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CAPÍTULO 1
O Problema de Pesquisa
8
1. 1 Introdução
A literatura produzida em Educação Matemática indica que questões
relacionadas a noções matemáticas têm sido investigadas considerando modelos
diversos a partir dos quais as pesquisas são fundamentadas. Por exemplo, Cornu
(1983) em sua tese de doutorado, intitulada Apprentissage de la notion de limite:
conceptions et obstacles, apresenta um estudo sobre os obstáculos na aprendizagem
da noção de limite. A noção de obstáculo epistemológico foi introduzida por Gaston
Bachelard nos seguintes termos:
“é no próprio ato de conhecer, intimamente, que aparecem,
por uma espécie de imperiosidade funcional, as lentidões e as
dificuldades. Aí é que mostraremos causas de estagnação e
até de regressão; aí é que discerniremos causas de inércia que
chamaremos de obstáculos epistemológicos.” (Bachelard,
1977: 147)
A partir daí, várias releituras para o termo obstáculo epistemológico foram
produzidas; por exemplo, Baldino (1990) comenta sobre o significado que este termo
tem para Brousseau e Cornu:
“No sentido forte que este conceito tem em, por exemplo,
Brousseau e Cornu, o obstáculo é um conhecimento que
fracassa diante de uma situação nova, mas que tarda em ser
abandonado precisamente porque se revelou fecundo em seu
domínio de validade. Ao contrário da noção de dificuldade,
que só pode ser avaliada em função do desenvolvimento
posterior, o obstáculo pode ser determinado em termos de seu
momento presente.”
Por outro lado, Dubinsky (1991) se apoia no modelo piagetiano para
desenvolver suas pesquisas sobre abstração reflexiva no pensamento matemático
avançado. Ele se apropria, assim, do conceito de abstração reflexiva introduzido por
9
Piaget para descrever a construção lógico-matemática de um indivíduo durante o
decurso de seu desenvolvimento cognitivo. Um dos objetivos de Dubinsky é mostrar
como a abstração reflexiva pode ser usada para descrever a epistemologia de várias
noções matemáticas, tais como: funções, vetores, espaços vetoriais, etc. Ele acredita
também que, através do conceito de abstração reflexiva, algumas das dificuldades
que os alunos enfrentam com essas noções possam ser explicadas.
Essas são, portanto, duas maneiras de analisar as noções matemáticas e que
levam a modos distintos de compreender os processos de ensino e de aprendizagem,
assim como as dificuldades dos alunos.
Porém, no trabalho que desenvolveremos sobre a noção de base faremos
uma leitura da produção de significados a partir de um modelo epistemológico que
caracterizará uma outra maneira de compreender os processos de ensino e de
aprendizagem, as dificuldades dos alunos e a própria Matemática; diferentemente dos
modelos apresentados acima. Assim, com objetivo de explicitar as premissas do
modelo que fundamentará nosso trabalho, e pela necessidade de colocar nosso
problema de pesquisa em termos precisos, apresentaremos a seguir as idéias centrais
que constituem esse modelo.
10
1.2 O Modelo Teórico Dos Campos Semânticos
O Modelo Teórico dos Campos Semânticos (MTCS) foi desenvolvido por
Lins (1993) e nasceu da tentativa de buscar estabelecer uma caracterização
epistemológica4 para Álgebra e Pensamento Algébrico. O modelo tem sua origem no
trabalho de pesquisa desenvolvido pelo autor no período de janeiro de 1988 a junho
de 1992 no Shell Centre for Mathematical Education que resultou em sua tese de
doutorado intitulada “A framework for understanding what algebraic thinking
is”.5 Segundo ele, o MTCS surgiu devido a necessidade de responder às seguintes
perguntas: O que é conhecimento? O que é significado? Assim, na base do modelo
encontramos uma caracterização para essas noções que determinam uma opção
teórica do autor.
Portanto, o MTCS é um modelo epistemológico que nos permite
compreender alguns aspectos do processo de produção de significados em
matemática, como veremos a seguir, quando apresentarmos as idéias centrais que nos
orientarão nos capítulos posteriores.
