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Capítulo 4
Argumentar nas aulas de Rita
Neste capítulo apresento os resultados do estudo, tendo em atenção os aspectos
mais relevantes das aulas de Rita, no que concerne à promoção da argumentação na
prática lectiva, dificuldades sentidas e estratégias adoptadas para as superar e o
contributo do trabalho em colaboração para o desenvolvimento profissional da
professora neste domínio.
Aulas 1 e 2: Quadrado de um número terminado em 5
Aula 1 – 21.Out.08
Preparação da aula
Para esta aula elaborámos a tarefa Quadrados de números terminados em 5
(Anexo 4), dado querermos propor uma tarefa sobre potências de expoente natural no
7.º ano de escolaridade. Procurámos uma tarefa de investigação ou de exploração, tendo
a ideia surgido de uma questão do manual dos alunos, a qual sofreu alterações
resultantes de alguma discussão da nossa parte. Discutimos sobre: (i) a formulação do
enunciado, de modo a ser uma tarefa de investigação, (ii) a tabela da questão 1a) ter
início em 5 ou num número maior e (iii) a estrutura da tarefa.
A tarefa é constituída por três questões. Com a primeira questão, 1a),
pretendemos que, com recurso à calculadora, os alunos completem a tabela dos
quadrados de números “terminados” em 5. Com a segunda questão, 1b), esperamos que,
por observação e experimentação, os alunos descubram regularidades, elaborem
algumas conjecturas e escrevam uma regra. Com a terceira questão, 1c), pretendemos
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que os alunos generalizem a regra a que chegaram e que a validem para qualquer
número terminado em 5.
Sendo os alunos do 7.º ano, não esperamos que cheguem a uma demonstração
formal, mas que encontrem justificações que os convençam que, de facto, a regra é
válida para todos os números terminados em 5. Consideramos que a resolução desta
tarefa, sobre regularidades numéricas, pode contribuir para o desenvolvimento da
capacidade de usar estratégias, formular e validar conjecturas e discutir resultados pela
apresentação de argumentos como defesa de raciocínios. Deste modo pensamos
promover o desenvolvimento das capacidades de Raciocínio e Comunicação.
Na tentativa de antever o trabalho dos alunos resolvemos a tarefa e identificamos
possíveis dificuldades e modos de resolução. Discutimos sobre a utilização da
calculadora, se durante toda a actividade ou apenas no final para números grandes,
sobre a pertinência de se realizar uma pausa na actividade dos alunos, entre questões,
para discutir resultados e sobre as diferentes estratégias que eles podem usar, para
formular uma relação entre os números. Abordamos ainda a capacidade dos alunos em
justificar e validar conjecturas e o modo como a professora os pode levar a fazê-lo.
Esperamos que, no processo de validação da regra, os alunos recorram à
generalização, isto é, provam a validade para muitos números e concluem que serve
para todos. A acção de Rita na gestão das participações dos alunos, a promoção da
argumentação e a moderação das contribuições dos alunos, são também aspectos
considerados na preparação desta aula. Na nossa discussão durante a exploração da
tarefa encontram-se afirmações como: Agora que conjecturas é que eles poderão fazer a
partir daqui?, Como é que eles provam e justificam os seus raciocínios? e Como é que
eles vão demonstrar isso?! (ST2, pp. 2-3).
Desenvolvimento da aula
A tarefa é resolvida no dia 21 de Outubro de 2008 e novamente abordada no dia
4 de Novembro de 2008. A aula tem três momentos distintos. O primeiro refere-se aos
acontecimentos antes da resolução da tarefa, o segundo refere-se à resolução da tarefa e
o terceiro respeita à apresentação e discussão colectiva das resoluções dos alunos.
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1.ª Parte da aula
A aula inicia-se com a entrada na sala e com a gestão de algumas entradas
tardias. Seguidamente, Rita regista o sumário no quadro e indica as suas expectativas
quanto ao modo como pode decorrer a actividade. Segue-se a formação de pares de
trabalho, processo nem sempre bem aceite, como refere a professora na sessão de
trabalho de análise desta aula:
Eu achei que a Mafalda não queria ir para ao pé do colega com quem
inicialmente estava. [É] que a Mafalda é uma das meninas que é rejeitada
na turma e preferiu ficar ao pé da Maria e eu cedi e pus o Gonçalo com o
João. (ST3, p. 1)
Entretanto chegou a Patrícia que teve de ficar sozinha, porque é número
ímpar [o número de alunos na turma]. Ainda pensei pô-la a trabalhar com
o par que estava lá atrás mas eu acho que eles não trabalham bem mais
do que dois. E essa Patrícia é uma menina assim com uma atitude pouco
correcta, nem sempre é amiga dos colegas. (ST3, p. 1)
É distribuído um enunciado da tarefa a cada aluno, realizada a leitura das
questões e são esclarecidas dúvidas pontuais. Os alunos são informados que têm 40
minutos para resolver a tarefa.
2.ª Parte da aula
Uma das primeiras preocupações de Rita é o esclarecimento do significado de x2,
pois, segundo diz, os alunos “não têm conhecimentos de expressões com variáveis”
(DB, p. 6). Refere ainda não ter abordado este assunto com os alunos, pelo que este
esclarecimento é uma forma de evitar algumas dificuldades:
Tive necessidade de fazer isso porque como era uma expressão com
letras e como eles não, penso eu, nunca tinham trabalhado esse conceito e
tive necessidade de explicar o que é que significava (…) Inicialmente o
x2 saiu logo como o quadrado do x porque também tem a ver com eles
estarem a dar essa matéria. Por isso é que eu não quis avançar muito,
para a raiz cúbica. (ST3, p. 2)
Rita sente também que os alunos revelam alguma dificuldade na compreensão
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do significado da palavra regra. Na sua reflexão escrita, refere que:
Os alunos não compreenderam o que lhes era solicitado, ou seja, parece
não terem percebido “o que era uma regra”. Neste momento, e dado que
as perguntas nos vários pares eram as mesmas, achei que deveria pedir
uma pausa na actividade dos alunos e fazer um esclarecimento geral à
turma sobre aquilo que se pretendia nessa alínea b). (RR 2, p. 1)
Rita tenta mostrar aos alunos a importância de saberem o significado de regra e
acrescenta que uma regra é “sem termos que utilizar a calculadora facilmente
conseguirmos chegar ao resultado do quadrado de qualquer número nessas condições”
(RR2, p. 1).
Ultrapassadas as dificuldades iniciais, os alunos enveredam na resolução da
ficha de trabalho. Alguns resolvem a tarefa quase sem solicitar a presença de Rita,
enquanto outros, mais inseguros, solicitam a sua presença, constantemente. A professora
acompanha prioritariamente os grupos que requerem ajuda e justifica esta opção pelo
facto de ser “aí que em princípio teriam mais dúvidas” (ST3, p. 3) e também porque
pretende igualmente dar alguma autonomia aos alunos, enquanto trabalham com os seus
pares.
Durante a actividade nota-se que, mesmo quando incentivados a registar os seus
resultados, os alunos respondem: Mas nós já sabemos. É preciso escrever? Perante esta
situação, surge a questão de saber qual pode ser a estratégia do professor. Por considerar
ser necessário que os alunos “escrevam tudo o que pensaram, de uma forma organizada
e estruturada para depois poderem apresentar e explicar à turma” (RR2, p. 2), Rita
refere a seguinte estratégia para tentar contornar este problema:
Tentar fazer mais coisas destas [aulas com discussão] de modo a que os
alunos se convençam de que há necessidade, que é uma mais-valia para
as suas aprendizagens transcrever para o papel ou para o quadro ou (…)
portanto sistematizar as suas ideias. (ST3, p. 4)
Porém, outra questão se levanta relativa aos registos dos alunos. A análise das
resoluções registadas nas fichas de trabalho permite verificar que os alunos apagam
constantemente o que escreveram, quer seja por considerar que a sua resolução não está
correcta quer por falta de segurança nas suas respostas. Rita, quanto a este assunto, é
peremptória: “Eu vou ter que lhes dar instruções muito claras nas próximas tarefas de
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que não podem apagar nada!” (ST3, p. 7). Refere que, na aula, verificar que um dos
seus alunos “tinha apagado uma estratégia diferente foi um momento que (me)
entristeceu bastante (ST3, p. 5).
Dada a agitação dos alunos, pois alguns chegam rapidamente às primeiras
conclusões, embora ainda desconheçam se são válidas ou não, Rita refere ter sentido
duas coisas distintas. Por um lado, “já que eu não lhes validava totalmente os seus
raciocínios, pareceu-me que precisavam de partilhar com outros colegas aquilo que
tinham feito e escrito” (RR2, p. 2). Por outro lado, “esta ideia de olhar para outras
resoluções não foi muito boa, porque alguns alunos tinham registos, que até poderiam
ser interessantes e apagavam-nos. Perderam tempo e não conseguiram fazer a alínea c)”
(RR2, p. 2).
Durante o acompanhamento dos grupos, Rita adopta uma postura essencialmente
questionadora, dos resultados e processos usados pelos alunos, e orientadora dos seus
raciocínios, tendo em vista o objectivo central da actividade – a regra de formação do
quadrado de um número que termina em 5. É de salientar que, nesta primeira aula, o
pedido de explicação e justificação de ideias é efectuado principalmente pela professora.
Os alunos não estão habituados a questionar, a responder ou a validar as questões
formuladas pelos colegas e não consideram ser esse o seu papel na sala de aula. Por não
compreenderem que esta actividade é inerente ao processo de construção do
conhecimento matemático, é necessário iniciá-los nesta prática.
3.ª Parte da aula
A terceira parte da aula inicia-se quando Rita percebe que está a exceder o
tempo previsto para o desenvolvimento da tarefa. Como refere, “olhei para o relógio
(…) senti a necessidade de ter de ser naquele momento, porque senão não tinha tempo”
(ST3, p. 6). Consciente do trabalho desenvolvido pelos alunos até ao momento, opta por
dar início à apresentação e discussão de resultados:
Embora eu tivesse a percepção de que quase todos já tinham concluído a
tarefa, pelo menos a alínea a e a b. Em relação à alínea c era uma questão
de nós confirmarmos depois com aquele conjunto de números, não é? E
de intervalos, por filas. [Refere-se aos intervalos que registou no quadro
para que os alunos escolhessem um número terminado em 5], para
validarmos, digamos assim a regra. Mas eu apercebi-me que a grande
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maioria já tinha terminado, já tinham chegado a uma regra. Embora não
estivessem a conseguir escrevê-la. (ST3, p. 6)
Durante a apresentação e discussão dos resultados dos alunos, ocorrem dois
momentos relevantes – episódio 1 e episódio 2 – do ponto de vista argumentativo, no
que concerne à construção da regra acima referida.
Episódio 1 - A esta frase todos chegaram!
Rita pede a um aluno, Filipe, que apresente a conclusão a que chegou juntamente
com o seu par, Maria, relativamente à resolução das questões 1a) e 1b). Antes disso,
porém, chama a atenção de toda a turma para o momento que se vai seguir e salienta a
importância dos alunos ouvirem com atenção as explicações dos colegas, no sentido de
poderem participar.
O aluno dirige-se ao quadro, desenha a tabela e completa-a, de acordo com o que
tem registado na sua ficha de trabalho (Figura 4.1.):
Figura 4.1. Registo da resolução da questão 1a) da Tarefa 1 na ficha de trabalho de Filipe
De seguida, Rita pede ao aluno que apresente a sua conclusão relativa à questão 1b):
Professora: Filipe, olhando para a tabela o que é que vocês conseguiram
escrever em primeiro lugar?
Filipe: Nós escrevemos que o quadrado de um número terminado em 5,
25, 35, 45, 55, 65, 75, 85, 95 e 105, acaba sempre em 5.
Professora: Acaba sempre em 5. Ou seja, o quadrado… Vê lá se
podemos resumir essa frase? O quadrado de um número terminado
em 5, porque são estes [aponta para a tabela], acabam sempre em 5.
Todos concordaram ou todos chegaram a esta conclusão?
Turma: Sim.
O aluno enuncia a sua regra, a professora resume a frase, redizendo a ideia do
aluno, e questiona a turma sobre a sua validade. A questão da professora: “Todos
concordaram ou todos chegaram a esta conclusão?” torna o assunto passível de
discussão, pelo que se cria um contexto favorável à participação dos alunos que podem,
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se assim entenderem, expressar a sua opinião sobre o que acabam de ouvir.
Rita sabe que além deste par de alunos, Filipe e Maria, outros alunos têm,
também, esta conclusão - o quadrado de um número terminado em 5 termina sempre em
25. Assim, volta a questionar a turma.
Professora: Todos aceitam ou não, a conclusão que o Filipe e a Maria
fizeram. Todos os números terminados em 5 ao quadrado, acabam
em 5. [Um aluno manifesta ter algo a dizer]
Diz lá António!
António: Acabam em 25.
Note-se que, ao repetir a questão, Rita focaliza a atenção dos alunos no assunto
sobre o qual devem emitir a sua opinião. Além disso, a forma como a questão é
elaborada permite-lhes aceitar ou não a conclusão de Filipe, o que constitui novamente
um convite à participação. Este convite é aceite por António que, ao analisar
criticamente o conteúdo da regra enunciada por Filipe e a sua própria conclusão,
acrescenta “Acabam em 25”.
Rita, tem o cuidado de fazer com que os alunos compreendam que a observação
de António não é contrária à de Filipe, antes a complementa. Para se certificar disso
coloca uma questão de confirmação a toda a turma: “Se acabam em 25, acabam de
certeza em quanto?” A resposta dos alunos, “Em 25!”, dá-lhe a noção de que os alunos
compreendem a conclusão “Todos os quadrados de 5 terminam em 25”.
O registo, no quadro, da frase “O quadrado de todos os números terminados em
5 acaba em 25” procura sistematizar as ideias apresentadas e constitui a etapa que
encerra a validação da primeira parte da regra. Durante este registo, Rita nota alguma
dificuldade nos alunos em a verbalizar, pelo que os questiona no sentido da construção
conjunta da frase, que todos consideram agora ser válida:
Professora: Então e não podíamos suprimir este conjunto de números?
[refere-se aos números antes do 25 em cada resultado do quadrado]
Filipe: Sim.
Professora: Porque… Porquê? Porque é que podíamos suprimir este
conjunto de números? Diz Tatiana!
Tatiana: Porque todos acabam em 5.
Professora: Porque todos eles acabam em 5. Então bastava dizer o quê?
O quadrado…
António: … De todos os números terminados em 5 é, terminam em 25.
Professora: Terminam em 25. Diz o António. Será que podemos
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sustentar essa ideia? Sim? Então podemos escrever? O
quadrado… De quê? Vá uma frase.
(…)
Professora: Todos os números terminados em 5 terminam em… Em…
quanto António? Em 25. Já está! Pronto. Eu acho que a esta frase
todos chegaram.
A análise do momento de construção da frase, do ponto de vista argumentativo,
leva à identificação de uma questão referente ao pedido de justificação, feito pela
professora, relativo à validade de se considerar o conjunto de algarismos 25. Este
pedido é atendido por Tatiana que mostra ter compreendido a existência de uma relação
entre o algarismo 5, no número inicial, e o 25 no quadrado do mesmo, embora não
apresente uma razão explícita para esta relação. A validação da regra culmina na
observação da professora: “Eu acho que a esta frase todos chegaram”.
Episódio 2 - A estratégia de Ricardo
Após se ter registado no quadro a frase relativa à primeira parte da regra, Rita
questiona a turma sobre a existência de mais conclusões. Ricardo, um dos melhores
alunos da turma, pede para intervir e a professora dá-lhe a palavra. O aluno mostra-se
um pouco reticente em relação à sua conclusão e refere que a sua estratégia é difícil de
explicar. A professora incentiva-o a ir ao quadro explicar o seu raciocínio e chama a
atenção dos outros alunos para a apresentação do aluno. Finalmente, Ricardo explica o
seu raciocínio, com base na sua ficha de trabalho (Figura 4.2.).
Ricardo: A maneira mais fácil de descobrir os números é: este aqui está
a zero [ou seja 025 é o quadrado de 5], aqui aumentamos dois [ou
seja 225 que é o quadrado de 15] e este quatro [625 que é o
quadrado de 25, o 6 tem mais quatro que o 2 do 225], seis e oito e
dez e doze e catorze e dezasseis. Então a maneira que eu descobri
de descobrir o 95 e o 105 foi, deixar o 25...
Professora: Então escreves se não te importas.
Ricardo: Deixar o 25 no fim e somar a este 18, deu 90. [o aluno refere-se
ao 72 de 7225 que é o quadrado de 85, que adicionado de 18 dá
90].
Professora: Muito bem, então e para o 105?
Ricardo: Para o 105, deixei o 25, somei 22, não 20 e deu-me 110.
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Figura 4.2. Registo da resolução da questão 1b) da Tarefa 1 na ficha de trabalho de Ricardo
O raciocínio de Ricardo é, de facto, diferente da conclusão anterior relativa à
segunda parte da regra. Conhecedora deste facto, a professora pede-lhe que enuncie uma
regra, o que consiste numa tarefa difícil para o aluno. Também a professora sente
alguma dificuldade em verbalizar a regra do aluno quando o desafia a experimentá-la
num número superior. O seu objectivo é levar Ricardo a pensar na sua conjectura de
modo a que o aluno possa avaliar a sua validade e formule uma regra:
Professora: Então qual é a regra à qual tu chegaste Ricardo?
Ricardo: Como os números acabam todos em 25 e andam de 10 em 10…
São múltiplos de 5… Duas vezes, portanto, vai ser de 20 em 20.
Professora: Pronto, então imaginemos que eu não tinha o 110 [refere-se
ao 110 de 110|25 que corresponde ao quadrado de 105], porque é
10 mais…não é?! Porque são números terminados em 5
consecutivos, mas tinha … este número [a professora escreve
225].
Ricardo: Então fazemos o 25.
Professora: Fazemos o 25 porque até aqui todos chegaram à conclusão
que terminava em 25.
Ricardo: E tinha de ver quantas vezes andava o 225 para a frente de
105…
Professora: Então e quantas vezes anda o 225 para a frente em relação
ao 105?
Ricardo: É pá!
Professora: Pois! Será…
Quando Ricardo enuncia a sua regra, que não é clara, Rita não questiona a turma
sobre a sua validade mas opta por conduzir o aluno à reflexão sobre o modo como, pela
sua conjectura, consegue determinar o quadrado de um número terminado em 5. Ao
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colocar a questão: E quantas vezes anda o 225 para a frente em relação ao 105?, a
professora pretende que Ricardo compreenda que é necessário proceder a todos os
cálculos entre 1052 e 225
2, o que o leva a exclamar “É pá!” Aparentemente, nesse
momento, o aluno percebe que a sua conjectura se torna de difícil execução quando os
números não são seguidos, isto é, quando não são números terminados em 5
consecutivos, embora não se tenha efectuado um registo desta percepção. Verifica-se no
entanto que, durante este diálogo, a conclusão anterior – o quadrado de um número
terminado em 5 termina em 25 – é usada como conhecimento matemático válido e
aceite pelos alunos.
Esta discussão, entre a professora e o aluno, é seguida atentamente por Carolina.
Esta aluna parece entender que Ricardo não consegue aplicar a sua regra a qualquer
número, sem ter o anterior. No entanto, quando a professora fomenta a discussão entre
estes alunos Carolina apresenta uma razão, diferente daquela que a professora espera.
Carolina: Não era fácil, precisávamos…
Professora: Olha, olha o que diz a Carolina! [diz para o Ricardo]
Carolina: Porque se fosse um número mesmo esse [refere-se ao 225] ou
maior que esse precisávamos de máquina para descobrir.
Professora: Será que é assim tão simples, Ricardo?
Ricardo: Se calhar não!
Professora: Pois.
Ao chamar a atenção de Ricardo para o que diz Carolina, e ao permitir que a
aluna opine sobre a discussão em curso, a professora tenta criar condições para que os
alunos discutam. O assunto – a conjectura de Ricardo – passa a ser discutível, porém, a
razão apresentada por Carolina – precisávamos da máquina para descobrir – que parece
refutar a ideia do aluno não é debatida, do ponto de vista argumentativo. Por este facto e
pelas observações: Será que é assim tão simples Ricardo? e Pois, proferidas pela
professora, a tentativa de colocar os alunos a discutir resulta infrutífera. Com a última
observação, Rita encerra o debate sobre a conjectura de Ricardo, sem que se conclua
sobre a sua validade ou se apresentem argumentos que a sustentem.
Reflexão
Ao observar o registo desta aula verificamos que não existem momentos de
argumentação relevantes. De facto, se considerarmos a argumentação como meio de
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resolver desacordos pela apresentação de razões, esta aula não se caracteriza por ter uma
dinâmica argumentativa. Reflectir sobre esta situação levou-nos à identificação de
algumas razões:
Os alunos quando vão ao quadro apresentar os seus resultados fazem-no
de costas viradas para a turma, normalmente falam apenas para a
professora, num tom baixo e quando terminam de escrever a sua
resolução consideram que terminou a apresentação;
Mesmo quando incentivados explicar e justificar as suas ideias, os alunos
não revelam à vontade em fazê-lo com os outros alunos e por vezes não
sabem como justificar, revelando algumas dúvidas entre apresentação,
explicação e justificação de ideias.
Quanto ao papel da professora na promoção de um discurso
argumentativo, encontramos situações reveladoras de falta de pedidos de
justificação, por parte de Rita e falta de discussão sobre as respostas dos
alunos.
No entanto, há outros aspectos relativos à criação de contextos promotores da
argumentação na sala de aula e ao discurso argumentativo que estão presentes nesta
primeira aula. Identificamos situações em que é feito o convite à apresentação e
explicação de ideias, conjecturas ou conclusões, por parte dos alunos ou o incentivo à
participação, que Rita lhes dirige, embora nem sempre atendido por estes.
