22
Capítulo 1 “Um país do tipo lento”, disse a Rainha Vermelha. “Agora aqui, veja bem, é preciso toda a veloci- dade que você tiver para permanecer no mesmo lugar. Se quiser ir além, terá de correr no mínimo duas vezes mais rápido!” (Lewis Carroll, Alice Através do Espelho) “Nós sempre comemos elefantes...” é a surpreendente alegação feita por Carlos Broens, fun- dador e presidente de uma bem-sucedida empresa australiana de fabricação de ferramentas de precisão com um registro de crescimento invejável. Broens Industries é uma empresa de porte médio que, empregando 130 colaboradores, sobrevive em um cenário extrema- mente competitivo, exportando mais de 70% de seus produtos e serviços para empresas que exigem tecnologia nos setores de aviação, médico-hospitalar e em outros mercados avançados. A citação não se refere a estranhos hábitos alimentares, mas à sua confiança no “enfrentamento de desafios normalmente encarados como impossíveis pelas empresas de nosso porte” – uma capacidade que é baseada em uma cultura de inovação de produtos e processos necessários para produzi-los. 1 Do outro lado da escala de tamanho, Kumba Resources, uma grande empresa de mi- neração sul-africana, faz outra afirmação dramática: “Nós movemos montanhas”. Nesse caso, as montanhas contêm minério de ferro, e suas operações gigantescas exigem escavações em larga escala – bem como posterior restauração do meio ambiente. A maioria de seus negócios envolve maquinaria pesada de grande sofisticação – e sua capacidade de manter o negócio operante e produtivo depende de uma mão-de-obra capaz de contribuir com suas idéias ino- vadoras de forma contínua. 2 A inovação é movida pela habilidade de estabelecer relações, detectar oportunidades e tirar proveito das mesmas. Quando a ponte Tasman ruiu em Hobart, na Tasmânia, em 1975, Robert Clifford dirigia uma pequena empresa de transporte marítimo e vislumbrou a oportu- nidade de aumentar sua receita com o aumento da demanda por balsas – além de diferenciar seu negócio vendendo bebidas para passageiros sedentos. Mais tarde, o mesmo ímpeto em- preendedor o ajudou a montar uma empresa – a Incat – que foi pioneira na construção de embarcações quebra-onda, o que permitiu que dominasse metade do mercado mundial de balsas velozes de travessia do tipo catamarã, ou balsa de quilha dupla. Investimento contínuo em inovação permitiu que essa empresa, partindo de uma posição relativamente isolada, construísse um nicho-chave em mercados internacionais militares e privados altamente com- petitivos (www.incat.com.au). Mas a inovação não consiste apenas na abertura de novos mercados – pode também significar novas formas de servir a mercados já estabelecidos e maduros. Apesar de uma Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

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Capítulo 1

“Um país do tipo lento”, disse a Rainha Vermelha. “Agora aqui, veja bem, é preciso toda a veloci-

dade que você tiver para permanecer no mesmo lugar. Se quiser ir além, terá de correr no mínimo

duas vezes mais rápido!”

(Lewis Carroll, Alice Através do Espelho)

“Nós sempre comemos elefantes...” é a surpreendente alegação feita por Carlos Broens, fun-

dador e presidente de uma bem-sucedida empresa australiana de fabricação de ferramentas

de precisão com um registro de crescimento invejável. Broens Industries é uma empresa

de porte médio que, empregando 130 colaboradores, sobrevive em um cenário extrema-

mente competitivo, exportando mais de 70% de seus produtos e serviços para empresas

que exigem tecnologia nos setores de aviação, médico-hospitalar e em outros mercados

avançados. A citação não se refere a estranhos hábitos alimentares, mas à sua confiança no

“enfrentamento de desafios normalmente encarados como impossíveis pelas empresas de

nosso porte” – uma capacidade que é baseada em uma cultura de inovação de produtos e

processos necessários para produzi-los.1

Do outro lado da escala de tamanho, Kumba Resources, uma grande empresa de mi-

neração sul-africana, faz outra afirmação dramática: “Nós movemos montanhas”. Nesse caso,

as montanhas contêm minério de ferro, e suas operações gigantescas exigem escavações em

larga escala – bem como posterior restauração do meio ambiente. A maioria de seus negócios

envolve maquinaria pesada de grande sofisticação – e sua capacidade de manter o negócio

operante e produtivo depende de uma mão-de-obra capaz de contribuir com suas idéias ino-

vadoras de forma contínua.2

A inovação é movida pela habilidade de estabelecer relações, detectar oportunidades e

tirar proveito das mesmas. Quando a ponte Tasman ruiu em Hobart, na Tasmânia, em 1975,

Robert Clifford dirigia uma pequena empresa de transporte marítimo e vislumbrou a oportu-

nidade de aumentar sua receita com o aumento da demanda por balsas – além de diferenciar

seu negócio vendendo bebidas para passageiros sedentos. Mais tarde, o mesmo ímpeto em-

preendedor o ajudou a montar uma empresa – a Incat – que foi pioneira na construção de

embarcações quebra-onda, o que permitiu que dominasse metade do mercado mundial de

balsas velozes de travessia do tipo catamarã, ou balsa de quilha dupla. Investimento contínuo

em inovação permitiu que essa empresa, partindo de uma posição relativamente isolada,

construísse um nicho-chave em mercados internacionais militares e privados altamente com-

petitivos (www.incat.com.au).

Mas a inovação não consiste apenas na abertura de novos mercados – pode também

significar novas formas de servir a mercados já estabelecidos e maduros. Apesar de uma

Fatores Fundamentais naGestão da Inovação

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24 Parte I Gestão para a Inovação

mudança global do setor têxtil e de vestuário em direção a países em desenvolvimento, a

empresa espanhola Inditex (por meio de suas muitas lojas de diversos nomes, incluindo

a Zara) foi pioneira em uma operação de grande retorno financeiro com mais de 2000

pontos de venda em 52 países. Foi fundada por Amâncio Ortega Gaona, que se estabe-

leceu com um pequeno negócio no oeste da Espanha, em La Coruña – uma região até

então sem tradição no ramo têxtil –, e a primeira loja foi aberta em 1975. A filosofia da

Inditex é centrada na íntima relação entre design, fabricação e venda; sua rede de distri-

buidores continuamente fornece feedback com informações sobre novas tendências, que

são usadas para criar novos designs. A empresa também faz experimentos diretamente

com seu público consumidor, testando amostras de tecidos ou designs e obtendo uma

resposta rápida sobre as novas tendências. Apesar da orientação globalizada, a maior

parte de sua fabricação está concentrada na Espanha, e a empresa conseguiu reduzir o

tempo de resposta a um sinal indicativo para o lançamento de uma inovação para cerca

de 15 dias (www.inditex.com/en).

Evidentemente, a tecnologia sempre desempenha um papel fundamental na disponibili-

zação de opções radicalmente novas. Magink, uma empresa criada em 2000 por um grupo de

engenheiros israelenses, tornou-se integrante da gigantesca operação Mitsubishi. Seu negócio

consiste em explorar o emergente terreno da tecnologia de tinta digital – basicamente possi-

bilitando tecnologia de display com qualidade de papel para mostradores internos e externos.

Estes possuem uma série de vantagens sobre os expositores de cristal líquido: baixo custo,

ângulos de visão aumentados e alta visibilidade, mesmo quando submetidos à luz solar. Uma

de suas maiores linhas de desenvolvimento consiste em painéis de propaganda – um mercado

de cerca de 5 bilhões de dólares somente nos Estados Unidos – em que a perspectiva de arma-

zenagem programável agora é uma realidade. Magink proporciona imagens de alta resolução

que podem ser alteradas mais facilmente do que a propaganda impressa convencional, além

de permitir que os proprietários desses painéis de propaganda ofereçam espaços de tempo a

preços variáveis, como o espaço pago em televisão.3

No outro extremo da balança tecnológica, há espaço para a melhoria de um produto já

antigo – os simples óculos de grau. Um encontro casual se deu entre um professor de física de

Oxford, que desenvolvia sua própria nova tecnologia em lentes de contato oftalmológicas (e

com interesse em torná-la disponível nos países em desenvolvimento), e alguém que possuía

grande conhecimento sobre os países em desenvolvimento. Esse encontro fortuito ocasionou

uma nova tecnologia com potencial para transformar a vida de milhões de pessoas nos países

em desenvolvimento – um par de óculos que pode ser ajustado pelo próprio usuário para

adequar-se às suas necessidades. Nenhum teste oftalmológico é necessário, as lentes especiais

podem simplesmente ajustar-se com precisão para corrigir a visão de um grande número de

pessoas. A produção em massa de tais óculos será realidade muito em breve, com fabricação

de alta qualidade a baixo custo. Nesses países, onde há escassez de oftalmologistas, essa ino-

vação teria grande impacto sobre uma parcela significativa da população, maior até do que o

do rádio à corda.