Iniciamos por apresentar a concepção de conhecimento que é expressa nos
seguintes termos:
“Conhecimento é entendido como uma crença - algo que
o sujeito acredita e expressa, e que caracteriza-se portanto
como uma afirmação - junto com que o sujeito considera
ser uma justificação para sua crença-afirmação.”
(Lins, 1993b: 86) 4 Por Epistemologia entenderemos a atividade humana que estuda as seguintes questões; ( i ) O que é
conhecimento ? , ( i i ) Como é que o conhecimento é produzido ? ( i i i ) Como é que conhecemos
o que conhecemos ? (Lins, (1993b) 5O MTCS não aparece explicitamente no corpo da tese de Lins mas, não só o germe da idéia se
encontra lá como a coerência global do trabalho de pesquisa é garantida exatamente pelas premissas
do modelo.
11
Dessa concepção decorrem várias implicações. Uma primeira
conseqüência é a seguinte: considere por exemplo, a proposição “2 + 2 = 4”. Uma
criança, na lª série do lº grau, acredita e afirma que dois mais dois são quatro, o
mesmo que um matemático acredita e também afirma. Mas quando consideramos
suas justificações vemos que a criança exibe os dedos - essa é sua justificação. Ao
matemático, por sua vez, membro de uma comunidade científica que lhe impõe
certos padrões de rigor, não é permitida a justificação da criança; então ele fala em
conjuntos. Assim, as justificações da criança e do matemático são diferentes. Do
ponto de vista do MTCS “eles não compartilham o mesmo conhecimento pois se a
justificação muda o conhecimento também mudará.”6
Essa é, portanto, ao nosso ver, a contribuição original do MTCS que
postula que o conhecimento não é apenas a proposição ou a crença-afirmação mas
inclui a justificação e o fato de que, diferentes justificações constituem diferentes
conhecimentos. A extensão dessa concepção de conhecimento pode ser evidenciada
nas palavras de Lins :
“Indicamos, desta forma, que conhecimento é algo do
domínio da enunciação - e que, portanto, todo
conhecimento tem um sujeito - e não do domínio do
enunciado; podemos também expressar esse fato dizendo
que conhecimento é do domínio da fala, e não do texto.7
Desde este ponto de vista, a Matemática é um texto, e não
conhecimento, tem-se conhecimento apenas na medida em
que as pessoas se dispõe a enunciar este texto. A um
conhecimento que fala a partir desse texto - a Matemática -
chamaremos, naturalmente, de conhecimento matemático.”
(Lins, 1994b: 29) 6grifo nosso. 7“Por um texto (. . .) eu entenderei não somente texto escrito - como em ECRITURE de Derrida
(Derrida, 1990), mas qualquer resíduo de uma enunciação: sons ( resíduos de elocução), desenhos e
diagramas, gestos e todos os tipos de sinais do corpo. O que faz de um texto o que ele é, é a crença
do leitor de que ele é de fato, resíduo de uma enunciação, ou seja, um texto é delimitado pelo leitor;
além disso, ele é sempre delimitado no contexto de uma demanda de que algum significado seja
produzido para ele.” (Lins, no prelo) (Tradução do autor).
12
Ele então reitera nosso comentário anterior quando diz “(...) pelo fato de
exigir que cada conhecimento tenha uma justificação, o MTCS indica que o mesmo
texto, falado com diferentes justificações, constitui diferentes conhecimentos
(ibid)”. Assim, podemos observar que as justificações desempenham um papel
central no estabelecimento do conhecimento de um sujeito.
