadante foi removido e os linfcitos foram ressuspensos em 100 - 200 l de PBS,
consoante o rendimento celular.
37
2.3.2 Medio da actividade enzimtica dos complexos da MRC
Foi utilizada a tcnica de espectrofotometria de absoro molecular para medir a
actividade enzimtica dos complexos da MRC. A espectroscopia no ultravioleta visvel
(UV/VIS) envolve a espectroscopia de fotes (espectrofotometria). Esta tcnica utiliza
luz na faixa do visvel, do ultravioleta (UV) prximo e do infravermelho prximo. Para
se obter informao sobre a absoro de uma amostra, ela inserida no caminho ptico
do aparelho, a a luz UV e/ou visvel num certo comprimento de onda (ou uma faixa de
comprimentos de ondas) passada pela amostra. O espectrofotmetro mede a
quantidade de que luz foi absorvida pela amostra.
A absorvncia (A) a quantidade de luz absorvida por uma soluo. Atravs dela,
chegamos ao valor da concentrao (c), atravs da Lei de Beer- Lambert (equao 6),
onde I0 a radiao incidente no composto, It a radiao transmitida, o coeficiente
de extino molar e l o percurso da radiao que atravessa a amostra (dada pela
espessura do tubo de reaco em cm). Para a medir com preciso, necessrio eliminar
a disperso da luz e na ausncia de turbidez, A igual densidade ptica (DO), assim
sendo, convencionmos usar A em vez de DO.
(6)
A actividade enzimtica dos diferentes complexos da MRC medida atravs da
absoro selectiva de radiao a determinado comprimento de onda (), por diversos
compostos especficos em soluo na cuvette.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Espectrofotometriahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Luzhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Espectro_vis%C3%ADvelhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Radia%C3%A7%C3%A3o_ultravioletahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Radia%C3%A7%C3%A3o_infravermelha38
O espectrofotmetro utilizado (SLM Aminco 2000) permite a monotorizao
espectral de A em condies de nico ou duplo comprimento de onda, em funo do
tempo. Quando em duplo comprimento de onda, permite monitorizar A por ter a
capacidade de fazer passar dois feixes de luz monocromtica com 2 comprimentos de
onda diferentes, ao mesmo tempo, por uma nica cuvete contendo a amostra e o meio
de reaco com o cromforo. A um dos monocromadores (monocromador 2) fica
atribudo o comprimento de onda de referncia (ref) (usualmente o ponto isobstico no
espectro de absoro do cromforo) e ao outro (monocromador 1) fica atribudo o
comprimento de onda da amostra (amostra), associado a um pico (ou vale) vizinho do
ponto isobstico no espectro de absoro do cromforo. O valor da DO ao ref
permanece constante e a medio da amostra corresponde diferena de DO entre os
dois comprimentos de onda. Este mtodo permite monitorizar a cintica de pequenas
alteraes de A, as quais normalmente no seriam detectadas, devido absoro e
disperso elevadas. J que ambos os feixes atravessam a mesma poro de uma nica
cuvete, os efeitos de sedimentao e disperso da amostra so cancelados.
O registo espectral exibido no monitor, observando-se os eixos de acordo com
escalas pr definidas a partir do painel de controlo e traado, ao mesmo tempo, num
registador Graphtee Pen Plotter MP 4400 ligado ao espectrofotmetro.
Todas as medidas so adquiridas no espectrofotmetro em duplo comprimento de
onda, medindo a variao da diferena de absorvncia dos 2 comprimentos de onda, ao
longo do tempo, a 37C. O protocolo foi seguido de acordo com Rustin et al (1994),
com algumas modificaes (Grazina, 2004).
Os linfcitos isolados a partir do sangue perifrico foram usados para a avaliao
espectrofotomtrica das actividades dos complexos II (succinato desidrogenase, SDH,
EC1.6.5.1), III (ubiquinol citocromo c reductase, QCR, EC1.10.2.2), IV (citocromo c
39
oxidase, COX, EC1.9.3.1), II+III (succinato-citocromo c oxiredutase, SCCR,
EC1.3.99.1), e CS (citrato sintetase, CS, EC 4.1.3.7). A citrato sintetase usada como
enzima marcadora mitocondrial (Grazina, 2004).
