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50 CAPÍTULO 3 O COTIDIANO DO ASSENTAMENTO No capítulo anterior, vimos a forma de luta e conquista do território, comungando com a violência e a necessidade de reconstruir este novo território. Para isso, trilharemos neste capítulo, as formas organizativas deste território particular apresentando os traços fundamentais destes camponeses. Os autores escolhidos trilham os caminhos que permitem uma compreensão do caminho do camponês e da grande propriedade, sendo esta, a forma mais devastadora da natureza e das relações sociais. Como já é sabido, historicamente a apropriação da terra deu- se de maneira desigual beneficiando os interesses das classes dominantes, fato que se torna cada vez mais notório, pondo em questão as relações sociais estabelecidas na sociedade. Esse caipira recriado pelo processo histórico fruto do capitalismo que lutou para continuar sendo camponês acorda cedinho, veste a roupa de trabalho, bebe o seu café e vai para o curral ordenhar o gado e muitas vezes labuta durante o dia com as plantações. Essa atividade diária familiar que para muitos seria caracterizada de monótona tem um elemento fundamental para se compreender a reprodução da vida camponesa. Trata- se da vida social camponesa, onde o camponês caipira é entendido como o homem que trabalha no campo. A capacidade de trabalhar e produzir de acordo com seu interesse é importantíssimo, pois a preocupação não é o lucro da venda em um valor caracterizado pela mais valia. Aqui percebe- se que na propriedade familiar o camponês tem finalidade diferente da capitalista: “Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra do trabalho” (MARTINS, apud OLIVEIRA; 14) Neste aspecto, compreendemos que realização do trabalho diário é produto da característica desse espaço geográfico. Nesse caso a produção e reprodução das condições de vida dos trabalhadores não é regulada pelo lucro do capital, porque não se trata de capital no sentido capitalista da palavra. O trabalhador e lavrador

CAPÍTULO 3 O COTIDIANO DO ASSENTAMENTO · da vida social camponesa, onde o camponês caipira é entendido como o homem e qu ... (Leo Huberman, 1967, História da Riqueza do Homem,

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50

CAPÍTULO 3

O COTIDIANO DO ASSENTAMENTO

No capítulo anterior, vimos a forma de luta e conquista do território,

comungando com a violência e a necessidade de reconstruir este novo território. Para

isso, trilharemos neste capítulo, as formas organizativas deste território particular

apresentando os traços fundamentais destes camponeses. Os autores escolhidos trilham

os caminhos que permitem uma compreensão do caminho do camponês e da grande

propriedade, sendo esta, a forma mais devastadora da natureza e das relações sociais.

Como já é sabido, historicamente a apropriação da terra deu- se de maneira

desigual beneficiando os interesses das classes dominantes, fato que se torna cada vez

mais notório, pondo em questão as relações sociais estabelecidas na sociedade.

Esse caipira recriado pelo processo histórico fruto do capitalismo que lutou para

continuar sendo camponês acorda cedinho, veste a roupa de trabalho, bebe o seu café e

vai para o curral ordenhar o gado e muitas vezes labuta durante o dia com as plantações.

Essa atividade diária familiar que para muitos seria caracterizada de monótona tem um

elemento fundamental para se compreender a reprodução da vida camponesa. Trata- se

da vida social camponesa, onde o camponês caipira é entendido como o homem que

trabalha no campo.

A capacidade de trabalhar e produzir de acordo com seu interesse é

importantíssimo, pois a preocupação não é o lucro da venda em um valor caracterizado

pela mais valia. Aqui percebe- se que na propriedade familiar o camponês tem

finalidade diferente da capitalista:

“Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma terra de negócio, em

terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra, ela se

transforma em terra do trabalho” (MARTINS, apud OLIVEIRA; 14)

Neste aspecto, compreendemos que realização do trabalho diário é produto da

característica desse espaço geográfico.

Nesse caso a produção e reprodução das condições de vida dos

trabalhadores não é regulada pelo lucro do capital, porque não se trata

de capital no sentido capitalista da palavra. O trabalhador e lavrador

51

não recebem lucro. Os seus ganhos são ganhos de seu trabalho, e do

trabalho de sua família e não ganhos do capital exatamente porque

esses ganhos não provem da exploração de um capitalista sobre um

trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho (...)

(MARTINS, apud OLIVEIRA; 61)

Nesse sentido o camponês entendido como individuo que se relaciona com a

natureza, produz primeiramente para sua necessidade independentemente da lógica

subordinadora do mercado. Esse fato se passar despercebido pelo geógrafo pode trazer

um erro para sua pesquisa teórica, afinal, é no modo de vida e nas formas de se

relacionar com a natureza que identificamos a resistência e a disputa por território do

campesinato.

O dinheiro para o camponês é importante para que possa satisfazer suas

necessidades durante o mês, nesse caso o dinheiro não se torna capital, pois:

“O dinheiro só se torna capital quando é usado para adquirir mercadorias ou trabalho com

finalidade de vende- los novamente, com lucro.” (Leo Huberman, 1967, História da Riqueza do

Homem, Zahar Editores.)