Evidentemente, a inovação não está restrita a bens manufaturados; exemplos de re-

viravolta pela inovação podem ser encontrados no setor de serviços, bem como no setor

público e privado.4 Um bom exemplo é o caso do Hospital Karolinska, de Estocolmo, que

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25Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

promoveu melhorias radicais na presteza, qualidade e eficácia de seus serviços de atendi-

mento – como redução de listas de espera em 75% e cancelamentos em 80% – por meio da

inovação.5 No setor financeiro, o banco inglês First Direct tornou-se o mais competitivo,

atraindo cerca de 10.000 novos clientes a cada mês ao oferecer um serviço bancário telefô-

nico sustentado por tecnologia de informação de alta sofisticação. Uma abordagem seme-

lhante no setor de seguros – Direct Line – alterou substancialmente a base do mercado e

provocou a imitação generalizada pela maioria dos participantes do setor6,7. Varejistas pela

Internet, como a Amazon.com, mudaram as formas como produtos tão diferentes como

música, livros e viagens são vendidos, enquanto empresas como a e-Bay trouxeram o leilão

para dentro de casa.

1.1 Inovação e vantagem competitiva

O que essas empresas têm em comum é que seu incontestável sucesso deve-se, em grande

parte, à inovação. Enquanto a vantagem competitiva pode advir de tamanho ou patrimônio,

entre outros fatores, o cenário está gradativamente mudando em favor daquelas organizações

que conseguem mobilizar conhecimento e avanços tecnológicos e conceber a criação de no-

vidades em suas ofertas (produtos/serviços) e nas formas como criam e lançam essas ofertas.8

Essa mudança é percebida não apenas no empreendimento individualizado, mas como uma

forte tendência para o crescimento econômico em proporções nacionais. O Escritório Bri-

tânico de Ciência e Tecnologia, por exemplo, avalia esse fator como “o motor da economia

moderna, transformando idéias e conhecimento em produtos e serviços”.9

A inovação contribui de diversas formas. As pesquisas sugerem que há uma forte corre-

lação entre o desempenho mercadológico e a inserção de novos produtos.10, 11 Produtos novos

permitem capturar e reter novas fatias de mercado, além de aumentar a lucratividade em tais

mercados. No caso de produtos mais maduros e estabelecidos, o crescimento da competiti-

vidade nas vendas é resultado não apenas da capacidade de oferecer preços mais baixos, mas

também de uma infinidade de fatores não-econômicos: modelo, customização e qualidade.6

Num mundo em que o ciclo de vida dos produtos é cada vez menor – em que, por exemplo,

a vida útil de um televisor ou computador é medida em meses, ou, ainda, em que produtos

mais complexos, tais como o motor de um automóvel, levam apenas poucos anos para ser de-

senvolvidos – a capacidade de substituir produtos por versões mais modernas com freqüência

é cada vez mais importante.12,13 “Competir com o tempo” reflete uma crescente pressão sobre

as empresas, não somente para introduzir novos produtos no mercado, como também para

fazê-lo mais rapidamente que seus concorrentes.12,14

Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de novos produtos é uma capacidade impor-

tante, pois o meio ambiente está constantemente mudando. Alternâncias no campo so-

cioeconômico (naquilo em que as pessoas acreditam, esperam, querem e ganham) criam

oportunidades e restrições. A legislação pode abrir novos campos e fechar outros; como,

por exemplo, aumentar as exigências para produtos ecologicamente orientados. Os con-

correntes podem introduzir novos produtos que representem grande ameaça às posições

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26 Parte I Gestão para a Inovação

de mercado existentes. Em todos esses casos, as empresas precisam estar preparadas para

reagir por meio da inserção de novos produtos.

Enquanto os novos produtos são encarados como líderes de inovação no mercado,

a inovação de processos desempenha um papel estratégico também importante. Ser capaz

de fazer algo que ninguém mais pode, ou fazê-lo melhor do que outros, é uma vantagem

significativa. Por exemplo, o domínio japonês no final do século XX em diversos seto-

res – automóveis, motocicletas, construção naval, produtos eletroeletrônicos – deveu-se

em grande parte à sua capacidade superior de fabricação, algo resultante de um padrão

consistente de processo de inovação. O sistema de produção da Toyota, bem como seu

equivalente da Honda e da Nissan, levou a vantagens de desempenho na escala de dois

para um sobre os fabricantes médios de veículos em uma série de indicadores de qualida-

de e produtividade.15 Uma das principais razões para explicar a habilidade de empresas

consideravelmente pequenas, como a Oxford Instruments ou a Incat, em sobreviver em

mercados globalizados altamente competitivos é o alto grau de complexidade do que fa-

bricam e as imensas dificuldades que um novo concorrente enfrenta ao tentar aprender e

dominar suas tecnologias.

De forma semelhante, a capacidade de prestar melhores serviços – mais rápidos,

mais baratos, de melhor qualidade – já é há muito considerada fonte de vantagem em

competitividade. O Citibank foi o primeiro banco a oferecer serviços de caixa de atendi-

mento automático e desenvolveu uma forte posição de mercado como líder tecnológico

pioneiro nesse processo inovador. A Benetton é um dos mais importantes e bem-sucedi-

dos varejistas do mundo, em muito devido à sua sofisticada rede de produção automatiza-

da, que foi inovadora por cerca de 10 anos16, e cujo modelo tem sido usado com sucesso

pela empresa espanhola Zara. A Southwest Airlines ocupou uma posição invejável como

a empresa aérea mais eficaz dos Estados Unidos, apesar de ser bem menor do que suas

concorrentes; seu sucesso deveu-se à inovação de processos em áreas como a redução dos

tempos de espera em aeroportos.17 Esse modelo tornou-se imediatamente padrão para

toda uma nova geração de linhas aéreas de baixo custo, cujos esforços revolucionaram o

universo antes pacato das viagens aéreas.

É importante ressaltarmos que as vantagens geradas por essas medidas inovadoras per-

dem seu poder competitivo à medida que outros as imitam. A menos que a organização

seja capaz de progredir para uma inovação ainda maior, arrisca-se a ficar para trás, já que

os demais tomam a liderança ao mudarem suas ofertas, processos operacionais ou modelos

que orientam seus negócios. Por exemplo, a liderança no setor financeiro mudou de mãos,

particularmente para os que souberam capitalizar primeiro sobre o avanço da informatização

e da tecnologia de comunicação. Muitos dos serviços financeiros lucrativos, como corretagem

de seguros e valores, foram dominados por participantes com modelos radicalmente novos,

como Charles Schwab.18 Quando todos os varejistas adotam o sistema informatizado avan-

çado, a liderança se transfere para aqueles que são capazes – como a Zara e a Benetton – de

direcionar suas operações de produção para, rapidamente, responder aos sinais dados pelos

sistemas informatizados.

Com o advento da Internet, o alcance da inovação no setor de serviços cresceu muito –

não é sem razão que é chamada de “a solução em busca de problemas”. Conforme apontam

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27Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

Evans e Wuster, o quadro tradicional de serviços sendo oferecido ou como um padrão para

um grande mercado (definido como de alto “alcance”), ou altamente especializado e custo-

mizado para um indivíduo restrito capaz de pagar um alto preço (de alto “poder aquisitivo”)

é “implodido” pelas oportunidades da tecnologia de comunicação em rede. Hoje é possível

atingir o alto poder aquisitivo e o alto alcance ao mesmo tempo, criando, dessa forma, mer-

cados inteiramente novos e alterando radicalmente aqueles que existem em qualquer negócio

centrado em informação.19

O desafio que a Internet traz não atinge apenas grandes bancos e varejistas, embora se-

jam esses os casos que normalmente ocupam as manchetes de jornais. Também é uma ques-

tão – e provavelmente uma questão de sobrevivência – para milhares de pequenos negócios.