Os meios usados foram: Tampo 1 - KH2PO4 10 mM, BSA 1 mg/ml, pH=6,5 e
Tampo 2 EDTA, KH2PO4 10 mM, BSA 1 mg/ml, pH=7,8.
Todos os reagentes usados so SIGMA, excepto ditionito de sdio (Na2S2O4) e
Cianeto de potssio (KCN), que so MERCK.
2.3.3 Complexo II
A SDH medida a 600 nm pela reduo do 2,6-diclorofenol indofenol (DCPIP)
80 mM, iniciada pelo succinato 5M, em tampo 2. Inibe-se com a reaco com
malonato 5 mM.
2.3.4 Complexo II+III e complexo III
A SCCR medida a 550 nm seguindo a reduo do citocromo c 60 mM pelo
complexo III acoplado oxidao do succinato 5 mM, em tampo 2. A actividade do
complexo III avaliada na presena de decilubiquinol (DUQH2) 80 mM.
40
2.3.5 Complexo IV
A citocromo c oxidase medida velocidade mxima, seguindo a oxidao do
citocromo c reduzido 10 mM em tampo 1, a 550 nm, usando o dodecilmaltoside 1,25
mM como detergente permeabilizante da membrana externa mitocondrial com o
objectivo de facilitar a entrada do citocromo c reduzido, sem comprometer a integridade
membranar.
2.3.6 Citrato sintetase
A citrato sintetase responsvel pela reaco de condensao da acetil-CoA com
o oxaloacetato, que ocorre ao nvel da matriz mitocondrial e a primeira reaco do
ciclo de Krebs. Este ensaio segue a reaco do cido 5-ditiobis 2-nitrobenzoico 0,4 M
(DTNB), com a coenzima A, a qual formada a partir da reaco da acetil-CoA 0,2 mM
e oxalaoacetato 8 mM catalizada pela citrato sintetase e medida a 412 nm em tampo 2,
usando Triton X-100 a 20% como detergente que permite a permeabilizao das
membranas mitocondriais.
2.3.7 Concentrao de Protena
O teor proteico das amostras foi determinado pelo mtodo de Bradford
(Bradford, 1976). Este mtodo baseia-se na alterao de cor de um corante (Brilliant
Blue G) em resposta s vrias concentraes proteicas. Efectuou-se uma curva padro
41
com albumina plasmtica bovina (BSA) a 0.4%. Depois de obter a curva padro
procede-se determinao da quantidade de protena da amostra, diluda com Triton X-
100 a 2% e H2O mili-Q, na porporo de 1:6. A medio foi feita a 595 nm.
Os resultados espectrofotomtricos so convertidos em nmol de substrato
oxidado/minuto/mg de protena.
2.4 Critrio de deficincia para a MRC
A actividade enzimtica considerada deficiente quando tem valores abaixo de
40% de actividade, considerando o valor mdio normalizado para a CS (Grazina, 2004).
2.5 Anlise estatstica
Os resultados so apresentados como mdia desvio padro, mnimo e mximo
do grupo indicado. Os dados seguem uma distribuio gaussiana, ou seja, passam o
teste da normalidade quando p0,05. A significncia estatstica, para os resultados
bioqumicos, determinada usando o teste t de Student no emparelhado, sempre que o
teste de normalidade apresente p0,05. No caso dos resultados no passarem este teste,
ser aplicado o teste de Mann-Whitney.
Os testes de qui-2 e exacto de Fisher para as probabilidades so realizados para
esclarecer se h diferenas estatisticamente significativas nas frequncias genticas
42
observadas entre doentes MS e o grupo controlo, tanto para haplogrupos como para
alteraes do mtDNA.
Uma diferena considerada estatisticamente significativa quando p
43
Captulo 3 Resultados e discusso
44
3.1 Anlise Bioqumica da MRC
3.1.1 Resultados
Analismos a actividade enzimtica dos complexos da MCR em linfcitos de 50
doentes com MS.
Na tabela I esto sumariadas as caractersticas desse grupo.
Tabela I Caracterizao dos doentes com MS.