Uma outra conseqüência importante que a caracterização de conhecimento
proporciona é o fato de que “a Matemática é entendida como um conjunto de
enunciados, um texto e não conhecimento”. Com respeito a essa consideração Lins
(1993b) observa:
“é importante também observar que um tal entendimento de
Matemática e de conhecimento matemático oferece uma base
sólida para os estudos da etnomatemática, que fica
caracterizada então como um estudo do conhecimento
matemático de diferentes etnias, ao mesmo tempo que
membros de diferentes etnias possam falar matemática uns
com os outros apesar de estarem referindo-se a
conhecimentos eventualmente distintos”. (p.87)
Em resumo, os três aspectos-chave do conhecimento são: primeiro, é
preciso que o sujeito esteja consciente de que possui aquela crença; é preciso que ele
acredite naquilo que está constituindo. Segundo, o único modo de estarmos certos da
consciência do sujeito é se ele afirma. Terceiro, não é suficiente que a pessoa
acredite e afirme; é preciso também que sejam consideradas suas justificações a
respeito de suas crenças-afirmações. Pois diferentes justificações para uma mesma
crença-afirmação constituem conhecimentos diferentes. (cf. Lins, 1995b)
13
A noção de significado é caracterizada nos seguintes termos: significado é
aquilo que o sujeito pode e efetivamente diz sobre o objeto numa dada atividade. (cf.
Lins, 1997:145). Ele é produzido através da relação do sujeito com o mundo ao qual
ele pertence e que lhe coloca a disposição vários modos de produção de significados
que são históricos, sociais e culturais. Em outras palavras, o significado é produzido
na relação do sujeito com seus interlocutores.8 Assim, produzir significados está
relacionado com o estabelecimento de justificações no processo de enunciação de
crenças-afirmações. E é no processo de produção de significados que os objetos são
constituídos. Então, quando Lins coloca a distinção entre enunciado e enunciação,
entre fala e texto; ele está nos dizendo que a constituição dos objetos ocorre no
processo de produção de significados, no processo de produção de conhecimento.
Logo, os objetos da atividade matemática não estão constituídos a não ser que
alguém os venha a constituir através de sua enunciação. Nessa direção, Lins (l994b)
falando sobre a álgebra diz: “não há “objetos da álgebra”, mas sim “objetos
constituídos a partir da álgebra”. (p. 38)
Influenciado pelas idéias de Nelson Goodmann (por ex., Goodmann,
1985), Lins chegou à noção de estipulação local. Segundo ele, no processo cognitivo,
quando alguém esta produzindo significados, existem algumas afirmações que a
pessoa faz e, tomando como localmente válidas, não sente necessidade de justificá-
las. A essas crenças-afirmações ele chamou de estipulações locais. Ao conjunto das
estipulações locais Lins denominou núcleo. A noção de núcleo nos permite
8Segundo Lins, não devemos pensar em interlocutores como pessoas, indivíduos ou “rostos” com
quem falamos mas sim como modos de produzir significados. (Cf. Lins, 1994b).
14
apresentar outra noção do modelo: chamaremos de Campo Semântico 9 à atividade
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de produzir significado em relação a um certo núcleo. Alternativamente diremos que
uma pessoa está operando em um Campo Semântico toda vez que ele / ela estiver
produzindo significado em relação a um núcleo dado. (Lins, 1995)
Temos assim, as noções básicas do MTCS. Para maior clareza, achamos
conveniente apresentar um exemplo11
onde o ambiente é a sala de aula. Com isto,
esperamos também, introduzir uma noção de dificuldade compatível com o modelo.
Consideremos uma situação onde um turma de 7ª série está envolvida na
atividade de resolução de equações do 1º grau. Suponhamos que os alunos já tenham
tido contato com números negativos. A professora propõe, então, a primeira equação:
3x + 10 =100. Sem maiores dificuldades, os alunos atendem prontamente à
professora e em poucos minutos eles chegam à resposta x = 30. Feliz com o êxito da
turma a professora propõe uma nova equação para ser resolvida: 3x + 100 =10. E aos
poucos ela constata as dificuldades dos alunos em resolver esta equação. Ela observa,
ao abordar alguns desses alunos, que nem sequer eles parecem estar diante de uma
equação “idêntica” à anterior. O que pode ter acontecido? Esta é a grande questão
para a professora.
