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CAPITULO_18 - sub-rogação

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DO PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

Sumário: 18.1 – Considerações introdutórias. 18.2 – Definição de sub-rogação que provém do pagamento. 18.3 – Natureza jurídica. 18.4 – Espécies de sub-rogação. 18.5 – Sub-rogação legal. 18.5.1 Do credor que paga a dívida do devedor comum. 18.5.2 – Do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário, bem como do terceiro que efetua o pagamento para não ser privado do direito sobre o imóvel. 18.5.3 – Do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. 18.6 – A sub-rogação convencional. 18.7 – Efeitos da sub-rogação.

18.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS A fiança é um contrato por via do qual uma pessoa se compromete para com o credor de outra pessoa, a satisfazer uma obrigação, caso o seu devedor não a cumpra. Esta definição está no Código, art. 818 in verbis: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor,

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caso este não a cumpra”. É contrato de natureza unilateral e gratuito que se desenrola, portanto, entre o fiador e o credor do afiançado. É unilateral porque gera obrigação somente para o fiador e vantagem para o credor; gratuito porque o fiador não aufere nenhum benefício. É serviço de amigo, ato desinteressado.

Imaginemos um fiador pagar a dívida de seu afiançado. Para evitar um enriquecimento sem causa do afiançado, a lei, compulsoriamente (CC, art. 831), fornece ao fiador o direito de ficar no lugar do credor para receber o que desembolsou, surgindo, assim, a sub-rogação, ou seja, a dívida continua a subsistir em relação ao devedor, que passa a ter por credor o próprio fiador. Por oportuno, merece transcrição o teor do art. 80 do CPC, in verbis: “A sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-devedores a sua quota, na proporção que lhes tocar”. Houve, portanto, uma troca de credores, ou a colocação de uma pessoa em lugar de outra.

A palavra sub-rogação vem do latim sub-rogatio, de sub-rogare e significa “substituir”, “passar para outrem”. Quando o promitente-comprador de imóvel cede seus direitos a terceiro, opera-se a sub-rogação em favor deste, que passa a substituí-lo na relação jurídica, ou seja, o cessionário substitui o cedente. É o mesmo fenômeno que ocorre quando uma pessoa casada aluga um prédio para a moradia da família; havendo a separação judicial ocorre a sub-rogação pessoal, deixando um dos cônjuges de ocupar sua posição na relação jurídica e a locação prosseguirá, automaticamente com o cônjuge que permanece no imóvel (art. 12163 da Lei nº 8.245/91 - Lei do Inquilinato). Do mesmo modo, vendido o imóvel alugado no curso do contrato, o adquirente se sub-roga nos direitos e obrigações do locador (in RT 708/135). 163 Art. 12 da Lei 8.245/91 = “Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel”. Parágrafo único. “nas hipóteses previstas neste artigo, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador...”.

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O nosso Código Civil trata da sub-rogação pessoal164, mas o faz apenas como modalidade de pagamento, ou seja, a sub-rogação que provém do pagamento. A cessão de crédito que já foi vista, também é uma modalidade de sub-rogação de pessoa, mas não provém de pagamento.

Como modalidade de pagamento, a sub-rogação visa tutelar terceiro que venha a solver dívida alheia, como acontece, por exemplo, quando um segurador paga indenização ao segurado que não agiu com culpa em um abalroamento de veículos. Como em tais situações responde sempre o culpado, e o segurador tem obrigação de indenizar o seu segurado por força do contrato de seguro, opera-se também a sub-rogação; o segurador passa a ocupar o lugar do segurado, tendo ação regressiva contra o indigitado causador do dano (Súmula nº 188 do STF). A propósito, o TJSP já decidiu que a “seguradora que pagou indenização ao segurado tem ação regressiva contra o causador do dano, devendo, porém, provar a culpa deste” (in RT 466/99). Analise a seguinte ementa de certo acórdão: “Se a seguradora pagou à segurada os prejuízos ocorridos, em razão de perda total da mercadoria transportada, por força de contrato de seguro, cabe-lhe, como sub-rogada, reaver o valor despendido do transportador, porquanto este responde pelas mercadorias que lhe são entregues, desde o recebimento até a entrega em seu destino” (in RT 685/153).

