33
CAPOEIRA COMO ALTERNATIVA METODOLÓGICA PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS Flávio Rodrigues 1 Elisane Maria Rampelotto 2 Este projeto originou-se da necessidade de elucidação do problema da consciência Semiótica e o jogo da Capoeira como ferramenta de significação na Educação de alunos Surdos. A Capoeira por ser uma atividade essencialmente corporal-espaço- visual, permitiu observar como os sujeitos surdos constituem sua linguagem. Desta forma, o objetivo do projeto foi usar os movimentos da Capoeira como alternativa metodológica para construção de tal consciência simbólica. E assim, questionar o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita fonológica em detrimento a produção Semiótica da língua e da linguagem Surda na estruturação e constituição da Consciência Semiótica. Levantando a importância de uma metodologia pautada em aportes teóricos que tragam a Semiótica como fundamentação teórica para a inferência sobre a aquisição da língua e linguagem surda. O estudo teve como base a abordagem qualitativa e como metodologia a pesquisa participante. Onde o objeto de estudo foi à constituição da Consciência Semiótica através dos movimentos da Capoeira, sendo sujeitos da pesquisa, alunos surdos de idades variadas da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Coser, no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, local da pesquisa. Os instrumentos de coletas de dados utilizados na pesquisa foram: levantamento fotográfico, filmagem, diário de campo e observação participante. Os resultados observados na pesquisa foram que a prática da Capoeira é uma prática extremamente rica no que diz respeito à educação de surdos. Proporcionando produção de significados evidentes e assim de uma consciência semiótica. Assim sendo, observamos que este estudo nos possibilitou encontrar na Semiótica uma possivel fonte teórica que se aproxima dos Estudos Surdos e dos estudos sobres aquisição da Língua e da Linguagem Surda, sendo que está observação foi possível através dos movimentos da Capoeira. 1 Formado em Cappoeira, Educador Especial, Especialista em Psicanálise Clínica, Psicanalista em Formação e Professor de Atendimento Educacional Especializado (Rede Municipal de Ensino de Uruguaiana-RS-Brasil), [email protected]. 2 Professora adjunta do Departamento de Educação Especial da UFSM e Orientadora do projeto

Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Capoeira, semiótica e Educação de Surdos

Citation preview

Page 1: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

CAPOEIRA COMO ALTERNATIVA METODOLÓGICA PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Flávio Rodrigues1

Elisane Maria Rampelotto2

Este projeto originou-se da necessidade de elucidação do problema da consciência Semiótica e o jogo da Capoeira como ferramenta de significação na Educação de alunos Surdos. A Capoeira por ser uma atividade essencialmente corporal-espaço-visual, permitiu observar como os sujeitos surdos constituem sua linguagem. Desta forma, o objetivo do projeto foi usar os movimentos da Capoeira como alternativa metodológica para construção de tal consciência simbólica. E assim, questionar o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita fonológica em detrimento a produção Semiótica da língua e da linguagem Surda na estruturação e constituição da Consciência Semiótica. Levantando a importância de uma metodologia pautada em aportes teóricos que tragam a Semiótica como fundamentação teórica para a inferência sobre a aquisição da língua e linguagem surda. O estudo teve como base a abordagem qualitativa e como metodologia a pesquisa participante. Onde o objeto de estudo foi à constituição da Consciência Semiótica através dos movimentos da Capoeira, sendo sujeitos da pesquisa, alunos surdos de idades variadas da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Coser, no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, local da pesquisa. Os instrumentos de coletas de dados utilizados na pesquisa foram: levantamento fotográfico, filmagem, diário de campo e observação participante. Os resultados observados na pesquisa foram que a prática da Capoeira é uma prática extremamente rica no que diz respeito à educação de surdos. Proporcionando produção de significados evidentes e assim de uma consciência semiótica. Assim sendo, observamos que este estudo nos possibilitou encontrar na Semiótica uma possivel fonte teórica que se aproxima dos Estudos Surdos e dos estudos sobres aquisição da Língua e da Linguagem Surda, sendo que está observação foi possível através dos movimentos da Capoeira.

Palavras-Chave: Educação de Surdos, Semiótica, Capoeira, Aquisição da Língua e Linguagem Surda.

Introdução

Este projeto foi elaborado a partir da necessidade de estudar a Consciência Semiótica através do jogo da capoeira como ferramenta de inferência da significação na educação de Surdos. A Capoeira por ser uma atividade essencialmente corporal-

1 Formado em Cappoeira, Educador Especial, Especialista em Psicanálise Clínica, Psicanalista em Formação e Professor de Atendimento Educacional Especializado (Rede Municipal de Ensino de Uruguaiana-RS-Brasil), [email protected] Professora adjunta do Departamento de Educação Especial da UFSM e Orientadora do projeto

Page 2: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

espaço-visual, permitiu observar como os sujeitos surdos percebem os movimentos e assim aprendem uma nova linguagem. Esta atividade permitiu a observação da produção de uma Consciência Semiótica a partir da capoeira.

O objetivo foi usar os movimentos da Capoeira como alternativa metodológica para inferir sobre a construção de uma possível Consciência Semiótica Simbólica. Assim também, como sua introduzir a Capoeira no espaço educacional escolar da comunidade Surda, possibilitando-nos a investigação da viabilidade da Capoeira como fonte sígnica para sujeitos surdos. Analisando, as possíveis produções, constituições e significações de signos viso-gesto-espaciais pelos sujeitos surdos em contato com esta expressão cultural. Outra possibilidade levantada pelo estudo foi a problematização do processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita fonológica, em detrimento a produção Semiótica na língua e na linguagem Surda, quando na estruturação e constituição da Consciência Semiótica Simbólica.

A pesquisa teve como base a abordagem qualitativa, tendo como metodologia a pesquisa participante. Os sujeitos da pesquisa foram alunos surdos de idades variadas da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Coser, no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul (local da pesquisa). Os instrumentos de coletas de dados utilizados na pesquisa foram: levantamento fotográfico, filmagem, diário de campo e observação participante.

Assim, pela complexidade do assunto, pela abrangência do estudo, por entrar em vários campos como, Capoeira, Educação de surdos e Semiótica. As revisões bibliográficas se focaram na constituição da língua e da linguagem surda e as funções semióticas. No estudo da Semiótica, Lúcia Santaella (1996, 1998 e 2001) e Décio Pignatári (1980) deram a base teórica para alguns questionamentos; sobre a Capoeira os estudos concentraram-se na elucidação dos princípios social-históricos, que nos remetem experiência viso-corporal-gesto-espacial, como os estudos de Carlos Eugênio Líbano Soares (2004). A Educação de Surdos foi estudada através das questões levantadas por Carlos Skliar (1998), Ronice Muller Quadros e seus colaboradores nos Estudos Surdos (2006 e 2007), além dos trabalhos de Maria Helena Fávero, Meireluce Leite Pimenta & Marcia Rangel Pacifici (2007) no estudo em aquisição da linguagem teorizando sobre conceitos semióticos e sua importância na educação de Surdos.

Caminhos para Construção do Problema de Estudo

A Capoeira por se tratar de uma arte multifacetada, sintetiza em sua prática, várias outras expressões culturais, tratando-se de uma expressão fundamentalmente diversa. Esta diversidade é marcada pelo encontro de múltiplas etnias, em que o africano escravizado teve de se adaptar. Esse encontro forçado pelo escravismo possibilitou a construção de uma linguagem cultural com experiência visual, pautada pela historicidade de matriz africana. Através desta, constatação foi possível elaborar um estudo que ao mesmo tempo em que levou a capoeira à comunidade surda, estudou a constituição, construção, elaboração e significação da consciência semiótica3. Tendo em vista que Cultura Surda e Cultura Capoeiristica têm nos atributos visuais sua forma de comunicação e interação.

Nosso questionamento focou na consciência fonológica, já que as pesquisas sobre aquisição da língua escrita indicam que este é um dos grandes desafios da

3Habilidade metalingüística de tomada consciência das significações da linguagem e dos signos em geral em analogia a Consciência Fonológica.

Page 3: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

educação escolar dos sujeitos surdos. Entender este processo de aquisição necessitaria de uma ferramenta, que viabilizasse a inferência de signos surdos, e não mais fonológicos. Nessa hipótese seriam Semióticos, em que a iconicidade se tornaria a chave central da percepção dos signos surdos.

As questões sobre tal consciência nos estudos de Emília Ferreiro, na interpretação fonológica dos signos, conforme Nascimento seria:

Consciência fonológica a habilidade metalingüística de tomada de consciência das características formais da linguagem. Esta habilidade compreende dois níveis: 1. A consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras; as palavras, em sílabas e as sílabas, em fonemas.2. A consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras faladas. (BYRNE E FIELDING-BARNSLEY apud NASCIMENTO, 1989).