Considere o caso da pequena agência de turismo e da forma confortável como costumava

operar. Demonstradores cheios de panfletos coloridos que as pessoas podiam manusear; me-

sas nas quais solícitos atendentes explicavam os detalhes da escolha de um feriado, da reserva

de passagens, providenciando seguros e outros. Agora pense como tudo isso pode ser feito

Q U A D R O 1 . 1JOSEPH SCHUMPETER O PAI DOS ESTUDOS SOBRE INOVAÇÃO

O pai dessa área da teoria econômica foi Joseph Schumpeter, que muito escreveu

sobre o assunto. Ele teve uma carreira promissora como economista e foi Ministro

das Finanças do Governo da Áustria. Seu argumento era simples: os empresários

procurarão fazer uso de inovação tecnológica – um novo produto/serviço ou um

novo processo para produzi-lo – a fim de obter vantagem estratégica. Por certo

tempo, esse será o único exemplo de inovação, e o empresário pode esperar ga-

nhar um bom dinheiro com ele – o que Schumpeter chama de “lucros de mono-

pólio”. Mas é claro que outros empresários verão o que foi feito e tentarão imitá-

lo, disso resultando que outras inovações surgirão e o aumento de novas idéias

amortizará os lucros de monopólio até que um novo equilíbrio seja alcançado.

Nesse ponto, o ciclo se repete – nosso empresário inovador, ou outro qualquer,

estará buscando a próxima inovação, que, por sua vez, reescreverá as regras do

jogo, e lá vamos nós outra vez. Schumpeter fala de um processo de “destruição

criativa”, em que há uma constante busca pela criação de algo novo que simul-

taneamente destrói velhas regras e estabelece novas – tudo sendo orientado pela

busca de novas fontes de lucratividade.20

Segundo ele:

[O que conta] é a concorrência pelo novo bem de consumo, nova tecnologia, nova fonte

de fornecimento, novo tipo de organização .... concorrência que ... não atinge a margem

dos lucros e dos resultados das empresas existentes, mas os seus fundamentos e suas

próprias vidas.

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30 Parte I Gestão para a Inovação

com o simples clique de um mouse, na comodidade de seu lar – e que pode ainda ser feito,

potencialmente, com maior variedade e a preços mais baixos. Não é surpreendente que uma

das áreas de maior crescimento entre as novas empresas pontocom tenha sido a do ramo de

viagens, e, embora muitas empresas tenham desaparecido no “estouro da bolha”, outras como

lastminute.com e Expedia estabeleceram-se como players principais.

Claro que nem todo mundo está disposto a comprar online e, de qualquer maneira,

sempre haverá campo para o agente de viagens de agência, especializado no serviço perso-

nalizado, atuando como mediador entre os serviços virtuais e aqueles clientes que não se

sentem muito à vontade com computadores. Como se pôde verificar, a euforia inicial acerca

da indústria pontocom deu lugar a um avanço mais cauteloso de negócios baseados na Inter-

net. A verdade é que, sejam quais forem as condições tecnológicas, sociais ou mercadológicas

envolvidas, a chave para se criar – e manter – vantagem competitiva tende a pertencer àquelas

organizações que inovam continuamente.

A Tabela 1.1 indica algumas das formas nas quais as empresas podem obter vantagem

estratégica pela inovação.

1.2 Tipos de inovação

Antes de avançarmos, é necessário definir alguns termos. O que entendemos por “inovação”?

Estamos basicamente falando de mudança, e esta pode assumir diversas formas; para os fins

deste livro, iremos nos centrar em quatro categorias abrangentes (os “4 Ps” da inovação).21

Inovação de produto – mudanças nas coisas (produtos/serviços) que uma empresa •oferece;

Inovação de processo – mudanças na forma em que os produtos/serviços são criados •e entregues;

Inovação de posição – mudanças no contexto em que produtos/serviços são intro- •duzidos;

Inovação de paradigma – mudanças nos modelos mentais subjacentes que orientam •o que a empresa faz.

Por exemplo, um novo modelo de carro, um novo pacote de seguro contra acidentes

para bebês recém-nascidos e um novo sistema de entretenimento doméstico seriam exemplos

de inovação de produto. Já a mudança nos métodos de fabricação ou nos equipamentos utili-

zados para produzir o carro ou o sistema de entretenimento doméstico, ou mesmo nos proce-

dimentos administrativos, no caso do seguro, seriam exemplos de inovação do processo.

Às vezes, a linha divisória é muito tênue – por exemplo, uma nova balsa marítima mo-

vida a jato seria tanto uma inovação no produto quanto no processo. Os serviços representam

um caso particular dessa combinação em que os aspectos de produto e processo muitas vezes

se fundem – por exemplo, um novo pacote de viagem é uma mudança no produto ou no

serviço?

Edmundo
Cross-Out
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31Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

A inovação também pode ser atingida pelo reposicionamento da percepção de um

produto ou processo já estabelecido em um contexto de uso específico. Encontramos um

bom exemplo disso num produto bem conhecido no Reino Unido: Lucozade, original-

mente desenvolvido como uma bebida à base de glicose para auxiliar na convalescença de

crianças e enfermos. Essas associações com doenças foram esquecidas pelos novos donos,

SmithKline Beecham, quando relançaram o produto como uma bebida energética desti-

nada ao crescente mercado de fitness, em que agora é apresentado como um auxiliar na

melhoria de desempenho da atividade física saudável. Essa mudança é um ótimo exemplo

de inovação de “posição”.

Em alguns casos, as oportunidades de inovação surgem quando repensamos a forma

como olhamos para algo. Henry Ford mudou drasticamente o conceito de transporte, não por

haver inventado o motor à combustão (ele entrou relativamente tarde no setor) ou por haver

desenvolvido o processo de montagem do mesmo (já que a indústria automobilística estava

estabelecida como um setor especializado há cerca de 20 anos). Sua contribuição residiu em

mudar o modelo de um padrão que oferecia um produto artesanal feito sob encomenda por

um especialista para poucos clientes abastados, para outro que disponibilizava um automóvel

para qualquer cidadão a um preço que ele podia pagar. A mudança da produção artesanal

para a produção de massa foi nada menos do que uma revolução na forma como os carros (e,

mais tarde, incontáveis outros produtos e serviços) eram criados e vendidos.15 É óbvio que

fazer com que a nova abordagem funcionasse na prática também precisou de grande inovação

no produto e no processo, como no desenho de componentes, desenvolvimento de novas

máquinas, remodelagem de fábricas e, especialmente, no sistema social em torno do qual a

mão-de-obra estava organizada.

Exemplos recentes de inovação de “paradigma” – mudança nos modelos mentais – in-

cluem a introdução de linhas aéreas de baixo custo, a oferta de seguro e outros serviços

financeiros pela Internet e o reposicionamento de bebidas como café e sucos de frutas como

produtos com design sofisticado. Embora a Enron tenha ficado conhecida, em sua última fase,

por sua prática financeira inadequada, originalmente alcançou proeminência como uma pe-

quena construtora de linhas de gasoduto que percebeu o potencial da inovação de paradigma

no setor de utilidades. Num clima de privatização e de globalização, através da distribuição

em sistemas de rede, energia e outras utilidades, como comunicações por banda larga, torna-

ram-se muito rapidamente mercadorias que podiam ser negociadas como açúcar ou cacau no

mercado de futuros.22

Da inovação incremental à inovação radicalUma segunda dimensão da mudança é o grau de novidade envolvido. Obviamente, atuali-

zar o modelo de um carro não é o mesmo que aparecer com um conceito de carro totalmen-

te novo, que possua um motor elétrico e seja feito de uma nova composição de materiais

diferentes de aço e vidro. Da mesma forma, aumentar a velocidade e a precisão de um torno

elétrico não é a mesma coisa que substituí-lo por um processo de fabricação a laser contro-

lado por computador. Há diferentes graus de novidade desde melhorias incrementais me-

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32 Parte I Gestão para a Inovação

nores até mudanças realmente radicais que transformam a forma como vemos ou usamos

as coisas. Algumas vezes, essas mudanças são comuns em alguns setores ou atividades, mas

às vezes são tão radicais e vão tão além que mudam a própria base da sociedade, como foi

o caso do papel da energia a vapor na Revolução Industrial ou das presentes mudanças re-

sultantes das tecnologias de comunicação e informática. A Figura 1.1 ilustra esse processo,

enfatizando a idéia de que tal mudança pode ocorrer no nível dos componentes ou subsis-

temas ou afetar o sistema como um todo.