Diante disso fica claro entender que a dificuldade de sobreviver neste processo

se torna mais difícil na medida em que o modelo hegemônico tende a promover

barreiras para acuar o camponês.

MARTINS traz elementos relevantes nesse aspecto, para ele as propriedades são

transformadas em mercadorias pelo capital,

Como o capital tudo transforma em mercadoria, também a terra passa por

esta transformação, adquire preço, pode ser comprada e vendida, pode ser

alugada. A licença para a exploração capitalista da terra depende, pois, de

um pagamento ao seu proprietário. Esse pagamento é a renda da terra.

(MARTINS; 1995 :160-1)

Martins conceitua que o atual modelo econômico, desconsidera o valor

simbólico a terra, fincando o valor econômico. De modo que, “Enquanto o lavrador luta

pela terra de trabalho, a grande empresa capitalista luta pela renda da terra.”

(MARTINS; 1995: 176)

Assim entendemos que a terra só tem importância para o capitalista se esta puder

corresponder com a renda da terra um latifúndio de exploração.

52

Oliveira(2001) fundamenta sua reflexão de que só é possível o desenvolvimento

do capitalismo, se esta estiver articulada com as relações não- capitalistas:

Entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de

produção na formação social capitalista, significa entender que ele supõe sua

reprodução ampliada, ou seja, que ela só será possível se articulada com

relações sociais não- capitalistas. (OLIVEIRA;2001:11)

Portanto,

O desenvolvimento capitalista se faz movido pelas suas contradições. Ele é

portanto, em si, contraditório e desigual. Isto significa que para seu

desenvolvimento ser possível, ele tem que desenvolver aqueles aspectos

aparentemente contraditórios a si mesmo.(OLIVEIRA;2001:18)

Esse aspecto nos possibilita compreender que as realidades das contradições

estão dentro das contradições do modo de produção capitalista.

Para Oliveira(2001) as relações se dão:

Dessa forma, estamos diante de uma relação de trabalho e de

produção baseada na exploração do trabalho alheio, diferente daquela

baseada na família, numa unidade camponesa, onde a família trabalha, em

tese, para si próprio. Ou, então, naquela baseada na parceria, onde a

produção é dividida entre o proprietário da terra e o trabalhador.

Isso não quer dizer que não haja exploração também nessas

relações de trabalho; e a exploração é diferente. No capitalismo, o

trabalhador não é dona nem pode dispor do produto de seu trabalho. Em

troca da cessão de sua força de trabalho, recebe uma quantia em dinheiro:

salário. Enquanto a parceria, ele é proprietário de parte da produção,

podendo dispor dela da forma que desejar e evidentemente, não recebendo

dinheiro algum pelo trabalho dispendido para produzir a parte da produção

que fica com o proprietário da terra. (OLOVEIRA;2001:21-2)

A pesquisa nesta região demonstrou que essas faces do capitalismo pudessem ser

claras na região: ao mesmo tempo em que se desencadeou a luta pela terra aumentou

contraditoriamente a monocultura da produção nas fazendas.

53

Esse novo arranjo do campo, vem desde a territorialização dos camponeses nesta

região. Durante anos o fazendeiro criador de gado em Andradina com a decadência do

café, logo o algodão (as principais lavouras, não que seja as únicas) transformava a

paisagem com a criação de gado,

... assim afirma Moura Andrade, reservando- se um grande domínio

para a criação de gado, nas margens do baixo Tiete estava prestes a dividir

seus 25.000 alqueires e se aprestava para fazer o mesmo com os 16.000, que

reivindicava no vale do rio Feio.(MONBEIG; 1984:146)

...Um pasto para criar ou uma invernada, é preciso começar

acabando com a floresta e plantando forrageiras. A técnica é sempre a

mesma, como já foi visto: depois de dois anos de cultivo de algodão, uma

vez queimadas as plantas da última safra, a terra passa a pasto, apagando- se

os traços da última cultura. (MONBEIG; 1984:308)

Hoje a configuração modificou, os fazendeiros estão com novas iniciativas: a

moda é a produção de cana de açúcar. Que é mais vantajosa devido ao grande incentivo

do Governo Federal. Esses mecanismos transforma rapidamente a paisagem na região

promovendo uma série de desiquilíbrio socioambiental. Essa rearticulação/ modificação

do espaço imprime políticas diferenciadas de uso a terra. Monbeig (1984) a tempo

transcreveu que:

Os desbravadores dos planaltos ocidentais paulista compararam sua terra a

uma pele de onça pintada. (...) A marcha para oeste, considerada nas suas

relações com os solos, não aparece como uma conquista valiosa, mas como

uma devastação sem freio. (MONBEIG;1984:75)

Isso significa que desde a ocupação no interior já se tinha um processo de devastamento

da paisagem. A fim de dar espaço as necessidades do período. Como exemplifica Pierre a

alguns anos atrás: “Assinalou o ano de 1900, mais ou menos em todo o conjunto dos

planaltos ocidentais, o fim da fase pecuária pioneira e o início do período dos

especuladores”. (MONBEIG;1984:146). Toda a intervenção do capitalismo é dada pelo espaço

e tempo. Por isso as necessidades se modificam ao longo da história.