Os estudos sobre a língua escrita tomam como fonte as obras de Emilia Ferreiro no que se refere à constituição e desenvolvimento. Nestes estudos a construção teórica tem o som como foco importante, comenta que, “é fácil mostrar que muitas das práticas habituais no ensino da língua escrita são tributárias do que se sabia (antes de 1960) sobre a aquisição da língua oral” (FERREIRO & TEBEROSKY, 2006 p. 26).

Temos, neste sentido, um fator relevante, que é o fato desta teoria ter sido pensada sobre a perspectiva de sujeitos ouvintes, como sujeitos e a constituição fonológica como objeto de pesquisa. Podemos concluir que uma simples transposição teórica estaria pensando em um sujeito de experiência visual, sujeito surdo, uma experiência fonológica (sonora). O que causou-nos a seguinte inquietação: seria possível uma consciência fonológica em um sujeito surdo? No lugar de uma consciência fonológica, estaria se constituindo outra consciência? Seriam adequados aportes teóricos fonológicos para inferir sobre a constituição da língua e da linguagem surda?

Nosso trabalho se pautou por entender estas adequações teóricas na leitura das aquisições surdas. Não estando pautado diretamente sobre a aquisição da língua escrita, mas sim na problematização da leitura da aquisição fonológica do surdo em detrimento a aquisição visual. Partindo do principio, que as aquisições visuais de signos fonológicos são introjetadas como imagem compactas e solidas sem referencial sonoro ou fonomínicos. Exemplo disto é a nossa Língua Portuguesa escrita, que parte de um paradigma sonoro para significação das letras, silaba e palavras, sendo assim, signos fonológicos.

Suton-Spence & Quadros comentam que, “Como todas as línguas de sinais tradicionalmente não apresentam um sistema escrito, o conhecimento cultural das comunidades surdas, que é passado por meio da língua de sinais, é transmitido visualmente” (2006 p. 113 apud FINNEGAN 1977). Assim, como uma cultura visual apodera-se de uma construção escrita que tem sua estrutura em signos fonológicos?

Alguns trabalhos nos esclarecem tais questões, muito embora levantem outras, colocando que,

O ensino do português pressupõe a aquisição da língua de sinais brasileira– “a” língua da criança surda. A língua de sinais também apresenta um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma transferência de

Page 4: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e valores sociais representados. (QUADROS & SCHIMIEDT, 2006 p. 24)

Portanto, levando em consideração a língua de sinais como língua materna4, ou língua de aquisição natural surda e observando o aspecto da experiência visual de tal língua, encontramos no estudo de Fávero, Pimenta & Pacifici (2007, p. 36), que nos explica o seguinte:

Se isto é verdade, o ensino da escrita para os surdos baseados na oralização das palavras ou na valorização das codificações fonológicas torna-se inapropriado, mesmo porque, como defende Ferreiro (1987), Goodman (1987) e Mayer e Moskos (1998), a ortografia das palavras não necessariamente leva à aprendizagem da estrutura da leitura e escrita de uma língua oral. (2007, p. 36)

Podemos entender disto, que não basta o conhecimento desprendido de uma realidade, o conhecimento da palavra tem que estar dentro de um contexto real social-histórico. Carlos Skliar nos fala que, o “[...] fracasso da instituição - escola, das políticas educacionais e da responsabilidade do Estado [...] A educação dos surdos não fracassou, ela apenas conseguiu os resultados previstos em função dos mecanismos e das relações de poderes e saberes atuais” (1998, p. 18). Observando que as questões visuais ficavam naturalmente fora das perspectivas de aprendizagens e apropriação de conhecimentos.

Corroborando com esta assertiva,

Gesueli e Moura (2006), buscando um novo olhar sobre a escrita de surdos, defendem que este sujeito, uma vez que utiliza os aspectos visuais da sua língua materna no processo de aquisição de uma segunda língua, deveria experimentar na escola mais de um código semiótico no seu processo de letramento. (FÁVERO, PIMENTA & PAFICI, 2007 p. 38).

Embora, a escrita não sendo o foco de nossas inferências nos permitiu levantar tais questionamentos. Assim pensar a Capoeira como sendo este “código semiótico” para o processo de significação do letramento pelo aluno surdo, através do estudo também desta arte em seu fazer escolar.

Educação Surda e o Contexto Capoeiristico

A Capoeira é movimento e por ser movimento precisa ser sentida pelo corpo, e é no corpo que ela exprime sua necessidade de introjeção e exteriorização. É na dialética entre a amplitude e variação dos movimentos, nas significações e construções progressivas, na percepção visual dos movimentos contínuos e na sua historicidade que a capoeira se torna uma arte essencialmente intersubjetiva e significativa para a leitura deste projeto.

Embora seus participantes façam uso do canto (música), é no invisível que está sua grande motivação. É no lúdico, na relação subjetiva entre o movimento percebido e transmitido pelo corpo, criado no imaginário e sua manipulação cognitiva, que ocorre uma construção harmônica e singular que estimula outra ação 4Compreendendo que as línguas de uma forma geral são criações da humanidade, uma ferramenta social, colocamos aqui a língua pela experiência que evidencia como modalidade construída social-historicamente Oral-auditiva ou viso-espacial.

Page 5: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

também harmônica e singular. “A força de um angoleiro vem da alma. O que vale mais não é o golpe, mas sim a intenção que há por trás do movimento” (PASTINHA5

apud CARVALHO, 2002, p. 21), definindo assim o aspecto subjetivo de consciência corporal.

A capoeira é transmitida e percebida visualmente, ela é rica em signos visuais e altamente metamórfica. Mesmo assim, mantém suas características, podendo se moldar a qualquer corpo. Possui uma língua que pode ser percebida pela linguagem visual de seus movimentos, significativa e produtora de símbolos e significados inteligíveis.

Os passos, o desembaraço, o brilhantismo dos encadeamentos, o aprumo, a firmeza, a velocidade, a leveza, a precisão, as oposições de braços e pernas, eis o que chamo de o mecanismo da dança; quando todas estas partes não se põem em marchas impulsionadas pelo espírito, quando o engenho deixa de dirigir todos os movimentos, quando o sentimento e a expressão não lhes emprestam as forças capazes de me emocionar e de me interessar, então aplaudo a destreza, admiro o homem-máquina, faço justiça à sua força, à sua agilidade; mas ele não me provoca nenhuma agitação, não me enternece não me causa mais sensação que um arranjo de palavras como este: vem... do... vergonha... jamais... a.. crime...e... cadafalso... do. No entanto, essas palavras arranjadas por um grande homem compõem o belo verso do conde D’Essex: “A vergonha vem do crime e jamais do cadafalso”. Dessa comparação é preciso concluir que a dança contém em si mesma tudo o que é necessário a uma linguagem nobre. Para isso não é suficiente conhecer-lhe o alfabeto. Que algum homem de gênio combine as letras, forme e ligue as palavras... (NOVARRE, 1998, p.197-198 apud SOARES & MADUREIRA, 2005, p. 80)

A Capoeira entendida como arte, dentro de uma cultura rica e ampla, tem objetivo e fim em si mesmo, ou seja, uma educação do corpo pela arte e da arte desenhada e escrita pelo movimento. Assim, é possível que seu praticante construa significados próprios, entendido pelos demais, respeitando a cultura advinda de seu praticante, colocando-se a favor de sua unicidade.

A Capoeira, misto de luta, expressão corporal e cultural, dança, jogo ou desporto, nos possibilita uma alternativa metodológica para construção da consciência semiótica para alunos surdos. Cabendo mencionar que a prática da capoeira, assim como o uso da língua de sinais, o canal de transmissão é corporal e sua recepção visual. O contato direto entre cultura capoeiristica e a cultura surda, se dá pelo uso de uma língua visual, contida em ambas as culturas, espontânea e naturalmente, que podem fazer uso de classificadores das línguas de sinais atribuídos aos movimentos.

Nesta construção de classificadores e signos, as contextualizações são inevitáveis, pelo fato da cultura capoeiristica usar da língua portuguesa para nomear seus movimentos. Permitindo a transposição ou tradução pela Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, e assim produzindo uma construção simbólica visual significativa.

A arte é uma forma de linguagem, mas uma linguagem, de certa forma, estrangeira. Louise Bourgeois... “A arte é uma língua, uma língua chinesa” (2000, p. 131). A linguagem compõe vastos territórios que seguem inexplorados. É absolutamente infrutífero percorrer as infinitas paisagens de uma língua por estradas seguras. Mais vantajoso – e igualmente mais arriscado – é deixar-se perder. Para se conhecer os contornos de uma

5Vicente Ferreira Pastinha: defensor da Capoeira Angola, capoeira com raízes na Capoeira baiana (Capoeira ancestral)

Page 6: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

língua não basta memorizar estruturas gramaticais e combiná-las como num jogo infantil. É preciso encarnar seus mitos, decifrar seus enigmas e entoar suas dissonâncias. As línguas, encerradas numa natureza ambígua e contraditória, raramente comunicam sentidos inequívocos... “os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer [...] Não existe linguagem sem engano” (CALVINO, 1990, p. 48). Enganando-se, a linguagem multiplica potencialidades de expressão e revigora a história das palavras, dos gestos e olhares esquecidos. (SOARES & MADUREIRA, 2005, p. 81)

A Capoeira por respeitar o ser humano - como completo, idiossincrático, possuidor de subjetividade única e construída com seu contato com o mundo - oferta mais que uma simples atividade de luta ou dança (senso comum). Ela proporciona em sua gênese atributos que elegem as potencialidades individuais.