9No artigo de 1993b Lins define campo semântico como uma “coleção de conhecimentos cujas
justificações estão relacionadas a um mesmo modelo nuclear”. Ele observa então que esta noção
levaria a pensar em campo semântico como algo estático. No artigo de 1995b passa a ser entendida
como atividade, no sentido de Leontiev. 10Segundo Oliveira (1995, p. 96) “As atividades humanas são consideradas por Leontiev como
formas de relação do homem com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados. A
idéia de atividade envolve a noção de que o homem orienta-se por objetivos, por meio de ações
planejadas. 11A situação ficcional que será apresentada a seguir foi extraída dos diversos artigos de Lins que
constam das referências bibliográficas e adaptadas com o objetivo de tornar mais claros os conceitos
do modelo.
15
Sob a ótica do ensino tradicional vigente (ETV), baseado na concepção
formalista moderna, não há maneira de enxergar algum problema nesta situação. E
também não há maneira de atuar sobre ele, caso seja detectado. Pois, ao professor
cabe explicar, repetir a explicação, convencer, mostrar ao aluno o caminho para se
resolver a equação. Ao aluno fica a incumbência de ouvir, prestar atenção, buscar
entender a explicação dada. Mas, se mesmo assim o aluno continuar não entendendo
se instaura o caos, pois não há muito mais o que fazer. Daí, na maioria das vezes, o
aluno precisa ceder e o diálogo termina com a fala do aluno – “tudo bem!”
Feito este comentário, vejamos como podemos compreender o acontecido
sob a ótica do MTCS. Nosso problema didático é: por que os alunos conseguem
resolver a primeira equação e alguns não conseguem resolver a segunda? Poderíamos
até questionar o seguinte: caso fosse apresentada uma terceira equação será que os
alunos que resolveram a primeira e segunda equações resolveriam a terceira?
Colocado o problema fica agora a questão: por onde começar? Do que
conhecemos do modelo podemos dizer que devemos iniciar pelas justificações dos
alunos sobre a resolução da primeira equação. Devemos neste momento identificar
os significados que eles estão produzindo; tanto para identificar núcleos quanto para
ver como os campos semânticos estão se desenvolvendo. Devemos observar ainda
que objetos o aluno está constituindo em relação ao núcleo e que novos objetos estão
sendo constituídos por ele.
Nossa estratégia então será a de isolar quatro alunos entre aqueles que
resolveram a segunda equação e aqueles que não resolveram e analisar as
16
justificações de cada um em relação à primeira equação. Suponha, então, que as
justificações sejam as seguintes:
Pedro : “Ora professora de um lado tem 3x + 10 e do outro tem 100 e eles são
iguais, se eu tirar dez de cada lado continua equilibrado aí fica 3x = 90 e
dividindo dos dois lados por 3 a resposta é x = 30.”
Hugo : “Um todo de valor 100 é igual a três partes iguais de um valor que eu não
conheço e de uma parte de valor 10. Seu eu tirar 10 o que sobra de um
lado é 3x e do outro 90 ...”
Carolina : “Eu sei que x é um número secreto. Multiplico por 3 e somo 10 ao
resultado da multiplicação. O resultado final é 100. Então eu tenho 3x =
100 -10 e...”
Amanda : “Eu tenho três vezes x, mais 10 é igual a 100. Eu sei que x é um número.
Somando os dois lados da igualdade por -10, continua igual, porque esta
é uma propriedade da igualdade numérica. Então fica ...”
De imediato podemos constatar que é possível produzir diferentes
significados para o texto “3x +10 =100” e que cada uma corresponde a diferentes
lógicas das operações. Isto é, este texto foi constituído em objeto em pelo menos
quatro modos diferentes e, para cada um deles, as transformações efetuadas na
equação foram distintas. Passemos, então, a analisar cada resposta. Antes porém,
formulemos uma nova questão: conhecendo as justificações de cada um dos alunos é
possível supor quais deles teriam dificuldade em resolver a segunda equação?
