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Capítulo 2. Mecanismos de geração dos sismos A estrutura da Terra. Origem dos sismos. Teorias dos mecanismos sísmicos. As falhas como geradoras de sismos. Geometria, tipo e classificação da sua actividade. Foco. Epicentro. Distância epicentral. Ondas sísmicas. 2.1. A Estrutura da Terra A Terra tem uma forma aproximadamente esférica com as seguntes características geométricas e físicas gerais: Diâmetro equatorial=12740 km Diâmetro polar=12700 km Massa= Densidade média =5.5 kg 10 9 . 4 24 × Tendo presente que a densidade das rochas superficiais se situa tipicamente entre 2.7 e 3 conclui-se, do valor médio da densidade, que a Terra é marcadamente heterogénea do ponto de vista desta grandeza física, o que por sua vez permite antecipar a hetergoneidade relativamente a outras grandezas, como sejam a constituição e a velocidade das ondas elásticas. Densidade das rochas superficais entre 2.7 e 3 Heterogeneidade da Terra , com maior densidade no interior. Estrutura interna da Terra. O modelo actual de conhecimento da estrutura interna da Terra muito deve à contribuição da Sismologia especialmente através da interpretação dos movimentos sísmicos superficiais quanto aos trajectos seguidos pela ondas sísmicas desde a sua génese até à superfície. A estrutura da Terra divide-se, numa primeira análise, em crusta (litosfera), manto (astenosfera) e núcleo. Crusta terrestre UNL FCT DEC Engenharia Sísmica 2002/2003 Capitulo 2 p3/13 Responsável: João P. Bilé Serra

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Capítulo 2. Mecanismos de geração dos sismos A estrutura da Terra. Origem dos sismos. Teorias dos mecanismos sísmicos.

As falhas como geradoras de sismos. Geometria, tipo e classificação da sua

actividade. Foco. Epicentro. Distância epicentral. Ondas sísmicas.

2.1. A Estrutura da Terra

A Terra tem uma forma aproximadamente esférica com as seguntes características

geométricas e físicas gerais:

Diâmetro equatorial=12740 km Diâmetro polar=12700 km

Massa= Densidade média =5.5 kg109.4 24×

Tendo presente que a densidade das rochas superficiais se situa tipicamente entre 2.7

e 3 conclui-se, do valor médio da densidade, que a Terra é marcadamente

heterogénea do ponto de vista desta grandeza física, o que por sua vez permite

antecipar a hetergoneidade relativamente a outras grandezas, como sejam a

constituição e a velocidade das ondas elásticas.

Densidade das rochas superficais entre 2.7 e 3 Heterogeneidade da Terra , com

maior densidade no interior.

Estrutura interna da Terra.

O modelo actual de conhecimento da estrutura interna da Terra muito deve à

contribuição da Sismologia especialmente através da interpretação dos movimentos

sísmicos superficiais quanto aos trajectos seguidos pela ondas sísmicas desde a sua

génese até à superfície.

A estrutura da Terra divide-se, numa primeira análise, em crusta (litosfera), manto

(astenosfera) e núcleo.

Crusta terrestre

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Espessura variável de 25 a 40 km nas zonas continentais (por vezes mais: 60 a 70

km) e de 5 km nas zonas oceânicas. Corresponde a 0.4 % do raio da Terra.

A estrutura interna da crusta é complexa mas pode ser descrita como uma sequência

estratigráfica – no sentido interior-superfície – de basalto e, na zona continental, de

granito a ele sobrejacente. A crusta oceânica apresenta maior uniformidade e é mais

densa que a crusta continental. A crusta, por contactar com a atmosfera ou com os

oceanos tem uma temperatura inferior aos materiais subjacentes.

É a zona quase exclusiva de sismogénese.

Fronteira entre crusta e manto

A fronteira entre a crusta e o manto marca uma descontinuidade da velocidade de

propagação de ondas chamada discontinuidade de Mohorovicic – situada a

profundidade variável – que desempenha o papel de refractor e reflector das ondas. A

existência desta discontinuidade foi deduzida dos fenómenos de refracção e reflexão

que acompanham a propagação das ondas sísmicas através de discontinuidades

físicas.

Discontinuidade de Mohorovicic (velocidades de ondas S e P) [NR]. S105.bmp

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A Estrutura da Terra [K] s008.tif A tempeatura da Terra [K]s025.tif

Manto

O manto tem cerca de 2850 km. A zona mais próxima da crusta, o manto superior,

tem cerca de 650 km. Densidade de 4 a 5.

O manto encontra-se a uma temperatura elevada (4000ºF) estando os materiais seus

constituintes num estado viscoso com comportamento misto sólido-líquido.

Já foram registados sismos ocorridos no manto superior (a profundidade máxima

registadas de ocorrência de sismos é de cerca de 600 km). Não se conhecem sismos

no manto inferior.

Núcleo

Resta descrever o núcleo, subdivido em núcleo exterior no estado líquido com 2300

km de espessura e pelo núcleo interior no estado sólido com uma espessura de 1100.