Como é vidente o capitalismo se apropria preferencialmente das melhores

condições climáticas para se instalar. De modo geral para Monbeig: “A intervenção do

homem modifica as condições da hidrologia e tem com resultado uma deteriorização

54

radical dos solos”. (Ibidem, p. 89, 1984)

Neste aspecto, diariamente encontramos os sujeitos do assentamento na lida.

Lutando para se manter na propriedade. E as relações do capitalismo estão ao seu lado,

onde a produção de cana está no limite da área do assentamento, indicando os “limites”

da propriedade camponesa e latifundiária.

3.1 – O assentamento e a nova territorialidade

A organização de um determinado grupo social está relacionada a várias formas dentro do espaço- tempo da sociedade, onde adquirirem características específicas. Antônio Cândido se referiu- se a um camponês típico de sua época em um determinado lugar. Para ele

A existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um

equilíbrio relativo entre as suas necessidades e os recursos do meio físico,

requerendo, da parte do grupo, soluções mais ou menos adequadas e

completas, das quais depende a eficácia e a própria natureza daquele

equilíbrio. As soluções, por sua vez, dependem da quantidade e qualidade

nas necessidades a serem satisfeitas. (CANDIDO;1964:09).

Desse modo compreendemos que a formação de qualquer grupo é

imprescindível a sua organização, e a relação pela a qual mantém com meio onde vive.

Assim, “... as sociedades se caracterizam, antes de mais nada, pela natureza das

necessidades de seus grupos, e os recursos de que dispõem para satisfaze- las”.

(CANDIDO;1964:09).

O autor nos faz visualizar um tipo de organização na qual se modificou devido

ao avanço do capitalismo no campo- cidade e a sua apropriação nos espaços. O avanço

do capitalismo trouxe ao Timboré mecanismo que tornou a resistência algo de luta

cotidiana. Depois de vinte anos esse objeto de análise nos faz compreender os novos

rumos na qual estamos submetidos. Mesmo entendendo que o

Rural exprime sobretudo localização, enquanto ele pretende exprimir um

tipo social e cultural, indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas

tradicionais do homem do campo; (CANDIDO, 07, 1964)

55

Para MARTINS(1995), no campo teórico, as novas palavras indicam de certo

modo a intencionalidade política:

Essas novas palavras- camponês e latifundiário- são palavras

políticas, que procuram expressar a unidade das respectivas situações de

classe e, sobretudo, que procuram dar unidade ás lutas dos camponeses. Não

são, portanto, meras palavras. Estão enraizadas numa concepção da história,

das lutas políticas e dos confrontos entre as classes sociais. Nesse plano, a

palavra camponês não designa apenas o seu novo nome, mas também o seu

lugar social, não apenas no espaço geográfico, no campo em contraposição à

povoação ou à cidade, mas na estrutura da sociedade; por isso, não é apenas

um novo nome, mas pretende ser também a designação de um destino

histórico. (p. 23)

Percebemos que se trata de um processo em constante transformação. Os

camponeses caipiras de Candido tinha uma certa característica onde

O despertar é geralmente às 5 horas, seguido de pequena ablução,

consistindo um pouco de água pelos olhos. Segue a primeira refeição e a

ração de milho às criações. Parte- se então para o local de trabalho,

raramente encostado à sua casa, quase sempre distante 200 a 1.000 metros (e

mais). A faina encetada vai até o pôr do sol, resultando uma jornada de 12

horas no verão, de 10 no inverno, interrompida pela altura das 8 h 30 m por

meia hora, para almoço, e cerca de uma hora pelo meio- dia, para merenda e

repouso. Chegando em casa, o trabalhador dá milho às criações, lava as

mãos, o rosto, os pés e janta, das 19 h em diante. Às 22 h ninguém mais está

desperto, e a maioria já se deitou pouco depois das 20. (CANDIDO;1964:95-

6)

A nova forma de vida dentro do campo mudou assim como o próprio espaço.

Esse típico caipira está sofrendo uma modificação. A velocidade de transformação dos

espaços no tempo do capital está modificando consideravelmente este assentamento. As

famílias estão situadas em uma relação de proximidade com as novas realidades do

consumo. Possuem geladeiras, televisores, aparelhos eletrodomésticos, enfim. Para

Antônio Cândido :

56

Trata- se, pois, de um acentuado incremento de dependência, que destrói a

autonomia do grupo de vizinhança, incorporando- o ao sistema comercial

das cidades. E, ao mesmo tempo, uma perda ou transferência de elementos

culturais, que antes caracterizavam a sociedade caipira na sua adaptação ao

meio. (p. 111, 1964)

Ainda que,

...a situação estudada não é substituição mecânica dos padrões; mas de

redefinição dos o homem rural depende, portanto, cada vez mais da vila e

das cidades, não só para adquirir bens manufaturados, mas para adquirir e

manipular os próprios alimentos. (p. 112, 1964)

Para MARTINS(1995), anteriormente os camponeses:

Produziam quase tudo de que necessitavam e ao mesmo tempo

comercializavam excedentes dessa produção ou então cultivavam gêneros

comercializados como excedente... (p. 40)

Esse processo pode ser viso nas palavras de Maria onde se recorda que,

“plantava milho, plantava algodão, aquele tempo agente plantava de tudo, né? Tudo que agente plantava dava arroz agente não comprava, né? Era gordura de porco essas coisa, assim, né? então de tudo tinha” (Assentada Maria de Souza, entrevista 19/ 06/ 2011)

Esse processo induz a novas formas de se organizar na terra, porém não se trata

de deixarem de serem camponeses, estes pelo contrário estão nesse processo, porém não

deixaram de ser camponeses. Encontramos apenas novas características no meio rural,

mas não é suficiente para retirar desses sujeitos a característica de serem camponês,

pois, ser camponês não está no que consome, mas nas características de vivência na

terra. E ainda, mesmo que ele se modifique, este levará consigo a sua especificidade,

que é inerente de seu modo de vida.

Esse processo vem reafirmar ainda mais que os camponeses resistem e

permanecem na terra. Um elemento de análise pode-se ver na alimentação onde a

mesma não modificou- se muito; e um outro o sentimento pela localidade. Trata- se segundo

Antonio

57

O feijão, o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem, pois, o que se

poderia chamar triângulo básico da alimentação caipira, alterando mais tarde

com a substituição da última pelo arroz. (CANDIDO;1964:34)

De fato os assentados preferencialmente comem arroz, feijão, e a carne. Porém

não se trata de enquadra- los em um dado momento da história e o condenar a viver

como os camponeses do século passado.

O “lugar” pode- se verificar que estes assentados possuem características

peculiares possui uma relação muito próxima com a terra e os elementos que compõe

este espaço. Antônio Cândido (1964) nos leva de encontro a este espaço.

Combinando estes vocabulários, poder- se- ia dizer que é de modo geral,

uma porção do território subordinado a uma povoação, onde se encontram

grupos de casas afastadas do núcleo de povoado, e umas das outras, em

distancias variáveis. (p.45).

Ainda nos dizeres de Candido (1964):

Mas além de determinado território, o bairro se caracteriza por um

segundo elemento, o sentimento de localidade existente nos seus moradores,

e cuja formação depende não apenas da posição geográfica, mas também do

intercâmbio entre as famílias e as pessoas, vestindo por assim dizer o

esqueleto topográfico. – o que é bairro?- perguntei certa vez a um velho

caboclo, cuja resposta pronta exprime numa frase o que se vem expondo

aqui: -bairro é uma naçãozinha. – entenda- se: a porção de terra a que os

moradores tem consciência de pertencer, formando uma certa unidade

diferente das outras.

A convivência entre eles decorre da proximidade física e da necessidade

de cooperação. (p. 46)

Selma Micheleto afirma que:transcreve,

“Podemos situar a construção do bairro pelo Assentamento Timboré como

uma síntese de comunidades (das lutas sociais e referencias da região) e

ruptas (como emergências de novos personagens advindos de outras

regiões). E preciso, no entanto, aprofundar o estudo dessas características

que o constituem, a saber...” Sentimento de Localidade,e Intercambio entre

famílias e pessoas e, uma consciência de pertença. (MICHELETO; 2003)

58

Para Muller (1964) “... o bairro é uma unidade de sitiantes, caracterizando a vida

econômica e social do proprietário estável, mas depende dos vizinhos”. (Nice Lecoq

Muller apud Candido:60)

Todos estes elementos percebidos nos remetem a entender que estamos diante de

um território construído que está em constante modificação durante o tempo, como uma

espécie de mosaico que vai se configurando dialeticamente. A nova territorialidade é

produto das relações com o espaço produzido diariamente, é os elementos com novas

formas e carregados de novos sentidos. Por isso, o Timboré é um território com novos

desafios por estar condensado com as novas formas de organização dos sujeitos, em um

determinado tempo. Entende- se ainda essa sociabilidade camponesa inerentes das

relações de vizinhança, é fruto dessa nova territorialidade que forma- se entre estes

grupos de vizinhança na comunidade, envolvendo novos valores e sentimentos.

Antônio Candido menciona que em um determinado período o caipira carregava

uma vida diferente do que se pode ver hoje.

A vida do caipira é fechada sobre si mesma, como a vida destas. A sua

atividade favorece a simbiose estreita com a natureza, funde- o no ciclo

agrícola, submetendo- o à resposta que a terra dará ao seu trabalho, que é o

pensamento de todas as horas. (CANDIDO, p. 95, 1964)

Atualmente a vida do caipira se ampliou. Ele não pode ser isolado das novas

demandas do capital que por sua vez vem se apropriando das parcelas de terra na região

para satisfazer o agronegócio da cana de açúcar. Aí a necessidade de se estabelecer

outra característica de vida na terra.