Suponhamos que presenciando as justificações de Pedro, seus gestos, sua
fala, viemos a constatar que o que ele estava querendo dizer era .que “se retirarmos
dez quilos de cada lado continua equilibrado”. Neste caso a igualdade para ele tem o
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significado de equilíbrio. A idéia que está por trás de suas justificações é a de
balança. Seus gestos, usando as duas mãos, indicavam que, ao tirar pesos iguais
mantém-se o equilíbrio. Esta era a maneira como ele operava.
Assim podemos dizer que a idéia de equação para este aluno está associada
à idéia da balança. A atividade de produzir significado em relação ao núcleo acima é
chamada de Campo Semântico da Balança.
Operando desta maneira ao olhar a equação 3x + 100 = 10, este aluno
poderia não produzir significados para esse texto. Ele poderia questionar o fato de
que de uma lado tem 3x + 100 e do outro tem 10 e mesmo assim fica equilibrado. Na
verdade, essa equação não tem significado para ele.
Estamos, agora, em condições de apresentar mais um conceito que
havíamos anteriormente mencionado, dentro de uma das perguntas anteriores: o que
significa dificuldade? Que tipo de dificuldade este aluno está apresentando operando
no Campo Semântico da balança?
Segundo Lins (1993b) uma dificuldade deve ser entendida de duas
maneiras excludentes: ou ela caracteriza-se como um obstáculo ou como um limite
epistemológico. Um Obstáculo Epistemológico (diferentemente do que foi
originalmente proposto por Bachelard) seria o processo no qual um aluno operando
dentro de um campo semântico, poderia potencialmente produzir significado para
uma afirmação mas não produz. (Veremos um exemplo a seguir). Já um Limite
Epistemológico seria a impossibilidade do aluno em produzir significado para uma
afirmação. Este é o caso de Pedro que opera no campo semântico da balança; ao se
defrontar com a equação 3x + 100 = 10, não produz significado para este texto. Caso
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ele não mude de campo semântico, ele não conseguirá resolver esta equação, o que
caracterizaria uma limite epistemológico.
É importante deixar claro que o limite para o aluno não existe, pois é algo
que se observa de fora. Quando um aluno não produz significado para um certo texto
é o professor-pesquisador que está frente a um limite epistemológico (como o que
enfrenta a professora em relação a Pedro em nossa situação ficcional). Assim, do
ponto de vista do MTCS as dificuldades emergem do diálogo.
Vejamos, agora, como podemos interpretar a justificação de Hugo: “Se do
todo (100) extrairmos uma das partes (10), o que sobra é a outra parte (3x)”.
Suas justificações são produzidas com relação a um núcleo de todo e parte.
O todo é sempre maior que a parte? A soma das partes constitui o todo?
Simplesmente estas não são questões que devam ser justificadas por ele. A igualdade
tem o significado de mesmo valor. Poderíamos então chamar à atividade de produzir
significado em relação a este núcleo de Campo Semântico do Todo e Parte.
Suponhamos que ao defrontar-se com a equação 3x + 100 = 10, Hugo
tentasse justificar da mesma maneira que fez anteriormente para a primeira equação.
Então ele diria:
“Um todo de valor 10 é igual a três partes iguais de um valor que eu não conheço
e de uma parte de valor 100”.
É de se esperar que para ele esta justificação não tivesse o menor
significado.
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Já a justificação de Carolina pode ser interpretada como: “estou desfazendo
o efeito de somar 10” (fig. 1)
3 + 10
X 3X = 90 100
- 10
Fig. 1
A igualdade tem o significado de resultado. Chamaremos de Campo
Semântico da Máquina estado-operador o campo semântico onde Carolina está
operando. Note que se ela reproduzisse a lógica das operações que compõe sua
justificação para resolver a equação 3x + 100 = 100 não encontraria dificuldades
(fig. 2)
3 + 100
X 3x= - 90 10
- 100
Fig. 2
Caso ela não conseguisse resolver esta equação, esta situação caracterizaria
um obstáculo epistemológico.