Pelo fato da Capoeira ser uma cultura criada na adversidade (com contratempos incorporados a sua ritualística, composta por argumentos sociais, históricos, lingüísticos, religiosos e folclóricos constituintes na sua formação), torna seu participante um lutador que não necessariamente luta; um dançarino que não necessariamente dança; e um jogador que não necessariamente joga. É um capoeira que negocia permanentemente num dialogo continuo, numa troca constante de posições onde o movimento busca mais do que simplesmente subjugar, busca a integralidade dialógica, uma comunicação persistente entre os jogadores, que jogam um com o outro e não um contra o outro, envolvendo assim, respeito mutuo a integridade física e psicológica dos sujeitos.

Assim,[...] pensar neste ato no jogo da capoeira, entendê-lo como um constante fair play, ou seja, um jogo de perguntas e respostas constantes. Que só existe na continuidade dos movimentos em dupla (num processo permanente de abdicação de síntese). O jogo jogante demanda a não finalização dos golpes traumáticos – que acabariam com o jogo, como acontece na finalização de várias lutas – num constante reconhecimento dos limites do outro. Isso nos possibilitaria vislumbrar uma formação para uma nova sensibilidade do sujeito no jogo da capoeira. (VAZ, 2004, p. 15)

Desta forma, compreender a dialógica da cultura capoeiristica e a historicidade em torno de sua construção, foi perceber esta arte como possibilidade metodológica rica para construções surdas. Uma educação pautada em uma consciência semiótica, viso-espacial, e, que através do jogo, da luta, da brincadeira e das variações desta arte cultural afro-descendente, pode viabilizar novas construções e significações.

Semiótica, Estudos Surdos e Capoeira.

A semiótica é a ciência geral da língua e da linguagem que procura elucidar os meandros pelos quais se constitui (elabora, estrutura e/ou desenvolve). Propõe resolver os intricamentos e problemas, entre linguagem e pensamento suscitados por vários teóricos. A Semiótica peirciana contém parte de sua base epistemológica na linguagem visual como principio dialógico, entre linguagem e pensamento.

Problematizar a aquisição da linguagem surda através da constituição da consciência semiótica é um ramo pouco explorado, sendo que a grande maioria, dos trabalhos em Educação de Surdos se pauta pela semiologia ou linguística saussuriana, para tais explicações, mesmo os Estudos Surdos (QUADROS, 1997,

Page 7: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

2005, 2006, 2007). Estes estudos propõem adequações aos aspectos do não-verbais do signo da linguística saussuriana, que resolvem em parte o problema. As buscas bibliográficas foram dificultadas por esse motivo a pouca ou quase inexistente produção teórica, na época do estudo, sobre semiótica e educação de surdos. As procuras foram feitas através da internet, filtrando autores que estudavam semiótica, como também bibliografias ou artigos que citavam6 de alguma forma a teoria Semiótica de Peirce e aquisição da linguagem, semiótica e educação de surdos.

A obra, “Produção de Linguagem e Ideologia”, de Lucia Santaella, de 1996, (editora Cortez). Proporcionou respostas satisfatórias para esta parte da pesquisa, que foi a sistematização das inferências sobre a Consciência Semiótica e sua importância no processo de significação da linguagem Viso-gesto-espacial.

A obra trata de uma abordagem peirciana da linguagem e da ideologia nos meios de produção social e cultural. Arquitetura, política, literatura, como também, na história e nos signos visuais. Faz uma oposição à ideia “(des) ideologização do mundo” (SANTAELLA, 1996 p. 12), que imprime uma nova lógica política mundial iniciada historicamente a partir do fim da antiga União Soviética. Entretanto, nosso foco foi a teoria peirciana do signo e da linguagem que estão detalhadas e didaticamente apresentadas.

A primeira parte da obra está dividida em quatro capítulos, sobre o título de “Semiótica Teórica e Aplicada”. Tratando das questões de semelhanças e diferenças entre as teorias semióticas (peirciana e hjelmsleviana) e a semiologia (saussuriana).

Segundo Santaella, o termo Semiótica é uma introdução do filosofo John Locke como “estudo dos signos em Geral” (1996, p. 24). Embora isso, é com Peirce que a teoria é sistematizada e corporifica-se como uma filosofia e ou ciência. Embora ainda existam autores que não a considerem, nem como uma ou como outra (filosofia ou ciência).

Por outro lado, demonstrando a importância de tal seguimento teórico e suas interpretações. No livro de Santaella os argumentos que se apresentam, até este momento, são suficientes para uma inferência inicial. No início da obra esclarece sobre a diferença entre Semiótica e Semiologia, em que a primeira trata do estudo dos signos da língua e da linguagem em geral e a segunda como sendo o estudo da linguagem verbal. Indicando, a diferença entre semiótica peirciana e a linguística saussuriana, e a definição do signo em Peirce e em Saussure.

Assim,

Como não poderia deixar de ser, Saussure pensa o signo como uma unidade linguística e é exatamente por força dessa delimitação que nascem juntas a face densa, perscrutante e a face frágil contraditória da sua definição de signo. Referimos-nos à teoria do valor e a dicotomia significante/significado, respectivamente. (SANTAELLA, 1996 p. 25)

Deixa claro nesta passagem a questão do signo, que em nossa leitura pode ser traduzida como sendo viso-fonológica, pois o significante em Saussure seria uma imagem, porém acústica, relativa a representação do som, como complementa a autora:

6No texto “Os equívocos de Pierce”, Marcondes Filho(USP), coloca em duvida as principais premissas de Pierce e sua Semiótica. Artigo da revista FAMECOS: Mídia, cultura e tecnologia, de dezembro de 2004.

Page 8: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

Ao encontrar suas explicações para o signo dentro do próprio sistema da língua, Saussure acaba agudamente por revelar o signo como traço diferencial [...] para isso, paga o preço de abandonar e passar por cima de todos os impasses não solucionados em que a tradição filosófica havia deixado, a questão da representação. (SANTAELLA, 1996 p.25)

Podemos dizer que Saussure nos soluciona alguns aspectos do signo, dando um peso maior à arbitrariedade da criação e da representação do signo. Tornando o sujeito social-histórico passivo no processo de significação e apropriação da linguagem, um usuário da língua movido apenas pelo arbitrário e não dando sentido a este signo, apenas aceitando-o como tal. Podemos observar isso no preciosismo dos críticos ao internetê, que não a vê como forma de comunicação e sim como destruição da língua instituída como formal. Este fenômeno está em todo mundo, em que jovens recriam a língua e preenchem um vazio da comunicação fria da internet. O arbitrário neste caso não está na escolha dos fonemas, que represente uma ação, mas no som. No lugar de “risos” do português formal no internetê é usado “kkkkkk”, ou outras formas de representação.

A semiótica peirceana permitiu que estudássemos como as definições do ensino da língua escrita estão fora de um contexto social-histórico, no caso da experiência com a ligua do aluno ou aluna Surdo (a).

Na Semiótica de Pierce, ao contrário não apenas as definições de signo não se restringem a linguagem verbal, como também brotam e não se fazem entender senão a partir de suas categorias cenopitagóricas (Primeiridade, segundidade e terceiridade), que são, no fundo, categorias do conhecimento, ou melhor, modos de apreensão dos fenômenos na consciência, ou as três espécies de elementos que a percepção atenta pode, decifrar. (SANTAELLA, 1996 p. 25)

O signo, não é apenas uma criação arbitrária do ponto de vista semiótico, mas sim, uma função do processo fundante de significação da linguagem que por sua vez é estruturada na consciência. Passa a ser um fenômeno sígnico que ocorre em três etapas distintas quando em processo interpretante. Tendo como origem os fenômenos que ocorre dialogicamente na elaboração de significado. O fenômeno ou phaneron estará presentificado no momento da corporificação de um determinado signo, seja ele visual, cenestésico, paliativo, olfativo ou sonoro.

Em nossa interpretação, o signo, seria uma entidade, que permite o humano distinguir os contrastes através da percepção (sentidos) e constituir uma linguagem e assim significar o mundo, indo muito além da arbitrariedade. Para Peirce o signo é categorizado em formas “cognoscitivas” (SANTAELLA, p. 29), permitindo ao interprete sua interpretação. Isso significa dizer que vão constituir-se antes na consciência e que a partir desta passa existir no campo do possível, por fim se tornarão um signo formal concreto e instituído, no entanto, interpretável e também ilusório, contudo, polissêmico e maleável.