Consideramos que outras acções como chamar a atenção dos alunos para que ouçam o
que está a ser apresentado ou pedir aos que apresentam as suas ideias que as registem no
quadro, de modo a todos as poderem observar, também criam oportunidades à
emergência de argumentação. Porém, não houve desacordos. Assim sendo, esta aula
contém elementos do plano da criação de condições à emergência de um discurso
argumentativo – plano pragmático – mas não contém situações que caracterizam os
planos argumentativo ou epistémico.
O tipo de questões, o momento em que são feitas e o seu conteúdo foi outro
aspecto que considerámos interessante ponderar e analisar. Por exemplo, sobre a
questão, Todos concordam ou todos chegaram a esta conclusão? Rita refere que devia
ter perguntado: Qual é a vossa opinião sobre o que o colega acaba de dizer? Considera
que esta última questão convida à participação com emissão de opinião pois, para
responder, os alunos têm de pensar no que o colega disse, de modo a compreender o seu
ponto de vista. A questão colocada aos alunos não convida a uma manifestação de
opinião, crítica ou discórdia. Isso verifica-se na resposta dada pelos alunos, Sim. Além
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disso, a palavra “concorda”, na nossa opinião, transmite aos alunos, a convicção de que
o professor está de acordo com a ideia apresentada.
A propósito da conjectura de Ricardo, Rita refere que esta ideia “precisava de
ser explorada” (ST3, p. 7). Ao analisar a exploração da conjectura do aluno, durante a
aula, concluímos que se pode ter perdido um bom momento de discussão mas não está
perdida a oportunidade de voltar a discutir esta estratégia.
Agora já é clara para mim. Um dia destes, quando der as potências de
números racionais vou pegar nesta conjectura do Ricardo e explorá-la até
à expressão geradora, que, tirando os 25, é n(n+1), o que se traduz na
multiplicação do número pelo seu consecutivo. Regra a que se chegou.
De facto, estamos sempre a aprender! (RR 6, p. 1)
Aula 2 – 04.Nov.08
Depois de analisarmos a aula anterior consideramos existirem aspectos que
queremos abordar com os alunos. Assim, preparamos uma segunda aula, ainda sobre a
mesma tarefa.
Preparação da aula
Elaboramos um PowerPoint (Anexo 5) constituído por três partes. A primeira
aborda o significado do termo regra, a segunda contém algumas produções dos alunos
relativas à questão 1b) e a terceira refere-se à questão 1c) e a um contra-exemplo,
apresentado por António, na aula anterior.
Ao pensarmos no modo de promover a discussão sobre o termo regra,
constatamos que, inicialmente, o assumimos como uma lei de formação ou termo geral,
que os alunos compreendem e relacionam com “uma regularidade que é o 25 e não só,
[conseguem ver] que há outra regularidade” (ST2, p. 1). Ao visualizar as imagens da
aula anterior notamos que os alunos não associam a regra à relação entre o número
inicial e o seu quadrado, pelo que consideramos pertinente promover um debate sobre
este assunto. Como suporte temos o Diapositivo 2, onde incluímos afirmações
proferidas na aula anterior pelos alunos e pela professora e, na última frase, colocamos a
nossa interpretação do termo regra. Tomamos esta opção porque:
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[Consideramos] interessantíssimo que eles percebam que existe uma
relação, tem a ver com a relação entre os números. Existe uma relação
entre o número produto e o número original. O final, o resultado, termina
sempre em 25 porque temos o 5 ao quadrado e o restante se obtém (…)
pelo produto de outros números. (ST2, p. 2)
Debatemos a situação da regra servir para simplificar os cálculos e concluímos
que depende da situação, uma vez que, para 10052 a sua aplicação é simples, mas para
36752 é mais prático recorrer à calculadora para efectuar 367 vezes 368. Parece-nos que
alguns alunos associam a existência da regra à impossibilidade de recorrer à
calculadora, uma vez que esta é a razão que Carolina evoca para rejeitar a conjectura de
Ricardo (Episódio 2), pelo que consideramos importante voltar a abordar este assunto.
Ao pensarmos na acção de Rita na promoção da justificação de raciocínios
durante a última aula, concluímos que este objectivo ainda não foi atingido, como
pretendemos. A professora reflecte sobre o seu papel e refere:
Como professora talvez não devesse estar preocupada com o pouco
tempo que faltava para terminar a aula, mas sim em promover a
discussão, a crítica e a comunicação entre os alunos. O produto do
trabalho daquele par de alunos [Ricardo e Paula] precisava de ser mais
explorado e discutido com a turma. Estava a tentar que todos os pares
cujos trabalhos mereciam, na minha opinião, serem apresentados
tivessem oportunidade de o fazer. Contudo o tempo passou e a tarefa não
ficou concluída. (RR2, p. 2)
Por isso, com suporte nos diapositivos 3, 4, 5 e 6 do PowerPoint, pretendemos
promover a discussão sobre as estratégias de alguns alunos, algumas já apresentadas na
aula anterior.
A questão de António sobre a não validade da regra para o número 0,5555552
leva Rita a “utilizar a aula de ITIC do dia seguinte para [com recurso ao] (…) Excel,
explorar esta situação” (RR2, p. 3). Na disciplina de ITIC estão presentes apenas metade
dos alunos da turma pelo que a professora considera pertinente apresentar os resultados
da exploração realizada com o Excel a toda a turma – Diapositivo 7. O seu objectivo é
levar os alunos a pensar no contra-exemplo de António, a discutir a sua validade, a
reflectir sobre o modo como este contra-exemplo foi refutado e a concluir sobre a
validade da regra, para qualquer número terminado em 5, isto é, sobre a sua
generalização.
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Desenvolvimento da aula
Rita efectua uma breve revisão da actividade de 21 de Outubro e relembra as
principais conclusões dessa aula. Refere que os resultados apresentados “não foram
totalmente discutidos” e que falta discutir o contra-exemplo apresentado por António,
segundo o qual “nem todos os [quadrados dos] números terminados em 5 acabam em
25”, pelo que, nesta aula, têm de “chegar a uma conclusão” (TA2, p. 1). Distribui as
fichas de trabalho e informa que alguns alunos têm a responsabilidade de voltar a
apresentar, explicar e esclarecer os seus raciocínios. Antes de mostrar os diapositivos,
refere o que espera da participação dos alunos na aula:
É uma discussão em grande grupo em que todos vão ter de participar, e
para participar é preciso ouvir os outros, é preciso ouvir muito bem e
pensar sobre aquilo que os outros estão a explicar. (TA2, p. 1)
1.ª Parte da aula
Rita propõe aos alunos que digam o que entendem por regra mas só alguns
apresentam a sua ideia. Desta discussão, pouco participada, retira-se que a ideia inicial
dos alunos não valoriza a existência de uma relação entre um número terminado em 5 e
o seu quadrado.
Figura 4.3. Diapositivo 2 do PowerPoint
Professora: Qual é a ideia com que ficaram de regra? Diz lá Ricardo.
Ricardo: É uma forma mais fácil de nós realizarmos alguns cálculos que
sejam maiores (…) É uma forma de nós calcularmos operações
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mais difíceis com… Outras operações mais fáceis.
Professora: O que é que acham da definição que o Ricardo deu acerca da
regra?
Carolina: Acho que está certo.
Professora: Acha que está certo? Mais ninguém? Paulo! Guilherme!
Sónia: É uma forma de efectuarmos alguns cálculos que têm factores em
comum.
Professora: Têm factores em comum. O que é isso de factores em
comum?
Sónia: Por exemplo, isto aqui é para calcular a regra dos números
acabados em 5.
Professora: Exactamente. Isto aqui é para calcular números terminados
em 5. Esses factores comuns serão o quê entre números?
[silêncio]
Ricardo: Números em comum.
Professora: Com números em comum?
Ricardo: … Algarismos…
Professora: Algarismos. Então? Não serão relações entre os números?
Lembram-se como é que calculavam o quadrado de 25, por
exemplo?
António: 25 x 25
Professora: 25 x 25, sim. Mas utilizando esta regra, como é que se
calculava o quadrado de 25?
Afonso: 25 ao quadrado.
Professora: Sim, mas isso não é aplicando a regra que nós
estabelecemos na última aula.
Paulo: Fazemos 3x2 dá 6.
Professora: Espera… 3 x 2 dá 6 e…?
Paulo: 5 x 5 dá 25. Fica 625.
Professora: Fica 625, era isto? Lembram-se?
António: Sim.
A discussão sobre a regra dura 13 minutos, sendo o excerto acima apresentado
apenas uma pequena parte. Esta discussão contribui para o esclarecimento e
compreensão da ligação entre o conceito de regra e a relação entre os números em
questão. Embora não contenha situações de argumentação entre alunos, não deixa de ser
relevante assinalar o modo como Rita actua. A professora tenta levar os alunos a
identificarem-se com as afirmações presentes no Diapositivo 2 (Figura 4.3.), evita dar
respostas com juízos de valor e, sempre que possível, pede-lhes que validem as suas
ideias. Usa as seguintes estratégias para fomentar e sustentar a discussão: (i) pedido de
opinião à turma sobre a ideia de um colega – O que é que acham da definição que o
Ricardo deu acerca da regra? (ii) pedido de esclarecimento – O que é isso de factores
em comum? e (iii) repetição das afirmações dos alunos – Isto aqui é para calcular
70
números terminados em 5…. A propósito desta última estratégia, refere que a considera
necessária embora preferisse não ter de a usar:
Julgo que não deveria ter repetido ou redito as frases dos alunos, mas
apenas feito perguntas. Contudo, este redizer e a necessidade que senti
em o fazer é devido ao facto dos alunos falarem muito baixo e nem todos
ouvirem os diálogos. (ST13, p. 1)
2.ª Parte da aula
Para Rita, esta aula constitui mais um desafio à capacidade de promover
discussões pela apresentação de argumentos que justifiquem diferentes raciocínios.
Assim, pede a Sara que junto do quadro interactivo, onde se encontra projectado o
Diapositivo 3, explique o seu raciocínio. Refere ainda que vai “lá para trás” para que a
aluna fale virada para os colegas pois, da análise do registo da aula anterior, percebe que
a sua presença junto do aluno que está explicar faz com que este fale baixo e apenas
para si.
Episódio 3 – O que é isso do número acima?
Sara explica à turma junto do quadro interactivo, onde se encontra projectado o
Diapositivo 3 (Figura 4.4.) o modo como ela e Maria construíram a regra. A certo
momento Rita pede-lhe que explique melhor a ideia do “número acima”.
Figura 4.4. Diapositivo 3 do PowerPoint
71
Professora: Então explique lá o seu raciocínio.
Sara: Então nós aqui fizemos o 1 a multiplicar pelo 2.
Professora: O 1 a multiplicar pelo 2. Mas tens de falar mais alto senão
não se ouve.
Sara: Depois fizemos 5 x 5 que deu 25.
Professora: Sim.
Sara: Depois o 2 vem para aqui [para antes do 25] e fez 225.
Professora: E fez 225.
Sara: Depois, neste aqui, fizemos 2 x 3, que é o número acima, que deu
6. Depois…
Professora: Ó Sara, és capaz de explicar o que é isso do número acima?
[Sara não responde e olha para a sua ficha. Ricardo pede para falar]
Professora: Diz lá Ricardo! Fala para ela!
Ricardo: Multiplica-se pelo número acima porque o 5 já está na outra
metade do… Duma recta, digamos assim, não é setora?
Professora: Na outra metade de uma…?
Ricardo: Como se fosse uma recta de 0 a 10, depois o 5… Aumentamos
um para cima, como nos arredondamentos.
Professora: Será isso? Como nos arredondamentos? Será que o 5
multiplica pelo 6 porque o 6 está acima do 5, nos
arredondamentos?
[silêncio]
Ricardo: Foi uma ideia, setora!
Professora: Claro que foi uma ideia! E foi uma ideia pertinente. A Sara
tem que responder! Foi isso que pensou?
Sara: Eu acho que foi quando estávamos a preencher a tabela é que
fizemos isso.
Professora: Quando estavam a preencher a tabela é que compreenderam
o quê?
Sara: Que era sempre o número acima.
Professora: O número imediatamente a seguir. Então foi por… Porquê?
Porque olharam para a tabela. Porque viram…
Sara: Porque quando fizemos a tabela, fizemos com a calculadora.
Professora: Sim.
Sara: Depois estivemos a ver coisas que podiam ter em comum, para
fazer uma regra, e percebemos que era sempre um número acima.
Esta discussão revela o modo como a professora tenta levar os alunos a
apresentar e discutir as suas ideias e argumentos. Rita cria condições para que a
argumentação ocorra pois pede aos alunos que falem de modo a que os restantes ouçam,
fomenta a troca de ideias, pede justificações e promove a reflexão sobre as mesmas,
assumindo o papel de moderadora da discussão. Ao sugerir a Ricardo que apresente a
sua justificação a Sara, a professora proporciona-lhes a possibilidade de debater o
assunto. No entanto, o argumento do aluno não constitui um bom suporte para a
validade da conjectura de Sara. Ele faz uma analogia entre o produto pelo número
72
consecutivo e a regra dos arredondamentos, o que se conclui não se aplicar à situação
em questão. Rita, sem emitir a sua opinião sobre a validade deste argumento remete a
questão à turma, efectuando uma pergunta em que focaliza o assunto em debate – Será
que o 5 multiplica pelo 6 porque o 6 está acima do 5, nos arredondamentos?” Pretende
sustentar este momento de argumentação mas a turma não se manifesta e então pede a
Sara que confirme se foi deste modo que pensou. A aluna não emite uma opinião
explícita sobre a razão apontada por Ricardo mas este desafio fê-la pensar sobre o modo
como pode garantir a sua conclusão. Refere que foi por observação que perceberam a
relação entre os números pois estiveram “a ver coisas que podiam ter em comum, para
fazer uma regra” o que as levou a concluir que “era sempre um número acima” (TA2, p. 5).
Episódio 4 – Como “dividir” o número?
Com o objectivo de levar Sara a verificar que a regra é válida para qualquer
número, Rita propõe-lhe que a aplique a um número grande, 1555. A polémica surge
quando Sara e Carolina decompõem o número em 15|55 e efectuam 15 x 16 e António,
Paulo e Ricardo consideram que se deve fazer 155|5 e efectuar 155 x 156. Há desacordo
e os alunos apresentam as suas razões sobre o modo como a regra funciona:
Professora [para Sara]: Eu quero que expliques… 15552. Diz a Sara ali
que é 15 x 16! [dirige-se à turma]
António: É 155.
Paulo: Vezes 156.
Professora: Diz que é 155 x 156. Mas falem para ela!
Carolina: Setora, setora, ela fez o número ao meio!
Professora: E será que se tem de dividir o número?
António: Não.
Professora: Como é que se divide o número António?
António: Fica um 5 que é para dar o 25 e depois faz-se 155 x 156.
Sara, ao ouvir a opinião de António, reformula a sua resposta e regista no quadro
o seu “novo” raciocínio (Figura 4.5.). A alteração de opinião de Sara leva Rita a
questionar a outra aluna, Carolina, sobre a sua intervenção: Setora, setora ela fez o
número ao meio!
73
Figura 4.5. Aplicação da regra a 15552
Professora: Ó Rita porque é que dizias que era cortar o número ao meio?
Explica-me.
Carolina: Porque nós na outra aula também cortámos o número ao meio.
Professora: Vê lá aí no 105, o que é que tu fizeste. Foi cortar o número
ao meio?
Carolina: Em cima sim [na tabela do enunciado].
Professora: Em cima sim, porque só eram números com 2 algarismos,
não é? [Carolina acena positivamente com a cabeça] Então e se o
número tivesse 3 algarismos? Era cortar ao meio?
Ricardo: Não, era deixar o 5 de parte.
Professora: Não. Era deixar o 5 de parte, diz o Ricardo, o Paulo. Sara! O
que está aí no quadro?
Sara: Fiz assim! [a aluna faz um traço entre o 155 e o 5 no número 1555.
Fica 155|5]
Carolina: Deixou o 5 de parte.
Professora: Deixou o 5 de parte, diz a Carolina.
Sara: Fiz 155 x 156, que era o número acima. E deu-me 24180.
Professora: Depois…
Sara: Depois, 5 x 5 deu 25. Juntei 24180 com o 25 e deu. 2.418.025.
Professora: E deu 2.418.025.
Este episódio inicia-se com uma divergência de opinião entre alguns alunos
referente ao modo de “aplicar” a regra. A professora pede a Sara, defensora da ideia
15|55, que apresente o seu raciocínio e, perante a exposição da aluna, focaliza a atenção
da turma para o “15x16”. Os alunos que têm uma opinião divergente apresentam,
igualmente, a sua forma de resolver a questão, É 155x156. A professora rediz a
afirmação dos alunos e Carolina, que concorda com Sara, tenta apresentar, com
fundamento no seu trabalho na aula anterior, uma razão para efectuar a divisão do
número 1555 “ao meio”. De facto, a aluna reitera a sua ideia e refere: Porque nós na
outra aula também cortámos o número ao meio. As questões de Rita: E será que se tem
de dividir o número? e Vê lá aí no 105, o que é que tu fizeste. Foi cortar o número ao
meio?, em conjunto com as observações dos alunos que discordam deste procedimento,
levam a aluna a reconsiderar o seu raciocínio e a concluir que não está correcto. A aluna
74
reflecte sobre a sua afirmação, reconsiderando porque razão “cortava o número ao
meio” e conclui que o faz quando este tem apenas dois algarismos. A intervenção de
Ricardo reforça a ideia da necessidade de “ter de deixar o 5 de parte”. Esta discussão e
troca de argumentos leva a aluna a convencer-se, pois, de facto, tinha sido deste modo
que efectuou o quadrado de 105. A explicação de Sara, sobre a aplicação da regra a
15552, após pensar na afirmação de António, traduz igualmente a sua compreensão
sobre o modo de aplicar a regra e promove a aceitação da sua validade para qualquer
número terminado em 5.
Episódio 5 – Há conjecturas diferentes. Umas válidas outras não!
O Diapositivo 5 contém três conjecturas – Raciocínios I, II e III – retiradas da
ficha de trabalho de Carolina e Tomás (Figura 4.6.) e constitui o suporte à discussão em
torno da sua legitimidade e validade.
Figura 4.6. Diapositivo 5 do Power Point
O Raciocínio I corresponde à regra a que se chegou na aula anterior e constitui o
que, na sua maioria, os alunos têm registado nas fichas de trabalho. Porém, este par de
alunos, em particular Carolina, gosta de apresentar resoluções alternativas, sempre que
lhe é proposto um desafio. Parece ser o caso do Raciocínio II que Rita considera “muito
interessante” pois lembra-lhe a tabuada, “82+8 é o 8x(8+1), ou seja, o 8x9” (ST3, p. 8) e
do Raciocínio III, que refere não ter visto antes, e que corresponde a uma estratégia
diferente, que resulta para o quadrado de 85, mas que não é válida para determinar o
Raciocínio II - diferente e válido
Raciocínio III - diferente e inválido
Raciocínio I - igual à Regra
75
quadrado de 95, por exemplo. Estas conjecturas podem ser pontos de partida para
promover a discussão entre os alunos. Rita mostra alguma resistência em “gastar” mais
tempo com esta tarefa, inicialmente prevista para dois tempos. No entanto, a
oportunidade de explorar o Raciocínio II, uma conjectura válida que não necessita ir
“buscar o consecutivo” pois depende apenas “[do] próprio número” (ST3, p. 9), foi
determinante na sua decisão de avançar para a discussão.
Na aula desafia os alunos dizendo: “Eu quero que todos olhem para esta regra,
depois da Carolina explicar e vamos ver se é tão válida, ou não, quanto outras que nós já
vimos” (TA4, p. 13). A aluna explica o Raciocínio I e todos os alunos confirmam tratar-
se da regra.
Questiona a aluna sobre a “tabelinha cá em baixo”, ou seja, o Raciocínio II.
Carolina explica e simultaneamente escreve no quadro (Figura 4.7.):
Figura 4.7. Registo do Raciocínio II aplicado a 852
Carolina: Fiz 8 ao quadrado. Do 85, não é? O 8. Divido o número ao
meio [a aluna refere-se à divisão 8|5] O 8 ao quadrado dá 64.
Depois fiz 64 + 8.
Professora: 64 +8, que dá?
[A aluna consulta a sua ficha de trabalho e responde]
Carolina: Que dá 72.
Professora: Dá 72. E agora?
Carolina: Fiz 5 ao quadrado.
Professora: 5 ao quadrado.
Carolina: Que dá 25.
76
Professora: Sim.
Carolina: Juntei o 72 com o 25.
Professora: Então isso tudo que a menina fez aí é exactamente igual ao
que ali está na primeira linha [refere-se a 82+8=72]. Agora será
que isso é válido para todos os números que nós ali temos, que
nós calculámos? Vamos experimentar para outro número qualquer
terminado em 5, Rita?
Rita confirma que o raciocínio apresentado pela aluna corresponde ao que está
registado no PowerPoint e sugere-lhe que o experimente noutro número. A sua intenção
é “levar a aluna e a turma à verificação de que esta estratégia é igualmente válida” (ST4,
p. 4), embora esteja consciente de que os alunos não conseguem perceber logo a
igualdade entre as expressões 8x9 e 82+8.