No núcleo exterior não é possível a transmissão de ondas de corte, ondas S.

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essencialmente por ferro fundido (densidade 9 a 12). O núcleo interior ou núcleo

sólido (densidade 15) é uma mistura de ferro e níquel sob elevadíssimas pressões .

2.2. Origem dos sismos

Diversos fenómenos podem estar na origem de sismos, sendo os mais importante –

pela taxa anual de ocorrência sísmica, pela severidade das consequências e pela

extensão das áreas afectadas – os de origem tectónica. Estes são associados à

libertação de energia de deformação acumulada ao longo de certo tempo na crusta

terrestre.

Ainda hoje não se encontra estabelecido de forma consensual qual o mecanismo de

génese sísmica, sendo a explicação mais favorecida a associada à rotura mais ou

menos plana de massas geológicas levando à formação de falhas e ao deslizamento

relativo dos respectivos bordos.

Esta explicação é contrariada pelo conhecimento da ocorrência de sismos no manto a

profundidades superiores a 600 km, portanto, em zonas cuja ductilidade e cujo

estado físico impedem a formação de roturas de grande expressão capazes de

alcançar de forma assinalável a superfície da crusta terrestre. Outras explicações

concorrentes daquela existem, sendo no entanto, de pequena relevância para a

sismicidade que interessa à Engenharia Sísmica, isto é, à sismicidade de origem na

crusta terrestre.

2.3. Teorias dos mecanismos sísmicos

A aceitação da origem tectónica dos sismos é resultado de um longo processo de

elucidação de dúvidas e de rejeição de objecções. Este processo remonta à hipótese

(teoria) da deriva dos continentes, a qual é precursora de uma outra teoria, a da

existência de placas tectónicas interagindo entre si nas orlas. Esta teoria foi sugerida

pela interpretação dos registos dos movimentos superficiais de origem sísmica e do

reconhecimento do fundo dos oceanos cujo início se deu em meados do século XX.

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Interacção entre placas tectónicas

A interacção entre placas dá-se nas suas fronteiras o que leva à existência de

deformações que se processam de forma contínua (deformações assísmicas) e que,

pontualmente, ocorrem de forma espamódica (deformações sísmicas).

O movimento de placas deve-se ao equilíbrio termomecânico dos constituintes da

manto. Os gradientes de temperatura e de densidade aí existentes (temperatura

crescente e densidade decrescente em profundidade) justificam a existência de um

processo de natureza convectiva que leva ao afundamento das massas em contacto

com a crusta. Este afundamento é acompanhado, por conservação de massa, da

ascensão do magma quente. Estas correntes de convecção impõem tensões

tangenciais sob a crusta, as quais são o motor da interacção mecânicas entre as placas

tectónicas.

Consideram-se identificadas seis placas principais: a Africana, a Euro-Asiática, a

Americana, a Antárctica, a Indo-Australiana e a do Pacífico.

Cartografia das placas tectónicas e respectivos movimentos [F] Kramer s007.jpg

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Do ponto de vista conceptual consideram-se três tipos de cinemática de interacção: (i)

afastamento ou transcorrente (zonas de distensão), (ii) subducção (zonas de

compressão) e (iii) deslizamento transformante (zonas de distorção)

Zonas de afastamento

Em algumas zonas as placas afastam-se lentamente. No espaço assim criado o magma

ascende à superfície arrefecendo, solidificando e integrando-se nas placas adjacentes.

Ao arrefecer, o magma fica magnetizado sob o campo magnético terresrte reinante na

altura, o qual varia no tempo. Esta circunstância permite, através da medição da

polaridade nestas zonas, datar a respectiva génese, o que evidenciou a existência de

um fenómeno contínuo de empilhamento lávico (“rigdge”). Por exemplo, no ridge

meso-atlântico esta acumulação dá-se a uma taxa de 2 cm por ano, enquanto que no

ridge do Pacífico ocorre a uma taxa de 18 cm/ano. Estima-se que a crusta oceânica

cresca a uma taxa de 3.1 km2 por ano.

A ascensão pode fazer-se de forma lenta e continuada ou por forma brusca durante os

sismos ou erupções vulcânicas sub-aquáticas.

As zonas de empilhamento lávico podem aparecer á superfície da água: exemplo a

Islândia onde a actividade vulcânica é quase constante com cerca de 150 vulcões

activos.

Zonas de subducção

A criação de nova massa de crusta por ascensão magmática obriga, por

compatibilidade cinemática, a que alguma crusta seja, simultaneamente, consumida

por qualquer processo. Nas zonas de subdução as orlas das placas contíguas

aproximam-se através do afundamento relativo de uma delas, o qual se processa com

deslizamento sob elevados níveis de compressão. Esta circunstância favorece a

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acumulação de energia de deformação cuja libertação no interface entre as placas é

causadora de sismos. A placa que mergulha aquece e torna-se mais dúctil, chegando,

em zonas suficientemente profundas, a ser incapaz de de produzir sismos. Estas zonas

encontram-se frequentemnete nas orlas continentais.