Nmero de indivduos 50
Sexo F/M 35F/15M
Idade mdia (anos) SD (mn-mx) 40,6 10,9 (2261)
EDSS mdia (anos) SD (mn-mx) 4,5 2,3 (18)
Idade de incio mdia (anos) SD (mn-mx) 29,8 10,5 (15-52)
Durao mdia da doena (anos) SD (mn-mx) 13,4 8,4 (2-34)
Legenda F: feminino; M: masculino; EDSS: Escala de Kurtzke ampliada; (Mdia (SD:
Desvio padro); (mn-mx): (mnimo mximo).
Na tabela II apresentam-se os resultados para a actividade especfica (valor
mdio desvio padro (SD)) dos complexos II, III, IV e do segmento II + III da MRC,
expressos em nmol/min/mg prot.
Todos os valores passaram no teste da normalidade, excepto para o CIV no
grupo MS (p* = 0,0447).
Na tabela III apresentamos os quocientes (valor mdio desvio padro) entre a
actividade especfica para cada complexo e a actividade da CS. Ao normalizar os
valores para a citrato sintetase corrigem-se, no apenas as diferenas na densidade
celular e composio das amostras, mas tambm uma potencial diferena no nmero de
mitocndrias.
45
Tabela II Actividade enzimtica especfica para os complexos II, III, IV e segmento
CII+III da MRC de controlos e doentes.
Actividade enzimtica (nmol/min/mg prot) (mdia SD) (mn-mx)
C II C III C IV C II+III CS
Controlos
(n=50)
30,43 13,79
(12,0-77,32)
78,10 43,48
(18,60-177,0)
133,5 40,67
(6,10-249,0)
26,58 12,88
(1,79-56,27)
76,79 23,56
(40,45-176,3)
Doentes MS
(n=50)
22,51 12,61
(8,42-66,46)
105,1 63,39
(17,16-340,1)
75,98 50,55
(10,01-212,3)
*
39,49 22,87
(8,6-109)
100,6 58,45
(44,43-406,0)
Legenda Mdia Desvio padro: (SD); (mn-mx): (mnimo mximo).
Tabela III Actividade enzimtica dos complexos II, III e IV segmento CII+III da
MRC, corrigido para a CS.
Actividade enzimtica da MRC corrigida para a CS mdia SD (mn-mx)
C IV/CS C II/CS C III/CS C II+III/CS
Controlo
(n=50)
1,69 1,01
(0,53-5,27)
0,35 0,22
(0-1,32)
0,93 0,77
(0-3,6)
0,55 0,37
(0,14-1,84)
Doentes MS
(n=50)
0,75 0,34
(0,18-1,59)
0,23 0,07
(0,07-0,52)
1,17 0,80
(0,20-4,49)
0,40 0,14
(0,11-0,86)
Legenda . Mdia Desvio padro: (SD); (mn-mx): (mnimomximo).
Todos os valores passaram no teste da normalidade.
A anlise de comparao das mdias das actividades dos vrios complexos para os
dois grupos de estudo, doentes e controlos, pelo teste t de Student ou pelo teste de
Mann-Whitney (quando os resultados no passaram o teste de normalidade), mostrou
que existia uma diferena significativa na actividade dos complexos II (p*=0,0114), IV
(p**=0,0050) , II+III (p***=0,0008) e da CS (p**=0,0088), em valor absoluto, no
grupo dos doentes. Aps correco para a CS, apenas a actividade do complexo IV
46
apresentou reduo significativa nos doentes (p*=0,0189). No entanto, foi necessrio
verificar para cada doente se tinha ou no dfice da MRC.
Os resultados da Tabela IV e figura 9 so relativos ao grupo MS, para averiguar os
dfices ao nvel dos complexos da MCR, para cada doente.
Tabela IV Resultados da avaliao dos dfices especficos na actividade dos
complexos da MRC, nos doentes com MS.
MS (%)
N 52
Def. Isolado IV 40
Def. Isolado III 2
Def. Isolado II 0
Def Isolado II+III 2
Def Combinado (IV+II+(II+III)) 0
Def Combinado (IV+II) 0
Def. Combinado (IV+(II+III)) 4
Legenda N: percentagem de indivduos MS com apresentao Normal; Def: dfice; Def.
Isolado: percentagem de indivduos com dfice isolado de um complexo especfico; Def.
Combinado: percentagem de indivduos com dfice combinado de dois ou mais complexos.
Figura 9 Representao grfica dos resultados da avaliao de dfices da MRC nos doentes
com MS. Def.: dfice.