Figura 4.8. Registo do Raciocínio II aplicado a 13252
Os alunos que assistem à aplicação do Raciocínio II a 13252, não questionam
nem levantam objecções, o que parece traduzir a aceitação desta conjectura (Figura
4.8.). De facto, o processo de “deixar o 5” e efectuar 1322+132 conduz a um resultado
igual ao produzido por “deixar o 5” e efectuar 132x133. Esta conjectura parece ser
aceite como válida por permitir obter os mesmos resultados que a regra, pelo menos
para mais um número.
Com o objectivo de levar os alunos a perceber que existem conjecturas inválidas
Rita propõe a Carolina a explicação e justificação do Raciocínio III. A aluna refere que
esta regra surge da tentativa de “descobrir outra forma de fazer esse raciocínio” (TA2, p. 12) e
77
acrescenta ter verificado a sua validade apenas para o 852. A professora incentiva a
aluna a mostrar a aplicação deste raciocínio a 952 e dirige-lhe questões que a orientam
como: Tinha de multiplicar o quê pelo quê? ou Utilizando aquela regra que tu tens ali,
tu tens 8x5, certo? Esta estratégia da professora permite aos outros alunos acompanhar o
raciocínio de Carolina e participar na verificação da validade da conjectura – Raciocínio
III. Este facto verifica-se quando Rita questiona a aluna sobre o modo de proceder para
o 952 e perante a sua hesitação Ricardo afirma: “9x5 dá 45. Depois faz-se 45+45 que dá
90. Depois faz-se 90-9 que dá 81” (TA2, p. 12). A afirmação de Ricardo revela que o
aluno ouve atentamente as orientações da professora, compreende o raciocínio da colega
e sente à vontade em emitir a sua opinião. Pelo encadeamento de ideias, isto é pela
argumentação, mostra que o Raciocínio III aplicado a 952 não permite obter o 90 de
90|25, o que refuta a validade desta conjectura.
Rita refere que esta é uma “boa oportunidade para explorar a validade da
conjectura” (RR5, p. 1) e que a questão E dá o que nós pretendemos? [ou seja, os dois
primeiros algarismos de 9025] que dirige à turma, pretende ser o impulso para a
reflexão sobre a afirmação de Ricardo e a validade da conjectura. A maior parte dos
alunos responde Não o que leva Rita a perguntar Porquê?
Professora: Não! Porquê João?
João: Não porque tem que dar… Tem que dar 90.
(…)
Carolina: Ó setora, se eu apagasse esta parte aqui [90-9] já dava!
Professora: Mas repara tu… Isso é correcto. Só que tu tiveste mais esta
operação aqui [90-9]. Portanto se fizesses estas operações em
todos os números, será que era válido para todos?
Alunos [em coro]: Não.
(…)
[O Paulo está a dizer qualquer coisa que a professora não entende]
Professora: Eu não ouvi o que o Paulo disse e eu gostava que a Rita
também respondesse, àquilo que o Paulo está a dizer.
[Paulo fala alto e para Rita]
Paulo: Se fizermos 952 dá 9025. E esses números [refere-se ao 81 que
resulta de 90-9] não são os primeiros algarismos dessa metade
[refere-se ao 90 de 9025].
Professora: Pois! Então o que é que isso quer dizer Rita?
Carolina: Que não dá.
Professora: Que não dá para todos, não é? Aceitam isto que a Rita está a
dizer?
António: Sim aceitamos.
Professora: (…) Nesta regra que a Rita escreveu, que supostamente iria
considerar como válida sempre, isto funcionou para o 72, e depois
78
acrescentar-se-á aqui o tal 25, não é Rita? Pronto. Para o 90 [quer
dizer 95] já não dá, mas diz: “Se eu tirar esta parte, já dá”. Será
que isto então poderá ser considerado uma regra?
António: Não.
Professora: Se para uns dá e para outros não dá!
Alunos: Não.
Professora: Então uma regra tem de ser válida para…
Alunos: Todos!
Convencer a turma, em particular Carolina, que a conjectura não é válida requer
que a professora a institua como objecto de análise, promova o confronto de ideias e
fomente a apresentação de justificações. Além destes aspectos pode identificar-se
igualmente uma atitude da professora mais moderadora da discussão, sem recurso à
validação imediata de ideias, o que promove a reflexão sobre as afirmações proferidas
pelos alunos.
Com a apresentação do contra-exemplo por Ricardo e com a discussão sobre as
condições a que tem de atender uma conjectura para que seja considerada uma regra
válida para todos, os alunos convencem-se das razões pelas quais esta tem de ser
refutada.
Episódio 6 – Pela propriedade distributiva…
Rita pretende que os alunos reflictam sobre a semelhança entre os dois processos
– Raciocínio I e II – que permitem determinar o quadrado de um número terminado em
5, pelo que lhes propõe que observem das duas expressões – 82+8 e 8x9 – e que tentem
a partir de uma chegar à outra. Os alunos demonstram alguma dificuldade em realizar
esta tarefa e a professora pergunta-lhes: “Sabem o que é que é a propriedade distributiva
da multiplicação em relação à adição?” (TA2, p. 16). Obtém, como previa, o silêncio da
turma. Refere que “teve a sensação de que não ia conseguir levar os alunos à conclusão
que queria” (DB, p.10) e daí ter assumido um papel mais directivo. Ao analisar o registo
desta aula reconhece que “podia ter feito diferente mas o tempo estava a passar e eles
não respondiam” (DB, p. 10). Ainda que com alguma dificuldade, Rita promove uma
construção conjunta da igualdade entre as duas expressões e recorre à aplicação da
propriedade distributiva como garantia de passagem de uma expressão para a outra
(Figura 4.9.).
79
Figura 4.9. Comparação entre 82 + 8 e 8 x 9
Professora: Por exemplo, se tiverem isto assim 3 x (2+5). Como é que
eu consigo fazer esta operação? Sem resolver primeiro o que está
dentro dos parêntesis.
[não há resposta]
Paulo: 3 x 2… [não se entende o que o aluno diz]
Professora: Olhem lá, isto dá quanto? 6+15. Que dará 21.Agora façam lá
esta continha sem ser pela propriedade distributiva. Ora 2+5 dá 7 e
7x3 dá 21. Agora reparem o que a Rita aqui fez. Eu queria que
fosses tu a explicar isto! 82
+ 8, diz ela, que dá 72. O que é que eu
posso fazer aqui? Olhem lá para aqui… O que é que há de comum
entre este 8 e este?
Aluno: Serem iguais.
Professora: Serem iguais. Reparem que este que está aqui e este que está
aqui [refere-se ao 3 que há de comum no exemplo] Não são iguais?
Então eu não posso andar para trás até encontrar este factor
comum?
[a turma não reage]
Professora: Então eu não poderei fazer aqui [na estratégia da Carolina]
de modo a arranjar uma coisa destas [propriedade distributiva]?
Aluno: 8 x 8.
Professora: 8x8 + 8x… Quanto? Para dar oito, o 8 tem de ser 8 vezes
quanto?
Aluno: Vezes 1.
[a professora escreve no quadro 8x8 + 8x1]
Professora: O que é que há de comum entre este [8x8] e este [8x1]? Não
é o 8? Então agora querem ver uma coisa? Se eu puser o 8 em
evidência, o que é que sobra para dentro dos parêntesis?
Aluno: O 1.
Professora: O 1, aqui. E que mais?
Aluno: E o outro 8.
Professora: E o outro 8 [escreve 8 x (8+1)]. E isto não é o 8 vezes
quanto?
Ricardo: O 9.
80
Dados
82 + 8
Conclusão
8x9
Garantia
Pela propriedade
distributiva
82+8=8x(8+1)=8x9
Professora: 8 vezes quanto?
Alunos: 9.
Professora: Então não estamos a multiplicar o número pelo seu
consecutivo?
Alunos: Sim.
Professora: A regra será, ou não será, a mesma? Rita. Mas é muito
interessante como a Rita e o Tomás conseguiram utilizar ou
estabelecer ou formular uma maneira diferente da mesma regra.
Concordam? Achas que é a mesma coisa ou não?
Carolina: Sim.
Rita propõe aos alunos a validação da igualdade entre duas expressões com
recurso à propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição. Os alunos já
estudaram esta propriedade mas neste caso revelam alguma dificuldade na sua a
aplicação. A professora conduz os alunos recorrendo a questões que focalizam a sua
atenção para aspectos que possibilitam a passagem de uma expressão para a outra. Ao
acompanhar o seu raciocínio e ao responder às suas questões os alunos tiveram um
papel activo no processo de construção de um argumento que valida a igualdade entre as
duas expressões (Figura 4.10.).
Figura 4.10. Estrutura do argumento Pela propriedade distributiva
Durante a construção deste argumento Rita envereda “por um caminho mais
directivo” (RR6, p. 2), na sua opinião, igualmente rico “pois conduz os alunos à
apropriação da propriedade distributiva” (RR6, p. 2). Esta situação decorre sobretudo de
ter “percebido que os alunos já tinham ouvido falar da propriedade distributiva mas não
a sabiam utilizar” (RR6, p. 2). Esta abordagem pode ter contribuído para a consolidação
de um conteúdo desta propriedade e para a compreensão da sua aplicação à situação em
81
causa. O objectivo inicial, de levar os alunos a entender a igualdade entre as duas
expressões, parece ter sido assim concretizado, como Rita refere ter sentido:
Do que me lembro de ler nos olhares dos alunos, apenas o Paulo parecia,
saber aplicar a propriedade distributiva. Todavia, o importante desta
decisão vai no sentido de todos em conjunto, construirmos um
conhecimento novo que permitiu validar a igualdade entre as duas
conjecturas. (RR6, p. 2)
Episódio 7 - De contra-exemplo a exemplo
O contra-exemplo de António – “0,555555 ao quadrado não dá!” – resulta do
aluno efectuar o cálculo, com recurso à calculadora, e no visor aparecer 0,308641358, o
que o leva a afirmar “Isto não é válido!”. Este episódio mostra como os alunos chegam
à conclusão que a regra é válida mesmo para números como o do exemplo de António.
Rita mostra o Diapositivo 7 (Figura 4.11.) e pede aos alunos que estiveram
presentes na aula de ITIC que expliquem aos colegas o que fizeram e como se
convenceram de que o contra-exemplo de António não é válido.
Figura 4.11. Diapositivo 7 do PowerPoint
Carolina: Nós fizemos no Excel aqueles seis 5, acho eu! Fizemos aquilo
ao quadrado.
Professora: Aquilo ao quadrado, e o que é que deu?
Carolina: Deu um número grande mas não acabava em 25. Porque o
número das parcelas que havia lá era pequeno e então tivemos de
aumentar o número das parcelas para dar esse número acabado
em 25. Tivemos de pôr em 12 parcelas. [a aluna diz “parcelas”
para significar “casas decimais”]
82
Rita rediz o que a aluna refere de modo que todos os alunos consigam perceber
que é por se conseguir visualizar mais casas decimais que se conclui que 0,5555552
também termina em 25. Com o objectivo de convencer os alunos, Rita pede-lhes que
realizem esta experiência e reflictam sobre o que observam. Os alunos visualizam o
número 0,308641358, mas não colocam questões. A professora prossegue.
Professora: Mas agora falta aqui ver outra coisa. Olhem lá este número
aqui 0,55555. Como é que nós calculávamos o quadrado deste
número? Era tirar este último 5, lembram-se o que fizemos lá nas
TIC? Tirar o último 5 e ficava o quadrado que é 25. Depois temos
que multiplicar este número 0,5555 por quanto?
Aluno: Ao quadrado.
Professora: Por…?
Aluno: 2.
Professora: Tirando este número aqui, que é este 5. Qual é o número
utilizando a regra, que vem imediatamente a seguir a este? [pede
o consecutivo de 0,5555]
Alunos: é o 6.
Professora: Em vez deste 5 vem quanto?
Alunos: 6
Professora: Então toda a gente a multiplicar 0,5555 pelo número
imediatamente a seguir, não é? Olhem, vejam lá se não dá isto
aqui [aponta para o PowerPoint ]
Os alunos seguem as orientações da professora e verificam que o cálculo de
0,5555552 pode efectuar-se com recurso à regra, pelo que se conclui que o contra-
exemplo que António é refutado porque se mostrou que afinal era um exemplo.
No final da aula a professora propõe aos alunos que efectuem 123452,
apresentando por escrito a sua resolução. Todos os alunos explicaram o seu
procedimento com recurso à regra (Figura 4.12.) à excepção de Carolina que usou o
Raciocínio II (Figura 4.13).
Figura 4.12. Resolução de 123452 por Paulo
83
Figura 4.13. Resolução de 123452 por Carolina
Face às respostas e raciocínios apresentados ao desafio proposto Rita afirma que
“estão evidentes as diferentes estratégias, inicialmente utilizadas” (RR6, p. 3) e que “os
alunos recorreram às estratégias cuja validade foi conferida por todos” (RR6, p. 3) o que
a deixa satisfeita.
Reflexão
A realização de uma segunda aula sobre a tarefa Quadrado de um número
terminado em 5, levou-nos a pensar, por um lado, se em circunstâncias ditas “normais”
teríamos conseguido discutir todas as estratégias que os alunos elaboram e por outro
“até que ponto é vantajoso voltar a pedir aos alunos que repitam a mesma experiência”
(DB, p. 10). De facto, consideramos que esta nova abordagem permite a clarificação de
assuntos como: o modo de “dividir” o número para aplicar a regra, a relação da regra
com a calculadora e a consolidação e expansão de ideias, como a analogia entre
diferentes raciocínios. Porém, sentimos que em certos momentos se estavam a “forçar
assuntos que eles já tinham compreendido” (DB, p. 10) e questionamo-nos até que
ponto isso foi benéfico.
A mais-valia desta “repetição” concretiza-se na oportunidade de Rita em
promover a discussão entre os alunos e na possibilidade de mudança na sua prática
lectiva, em relação à promoção da argumentação na aula de Matemática. De facto, é
evidente a diferença entre o seu papel na primeira aula e nesta. Ao visualizarmos o
registo desta aula percebemos que enquanto moderadora de debates promove mais a
troca de ideias, entre os alunos, tarefa nem sempre fácil de concretizar, “pois numa aula
84
dinâmica não se consegue perceber logo que está ali uma oportunidade para os colocar a
discutir” (DB, p. 10). Como estratégia para superar esta dificuldade identificamos o
incentivo ao diálogo, entre os alunos, sempre que “detecta[r] algo que podia ser
esclarecido ou que não estava ainda bem compreendido”. As acções associadas a esta
estratégia são: a repetição das afirmações dos alunos, a chamada de atenção da turma
em relação ao que alguns alunos dizem, o pedido de comentários, reflexões e
manifestações de opinião embora por vezes estas tentativas sejam infrutíferas.
Consideramos que com a continuação deste modo de conduzir, o discurso “que os
alunos se habituarão a saber participar, a pensar nas questões dos outros” (DB, p. 11),
ou seja, o estabelecimento de normas sociais de participação deve ser um trabalho
sistemático e contínuo.
Durante a sessão de trabalho em que analisamos esta aula, experimentamos um
sentimento de satisfação e realização em relação aos resultados quanto à promoção da
argumentação na sala de aula. Este sentimento é registado por Rita numa das suas
reflexões individuais:
Ao longo da aula percebi a forma diferente como a estava a dinamizar.
No final, senti uma satisfação muito grande porque consegui que os
alunos tivessem um papel mais activo e interventivo. O meu
protagonismo foi menor. Embora nem todos tivessem participado de uma
forma voluntária, por feitio, por falta de hábito ou por revelarem algumas
dificuldades, acho que de uma maneira geral, todos tiveram um
contributo positivo no desenvolvimento da actividade e na construção do
conhecimento pretendido. (RR6, p. 3)
Do ponto de vista do conteúdo matemático esta aula centrou-se nas semelhanças
e diferenças entre diferentes raciocínios e na necessidade de se provar a validade de uma
conjectura. De facto, as acções de Rita nesta aula, no que respeita à promoção de um
discurso argumentativo, caracterizam-se por incidir sobretudo no pedido de justificações
e na discussão de ideias, com o objectivo de chegar a um consenso (plano
argumentativo). Do ponto de vista da mobilização de saberes, raciocínios, conceitos ou
propriedades matemáticas (plano epistémico), a análise desta aula permite afirmar que a
professora promove oportunidades para que os alunos argumentem matematicamente. A
justificação que alguns alunos apresentam – foi por observação – embora não seja a
desejada para provar a relação entre um número terminado em 5 e o seu quadrado, é a
possível atendendo aos conhecimentos dos alunos e à forma como foi conduzida a discussão.
85
Aulas 3 e 4: Grandezas directamente proporcionais
Aula 3 – 18.Nov.08
Preparação da aula
Para esta aula preparámos a tarefa Grandezas directamente proporcionais
(Anexo 6) com questões que apelam à utilização do raciocínio proporcional em
contextos reais (questões 1, 2 e 3) e questões referentes a relações matemáticas e
explorações (questões 4 e 5). A sua estrutura deve-se: (i) à necessidade de Rita em
“avançar na matéria”, (ii) à vontade de propor aos alunos questões do quotidiano, que
eles podem resolver pela aplicação de conhecimentos matemáticos, (iii) à intenção de
levar os alunos a explicar e justificar raciocínios, em que não existe proporcionalidade
directa entre duas grandezas (questões 2 e 4.1). A tarefa é resolvida a pares e após 45
minutos de actividade realiza-se a discussão dos resultados, com toda a turma, mediante
a apresentação das resoluções dos diferentes grupos.
Desenvolvimento da aula
1.ª Parte da aula
Rita efectua uma breve revisão sobre o conceito de razão e de proporção e sobre
a propriedade fundamental das proporções. Propõe a resolução de algumas situações do
quotidiano no sentido de aferir as capacidades dos alunos neste domínio. Distribui a
tarefa, interpreta-a em conjunto com a turma e refere algumas normas a que os alunos
devem atender: o modo de trabalho ser a pares, a solicitação da professora deve ocorrer
após discussão dentro do grupo e o registo escrito nas fichas de trabalho ter de ser a
caneta. É esclarecido o significado de câmbio.
2.ª Parte da aula
Os alunos resolvem a tarefa de modo autónomo e discutem entre si as respostas.
Rita circula pela sala e verifica que a maior parte dos pares não a solicita para
86
esclarecimento de dúvidas ou para a validação de ideias. Tais pedidos ocorrem com
mais frequência quando resolvem as questões 2 e 4. Nestes casos, Rita opta pela
devolução das questões ao grupo, evita dar respostas concretas e incentiva a procura de
estratégias e justificações que resultem do diálogo, discussão, partilha e reflexão entre
os alunos. Este modo de agir deve-se, essencialmente, à reflexão sobre o seu papel na
orientação dos alunos, quando da análise das aulas anteriores, e reflecte uma tentativa
de mudança pedagógica orientada para a promoção da argumentação:
A introdução de uma metodologia argumentativa na aula de Matemática
consiste em alterar os papéis tradicionalistas, quer dos alunos quer do
professor. Enquanto professora não basta apresentar tarefas desafiantes
aos meus alunos, mas tenho de pensar na maneira como vou desenvolver
neles a capacidade de pensar matematicamente. Não basta eu falar e o
aluno ouvir. (RR4, p. 5)
3.ª Parte da aula
Rita inicia o momento de apresentação e discussão de resultados referindo a
necessidade de se “partilhar tudo aquilo que todos fizeram e tentar chegar a um
consenso sobre as respostas” (TA3, p. 3). Lê a primeira questão e pergunta à turma:
Porque é que se poderá dizer que um dia 1 euro vale aproximadamente 1,2 dólares?
Carolina contribui com a afirmação: Quer dizer que o dólar ou o euro podem descer ou
subir. Esta ideia de variação do euro em relação ao dólar parece ser partilhada pelos
restantes alunos, pelo que não há lugar a discussão sobre o seu significado.
Episódio 8 – À procura de uma justificação
Rita desafia os alunos a apresentar razões que justifiquem ou refutem a validade
da afirmação da questão 1.1. - Quanto mais dólares valer o euro, mais vantajoso se
torna comprar um produto americano. Neste episódio identificam-se três formas
complementares de justificar a validade da afirmação, reconhecendo-se em todos eles a
acção da professora em promover a apresentação de razões que sustentem as respostas
dos alunos.
Professora: Têm que ouvir o que a Maria diz, para poderem comentar.
87
Maria: Nós fizemos… Achámos que sim. Porque com um euro posso, a
gente pode comprar mais produtos americanos. Porque o euro
vale mais que o dólar.
Professora: Concordam com o que a Maria disse ou têm alguns
comentários a fazer?
[Teresa pede para falar]
Teresa: Apresentámos um exemplo que explica um bocadinho melhor.
Se aqui tivesse 7 euros lá vale 8,4 dólares. Fica mais barato.
Professora: Fica mais barato comprar cá ou comprar lá?
Teresa: Comprar lá. Com um euro.
Professora: O que significa que nós indo lá, com 7 euros, vamos
comprar produtos mais caros ou menos caros, do que cá?
Alunos: Mais caros.
Professora: Ou mais produtos ou menos produtos?
Alunos: Mais produtos.
Professora: Mais produtos. Então para nós …
Ricardo: O euro é mais valorizado.
Professora: O euro é mais valorizado do que o dólar. Era bom se fosse
sempre assim!
A razão apresentada por Maria carece de um fundamento matemático e a
professora aproveita a ocasião para convidar a turma a comentar. Sabe que alguns
alunos têm melhores justificações para a validade da afirmação e espera que, por sua
iniciativa, eles os apresentem. Teresa considera que o seu exemplo explica um
bocadinho melhor, o que mostra que a aluna é capaz de indicar o que considera ser
matematicamente mais relevante. Ela contribui com um exemplo que ilustra a ideia da
colega, pelo recurso aos números, tornando-a mais clara. A sua participação mostra
vontade em apresentar a sua opinião e revela, também, confiança no seu trabalho. Rita
sustenta este momento com questões que não validam as ideias apresentadas, mas
contribuem para a clarificação e compreensão das ideias das alunas por parte dos
restantes alunos.