Daí que um signo seja uma coisa de cujo conhecimento depende de outra coisa – que chamamos mundo ou realidade, ou seja, lá o que for. Daí que, para o homem o signo é um primeiro, o mundo, e inclusive o próprio homem é um segundo e o interpretante um terceiro [...] (idem)

O que podemos, inferênciar é que a linguagem está para o homem como estrutura dialógica entre ele e a percepção do mundo, e entre ele e a percepção dele mesmo e do outro. Que somente passa existir a partir de sua significação no mundo

Page 9: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

dos objetos e das coisas, ou melhor, no mundo dos signos e da linguagem. Em que o real e o aparente, são altamente inexatos, ao mesmo tempo em que é concreto, é, também imaginário. Sendo assim, é no abstrato que se presentifica o signo elaborado pelo pensamento através da linguagem, tornando-se viva as imagens, concretas abstraídas do signo-mundo, “Para conhecer e se conhecer o homem se faz signo e só interpreta esse signo traduzindo-os em outros signos” (SANTAELLA, 1996 p.31).

De outra forma, poderíamos dizer, que a elaboração das imagens refletidas na retina e captadas pelo córtex visual (quase signos, quase imagens) ainda não tem valores com correspondências imediatas. Necessitando ser, qualificadas, para tornarem-se objetos – objeto-coisa real - sendo multirelacional, para semiótica processo triádico de significação. Neste trabalho não nos interessa a localização morfológica ou linguística da consciência. Nossa intenção é apenas compreender, que existe um caminho longo até a significação de um signo. Iniciado na e ou pela percepção através dos órgãos sentidos, até a elaboração do mais elevado conceito.

Santaella comenta, “Mas perguntaríamos: qual o lugar da consciência nesse jogo todo? E eis-nos diante da fatalidade do homo-demens, faber, sapiens: a consciência não tem lugar no jogo ela é o lugar do jogo” (1996, p. 31). Podendo, assim dizer, que o que chamamos de real seria uma conjunção de contingencias sígnicas. Sendo o sujeito, que experiência o promotor do sentido real ou a realidade, fazendo determinado signo existir ou desaparecer através da linguagem

Ampliando o sentido de signo, Peirce (apud SANTAELLA 1996 p. 32), diz que,

Tomando o signo no seu sentido mais amplo, seu interpretante não é necessariamente um signo. Qualquer conceito é um signo, certamente [...] Mas nós podemos tomar signo num sentido, tão largo a ponto de seu interpretante não ser um pensamento, mas uma ação ou experiência, ou podemos mesmo alargar tanto o significado de signo a ponto de ser o interpretante uma mera qualidade de sentimento.

Assim, a função do signo é dar a linguagem subsídios para que a mesma possa organizar-se em uma sequência inteligível, “Daí Pierce dizer que subjacente a todo símbolo, existe o índice e o ícone” (SANTAELA, 1996, p.34). A interpretação de um fenômeno, se daria através da “comunicação imediata = apreensão mediatizada x comunicação mediatizada = apreensão imediata” (idem). Ou seja, a mediação entre o pensamento do emissor (Sinalizador, escritor, diretor, orador, professor, etc.) e o pensamento do receptor (leitor, espectador, ouvinte, aluno, etc.), só poderá haver compreensão na medida, em que os signos linguísticos percebidos, sentidos e levados a consciência.

A apreensão, portanto, não se trata de aprendizagem efetiva, mas sim do inicio da percepção de um evento. Somente depois que o sujeito manipule o objeto, num processo triádico da apreensão (do ícone), da contextualização (ao que indica) e da conceituação (simbolização) é que se tornará efetiva. Numa dialética ascendente “aquela no nos remeterá da particularidade sensível à universalidade das essências” (GARCIA-ROZA, 2003, p. 10).

Esse longo caminho efetiva o efeito real do dialogo e do processo de significação, aspecto este, que está baseado na questão semiótica ou lógica, que é parte fundante desta teoria.

A lógica, por seu lado, no seu sentido geral, não é outra coisa senão, um outro nome da semiótica, a quase necessária ou formal doutrina dos signos.

Page 10: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

Diz Peirce: “Ao descrever a doutrina como quase necessária ou formal, quero dizer que observamos os caracteres dos signos como conhecemos e a partir de tal observação, por um processo que não tenho objeção em chamar de abstração.” (SANTAELLA, 1996 p. 46)

Significa dizer que, as estruturas sígnicas da linguagem, se dão de uma maneira lógica, segundo esta teoria.

[...] lógica ou semiótica se divide em três ramos: Gramática pura ou o que deve ter o signo para que possa incorporar qualquer significado, lógica propriamente dita ou ciência formal [...] e retórica pura ou conclusões através dos quais um signo dá nascimento a outro signo. (SANTAELLA, 1996 p. 46).

Ou, o desencadeamento de pensamentos através da linguagem dando a possibilidade de ação continua de abstrações e pensamentos concomitantemente. Peirce busca investigar as possibilidades fenomenológicas observáveis e não como reações psicológicas.

Comentando que, “A lógica assenta sobre outros fatos da experiência, entre as quais, fatos acerca dos homens, mas não sobre alguma teoria acerca do espírito humano [...] Limito-me aos fatos da experiência de todos os dias e aqueles que possam ser deduzidos” (SANTAELLA, 1996 p. 49). Tendo, desta forma, a intenção de fundar uma ciência fenomenológica da linguagem que parta do cotidiano palpável para uma abstração reflexiva destes fenômenos.

Pignatári (1980), alerta que,

O ideograma Chinês (canji, para os japoneses, que os importam) é uma redução pictográfica ou uma montagem de reduções pictográficas. Sua etimologia é visual e pessoas com algum treino – um pintor ou desenhista ocidental – podem apreendê-la com relativa facilidade. A maioria dos chineses e japoneses, no entanto, devido à automatização da leitura, já não se dá de conta das raízes icônicas ou figurativas dos ideogramas. [...] o mesmo fenômeno se passa: quantos de nós vêem um camundongo na palavra “músculo” (do latim mus = rato; musculum =ratinho)? (PIGNATÁRI, 1980 p. 19)

A arbitrariedade deve ser discutida, antes etimologicamente, pois vemos nesta passagem uma origem histórica para esta palavra. O que hoje nos parece arbitrário está ligado de alguma forma a um acontecimento social-histórico, criador de uma palavra, ou um contexto real. Podemos observar que estas línguas (as orientais) tenham em suas produções ou criações fontes icônica e em seu principio básico de apreensão. São línguas, que na forma escrita aparentemente mostram-se acessíveis a sujeitos surdos7.

Deste modo a arbitrariedade, não pode ser compreendida como uma essência na criação de um signo, já que a própria etimologia da palavra signo (signum) seria,

Pelo menos hipoteticamente, a palavra signo, através do latim “signum”, vem do étimo grego secnom, raiz do verbo “cortar”, “extrair uma parte de” (naquele idioma) e que deu, em português, por exemplo, secção, seccionar, sectário, seita e, possivelmente, século (em espanhol, “siglo”) e sigla. [...] em nossa língua: sinal, sina, sino, senha, sineta, insígnia, [...] desenho, aceno, significar etc. (PIGNATÁRI, 1980 p. 23)

7 No filme Babel (2007) do dirigido por Alejandro Gonzáles Iñarritu, em que a menina Surda Cheiko Wataya tem acesso direto a língua escrita por sua forma ideográfica.

Page 11: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

Tendo o signo como sendo, um recorte de algo maior, “uma folha em relação a uma arvore, um dente em relação a um bicho” (PIGNATÁRI, 1980 p. 23), uma ligação direta com a realidade.

Neste caso, as línguas de sinais estão contempladas nesta referencia, sobre a forma icônica do signo, no caso de uma língua escrita ideográfica. Tendo em vista o caráter fonológico da língua portuguesa podemos estar contribuindo para o “distanciamento das inteligências”, o que Jacques Rancière alude que seria, “status privilegiado da palavra não suprime a regressão ao infinito, senão para instituir uma hierarquia paradoxal” (2007, p. 22). O português tem destaque na formação do aluno surdo como língua de acesso aos conteúdos e disciplinas,ao apoderamento do conhecimento historicamente constituído.