47
Considerando que existe dfice num complexo se a sua actividade for inferior a
40% da mdia da actividade de referncia normalizada para a CS, verificmos que 44%
dos doentes apresentavam deficincia em apenas um complexo e 4% dos doentes
apresentam mais do que um complexo com deficincia.
Dos dados apresentados na tabela IV, podemos concluir que os dfices mais
frequentes so do complexo IV da MRC em 44% dos doentes avaliados, seguida pela
deficincia do segmento II+III em 6% dos indivduos, quer na forma isolada, quer na
forma combinada. No foram encontrados dfices isolados do complexo II, o que est
de acordo com o facto de o CII ser codificado no genoma nuclear. Os dfices isolados
do complexo III esto presentes em 2% dos doentes. Os dfices combinados dos
complexos IV e II+III encontram-se presentes em 4% dos doentes MS.
3.1.2 Discusso
Segundo a literatura, a formao do NO. pode contribuir para a diminuio de
energia e para a morte celular neuronal (Heales et al, 1999). A anlise do CSF de
doentes com MS indica a presena de actividadade da NOS (Calabrese et al, 2002;
Rejdak et al, 2008; Sayre et al, 2008).
Nos dados por ns analisados verificmos que o dfice mais frequente na MRC
ao nvel do complexo IV (Tabela IV e figura 9), o que est de acordo com trabalhos
anteriores (Duncan et al, 2005; Beltrn et al, 2000; Shiva et al, 2001; Brown et al,
2002). Segundo estes autores, o complexo IV o local de aco do NO. na mitocndria
mais bem caracterizado. O NO. compete com o O2 para se ligar ao centro de Cu
2+ da
COX. Esta ligao reversvel e competitiva aumenta o Km aparente do complexo IV
48
para o O2. Consequentemente, mesmo nveis fisiolgicos relativamente baixos de NO.
resultam na inibio da enzima citocromo c oxidase.
Verificmos tambm que 2% dos doentes com MS apresentam o complexo III
deficiente (Tabela IV). O trabalho de Dutta et al (2006) refere uma diminuio de 40%
na actividade do complexo III em fraces enriquecidas em mitocndrias isoladas de
crtex de doentes MS ps-mortem, quando comparadas com um grupo controlo. Eles
verificaram que nestes doentes, a MCR ficava com uma capacidade diminuda para
trocar electres ao nvel dos complexos I e III. Brown et al (2005) referem a inibio do
CIII pelo peroxinitrito. A formao deste composto comea quando o O2 no
totalmente reduzido a H2O pelos complexos I e III, e, em vez disso, reduzido a O2-.. O
NO e o O2- combinam-se para formar ONOO
-. A disfuno do complexo I e III conduz
tanto deficincia bioenergtica como ao aumento crnico na produo de ROS e RNS
(Beretta et al, 2004).
No que diz respeito ao nosso grupo de estudo, apenas 2% dos doentes MS
apresentam dfice ao nvel do segmento II+III (Tabela IV), enquanto os complexos II e
III no parecem mais afectados. O ensaio do segmento II+III requer quinona endgena,
Poderoso, 1996 sugeriu no seu trabalho que o NO. e possivelmente, o ONOO
- reagem
directamente com o ubiquinol e Heales et al (1999), concluiu que esta descoberta podia
sugerir uma explicao para a perda irreversvel da actividade do segmento II+III, que
ocorre logo a seguir exposio do ONOO- e sugere que a perda oxidativa da
ubiquinona possa ocorrer, sob certas condies, in vivo.
Os dfices combinados dos complexos IV, III e II esto presentes em 4% dos
doentes com MS, conforme os dados da Tabela V. A diminuio da actividade
enzimtica dos complexos da MRC podero ser uma consequncia tanto da inibio
49
enzimtica causada pelas ROS ou pelas RNS, como pela diminuio da expresso
proteica, devido a alteraes genticas.
3.2 Estudos genticos
3.2.1 Resultados
Comparmos os resultados obtidos da anlise do mtDNA de linfcitos em 216
controlos e 87 doentes. Os dados demogrficos e as caractersticas das doenas
encontram-se sumarizadas na tabela V.
Tabela V Caracterizao dos doentes com MS.