De facto, se o euro estiver mais valorizado que o dólar com 1 euro tem-se
sempre mais dólares. Mas esta conclusão não é suficiente para se poder afirmar que é
mais vantajoso comprar produtos americanos. A justificação apresentada por Paulo
(Figura 4.14.), que o aluno afirma ser diferente das anteriores, é aquela que do ponto de
vista matemático confere validade à afirmação, pelo que Rita lhe pede que a explique
aos colegas.
88
Figura 4.14. Justificação de Paulo
Rita considera importante que todos os alunos se manifestem em relação à
resposta de Paulo e incentiva-os lançando o desafio: Mas vamos ver se concordamos ou
discordamos com o que está escrito no quadro e dar opiniões!
Professora: Reparem que o Paulo pôs um valor diferente daquele que
está registado na ficha. Se 1 euro valer 1,5 dólares, que é diferente
de 1,2… [Dirige-se ao Paulo] Como é que tu chegaste a esses
23,33?
António: É o 35 a dividir por 1,2.
Professora: 1,2!? Mas repara que ele [Paulo] ali pôs uma condição
diferente!
António: Então é 35 a dividir por 1,5.
(…)
Professora: Reparem que mantendo o mesmo valor [35 dólares]… O
que é que acontece aqui ao euro?
Alunos: Baixa.
Professora: Baixa. Não é? Então para nós será, ou não será, mais
vantajoso ir buscar produtos americanos, do que comprá-los cá?
Nestas circunstâncias como é óbvio! (…) Alguém quer dizer mais
alguma coisa? [pausa] Não?
Paulo apresenta um argumento convincente. Ele considera duas novas condições
para a relação euro-dólar e fixa o valor de determinado produto americano em 35
dólares. Estes factos permitem concluir que quanto mais valorizado estiver o euro face
ao dólar mais vantajoso é comprar produtos americanos. Rita fomenta a reflexão dos
outros alunos sobre a resposta de Paulo focando a sua atenção exactamente na variação
da taxa de câmbio e no valor fixo, 35 dólares. De facto, tal como António, alguns alunos
não compreendem de imediato a diferença entre a resposta de Paulo e as suas mas pela
discussão, pela troca de ideias e pelo esclarecimento de dúvidas, esse aspecto é
89
resolvido. Pode verificar-se, nas fichas de trabalho de alguns alunos, os seguintes
registos:
“Ex: Uma camisola que custa 5 dólares é mais barata que uma camisola que
custa 5 €” – Sara e Miriam
“Ex: Uma camisola nos estados Unidos é 22 dólares e cá a mesma camisola
custa 20 dólares” – João
“Ex: Porque o euro vale mais que o dólar logo com um euro compramos mais
coisas do que com um dólar” – Gonçalo
Ex: 1 euro vale 2 dólares, se cada filme custar 10 dólares vai ter de se pagar 5
euros (2x5). Porém se o euro tivesse o valor de 5 dólares, apenas pagaria 2
euros” – Sónia
Estas respostas mostram que há alunos com raciocínios válidos mas com formas
de expressão diferentes. Essa diferença leva-os a questionar a resposta de Paulo e a
confrontá-la com a sua. É pela discussão, da ideia central subjacente a estas resoluções,
que os alunos se convencem que a sua resposta também é válida, pelo que a deixam
registada na ficha de trabalho sem alterações. Porém o registo de Filipe, na sua ficha de
trabalho, revela espírito crítico e comprova a necessidade de existir um debate sobre
esta questão. O aluno responde: Não [é mais vantajoso], porque os produtos
americanos são mais caros que os portugueses e regista por baixo desta frase a
conclusão que retirou desta discussão.
A participação dos alunos na construção desta resposta revela sensibilidade
quanto à importância do seu contributo na partilha de ideias e na elaboração conjunta de
uma conclusão que resulta de um processo de validação realizado por todos. De um
modo geral, nesta aula, os alunos mostram maior disposição para explicitar as suas
ideias, durante a discussão colectiva, embora ainda revelem alguma timidez e
insegurança. A construção de respostas mais completas, do ponto de vista matemático, é
sustentada por Rita pelo questionamento, pelo pedido de explicações e justificações e
pelo modo de moderar as contribuições dos alunos. O conhecimento que tem do
trabalho desenvolvido pelos alunos na resolução desta tarefa, que advém do
acompanhamento que faz da actividade, permite-lhe gerir e aprofundar as questões que
considera mais importantes. O registo das respostas no quadro permite uma maior
visibilidade e uma discussão assente em razões apresentadas por diversos alunos. A
90
justificação de Paulo traduz a sua capacidade em reconhecer uma justificação
matematicamente diferente e relevante e revela a interiorização das normas de
participação.
Rita demonstra uma mudança de actuação, perante as contribuições dos alunos,
comparativamente às duas últimas aulas. Promove de modo mais eficaz e reflectido a
apresentação de ideias, por parte dos alunos, e valoriza aquelas que podem ajudar à
elaboração de uma justificação mais rica do ponto de vista matemático. O incentivo à
audição de opiniões diferentes, associado à promoção da reflexão em torno destas
conduz à construção de uma resposta mais completa, que os alunos compreendem e que
é fruto da sua participação.
A discussão sobre a valorização do euro face ao dólar inclui também
contribuições dos alunos que, embora não se relacionem com as questões da ficha de
trabalho, são pertinentes. Questões como: Quanto é que são 20 dólares? ou Quanto é
que vale o euro hoje? e preocupações com o “peso” do Pagamento do transporte na
factura final, são reveladoras do grau de envolvimento dos alunos e da associação de
experiências do quotidiano com a resolução de uma questão matemática. Este contributo
dos alunos leva Rita a referir os “constrangimentos que pode haver, ou vantagens, em
comprar produtos americanos (…) [pelo que] a viagem pode não compensar” (ST9, p.
3). De um modo geral, as discussões que permitem a inclusão de conhecimentos de
índole pessoal são enriquecedoras.
Faz parte da Educação para a Cidadania. E de os formar enquanto
cidadãos. Porque a Matemática… A escola não tem unicamente como
objectivo instruí-los especificamente numa área, não é? Mas também
alertá-los para diversas situações e é uma mais-valia na formação integral
do aluno. E acho que todas estas questões fazem parte desse
enriquecimento. (ST9, p. 2)
Episódio 9 – Fica 16,67 porque…
A propósito da questão 1.2. – Se dois DVD custam 18 e 20 dólares, qual será o
preço de cada um em euros? Rita verifica existir uma riqueza de participações, que
aproveita para explorar. Pede a Tatiana que apresente a sua resolução (Figura 4.15.) e
explora o resultado 16,67€ com a turma.
91
Figura 4.15. Registo no quadro da resolução da questão 1.2. de Tatiana
Professora: Isto aqui dava este valor? Tal e qual? [refere-se a 16,67]
António: Não. Dava 16,6666…
Professora: Dava 16, 6666... [escreve este valor no quadro]
Carolina: E acabava em 7.
Professora: Porque é que passou este 6 para 7?
João: Porque acrescenta-se…
Professora: Diz lá! [A professora dirige-se ao Ricardo]
Ricardo: Porque a seguir vem o 6.
Professora: Porque a seguir vem o 6. Portanto nós teríamos que
arredondar este valor. E além disso nos euros, só temos unidades
até que valor?
Aluno: Até aos cêntimos.
Professora: Até aos cêntimos, não é? Nunca poderíamos passar dos
cêntimos.
Rita considera pertinente promover a reflexão sobre as razões de se escrever
16,67 € pois “são situações da vida real e há necessidade de fazer estes
arredondamentos” (ST9, p. 1). O modo como promove esta discussão revela uma
evolução ao nível da sua acção e da sua capacidade de identificar momentos promotores
de argumentação. Como refere: “Em vez de validar a resposta da Tatiana, que está certa,
e passar à questão seguinte, achei importante explorar o resultado com eles” (ST9, pp.
1-2). Pela apresentação de razões matemáticas para a passagem de 16,6666… (resultado
da calculadora) para o valor 16,67, os alunos conseguem justificar e validar (Figura
4.16.) que este último se obtém por duas razões – pela regra do arredondamento e pelo
facto dos euros “irem até aos cêntimos”.
92
Figura 4.16. Esquema do argumento que valida a resposta 16,67 €
Este argumento tem a seguinte leitura: Para determinar o preço, em euros, de um
DVD que custa 20 dólares, com um câmbio de 1,2 euros por dólar os alunos efectuam
20 por 1,2. Obtêm a dízima infinita periódica 16,(6) pelo que concluem que o preço é
16,67 €. Por ser pedida uma garantia para o facto de a partir de 16,(6) se dever escrever
16,67 é apresentada a afirmação “Fica 7 porque a seguir vem o 6”. A razão pela qual
esta afirmação é verdadeira reside na aplicação da regra do arredondamento, o que a
fundamenta. Está justificado o 7, mas ainda falta referir a razão para a existência de
duas casas decimais o que surge pela apresentação do facto de nos euros os valores a
considerar são até aos cêntimos, pelo que se deve escrever 16,67 e não 16, 667, por
exemplo.
Pensar sobre esta resolução leva António a levantar uma questão sobre os preços
por litro afixados nas gasolineiras, tendo em conta que estes estão apresentados com três
casas decimais. A professora esclarece que mesmo não estando os preços em cêntimos,
ou seja, com duas casas decimais, o que se paga é sempre uma quantia que vai até aos
cêntimos.
Reflexão
Novamente a tarefa excedeu o tempo! Este é um dos primeiros comentários que
fazemos quando termina esta aula. Embora conscientes da extensão da tarefa
esperávamos ser possível avançar mais na discussão dos resultados. Rita está
Dados
20 : 1,2 = 16,(6)
Conclusão
É 16,67€
Garantia
Fica 7 porque a seguir vem o 6
Qualificador
Fica 16,67 pois no Euro só temos
até aos cêntimos
Fundamento
Regra do arredondamento
93
preocupada pois tem de “avançar na matéria” embora reconheça a importância de pôr os
alunos a argumentar:
A minha preocupação é este atraso em relação à planificação. Estas aulas
são interessantes, porque os obriga a estar atentos e concentrados e a
ouvir o que os colegas estão a dizer. Mas, ao mesmo tempo, estamos 2 ou
3 horas com a mesma tarefa, com a mesma ficha de trabalho, sem
avançar. Quer dizer, eu acho que avançamos mas não na matéria, no
programa! (ST9, p. 6)
Ao reflectir sobre esta situação identificamos dificuldades típicas sentidas pelo
professor quando pretende desenvolver actividades de resolução de problemas ou
actividades de investigação: Como integrar este tipo de tarefas na planificação de modo
a desenvolver capacidades transversais e simultaneamente avançar no programa?
Questionamo-nos sobre a pertinência de existirem discussões na sala de aula mas
concluímos que “uma tarefa só fica totalmente concluída com a discussão final, para
sistematizar as ideias, as conclusões, as resoluções e os conceitos matemáticos” (ST9, p. 6).
Assim, concluímos que cabe ao professor repensar o programa e adoptar uma
metodologia promotora da integração da argumentação na aula de Matemática.
Verificamos que, nesta aula, Rita promove a audição atenta, crítica e participada
dos alunos, focando a sua atenção nas palavras daqueles que expõem as suas ideias. Ao
referir ser importante ouvir para poder comentar ou ver se concordamos ou
discordamos com o que está escrito, a professora introduz alguns termos característicos
do discurso argumentativo e simultaneamente ajuda os alunos a compreender qual deve
ser o seu papel, enquanto ouvintes. Em consequência, potencia a emergência da
argumentação, caso exista divergência de opiniões.
Consideramos que Rita está mais sensível aos momentos de argumentação pois
com maior facilidade os identifica. Embora os classifique como “pequeninos episódios”
considera que ocorrem quando são pedidas justificações, são apresentadas razões, se
discute a sua validade e se chega a um consenso:
É construída, pela argumentação, uma conclusão válida. É 16,67 porque
os euros vão até aos cêntimos e porque nos arredondamentos o 6 passa
para 7. Não são grandes argumentações (…) são consolidações, porque o
aluno teve de ir buscar conhecimentos anteriores. E teve de ir buscar uma
questão da realidade. (ST9, p. 3)
94
Quanto à acção da professora durante a apresentação dos resultados encontramos
situações em que Rita assume um papel tendencialmente moderador, pois dá mais
tempo aos alunos para reflectir sobre o que ouvem, está menos ansiosa em relação às
contribuições dos alunos e mais confiante na condução das discussões. Reconhecemos
que “para haver discussão também tem de existir uma acção da professora” (ST9, p. 3) e
que as experiências que já vivenciou lhe proporcionam a capacidade de “nunca dizer
porque é que a seguir vinha o 6! E também nunca validar porque é que vinham os
cêntimos” (ST9, p. 3) o que em nosso entender sustenta a apresentação de razões.
Os alunos também estão a corresponder de uma forma diferente, mais
participada e responsável, pelo que nos sentimos satisfeitas com a evolução verificada
da última aula para esta:
Eles já estão a perceber que é preciso estar atento (…) que sem eles a
aula, ou só por mim e sem eles a aula não funciona. Portanto eles são
um elemento fundamental deste trabalho [quanto à argumentação na
sala de aula]. Eu questionei-os no final da última aula e acho que eles
compreendem que fazem parte deste trabalho. (ST5, p. 2)
Uma das dificuldades que Rita refere sentir, com alguma frequência,
relaciona-se com a capacidade de “conseguir identificar, sustentar ou criar episódios de
argumentação” (ST5, p. 3). Ao analisar o seu papel, durante esta aula, reconhece ter
assumido uma atitude diferente, relativamente à aula anterior, “no sentido da validação
ou não” (ST9, p. 1) da opinião dada por um aluno:
Eu acho que na primeira aula eu repetia muito o que os alunos diziam,
não fazia a pergunta à turma. Era mais direccionada para um aluno. Na
segunda acho que (…) sempre que um aluno dava uma opinião, eu já
fazia o convite aos outros. A pergunta já não era direccionada a um aluno
A, B ou C, era mais o convite à turma, para comunicar, para responder ou
para criticar (…) Digamos [para] opinarem sobre aquilo que determinado
aluno estava a dizer. (ST5, pp. 3-4)
Não obstante o acima exposto, consideramos que a questão 1. potencia uma
participação mais activa, empenhada e matematicamente relevante dos alunos, por
abordar um assunto do quotidiano levando-os a sentirem-se mais confiantes nas suas
respostas. Assim, as discussões sobre temas próximos da realidade proporcionam
contributos mais ricos, com base nas experiências quotidianas, e promovem a integração
95
da argumentação na sala de aula. Mas a tarefa, só por si, não é suficiente pelo que “se
não houvesse discussão sobre estes temas, nem estas questões [da realidade] eram
levantadas” (ST9, p. 2). Do mesmo modo, numa aula de cariz mais rotineiro “esta
discussão não aconteceria (…) se eles estivessem simplesmente a resolver, sem poder
discutir ideias” (ST9, p. 2).
Aula 4 – 20.Nov.08
Preparação da aula
Nesta aula são apresentadas as resoluções dos alunos às questões 2, 3, 4 e 5 da
tarefa Grandezas directamente proporcionais, pelo que não há uma preparação
específica, além da leitura dos registos dos alunos na ficha de trabalho e levantamento
de estratégias por eles utilizadas.
Desenvolvimento da aula
A professora faz uma breve introdução ao trabalho a realizar na aula, reforçando
a importância dos alunos ouvirem atentamente o que os colegas dizem, no sentido de
poderem comentar ou acrescentar alguma coisa:
Tal como eu pedi, vão todos ouvir muito bem a Maria a explicar as
coisas, pensar naquilo que a Maria está a dizer e (…) aquilo que vocês
têm feito e verificar se as resoluções são iguais [ou] são diferentes. Se há
alguma estratégia comum, ou não! E vamos argumentar [sobre] as
diferentes resoluções. (TA4, p. 1)
Esta preparação prévia dos alunos para a apresentação de resultados resulta da
necessidade de lhes incutir algumas normas de actuação quanto à participação, à escuta
dos colegas, à forma como devem proceder no caso de discordarem de alguma ideia, em
suma, é uma estratégia de Rita para criar condições à emergência de momentos de
discórdia que potenciam a argumentação.
96
Episódio 10 – Grande partilha de estratégias
São apresentadas diferentes estratégias de resolução da questão 2. A Mafalda foi
ao supermercado comprar folhas de papel reciclado e encontrou três embalagens
diferentes. Qual é a embalagem mais económica? Justifica.
Esta diversidade proporciona a Rita a oportunidade de promover o debate de
ideias e possibilita a emergência de situações de argumentação. A tabela desta questão
não representa uma situação de proporcionalidade directa. Contudo, a maioria dos
alunos assume a existência desta relação, entre o número de folhas e o preço, para
justificar a sua resposta, segunda a qual a resma de 500 folhas é a mais económica.
Estratégia 1
Ana representa um dos grupos que seguiu esta estratégia. Rita convida-a a
registar no quadro a sua resolução e a explicar aos colegas o seu raciocínio. A aluna lê o
conteúdo da sua ficha de trabalho e regista os cálculos no quadro.
Ana: A embalagem mais económica é a de 500 folhas. Porque se
houvesse proporcionalidade directa, entre o número de folhas e o
seu respectivo preço, o preço de 250 folhas seria [escreve no
quadro]:
E o preço de 500 folhas seria [escreve no quadro]:
Como não há proporcionalidade directa, o preço de 250 folhas é
mais barato 25 cêntimos e o de 500 folhas é mais barato 1 euro.
Nº de folhas 100 250 500
Preço (euros) 0,90 2 3,5
97
Carolina pede esclarecimento sobre a origem do valor 0,45 e a professora
promove o diálogo entre esta aluna, Ana e a sua parceira, Cátia, reforçando a
importância destas alunas se dirigirem a quem as questiona: “Olha para a Carolina,
porque é a Carolina que está a falar contigo!” (TA4, p. 2).
Cátia toma a iniciativa de justificar a origem de 0,45 € e refere: Se houvesse
proporcionalidade directa o preço de 50 folhas seria metade de 90 cêntimos. Perante
esta justificação não surgem mais questões e os alunos concordam que 2,25 € é o preço
de 250 folhas, nestas circunstâncias. Ana e Cátia, usam este raciocínio para justificar,
também, a origem do 5 presente em 0,90 x 5, dado que “o 5 vem de 500 ser 5 vezes
mais que o 100” (TA4, p. 2).
Para promover a reflexão sobre esta estratégia Rita pede a Ana que volte a ler o
registo na sua ficha de trabalho. De seguida pergunta à turma: O que é que acham desta
estratégia? Carolina considera-a um bocadinho complicada porque “ela troca muitas
vezes os números… Divide… Tem que usar vários processos para chegar ao resultado”
(TA4, p. 4). Sobre esta opinião ouve-se a interrogação de um aluno: Onde é que ela tem
o dividir!? Por um lado, a intervenção deste aluno revela a sua atenção ao que Carolina
diz. Por outro lado, mostra que o aluno se sente confortável em questioná-la, o que não
é habitual acontecer. Por sua vez, Carolina refere que “o dividir está no 0,45” e o aluno,
possivelmente por compreender a razão apresentada, não coloca mais questões e não há
mais discussão.
Este momento é revelador da atenção com que os alunos estão em relação ao que
os outros dizem, demonstra uma maior confiança da sua parte em questionar as
afirmações dos outros e é desencadeado pela questão da professora, dirigida a toda a
turma, que apela à emissão de opinião. De facto, este conjunto de factores promove um
momento em que a professora quase não tem de interferir e em que os alunos pedem
esclarecimentos e clarificações entre si:
Para mim foi interessante. E acho que foi enriquecedor para eles também.
Porque houve, pelo menos, o contexto em que a aula decorreu que
proporcionou este clima. E este contexto de à vontade para questionar e
para levantarem perguntas uns aos outros. A clarificação! A tal
clarificação a que tu te referiste. (ST5, p. 7)
De seguida, Rita efectua uma breve síntese das ideias em debate e promove a
apresentação de outras estratégias:
98
A Carolina achou que há um processo mais simples. Mas este é, ou não é,
válido? (…) Pode não ser o que vocês utilizaram. A Carolina diz que este
processo é mais complexo. E a Sónia tem ali qualquer coisa a dizer!
(TA4, p. 6)
Estratégia 2
Sónia refere que se “podia ter calculado apenas o preço da unidade” (TA4, p. 6),
embora não considere a estratégia anterior muito complicada. Vai ao quadro e regista o
seguinte:
0,9 : 100 = 0,009
2 : 250 = 0,008
3,5 : 500 = 0,007
Afirma ter dividido o preço pelo número de folhas e a turma parece compreender
e concordar com a validade da estratégia da colega. Rita pergunta-lhes o que concluem
sobre o que acabam de ouvir e Ricardo refere que Está bem feito. Este aluno (e mais
sete) resolveu esta questão com recurso à razão unitária. A análise dos registos nas
fichas de trabalho permite ainda verificar que quinze alunos recorrem à
proporcionalidade directa para justificar que a resma de 500 folhas é a mais económica.
Contudo, apenas Ana e Cátia referem explicitamente considerar a existência desta
relação. Os outros alunos recorrem a proporções, à regra de 3 simples ou à estratégia
aditiva, para mostrar que pagar 3,5 € por 500 folhas é mais vantajoso.
Estratégias 3 e 4
Tatiana e Mónica, um par de trabalho, têm estratégias diferentes de resolver esta
questão, pelo que Rita convida ambas a expor as suas respostas junto do quadro. Mónica
apresenta uma tabela (Tabela 4.1.) que representa uma relação de proporcionalidade
directa entre o número de folhas e o preço da resma, em que a constante de
proporcionalidade é 0,90 €.