Nos trabalhos de Fávero, Pimenta & Pacifici (2007), Quadros (2006), Quadros & Schimiedt (2006), os autores concluem que o sujeito surdo tem em sua construção particularidades que devem ser respeitadas. Ao concluir seu trabalho, Fávero, Pimenta & Pacifici, fazem a afirmação que,

Assim, a nossa hipótese de que as referidas construções atípicas na produção escrita do surdo são frutos de uma prática de alfabetização, se sustenta. Ainda hoje, o status da língua de sinais como instrumento semiótico é negligenciado. As crianças, adolescentes e adultos surdos, experimentam em sua escolarização um processo similar de alfabetização aquele utilizado junto aos sujeitos ouvintes, cuja língua materna é o português. (2007, p. 38)

Assim, tentando afastar-se o máximo de um estudo que se oriente a uma aculturação. Defendemos aqui uma problematização tendo o cuidado de esclarecer o caráter visual da Capoeira como língua e linguagem de signos visuais e intersubjetivos. Este aspecto foi de encontro com o amadurecimento das línguas de sinais e a tentativa de afastar-se de uma construção fonológica para suas novas descobertas. É o caso da Escrita em Língua de Sinais a ELiS (ESTELITA in QUADROS & PERLIN, 2006, p. 213), que a autora relata,

[...] nasceu “AlfaSig” – “Alfa” de “alfabético” e “Sig” do latim “signalis”, mas ao percebermos a estreita relação entre “alfa”, ou “alfabético”, com uma representação de sons, descartamos o nome. Passou a ser chamado de “QuiroSig”, por ser um sistema que representa os “quiremas” dos sinais. No entanto, colegas perceberam que faltava no nome algo que fizesse referência a “escrita” e não apenas a “sinais”, então, durante um período teve o nome de ScripSig. Mas foi novamente batizado e hoje é apresentado simples e definitivamente como ELiS, uma sigla para Escrita das Línguas de Sinais.

Estas questões metodológicas e práticas, foram pensadas, quando no ensino da Capoeira, por estar no senso comum, ligada a cultura musical, e, assim fonológica, e não sendo percebido seu principal aspecto corpóreo-espaço-visual. Assim, encontrar uma metodologia que compreenda a experiência visual com aspectos teóricos é um caminho longo e que demanda muito tempo de pesquisas empíricas e teóricas.

Podemos ainda, verificar esta dificuldade na criação, produção e estruturação da ELIS quando a autora nos menciona;

Page 12: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

[...] que a ELiS tem uma estrutura de base alfabética significa dizer que seus símbolos gráficos representam fonemas das LS. Segundo SCLIAR-CABRAL (2003 p.73), “Os sistemas alfabéticos já pressupõem de saída uma intuição fonológica, uma vez que as letras representam mal ou bem o fonema.” (ESTELITA, 2006 p. 216)

Levando assim, a autora conceituar os fonemas como “quirografemas” (p. 216), este fato confirma nossa proposição da importância de metodologias que mostrem a particularidade do Semiótico em detrimento ao Fonológico, na leitura da experiência surda. Observando, que tanto os signos capoeiristicos como os signos surdos possuem aspectos icônicos8, podendo ser acessados por meio da contextualização e dos classificadores, sem a necessidade num primeiro momento, de uma língua mediatizadora, sendo a própria Capoeiragem (ou A gramática da Capoeira) uma metalinguagem ou uma língua de acesso aos signos capoeiristicos.

Contextualizando a Capoeira e Suas Produções de Significado

[...] Capoeira é atitude brasileira que reconhece uma história escrita pelo corpo, pelo ritmo e pela imensa natureza libertária do homem frente à intolerância [...] Realizaram, na própria carne, essa imagem da vida, fundamental até hoje. Os afro-brasileiros souberam transformar a violência em camaradagem, envolvendo dança, ritmo, canto, toque e improvisação. A capoeira é uma afirmação existencial do povo negro no contexto do escravagismo e do racismo de dominação presentes em momentos diversos da sociedade brasileira. [...] O humanismo é a raiz da capoeira. Ela educa, ensina o respeito, dá sentido à mente e ao corpo, cria autoestima nos seus praticantes [...] Muitas foram às adversidades enfrentadas ao longo da história: preconceitos sociais e raciais, perseguições policiais e rejeição das elites [...] Hoje alguns mestres até ganham prêmios ou títulos no exterior [...] Os capoeiristas deram a volta por cima. Atualmente, a capoeira já é praticada em mais de 150 países. (Discurso do então Ministro da Cultura Gilberto Gil, em homenagem póstuma na ONU ao embaixador Sérgio Vieira de Mello, morto em Bagdá-Iraque).

A Capoeira, cultura afrodescendente tem sua origem no Brasil colonial, junto aos negros cativos, dentro de uma sociedade escravocrata, como forma de resistência e questionamento social, assim como foram os Quilombos (SOARES, 2004). Vários são os relatos de suas origens, e os mais aceitos atualmente são aqueles que dão conta que a capoeira foi criada em território brasileiro a partir das manifestações afrodescendentes. Soares (2004) aponta que a “capoeira, na minha hipótese, nasceu na América. Ela não nasceu na África. Ela foi formada com elementos africanos e articulada de forma inédita no território escravista”. No entanto, é importante lembrar, que a capoeira é uma expressão cultural relativamente nova, comparada as artes marciais consagradas, estando em constante transformação.

Na revisão da literatura temos relatos que, a capoeira foi um problema social urbano, Soares (2004, p. 32) afirma que,

[...] esse mundo urbano era um mundo violento. Sendo assim, era preciso dominar uma forma de luta para se manter nele. O escravo não era só

8 Esta referencia ao icônico dos signos estão aqui colocadas, no que diz respeito aos estudos do Ícone (pierceano), “É por isso que, se o signo aparece como simples qualidade, na sua relação com seu objeto, ele só pode ser um ícone.” (SANTAELLA, 2006 p. 13)

Page 13: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

atacado por policiais brancos, mas sim por outros escravos também. Para usufruir as regalias da cidade, ele precisava de uma forma de defesa.

Os primeiros movimentos capoeiristicos fora das senzalas foram controlados através da política, que utilizava os capoeiristas como forma de coação e perseguição dos oponentes políticos. Outra forma de controle era através da força policial que a reprimia energicamente qualquer manifestação de capoeira. Alguns negros no século XIX foram levados a participar de guerras, porém, neste momento, a figura do capoeira e da capoeiragem tornaram-se um problema difícil de resolver. A corrupção policial, política e as maltas, retro alimentavam-se pelo favorecimento e luta pelo controle social e urbano. Os capoeiras eram vistos como um mal a ser expelido da sociedade, e neste caso desterrados e mandados para trabalhos forçados em Fernando de Noronha.

A partir de 1870, quando surgem os interesses políticos, a polícia passa a ser tolhida pelo poder político. A política interfere na polícia, assim como acontece hoje. E a polícia, ao invés de ser vetor da ordem, passa a ser vetor da desordem, por conta da corrupção e dos interesses políticos envolvidos na manutenção dos capoeiras. É uma verdadeira luta por espaço, pelo espaço da economia urbana. O escravo era trabalhador, e a capoeira é importante na afirmação desse trabalhador urbano, ao contrário da visão preconceituosa que chamava os capoeiras de preguiçosos (SOARES, 2004, p. 37)

Os embates entre os capoeiras e a policia tornaram-se cada vez mais violentos e recorrentes, sendo a capoeira reprimida e extinta em vários estados.

No Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, desapareceu por completo ficando apenas alguns registros policiais e em jornais da época. Em Pernambuco a capoeira descaracterizou-se e nasce de sua junção com outros folquetos - o “Frevo”. Porém, é na Bahia que por sua simbiose com as religiões afrodescendentes e capacidade lúdica, permaneceram encoberta sendo transmitida em momentos de laser, de corporalidade9, envolto ao misticismo e com características diferentes daquela originada e extinta em outros estados.

Estes aspectos históricos contribuiram para que a Capoeira não acabasse por completo, fazendo da “capoeira baiana” a sua única forma de resistência. Embora a truculência policial, muitos focos baianos ainda resistiram, e em 1932, após a fase repressiva, é aberta a primeira academia de capoeira registrada.

Mestre Bimba, “Manoel dos Reis Machado”, figura imponente e lendário lutador tornou-se o primeiro mestre a abrir uma escola de capoeira e apresentar-se para um presidente da republica. Demarcando assim, o renascimento do “único desporto genuinamente brasileiro” (nas palavras populista do Presidente Getúlio Vargas), levando-a aos bancos escolares, academias e universidades. Esse fato para muitos capoeiras é encarado como o embranquecimento da capoeira, que por outro lado foi o rompimento com a capoeira marginal.

Uma característica peculiar da escola do mestre Bimba, que terá importantes consequências para o futuro desenvolvimento da Capoeira, é que,

[...] seus alunos pertencia à classe média e alta baiana: "seus discípulos variam desde o homem do povo até políticos, ex-chefes de Estado, doutores, artistas e intelectuais" (REGO 1968, p. 283 apud FRIGERO,

9 Corporalidade significa dizer que a transmissão do conhecimento da capoeira pelos mestres acontece através de atividades corporais e a oralidade.