18.2 DEFINIÇÃO DE SUB-ROGAÇÃO QUE PROVÉM DO PAGAMENTO

No pagamento realizado por terceiro, por exemplo, onde um fiador efetua o pagamento por não ter o afiançado cumprido com sua obrigação, opera-se a sub-rogação pessoal, continuando a subsistir a dívida para o devedor, pois o objetivo do instituto é o de tutelar aquele que solveu a dívida alheia. Haverá, pois, a substituição do

164 Há a sub-rogação real, que é a substituição de coisas, ou seja, uma coisa é substituída por outra; a sub-rogação pessoal é a substituição de uma pessoa por outra.

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credor, pela pessoa que pagou em lugar do devedor, continuando a obrigação a subsistir para o devedor. Se o avalista, por exemplo, pagar títulos em operação de alienação fiduciária, por força de lei ele se sub-roga em todos os direitos, ações, privilégios e garantias, em relação à dívida, contra o devedor principal.

Clóvis Beviláqua define a sub-rogação como “a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação, ou emprestou o necessário para solvê-la”.165 Por essa definição, tem-se que, os direitos que tinha o credor passam para aquele que, em lugar do devedor, efetuou o pagamento, continuando o vínculo obrigacional entre devedor e aquele que substituiu o credor. 18.3 NATUREZA JURÍDICA Os doutrinadores divergem no que concerne à natureza jurídica da sub-rogação, entendendo uns tratar-se de uma cessão de crédito; outros, de um instituto autônomo.

Na cessão de crédito, embora haja verdadeira substituição de pessoas, como acontece na sub-rogação, a transferência se dá antes da liquidação da dívida, ocasião em que o cessionário166 passa a ser o sucessor, por ato entre vivos, do cedente. Na sub-rogação a substituição de pessoa se dá depois de efetuado o pagamento da obrigação, quando um terceiro paga a dívida vencida no lugar do devedor, ficando, por isso, com os direitos do credor, a quem pagou. Confira-se pelo aresto seguinte: “Não pode o fiador cobrar do afiançado dívida de que é co-responsável, mas ainda não pagou. A sub-rogação opera-se só após o pagamento” (in RT 553/183).

Existem, ainda, outras características distintivas entre esses dois institutos que fazem com que um não se confunda com o outro; basta, para isso comparar a sub-rogação com a cessão de crédito, analisadas no capítulo 11. 165 Ob. cit., vol. IV, p. 116. 166 Cessionário = aquele que recebe, adquire, passa a ser o sucessor, por ato entre vivos, do cedente (aquele que transfere o direito para o cessionário).

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O entendimento de ser um ato misto (um pouco de pagamento e um pouco de cessão de crédito), também não tem razão de ser, visto que no pagamento há a extinção da dívida, o que não ocorre na sub-rogação.

A corrente aceita pela maioria, tende a considerar a sub-rogação como uma verdadeira ficção jurídica, um instituto autônomo através do qual o crédito, com o pagamento, extingue-se em face do credor satisfeito, não do devedor, havendo apenas uma mudança subjetiva do sujeito ativo na relação obrigacional. 18.4 ESPÉCIES DE SUB-ROGAÇÃO Uma decisão: “Execução contra avalista. Pagamento total da dívida, custas processuais e honorários advocatícios. Possibilidade de cobrar do emitente, ante a sub-rogação legal, o montante desembolsado” (in RT 642/197).

Portanto, tendo o avalista pago o débito, objeto de execução, sub-roga-se no direito de cobrar do emitente da nota promissória, isto por força do art. 32 da Lei Uniforme de Genebra, que estabelece: “Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado e contra os obrigados para com esta, em virtude da letra”. Trata-se, pois, da sub-rogação legal, aquela que se opera por força de lei, independente do consentimento do devedor e da declaração expressa do credor. Quando a sub-rogação provém de uma convenção, de um acordo firmado pelo devedor e um terceiro, ela não é legal, mas sim convencional.