Tabela 4.1. Relação de proporcionalidade directa entre o número de folhas e o preço
Número de folhas 100 200 300 400 500
Preço (euros) 0,90 1,80 2,70 3,60 4,50
99
A aluna considera mostrar com esta tabela que a resma de 500 folhas, do
enunciado, a 3,5 € é a mais económica, pois pela proporcionalidade directa a mesma
resma custa 4,5 €. Porém a aluna, no seu exemplo, não refere a situação da resma de
250 folhas.
Antes de dar a palavra a Tatiana, a professora pergunta à turma: Alguém é capaz
de explicar o que percebeu daquilo que a Mónica disse? David refere considerar a
estratégia de Mónica “mais ou menos parecido com aquilo que a Ana e a Cátia fizeram”
(TA4, p. 6). A análise e a comparação das diferentes estratégias são aspectos que Rita
considera ser relevante pois os alunos ao “tomar[em] conhecimento da existência delas
noutra oportunidade podem usar uma destas estratégias de resolução” (ST10, p. 2).
Pelo seu lado, Tatiana afirma ter feito de modo diferente da parceira e explica o
seu raciocínio à turma. Esta aluna recorre à “regra de 3 simples” para chegar à
conclusão que a resma mais económica é a de 500 folhas (Figura 4.17). Verifica-se que,
em consequência de uma breve discussão, ocorrida na aula anterior (e não analisada),
sobre o modo como esta regra se estrutura, desta vez, a aluna aplica-a correctamente.
Figura 4.17. Registo da resolução da questão 2 da Tarefa 2 na ficha de trabalho de Tatiana
Tatiana afirma: A embalagem mais económica é a última comparando os seus
preços e a sua quantidade, vale mais comprá-la.
Rita reconhece existirem processos diferentes e chama a atenção dos alunos para
esse facto:
O [processo] da Tatiana, que utilizou uma regra de 3 simples. Chegou ao
preço das folhas igual a 4,5 €. A Mónica completou uma tabela,
utilizando também a proporcionalidade directa e chegou exactamente à
mesma conclusão. (…) A Ana e a Cátia, de outra forma, chegaram ao
mesmo valor. A Sónia ainda utilizou outra estratégia... (TA4, p. 6)
100
Estratégia 5
A professora convida a turma a pronunciar-se sobre a existência de outras
resoluções: Alguém quer fazer mais algum comentário?, mas ninguém se pronuncia.
Rita sabe que a estratégia de João e Maria (Figura 4.18.), embora semelhante à primeira,
apresenta uma particularidade pelo que promove a sua exploração.
Figura 4.18. Registo da resolução da questão 2 da Tarefa 2 na ficha de trabalho de João
Professora: Maria e João! Digam lá o que é que escreveram!
[os alunos resistem em partilhar o que fizeram] Então Maria,
digam lá o que escreveram! Por ser diferente é que eu estou a
pedir. Diz lá João!
João: Nós fizemos o preço das folhas e depois comparámos.
Professora: Fizeram o preço das folhas ou de cada folha?
João: Fizemos o preço de cada resma.
Professora: De quanto?
João: De 100. Primeiro fizemos de 100, para compararmos a de 100 com
a de 250. Era a mais cara. Depois fizemos a de 250 para ver se era
mais barata que a de 500. Não era! E depois fizemos a resma de
100 x 5 para descobrirmos que era mais barata que o pacote, a
resma de 500 folhas. Também não era. E depois chegámos a
conclusão que a embalagem mais económica era a resma de 500
folhas.
Professora: Eu gostava que esse raciocínio estivesse aqui [no quadro]
explicitado! Porque eu vi que vocês fizeram ligeiramente
diferente do que os vossos colegas fizeram. No entanto o
raciocínio… Vamos ver se é válido, ou não!
João vai ao quadro, apresenta o seu raciocínio e justifica, passo a passo, a sua
estratégia. Rita incentiva-o a falar para a turma e os alunos estão atentos.
Professora: Então diga lá outra vez o raciocínio que fez. Diga para a
turma, não é para mim!
101
João: Primeiro tentámos ver se era mais barato a embalagem de 100 do
que a de 250. E se fosse, [verificámos ainda] se a de 100 era mais
barata ainda do que a de 500.
Professora: Portanto eles fizeram aqui uma comparação entre resmas de
folhas, ou entre embalagens. Começaram por comparar a de
100…
João: Com a de 250.
Professora: E depois?
João: E depois, a de 250, comparámos com a de 500. E depois
comparámos a de 100 com a de 500 [pausa]. Então primeiro
fizemos [escreve no quadro 0,90 : 2 = 0,45]. Dividimos o 0,90 por
2 que dava 0,45.
Professora: Ou seja, tiveram o cuidado de calcular o preço de quantas
folhas?
João: De 50.
Professora: De 50 folhas. Que deu?
João e Alunos: 0,45.
João: Depois juntámos o preço das 100 folhas, duas resmas de 100
folhas, mais o preço de 50 folhas. Que é igual a 225 cêntimos…
2,25 €.
Professora: E agora vejam o que eles fizeram!
João: Como vimos que era mais cara [a resma de 250 folhas por este
raciocínio] do que uma embalagem de 250 folhas… Passámos à
fase seguinte, que era…
Professora: E quanto é que mais caro é?
João: 25 cêntimos.
Professora: Também disseram isso!?
João: Depois passamos à fase seguinte que era somar o preço das 250
folhas para ver se era mais barato do que o preço das 500 folhas.
Professora: Já que 500 é quantas vezes mais que 250?
João e Alunos: Duas vezes.
João: Fizemos 250… Não! Fizemos 2 mais 2. Este 2 representa o preço
das 250 folhas.
Professora: Dado na tabela!
João: Dado na tabela. Exactamente. Que é 4. Dava 4 €. E uma vez que
era mais caro que uma embalagem de 500 folhas, nós pensamos
que talvez se fizéssemos o preço das 100 folhas vezes 5, por causa
do 100, porque 500 é 5 vezes maior que o 100. Se nós fizéssemos
100 x 5 talvez o preço fosse menor
Professora: Então vamos lá ver! Este raciocínio está muito interessante e
eu gostava que os meninos o seguissem!
[João fala alto enquanto escreve 0,90+0,90+0,90+0,90+0,90 = 4,5 €]
João: Através destas contas chegámos à conclusão que a embalagem
mais económica era a de 500 folhas porque era só 3 euros e meio.
Professora: Em vez de ser quanto?
João: 4 euros e meio. Ou então 4 € [refere-se ao preço de duas
embalagens de 250 folhas].
102
Professora: Ou então 4 €. Mesmo assim ainda era mais económico do
que a de 100 ou de 200. Então qual é a resposta que se pode dar
aqui?
João: A embalagem mais económica é a embalagem de 500 folhas. E
que o preço que está na tabela não é proporcionalmente directo ao
preço das folhas
Professora: Concordam com aquilo que o João disse? Acham que o João
e a Maria tiveram um desempenho diferente das outras
apresentadas aqui?
Alunos: Sim.
Professora: E é, ou não é, tão válido este raciocínio como aqueles todos
que foram aqui apresentados? Todos chegaram à conclusão que o
preço da resma de 500 folhas teria de ser quanto, se houvesse
Proporcionalidade Directa?
João e alunos: 4 euros e meio.
Professora: 4 euros e meio. Toda a turma comprovou que esta
diversidade de estratégias vai ao encontro da resposta da
embalagem mais económica?
Alguns alunos: Sim.
A análise deste excerto permite observar a acção da professora durante a
apresentação de João à turma. Ela garante que o aluno apresenta uma explicação
fundamentada sobre o modo como responde à questão 2. Acompanha o seu raciocínio e
apela à turma que atenda a aspectos que considera fundamentais à compreensão daquilo
que ouvem. Sustenta esta quase “auto-argumentação” pela repetição, pelo
questionamento e pela orientação de ideias, sem no entanto emitir a sua opinião sobre a
sua validade. Ajuda o aluno na conclusão e questiona a turma sobre a sua aceitabilidade.
Não ocorrem situações de discórdia ou desacordo, o que pode dever-se ao facto
de em situações em que existe uma resposta única e comummente aceite ser difícil
promover a discussão e a argumentação, no sentido da resolução de desacordos. No
entanto, a apresentação de diferentes estratégias e o pedido de justificações que
sustentem as opções tomadas, cria um contexto promotor da emergência de
argumentação, em que os alunos explicam e fundamentam as suas ideias, mesmo que de
um modo mais “individualizado”. Outro factor que pode também ter contribuído para a
inexistência de argumentação entre os alunos reside na sua semelhança com estratégias
já apresentadas. A diferença essencial consiste no grau de pormenor conferido pelo
aluno na sua explicação, na comparação dos preços de todas as resmas com as restantes,
a apresentação simultânea de resultados e razões que os justificam, tornando-a deste
103
modo uma estratégia mais completa e clara, que contém em si as razões necessárias à
sua aceitação e validação.
De um modo geral, nesta questão os alunos recorrem à existência de
proporcionalidade directa, entre o número de folhas e o preço e à razão unitária. Pelo
primeiro processo de justificação concluem que a resma mais barata é a de 500 folhas,
por custar 3,5 € em vez de 4 € ou 4,5 €. Pela razão unitária concluem e aceitam sem
dúvidas que a resma mais económica é a de 500 folhas, pois custa 0,007 € por folha.
Concluem também que a tabela do enunciado não representa uma situação de
proporcionalidade directa.
Rita faz, entre cada apresentação, a sistematização das resoluções chamando à
atenção para as analogias e diferenças entre elas. Deste modo, proporciona aos alunos a
reflexão sobre as ideias apresentadas e permite a percepção da existência de estratégias
de resolução diferentes. Estes momentos contribuem para o enriquecimento do
conhecimento matemático dos alunos porque “à partida [esta estratégia] parecia
semelhante às dos outros colegas, mas é diferente” (ST10, p. 2).
Episódio 11- Eu discordo! Eu também…
A propósito da questão 4.2. - A área de um quadrado é directamente
proporcional ao comprimento do seu lado? Justifica a tua resposta, Rita pede à aluna
que está no quadro, Sara, que apresente a sua resposta e a respectiva justificação. A
aluna responde afirmativamente e justifica: Sim, porque a área é sempre o quadrado de
um lado, que regista no quadro. Rita lê a frase e chama a atenção da turma para o seu
conteúdo, sem emitir opinião sobre a sua validade. Ao perceber que os alunos não se
manifestam e por saber que existem respostas contrárias a esta, Rita decide perguntar:
Quem é que discorda desta afirmação?
Aluno: Eu discordo.
António: Eu também discordo!
Professora: Diz, Patrícia.
Patrícia: Eu discordo! Porque 9 a dividir por 3 dá 3.
Professora: Olhem o que a Patrícia diz. Eu ainda não percebi. Se sim, se
concorda, se discorda!
Patrícia: Discordo.
Professora: Discorda. E porquê?
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Patrícia: Porque 9 a dividir por 3 dá 3, 25 a dividir por 5 dá 5, 36 a
dividir por 6 dá 6…
Professora: Logo…?
Patrícia: A constante de proporcionalidade directa não é igual.
Rita desafia os alunos a pronunciar-se, caso discordem, sobre a resposta de Sara,
o que é aceite por uma grande parte dos alunos. O termo discorda é de imediato
adoptado por aqueles que se manifestam contra e, no caso de Patrícia, vem
acompanhado de uma justificação. Por entender que a aluna apresenta uma razão que
refuta a conclusão de Sara, a professora chama a tenção dos alunos e pede a Patrícia que
explique melhor o seu raciocínio. A aluna apresenta uma justificação mais completa,
que a professora acompanha, ajudo-a na conclusão.
Rita pensa que, após a apresentação de um argumento “tão convincente”, Sara e
a turma ficavam convencidos que, de facto, a área e o lado de um quadrado não são
grandezas directamente proporcionais. Mas tal não acontece!
Professora: Ela diz que a constante de proporcionalidade directa não é
igual. A Patrícia fez isto… [escreve no quadro 9:3=3, 25:5=5 e
36:6=6] Depois… Estes valores aqui [aponta para os resultados]
são iguais?
Patrícia: Não.
Professora: Estes valores aqui não são iguais?
Alunos: Não.
Professora: Então há, ou não há, proporcionalidade directa entre a área e
o lado do quadrado?
António: Sim! (…) Não.
Professora: Eu não estou a perceber. Diz Teresa.
O que à partida seria o desfecho da discussão e a chegada ao consenso, a
apresentação de um argumento válido e irrefutável, transformou-se na causa de um
debate aceso entre alguns alunos. A turma está dividida quanto à validade das respostas
de Patrícia e de Sara, uma das melhores alunas. Rita aproveita esta oportunidade para
fomentar a discussão e promover a argumentação, isto é, a apresentação de argumentos
por parte dos alunos participantes. Até ao momento, não tomou partido de nenhuma
resposta, o que contribui para a incerteza dos alunos mas, também, promove a troca de
argumentos, a favor ou contra. Com a intenção de sustentar e resolver este desacordo
Rita pede a Teresa que apresente as suas razões.
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Teresa: Setora, eu fiz como há bocado [refere-se ao exercício anterior].
Pela proporção.
Professora: Olhem outro processo. A Teresa. Diz!
Teresa: 3 para 9 e 5 para 25.
[a professora escreve no quadro e dirige-se à turma]
Professora: Isto é uma proporção?
Alunos: É.
Professora: É! Então vamos lá ver porque é que é! Será que 3x25
[e completa = 9 x 5]?
Sara e outros alunos: Não é setora!
[a professora regista no quadro 75 = 45 e os alunos verificam que não é proporção]
Professora (dirigindo-se a Sara): Então agora diga de sua justiça em
relação à sua resposta.
[Sara não reage]
Após a apresentação de duas justificações válidas, para refutar a existência de
proporcionalidade directa entre o lado e a área de um quadrado, Rita pede a Sara que
reconsidere a sua resposta. A professora pensa que a aluna já está convencida mas
perante a sua hesitação opta por sistematizar as ideias em discussão.
Professora: Há aqui três respostas diferentes. Reparem. Esta é a da Sara,
esta é a da Patrícia e esta é a da Teresa. Agora vamos chegar aqui
a um consenso. Há, ou não há, proporcionalidade? [a turma não
responde] Há, ou não há, proporcionalidade directa entre a área e
o… Há?
António: Não sei!
Professora: Eu gostava que pensassem nisto.
António: Não!
Professora: Sara, és capaz de pensar sobre isto, que tu disseste, em
função daquilo que os teus colegas aqui propuseram?
Sara: Eu acho que há porque a área é sempre o lado ao quadrado.
Professora: A área é sempre um lado ao quadrado. Eu queria ouvir mais
ideias, mais respostas.
Ainda não há consenso. Sara considera a sua resposta válida porque o quociente
entre a área a o lado de um quadrado dá sempre o lado do quadrado. Ao considerar
sempre como a constante de proporcionalidade a aluna não consegue entender que este
quociente varia quando se considera outro quadrado, pelo que a sua justificação não é
válida. A razão que refuta esta relação é reiterada por Cátia, que manifesta interesse em
contribuir nesta discussão e na resolução do impasse em que a turma está.
106
Cátia: A área do quadrado a dividir pelo seu lado dá sempre o
comprimento do seu lado.
Professora: És capaz de dizer isso tudo desde o início? Tu e a Ana.
Cátia: Dissemos que não [existe proporcionalidade]. Porque a área de
um quadrado a dividir pelo seu lado dá sempre o comprimento do
seu lado.
Professora: Ou seja não dá um valor…
Cátia: Igual. Se um quadrado tiver de lado 3cm (…) dá 3 e se um
quadrado tiver de lado 5 dá 5.
Professora: Então e o que é que isso quer dizer? Que há ou não há
proporcionalidade?
[a professora dirige-se à turma]
Olhem, há aqui um par de meninas que não concordam com
aquilo que a Sara escreveu ali no quadro. A Patrícia também não
concorda, a Teresa também não concorda mas eu quero ouvir
outras vozes.
A Cátia e a Ana discordam e foi esta a palavra que ela aplicou.
Foi ou não? Discordam do que a Sara disse e se não se importa
vai explicar bem à Sara porque é que discorda.
Cátia volta a explicar a razão porque considera não se ter sempre o mesmo
resultado. De facto, o quociente entre a área e o lado do quadrado é sempre igual ao
valor do lado, mas isso não serve de razão para a existência de proporcionalidade
directa entre as duas grandezas. Quando o quadrado varia o resultado deste quociente
também varia e isso faz com que não exista constante.
Após este momento, em que Cátia apresenta os seus argumentos a Sara, Rita
pergunta: Acham que aquilo que a Cátia acabou de dizer justifica esta discórdia? ao
que a maioria dos alunos responde afirmativamente. Com o propósito de confirmar que
existe consenso e que os alunos entendem a conclusão, Rita pergunta ainda: Então há,
ou não há, proporcionalidade directa entre a área e o lado? Esta pergunta, contém em
si as duas opções de resposta, ou seja, a professora não valida ainda qualquer raciocínio,
pelo que deixa em aberto a possibilidade dos alunos que têm dúvidas ou que não
concordam com alguma opinião, se manifestarem. A professora pede a António a sua
opinião, porque este aluno mostrou-se dividido entre as duas respostas e revelou alguma
dificuldade em tomar posição por uma delas.
Professora: Então a que conclusão é que podemos chegar? Diz lá
António.
António: Que não há proporcionalidade directa.
107
Professora: Ó Carolina! És capaz de, numa frase simples, dizer a
conclusão final deste exercício? [A aluna diz que não consegue.]
E tu Tomás?
Tomás: Se dividirmos a área pelo lado nunca dá o mesmo resultado.
Professora: Não dá o resultado igual. Então qual é a conclusão? Há, ou
não há, proporcionalidade?
António: Não há.
Professora: Não há proporcionalidade.
De facto, o aluno parece convencido das razões que levam à conclusão, que é
aceite pela turma e registada no quadro.
Reflexão
Ao visualizar o registo desta aula percebemos de imediato que existia algo
diferente em relação às aulas anteriores. Os aspectos mais marcantes relacionam-se com
a tarefa, o registo dos raciocínios, a participação dos alunos e a acção da professora.
Sobre este assunto, consideramos que Rita, nesta aula, age de modo mais descontraído,
sem mostrar tanta ansiedade quanto ao desempenho dos alunos e à sua capacidade de
argumentar, assumindo principalmente o papel de moderadora das discussões e
promotora de argumentação, pela realização de questões e pedidos de justificação.
A pertinência dos pedidos de justificação conduz-nos à reflexão sobre os termos
explicação e justificação, que consideramos não terem o mesmo significado. As
justificações são fundamentais no processo de argumentação mas não excluímos a
importância dos pedidos de explicação. Consideramos que “só depois de pedir uma
explicação é que é possível pedir uma justificação” (ST9, p. 1), caso esta não esteja
incluída. Consideramos igualmente importante ponderar sobre o modo como os alunos
interpretam estes dois termos. Por vezes consideram que justificar significa apresentar
um procedimento, um cálculo ou um raciocínio, sem ter de apresentar razões que o
fundamentem. Para lhes mostrar a necessidade da fundamentação, o pedido de razões,
pela expressão Porquê, por exemplo, ou a condução/orientação do seu raciocínio neste
sentido, podem ser estratégias a usar pelo professor quando este pretende promover
situações de argumentação. Pensamos que ao explicitar a sua ideia e a justificação que
lhe está inerente o aluno torna-a passível de ser analisada e eventualmente discutida no
seio da turma.
108
Nesta aula, verificamos que os alunos, de uma forma voluntária, mostram
“vontade em explicitar os seus raciocínios e em questionar ou pedir esclarecimento aos
colegas, quando disso sentiram necessidade (ST5, p. 10). A sua participação pauta-se
por um maior à vontade na manifestação de opiniões e na procura de razões que as
justifiquem. De facto, o seu contributo no pedido de esclarecimentos, de justificações ou
mesmo a sua espontaneidade quando a professora solicita algo, são acções reveladoras
de uma “dinâmica de aula diferente” (ST9, p. 7). Concluímos que a “interiorização das
normas de participação e argumentação” estão presentes pois “eles ouviam e até
discordaram!” (ST9, p. 8) o que revela o desenvolvimento da capacidade de argumentar.
Nesta aula surgiram com mais frequência situações de desacordo. Como refere
Rita, “a discórdia foi explícita, as justificações apresentadas, discutidas entre os alunos e
eu consegui sustentar [a discussão]” (ST9, p. 9). Reflectir sobre este facto leva-nos a
encontrar razões que aparentemente contribuem para a sua emergência. Consideramos
que o tipo de tarefa por ser “menos complexa e aberta que a tarefa Quadrados de
números terminados em 5 pode ter influência no modo como os alunos interagiram e
reagiram aos pedidos de explicação e justificação” (ST5, p. 11). Esta tarefa, de cariz
mais real, “é mais significativa para os alunos e isso poderá ajudar nas justificações”
(ST5, p. 11). No caso da tarefa Quadrados de números terminados em 5 o registo da
regra e a sua justificação foi muito mais difícil, que no caso do registo das conclusões e
justificações da ficha Grandezas directamente proporcionais. Ao analisar o registo
escrito dos alunos nas suas fichas de trabalho, verifica-se existir uma maior quantidade
de justificações que recorrem, na sua maioria, a conteúdos matemáticos:
Os alunos aqui [na ficha da proporcionalidade directa] sentem-se mais
capazes de conseguir argumentar matematicamente ou por [recurso ao]
dia-a-dia. Enquanto a outra [da regra dos quadrados] era mais abstracta.