Amanda, por sua vez, tem sua justificava baseada na produção de
significados matemáticos. Este modo de operar permite a ela, caso tenha se
constituído em conhecimento, resolver qualquer equação do 1º grau. Chamaremos a
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esta atividade de produzir significado em relação ao núcleo que se constitui a partir
destas justificações de Campo Semântico do Pensamento Algébrico.
Com isto, conseguimos responder às questões colocadas e dar mais clareza
ao problema didático ocorrido em uma atividade de sala de aula.
Uma outra pergunta que colocamos é a seguinte: existiria um Campo
Semântico privilegiado pelo professor? Segundo Baldino (1995) a prática docente
encerra sempre um objetivo didático. Quando ensina, o professor tem algumas
expectativas; existem algumas justificações que ele gostaria que seus alunos
produzissem, que ele espera ouvir deste aluno. Ele espera uma certa resposta às
questões que são colocadas. E estas expectativas constituem o que ele denomina de
Campo Semântico Preferencial12
. (cf. p.104)
É de se esperar que o professor opere em campos semânticos onde lhe será
possível resolver todas as equações, mas ele deve ter em mente que, muitas vezes,
isto não ocorre com seus alunos.
Esta situação ficcional que apresentamos mostra também, entre outras
coisas, que nossa impotência ou não como professores, frente a problemas didáticos,
presentes no dia a dia da sala de aula são dependentes de nossa maneira de ver e
conceber os processos de ensino e aprendizagem. E ainda, que através do modelo, foi
possível entender as dificuldades dos alunos ao considerarmos os significados
produzidos por eles para o equação 3x + 10 = 100.
12 A idéia de campo semântico preferencial não é pensada em relação a um núcleo como nos casos
anteriores. Ele é chamado de preferencial no sentido de ser privilegiada pelo professor (nota do
autor).
21
A partir de agora estamos em condições de apresentar nosso problema de
pesquisa em bases mais sólidas.
1.3 O Problema de Pesquisa
A noção de base, como outras noções elementares da Álgebra Linear,
passaram por um longo processo de maturação até se constituírem nas noções que
encontramos atualmente nos livros-texto. Tais noções tiveram sua gênese ligada a
vários domínios, como por exemplo a teoria de sistema de equações lineares
numéricas, a teoria das equações diferenciais lineares, a teoria do cálculo vetorial e
etc. Muitos matemáticos como Frobenius, Grassmann e Peano contribuíram no
desenvolvimento dessas noções, como também da Álgebra Linear de uma maneira
geral.
Atualmente, a definição de base é apresentada nos livros-texto, em geral,
nos seguintes termos:
Uma base de um espaço vetorial é um subconjunto de
vetores desse espaço, linearmente independente que gera
todo o espaço.
Desse modo, em um curso de introdução à Álgebra Linear nossos
estudantes são apresentados a textos como esse, colocados para eles como demanda
de produção de significado.
Assim, a partir desses contextos - processo histórico, literatura em Álgebra
Linear e sala de aula - formulamos as seguintes questões a serem investigadas nesse
trabalho, a saber:
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(i) Em que Campos Semânticos operavam os matemáticos que constituíram a noção
de base no processo histórico de emergência das noções elementares da Álgebra
Linear?
(ii) Que significados podem ser produzidos para a noção de base a partir da leitura de
livros-texto de Álgebra Linear, tomados como demanda de produção de significados?
(iii) Que significados são produzidos para a noção de base por um estudante a partir
dos textos matemáticos apresentados a ele como demanda de produção de
significados em um primeiro curso de Álgebra Linear?
Logo, nossa expectativa é a de que possamos explicitar alguns modos de
produção de significados para a noção de base; como por exemplo, especular sobre
que significados Frobenius no século XIX, um matemático no século XX e um
estudante do primeiro ano da universidade podem produzir para esta noção?
É sobre essas possibilidades de produção de significados que
direcionaremos nosso olhar a fim de que, em última instância, ele nos permita
intervir na aprendizagem de nossos estudantes na prática diária de sala de aula.