Mapeando o espaço da inovaçãoCada um de nossos “4 Ps” da inovação pode ocorrer ao longo de um eixo, desde a mudança

incremental até a mudança radical; a área indicada pelo círculo, na Figura 1.2, é o espaço

potencial para a inovação, dentro do qual cada organização pode operar. Se ela realmente

utiliza e explora todo esse espaço, é uma questão de inovação estratégica, e falaremos sobre

esse assunto mais adiante.

Considerando que o gerenciamento do processo de inovação é necessário, essas di-

ferenças tornam-se importantes. As maneiras como lidamos com a mudança incremental

diária será diferente daquelas utilizadas ocasionalmente para lidarmos com mudanças radi-

cais em produtos ou processos. Mas precisamos lembrar que é o nível de novidade percebido

que importa; a novidade está no olho de quem a vê. Por exemplo, em uma organização de

NÍVEL DE

SISTEMA

NÍVEL DE

COMPONENTE

INCREMENTAL RADICAL

(“novo paraa empresa”)

(“novo parao mundo”)

(“fazendo aquilo quefazemos melhor”)

Novas versõesde motores

automotivos,aviões,

aparelhos de TV

Melhorias emcomponentes

Novoscomponentespara sistemas

existentes

Materiaisavançados para

melhoria dedesempenho

de componentes

Novas gerações,como MP3 e

download versusCD e fita-cassete

Energia a vapor,“revolução” daTecnologia deInformação e

Comunicações(TIC) e

biotecnologia

FIGURA 1.1 Dimensões da inovação.

Edmundo
Cross-Out
Edmundo
Replacement Text
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33Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

porte e tecnologicamente avançada como a Shell ou a IBM, sistemas de informação em rede

avançados são comuns, mas para uma revenda de automóveis pequena ou para um pequeno

negócio de alimentação o uso de um simples computador de uso pessoal conectado à Internet

pode ainda representar uma mudança radical.23

1.3 A importância da inovação incremental

Embora a inovação, algumas vezes, envolva uma mudança descontínua – algo completamen-

te novo ou uma resposta a condições profundamente alteradas – na maioria das vezes ela

ocorre de forma incremental. Os produtos raramente são “novos para o mundo”; a inovação

de processos é basicamente centrada na otimização ou na “eliminação de pragas do sistema”.

(Ettlie indica que as inovações realmente novas para o mundo estão restritas a apenas cerca

de 6% a 10% de todos os projetos que se dizem inovadores.)24 Estudos acerca do desenvol-

vimento do processo incremental (tal como o famoso estudo de Hollander sobre as fábricas

de rayon da Du Pont) sugerem que os ganhos cumulativos de eficiência são muito maiores a

P O S I Ç Ã O

“ PA R A D I G M A” M O D E LO M E N TA L

P R O D U TO S E R V I Ç O

P R O C E S S O INOVAÇÃO

(incremental... radical) (incremental... radical)

(incr

emen

tal..

. rad

ical

)(in

crem

enta

l... r

adic

al)

FIGURA 1.2 O espaço da inovação.

Edmundo
Cross-Out
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34 Parte I Gestão para a Inovação

longo prazo do que aqueles obtidos com as mudanças radicais ocasionais.25 Outros exemplos

incluem os estudos de Tremblay sobre fábricas de papel, de Eno sobre o refino de petróleo e

de Figueiredo sobre a fabricação de aço.26-28

Melhorias contínuas desse tipo têm recebido considerável atenção nos últimos anos,

primeiramente como resultado do movimento gerencial de “qualidade total”, refletindo os

ganhos significativos que os fabricantes japoneses têm obtido com melhoria na qualidade e na

produtividade através de mudança incremental sustentada.29 Mas isso não é novidade – prin-

cípios semelhantes sustentam o famoso efeito “curva de aprendizagem”, em que a produtivi-

dade é sensivelmente melhorada com o aumento na escala de produção; a razão disso reside

na aprendizagem e na contínua inovação incremental resultante da solução de problemas que

acompanha a introdução de um novo produto ou processo.30 Experiências mais recentes com

a aplicabilidade da mentalidade “enxuta” de gestão, verificadas no setor manufatureiro e de

serviços e, de forma crescente, entre empresas, bem como dentro das mesmas, enfatizam o

grande potencial desse tipo de inovação contínua.15

Uma maneira na qual a abordagem da inovação contínua pode ser aproveitada de

forma produtiva é por meio do conceito de modelo plataforma ou robusto. Essa é a forma

de criar “espaço e elasticidade dentro da embalagem” e depende da capacidade de criar

uma plataforma básica forte que possa ser ampliada. Rothweel e Gardiner exemplificam

de muitas formas tais “modelos robustos”, que podem ser estendidos, ou de alguma forma

modificados, para aumentar o alcance ou a vida útil do produto, incluindo-se as linhas

aéreas da Boeing e os motores a jato da Rolls-Royce.31 Investimentos expressivos feitos por

grandes fabricantes de semicondutores, como a Intel e a AMD, são de certa forma amorti-

zados quando utilizados para desenvolver e produzir uma linha de dispositivos baseados

em famílias comuns ou plataformas, tais como os processadores Pentium, Celeron, Athlon

ou Duron. Os fabricantes de automóveis estão cada vez mais voltados para a produção de

modelos que, embora sejam aparentemente diferentes em estilo, adotam componentes co-

muns, tais como mesmos assoalhos e chassis. Talvez o produto plataforma mais comum seja

o Walkman, originalmente produzido pela Sony como um rádio e toca-fitas portátil: seu

conceito plataforma tornou-se suporte para uma vasta gama de ofertas de todos os maiores

fabricantes nesse mercado e tecnologias dele derivadas, como o minidisco, o CD, o DVD e,

mais recentemente, os tocadores de MP3.

Em termos de inovação de processo, muito progresso foi alcançado com a habilidade

de melhoria e aumento de desempenho a partir de modelos conceituais originais no decorrer

de muitos anos – em áreas como fabricação de aço e de produtos químicos, por exemplo.

Em termos de inovação de serviços, há outros exemplos em que um conceito básico pode ser

adaptado e remodelado para atender a uma vasta gama de aplicações assemelhadas, evitando-

se os altos custos da concepção original – como é o caso de diferentes tipos de financiamento

hipotecário e de seguros.

As plataformas e famílias são formas importantes para que as empresas recuperem seu

investimento inicial em P&D (pesquisa e desenvolvimento) por meio da aplicabilidade da

tecnologia em uma série de outros mercados. A Procter & Gamble, por exemplo, investiu

muito no desenvolvimento da ciclodextrina, originalmente desenvolvida para a fabricação de

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57Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

1.8 A inovação não é fácil...

Embora a inovação seja cada vez mais vista como uma importante maneira de assegurar

vantagem competitiva e uma maneira mais segura de defender posições estratégicas, o su-

cesso não é sempre garantido. A história da inovação de processos e produtos está cheia de

exemplos de idéias aparentemente boas que falharam – em alguns casos com conseqüências

catastróficas. Por exemplo:

Em 1952, os engenheiros da Ford começaram a trabalhar em um novo carro para •bater os modelos de médio porte oferecidos pela GM e pela Chrysler: o carro “E”.

Depois de uma pesquisa exaustiva por um nome que envolveu mais de vinte mil

sugestões, o carro foi finalmente batizado de Edsel Ford, o nome do único filho de