Page 14: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

2007, p. 05). Segundo Mestre Acordeom, ex-aluno seu, "a maior-parte dos capoeiristas de Mestre Bimba estudava em colégios e universidades” (ALEMEIDA, 1981, p. 45, apud FRIGERO, 2007, p. 05)

Neste sentido, os aspectos históricos e culturais envolvendo a capoeira o corpo negro subjugado, a dominação, a exclusão, a marginalização, a extinção, a resistência e o recomeço, foram somente propulsores para o enriquecimento deste patrimônio imaterial da cultura brasileira. Contribuindo para a diversidade artística, que a repressão não conseguiu concretizar sua finalidade principal, que era a extinção completa da Capoeira.

A Capoeira folclórica que sobreviveu, teve seus aspectos corporais evidenciados e, no Berimbau seu signo máximo. Dentro de uma estrutura - composta por jogadores, tipo de jogo, ritmo percebido pelo corpo, comando do mestre mais antigo e sinais linguísticos - sinalizam o começo e a troca de jogo, a suspensão do jogo e o final. São elementos essenciais para comunicação na roda de capoeira e o diálogo entre os corpos que significam, cedem, impõe-se, transmitem e recebem sinais, signos que fazem da capoeira uma dialética de movimentos proporcionados pelo ato instituído no jogo.

Capoeira e a Elaboração da Consciência Semiótica

A Consciência Fonológica é a habilidade metalinguística de tomada de consciência das características formais da linguagem e da língua falada. Esta habilidade propicia ao sujeito ouvinte identificar os sons das palavras e assim, por conseguinte elaborar a leitura e a escrita. Mas como este processo se dá no sujeito surdo? Como funciona o uso de uma língua escrita de percepção fonológica, neste sujeito que não faz uso deste canal de recepção?

Com a intenção de verificar estas questões que foi proposto a observação de uma consciência análoga à fonológica, ou Consciência Semiótica10, que seria habilidade metalinguística de tomada de consciência das significações da linguagem e dos signos em geral. E assim, se buscou na Capoeira a visualização da aquisição desta consciência através de seus movimentos.

Este estudo apresenta a capoeira como uma arte-cultural essencialmente gesto-viso-espacial. Uma síntese de várias culturas étnicas, e rica em signos corpóreo-espaço-visual, possuindo uma linguagem de entendimento intersubjetivo. Sua fala se dá através do corpo permitindo ao aluno compreender seus significados de forma direta no dialogo do jogo.

No primeiro momento ao introduzirmos a capoeira em um espaço de educação surda, se pode perceber percepção do movimento e a qualidade dessa percepção. Com isso foi possível verificar as primeiras evidencias da elaboração da Consciência Semiótica e o processo de significação simbólica.

A Capoeira Contemporânea11 foi escolhida para este primeiro momento, já que trata-se, não de uma evolução das outras modalidades de capoeira, mas de uma construção particular. Constituindo-se pelo conjunto da historicidade e da herança cultural de matriz africana, mais conceitos e atributos das novas

10 Em analogia a Consciência fonológica, constituinte de sujeito ouvinte.11 Capoeira contemporânea usa os dois estilos de Capoeira, tanto a Angola (Capoeira mais lenta, com ritmo e jogo improvisado que permite ao capoeira usar da expressão corporal, malicia e movimentos espontâneos), como a Regional (Estilo de Capoeira criado por Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba, ou Luta Regional Baiana).

Page 15: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

descobertas das disciplinas corporais da atualidade (Ginástica Artística, Artes Marciais, Educação Física, cultura física, etc).

O ensino foi divido em várias etapas e a primeira destas, foi o treino técnico básico com aprendizagem dos primeiros movimentos, que mais se aproxima da linguagem da Capoeira Regional. A partir da aprendizagem destes movimentos foram sendo introduzidas as sequências de treino, contextualizado na roda-treino12. Após a assimilação deste tipo de jogo, que se configura pela posição mais ereta e com maior velocidade, foi introduzida a linguagem da Capoeira Angola, que são movimentos mais lentos, com postura espontânea.

Depois da ginga ter sido assimilada foram introduzidos às primeiras sequências, para isso foram usados dois tipos de ensino: primeiro pela imitação contextualizada, depois através dos classificadores criados em conjunto com os alunos. Nesta construção foi que se pode evidenciar como se da à percepção e a aquisição da linguagem capoeiristica pelo aluno surdo. Verificou-se a percepção visual do movimento no momento da apreensão direta, que estava descontextualizada.

Os alunos imitavam o movimento sem ter a certeza de qual era sua finalidade. Nesse momento, é que se pode, estudar as formas de construção de significadores, através da criação dos classificadores que proporcionaram a comunicação das regras do jogo. Esta construção permitiu evidenciar os processos pelos quais os alunos percorriam para significar determinado movimento, o tipo de apreensão e a forma de significação objeto de conhecimento.

Pierce citado por Santaella, afirma que a “Primeiridade [...] o começo aquilo que tem frescor, é original, espontâneo livre” (1998, p. 36). A partir disto, a contextualização do movimento, permite ao aluno dar sentido a este movimento, ou seja, esboçar uma reação à determinada ação. Internamente Pierce chama esta reação de “segundidade [...] aquilo que é determinado, terminado, final, correlativo, objeto, necessitado, reativo [...] Algo considerado como um correlato ou dependente, ou como um efeito” (apud SANTAELLA, 1998 p. 36). Temos assim, uma sequência de movimento que dependem de uma resposta para ter continuidade, ou seja, as sequências de treino têm como principio o ataque, a defesa e o contra-ataque, jogo de perguntas e respostas que formam um diálogo inteligível.

As sequências foram treinadas separadamente. Sequências de defesa, que preponderavam às movimentações básicas, ou conjunto de movimentos que permitem ao sujeito capoeira entrar em harmonia com o oponente (dialogo continuo). Neste momento, é que tivemos a constatação das aprendizagens, quando os alunos deram sentido aos signos capoeiristicos na troca dialógica dos movimentos (perguntas e respostas corporais). O que podemos verificar foi a corporificação de nossa hipótese inicial, que foi a produção da consciência semiótica.

Pierce, (apud SANTAELLA 1996 p. 32), comenta,

Tomando o signo no seu sentido mais amplo, seu interpretante não é necessariamente um signo. Qualquer conceito é um signo, certamente [...] Mas nos podemos tomar signo num sentido, tão largo a ponto de seu interpretante não ser um pensamento, mas uma ação ou experiência, ou

12 A característica principal da contextualização na roda de treino é que o jogo pode ser parado a todo o momento para que o professor possa explicar aplicabilidade determinada sequencia ou técnica de movimentação treinada anteriormente.

Page 16: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

podemos mesmo alargar tanto o significado de signo a ponto de ser interpretante ser uma mera qualidade de sentimento.

Este sentido alargado do signo nos permitiu-nos pensar sobre a contextualização da escrita e como se processa esta aquisição quando o caráter icônico da palavra escrita é a chave de tal aquisição.

Para Santaella, mais que ler palavras dentro de um texto temos que estar atentos à interpretação de signos que estão ao nosso redor,

É tal a distração, que a aparente dominância da língua provoca em nós que, na maior parte das vezes, não chegamos a tomar consciência de que o nosso, estar-no-mundo, como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos; que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas, traços, cores... (2001 p. 02)

Nesse sentido, tudo o que pode ser observado foi que o contexto visual e a

simbolização daquilo que ensinamos são parte importante da aprendizagem surda. Os signos visuais, icônicos da capoeira foram elaborados na presentificação e no contexto do qual foi apresentado, ou seja, o contexto, mais a mediação foi produtor do significado do signo, neste caso.

Sendo assim,

Um signo intenta representar, em parte (pelo menos), um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo que o signo represente o objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determina, naquela mente, algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo e da qual a causa mediata é o objeto pode ser chamada de interpretante. (PIERCE apud SANTAELLA, 1998 p.38).

No momento do ensino dos movimentos foi possível verificar percepção visual do movimento, pelo aluno surdo, que é direta e imediata com características peculiares, como riqueza de detalhes, perfeição de movimento e direcionalidade elaboradas. Foi possível também observar que a capoeira permite ao aluno surdo usar o corpo de uma forma diferenciada, em uma comunicação lúdica (analógico ao ato do canto para língua oral). Se para as línguas orais o canto é uma sequencia de sons, palavras, signos, para o surdo a capoeira agiu neste sentido de uso, significado, aumentando o repertório e as possibilidades linguísticas com o uso do corpo. Diferente da dança a Capoeira é uma construção continua, harmônica, porém de respostas imprevisíveis. A comunicação entre professor e aluno foi possível na perspectiva da contextualização. Já que os signos capoeiristicos são signos corporais, por essa característica, visuais.

A este aspecto do signo Pierce chama de ícone, pois sua percepção é imediata, o interpretante é a forma e o objeto, podendo ser entendido como objeto e como semelhança, entre o interpretante e o objeto real. Porém, a produção de sentido e significado está no sujeito da percepção, que Santaella confirma ao afirmar que,

Page 17: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

Ora, qualidades em si mesmas são altamente sugestivas. Podem se assemelhar a qualquer outra coisa, mas é só quando um interprete qualquer estabelecer uma relação de comparação de uma qualidade com outra é que a qualidade poderá funcionar como signo. Ela estará no lugar de outra qualidade devido a uma comunidade de qualidades entre ela e a outra. Isso é chamado de ícone (SANTAELLA, 1998 p. 43).