3. 2 Espaço e gênero: a distribuição das tarefas

Como já foi mencionado hoje o camponês não vive fechado, pois as relações

sociais estenderam- se alcançando espaços onde antes não era possível. Um clássico é o

processo de incentivo da produção de cana de açúcar, subordinando o camponês, e de

outro lado permitindo a sua recriação como fundamental para garantir a sobrevivência

59

do modo capitalista de produção. Guilherme Delgado trata da questão, fornecendo

elementos para a análise norteando que:

A transformação na base técnica da agricultura e a constituição do complexo

agroindustrial nos fins dos anos 60, é considerado como marco de

constituição do chamado complexo agroindustrial, denominado ainda por

alguns autores de arrancada do processo de industrialização do campo. Esse

processo caracteriza- se, fundamentalmente, pela a implantação no Brasil de

um setor industrial produtor de bens para a agricultura. Paralelamente

desenvolve- se ou moderniza- se em escala nacional, um mercado para

produtos industrializados de origem agropecuária, dando origem a formação

de simultânea de agroindustriais, em parte dirigido para o mercado interno e

em parte voltado para a exportação. (DELGADO;1985:34)

Compreendemos que isso transformou o campo e possibilitou a disputa tanto por

terra após o período e a disputa por outra forma de produzir e organizar a produção.

Por isso que Martins (1995) menciona que “O nosso campesinato é constituído com a expansão capitalista, como produto das contradições dessa expansão”. (p. 16)

É um processo contraditório que constroem- se dentro do capitalismo adquirindo

formas específicas. Martins nos fala que o capitalismo tem suas artimanhas de modo

que:

Embora, no caso brasileiro, o capitalismo não exproprie radicalmente o

agricultor, ele o expropria indiretamente, mediante a concentração de muita

terra nas mãos de pouca gente. (MARTINS;1995:141)

Vê- se que esta relação de concentração da terra também foi denunciada por

Ariovaldo, cujo, em sua analise denunciou que a grande propriedade só concentra e

produz para o agronegócio e que a pequena propriedade é quem produz mais alimento:

...os estabelecimentos controlados pelos camponeses no Brasil são

responsáveis por mais de 50 % do volume da produção agrícola e animal do

pais, embora disponham de apenas pouco mais de 20% das terras dos

estabelecimentos. Escapam desse controle apenas aqueles produtos agrícolas

nos quais o capital tem investido em maior escala como é o caso do trigo, da

soja, da laranja, do arroz e sobretudo da cana- de- açúcar; e também da

60

pecuária bovina cuja produção se concentra nos estabelecimentos acima de

100 ha. (OLIVEIRA; 2001:102)

Ariovaldo comenta ainda que:

O capital já unificou, articulou estruturalmente, a sua reprodução ampliada.

Hoje articulação entre o capital industrial, o capital comercial, e o grande

proprietário de terra, tem no Estado a mediação da sua reprodução e

regulação. A mediação e a regulação do Estado tem garantido todas as

condições para o processo de desenvolvimento do capital. (Oliveira;

2001:13-4)

Entende- se que os assentados tem clareza do “lugar” onde vivem, sentem que a

interferência da expansão da cana de açúcar na região vem favorecendo a

desvalorização das unidades camponesas.

Figura 10: Capela Projeto Liberdade, BEZERRA, Viviane dos Santos, 26/06/ 2011

61

Uma importante característica do camponês nesta área se vincula à religiosidade,

traço característico do campesinato. Uma religiosidade que faz parte de sua

compreensão do cotidiano e de suas práticas. Não se trata de um dogmatismo extremo,

mas uma forma de deixar as condições divinas a explicar os acontecimentos na vida

cotidiana.

A permanência na terra, a luta para conquistá-la e as

representações que retêm o substrato da vida camponesa são traços

muitas vezes de um tradicionalismo que surge resignificado. O

reconhecimento das territorialidades camponesas, nas suas diversas

formas, tem, no atual contexto, permitido identificar um campo de lutas

significativo.

Esses trabalhadores, no cotidiano da produção, são capazes de criar

espaços sociais que enunciam tempos diferenciados das relações sociais, muitas

vezes inscrevendo suas práticas dentro de lógicas diversas daquelas previstas

pela sociedade em geral. A linguagem religiosa, ritos e festas, muitas vezes

aparecem recobrindo o amplo universo das relações sociais, desenhando

espaços de resistência e preservação de conteúdos da cultura do

grupo.(CASTRO; 2009:160).

A bagagem cultural das famílias, sua origem e costumes, contribuem para a

organização do modo de vida dentro dos assentamentos. Isso implica no sentido de

novas formas de trabalho na terra, nos resultados da produção e na adoção de práticas e

mesmo de técnicas. A assentada Jandira nos relata que trabalhava de boia- fria e veio

para o acampamento na década de 1980:

“Quando eu vim pra cá meu objetivo era pegar um pedacinho de terra pra

gente viver sussegado, pra num tá trabalhando pro zoto, né, esse era meu

objetivo, por isso eu to aqui até hoje graças a Deus.” (Assentada Jandira

Vieira Pereira, 22/ 06/ 2011)