Há duas espécies de sub-rogação: 1) a que resulta da lei, operando de pleno direito, automaticamente; 2) a que resulta da vontade das partes, tendo como fonte, o contrato entre o terceiro e o credor ou entre o terceiro e o devedor. A primeira é conhecida como sub-rogação legal e a segunda, como sub-rogação convencional. “É legal e não convencional a sub-rogação da seguradora nos direitos e ações de seu segurado uma vez que aquela efetue o pagamento da

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dívida pela qual era ou podia ser obrigada, no todo ou em parte (art. 985, III, novo, art. 346) do CC)” - (in RT 541/260).

Clóvis Beviláqua, focalizando essas duas espécies, comenta: a legal, é a que a lei “estabelece, mas permite que a vontade das partes a dispense; e a convencional, que as partes concordam em criar”.167 18.5 SUB-ROGAÇÃO LEGAL Três são os casos de sub-rogação legal previstos pelo Código Civil segundo a dicção textual do seu artigo 346:

“A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

I – do credor que paga a dívida do devedor;

II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte”.

18.5.1 Do credor que paga a dívida do devedor comum Este é o caso do devedor que possui mais de um credor, um deles com direito de receber antes do outro. Assim, suponhamos “A” e “B”, credores de “C”, sendo “A” portador de crédito preferencial. “B” é, portanto, credor quirografário168, ou seja, “B” receberá depois de “A”, se sobrar crédito. Para que “B” não fique prejudicado, caso “A” pretenda cobrar, a lei permite que “B” pague ao credor preferente “A”, sub-rogando-se em seus direitos e passando a ser credor preferencial. 167 Ob. cit., vol. IV, p. 116. 168 Quirografário = uma significação oposta a preferencial. Sem qualquer direito de preferência.

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18.5.2 Do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário169, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado do direito sobre o imóvel “A” adquire um imóvel sobre o qual pesa mais de uma hipoteca. Um dos credores hipotecários, em seguida, procura executar a hipoteca, obrigando “A” a pagar a dívida do devedor hipotecário. “A”, neste caso, se sub-roga nos direitos do credor hipotecário, ficando garantido contra os outros credores hipotecários, que poderão executar a hipoteca. Veja a conclusão oferecida pelo Prof. Antônio Chaves: “Se o segundo credor hipotecário vier a executar o seu crédito, defrontará o adquirente não simplesmente com o titular de uma propriedade gravada de ônus real hipotecário, mas, igualmente, como um credor com preferência sobre o crédito do segundo credor exeqüente, que só terá direito ao remanescente do valor depois de pago o próprio adquirente na proporção do crédito que ficou sub-rogado”.170

Analisando essa situação, o Prof. Sílvio Rodrigues explica: “A hipótese, em rigor, só se compreende quando o prédio está onerado por mais de uma hipoteca e o adquirente, resgatando a primeira, adquire preferência sobre os outros credores hipotecários e vale-se de sua posição para dificultar, ou mesmo impedir, a execução que estes desejam promover”.171

Washington de Barros Monteiro também observa: “O dispositivo aplica-se, porém, àqueles casos em que o preço pago pelo adquirente não basta para saldar as dívidas contraídas com todos os credores por hipotecas inscritas. Aqueles que não fossem atendidos poderiam, portanto, excutir172 o imóvel hipotecado. Levado à praça e

169 Credor hipotecário = um de seus direitos é o de preferência, pelo qual deve ser pago o valor de seu crédito, com o preço de sua venda, antes de qualquer outro credor. 170 Tratado de Direito Civil, vol. 2, tomo 1, RT, S. Paulo, 1.984. p. 254. 171 Dir. Civil, Parte Geral das Obrigações, vol. 2, Saraiva, S.Paulo, 2.002, p. 181. 172 Excutir = executar judicialmente os bens de um devedor principal.