Henry Ford. Não foi um sucesso; quando os primeiros Edsels finalmente saíram

da linha de montagem, a Ford precisou gastar cerca de dez mil dólares por carro

(quase o dobro do custo do veículo) para torná-lo vendável. O plano publicitário

era mandar 75 Edsels no mesmo dia para concessionárias locais; durante o evento,

a empresa só conseguiu mandar 68 deles, e em um espaço televisivo ao vivo o carro

não deu a partida. Esses foram apenas os problemas iniciais; em 1958, a indiferença

do consumidor pelo modelo e a preocupação por sua reputação levou a empresa

abandonar o carro – a um custo de 450 milhões de dólares e 110.847 Edsels.60

Durante a segunda parte da Segunda Grande Guerra, tornava-se cada vez mais claro •que haveria um grande mercado para empresas aéreas de longas distâncias, espe-

cialmente na rota transatlântica. Um competidor britânico era o Bristol Brabazon,

baseado em um modelo de bombardeiro de longo alcance que foi aprovado pelo

Ministério da Aeronáutica para desenvolvimento em 1943. A orientação da BOAC,

o maior cliente da nova linha aérea, era associar-se à imagem do bombardeiro e seu

equipamento, mas sem qualquer comentário sobre questões como tamanho, alcan-

ce e capacidade! O orçamento rapidamente escoou-se com a construção de novas

edificações para acomodar uma aeronave tão grande, e, em um dado momento,

até mesmo com a demolição de um vilarejo inteiro, com a finalidade de aumentar

a pista, em Filton, perto de Bristol. O controle de projeto era deficiente e muitos

detalhes desnecessários foram acrescentados. A maquete, por exemplo, trazia “a

mais refinada sala de maquiagem com espelhos emoldurados em madeira pintada

em alumínio e até equipado com diversos aparadores para os diversos tipos de lo-

ções usadas pelas jovens senhoras mais modernas”. O protótipo levou seis anos e

meio para ser construído e envolveu grandes crises técnicas com a modelagem das

asas e do motor; embora tenha voado bem nos testes, a natureza do mercado aéreo

do pós-guerra era muito diferente da prevista pelos técnicos. Conseqüentemente,

em 1952, depois de voar menos de mil milhas, o projeto foi abandonado após

consideráveis custos ao contribuinte. A comparação com o projeto do Concorde –

desenvolvido pelo mesmo fabricante, no mesmo local, uma década mais tarde – é

difícil de evitar.61

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58 Parte I Gestão para a Inovação

Durante o final da década de 1990, mudanças revolucionárias que envolviam •muitas inovações de sucesso estavam acontecendo na comunicação por telefone

celular – mas até mesmo jogadores experientes podem acabar com os dedos cha-

muscados. A Motorola lançou um empreendimento ambicioso que pretendia ofe-

recer comunicação por sinal em praticamente qualquer lugar do planeta – abran-

gendo o meio do deserto do Saara e o topo do Monte Everest! A execução do

projeto envolvia um investimento de 7 bilhões de dólares para pôr em órbita 88

satélites; mas, além dos custos, o Iridium, como era conhecido o empreendimen-

to, recebeu fundos de investimentos da maioria dos interessados e a rede estava

estabelecida. O problema era que, uma vez que a novidade se tornou comum,

as pessoas deram-se conta que não precisavam fazer tantas ligações para lugares

como o Pólo Norte e ilhas remotas, e que suas necessidades eram facilmente

supridas por redes menos exóticas estruturadas ao redor de grandes centros po-

pulacionais. E, além disso, os aparelhos Iridium eram grandes e incômodos – de-

vido aos complexos componentes eletrônicos sem fio que precisavam conter – e

o custo desse “tijolos” de alta tecnologia era o absurdo de 3 mil dólares! Os custos

de telefonia eram igualmente altos. Apesar do incrível avanço tecnológico que

representava, a “decolagem” do sistema nunca aconteceu, de forma que em 1999

a empresa entrou com pedido de concordata. Mas seus problemas não haviam

terminado: o custo para manter os satélites em órbita de forma segura montava

em torno de 2 milhões de dólares por mês. A Motorola, que teve de assumir tal

ônus, esperava que outras empresas de telecomunicações viessem a aproveitar os

satélites, mas depois que nenhum interesse foi demonstrado, teve de arcar com

um prejuízo de mais 50 milhões de dólares para tirá-los de órbita e destruí-los

com segurança. Mesmo então seus planos de permitir que caíssem e queimassem

na reentrada da atmosfera terrestre foram duramente criticados pela NASA, pelo

risco de virem a causar uma guerra nuclear, uma vez que qualquer peça que ca-

ísse no solo seria grande o suficiente para ativar os mecanismos de defesa russos,

já que poderiam ser identificados não como sucata de satélite, mas como mísseis

direcionados a Moscou!

Uma pesquisa feita pelo Departamento de Indústria e Comércio do Reino Unido •junto a 14 mil empresas consumidoras de programas para computadores mostrou

que entre 80% a 90% dos projetos falharam em atingirem seus objetivos de desem-

penho; cerca de 80% foram entregues com atraso e acima do orçamento previsto;

cerca de 40% falharam e foram abandonados; e apenas de 10% a 20% atingiram

totalmente o critério de sucesso pretendido.

Embora a Internet tenha sido encarada como a sementeira de um enorme número •de novos empreendimentos, a experiência das empresas “pontocom” não foi exa-

tamente um mar de rosas. Algumas empresas, como a Amazon e a Yahoo!, viram

suas ações subir na flutuação inicial – mas, para elas e muitas outras, a bolha estou-

rou. Novos participantes mostraram-se mal-aparelhados para sobreviver, e apenas

uma pequena porção das entrantes originais permanecem – mas até mesmo atores

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59Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

grandes e estabelecidos foram duramente atingidos. O gigante das telecomunica-

ções BT, por exemplo, perdeu 60% de seu valor de mercado, enquanto a Marconi

acabou fechando.

É claro que nem todos os fracassos são tão dramáticos e completos como esses;

para a maioria das organizações, o padrão é de sucesso parcial com problemas. Estudos

sobre inovação de produto, por exemplo, apontam com segurança para um alto índice de

“fracasso” entre idéia inicial e concretização de lançamento de um produto de sucesso no

mercado. Números atualizados variam de 30% até 95%; uma média aceitável gira em tor-

no de 38%.62 Mas esses números não devem surpreender – afinal de contas, a inovação é

um negócio arriscado por natureza, e, como as omeletes, o sucesso sempre envolve alguns

ovos quebrados. Precisamos ter em mente que há sempre um grande índice de incerteza

na inovação, composto de fatores técnicos, mercadológicos, sociais, políticos e outros,

resultando que as probabilidades não são muito boas para o sucesso, a menos que o pro-

cesso seja cuidadosamente gerenciado. Até as empresas mais bem geridas ainda cometem

erros. A história de sucesso do Post-it da 3M é, de fato, um relato em que a inovação po-

deria ter fracassado em vários pontos.63,64 E, como Perez salienta, o padrão de se empolgar

com bolhas de tecnologia que, no final, estouram, com conseqüências catastróficas, não

é novidade.58

O ponto central é assegurar-se de que os experimentos sejam bem concebidos e contro-

lados, de forma a minimizar a incidência de falhas e a fim de garantir, caso isso ocorra, que

lições sejam aprendidas para evitar no futuro a queda na mesma armadilha.

1.9 ... mas é imprescindível

Confrontadas com o que é sempre um processo arriscado e incerto, muitas empresas po-

deriam ser perdoadas por decidirem não inovar, mesmo quando as possíveis recompensas

parecem atrativas. Entretanto essa abordagem – a da inatividade – é raramente uma opção,

especialmente em setores de economia turbulentos e de mudanças bruscas. Em essência, a

menos que as organizações estejam preparadas para renovar seus produtos e processos de

maneira contínua, suas chances de sobrevivência estarão seriamente ameaçadas.

Em meados dos anos 1980, um estudo da Shell indicava que o índice médio de sobre-

vivência de uma empresa de grande porte era de apenas metade do tempo de vida de um

ser humano. Desde então, as pressões sobre as empresas têm crescido consideravelmente de

todos os lados – com o resultado inevitável de que a expectativa de vida é ainda mais reduzi-

da. Muitos estudos procuram pela mudança na composição de fatores essenciais e chamam

a atenção para o legado do que antes eram empresas grandes e, em sua época, inovadoras.

Foster e Kaplan, por exemplo, afirmam que, das 500 empresas originalmente compondo a

lista das pequenas e médias em 1857, apenas 74 permaneceram na lista até 1997.18 Das 12

empresas que compunham o topo da lista do índice Dow Jones em 1900, apenas uma – a

General Electric – sobrevive até os dias de hoje. Até mesmo gigantes aparentemente robustos

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60 Parte I Gestão para a Inovação

como IBM, GM ou Kodak podem, subitamente, apresentar sinais de mortalidade, enquanto

que para as empresas menores o cenário é ainda pior, uma vez que lhes falta a proteção de

uma base de recursos maior.

Algumas empresas precisaram mudar drasticamente para sobreviver no negócio. Uma

empresa fundada no início do século XIX, por exemplo, que tinha botas Wellington e papel

higiênico em seu rol de produtos é hoje uma das maiores e mais bem-sucedidas no mundo

no campo das telecomunicações. A Nokia iniciou suas atividades como uma madeireira e

serraria, fabricando equipamentos para o corte de árvores na Finlândia. Passou a explorar a

indústria do papel e a partir dela atingiu o “escritório sem papel” da TI – e nesse ponto che-

gou aos telefones celulares.