Eles nem tinham bem a certeza do que estavam a escrever. (ST6, p. 8)
A dificuldade no registo das suas ideias foi muito mais evidente na primeira
tarefa que nesta. Nas duas aulas dedicadas à resolução e discussão da tarefa Grandezas
Directamente Proporcionais, não se ouviu uma única vez os alunos a perguntarem: “E o
que é que a professora quer que eu escreva?” (ST5, p. 12). Verifica-se que eles recorrem
aos seus conhecimentos sobre proporcionalidade, que é um conteúdo mais acessível,
mas também têm oportunidade de recorrer ao seu conhecimento do quotidiano.
109
O registo dos raciocínios dos alunos no quadro permite, mais uma vez, a
comparação de raciocínios e facilita a indicação de argumentos que validam ou refutam
a ideia em debate. Torna, igualmente, o raciocínio explícito e passível de ser analisado,
criticado e avaliado pelos outros. O registo escrito não dispensa uma explicação oral
assim como uma explicação oral deve ter como suporte o registo escrito. A pertinência
deste último tipo de registo é justificada por Rita pois, como refere, “quando um aluno
explica oralmente os outros têm dificuldade em acompanhar. Isso depende também do
nível de conhecimentos” (ST5, p. 10).
Consideramos ser relevante para a preparação das discussões colectivas o
conhecimento, por parte do professor, do trabalho desenvolvido pelos alunos. Para tal, é
necessário que acompanhe a sua actividade enquanto estes resolvem a tarefa ou faça
uma leitura dos registos, nas fichas de trabalho, caso exista tempo entre a aula de
resolução e a de discussão.
Fazemos um balanço geral positivo desta aula quanto à concretização dos nossos
objectivos, no entanto há alguns aspectos que Rita considera relevante mencionar. Em
primeiro lugar, refere ter ficado com dúvida sobre a opinião de Sara em relação à
conclusão da questão 4.2. Ao visualizar o registo da aula nota que a aluna se senta sem
nunca manifestar a sua opinião sobre a conclusão, pelo que a procurou, na aula seguinte,
para se esclarecer. Constata então que a opinião da aluna mudou como resultado da
discussão ocorrida, pelo que agora concorda com a não existência de proporcionalidade
directa entre o lado de um quadrado e a sua área.
Um segundo aspecto referido por Rita relaciona-se com a apresentação de
Tatiana e Mónica. Refere sentir que podia ter agido de outro modo, para promover a
discussão entre as alunas e eventualmente a argumentação com os restantes alunos:
Embora estas duas alunas tenham realizado este trabalho a pares, tiveram
resoluções diferentes. Acho que, no momento em que fizeram esta
apresentação aqui à turma, eu deveria ter colocado as duas a discutir as
estratégias e por que motivo é que resolveram de maneira diferente! Ou
seja, devia as ter posto a dialogar ou a discutir uma com a outra sobre as
duas resoluções diferentes, sendo elas do mesmo par. E acho que não
pus. (ST9, p. 7)
Quanto à quase auto-argumentação de João, a professora questiona a sua acção:
“Que tipo de papel diferente é que eu poderia ter feito, para sustentar mais a
110
argumentação, para a promover mais?” (ST10, p. 1). Considera ainda não ter atingido o
objectivo relativo à promoção da discussão entre os alunos, pelo menos tanto quanto
pretende. Reconhece que nesta aula espera que os alunos pensem nas questões e
respondam, não valida de imediato as suas opiniões, intervém menos e promove a
exposição de diferentes estratégias. Contudo, “em termos de argumentação deveria ser
mais questionadora. Sustentar mais… Enriquecer mais a discussão!” (ST10, p. 10).
Não obstante, a observação: “Esta foi uma das aulas em que eu fiquei mais
satisfeita” (ST10, p.1), deixa transparecer um sentimento positivo em relação à sua
participação neste projecto e um reconhecimento de realização profissional. Sente que
tem evoluído na promoção de situações de argumentação, na aula de Matemática, e que
para isso têm contribuído as reflexões que faz sobre as suas aulas. Reconhece que tem
enfrentado dificuldades na implementação da argumentação que passam, também, pelo
elevado número de alunos na turma: “Eu acho que nós nunca conseguimos chegar a
todos. Eu não sei se sentes isso nas tuas turmas… Quanto maior é a turma mais difícil se
torna” (ST9, p. 1). Refere ainda que é particularmente difícil perceber o momento
oportuno para “alimentar” uma discussão e perceber que está ocorrer um momento
promotor de argumentação.
Aulas 5: Proporcionalidade directa – representação gráfica
Aula 5 – 25.Nov.08
Preparação da aula
Para esta aula, em que Rita vai introduzir um novo conteúdo programático –
representação gráfica de uma relação de proporcionalidade directa – decidimos não
elaborar uma tarefa específica, em suporte papel, como acontece nas aulas anteriores, e
consideramos interessante analisar a dinâmica desta aula no que respeita à emergência,
gestão e resolução de episódios de argumentação. Assim, pretendemos retomar o tema
da proporcionalidade directa pela apresentação de uma situação desta natureza e de dois
gráficos, um representativo da situação e outro não. Consideramos importante que os
alunos relacionem as duas formas de representação, consigam indicar algumas
111
características de um gráfico de proporcionalidade directa e apresentem razões que
justifiquem o facto de determinado gráfico não representar a dita relação.
Numa segunda fase da aula, é apresentada uma situação de misturas, ou seja,
propõem-se aos alunos a análise de uma situação de concentrado de sumo para água à
razão de 2 para 5. Esperamos que consigam: (i) indicar o significado de 2 e 5, neste
contexto, (ii) completar a tabela correspondente, (iii) identificar a relação entre o sumo e
a água como uma proporcionalidade directa, (iv) indicar a constante de
proporcionalidade e o seu significado, (v) construir o gráfico, e (vi) eventualmente
chegar à expressão algébrica.
Por não ser uma aula em que os alunos vão resolver uma tarefa de índole
investigativa ou exploratória, temos algumas dúvidas quanto à possível ocorrência de
situações de argumentação. Em nosso entender, as aulas de cariz expositivo podem
proporcionar, ou não, oportunidades de participação e partilha de ideias, condições
necessárias à ocorrência de argumentação. Tudo depende da actividade pelo que Rita
pretende estar atenta às contribuições dos alunos e, sempre que considere adequado,
espera conseguir promover a apresentação de justificações e troca de argumentos entre
eles. Como refere:
Espero que surjam episódios interessantes. Na situação de não
proporcionalidade directa, podem surgir situações. Alguns alunos
acharem que se trata de uma situação de proporcionalidade directa. E aí é
que se pode promover a discussão e o desacordo, não é? (ST5, pp. 1-2)
Desenvolvimento da aula
1.ª Parte da aula
Rita inicia esta aula com um pequeno diálogo que estabelece com Sara sobre os
acontecimentos da aula de dia 20 de Novembro. Relembro que nessa aula esta aluna
afirma que a área de um quadrado e o seu lado são directamente proporcionais porque a
área a dividir pelo lado dá sempre o lado. Alguns colegas não concordam com a
conclusão de Sara e apresentam razões que a refutam. No entanto, ao visualizar o
registo vídeo dessa aula constata-se que a aluna foi para o seu lugar aparentemente não
convencida pelos colegas e sem manifestar a sua opinião sobre o assunto. Por
112
desconhecer se Sara ainda considera a sua opinião válida ou se a mudou depois de ouvir
os colegas Rita resolve questioná-la.
Professora: E tu ficaste convencida, ou não, de que a área é ou não
directamente proporcional ao lado do quadrado?
Sara: Não era.
Professora: Não era. E és capaz de me explicar porquê que não era?
Sara: Porque não havia constante de proporcionalidade.
Professora: E como é que obtinhas a constante? Como é que verificavas
que não havia constante?
Sara: Tínhamos que dividir a área do quadrado, pelo lado.
Professora: Pelo lado. E se o resultado final dessa divisão não era igual,
significa então que essas grandezas…
Sara: Não são proporcionais.
Professora: Não são directamente proporcionais. Então ficaste
convencida da situação?
Sara: Sim.
Uma análise deste pequeno diálogo permite verificar que Sara reflectiu sobre os
acontecimentos da aula de dia 20 e reformulou a sua opinião sobre o assunto. Rita
procura reconstruir o argumento que valida a conclusão - Não existe proporcionalidade
directa entre o lado e área de um quadrado - em conjunto com a aluna. Este
procedimento permite-lhe não só confirmar que, de facto, Sara pensou sobre o assunto,
como também, permite rever em conjunto com ela o argumento que valida a conclusão.
Fá-lo colocando uma questão que deixa a aluna à vontade para responder
afirmativamente, ou não, e que não contém em si a opinião da professora. Recorre à
repetição da resposta da aluna, Não era! e acrescenta-lhe um pedido de justificação, ou
seja, pede uma garantia para a sua resposta. Pela repetição de parte da resposta da aluna
transmite-lhe segurança e veicula a sua resposta como hipoteticamente válida e pelo
pedido de justificação procura efectivamente saber se a aluna sabe as razões que a
validam e dá-lhe oportunidade de as explicitar.
A afirmação Porque não havia constante de proporcionalidade, referida por
Sara, carece de um reforço matemático, isto é, a referência à variação do quociente entre
as duas grandezas. Neste momento, a acção de Rita é crucial na sustentação da
apresentação de garantias por parte da aluna. O pedido de esclarecimento que lhe
dirige: Como é que verificavas que não havia constante? faz com que Sara procure uma
razão mais forte para a sua conclusão. A aluna refere a divisão da área de um quadrado
pelo seu lado e a professora, por perceber que ela está no bom sentido, repete uma parte
113
da resposta e expande-a referindo que o resultado final dessa divisão não era igual. A
aluna conclui o argumento (Figura 4.19.), agora devidamente fundamentado – as duas
grandezas não são directamente proporcionais pois o seu quociente não é constante. Os
restantes alunos estiveram sempre calados e a ouvir o diálogo.
Figura 4.19. Esquema do argumento Não há proporcionalidade entre a área e o lado de um quadrado
2.ª Parte da aula
Rita inicia este momento colocando a questão: Se tivermos duas grandezas
representadas numa tabela como é que nós conseguimos ver se elas são, ou não,
directamente proporcionais? que dirige a Ana. Nem a aluna nem o resto da turma se
manifesta, o que leva a professora a repetir mais duas vezes esta questão. Por ver que
esta estratégia não resulta desenha uma tabela “improvisada” no quadro (Tabela 4.2.) e
pergunta: Estas duas grandezas A e B são, ou não, directamente proporcionais?
Tabela 4.2. Tabela representativa de uma situação de proporcionalidade directa entre A e B
A 1 2 3
B 4 8 12
Dados
Lado do quadrado
Área do quadrado
Conclusão Não são directamente
proporcionais
Garantia Não há constante de
proporcionalidade
Fundamento O quociente entre a área do quadrado
e o seu lado não dá sempre o mesmo valor
Regra do arredondamento
114
Episódio12 – Duas justificações válidas
Ao visualizarem a tabela, alguns alunos manifestam a sua opinião sobre a
relação entre A e B. Surgem duas justificações diferentes e um aluno, Afonso, manifesta
desacordo em relação ao modo de justificar de uma colega, Tatiana e que Rita aproveita
para explorar:
João: São.
Professora: Diz o João que sim. Porquê João?
João: Porque o preço…
Professora: O preço? Quais são as grandezas que temos aqui? Chamei-
lhe A e chamei-lhe B, certo? Não tem de ter relação nenhuma
com preços! Como é que eu sei se A e B são directamente
proporcionais? Diz lá João! Então? [a turma mantém o silêncio]
Tatiana!
Tatiana: Porque há uma constante de proporcionalidade.
Professora: Porque há uma constante de proporcionalidade. E qual é
essa constante?
Tatiana: É 4.
Professora: Porquê?
Tatiana: Porque… 4 a dividir por 1 é 4.
Afonso: Não!
Professora: 4. Diz! [olha para o Afonso] Vá, ela diz assim: 4 a dividir
por 1 é 4.
[pausa e olha para a Tatiana]
Tatiana: 8 a dividir por 2…
Professora: 8 a dividir por 2 é…
Tatiana: É 4.
Professora: É 4. E…
[espera que a aluna continue]
Tatiana: 12 a dividir por 3 é…
Professora: 12 a dividir por 3 é 4. E o Afonso dizia assim: Não! Porquê?
Afonso: Acho que é assim.
[o aluno concorda com o que está registado no quadro]
Professora: Porquê que achas que é assim? Então? Eu queria ver se o
Afonso… [refere olhando para a turma]
Afonso: 1 x 8.
Professora: 1 x 8… [gesticula junto da tabela]
Afonso: O 2 vezes o 4.
Professora: 2 vezes o 4 [volta a gesticular o produto cruzado] Então tu
dizes assim, 1 x 8?
Afonso: 8.
Professora: E…
Afonso: 2 x 4.
Professora: 2 x 4. Dá quanto?
Afonso: 8.
115
Professora: 8. E isto significa ou não, Afonso, que há proporcionalidade
directa?
Afonso: Significa.
Professora: Sim. Ora então repara! Se eu puser aqui um sinal de igual,
[entre as divisões que Tatiana referiu] isto não fica uma
proporção? Por esta razão [refere-se ao facto dos produtos
cruzados significarem o mesmo que a igualdade entre as razões],
certo?! Então as grandezas são, ou não, directamente
proporcionais? Utilizando este processo. Dizes tu! É outra forma.
Durante este momento da aula Rita percebe que Afonso não está de acordo com
a justificação de Tatiana, pelo que, aproveita esta oportunidade para fomentar a
apresentação de razões divergentes. Como o desacordo do aluno surgiu quando a aluna
ainda se encontrava a explicitar a sua opinião, a professora incentiva-a a completar o
seu raciocínio e só depois dá a palavra ao aluno. Simultaneamente regista no quadro os
quocientes que a aluna refere 41
4 , 4
2
8 e 4
3
12 . Enquanto o aluno verbaliza a sua
forma de justificar a existência de proporcionalidade directa entre A e B, a professora
gesticula junto da tabela o produto cruzado das grandezas. Enquanto o faz questiona o
aluno sobre os resultados 1x8 e 2x4 que, por serem sempre 8, e portanto constantes,
justificam a existência desta relação.
Os alunos não chegam a “esgrimir” argumentos, isto é, não discutem entre si a
validade das suas opiniões. Isso não ocorre, possivelmente, porque Rita não promove
essa discussão mas também se pode dever ao facto de Afonso não estar em desacordo
com Tatiana por considerar existir um erro no seu raciocínio. O aluno apenas tem outra
forma de pensar. A professora justifica a sua acção por considerar que “provavelmente
eles não iam conseguir ver logo que as duas ideias eram convergentes” (DB, p. 11) e
também porque “o objectivo da aula não era trabalhar a proporcionalidade directa na
forma tabelar, mas era introduzir conteúdos novos: gráficos cartesianos” (DB, p. 11).
No entanto, refere, “aquele Não! do Afonso alertou-me para a existência de um
momento oportuno para fomentar a argumentação” (DB, p. 11) o que faz promovendo a
apresentação de razões do aluno, acompanhando o seu raciocínio com o registo no
quadro e sistematizando os acontecimentos no final, de modo a que os alunos se
convençam da validade das suas afirmações e dos seus colegas.
116
3.ª Parte da aula
Rita propõe a situação do concentrado de sumo de laranja antes de abordar os
gráficos cartesianos. Regista no quadro o seguinte,
“O concentrado de um sumo de laranja deve ser diluído em água na razão de 2 para 5.
Como é que interpretas a relação anterior?
Completa a tabela:
Medidas de concentrado
de laranja 1 2
Medidas de água 10 15
Existe PD entre as duas grandezas? Justifica.”
(GO5, p. 2)
e incentiva os alunos a indicar o significado do 2 e do 5 na frase. Há consenso quanto ao
significado ser: Para cada duas medidas de sumo temos de colocar cinco de água e
reforça-se a validade desta conclusão pela ordem em que aparecem as palavras sumo e
água.
Este exercício é resolvido simultaneamente pela professora com os alunos, pelo
recurso à sequência questão-resposta-validação e registam-se no quadro as respostas que
os alunos dão. Durante esta parte da aula não ocorreram situações de desacordo, nem há
manifestação de divergências de opinião que necessitem de ser resolvidos pelo recurso à
argumentação. Existem breves situações em que um ou outro aluno não compreende um
assunto e, quando isso acontece, Rita promove a sua reflexão sobre a questão o que
conduz a um convencimento quase imediato.
Seguem-se as explicações da professora sobre gráficos cartesianos: eixos, a
origem dos eixos, a marcação dos pontos, as coordenadas, os pares ordenados e os
alunos fazem os seus registos no caderno diário. De seguida a professora propõe-lhes
que representem na forma gráfica a situação de proporcionalidade directa do exercício
anterior – o concentrado de sumo de laranja.
A professora dá tempo aos alunos para construir o gráfico. Vai acompanhando o
seu trabalho e verifica que o que está registado, por vezes, não corresponde ao que está
no quadro e apela a que os alunos passem os conteúdos de forma rigorosa. Dá
indicações sobre o modo como devem fazer a representação no gráfico a partir da
117
tabela, a importância dos valores da variável independente – concentrado de sumo de
laranja – serem representados no eixo das abcissas. Os alunos compreendem com
alguma facilidade como se representam os pares de valores correspondentes, medida de
concentrado e medida de água, no sistema de eixos. Marcam os pontos e a professora
corrige alguns pormenores, ajuda no esclarecimento de algumas dúvidas e pede-lhes que
usem uma régua e a coloquem sobre o gráfico.
Episódio 13 – Um gráfico de proporcionalidade directa
Quando pergunta à turma: O que acontece? surgem opiniões divergentes. Ao
constatar que os alunos apresentam respostas diferentes diz: Vamos aqui tirar uma
conclusão, todos juntos! Apela à sua atenção e tenta que todos consigam obter uma
recta que contenha a origem dos eixos.
Professora: Já uniram estes pontos? Então já alguém conseguiu desenhar
uma recta que passe aqui?
António: Aonde?
Professora: Aqui neste ponto. [refere o ponto da origem dos eixos]
Aluno: É impossível!
[muitos alunos falam em simultâneo e não se entende o que dizem]
A professora reforça a ideia de que o que está correcto é a régua conter todos os
pontos do gráfico e questiona a turma sobre quem não tem este resultado. Carolina é
uma dessas alunas pelo que a professora procura junto dela a razão pela qual não tem o
resultado esperado. Verifica que a escala não está bem construída e, quando se prepara
para colocar a situação à discussão com os restantes alunos, surge um desentendimento
verbal entre dois alunos, que desvia a sua atenção. Quando retoma a aula no ponto em
que ficou Rita não aborda esta situação.
Além do problema da escala mal construída há também erros na marcação de
pontos, como por exemplo (4,9), quando ao 4 não corresponde o 9 mas sim o 10.
A fim de levar os alunos a compreender que um gráfico de proporcionalidade
directa é uma recta que passa na origem do referencial e com o objectivo de os fazer
pensar no modo como podem justificar a sua opinião, Rita apresenta três esboços destas
duas situações, questiona os alunos e pede-lhes justificações. Ouvem-se afirmações
como: O gráfico não é de proporcionalidade directa porque não passa nos pontos
118
todos! o que pode significar que os alunos ainda não adquiriram o vocabulário
suficiente para justificar o que vêem ou ainda não conseguem explicar-se de forma
correcta, de acordo com a nomenclatura para estas situações. Assim, Rita reitera a
necessidade de haver consenso, resolve recapitular o trabalho realizado e conduz os
alunos à conclusão.
Professora: Eu agora preciso de fazer aqui uma conclusão geral. Então,
temos aqui uma representação na forma de uma tabela, certo?
Esta representação [aponta para o gráfico] é, ou não é, da mesma
situação? Desta que esta aqui na tabela?
[alguns alunos respondem que sim]
É. Temos a representação que está na tabela, na forma de uma
tabela, esta [gráfico] está na representação na forma de quê? De
um quê?
[alguns alunos respondem gráfico]
É a representação da mesma situação. Só que representações
diferentes. Na tabela toda a gente consegue verificar se há
proporcionalidade directa se houver uma constante, ou seja, se
dividirmos uma grandeza pela outra e obtivermos sempre o
mesmo…?
Alunos: Resultado.
Professora: Resultado. Como é que num gráfico conseguimos dizer,
logo à partida, só por observação, se há ou não proporcionalidade
directa?
Aluno: Se ele tiver uma linha recta.
Professora: Se ele tiver uma linha recta que…? Que passa aonde?
[algumas respostas em simultâneo]
Então vamos lá falar um de cada vez! Diz lá António! [o aluno
não responde] Todos os pontos têm de estar sobre uma linha recta
que… [não se entende o que o aluno diz] Então destes três
[gráficos], outra vez, diz-me lá qual é o único que é de
proporcionalidade directa?
António: É o primeiro.
Professora: É o primeiro.
Ao repetir a resposta do aluno, Rita valida-a e torna claro para a turma que
aquele é o único gráfico, dos três que estão desenhados no quadro, que representa uma
situação de proporcionalidade directa. Para lhes mostrar como podem justificar que um
gráfico não é representativo de uma relação desta natureza a professora pergunta a
Sónia: Se isto [recta que contém a origem dos eixos] não acontecer há, ou não há,
proporcionalidade directa? A aluna responde negativamente e a discussão termina.
119
Até ao final da aula os alunos resolvem exercícios do manual sobre
representação gráfica de situações de proporcionalidade directa.