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arrematado por terceiro, ficaria o adquirente privado de sua propriedade. Ressalva-lhe então a lei, nessa eventualidade, direito ao reembolso do preço que havia pago aos credores hipotecários, podendo apresentar-se como sub-rogado deles no concurso que se instaure sobre o produto da arrematação”.173

Há, ainda, a situação de um terceiro efetivar o pagamento para não ser privado de direito sobre o imóvel. Existindo pessoas que tenham algum direito sobre o imóvel, e, para não perdê-lo, pagam a dívida do proprietário, sub-rogando-se nos direitos do credor. É o que ocorre com o promitente comprador que paga a dívida sobre o imóvel existente e não liquidada pelo promitente vendedor, sub-rogando nos direitos do credor. Sílvio Rodrigues explica ser rara essa situação, “porque na prática ninguém adquire imóvel sem se munir das certidões negativas de ônus reais e, desse modo, se houver hipoteca, o negócio de compra e venda só se efetua se o preço ou parte dele se destinar ao resgate da dívida assim garantida”.174

18.5.3 Do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte

O inciso III do artigo 346 do Código Civil, ao se referir ao “terceiro interessado”, usa esta expressão, em relação à pessoa que é obrigada a pagar a dívida por força de uma responsabilidade assumida, solidária, indivisível ou subsidiária. Um devedor qualquer, que não está obrigado ao pagamento, não é terceiro interessado com direito a solver com sub-rogação. “Se os administradores do imóvel locado efetuam o pagamento de débito de aluguéis do locatário, - decidiu o tribunal - agem na qualidade de terceiros não interessados, o que lhes dá direito ao reembolso das importâncias despendidas, na forma do art. 930 (novo, art. 304), parágrafo único, do CC, não se operando a sub-rogação legal prevista no art. 985 (novo, art. 346),

173 Ob. e vol. cits., p. 282. 174 Ob. E vol. cits., p. 181.

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III, do referido Código, que existe para melhor proteção e tutela do direito próprio, e não de outro direito” (in RT 613/156).

Carvalho Santos, comentando o inciso III do art. 985 (novo, art. 346), preleciona: “Do terceiro interessado, que paga dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. A sub-rogação nesta última hipótese prevista no artigo supra, tem a sua explicação natural: é meio que a lei fornece a quem se vê obrigado a pagar a dívida de outrem para reaver o que desembolsou, evitando o enriquecimento sem causa do devedor. Três são os requisitos essenciais para que se verifique essa espécie de sub-rogação: a) o pagamento; b) a qualidade de coobrigado da parte de quem paga; c) o interesse de quem paga para extinguir a obrigação”.175

O instituto da sub-rogação legal tratado aqui tem por fim tutelar apenas o terceiro interessado que é ou pode ser obrigado a pagar dívida alheia, como já demonstramos em relação ao avalista ou ao fiador. Analisemos, ainda, a situação prevista pelo artigo 259 do Código Civil e seu respectivo parágrafo:

“Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda.

Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados”.

Devido à impossibilidade de dividir a prestação de obrigação indivisível, um dos coobrigados paga a dívida em sua integridade; não podendo o solvente arcar sozinho com o peso da responsabilidade que era de todos, a lei lhe dá o direito de regresso da parte que competia aos outros, com o fim de restabelecer a igualdade entre os coobrigados, fazendo surgir a regra do parágrafo único supra. Como é a própria lei que o diz, a sub-rogação opera-se de pleno direito como se repousasse no fundo uma idéia de convenção tácita ditada pela eqüidade. Mas, na realidade, o solvente é terceiro a pagar a dívida alheia em relação à parte que competia aos outros. Esta

175 Ob. cit., vol. XIII, p. 77.

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situação, assim como acontece em relação ao artigo 9l3 (novo, art. 283) do Código Civil, está em perfeita sintonia com o princípio do artigo 346, III, do CC, tese defendida por Clóvis Beviláqua e contradita por C. Mendonça. Este entende que o devedor não é terceiro interessado no pagamento, porque a dívida é contraída por ele próprio; é também obrigado. Estamos com Clóvis Beviláqua por entendermos que o co-devedor interessado no pagamento da dívida comum e, pagando-a, paga a sua e a parte alheia, tornando-se terceiro em relação aos seus consortes.