Compreendemos que não de trata apenas de um sonho, mas a quebra de barreiras

que impedia o acesso a terra no período. Após esta conquista compreende- se que

62

atualmente estas pessoas conseguem se ver como criadores de um território, mesmo

diante de todos os problemas, para Jandira a vida melhorou,

“ porque não preciso trabalhar mais ninguém, não vivo dominada por

ninguém, porque quando agente trabalha pro zoto a gente é dominado pelo

dono do serviço, não é? E aqui não, aqui agente trabalha conforme pode, a

hora que quer, a hora que não quer não trabalha hora que falar hoje vou

descansar ele descansa, né? não é igual quando tá trabalhando pro zoto todo

dia tem que tá ali, se almoça tem que ficar ali, esperando um poquim, já tem

que levantar quando os “gato” dá o grito você tem que levantar. E agora não

agora eu to sussegada.” ( Jandira Vieira Pereira, 22/ 06/ 2011)

F

Figura 11: Jandira Vieira Pereira e sua mãe. BEZERRA; 22/ 06/ 2011.

Por outro lado, esses personagens de sua própria história sentem que aquele

território que apresentava a concentração fundiária se manteve, mas transformado por

novos significados, como o de pertencimento, ao grupo e ao lugar. A paisagem, a

63

monocultura é presente em grande parte da região, articula- se de modo a reconfigurar a

contradição entre a “ terra de trabalho e a terra de negócio”.

A assentada Jandira transmite um passado pouco distante, onde o sentimento

ainda é guardado na lembrança. Ela se recorda de alguns momentos em que se sentia o

preconceito pelo povo sem terra, para ela,

Andradina mudou muito com nós, viu, porque no tempo que nois entramo

aqui nóis chegava na cidade tinha gente que até fechava a porta do

estabelecimento com medo da gente fazer alguma bagunça. Agora hoje não,

hoje todo mundo quer que a gente chega lá e vai fazer compra, mais di

primeiro nois era discriminado na cidade nóis não tinha valor algum em

Andradina. Hoje não,, hoje, mudou muito, né, todo mundo tá dando mais

valor”. (Jandira Vieira Pereira, 22/ 06/ 2011)

Esse sujeito nos remete a um passado pouco distante daquele que se viveu, porém, percebem uma diferença marcante entre passado e presente.

Figura 12 – Timboré faz parte de uma nova espacialidade. Bezerra, 2011.

A imagem posiciona um território que existe e que está no conjunto. Um lugar onde o campesinato tem se recriado cotidianamente. Recriação porque se dá através de processos não lineares dentro de sua reconstituição histórica.

A fronteira entre o campo e a cidade para o camponês acaba se acentuando quando vê que seu espaço existe, o camponês se sente inserido na sociedade, pois sabe

64

que quem passar por aquele caminho verá que ali, mesmo que delimitado, está o Timboré.

Os assentados vivenciam a realidade, por isso vão adquirindo percepções do lugar (o município a região). Entende- se que as relações cotidianas interferem no jeito de visualizar o mundo ao redor. Jandira comenta que: “A cana vai só acabando com a terra, né”?

Não se trata de serem diplomados pela universidade formal, mas sabem visualizar na realidade em que vivem que a terra, a água, o alimento, se não forem cuidados corretamente se perdem. Veem que a grande propriedade devasta esse solo, essa água, esse alimento, por isso a afirmação de que a “cana acaba com o solo”. Mas eles sabem que não é só o solo é o ambiente.

Para Jandira é fundamental apontar que:

“Nunca deixar de dar valor a quem véve na terra, por que tudo que nois

comemo ou quem mora na cidade, tudo vai da terra. Se todo mundo saí do

sítio e ir embora pra cidade, ai vai viver do que? Se ninguém plantar no

sítio?... sem a produção da terra nois não vive” : (Jandira Vieira Pereira, 22/

06/ 2011)

O camponês sabe o quanto é importante a atividade agrícola. Mas existem uma

série de questões que o modifica. A relação social a qual está submetido dentro do

capitalismo faz que o campesinato tenha uma autonomia relativa.

Atualmente a produção do leite se estendeu para este assentamento, a grande

maioria das famílias adaptou- se com a criação de gado leiteiro, por algumas questões:

primeiro, é parte de uma política do INCRA em destinar o crédito Pronaf apenas para a

compra de gado; segundo, quando ocorre a reforma agrária a maioria das fazendas tem

pastagem sendo desnecessário o gasto de imediato para gradear/ tombar (no caso se

fosse plantação); terceiro, é uma região quente e a agricultura em maior escala acaba

por ser um risco para o camponês; quarto, o tamanho dos sítios acabam por ser

pequenos para consorciar várias atividades da agricultura e pecuária; e talvez o mais

fundamental: o gado com o leite garante uma renda mínima mensal para estes

camponeses enquanto o milho o algodão por exemplo, só a partir de alguns meses.

A distribuição das chuvas nesta região permite “certo receio” em arriscar na

produção além da subsistência. Vejamos nessa pesquisa feita pelo INCRA para aprovar

65

o projeto que potencializaria a perfuração de poços para a distribuição de água nos

assentamentos.