Reflexão
Em nosso entender, a conversa de Rita com Sara, no início desta aula, é uma
mais-valia na promoção da auto-confiança dos alunos, em particular da aluna, e
contribui para a valorização da sua reflexão sobre a actividade de cada aula. Este
momento serve para esclarecer a professora quanto à opinião da aluna sobre os
acontecimentos da aula de dia 20 de Novembro. É útil para a aluna, na medida em que é
um reforço à sua opinião e serve para os outros alunos, pois surge como uma conclusão
geral dessa actividade.
Saliente-se que o principal objectivo desta aula é a compreensão, por parte dos
alunos, de um novo conceito – representação gráfica de uma proporcionalidade directa e
em consequência o conhecimento sobre gráficos cartesianos. Pretendemos também, a
partir da análise da dinâmica da aula, verificar em que circunstâncias ocorrem situações
de argumentação e qual, ou quais, as acções da professora na sua promoção, sustentação
e resolução. Este propósito torna-se relevante, do nosso ponto de vista, dado que esta
aula não contempla a proposta de tarefas em suporte papel nem questões de natureza
exploratória ou investigativa.
Quanto ao primeiro objectivo consideramos que os alunos compreendem como
se deve representar graficamente uma proporcionalidade directa, que cuidados se deve
ter com a construção do gráfico, com a marcação dos pontos e que aspecto tem um
gráfico referente a esta relação – uma recta que contém a origem dos eixos. A revisão
ou relato final, que Rita realiza, ajuda certamente a clarificar algumas dúvidas e a
esbater algumas dificuldades que os alunos podem sentir. Como refere:
Toda a aula foi expositiva, cujo objectivo era a leccionação de novos
conteúdos. Contudo, com a análise que fui fazendo ao trabalho
desenvolvido pelos alunos na própria aula e nas seguintes, posso referir
que a maioria percebeu estes novos conteúdos. (ST6, p. 5)
Embora caracterizemos esta aula de expositiva nela encontramos momentos em
que os alunos podem e devem participar. Neste sentido, a professora questiona-os e
120
promove, em alguns momentos, a apresentação de raciocínios de um aluno a toda a
turma, proporcionando a partilha e o debate de ideias. No entanto, vivencia algumas
dificuldades, como por exemplo, no princípio da aula, os alunos apresentarem alguma
apatia e não responderem às suas questões. Tentamos encontrar causas para esta
situação e ocorrem-nos duas: os alunos estão com sono (situação normal nesta turma
logo pela manhã) ou os alunos não estão muito à vontade com as questões que a
professora coloca, porque ainda não dominam os conteúdos. Em todo o caso, Rita
considera que a razão mais saliente é o tipo de aula que proporciona aos alunos:
Embora tenha a ideia de que em qualquer actividade matemática possam
surgir episódios de argumentação, desde que haja lugar à apresentação de
estratégias e raciocínios diferentes, discórdia e defesa de ideias, discussão
e uma conclusão que todos aceitem como correcta, as actividades de
cariz exploratório e de investigação matemática são mais ricas do ponto
de vista da promoção da argumentação. Este tipo de tarefas permitem ao
aluno desenvolver e usar um conjunto de processos matemáticos tais
como formular conjecturas, testar e provar essas conjecturas, discutir,
argumentar e generalizar. Proporcionam aos alunos uma convivência
com aspectos essenciais da experiência matemática, permitindo-lhes
mobilizar e consolidar conhecimentos matemáticos já adquiridos. (RR4, p. 5)
De facto, a análise do registo desta aula revela a existência de argumentação,
mesmo numa situação em que os alunos não desenvolvem trabalho sobre uma tarefa,
durante algum tempo. Parece-nos que nesta aula os momentos de argumentação
ocorrem de modo mais inesperado do que numa aula em que se promove a discussão de
resultados. Estes momentos surgem quando, por exemplo, é dada a palavra a um aluno,
para que explicite um raciocínio ou apresente uma resposta, e há manifestação de
desacordo por parte de outro aluno. Verificamos que a atenção de Rita para estas
manifestações é uma condição essencial à promoção de troca de argumentos. Ao
perceber que um aluno discorda do que ouve a professora procura que, não só se ouça
quem ainda está a explicar e justificar a sua ideia, como também o outro aluno o faça.
Contudo, Rita considera que ainda “perde” algumas oportunidades de colocar os alunos
a justificar a discutir ideias e reitera a importância de estar atenta.
Depois de ler este pequenino episódio apraz-me perguntar a mim própria:
Porque é que não aproveitei a resposta do António para, logo de seguida,
colocar a questão Porquê?
121
Uma maior atenção aos acontecimentos que ocorrem no desenrolar de
uma actividade é crucial. Com esta pequenina pergunta poderia levar os
alunos a justificarem a razão pela qual aquela representação era de
proporcionalidade directa ou, eu própria a perceber se os alunos se
tinham apropriado desse conhecimento.
Haveria naturalmente, o proporcionar de uma maior riqueza e
consistência de saber aos alunos. (ST6, p. 6)
Esta postura exigente e crítica de Rita, sobre o seu papel na promoção de
argumentação na aula de Matemática, só é atenuada pela reflexão sobre as causas desta
acção não ocorrer tantas vezes quanto deseja. Por um lado, pensamos que uma razão se
deve ao facto de sentir que está atrasada quanto à planificação anual do 7.º ano. Esta
aula é planeada com base na necessidade de “avançar na matéria” e por isso “não pode
ser dado muito tempo para que os alunos desenvolvam trabalho e se faça uma
discussão” (ST5, p. 2). Por outro, o facto de este conteúdo leva os alunos a sentir
alguma dificuldade em se exprimir ou apresentar argumentos que validem as suas
ideias. Assim, as causas de não ocorrerem mais episódios de argumentação podem
relacionar-se com o desenvolvimento curricular, com conteúdos programáticos, os
conhecimentos dos alunos ou a predisposição da professora.
É de salientar que nesta aula Rita consegue alimentar alguns momentos de
natureza argumentativa, o que a deixa satisfeita. É igualmente relevante que os alunos
mostram algum à vontade quanto à manifestação do seu desacordo em relação a uma
ideia.
Aulas 6 e 7 – Razão de semelhança, dos perímetros e das áreas - Escalas
Aula 6 – 3.Fev.09
Preparação da aula
Para esta aula decidimos propor uma tarefa no âmbito da Geometria – Razão de
semelhança, dos perímetros e das áreas – Escalas (Anexo 7), constituída por duas
questões: uma que envolve o conceito de perímetro e outra o de área. De modo a torná-
la mais atractiva e desafiante, resolvemos usar escalas, pedir o resultado numa unidade
diferente do enunciado e relacionar as questões com a realidade. Deste modo, pensámos
122
que podíamos conseguir um maior envolvimento dos alunos. Resolvemos propor
somente duas questões porque pretendemos que esta tarefa tenha a duração de 90
minutos: metade para o trabalho autónomo, a pares, e a outra metade para a
apresentação e discussão de resultados. O objectivo principal da aula é a compreensão
da relação entre a razão de semelhança dos comprimentos de uma figura, a razão dos
perímetros e a razão das áreas (sendo a razão das áreas o quadrado das outras duas, que
são iguais). Esperávamos que surgissem situações de argumentação durante a
apresentação e discussão de resultados, dado pretendermos pedir aos alunos que
expliquem e justifiquem as suas ideias.
Resolvemos a tarefa e tentámos antecipar alguns aspectos relacionados com o
trabalho dos alunos: as diferentes estratégias que podiam usar para determinar o
perímetro real ou os erros que podiam cometer pelo uso da razão das semelhanças no
cálculo da área real. Dado existirem alunos que “rapidamente fazem as coisas e não
explica[m] nada a ninguém. Não partilha[m], não ajuda[m]…” (ST8, p. 3), alguns pares
de trabalho foram reformulados.
Desenvolvimento da aula
1.ª Parte da aula
A actividade inicia-se com a distribuição da tarefa e leitura em voz alta do seu
enunciado pela professora, com alguns esclarecimentos pontuais de dúvidas colocadas
pelos alunos. Num destes momentos Teresa diz algo que ninguém consegue ouvir e Rita
intervém com a questão: Todos ouviram o que a Teresa disse? Ao verificar que, de
facto, a turma não a ouviu, a professora recorda que “uma das regras é não falar baixo, é
falar alto, para que todos possam ouvir” (TA6, p. 1) e pede à aluna que repita a sua
questão, de modo a que todos ouçam. Terminada a introdução da tarefa, Rita apela a que
os alunos procedam do seguinte modo:
[Devem] registar todos os raciocínios e procedimentos que fizeram. Não
apagarem nada! Ouviram bem? Não apagar nada! Mesmo que escrevam
a lápis, registam tudo e não apagam nada!
Só solicitem a intervenção da professora, portanto a minha ajuda, quando
os pares não conseguirem andar para a frente no desenvolvimento da
123
actividade. Não é (…) sem terem discutido um com o outro que vão
chamar o professor. Está bem? Portanto devem, ao máximo, resolver as
questões que vão surgindo entre vocês. (TA6, p. 2)
Estas indicações advêm da reflexão da professora sobre algumas situações
verificadas em aulas anteriores, nomeadamente, sobre a dificuldade dos alunos em
explicar ou justificar o seu raciocínio, quando não registaram ou apagaram os seus
registos, e sobre a solicitação da presença da professora à mínima dificuldade, sem antes
debater o assunto com o colega de trabalho. Deste modo, Rita procura criar condições
para que os alunos, no momento da discussão, tenham na sua posse os registos
necessários à apresentação fundamentada do seu raciocínio e também que, entre eles,
tenham ocorrido as discussões necessárias à clarificação de ideias e troca de argumentos
de modo a enriquecer a discussão colectiva.
2.ª Parte da aula
Enquanto os alunos resolvem a tarefa, Rita circula pela sala, agindo de acordo
com o que considera ser o papel do professor nestes momentos:
O nosso papel ao longo do trabalho em grupo, à medida que eles vão
fazendo o trabalho em grupo é orientar, mas, orientar no sentido que nós
quisermos dar à questão, não é? (…) É ter já uma visão global depois da
discussão que nós queremos promover e da forma que queremos pegar na
discussão. (ST8, p. 6)
Durante a resolução da tarefa, a professora estabelece diálogos com os grupos de
trabalho no sentido de esclarecer eventuais dúvidas, incentivar a discussão entre os
alunos, reforçar a necessidade de se explorar totalmente as questões e de se apresentar
justificações. Procura, também, fazer um levantamento das diferentes estratégias,
respostas ou erros cometidos pelos alunos, de modo a ter uma visão global do trabalho
desenvolvido pelos diversos grupos e, assim, preparar a discussão colectiva.
3.ª Parte da aula
Rita prepara a turma para a discussão colectiva, chamando a atenção para a
necessidade de se seguirem algumas regras de interacção, indicando, nomeadamente,
124
que os alunos devem: (i) falar alto, para que todos ouçam, (ii) ouvir bem aquilo que os
colegas dizem e pensar sobre aquilo que eles estão a dizer, (iii) participar e intervir de
uma forma correcta, isto é, sem se interpelar uns aos outros, e (iv) apresentar sempre os
seus pontos de vista, sem ter receio de errar. Indica as suas expectativas quanto ao modo
como os alunos devem proceder quando justificam as suas ideias:
Quando se apresenta um ponto de vista é necessário justificar, com
argumentos matemáticos, aquilo que vocês pensam e qual é, de facto, o
vosso ponto de vista sobre o assunto que está a ser discutido. Sempre que
houver alguém que não concorda ou que discorda com aquilo que está a
ser apresentado no quadro aos colegas é favor dizê-lo, justificando como
é normal, ou devia ser, a razão dessa discórdia. Está bem? (TA6, p. 4)
Rita reforça ainda a importância dos alunos, no momento em que intervêm, se
dirigirem à pessoa cujo raciocínio estão a comentar, contradizer ou discordar. Salienta
que não devem falar exclusivamente para a professora, mas devem desenvolver uma
prática de interacção entre eles. Acrescenta que estas intervenções devem atender “às
normas sociais. Com correcção. Com respeito” (TA6, p. 6). Indica que o seu papel irá
ao encontro do que, um dia, um deles referiu: A professora passa para o papel de aluno
e o aluno vai para o papel do professor” (TA6, p. 6), o que clarifica a sua intenção em
partilhar o seu protagonismo com os alunos.
Episódio 14 – Uma opção discutível!
Teresa vai ao quadro responder à questão 1.1. Pretende-se saber o valor real do
perímetro do terreno A, em m. Explica como pode ser calculado esse valor. A aluna
começa por referir que ela e Guilherme, um novo par, sentiram necessidade de passar os
valores 3cm e 2cm para metros. Acrescenta que usaram duas regras de 3 simples em
que usaram a escala (1/1000) referida no enunciado (nota-se que os alunos usam duas
vezes a regra porque têm dois valores para converter e têm uma escala). Rita pede a
Teresa que registe no quadro o esquema do terreno, de modo a poder explicar o seu
procedimento com base em algo que os colegas podem visualizar (Figura 4.20.).
125
Figura 4.20. Registo no quadro da resolução da questão 1.1. da Tarefa 3 por Teresa
Professora: A Teresa diz que os 3 centímetros no desenho
correspondem a quantos metros na realidade?
Teresa: 30 metros.
Professora: 30 metros. É?
Teresa: Sim.
Professora: E agora?
Teresa: Agora passámos… [não se entende]
Professora: Vejam bem! [apela a professora à turma]
A Carolina já está de braço no ar.
[quando Teresa termina o registo no quadro prossegue]
Então a Carolina, que colocou o braço no ar, deve ter alguma
questão a colocar ali à Teresa.
[Carolina questiona a colega mas não se ouve. Teresa reponde também
em voz baixa. A professora intervém]
Professora: Falem mais alto! Senão, não ouvem nada, os colegas lá de
trás! Olha! [diz para Teresa] repete o que a Carolina perguntou
para todos ouvirem lá atrás.
[Teresa refere que Carolina a questionou sobre o 30 que ela apresenta na
regra de 3 simples]
Professora: Todos perceberam o que elas dizem?
[Uns perceberam tudo outros não perceberam nada. Há ruído no exterior
porque tocou e alguns alunos movimentam-se no corredor]
Professora: Eu vou aqui repetir! O que a Carolina disse é o seguinte… A
Teresa suprimiu aqui alguns cálculos. Não é? Como é que ela
chegou a este 30? Não era essa a questão? [olha para Carolina]
Carolina: Sim.
Professora: E o que a Teresa respondeu foi… [dá a palavra à aluna]
Teresa: Para não ficar muito confuso eu optei logo por pôr este resultado
logo ali [na regra de 3 simples].
Professora: Ou seja, este 30 advém de que produto?
Teresa: De 0,03 vezes 1000.
Professora: 0,03 vezes 1000. Perceberam?
Este diálogo mostra alguns aspectos relevantes quanto à dinâmica de uma aula
em que se valoriza a intervenção dos alunos, a partilha de pontos de vista e a sua
126
justificação. Em primeiro lugar, a professora pede a Teresa que, junto do quadro,
apresente a sua resolução e explique como procedeu. Por considerar que apenas pelo
discurso oral alguns alunos podem não compreender totalmente a resposta da aluna,
procura que esta registe no quadro o que tem na sua ficha de trabalho. Estes dois
registos coincidem quanto ao conteúdo e é com base neles que se explora a explicação
de Sara e surge a polémica em torno do 30. Esta situação mostra a pertinência dos
alunos registarem tudo o que fazem e não apagar nada.
Em segundo lugar, enquanto a aluna expõe a sua resolução a professora coloca-
lhe algumas questões que procuram esclarecer o seu raciocínio e simultaneamente,
atende às manifestações dos alunos que procuram intervir - A Carolina já está de braço
no ar. Esta acção permite que os alunos entendam a sua participação como algo que é
viável na sala de aula e é valorizado pela professora. De facto, Carolina esperou
pacientemente pela sua vez e, quando a professora lhe deu a palavra, teve oportunidade
de colocar a questão à colega. Uma vez que o diálogo entre estas alunas não é
perceptível para restante turma, nem para a professora, esta decide intervir chamando a
atenção dos alunos para a discussão em curso. Esta intervenção tem a forma de relato da
situação, dado que a professora relembra os acontecimentos (a questão de Carolina e a
resposta de Teresa) e reforça a necessidade das alunas envolvidas fazerem parte deste
momento, dando-lhe a palavra para que concluam algumas falas. A acção da professora
permite, igualmente, que apresentem os seus pontos de vista, compreendam a opinião,
uma da outra, e cheguem a consenso quanto à opção de Teresa – escrever 30 em vez de
0,03 x 1000. Embora Carolina insista na necessidade de serem apresentados todos os
cálculos, compreende que a omissão neste caso é aceitável e corresponde a um
raciocínio válido.
Figura 4.21. Registo da resolução da questão 1.1 da Tarefa 3 na ficha de trabalho de Teresa
127
Teresa conclui a sua apresentação afirmando que “… no final somámos os
quatro lados” (TA6, p. 8) e, com ajuda da professora, indica a conclusão – o perímetro
do terreno A na realidade é 30m.
Episódio 15 – Matematicamente correcto
Por referir que Fizeram de maneira diferente, João vai ao quadro explicar o seu
raciocínio para responder à questão 1.1. O aluno regista o que tem escrito na ficha de
trabalho e acompanha esta acção com algumas explicações, em particular, quanto à
utilização da escala:
João: Então eu e a Maria fizemos assim.
Professora: Ouçam o que o João diz! Fala para eles! [diz para João]
João: Eu e a Maria fizemos assim. Como a razão é de 1 para 1000…
Professora: Escreve! A razão. Ouçam isto!
João: A razão é de 1 para 1000. Então nós calculámos…
[escreve no quadro 2cm = 2000cm]
Professora: Diz o João, que 2cm é igual a 2000cm!
A observação de Rita provoca alguma polémica e alguns alunos manifestam
intenção de participar. A professora recomenda-lhes que aguardem a conclusão da
apresentação de João e compromete-se a deixar que discutam com ele esta igualdade
dizendo: Ponham lá os bracinhos no ar que a gente já discute. Aliás ele vai discutir
com vocês! Chegado o momento, o diálogo estabelece-se.
Professora: Havia ali umas meninas… De braço no ar… Tatiana!
Tatiana: Ó setora, é que ao princípio… Ao princípio não se percebe que
os 3000cm é na realidade.
Professora: Então se calhar faltarão ali algumas indicações!
João: Ó setora, mas a gente escreveu por baixo.
Professora: Então será melhor apresentar aí também! Até porque 3cm
nunca é igual a 3000cm. Tens que pôr aí qualquer coisa… Um
esquemazinho ou uma seta. Eu percebi, mas há colegas teus que
não perceberam.
Carolina: Ó setora, ele não pode fazer vezes 1000? Ele para chegar ao
3000 teve de fazer vezes 1000.
Professora: Pergunta lá ao João!
Carolina: Para chegares ao 3000 tiveste de fazer 3 x 1000! Que é a
escala…
João: Sim.
128
Professora: O João começou por falar na razão de semelhança. Quanto é
que é a razão de semelhança, João?
João: É de 1 para 1000.
Professora: Então porque é que não escreves aí?
Quando o João escreve aqui [no quadro] 3cm é igual a 3000cm,
será que está correcto? Isto é uma igualdade verdadeira?
Alguns alunos: Não.
Professora: Estamos a dizer uma igualdade verdadeira? Isto
matematicamente não está correcto, não é? Mas, aquilo que o
João quer dizer é… [dá a palavra ao aluno]
João: Como na razão de semelhança é 1cm no esquema do mapa... 1 cm
corresponde a 1000cm na realidade, eu e a Maria pensámos que,
se agente fizesse isto com este números que ia dar, neste caso,
2000 e 3000.
Professora: Ou seja, ele representou os 3cm no desenho
correspondem… É assim, não é? [pergunta a João] A 3000cm na
realidade, segundo aquela razão de semelhança. É verdade ou
não? Acham correcto, isto que o João fez? Aceitam…
Este episódio mostra a importância das intervenções de Rita na promoção e
sustentação de momentos de discussão/argumentação entre os alunos. A professora
chama a atenção dos alunos para aspectos da apresentação de João que carecem ser
esclarecidos, matematicamente aceites ou matematicamente validados. Começa por
salientar o registo 2cm = 2000cm que, sabendo não estar correcto, tem subjacente um
raciocínio válido. Assim, promove o questionamento ao aluno, por parte dos colegas, e
cria oportunidades para que João explicite, explique e justifique o seu pensamento. Esta
é uma forma de promover a argumentação na sala de aula, entre os alunos, embora neste
caso não exista uma manifestação de desacordo de sua iniciativa mas há pedidos de
esclarecimento de ideias que conduzem à apresentação de razões, por parte de João, em
relação àquilo que escreveu. Este questionamento faz-se de forma ordeira, pela
indicação da intenção de participar e pela colocação do dedo no ar. A professora reitera
a importância de se colocar a pergunta ao autor do raciocínio pela afirmação: Pergunta
lá ao João! quando Carolina lhe dirige a palavra. Esta interacção entre os alunos
permite, por um lado, a João reflectir sobre o seu registo e, por outro, permite clarificar
o uso da razão de semelhança (escala do enunciado) – 1/1000 – no cálculo de 2000 e
3000, servindo de fundamento às igualdades 2cm = 2000cm e 3cm = 3000cm. De facto,
após as explicações e justificações do aluno, os restantes colegas ficam convencidos de
que o seu raciocínio está correcto embora use uma notação matematicamente incorrecta.
Rita reformula a resposta do aluno de modo a que fique mais clara a sua ideia.
129
São ainda apresentadas outras estratégias de resolução da questão 1.1. mas todas
elas conduzem ao mesmo resultado, o valor real do perímetro do terreno A é 100m.