O significante surdo seria, portanto, um ícone (uma imagem) e os signos capoeiristicos seriam significados dentro desta perspectiva icônica com classificadores que podem ser entendidos tanto pelo professor quanto pelo aluno. Além disso, foi possível usar os sinais da língua de sinais para chegar à ao objeto, que nomeia o golpe ou o movimento, mais datilologia (alfabeto manual) para chegar à nomenclatura em Língua Portuguesa.

Constatamos que a consciência do signo capoeiristico e da língua de sinais são entendidas dentro de um contexto objetivo, através de signos visuais, exprimidos pelo corpo. A mediação se fez determinante para que os movimentos da capoeira fossem entendidos. A cada novo movimento uma série de questões foram levantadas para que o entendimento fosse alcançado, algumas estratégias eram acrescidas nas atividades, como mapas (identificação dos lugares como áfrica, Bahia, Rio de Janeiro entre outros), a escrita da nomenclatura do golpe, uso da língua de sinais e a tradução destes nomes do português para língua sinais.

É importante salientar que os nomes dos golpes em Língua de Sinais não tem correspondências direta com os nomes em Língua Portuguesa, valendo-se mais pelos classificadores e seus aspectos icônicos de cada movimento (o golpe). Este fator nos comprovou, a hipótese de que a língua de sinais se pauta pela significação visual da linguagem, num contexto linguístico com experiência visual. Assim, voltamos à questão de como fica a significação surda da língua oral escrita?

Buscamos em Quadros uma definição para este problema, que podemos perceber dentro do ensino dos golpes da capoeira, a autora esclarece que,

O ensino do português pressupõe a aquisição da língua de sinais brasileira– “a” língua da criança surda. A língua de sinais também apresenta um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma transferência de conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e valores sociais representados. (QUADROS & SCHIMIEDT, 2006 p. 24)

Que na nossa avaliação significa dizer que, a língua de sinais deve ser conduzida como fonte de aprendizagem e para constituição da subjetividade do aluno e que deve ser fonte das demais aprendizagens.

Portanto, o ensino da língua escrita, deveria ter como principio as relações do objeto com as palavras escritas, o uso das palavras no cotidiano social, e como estas palavras são usadas pelo sujeito na situação real na sociedade. Mais que o simples uso da escrita desprendida de um contexto social, entendendo que a escrita para este aluno só terá sentido quando usada através da percepção e da experiência visual de seus significados.Resultados e Conclusões a Respeito da Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdo

Page 18: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

Os resultados observados através deste estudo foi que a prática da Capoeira é uma prática extremamente rica no que diz respeito à Consciência Semiótica e a educação de surdos. Proporcionando produção de significados efetivos na elaboração desta consciência. As significações e as criações de classificadores, quando das explicações mais abstratas, como o tipo de jogo, foram questões elucidadas com recursos semióticos variados.

As regras e fundamentos, a tradição capoeiristica, foi significada através da contextualização do jogo, no uso da movimentação básica para aprendizagem da mecânica do movimento. Os movimentos corporais que necessitavam de flexão e extensão, como no caso do chute Martelo, foram elementos que proporcionaram a elaboração da consciência proprioceptiva, propiciando a elaboração das habilidades corpóreas-cenestésicas em movimentos mais complexos no momento do jogo. As sequências de movimentação(conjunto harmônico constituído por vários movimentos de ataque e defesa), tiveram como fundamento os movimentos básicos, que dentro da perspectiva do jogo pode ser contextualizado através do dialogo corporal, que se dá na hora da troca de movimentos na roda de capoeira.

O estudo dos movimentos da Capoeira possibilitou constatar que a prática pelos sujeitos surdos é fértil na produção de significados, uma vez que esta prática consiste numa cultura viso-gestual/corpóreo-espacial-cenestésica perfeitamente adaptada à cultura surda, sendo rica em significados semióticos. Nesse sentido, através dos movimentos da capoeira os alunos puderam interagir com uma cultura externa, criando significados próprios, atribuindo classificadores, signos e sinais para a compreensão das nomenclaturas dos golpes da capoeira. Signos estes que foram criados no momento das interações, isso possibilitou a internalização dos signos capoeiristicos pelos alunos surdos. Sendo este aspecto totalmente possível por se tratar da capoeira de uma cultura experiência visual, igualmente a cultura surda. Exemplo disso são as comunicações por sinais através do Berimbau, no inicio e final do jogo, entre outros os sinais emitidos pelo mestre aos alunos para organização da roda, sem comunicação oral, com sinais pré-estabelecidos entre mestre e alunos.

No que diz respeito à Semiótica o que se observou, foram os aspectos das categorias peircianas da consciência e o aspecto visual da teoria. Temos desta forma, o signo (sinal) uma função triádica, pois depende das categorias internas a este signo para que seja entendido. Na língua de sinais temos os parâmetros primários e parâmetros secundários, estes são complementos e auto-complementos que em conjunto tornam um signo (sinal) inteligível visto que, “as línguas de sinais tem uma estrutura interna também chamada de estrutura fonológica13. Aí, elementos não significativos e arbitrários se articulam para formar outra ordem de unidades significativas.” (RAMPELOTTO & NOBRE, pág. 03). Teríamos na língua de sinais, uma estrutura triádica para a compreensão. Composta por uma imagem ou quase imagem (primeiridade - Ícone) produzida pelo sinal, uma reação (segundidade - Índice) a esta imagem e por fim a significação(terceiridade - Símbolo) feita a partir dos sinais da língua ou melhor signos.

Tendo como princípio os parâmetros14 estruturais das línguas de sinais como a Configuração de Mão (CM), o Ponto de Articulação (PA) e o Movimento (M). Dependendo do signo visual, ou sinal, a primeiridade poderia ser o conjunto total dos

13 Querológica seria mais adequado já que se trata de uma língua de sinais, sinais estes manuais, faciais, gestuais, corporais etc.14Sendo estes os parâmetros primários ou secundários e não as categorias. As categorias são os fenômenos que ocorrem na consciência.

Page 19: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

três parâmetros, assim a imagem completa poderia estar associada à primeiridade que produziria a segundidade, por fim terceiridade. Para que possamos entender uma língua existem funções significantes, de significados e de representações. Traduzindo pela Semiótica estas funções seriam: Ícones, Índices, e Símbolo, nas categorias cenoptagóricas.

Assim, um signo completo em sua significação necessita da completude da emissão dentro da estrutura gramatical de uma língua para a compreensão do sentido real. Na falta de um destes atributos a interpretação poderia ser entendida, porém com ruídos nas línguas orais, ou com emissão difusa (luminosidade nublada), perdendo a função conceitual, pela falta de uma das categorias. No caso das línguas orais a informação será compacta, temos a imagem, mas falta ligação ou relação com um conceito conhecido (no caso de Surdos pré-linguísticos), ou não tem o conteúdo completo (perda auditiva), o objeto não tem relação com significado na experiência surda, que é visual (comunicação oral + objeto). O difuso neste caso é que a informação não será processada de forma integral pela falta do conceito (simbolização da experiência visual).

Na experiência surda este problema não existe nas línguas de sinais, pois está composta por todas as categorias de apreensão do objeto. Porém, os atributos gramaticais das línguas de sinais tem que ser respeitados (Objeto, referencia e representação), pois, na falta de uma das funções, nas estruturas dos parâmetros, nos remeteria imediatamente a um signo diferente daquele pensado pelo emissor. Tendo, assim, a falta de uma das categorias peircianas (Ícone, Índice e Símbolo) no conjunto da especificação sígnica, ou a falta de uma das componentes da estrutura do parâmetro primário (Configuração de Mão, Ponto de Articulação e Movimento) ocasionaria a incompreensão de determinado Signo.

Portanto, o conjunto de significados da Capoeira, quando a pensamos em sua experiência visual, é compatível com a experiência surda. Podemos concluir que a Capoeira entendida como língua tem uma estrutura gramatical que consiste em regras com signos visuais(icônicos), podendo ser entendida sem prejuízo pelo aluno surdo. No que se refere à leitura semiótica, ainda existem muitas questões a serem resolvidas, pensadas e problematizadas em relação à aplicação nos estudos surdos. No entanto, o que ficou constatado neste trabalho foi que a teoria peirciana tem condições de dar respostas à estruturação tanto da língua, quanto da linguagem, como também, dar respostas mais fidedignas as experiências surdas e sua consciência Surda. Já no que diz respeito à consciência fonológica podemos observar que não existe vestígio de uma construção sonora por parte destes alunos. Quando existem os ruídos deixam a comunicação incompreensível, pela sobreposição de uma estrutura gramatical sonora sobre uma estrutura gramatical visual, ou vice-versa. Este fator teórico causa dificuldades tanto para o sujeito Surdo na aquisição da língua escrita, quanto para sujeito Ouvinte na compreensão da escrita Surda. Assim sendo, observamos que este estudo, embora limitado a questões da Capoeira, da língua e da linguagem, nos possibilitou refletir sobre a Semiótica como sendo uma fonte teórica que se aproxima dos Estudos Surdos. Esta verificação só pode ser constatada a partir de uma ferramenta metodológica que se aproxima da experiência da língua de sinais, ou seja, o conjunto de movimentos e de historicidade constituintes da Capoeira.