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Fonte : CATI

mm

Figura 13 - Média do regime pluviométrico de 2000 a 2008, na região de Andradina; Fonte: INCRA

Notamos que as chuvas se concentram em alguns meses. E para o camponês que não

possui tecnologia se torna um empecilho produzir durante todo o ano.

Os lotes tem de área em torno de 15 hectares, pelo menos a metade destina-se a

pecuária sendo utilizada como pastagem, com o plantio de campineira ou produção de

silo e cana para alimentar o gado no período da seca. Como se pode ver a produção de

leite no assentamento nos meses de Junho e Julho tem uma queda devido a estiagem.

Vejamos:

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

J F M A M J J A S O N D

Fonte: ASSOCIAÇÃO 19 DE AGOSTO/COAPAR/COATAC

litro

s

Figura 14 - Variação da produção de leite no P.A Timboré em 2008 – Fonte:INCRA

66

E a maioria dos assentados tem na pecuária de leite sua principal fonte de renda

quer pela venda diária do leite, quer pela venda de bezerros-garrotes. E também a forma

usual de renovação do plantel (rebanho).

Embora seja a principal atividade a pecuária não e a única desenvolvida pelo

assentado. Existem as produções corriqueiras de milho e feijão. Tem- se ainda a

produção de quiabos, abóboras, mandiocas, frutas e verduras e outros. Tendo como base

o consumo predominantemente familiar e o excedente para a comercialização.

Atualmente o assentamento conta com 4 tanques resfriadores de leite que é a

principal atividade econômica de renda para as famílias, empecilho é que muitas vezes

são subordinados as grandes empresas da região incluindo Nestlé, isso diminui o preço

do leite possibilitando uma renda não satisfatória para o assentado;

Cabe uma ressalva entre Projeto Liberdade e o Projeto Chico Mendes. Durante a

década final de oitenta ainda no início do acampamento com as famílias que vieram e

ocuparam a área da Fazenda Pendengo e posteriormente a Timboré, em 1989, eram um

grupo que se denominava de Projeto Liberdade. Pois tinha como princípio a Liberdade

que almejavam e que não tinham nas cidades. Era uma forma de transmitir um sonho

através do nome do acampamento: Projeto Liberdade. Que carregava a ideia de um

novo jeito de sociedade.

Em 1991 tendo em vista que as famílias do Projeto Liberdade não eram

suficientes para ocupar todo o solo da Timboré, outro grupo denominado Chico Mendes

ocupou outra parte da fazenda. Assim de inicio para as famílias o Assentamento teria os

dois nomes. Mas o INCRA na época convenceu as famílias de mudar de nome do

assentamento argumentando que ficaria mais difícil institucionalmente lidar com um

assentamento com dois nomes. Neste sentido, induziu as famílias a permanecerem o

nome da fazenda, no caso, apenas Timboré.

Para os assentados, quando se definiu o nome Timboré, deixou de lado o sentido

de um projeto de vida diferente, as futuras crianças certamente terão que ler para

entender o sentido da luta que não se ve apenas com a palavra Timboré.

O Projeto Liberdade ao norte do assentamento, enquanto o Chico Mendes ao

Sul. Nesse sentido, cabe- nos fazer a definição que os assentados se autodenominam.

Eles se denominam enquanto moradores do Projeto Liberdade e Chico Mendes.

Além dos tanques há dois Postos de Saúde (UBS- Unidade Básica de Saúde)

que atende uma vez por semana os casos mais práticos (dos projetos: Chico Mendes e

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Liberdade); uma escola para ser inaugura para atender as crianças de 03 à 05 anos de

idade ( Agrovila do Liberdade), a luta é para que seja ampliada para atender no mínimo

até o 5° ano do Ensino Fundamental; Duas igrejas católicas ( uma Chico Mendes e outra

no Liberdade); Igrejas evangélicas; campo de futebol em bom estado no Chico Mendes

e outo no Liberdade.

Figura 15 - Produção de leite - Valdemir de Souza. BEZERRA; 15/06/ 2011.

Embora a produção de leite não seja muito satisfatória, mas acaba por ser um

dos elementos em que os assentados se sentem mais seguros, pois as lavouras estão sob

o comando da natureza (no caso o pequeno produtor), e por outro lado por ser uma

atividade que se tem um retorno mensal.

As produções das lavouras se dão em menor quantidade, embora se tenha a

produção do básico para alimentar os animais, como os porcos, galinhas, patos gansos, e

outros. Pois sabemos que:

...na pequena propriedade camponesa uma parte da produção

agrícola entra primeiro para e fundamentalmente no consumo do produtor do

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camponês, como meio de subsistência imediato, e outra parte, o excedente, é

comercializado sob a forma de mercadoria. (OLIVEIRA; 2001: 51)

O avanço da agricultura capitalista provocou um reordenamento da região

provocando disputas por território. Por um lado o capitalista, por outro o camponês.