O referido artigo 283 do CC: “O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores”. Trata-se da solidariedade passiva que tem o princípio da obrigação indivisível: todos os devedores respondem pela dívida inteira, obtendo o devedor que paga a dívida, o regresso contra os que nada pagaram.

A essa altura, indaga-se: O segurador que, ao pagar a indenização ao segurado, não o faz como terceiro, e sim como devedor, em decorrência do contrato de seguro, sub-roga-se de pleno direito nos direitos do segurado?

A relação que nasce do contrato de seguro, por sua natureza, não faz operar a sub-rogação legal quando ocorre o sinistro. O segurador paga ao segurado apenas o prêmio prometido. O nosso direito admite expressamente a sub-rogação de pleno direito nos casos de seguro marítimo (Cód. Comercial, art. 728), mas não no seguro terrestre. Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estendeu a solução aos contratos de seguros em geral (Súmula176 nº 188), in verbis: “O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro. Para esse efeito não se distingue entre

176 A súmula dos Tribunais, inclusive do STF, não tem efeito vinculante. Assim, ainda que o Supremo Tribunal tenha pacificado um entendimento, nenhum juiz é obrigado a seguir a orientação, podendo dela discordar.

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o seguro marítimo e o terrestre”.177

Tratando-se de jurisprudência dominante no STF, apesar do contrato de seguro não coadunar, por sua natureza, com a sub-rogação legal, nem existir lei expressa que autorize a sub-rogação em relação ao seguro de natureza terrestre, enquanto o Tribunal Maior não modificar seu entendimento, admitir-se-á a sub-rogação de pleno direito no seguro em geral, seja qual for a sua espécie.

Contudo, nos Tribunais de Justiça dos Estados as divergências continuam. Parte do TJMG, por exemplo, vem decidindo pela impossibilidade da sub-rogação legal para os seguros terrestres. Transcrevo o voto do Des. Horta Pereira: “Aquele douto voto, adotando os impressionantes argumentos do eminente Lopes da Costa (“Jurisprudência Mineira”, vol. VII/108), de Baudry et Barde (“Delle Obligazioni”, vol. II, nº 1.560, pág. 685) e de Gonçalves de Oliveira (RF, vol. 157/59), me convenceram de que realmente salvo para os seguros marítimos, não têm as seguradoras a sub-rogação legal nos possíveis direitos do segurado contra terceiros, sob pena de se transformar o negócio de seguros em ‘um negócio da China’, segundo a pitoresca expressão de Lopes da Costa” (in RT 440/207).

Portanto, quando o terceiro interessado paga a dívida ocorre a sub-rogação legal, aquela que se opera por força de lei, como é o caso do fiador, ou do avalista, que paga a dívida do afiançado ou do avalizado (in RT 668/107)178; são igualmente interessados os adquirentes de imóveis alugados ou emprestados, sub-rogando-se nos direitos e obrigações do antigo vendedor. “Vendido o imóvel no curso do contrato, o adquirente se sub-roga nos direitos e obrigações do locador, entre os quais o de rever o aluguel” (in RT 708/135). “Quando novos adquirentes compram o imóvel dado em comodato, nele se sub-rogam, podendo, daí, promover ação de reintegração de posse” (in RT 715/215).

177 Recurso extraordinário nº 68.120, rel. Min. Bilac Pinto, DJU de 13.11.70, p. 573. 178 RT 668/107: “Pagando a dívida cambial, fica o avalista simultâneo legalmente sub-rogado no crédito (arts. 913 e 985, III, do CC)”.

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18.6 A SUB-ROGAÇÃO CONVENCIONAL

Diz-se convencional, a sub-rogação que decorre da vontade das partes, resultado do acordo com um dos interessados.

A lei prevê duas hipóteses desta espécie de sub-rogação, consoante mostra o art. 347 do CC, in verbis:

“A sub-rogação é convencional:

I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos;

II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito”.