Outro fabricante de telefones celulares – a Vodafone Airtouch – cresceu em proporções

gigantescas com a fusão com uma empresa chamada Mannesman, que, desde sua fundação

em meados de 1870, tem sido mais comumente associada com a invenção e produção de

tubos de aço! Tui é atualmente a empresa que possui a Thomson, a agência de viagens do

Reino Unido que é atualmente a maior agência de turismo européia. Suas origens, entretan-

to, estão nas minas da velha Prússia, onde era estabelecida como uma estatal de exploração

de chumbo e fundição.53

Esse problema não afeta apenas as empresas individualmente; conforme indica o

estudo de Uttetback, setores inteiros podem ser destruídos e desaparecer como resultado

de inovação radical que reescreve as regras técnicas e econômicas do jogo. Duas con-

clusões perturbadoras surgem desse estudo: primeira, muitas inovações que destroem a

ordem existente originam-se de novos entrantes e participantes externos vindos de outros

setores; segunda, um número significativo de participantes iniciais sobrevive a tais trans-

formações.49

Dessa forma, a questão não está restrita à decisão de inovar ou não, mas como fazê-lo

com êxito. Que lições se podem aprender a partir da pesquisa e da experiência sobre sucesso

e fracasso, e que padrões a elas relacionados podem ser usados para orientar ações futuras?

Em um processo tão incerto e complexo como a inovação, a sorte desempenha seu

papel. Há casos em que o sucesso chega por acidente – e às vezes os benefícios resultantes

de um golpe de sorte são suficientes para cobrir uma série de falhas subseqüentes. Mas o su-

cesso real reside na capacidade de repetir o truque – gerenciar o processo consistentemente

de forma que o sucesso, mesmo que sem garantias, seja mais provável. E isso depende da

compreensão e gerenciamento do processo de forma que pouco seja deixado ao acaso. A

pesquisa sugere que o sucesso é baseado na habilidade de aprender e repetir esses comporta-

mentos; é semelhante ao comentário do jogador de golfe Gary Player: “Quanto mais treino,

mais sorte tenho...”.

Então, o que temos que gerenciar? Acreditamos que a inovação é um processo essen-

cial, preocupado em renovar o que a empresa oferece (seus produtos e/ou serviços) e com as

formas em que são fabricados e vendidos. Seja a empresa envolvida com tijolos, pães, transa-

ções bancárias ou cuidados do bebê, o desafio principal ainda é o mesmo. Como obter uma

vantagem competitiva através da inovação – e por meio dela sobreviver e crescer? (Esse é um

desafio ainda maior para as empresas sem fins lucrativos – na atividade policial, em saúde e

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61Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

educação, a competição ainda está presente, e o papel da inovação ainda é a melhor vantagem

para lidar com problemas como o crime, a doença ou o analfabetismo.)

Nesse nível mais genérico, acreditamos que as organizações têm de gerenciar quatro

fases quanto à concretização do processo de inovação. Precisam:

Esquadrinhar e pesquisar seus cenários (interno e externo) para identificar e pro- •cessar sinais potenciais de inovação. Podem ser necessidades de vários tipos, ou

oportunidades surgidas de atividades de pesquisa em algum lugar, ou pressões para

se ajustar a alguma legislação, ou o próprio comportamento dos concorrentes – mas

representam o conjunto de estímulos aos quais a empresa deve responder.

Selecionar estrategicamente, dentre esse conjunto de gatilhos potenciais para ino- •vação, aquelas coisas que a organização mobilizará recursos para alcançar. Até a

empresa mais bem aparelhada em pesquisa não pode explorar tudo; então, o desa-

fio consiste em selecionar o que oferece a melhor chance de desenvolver vantagem

competitiva.

Fornecer recursos para opção – produzir os recursos de conhecimento necessá- •rios para explorá-la (seja criando-os por meio de P&D ou adquirindo-os através

de transferência de tecnologia). Isso pode residir na simples questão de comprar

na prateleira, ou explorar resultados de uma pesquisa já concluída – ou pode exigir

uma busca intensa para encontrar as fontes certas. Não é só uma questão de mobi-

lizar o conhecimento aplicado, mas sim o conhecimento periférico – normalmente

implícito – que é necessário para fazer a tecnologia funcionar.

Implementar a inovação, amadurecendo-a desde a simples idéia, através de vários •estágios de desenvolvimento, até o produto final – como um novo produto ou servi-

ço no mercado externo ou um novo processo ou método dentro da empresa.

Refletir – numa quinta fase, opcional – sobre as anteriores e revisar experiências de •sucesso e fracasso, a fim de aprender como melhor gerenciar o processo e captar

conhecimento relevante a partir da experiência.

É claro que há inúmeras variações sobre esse tema básico em termos de como as em-

presas realmente operam. E muito depende de seu ponto de partida – suas contingências

específicas. Empresas grandes, por exemplo, podem estruturar o processo de forma mais

abrangente do que as pequenas, que trabalham de maneira informal. Empresas em setores

de conhecimento intensivo, como o setor farmacêutico, concentrarão mais esforços em P&D

formal – normalmente empregando grandes quantidades de sua receita nessa atividade –

enquanto outras, como a indústria do vestuário, buscarão vínculos mais íntimos com seus

clientes como uma fonte de inovação. Organizações sem fins lucrativos podem estar mais

concentradas na redução de custos e na melhoria de qualidade, enquanto o setor privado se

preocupará com a fatia de mercado. Redes de empresas podem ter de operar em complexos

arranjos coordenados para garantir a conclusão bem-sucedida de um processo conjunto – e

para planejar esquemas legais bem concebidos, de forma a assegurar que os direitos de pro-

priedade intelectual sejam respeitados.

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62 Parte I Gestão para a Inovação

Mas, em seu âmago, o processo é a mesma seqüência básica de atividade. A gestão da

inovação consiste em aprender a encontrar a solução mais apropriada para o problema de

gerenciar o processo de maneira eficaz, e fazê-lo pelos meios mais indicados, dadas as cir-

cunstâncias em que a empresa se encontra. Em conseqüência disso, soluções particulares

para o problema geral de gerenciar esse processo fundamental serão específicas para cada

empresa. (Analisaremos essa visão do processo de inovação com maior detalhamento no

próximo capítulo.)

Sugerimos três questões fundamentais para a gestão da inovação, que formam a base

deste livro:

1. Como estruturar o processo de inovação adequadamente?

2. Como desenvolver padrões de comportamento eficazes (rotinas) que definam como

se opera diariamente?

3. Como adaptar ou desenvolver processos paralelos para lidar com os diferentes desa-

fios de inovação descontínua ou de “condição estável”?

A maioria das pesquisas acerca da gestão da inovação tem tentado identificar alguma

forma de “melhor prática”, mas esses estudos em geral tem se concentrado na experiência

observada de contextos específicos. Os modelos dominantes de gestão de tecnologia, por

exemplo, são derivados da experiência de empresas norte-americanas de alta tecnologia, em

que a maioria das “regras” para desenvolvimento de produto baseia-se em pesquisa sobre a

prática de fabricantes japoneses de bens duráveis. Entretanto é improvável que se encontre

“uma melhor forma” de gerenciar a inovação, já que as indústrias diferem em termos de

oportunidades tecnológicas e mercadológicas, e as especificidades de cada empresa restrin-

gem as opções gerenciais.

Por essa razão, rejeitamos, neste livro, uma escola de administração que prega “uma

melhor forma” e procuramos, em vez disso, explorar as correspondências entre estruturas,

processos e cultura de uma organização, a oportunidade para e as características de inovação

tecnológica, bem como o cenário competitivo e mercadológico em que a empresa opera.

1.10 Novos desafios, velhas respostas?

“Revolução constante de produção, distúrbios ininterruptos em todas as condições sociais, in-

certeza interminável... todas as indústrias nacionais estabelecidas de longa data foram ou

estão sendo diariamente destruídas. São desalojadas por novas indústrias... cujos produtos são

consumidos não apenas em âmbito doméstico, mas em qualquer recanto do globo. No lugar

de velhas necessidades, satisfeitas pela produção do país, encontramos novas necessidades... a

criatividade intelectual das nações individuais torna-se propriedade comum.”