Nmero de indivduos 87
Sexo F/M 61 F/26 M
Idade (anos) SD (mn-mx) 43,3 10,8 (22-63)
EDSS (anos) SD (mn-mx)) 3,7 2,3 (1-8)
Idade de incio (anos) SD (mn-mx)) 31,9 10,7 (15-57)
Durao da doena (anos) SD (mn-mx)) 11,3 8,7 (1-39)
Legenda F: feminino; M: masculino; EDSS: Escala de Kurtzke ampliada; (Mdia (SD:
Desvio padro); (mn-mx): (mnimo mximo).
50
3.2.1.1 Haplogrupos mitocondriais
A caracterizao dos haplogrupos mitocondriais foi feita por PCR-RFLP, de
acordo com o protocolo previamente descrito (Oliveira, 2007). Foram usados primers
especficos para amplificar, por PCR, os fragmentos que contm as caractersticas
polimrficas da cada haplogrupo (H, JT, I, X), sendo os grupos menos frequentes na
populao europeia (V, U, HV, O, L, K, PV e T) classificados como outros. O
nmero de indivduos em cada haplogrupo foi determinado pela presena ou ausncia
do respectivo polimorfismo no mtDNA.
Os resultados do nosso laboratrio, no que diz respeito distribuio dos
haplogrupos mitocondriais, para controlos e doentes MS, encontram-se na tabela VI.
Tabela VI Frequncia dos haplogrupos mitocondriais para controlos e doentes MS e
anlise estatstica (teste exacto de Fisher).
Haplogrupo
Controlos
(n=216)
frequncia
(percentagem)
Doentes MS
n=(87)
frequncia
(percentagem)
p OR
H 85/216 (39,4%) 27/87 (32,1%) 0,1536 1,4770
JT 37/216 (17,2%) 20/87 (22,9%) 0,2570 0,6925
I 8/216 (3,7%) 3/87 (3,4%) 1,0000 1,0770
X 6/216 (2,8%) 6/87 (6,9%) 0,1099 0,3857
Outro 80/216 (37%) 31/87 (34,7%) 1,0000 1,0310
Legenda OR: odds ratio.
51
A frequncia global dos haplogrupos nos dois grupos de estudo no
significativamente diferente, apesar das diferenas de distribuio dos haplogrupos entre
os controlos e os doentes (figura 10).
Figura 10 Distribuio dos haplogrupos mitocondriais entre doentes MS controlos normais.
As principais diferenas entre os dois grupos esto no halpogrupo H, onde a
distribuio de 39,4% nos controlos vs. 32,1% nos doentes (p=0,1536), no haplogrupo
JT onde a distribuio de 17,2% nos controlos vs. 22,9% nos doentes (p=0,2570) e no
haplogrupo X onde a distribuio 2,8% nos controlos vs 6,9 % nos doentes
(p=0,1099).
52
3.2.1.2 Variaes de sequncia do mtDNA
No nosso laboratrio foi analisado o DNA de 50 indivduos no grupo controlo e
de 87 indivduos no grupo de doentes MS para as variaes de sequncia do mtDNA
nas posies dos nucletidos 3460, 4216, 4917, 11778, 13708, 14459, 14484 e 15257,
conforme descrito anteriormente (Grazina, 2007), com o objectivo de verificar as
distribuies para as variaes primrias e secundrias de LHON. As mutaes
patognicas 3460, 11778, 14459 e 14484 no foram detectadas em nenhuma amostra.
Tabela VII Frequncia de ocorrncia das variaes de sequncia do mtDNA para
controlos e doentes MS e anlise estatstica pelo teste de Fisher.
Variao de sequncia do mtDNA Controlos
(n=50)
frequncia
(percentagem)
Doentes MS n=(87)
frequncia
(percentagem)
p OR
ausente 43/50 (86%) 38/87 (43,8%) ***0,0001 7,921
13708 G>A 0/50 (0%) 5/87 (5,7%) 0,1582 0,1485
4216 T>C 1/50 (2%) 0/87 (0%) 0,3650 5,303
4216 T>C, 13708 G>A 1/50 (2%) 10/87 (11,5%) 0,0558 0,1571
4216 T>C, 13708 G>A, 15257 G>A 0/50 (0%) 4 /87(4,6%) 0,2963 0,1837
4216 T>C, 4917A>G 1/50 (2%) 10/87 (11,5%) 0,0558 0,1571
4917A>G 1/50 (2%) 0/87 (0%) 0,3650 5,303
O 2/50 (2%) 0/87 (0%) 0,1315 9,021
Legenda N: indivduos sem variaes de sequncia secundrias de LHON; O: outras alteraes;
OR: odds ratio.