Ambas as espécies devem ser expressas como indica o art. 348: “Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito”. Portanto, o que está no inciso I é uma espécie de cessão de direito, analisada no capítulo 11, deste livro. 18.7 EFEITOS DA SUB-ROGAÇÃO Suponhamos que “A” adquira um veículo pelo sistema de alienação fiduciária, e “B” seja o avalista. A financeira (fiduciante ou credora fiduciária) é a proprietária única e exclusiva do automóvel. Esta propriedade só será transferida automaticamente para o fiduciário “A” com o pagamento total do débito. Existe, pois, uma propriedade resolúvel, como declara expressamente o artigo 1.361 do CC. Enquanto o devedor “A” estiver cumprindo com as suas obrigações, terá ele a posse direta do veículo na condição de depositário; se deixar de pagar as prestações, a credora fiduciária terá dois caminhos distintos: 1) constituir o devedor “A” em mora, para depois mover a ação de busca e apreensão; 2) acionar o avalista “B” e convidá-lo a pagar a dívida do avalizado, sob pena de execução.

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Suponhamos que o fiduciante escolha o segundo caminho, e o avalista “B” pague apenas as prestações vencidas. O artigo 1.368 do CC dispõe: “O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária”.

Mas “B” ainda não pagou a totalidade da dívida. Indaga-se: ocorreu a sub-rogação de pleno direito?

A lei não faz nenhuma restrição. Considerando que o instituto da sub-rogação tem por fim tutelar aquele que vem solver dívida alheia, interpretar-se-á a lei a favor deste.

Com a sub-rogação, o novo credor investir-se-á do direito do credor primitivo por força do art. 349 do Código Civil, que assim diz:

“A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.

Esta norma indica o efeito maior da sub-rogação, que é a transferência de direitos, ações, privilégios e garantias e, assim, o novo titular se investirá de titularidade para usar de todos os meios à disposição do credor primitivo. Ora, se a financeira podia postular a busca e apreensão do veículo, o novo credor sub-rogado, será também legitimado ativo, para mover idêntica ação (in RT 432/170, 475/165). É que, onde não há norma restritiva, a sub-rogação possui a plenitude que lhe confere o artigo supra. Mesmo não tendo o novo credor pago a totalidade da dívida, poderá ele, no exercício do poder da sub-rogação, acionar o devedor da maneira que entender, a fim de efetivar a satisfação do seu crédito.

Após a posse direta do veículo, seguir-se-ão os trâmites legais previstos pelo art. 1.364 do CC, podendo, no final, o novo credor vender o bem, visto que o credor fiduciário estará proibido de ficar com a coisa se a dívida não foi paga no vencimento (CC, art. 1.365).

Entretanto, tratando-se de sub-rogação legal, segundo a hipótese trazida à colação, o sub-rogado (“B”) só poderá reclamar o que tiver desembolsado para desobrigar o devedor, como diz o art. 350 do Código Civil, in verbis:

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“Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor”.

Tal situação é diferente da sub-rogação convencional, pois depende da vontade das partes, podendo estas limitarem os direitos do sub-rogado, consoante ensinamento de Clóvis Beviláqua.179 É que a sub-rogação legal foi instituída para assegurar o recurso do sub-rogado, apenas, permitindo-lhe o reembolso do que pagou e nada mais.

Não devemos nos esquecer, conforme a hipótese, de que o credor originário ou a financeira recebeu parte do seu crédito e, segundo disposição prevista no art. 351 do Código Civil, terá a preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante. Transcrevo o artigo citado para maior conhecimento:

“O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem, para saldar inteiramente o que a um e outro dever”.

Exemplificando: Suponhamos que o crédito inicial da financeira seja de R$ 50.000,00 e que o devedor já tenha pago R$ 10.000,00 quando o avalista paga mais R$ 10.000,00. Vendido o bem, resultam R$ 32.000,00; o credor originário (financeira) receberá R$ 30.000,00 e o sub-rogado ficará com o remanescente R$ 2.000,00, ressalvado seu direito de exigir do devedor os outros R$ 8.000,00.

Portanto, na sub-rogação parcial, a preferência é do credor primitivo, embora existam muitas críticas visando à igualdade dos direitos do sub-rogante e do sub-rogado.