REFERÊNCIAS

Page 20: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

BOUTINET, Jean Pierre. Antropologia do Projeto. 5ª ed. Porto Alegre: ARTMED, 2002.BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Pesquisa participante. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.CAMPELLO, Ana Regina e Souza. Ensino da Língua Portuguesa para Surdos. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.CARVALHO, Letícia C. de. O Grande Mestre da Capoeira Angola. Revista Praticando Capoeira. 2ª ed. São Paulo: D + T, 2002.CASTRO, Luiz Victor Junior. A Pedagogia da Capoeira: Olhares (toques?) cruzados de Velhos Mestres e de Professores de Educação Física. Dissertação (Mestrado em Educação)- I’ Université du Quebec à Chicoutimi (UQAC), Quebec – Canadá. 2003. COURTNEY, R. Jogo, Teatro e Pensamento.São Paulo: Perspectiva, 2003.CRUZ NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994.DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constiuição da subjetividade do sujeito surdo. In. QUADROS, Ronice Muller. (Org). Estudos Surdos. 1ª ed. Petrópolis/RJ: Arara Azul, 2006.DAMILANO, José Luiz Padilha. Fundamentos Neuropsicológicos da Aprendizagem. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.FADERS et al. Surdos: Direitos Humanos e Surdez. A acessibilidade promovendo a cidadania dos surdos. Porto Alegre: GRAFO, 2002.FAVERO, Maria Helena, PIMENTA, Meireluce Leite & PACIFICI, Márcia Rangel. Produção e compreensão do texto escrito: Um estudo junto a Surdos Universitários. Brasília, 11 de fev. 2008. FERNANDES, Eulália. Linguagem e Surdez. 1ª ed. Porto Alegre: ARTMED, 2003.FERREIRA, Daniel Granada da Silva. A Capoeira do Brasil até Paris: redes sociais, transformações e adaptações da prática da Capoeira no Brasil e na França. In:V Congresso Europeo CEISAL de Latinoamericanistas (redes sociales: de lo local a lo transnacional. Université de Paris III Sorbonne Nouvelle. Paris – França. Anais eletrônicos... Paris: U.P./C.E.R.C.A.A.,2005. Disponível em: <http://www.reseau-amerique-latine.fr/ceisal-bruxelles/MS-MIG/MS-MIG-2-Granada.pdf>. Acesso 24 mar. 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 19ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.FRIGERIO, Alejandro. Capoeira, de arte negra a esporte de branco. Centro de estudos Afro-asiaticos. Rio de Janeiro 1985. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_10/rbcs10_05.htm. Acesso: 24 Mar 2008.GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas. A Teoria na Prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995._________. O Verdadeiro, o belo e o bom. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.GAUTHIER, Jacques Zanidê; CASTRO, Luis Vítor Junior & BATISTA, Maria Geovanda. Corpo no Auê e na Capoeira: rodas e resistências sociopoéticas na Bahia. Diálogos Possíveis. Paris, 17 fev. 2008. Disponivel em: http://www.fsba.edu.br/dialogospossiveis/artigos/4/09.pdf. Acesso: 24 Mar 2008.GÓES, M. C. R. de. Linguagem, Surdes e educação. Campinas: Autores Associadas, 1999.

Page 21: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

LUNARDI, Márcia Lise. Diferentes Representações da Língua. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005._______.Língua, Cultura e Identidade. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.LE BOULCH, Jean. Desenvolvimento Psicomotor: do nascimento aos Seis Anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.GOLDFELD, Márcia. A Criança Surda: Linguagem e Cognição Numa Perspectiva Sóciointeracionista. 2ª ed. São Paulo: Plexus, 2002. MELO, Regina Maria. Fundamentos da Leitura e Escrita. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.NEWCOMBE, Nora. Desenvolvimento Infantil – Abordagem de Mussen. 6ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2005.NOBRE, Maria Alzira da Costa & RAMPELOTTO, Elisane Maria. Língua de Sinais, mimeo, s/d.MACHADO, Paulo Cezar. Integração/inclusão na escola regular: Um olhar do egresso surdo. In. QUADROS, Ronice Muller. (Org). Estudos Surdos. 1ª ed. Petrópolis: Arara Azul, 2006.MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Cristina (Org.). Introdução à Lingüística: Domínios e Fronteiras. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. PADOIN, Maria Medianeira. Processos Investigativos em Educação II. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.PIGNATÁRI, Décio. Informação, Linguagem e Comunicação. 9ª ed. São Paulo:Cultrix 1980.POSSA, Leandra Bôer. Metodologia da Pesquisa. UFSM/CE, 2007 (no prelo).QUADROS, Ronice Muller de (Org.). Estudos Surdos I. 1ª ed. Petrópolis: Arara Azul, 2006. _______. Educação de Surdos: A Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997._______. Desenvolvimento Lingüístico e Educação do Surdo. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005._______ & PERLIN, Gladis (Org.). Estudos Surdos II. 1ª ed. Petrópolis: Arara Azul, 2007._______ & SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para surdos. 1ª ed. Porto Alegre: Lagoa, 2006.______. Situando as diferenças implicadas na educação de Surdos: Inclusão/exclusão. Revista Ponto de Vista. Artigo UFSC. Florianópolis, 2003.______ & SUTTON-SPENCE, Rachel. Poesia em língua de sinais: Traços da identidade surda. In. QUADROS, Ronice Muller. (Org). Estudos Surdos. 1ª ed. Petrópolis: Arara Azul, 2006RANCIÈRE, Jacques. O Mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelactual. 2ª ed. São Paulo: Autêntica, 2007.RAMPELOTTO, Elisane Maria. Fundamentos da Educação Especial I. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.SILVA, Vilmar. Uma releitura da primeira escola Pública para surdos em Paris e do congresso de Milão em 1880. In. QUADROS, Ronice Muller. (Org). Estudos Surdos. 1ª ed. Petrópolis: Arara Azul, 2006. SILVEIRA, Carolina Hessel. Libras I e II. 1ª ed. Santa Maria: UFSM, 2005.SKLIAR, Carlos. A Surdez: Um Olhar Sobre a Diferença. 1ª ed. Porto Alegre: Mediação, 1998.

Page 22: Capoeira como Alternativa Metodológica para Educação de Surdos

SACKS, Oliver. Vendo Vozes. Uma Jornada pelo Mundo dos Surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1990.SANTAELLA, Lucia. Coleção primeiros passos: O que é Semiótica? Distrito Federal: brasiliense, 2001.

______. A percepção: uma teoria Semiótica. 2ª ed. São Paulo: Experimento, 1998.

______. Produção da Linguagem e Ideologia. São Paulo: Cortez, 1996.SILVA, Tomas Tadeu da (org.). Identidade e Diferença: A Perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2005.SOARES, Carmen Lúcia & Madureira, José Rafael. Educação Física, linguagem e arte: possibilidades de um diálogo poético do corpo. Porto Alegre: Disponível em:< http://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/2869/1483 >. Acesso em: 24 Mar 2008.SOARES, Carlos Eugenio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro. [Entrevista disponibilizada em 26 de setembro de 2004, a internet] Disponível em:<http://www.angola-ecap.org/spip.php?article114&id_rubrique=1 >. Acesso em: 24 Mar 2008.STOKOE, William C. Sign language structure. Annual review of anthropology. Tradução por M.A. Nobre. v.9, p. 365-390, 1980.VASSALLO, Simone Ponde. Capoeiras e intelectuais: a construção coletiva da Capoeira “autêntica”. Dissertação de doutorado Fundação Getulio Vargas. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/354.pdf . Acesso em: 24 Mar 2008.VAZ, Alexandre Fernandez. Educação do corpo em manifestação cultural afro-brasileira: O jogo de Capoeira no contexto da indústria cultural. In:VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais (A Questão Social do Novo Milênio). Universidade de Coimbra. Coimbra – Portugal. Anais eletrônicos... Coimbra: U.C./C.E.S. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/MulekaMwewava_AlexandreVaz.pdf. Acesso em: 24 Mar 2008. VYGOTSKY, Lev Seminovich. Pensamento e Linguagem. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.______. A construção do pensamento e da linguagem. 1ª ed. São Paulo: Martins fontes, 2001.