Quando as placas que transportam continentes colidem podem formar-se sistemas

montanhosos como por exemplo os Himalaias que resultaram da colisão da placa

Indo-Australiana com a placa EuroAsiática.

O movimento relativo das placas Africana e Euro-Asiática está a conduzir à

diminuição do mar Meditterânico e eventualmente dará origem à génese de uma

cadeia montanhosa paralela ao eixo do Mediterrâneo (vidé os Alpes).

Zonas transformantes

Falhas transformantes ou “strike slip faults transform faults”: movimento dos bordos

de falha é paralelo à sua orientação horizontal. Falhas direita e esquerdas. Caso

particular importante planos de falha sub-verticais. Exemplo mais famoso: a falha de

Santo André na Califórnia é uma falha transformante direita. Outro caso: contacto das

placas Euro-Asiática e Africana.

Falha transformante esquerda [SM] s107.bmp

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2.4. As falhas como geradoras de sismos

A implantação dos epicentros dos sismos mais imoprtantes num mapa-mundi com as

fronteriras das placas tectónicas torna evidente a existência de uma correlação quase

absoluta entre a a actividade sísmica significativa e as zonas de interacção entre

placas. Em particular, nas zonas de subducção esta correspondência estabelece-se

com os epicentros dos sismos de maior energia libertada (cf. Figura seguinte). Esta

constatação foi somente possível após a instalação de uma rede sismográfica mundial

e a posterior interpretação dos tempos de chegada das perturbações sísmicas às

diversas estações de modo a identificar a posição do epicentro sísmico.

Actividade sísmica no Mundo. Epicentros dos sismos mais significativos. [B1] Kramer s006.jpg

Esta Figura sugere ainda o forte contraste entre a sismicidade originada nas zonas de

interacção inter-placa e a sismicidade de origem em zonas internas das placas.

2.5. Geometria, tipo e classificação da sua actividade.

Uma falha é a manifestação de um processo de rotura mais ou menos localizado que,

por esgotamento da capacidade resistente em zonas vizinhas, se pode propagar por

diversos quilómetros de extensão. É habitualmente idealizada como uma figura plana

descrita pela direcção ou azimute (definido em relação ao Norte) pela inclinação

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(ângulo formado com um plano horizontal) e pela direcção do respectivo vector de

deslocamento.

Geometria idealizada de uma falha [GC]

As falhas são classificadas quanto ao seu movimento nas seguintes categorias: (i)

falhas transcorrentes, (ii) falhas transformantes (strike-slip fault), (iii) falhas inversas

e (iiv) falhas normais.

.

Representação esquemática dos tipos de falhas quanto ao movimento. 005 Bolt p86

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As falhas inversas estão associadas a zonas de subducção ou ainda a zonas de

compressão entre blocos, sendo causadoras dos sismos de maior severidade dado que

o material envolvido se encontra comprimido sob tensão significativa o que potencia

o acumular de deformações sem rotura (comportamento dúctil) a qual uma vez

atingida liberta a respectiva energia mecânica. O movimento correspondente faz-se

com subida relativa do tecto da falha.

Tensões associadas ao movimento de falhas. (a) e (b): falha normal. (c) e (d) falha inversa. Código de cor associada ao

movimento inicial da falha: preto (compressão), branco : (extensão). S002 Bolt p 127

Por último, as falhas normais estão associadas a zonas de distensão em que o nível de

tensão normal nas faces é reduzido correspondendo-lhe um movimento relativo

descendente do tecto.

Ocorrência de falhamento normal sub-vertical em zona de distensão [SM] s103.jpg

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Tensões associadas ao movimento de falhas. (a) e (b): falha normal. (c) e (d) falha inversa. Código de cor associada ao

movimento inicial da falha: preto (compressão), branco : (extensão). S002 Bolt p 127

Nalguns casos a rotura estende-se até à superfície sendo possível estudar o respectivo

movimento e deduzir parâmetros cinemáticos como seja a taxa de deslizamento anual

entre os bordos da falha. Os movimentos residuais podem apresentar valores

significativos (cf. Figura seguinte)

Rotura à superfície da Falha de Santo André (falha transformante direita) no sismo

de S. Francisco de 1906 (a cerca deslocou-se próximo de 2.5 m) [GC]

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2.6. Geometria de um sismo

2.7. Ondas sísmicas

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Referências Bibliográficas

[GC] A. Gomes Coelho (2003) – Notas de Aula sobre Geologia e Engenharia

Sísmica. Mestrado em Geotecnia para Engenharia Civil IST-UTL/LNEC/FCT-UNL.

[K] Kramer – Geotechnical Earthquake Engineering.

[SM] Stein e Wysession (2003) – An Introduction to Seismology, Earthquakes, and

Earth Structure. Blackwell Publishing.

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