179 Ob. cit., vol. IV, p. 118.

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JURISPRUDÊNCIA

1. “Nota promissória - Execução contra o avalista. Pagamento total da dívida, custas processuais e honorários advocatícios. Possibilidade de cobrar do emitente, ante a sub-rogação legal, o montante desembolsado” – RT 642/197.

2. “Quando novos adquirentes compram o imóvel dado em comodato, nele se sub-rogam, podendo, daí, promover ação reintegratória de posse” – RT 715/214.

3. “Vendido o imóvel no curso do contrato, o adquirente se sub-roga nos direitos e obrigações do locador, entre os quais o de rever o aluguel” – RT 708/135.

4. “Admitindo a recorrente a condição de ex-mulher do primitivo locatário, de quem se separou consensualmente, permanecendo no imóvel, operou-se a sub-rogação da locação ajustada pelo marido, em conseqüência do art. 12 da atual lei do inquilinato, tal como acontecia no art. 13 da revogada Lei 6.649/79, assumindo o recorrente a condição de locatária” – RT 699/118. No mesmo sentido: RT 671/176, 666/133, 658/134.

5. “Pagando a dívida cambial, fica o avalista simultânea e legalmente sub-rogado no crédito (arts. 9l3 e 985, III, do CC), podendo a cada um dos demais avalistas simultâneos cobrar a respectiva cota em processo de execução por título extrajudicial (art. 567, III, do CPC)” – RT 668/107. No mesmo sentido: RT 607/187.

6. “O contrato de arrendamento rural celebrado com o usufrutuário, sem participação do nu-proprietário, prorroga-se ocorrendo a morte daquele, sub-rogando-se o adquirente da propriedade plena nos direitos e obrigações dele decorrentes, independentemente de cláusula expressa e registro” – RT 663/135.

7. “Tratando-se de avais em branco e superpostos, e, portanto, simultâneos, e não sucessivos, aquele que paga a dívida cambial fica sub-rogado no crédito (CC, art. 985, III), podendo cada um dos demais avalistas simultâneos cobrar a respectiva cota, em processo de execução por título extrajudicial” – RT 656/104.

8. “Inexistindo prova do pagamento da indenização ao segurado,

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Direito das Obrigações

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não há falar em sub-rogação de direitos pela seguradora” – RT 652/100.

9. “Se a seguradora pagou à segurada os prejuízos ocorridos, em razão de perda total da mercadoria transportada, por força de contrato de seguro, cabe-lhe, como sub-rogada, reaver o valor dispendido do transportador, porquanto este responde pelas mercadorias que lhe são entregues, desde o recebimento até a entrega em seu destino” – RT 685/153. No mesmo sentido: RT 789/205, 620/119.

10. “Contratada a locação por compromissário comprador do imóvel devidamente imitido na posse, na hipótese de resilição bilateral do compromisso de compra e venda ocorre a sub-rogação legal do ajuste locatício, assumindo o compromissário vendedor a qualidade de locador, devendo respeitar o ajuste ainda que não registrado, até que pela ação de despejo cabível promova a retomada do imóvel” – RT 622/139.

11. “Se os administradores do imóvel locado efetuam o pagamento de débito de aluguéis do locatário, agem na qualidade de terceiros não interessados, o que lhes dá direito ao reembolso das importâncias despendidas, na forma do art. 930, parágrafo único do CC, não se operando a sub-rogação legal prevista no art. 985, III, do referido Código, que existe para melhor proteção e tutela do direito próprio, e não de outro direito” – RT 613/156.

12. “Tendo o exeqüente, através de composição extrajudicial, recebido o crédito judicial, o cessionário, nos termos do art. 986 (novo, art. 347) do CC, sub-roga-se em todos os direitos resultantes da execução, tomando, assim, nela a posição de exeqüente” – RT 568/104.

13. “Tendo a companhia seguradora efetuado o pagamento concernente aos danos sofridos ao seu segurado, sub-roga-se nos direitos deste contra o terceiro causador do sinistro” – RT 578/191.

14. “A sub-rogação prevista no n. III do art. 985 (novo, art. 346) do CC opera-se apenas quando o terceiro que paga seja interessado na extinção da dívida, por ser ou poder ser por ela responsável” – RT 575/234.