Enquanto uns alunos fazem primeiro o perímetro do terreno no desenho e só depois
usam a escala, outros efectuam as reduções em primeiro lugar e no final somam os
quatro valores. Rita questiona os alunos sobre as diferentes possibilidades de se calcular
o perímetro real deste terreno, dados os valores dos seus lados no desenho, e alerta para
o facto de tal procedimento ser possível porque o perímetro é um comprimento e, como
tal, pode aplicar-se a escala do desenho ao valor do comprimento do perímetro no
desenho. Conclui-se ainda que a escala ou razão de semelhança é igual à razão dos
perímetros.
Episódio 16 – Uma escala para o cálculo da área
A discussão dos resultados dos alunos referentes à questão 1.2 - Pretende-se
saber o valor real da área do terreno A, em m2. Explica como pode ser calculado,
inicia-se pela intervenção de uma aluna, Sónia, que apresenta uma resolução incorrecta
(Figura 4.22.). A escolha desta aluna, por parte de Rita, é intencional e resulta do
acompanhamento aos grupos, enquanto estes resolvem a tarefa. Como esta aluna,
existem outros que usam a razão de semelhança 1/1000 no cálculo da área real do
terreno A. Determinam esta área no desenho – 6cm2 – e aplicam-lhe a razão de
semelhança dos comprimentos (escala) obtendo o valor 6000cm2. A explicação de Sónia
tem uma particularidade, a aluna sabe que para reduzir valores ao quadrado tem de
andar duas casas mas não tem a certeza se esta situação este procedimento se aplica.
Assim, a professora resolve explorar a questão com a turma.
Figura 4.22. Resolução da questão 1.2 da tarefa 3 apresentada por Sónia
130
Sónia: Eu calculei a área do terreno A na imagem sem a medida…
Professora: Portanto calculou a área no desenho! É isso que me está a
dizer?
Sónia: Sim.
Professora: Então a Sónia começou por indicar a fórmula da área do
rectângulo. Foi isso?
Sónia: Foi setora.
Professora: Pronto… 6 centímetros quadrados. Diz a Sónia que é a área
deste rectângulo no desenho. Mais… [incentiva a aluna a falar
para os colegas]
Sónia: Depois eu fiz este resultado vezes 1000 para obter o valor real.
Professora: Depois…
Sónia: Agora é que eu não tenho a certeza de uma coisa, setora.
Professora: A Sónia tem uma dúvida. Não tem certeza sobre aquilo que
fez. Mas há aqui tantos meninos que vão ajudar a Sónia!
Sónia: Eu depois lembrei-me de uma coisa. É que quando é com
centímetros quadrados em vez de se avançar só uma avança-se
duas.
Professora: Então há aqui colegas teus que com certeza podem ajudar
nessa questão. Olha a Tatiana!
Tatiana: Eu acho que ela está certa.
Professora: Olha a Tatiana acha que tu estás certa. Está? E porquê?
António: Porque são metros quadrados.
Professora: Ela está a fazer em centímetros quadrados e quer passar para
metros quadrados.
A dúvida de Sónia foi colocada à consideração da turma para que os restantes
alunos se pronunciem sobre a sua validade, o que acontece quando Tatiana afirma que a
colega está certa. Contudo nenhuma das alunas verbaliza uma justificação que
fundamente a veracidade desta relação entre as duas unidades de medida de área, pelo
que Rita opta por levar os alunos à demonstração (Figura 4.23.).
Figura 4.23. Demonstração da validade de 1m2 = 100dm2 = 10 000cm2
131
Professora: Então nós temos, metro quadrado, decímetro quadrado,
centímetro quadrado e milímetro quadrado. Certo? Pronto. E
agora vamos supor que eu tenho aqui assim um quadrado em que
aqui é 1 metro e aqui é 1 metro. Esta área quanto é?
Aluno: 2.
Professora: 2!? 1 x 1 quanto é?
Aluno: 1.
Professora: 1 metro quadrado. E agora aqui pergunto: 1 metro de
comprimento corresponde a quantos centímetros?
Aluno: 100.
Professora: Então quer dizer que se eu transformar este quadrado em cm
de lado, este comprimento vai corresponder a quantos?
Aluno: 100.
Professora: Aqui vai ser quantos centímetros quadrados?
Aluno: 10000.
Professora: 10000cm2. Mas antes disto ainda vou pôr outro quadradinho
no meio em que 1 metro eu quero reduzi-lo a decímetros. Quantos
decímetros temos?
Aluno: 10.
Professora: 10dm e aqui também 10dm. O que é que isto significa? Qual
é a área deste quadradinho?
Aluno: 100dm2.
Professora: Então agora vamos lá pensar… Como é que eu passo daqui
para aqui? [de 1m2 para 100dm
2]
Aluno: Andando duas casas.
Professora: Duas casas. Como é que eu passo daqui para aqui? [de
100dm2 para 10000cm
2]
Aluno: Mais duas casas.
Professora: Mais duas casas. Ou seja daqui para aqui é vezes quanto?
[de m2 para dm
2]
Aluno: 100.
Professora: E daqui para aqui? [de m2 para cm
2]
Aluno: Vezes 10000.
Professora: O que significa o quê em relação a esta redução? Agora
quero que vocês discutam.
Os alunos convencem-se que a relação existente entre o m2, dm
2 e cm
2 permite
“passar”, de uns para os outros, movendo a vírgula duas casas decimais pelo que
aplicada a 6000m2 resulta em 0,6m
2. Rita propõe-lhes que pensem agora na resposta
0,6m2 e que reflictam sobre este valor real da área do terreno A.
Professora: Ora 0,6m2. E agora vamos pensar! 0,6m
2 na realidade! O que
é que significará isto de 0,6m2
na realidade? Quanto é que são
0,6m2
na realidade?
Ricardo: São 6dm2.
132
Professora: São 6dm2… Vê lá bem se é isso! 0,6m
2 eu tinha assim: 1 m
por quanto de largura? Para dar 0,6 eu tinha 1 metro de
comprimento por quanto de largura?
(…)
Sónia: Por 0,6.
Professora: Por 0,6. Diz a Sónia. Isto é um terreno que se veja? É uma
coisa… Então o que é que acham que aqui está mal? [afasta-se do
quadro e repete a questão]
António: Não sei!
Professora: Vamos lá a pensar!
(…)
Olhem para aqui [resolução de Sónia no quadro] e vamos lá ver
onde é que isto não está correcto!
Ricardo: Setora!
Professora: Diz lá Ricardo! Fala com ela!
Ricardo: Quando a escala está em fracção não se devia acrescentar dois
zeros na escala?
Professora: Dois zeros na escala. Diz o Ricardo! Em vez de ser 1000,
era quanto?
Ricardo: Neste caso era 10000.
Professora: Aí acrescenta só um! Vejam lá o que vocês têm!
[alguns alunos procurar apresentar a sua resolução mas Rita insiste na
observação do que está no quadro]
Eu gostava que vocês olhassem para aqui e vissem o porquê
daquilo não fazer sentido, não é? Porque 0,6m2 na realidade um
terreno… Nem para lá pôr um pé!
Ricardo: Setora, 6 x 100 000 dá 600 000cm2. E 600 000 são 60m
2.
Professora: E é essa a área do terreno?
[Toca para a saída, ainda se discute as diferentes abordagens que
se podem fazer ao enunciado mas a discussão continua na
próxima aula]
A aula tem de terminar pois já está muito barulho nos corredores, os alunos estão
inquietos e torna-se inviável debater ideias. Rita remete para a próxima aula a conclusão
desta discussão e salienta a necessidade dos alunos pensarem sobre esta questão e
apresentarem as suas ideias mas com justificações.
Aula 7 – 5.Fev.09
Os objectivos desta aula são a conclusão da discussão da questão 1.2 da ficha de
trabalho realizada na aula anterior e o esclarecimento de dúvidas para o teste de
avaliação. Apresento e analiso o excerto de aula referente à conclusão da discussão
interrompida no fim da aula anterior. Rita relembra o ponto em que a discussão ficou no
133
dia 3 de Fevereiro e distribui as fichas de trabalho aos alunos. Sónia vai ao quadro e
regista a sua resolução mas acrescenta algo, uma cruz (Figura 4.24.) que esclarece
tratar-se de um modo de indicar que Não pode ser assim!
Figura 4.24. Registo da resposta à questão 1.1 da Tarefa 3 por Sónia
Alguns alunos mostram o que consideram ser o processo mais adequado ao
cálculo da área real do terreno A procurando justificar as suas ideias.
Figura 4.25. Estratégia de Tatiana para justificar a razão das áreas 1:1 000 000
No caso de Tatiana, calculou a área de um terreno com 1000cm por 1000cm para
concluir que para determinar a área do terreno A tem de multiplicar os 6cm2, área do
terreno no desenho, por 1 000 000 (Figura 4.25.).
Figura 4.26. Estratégia para justificar o valor da área do terreno A
134
Outra aluna considera os valores dos lados do terreno A, no desenho, 2 e 3cm e,
com a informação da escala, calcula o valor real dos lados, em cm, 2000 e 3000,
respectivamente. Multiplica-os obtendo 2000 x 3000 = 6 000 000cm2. Com a redução
aprendida na última aula, escreve 600m2 (Figura 4.26.)
Rita procura que os alunos reflictam sobre o significado de se multiplicar os
lados do rectângulo no desenho – terreno A – por 1000 e que consequência é que esse
procedimento tem sobre o valor da área. Questiona: Qual é a razão de semelhança das
áreas de um terreno de 2 por 3 para um terreno de 2000 por 3000? Grande parte dos
alunos responde 1 para 1000 e a professora percebe que este assunto ainda não está
claro. Aborda o assunto de outra forma:
Professora: Então vamos lá ver! Quantas vezes é que este terreno
pequenino caberá neste grande? Qual é a área do terreno
pequeno? E qual é a área do terreno grande?
Ricardo: 6 000 000.
Professora: 6 000 000. Então quantas vezes é que este terreno pequeno
cabe no terreno grande?
Maria: 6 000 000 [resposta incorrecta]
Professora: 6 000 000 diz a Maria. Então qual é a razão entre a área do
terreno na figura e a área na realidade?
Aluno: 1 para 6 000 000 [incorrecto].
Professora: Aqui é 6 para 6… [refere-se ao 6 de 6 000 000]
Se for 6 para 6 000 000. Mas…
Ricardo: 1 para 1 000 000.
Professora: 1 para 1 000 000. Concordam com isto?
Figura 4.27. Razão de semelhança e razão das áreas
Neste momento parece que os alunos entenderam qual a razão das áreas pelo que
Rita procede a uma sistematização das suas contribuições e pede-lhe que refiram as
conclusões que pensam poder retirar desta discussão. Os alunos referem:
135
Não se pode misturar área com o comprimento.
1 para 1000 é a razão do comprimento. Se fizermos lado vezes lado
multiplicamos 1000 por 1000 que dá 1 000 000 o que dá a razão da área
que é 1 para 1 000 000.
Perante estas conclusões, Rita desafia os alunos a encontrar uma regra que
permita relacionar a razão dos comprimentos com a razão das áreas: “Vão descobrir
uma relação entre estas duas razões! Vamos descobrir uma regra que nos permita
sempre calcular a área de um terreno em função da razão de semelhança!” (TA7, p. 6).
Após algumas intervenções conclui-se que o 1 000 000 que resulta de 1000 x 1000,
pode ser escrito na forma de potência, 10002 (Figura 4.28.), pelo que, a “razão das áreas
é o quadrado da razão de semelhança” (TA7, p. 7).
Figura 4.28. Relação entre a razão de semelhança e a razão das áreas
A aula prossegue com a aplicação destes resultados a uma situação semelhante e
com o esclarecimento de dúvidas quanto à “matéria” que sai no teste de avaliação a
realizar proximamente.
Reflexão
A nossa primeira observação, ao visualizarmos o registo das aulas, é que “não
são aulas regulares, convencionais ou tradicionais”. Sentimos que Rita intervém na
sistematização de ideias, ensina e relembra conceitos e procedimentos, mas, apesar
disso, o ambiente da aula caracteriza-se pelo envolvimento participado dos alunos, com
contribuições sobre os seus trabalhos, com comentários e sugestões ao trabalho dos
outros, com debate de ideias e discussão colectiva. Embora ainda seja uma dificuldade,
136
para a professora, sustentar a argumentação pela troca de argumentos entre os alunos e,
essencialmente, pela discussão desses argumentos, sentimos que existem momentos em
que os alunos têm de justificar o seu pensamento e estas razões são colocadas à
discussão com toda a turma:
Embora não houvesse esta discórdia entre eles, mas eu acho que estes
momentos de apresentação e de serem os alunos a explicar estas razões
todas e estas validades e o porquê destas estratégias… Eu acho que é
muito enriquecedor e muito positivo para a aprendizagem. (ST10, p. 1)
Não há divergências não há desacordos, não há erros para justificar (…)
parece interessante poder fazer a análise destas questões, embora não
polémicas mas diferentes e que contribuem muito para um aluno
perceber que há mais do que uma forma de fazer as coisas (ST8, p. 1)
Com o objectivo de levar os alunos a compreender que a razão dos perímetros de
duas figuras semelhantes não é igual à razão das suas áreas e que a última é o quadrado
da primeira, propôs-se a questão 1.2 - Pretende-se saber o valor real da área do terreno
A, em m2. Explica como pode ser calculado. Consideramos que, de um modo geral, os
objectivos propostos quanto à aprendizagem da relação entre a razão de semelhança a
razão dos perímetros e a razão das áreas foi atingido e que os alunos compreendem em
que situações são mais adequadas uma ou outra e também percebem como “passar” de
uma para a outra.
É nos momentos em que acompanha o trabalho dos alunos que Rita recolhe as
informações necessárias à condução da discussão. Nota que tem estado mais atenta aos
erros dos alunos e à diversidade de estratégias mas que nem sempre é fácil encadear esta
diversidade em tão pouco tempo e com a rapidez a que uma aula de 90 minutos obriga.
Com o trabalho realizado nestas aulas, somos levadas pensar que os alunos estão
mais atentos, interventivos e participativos o que, de certo modo ajuda o trabalho da
professora. Eles sabem que têm de apresentar, explicar e justificar, manifestar o seu
desacordo ou a sua concordância mas com consciência do seu papel em todo o processo,
quer relativamente ao conteúdo matemático quer ao nível das atitudes. Para tal situação
tem contribuído a manifestação de expectativas de Rita e a sua acção que, estando em
conformidade com o que diz, leva a que os alunos a entendam como algo natural na aula
de Matemática.
137
É de facto importante que os alunos compreendam o seu papel e o do professor
nos momentos de discussão de resultados, o que não aconteceu logo nos primeiros dias
mas vai sendo conseguido dia após dia. Como se verifica nestas aulas, o papel de Rita é
fundamental na chamada de atenção dos alunos para os aspectos mais importantes, na
gestão e orientação do trabalho e do tempo, na ajuda aos alunos quando estes não
conseguem justificar as suas ideias e na ajuda os alunos a cuidar as suas apresentações e
a fazer melhor numa próxima oportunidade.
É um início de um potencial modo de estar na sala aula de Matemática.
Mais enriquecedor, mais contributivo para o conhecimento e para o
desenvolvimento do conhecimento (…) perceber que podem participar
voluntariamente e fazerem parte integrante do desenvolvimento da
actividade de sala de aula de Matemática. Não é o professor que está a
fazer as explicações. São os próprios alunos que estão a explicar os seus
processos de raciocínio e as suas estratégias. O professor está aqui apenas
a moderar, digamos assim. (ST8, p. 1)
Esta dinâmica de aula contribui igualmente para a autonomia e espírito crítico
dos alunos pois, ao perceberem que podem resolver uma questão matemática de várias
formas tornam-se mais auto-suficientes e desenvolvem a capacidade de opinar sobre
outras ideias, convergentes ou não com a sua. Rita abre espaço, na sua aula, para ouvir
os alunos, para que eles se ouçam uns aos outros e possam comentar os assuntos em
debate, o que pode levar os alunos a desenvolver uma atitude menos derrotista, ou seja,
perante uma resolução diferente considerar que a sua, por ser diferente, está errada. A
não validação imediata das respostas dos alunos pode também contribuir para esta
mudança de atitude, pois, quando ocorre, dá oportunidade aos alunos de pensar sobre a
ideia em debate assim como lhes permite “acreditar mais naquilo que estão a fazer…
Assim melhoram a sua intervenção e o envolvimento no processo e construção do seu
conhecimento” (ST8, p. 1).
O uso da estratégia discursiva expansão, que consiste em repetir as ideias dos
alunos incrementadas de informação matemática relevante, é fundamental na
compreensão da matéria em discussão. Em particular, no que concerne ao uso de
unidades de medida adequadas quando os alunos se referem a medidas de comprimento,
perímetro ou área. Rita salienta considerar muito interessante e até profundo quando
uma aluna refere que não se pode multiplicar centímetros por decímetros porque depois
não fica um nem o outro. Não fica nada! O que se verifica é que gradualmente os alunos
138
vão conseguindo chegar às conclusões esperadas para esta aula porque pensam
exactamente neste assunto com o cuidado de não misturar medidas de comprimento
com medidas de área. Aliás essa é uma das aprendizagens que os próprios alunos
referem ter conseguido fazer.
Reflectimos sobre o momento da aula em que se conclui que a razão de
semelhança é igual à razão dos perímetros. Parece que foi rápido e que foi a professora
que retira essa conclusão e não os alunos. De facto, Rita verifica que na aula “a maioria
dos alunos está convencida desta relação e deste modo não senti necessidade de a
discutir mais” (ST8, p. 4). O mesmo já não acontece quando é preciso levar os alunos a
compreender a relação entre as unidades de medida de área. Esta demonstração é a
“possível para alunos desta idade” e consideramos que foi esclarecedora da razão de se
terem de “passar” duas casas de casa vez.
“Quando o professor questiona e os alunos e estes não respondem o que pode ele
fazer?” (ST8, p. 5). Esta questão prendeu a nossa atenção durante algum tempo
enquanto discutíamos sobre esta aula. De facto, se os alunos não respondem,
provavelmente, ou não compreendem a questão ou não sabem como formular a
resposta. Assim, pensamos que cabe ao professor tomar a iniciativa e de acordo com a
situação decidir se lança novamente o desafio à turma, se os ajuda a apresentar as suas
ideias ou se simplesmente toma a sua posição de representante da comunidade
matemática e lhes explica o que parece não entenderem.
Quanto ao facto da professora, na discussão que leva à determinação da razão
das áreas, aceitar a resposta 6 000 000, que naquele contexto está incorrecta, merece da
nossa parte o comentário: “É de evitar! Mas por vezes isto pode acontecer. E quando
não percebemos, podemos induzir os alunos em erro ou levar os alunos a formular
raciocínios não válidos” (ST8, p. 6).
Notamos que nas situações em que a resolução conduz ao mesmo resultado não
se manifestam desacordos, mas pedidos de esclarecimento. Há estratégias diferentes
mas com resultados iguais pelo que consideramos que “se houvesse um resultado
diferente alguns alunos questionavam o processo” (ST10, p. 2). Essa situação ocorre
noutra aula em que perante uma diversidade de estratégias não surgem situações de
desacordo porque estão todas correctas, embora haja lugar a apresentação de
argumentos de validade, mas quando surge uma resposta errada, de Sara, alguns alunos
manifestam discordar da opinião da colega.
139
De um modo geral, Rita promove a apresentação integral dos raciocínios
procurando não intervir, gere as participações dos restantes alunos e promove a
interacção dos alunos, quer pelo incentivo ao questionamento aos colegas, quer pela
indicação do modo como devem proceder antes e durante a sua intervenção.
Embora a argumentação não esteja sempre presente, a criação de um contexto
em que os alunos sentem que “são parte integrante do processo de aprendizagem” é
importante para os “convencer de que todos eles têm um papel rico e importante na sala
de aula” e também contribui para contrariar “o preconceito que alguns alunos revelam,
de que é o professor que tem de explicar” (ST8, p. 2). Os alunos sabem explicar!
Podemos provocar episódios de argumentação? Têm de surgir sempre e em
todas as aulas? Ou devemos estar atentos e no momento oportuno, colocar os alunos a
discutir determinada ideia, ou pedir justificações que os conduzam à apresentação de
razões (matemáticas) que a fundamentem (ST8, p. 4)? Os momentos mais oportunos,
uma das dificuldades assumidas por Rita durante este projecto, parecem ser os que
ocorrem quando há erros, respostas diferentes ou processos incorrectos. Podem surgir
como divergências, desacordos ou meros pedido de esclarecimento, que pareceram ser
as situações que mais contribuíram para a discussão de ideias e para a apresentação de
argumentos de validade ou de refutação. Perante o desacordo, será oportuno o professor
promover a participação dos alunos e fomentar a apresentação de razões pelas quais os
alunos fundamentam as suas ideias e convencem os outros da razão da sua afirmação.
Explicar e justificar não é a mesma coisa. Consideramos que um aluno pode
explicar um processo sem nunca referir uma razão que permita a partir dos dados chegar
à conclusão. Justificar é apresentar razões, argumentos que fundamentem determinada
acção matemática. É aquilo que permite aprovar ou refutar uma ideia. Nestas aulas
nota-se uma evolução quanto à acção da professora e ao modo de participar dos alunos.
Rita sente-se mais confiante e aposta mais no contributo dos alunos, dando-lhes a
palavra muitas vezes, permitindo-lhes que terminem os seus raciocínios, pedindo
justificações e fomentando a discussão destes. Assim, incrementa a sua capacidade de
fomentar e sustentar a argumentação e promove esta actividade na sala de aula como
parte integrante de uma prática lectiva que aposta na aprendizagem da Matemática com
qualidade.