(K. Marx e F. Engels, Manifesto Comunista, 1848)

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70 Parte I Gestão para a Inovação

controle possam se tornar cada vez mais objeto de inovação em TIC, ainda será necessário

armazenar e mover produtos físicos de um lugar para outro. E, em hospitais, a medicina au-

tomatizada ainda não consegue atender às sempre crescentes demandas, especialmente entre

a população cada vez maior de idosos.

Em outras palavras, o quadro da gestão da inovação permanece surpreendentemente

constante. É certo que haverá diferenças – é preciso considerar, por exemplo:

interações de alta velocidade; •grande variedade de conectividade potencial envolvendo participantes muito dife- •rentes;

orientação global, em que distâncias se tornam irrelevantes. •

Mas o problema subjacente continua sendo detectar – e entender – os sinais dos impul-

sos de inovação, para então gerenciar o processo de mudança de maneira eficaz.

Inovação e sustentabilidadeA preocupação com a questão da sustentabilidade é cada vez maior na agenda da inovação.

Deve-se a vários fatores, entre os quais:

aquecimento global e ameaças impostas pelas mudanças climáticas; •poluição ambiental e pressão por produtos e serviços “ecologicamente orientados”; •aumento e distribuição da população, com os problemas acessórios do aumento da •concentração urbana;

diminuição de fontes de energia esgotáveis e urgência em descobrir fontes alternati- •vas e renováveis;

saúde e fatores relacionados ao acesso a padrões básicos de atendimento, água trata- •da, medidas sanitárias etc.

Tais preocupações não são novas – havia, por exemplo, um debate intenso, durante

os anos 1970, em torno de “limites de crescimento”, em que uma variedade de cenários

“apocalípticos” era prevista.75,76 Embora de grande relevância, a resolução de tais proble-

mas dependia em muito de um processo de inovação subjacente, que ajudou a lidar com

alguns dos problemas mais urgentes e abriu novas possibilidades de amenizar outros. Da

mesma forma, o plano de sustentabilidade atual impõe desafios, mas também oportuniza

a inovação. Essa realidade pode ser verificada em nosso rol de tipos de inovação, envol-

vendo, por exemplo:

produtos e serviços novos ou mais sustentáveis, tais como células de combustível, •sistemas de energia solar, resíduos biodegradáveis, sistemas de transporte de baixo

impacto ambiental etc;

Edmundo
Cross-Out
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71Capítulo 1 Fatores Fundamentais na Gestão da Inovação

processos novos ou mais sustentáveis, tais como processamento de baixa energia, •operações de mineração de impacto mínimo, operações de processamento eletrônico

em lugar de físico etc;

mercados novos ou expandidos a partir da exploração da preocupação com fatores •de sustentabilidade – como alimentos orgânicos, mobiliário fabricado com certifica-

ção pelo Forestry Stewardship Council (FSC), ecoturismo etc;

novos modelos de negócios que remodelam padrões existentes, visando acentuar a •sustentabilidade – por exemplo, serviços de investimento ético, ações varejistas eco-

logicamente responsáveis (B&Q, IKEA, Body Shop), promoções comerciais social-

mente responsáveis (tais como Co-op e seu apoio ao comércio solidário – fair-trade

products) etc.

Além dessas novas oportunidades, há um segundo norteador importante de inovação

em torno da sustentabilidade – seu potencial para criar condições de descontinuidade. Como

foi visto no início deste capítulo, há períodos em que as “regras do jogo” mudam, e isso

freqüentemente ameaça os participantes existentes e cria novas oportunidades para novos

entrantes em setores específicos. Negócios como os acima listados podem se sustentar por

algum tempo e subitamente estremecerem quando as atitudes sociais se tornarem mais rígi-

das ou novas informações surgirem. A mudança de percepção do fumo, de item de recreação

para de prejuízo à saúde, e a preocupação com a fast food como fator decisivo em altos níveis

de obesidade são exemplos disso e tiveram grande impacto no índice e padrão de inovação

desses ramos de negócios.

Os fatores de sustentabilidade são normalmente ligados a regulamentações, e tais le-

gislações podem impor força adicional às mudanças de regras do jogo. Os contínuos efeitos

das regulamentações contra poluição ambiental têm efeitos cumulativos enormes em setores

envolvendo a indústria química, o processamento de materiais, mineração e meios de trans-

porte, em termos de produtos e processos. Orientações atuais, tais como as da União Euro-

péia em torno de dejetos e processos de reciclagem, indicam que os fabricantes estão tendo

de levar cada vez mais a sério o uso a longo prazo e o descarte de seus produtos, bem como

seu processo de fabricação e vendas – toda essa preocupação está forçando a inovação em

produtos, processos e modelos administrativos (como o custo de vida total).77

As descontinuidades criam novas oportunidades, mas também desafiam as já existen-

tes. O outro lado da moeda da sustentabilidade é seu potencial para o surgimento de novos

mercados em, por exemplo, fontes de energia alternativa, produtos e serviços ecologicamente

concebidos e novos sistemas de construção e transporte.

A inovação conectada a fatores de sustentabilidade comumente possui maiores implica-

ções sistêmicas e enfatiza a necessidade de gerenciamento integrado. Tais inovações surgem

de preocupações em – e devem ser compatíveis com – contextos sociais, políticos e culturais

complexos e oferecem alto risco de fracasso se esses elementos da demanda forem negli-

genciados. A indústria de geração de energia eólica, por exemplo, é bem antiga, tendo suas

origens na tecnologia dos moinhos do período medieval. Ela expandiu-se bastante durante o

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72 Parte I Gestão para a Inovação

período de povoamento dos Estados Unidos e da Austrália, resultando em significativa ace-

leração de inovação em vários aspectos do design de produto. Embora atualmente haja outra

onda de inovação tecnológica e crescimento de mercado associada com a exploração de ener-

gia eólica em larga escala, os líderes deixaram de ser os Estados Unidos (apesar de seu grande

investimento em P&D), concentrando-se na Dinamarca, em que o desenvolvimento se deu

como resultado de uma abordagem simples e em pequena escala, voltada ao atendimento de

necessidades energéticas de pequenas comunidades locais. Conforme salienta Douthwaite,

essa configuração permitiu que a indústria dinamarquesa desenvolvesse competência signifi-

cativa por meio de interação com a crescente base de usuários e de construção de sofisticação

tecnológica desde seus fundamentos.55

De maneira semelhante, o desenvolvimento de “tecnologias apropriadas” envolve ba-

sicamente o atendimento a condições locais da demanda por meio da criação de soluções

específicas, normalmente envolvendo tecnologias existentes. Exemplos disso incluem o rá-

dio-relógio, bombas de tecnologia intermediária, tratores e máquinas em geral e serviços

bancários de microcrédito.

Nenhuma empresa é uma ilha – o desafio de trabalhar em redeA inovação já não é vista como a província de uns poucos heróis individuais que foram pio-

neiros ao transformar idéias em realidade – e com certeza muitos dos grandes nomes do sécu-

lo XIX confirmam esse estereótipo. É óbvio que, mesmo naquele tempo, a inovação era resul-

tado de um sistema integrado de fontes – financeiras, de marketing etc. – que faziam parte do

quebra-cabeça. Mas o século XX, como observou Freeman, foi essencialmente a era da P&D

organizada e da consolidação da empresa como unidade de inovação.78 Podemos citar nomes

e inovações específicos nesse contexto: Bell Labs, 3M, Pilkington, Ford, Hewlett-Packard.

Nesses casos, o papel do herói ainda é importante, mas o palco em que atua é essencialmente

definido pela empresa. No entanto, no século XXI, o jogo novamente avançou, e hoje, muito

claramente, conta com a participação de muitos jogadores. A inovação agora consiste em lidar

com uma fronteira científica móvel e em desenvolvimento, mercados fragmentados espalha-

dos por todo o planeta, incertezas políticas, regulamentações instáveis, bem como uma série

de concorrentes que surgem cada vez mais de direções inesperadas. A reação deve ser a de

expandir a rede ao máximo e tentar identificar e utilizar um amplo conjunto de sinalizadores

de conhecimento, ou seja, aprender a gerenciar a inovação em rede.