15. “A seguradora, sub-rogando-se nos direitos do segurado, com o pagamento do seguro, adquire todos os privilégios do anterior credor, inclusive o de demandar em seu domicílio, conforme dispõe o art. 100, parágrafo único, do CPC” – RT 565/129.

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Do Pagamento com Sub-rogação

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16. “Não pode o fiador cobrar do afiançado dívida de que é co-responsável mas ainda não pagou. A sub-rogação opera-se só após o pagamento” – RT 553/183.

17. “O locatário que se afasta do lar, nele deixando a esposa ou companheira, submete-se ao despejo por falta de pagamento, pois continua responsável pelo imóvel, aluguéis e encargos, até a efetiva entrega do imóvel locado, se aquela não manifestou, perante o locador, vontade de exercer o direito de sub-rogação previsto no parágrafo único do art. 12 da Lei 8.245/91. A Lei do Inquilinato vigente veio a exigir a formalidade do aviso da sub-rogação por escrito, mormente não se tratando de contrato verbal, porque implica a alteração do sujeito passivo das obrigações decorrentes da locação, inclusive direito de o locador exigir novo fiador ou garantias, não se podendo dar interpretação literal contrária à expressa disposição legal” – RT 764/375.

18. “É improcedente a ação de cobrança ajuizada contra o fiador, se o bem dado em garantia já foi liberado, impossibilitando, assim, a sub-rogação” – RT 763/374.

19. “O proprietário de imóvel abrangido por parque criado pelo poder público tem interesse processual em mover ação de indenização contra a Administração, pois, em tese, faz jus a integral indenização da área atingida, e não apenas em relação à mata a ser preservada. Além disso, os adquirentes de imóveis já ocupados pelo poder público também têm direito à indenização, pois sub-rogam-se nos direitos e ações dos alienantes. Os adquirentes só não farão jus a indenização se essa já tiver sido paga aos proprietários anteriores” – RT 761/202.

20. “Ao herdeiro necessário que se diz lesado por não ter sido citado em ação de despejo por falta de pagamento proposta contra o espólio de seu genitor, não cabe invocar as regras do art. 47 do CPC, uma vez que a sub-rogação legal visa a preservar o grupo familiar e não a individualidade de cada herdeiro, conforme aplicação dos arts. 46, I, do CPC e 2.º da Lei 8.245/91” – RT 736/285.

21. “Se o credor originário tinha título executório contra os devedores solidários, uma vez satisfeito o crédito por um deles, este se sub-roga nos direitos daquele e, por via de conseqüência, ostenta o mesmo direito, ainda mais quando amparado pela prova do pagamento integral” – RT 734/353.

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22. “Separado de fato o casal, e tendo o marido, em cujo nome se celebrara o contrato locatício, deixado o imóvel, a permanência da mulher implica automaticamente na sua sub-rogação como inquilina” – RT 726/338.

23. “A comunicação da sub-rogação ao locador, só produzirá efeitos em relação a este se for realizada por escrito (parágrafo único do art. 12 da Lei 8.245/91)” – RT 724/377.

24. “Se o locatário foi cientificado, ainda que pela citação em execução, da substituição do credor locador pela administradora do imóvel locado, não pode o devedor negar-se ao pagamento dos aluguéis sob a alegação de que a sub-rogação não lhe fora, antes, comunicada” – RT 791/270.

25. “Não deve ser admitida como necessária, em qualquer hipótese de sub-rogação, a denunciação da lide, uma vez que o art. 70, III, do CPC deixa claro que a obrigação é de indenizar o prejuízo do que perder a demanda, ou seja, de ressarcir; e, por mais parecido que seja, isso não se confunde cm a obrigação principal, como a de pagar, por exemplo” – RT 787/307.

26. “Nos casos de desapropriação indireta, inexistindo o pagamento de justa indenização, não há falar em transferência do imóvel ao domínio público, podendo o expropriado aliená-lo, cabendo ao adquirente a sub-rogação nos respectivos direitos e ações decorrentes do apossamento administrativo” – RT 780/194.