Para Martins o camponês luta contra: “É uma luta contra a conversão da terra de

trabalho, terra utilizada para trabalhar e produzir, em terra de exploração, terra para

especular e explorar o trabalho alheio.” (MARTINS; 1995: 145)

Nesse sentido, estamos em um processo onde, segundo Martins, “A tendência do

capital é a de tomar conta progressivamente de todos os ramos e setores da produção, no

campo e na cidade, na agricultura e na indústria.” (MARTINS; 1995:152)

Isso implica na vida dentro dos assentamentos subordinando as famílias

assentadas. Dificultando a venda de seus produtos.

Essa é fundamental para o camponês, vejamos:

O ciclo M-D-M parte de um extremo constituído por uma mercadoria e

conclui no outro configurado por outra mercadoria, a qual sai da circulação e

entra na órbita do consumo. Portanto, o consumo, a satisfação de

necessidades ou, em uma palavra, o valor -de- uso, é seu objeto final. D-M-

D, ao contrário, parte do extremo constituído pelo dinheiro e retorna

finalmente a esse mesmo extremo. Seu objetivo impulsionador e seu objetivo

determinante é, portanto, o valor- de- troca mesmo. Na circulação simples

de mercadorias, ambos os extremos possuem a mesma forma econômica.

Ambos são mercadorias. E, além disso, são mercadorias com igual

magnitude de valor. Mas são valores- de- uso qualitativamente diferentes,

por exemplo, trigo e roupas de vestir. O intercâmbio de produtos, a mudança

dos diferentes materiais nos quais o trabalho socialse representa, configura

aqui o conteúdo do movimento (Marx apud OLIVEIRA; 2001: 53)

Dessa forma.

na unidade produtiva camponesa, a força de trabalho é utilizada segundo seu

valo- de- uso, pois é como atividade orientada de transformação de objetos

que a capacidade de trabalho de cada membro possui significado para a

família. Não se realiza a separação do trabalho da pessoa do trabalhador nem

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a consequente conversão da força de trabalho em mercadoria. Cada pessoa

da família camponesa desempenha um trabalho útil e concreto, segundo o

momento e a necessidade. Desse modo, estrutura- se no interior da família

uma divisão técnica do trabalho, articulada pelo processo de cooperação,

resultando numa jornada de trabalho combinada dos vários membros da

família. Nesse sentido, a família camponesa transforma- se em um

trabalhador coletivo ( Tavares dos Santos apud OLIVEIRA; 2001:55-6)

Figura 16 – Estocagem da colheita de urucum. BEZERRA; 2011.

Aqui os filhos lidam com terra desde pequenos, obedecendo a distribuição de

tarefas dentro da família. As mulheres apresentam uma inserção muito forte nesta área

grande parte dos lotes é de responsabilidade das mulheres de lidar com o sítio: são elas

que ordenham as vacas, plantam as suas hortas, ou seja, a divisão do trabalho aumentou

a demanda de atividades para as mulheres. Seria as mulheres “o homem da casa”.

O camponês tem um sentimento de riqueza, que não há dinheiro que pague,

“Agradeço eu tá no meu sitinho tranquila porque o sofrimento foi demais então DEUS deu essa benção pra mim ficar tranquila, né? Que

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posso receber qualquer fi qualquer pessoa que vem eu posso receber no meu sítio e tudo e tem de tudo que pessoa querer, né? então é a coisa mio do mundo isso aí”( Assentada Maria de Souza, entrevista 19/ 06/ 2011)

A terra não é mercadoria, por isso quando falamos em vender a propriedade

comentam: “Não. Eu não vendo por preço nenhum. Não, de jeito nenhum. Aqui onde

nóis mora é qui nem uma cidade, né?”... (Assentada Maria de Souza, entrevista 19/ 06/

2011)

Para estes camponeses eles:

“Agora, puxa vida, agente tá no céu. Eu adoro, adoro, adoro, este sitinho meu

aqui” (Assentada Maria de Souza, entrevista 19/ 06/ 2011).

Ou como escreve Mirtes em seus versos:

O velho termina chorando e o novo dando risada

O povo da Timboré enfrenta qualquer parada

Nos viemos de tão longe para uma grande explicação

Queremos deixar avisado para esta população

Se algo de mal vier acontecer não precisa mandar um caixão

Pois vamos servir de adubo para aquele pedaço de chão

Ali vem outras famílias e faz novas ocupações

Somos filhos da mesma terra orgulho dessa nação

Quando vivia desempregado era grande preocupação

Aonde os filhos chorava eu não tinha solução

Hoje tenho de tudo naquele pedaço de chão

Tenho o milho, tenho o arroz tenho o feijão

Levanto de manhazinha com grande emoção,

Olho na minha mesa não falta o leite não falta o pão

Esta é a garantia de ter um pedaço de chão!

(Assentada Mirtes de Paula oliveira, entrevista 17/ 06/ 2011)

O processo de enfrentamento modificou a vida dessas famílias, impondo novos

rumos. Renier Parren , uma das lideranças do MST, protagonista das lutas na região,

cita em uma das entrevistas: “...no começo dos assentamentos teve um grande interesse

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na produção com lavouras, mas, as iniciativas foram fracassadas durante o governo de

Fernando Henrique Cardoso.” (Parren; 2011).