53
Pela anlise dos dados com o teste de 2, observamos que existe significncia
estatstica (2 = 25,87 com p*** =0,0005) para a distribuio das frequncias entre os
dois grupos.
A variao do nucletido 13708G>A foi observada em 5,7% dos doentes,
estando ausente nos controlos. A combinao das variaes dos nucletidos 4216T>C,
13708G>A est presente em 6,9% dos doentes e em 2% dos controlos. O nmero de
indivduos com as variaes do mtDNA pesquisadas ausentes significativamente
superior no grupo controlo (p=0,033; tabela VII): 88% vs. 71,3%.
3.2.2 Discusso
No nosso estudo no encontrmos qualquer associao entre a presena de um
haplogrupo em particular e a ocorrncia de MS. Isto est de acordo com estudos
anteriores (Mihailova et al, 2006) apesar de outras investigaes mostrarem que h
associao entre os haplogrupos J e X ou JT e o desenvolvimento de MS,
respectivamente (Otaegui et al, 2004; Houshmand M et al, 2005). Contudo em estudos
comparativos deve ser dada ateno seleco dos controlos e importncia ao passado
gentico da populao, para poder obter concluses vlidas.
3.2.3 Correlao Bioqumica Gentica
Fomos analisar, pelo teste de 2, se existiria associao tanto entre os
haplogrupos H e JT como entre os indivduos com ou sem variaes de sequncia ao
54
nvel do mtDNA e os dfices ao nvel da MRC identificados no grupo de doentes MS.
Da anlise resultou que 2 = 4,857 e p=0,0881, no sendo a diferena estatisticamente
significativa, sugerindo que no existe associao entre as variveis dos estudos
bioqumicos e genticos dos haplogrupos mitocondriais, na amostragem analisada de 50
doentes, em cujas amostras se analisou a MRC.
Tabela VIII Distribuio dos haplogrupos H e JT em doentes com MRC com dfice
ou normal e anlise estatstica (teste exacto de Fisher).
Haplogrupo MRC com dfice MRC Normal Teste exacto de
Fisher
H 4/50 (8%) 10/50 (20%) p = 0,478
JT 8/50 (16%) 3/50 (6%) p = 0,1997
Outros 38/50 (76%) 37/59 (74%) p = 1,0000
Por outro lado, quando testmos a associao entre os haplogrupos H, JT e
outros para os doentes com MRC deficiente ou normal, com o teste exacto de Fisher,
verificmos que no existem diferenas estatisticamente significativas.
Fomos ento verificar se existia associao entre dfice da MRC e a presena de
variaes de sequncia do mtDNA. Apresentamos os resultados estatsticos na tabela
IX.
55
Tabela IX Distribuio de doentes com ou sem alteraes ao nvel do mtDNA no
grupo de doentes com MRC deficiente e normal.
mtDNA MRC Normal MRC com Dfice Teste exacto de Fisher
Sem alteraes 24/26 (92,3%) 14/24 (58,3%) p** = 0,0074
Com alteraes 2/26 (7,7%) 10/24 (41,7%) OR = 8,571
RR = 3,789
Legenda: **p
56
MS (Xinhua et al, 2008), sendo estas ideias reforadas pelos resultados obtidos no
presente trabalho.
57
Captulo 4 Concluses
58
Os resultados obtidos com o presente trabalho reforam a hiptese da disfuno
mitocondrial como resultado de leso oxidativa. Num futuro prximo, esperamos poder
dar novas contribuies para elucidar este aspecto com mais pormenor.
Dado o papel central da mitocndria em tantas funes celulares importantes,
incluindo a produo de energia, razovel que a sua disfuno seja um contributo
chave no processo neurodegenerativo desta doena. Consequentemente os tratamentos
dirigidos mitocndria e os tratamentos neuroprotectores, ou a combinao de
neuroprotectores e imunomodeladores poderiam representar uma abordagem mais
racional terapia da MS.