Isso foi o que Roy Rothwell previu em seu estudo pioneiro sobre modelos de inova-

ção, com um deslocamento gradual do pensamento (e organização) de um processo linear

movido pelo estímulo científico-tecnológico ou pela exigência da demanda, para outro que

previa crescente interatividade – primeiramente dentro da empresa com equipes funcionais

integradas e outras atividades limítrofes, e então cada vez mais para fora da empresa em seus

contatos com outras firmas. Sua visão da “quinta geração” de inovação é, em essência, aquela

com que temos de lidar atualmente – repleta de interações em rede diversificadas, aceleradas

e otimizadas por um fluxo intenso de tecnologias de informação e comunicação.79

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45Capítulo 1 O Imperativo da Inovação

um novo negócio, de renovação ou reinvenção de uma empresa já estabelecida ou na oferta de novas possibilidades de desenvolvimento comunitário por meio de empreendedorismo social. Mas empre-endedorismo não é apenas um novo nome para especulação. Ao contrário, ele envolve energia e com-prometimento motivados e centrados – bem como um conjunto de habilidades básicas, que inclui:

Uma clara compreensão do processo e de seus diferentes elementos. •

Planejamento e gerenciamento de projeto contra todo um cenário de incertezas. •

Trabalho em equipe: habilidade para trabalhar com outros indivíduos em condições de •

incerteza.Liderança estratégica: possuir uma visão e ser capaz de compartilhá-la. •

Capacidade de aprendizagem: habilidade de avaliar o que funciona e por que razão e •

de alimentar o sistema com essa informação para melhorar o desempenho na próxima oportunidade.

Finalmente, é válido lembrar alguns conselhos úteis de uma velha, mas sábia, fonte. Em seu famoso livro O Príncipe, Nicolau Maquiavel advertiu os futuros inovadores:

Devemos lembrar que não há algo mais difícil de planejar, mais incerto quanto ao sucesso ou mais perigoso de gerenciar do que a criação de um novo sistema, uma vez que seu inicia-dor tem por inimigos todos aqueles que se beneficiariam com a preservação da velha insti-tuição e por meros incentivadores aqueles que ganhariam com a instauração de uma nova.

Resumo do capítuloA inovação é um imperativo de sobrevivência. Se uma empresa não for capaz de •

mudar o que oferece ao mercado e as formas como cria e entrega seus produtos, certamente estará em apuros. Uma inovação contribui para o sucesso competitivo de muitas maneiras: é um recurso estratégico para levar a empresa onde ela deseja estar, seja proporcionando valor acionário para as de setor privado, oferecendo serviços públicos de melhor qualidade ou permitindo a criação e o crescimento de novos em-preendimentos.

A inovação não ocorre simplesmente porque a desejamos – é resultado de um processo •

complexo que envolve riscos e precisa de gerenciamento cuidadoso e sistemático. O processo básico envolve três passos: acesso a novas ideias, seleção das boas e sua im-plementação. O desafio consiste em dar cada um desses passos de maneira organizada e ser capaz de repetir o feito.

A pesquisa, reiteradamente, sugere que, se quisermos obter sucesso na gestão da ino- •

vação, é preciso:entender • o que estamos tentando gerenciar: quanto mais precisos e organizados fo-rem nossos modelos mentais, maior a probabilidade de construirmos e gerenciarmos organizações e processos que funcionem;entender o • como: criando condições (e adaptando-as/configurando-as) para viabilizá-lo;entender o • quê, o porque e o quando da atividade de inovação: estratégia moldando o trabalho de inovação que fazemos;entender que a inovação é um alvo móvel: gerenciá-la requer a construção de • capa-cidade dinâmica.

Edmundo
Cross-Out
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46 Parte I Princípios

A inovação pode assumir diferentes formas, mas podemos reduzi-la a quatro dimen- •

sões de mudança (os 4Ps):Inovação de produto • – mudanças nas coisas (produtos/serviços) que uma empresa oferece.Inovação de processo • – mudanças nas formas como as coisas (produtos/serviços) são criadas e oferecidas ou disponibilizadas.Inovação de posição • – mudanças no contexto em que produtos/serviços são intro-duzidos.Inovação de paradigma • – mudanças nos modelos mentais básicos que orientam o que a empresa faz.

As inovações podem estar situadas dentro de qualquer uma dessas dimensões, em um •

espectro que varia de “incremental” (do tipo “fazer o que já fazemos, só que melhor”) até “radical” (do tipo “fazer algo completamente diferente”). Podem ser inovações de componente único ou podem ser parte de uma “arquitetura” ou sistema integrado que apresenta muitos e diferentes componentes agregados de uma forma específica.

A inovação não é um evento único, como uma lâmpada que acende sobre a cabeça de •

um personagem de desenho animado. É um processo ampliado de busca e seleção de ideias de mudança e de viabilização e concretização das mesmas – um novo produto ou serviço que as pessoas usem e valorizem ou um novo processo que elas adotem em sua rotina de trabalho. Podemos pensar nesse assunto em termos de um modelo simplifica-do de três estágios:

Busca de sinais que indiquem possibilidades de inovação. •

Seleção estratégica de possibilidades para levá-las adiante. •

Implementação/ transformação da ideia em realidade. •

Esse processo básico não ocorre no vácuo – é altamente influenciado por inúmeros •

fatores. Assim, a inovação requer:Direção e liderança estratégicas claras, além de emprego de recursos que a viabilizem. •

Organização inovadora em que a estrutura e o ambiente estimulem as pessoas a ex- •

plorarem sua criatividade e compartilharem seus conhecimentos para promover mu-danças.Conexões proativas entre os setores ou departamentos dentro da empresa e entre a empre- •

sa e muitos agentes externos que possam contribuir no processo de inovação: fornecedo-res, clientes, bancos e financeiras, fontes especializadas de conhecimentos e outros.

Qualquer empresa pode ter sorte uma vez, mas a verdadeira habilidade de gestão da •

inovação reside na capacidade de repetir o feito. Assim, se realmente queremos geren-ciar o processo de inovação, devemos nos fazer as seguintes perguntas:

Temos mecanismos de capacitação eficientes para o processo central? •

Temos direcionamento estratégico e comprometimento quanto à inovação? •

Temos uma empresa de perfil inovador? •

Construímos conexões proativas promissoras? •

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47Capítulo 1 O Imperativo da Inovação

Estimulamos e desenvolvemos nossa capacidade de inovação? •

Desenvolver a capacidade de organizar e gerenciar inovação é uma grande conquis- •

ta, mas também é preciso considerar onde e como a inovação pode ser usada para a obtenção de vantagem estratégica. Dois temas essenciais são importantes nesse caso. Primeiramente, qual é nossa “estratégia comercial” básica e como a inovação nos permitirá atingi-la? Em segundo lugar, sabemos alguma coisa sobre a direção que tomaremos, ou seja, está baseada em alguma competência que já possuímos ou a que tenhamos acesso?

Na maioria das vezes, a inovação ocorre dentro de um conjunto de regras de jogo que •

já está claramente definido e envolve participantes que buscam inovar fazendo o que já fazem (produto, processo, posição etc.), só que melhor. No entanto, às vezes, algo que muda as regras do jogo ocorre, como quando surge uma mudança radical na fronteira tecnológica ou um mercado completamente diferente. Quando isso acontece, preci-samos de abordagens diferentes para organizar e gerenciar a inovação. Se tentarmos utilizar os modelos convencionais que funcionam em condições de estabilidade, desco-briremos que perderemos terreno e correremos o risco de sermos superados por parti-cipantes novos e mais ágeis.

GlossárioInovação Processo de tradução de ideias em produtos, processos ou serviços úteis – e utilizáveis.

Inovação de arquitetura Mudanças em todo um sistema; por exemplo, mudar de uma dada arquitetura de computador para uma forma completamente diferente de processamento de in-formação.

Inovação de componente Mudanças em termos de componentes de um sistema maior; por exemplo, um transistor mais rápido em um microchip de um computador.

Inovação de paradigma Mudanças em modelos mentais subjacentes que orientam o que a empresa faz.

Inovação de posição Mudanças no contexto em que produtos/serviços são introduzidos.

Inovação de processo Mudanças nas formas em que produtos/serviços são criados e disponi-bilizados.

Inovação de produto Mudanças nas coisas (produtos/serviços) que uma empresa oferece.

Inovação descontínua Inovações radicais que mudam as “regras do jogo” e instauram um ou-tro em que novos participantes normalmente levam vantagem.

Inovação incremental Pequenas melhorias em produtos, serviços ou processos existentes – “fazer o que já se faz, só que melhor”.

Inovação radical Mudanças significativamente diferentes em produtos, serviços ou processos – “fazer o que fazemos de forma diferente”.

Invenção Surgimento de uma nova ideia.