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55 Capítulo 4 Argumentar nas aulas de Rita Neste capítulo apresento os resultados do estudo, tendo em atenção os aspectos mais relevantes das aulas de Rita, no que concerne à promoção da argumentação na prática lectiva, dificuldades sentidas e estratégias adoptadas para as superar e o contributo do trabalho em colaboração para o desenvolvimento profissional da professora neste domínio. Aulas 1 e 2: Quadrado de um número terminado em 5 Aula 1 21.Out.08 Preparação da aula Para esta aula elaborámos a tarefa Quadrados de números terminados em 5 (Anexo 4), dado querermos propor uma tarefa sobre potências de expoente natural no 7.º ano de escolaridade. Procurámos uma tarefa de investigação ou de exploração, tendo a ideia surgido de uma questão do manual dos alunos, a qual sofreu alterações resultantes de alguma discussão da nossa parte. Discutimos sobre: (i) a formulação do enunciado, de modo a ser uma tarefa de investigação, (ii) a tabela da questão 1a) ter início em 5 ou num número maior e (iii) a estrutura da tarefa. A tarefa é constituída por três questões. Com a primeira questão, 1a), pretendemos que, com recurso à calculadora, os alunos completem a tabela dos quadrados de números “terminados” em 5. Com a segunda questão, 1b), esperamos que, por observação e experimentação, os alunos descubram regularidades, elaborem algumas conjecturas e escrevam uma regra. Com a terceira questão, 1c), pretendemos

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Capítulo 4

Argumentar nas aulas de Rita

Neste capítulo apresento os resultados do estudo, tendo em atenção os aspectos

mais relevantes das aulas de Rita, no que concerne à promoção da argumentação na

prática lectiva, dificuldades sentidas e estratégias adoptadas para as superar e o

contributo do trabalho em colaboração para o desenvolvimento profissional da

professora neste domínio.

Aulas 1 e 2: Quadrado de um número terminado em 5

Aula 1 – 21.Out.08

Preparação da aula

Para esta aula elaborámos a tarefa Quadrados de números terminados em 5

(Anexo 4), dado querermos propor uma tarefa sobre potências de expoente natural no

7.º ano de escolaridade. Procurámos uma tarefa de investigação ou de exploração, tendo

a ideia surgido de uma questão do manual dos alunos, a qual sofreu alterações

resultantes de alguma discussão da nossa parte. Discutimos sobre: (i) a formulação do

enunciado, de modo a ser uma tarefa de investigação, (ii) a tabela da questão 1a) ter

início em 5 ou num número maior e (iii) a estrutura da tarefa.

A tarefa é constituída por três questões. Com a primeira questão, 1a),

pretendemos que, com recurso à calculadora, os alunos completem a tabela dos

quadrados de números “terminados” em 5. Com a segunda questão, 1b), esperamos que,

por observação e experimentação, os alunos descubram regularidades, elaborem

algumas conjecturas e escrevam uma regra. Com a terceira questão, 1c), pretendemos

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que os alunos generalizem a regra a que chegaram e que a validem para qualquer

número terminado em 5.

Sendo os alunos do 7.º ano, não esperamos que cheguem a uma demonstração

formal, mas que encontrem justificações que os convençam que, de facto, a regra é

válida para todos os números terminados em 5. Consideramos que a resolução desta

tarefa, sobre regularidades numéricas, pode contribuir para o desenvolvimento da

capacidade de usar estratégias, formular e validar conjecturas e discutir resultados pela

apresentação de argumentos como defesa de raciocínios. Deste modo pensamos

promover o desenvolvimento das capacidades de Raciocínio e Comunicação.

Na tentativa de antever o trabalho dos alunos resolvemos a tarefa e identificamos

possíveis dificuldades e modos de resolução. Discutimos sobre a utilização da

calculadora, se durante toda a actividade ou apenas no final para números grandes,

sobre a pertinência de se realizar uma pausa na actividade dos alunos, entre questões,

para discutir resultados e sobre as diferentes estratégias que eles podem usar, para

formular uma relação entre os números. Abordamos ainda a capacidade dos alunos em

justificar e validar conjecturas e o modo como a professora os pode levar a fazê-lo.

Esperamos que, no processo de validação da regra, os alunos recorram à

generalização, isto é, provam a validade para muitos números e concluem que serve

para todos. A acção de Rita na gestão das participações dos alunos, a promoção da

argumentação e a moderação das contribuições dos alunos, são também aspectos

considerados na preparação desta aula. Na nossa discussão durante a exploração da

tarefa encontram-se afirmações como: Agora que conjecturas é que eles poderão fazer a

partir daqui?, Como é que eles provam e justificam os seus raciocínios? e Como é que

eles vão demonstrar isso?! (ST2, pp. 2-3).

Desenvolvimento da aula

A tarefa é resolvida no dia 21 de Outubro de 2008 e novamente abordada no dia

4 de Novembro de 2008. A aula tem três momentos distintos. O primeiro refere-se aos

acontecimentos antes da resolução da tarefa, o segundo refere-se à resolução da tarefa e

o terceiro respeita à apresentação e discussão colectiva das resoluções dos alunos.

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1.ª Parte da aula

A aula inicia-se com a entrada na sala e com a gestão de algumas entradas

tardias. Seguidamente, Rita regista o sumário no quadro e indica as suas expectativas

quanto ao modo como pode decorrer a actividade. Segue-se a formação de pares de

trabalho, processo nem sempre bem aceite, como refere a professora na sessão de

trabalho de análise desta aula:

Eu achei que a Mafalda não queria ir para ao pé do colega com quem

inicialmente estava. [É] que a Mafalda é uma das meninas que é rejeitada

na turma e preferiu ficar ao pé da Maria e eu cedi e pus o Gonçalo com o

João. (ST3, p. 1)

Entretanto chegou a Patrícia que teve de ficar sozinha, porque é número

ímpar [o número de alunos na turma]. Ainda pensei pô-la a trabalhar com

o par que estava lá atrás mas eu acho que eles não trabalham bem mais

do que dois. E essa Patrícia é uma menina assim com uma atitude pouco

correcta, nem sempre é amiga dos colegas. (ST3, p. 1)

É distribuído um enunciado da tarefa a cada aluno, realizada a leitura das

questões e são esclarecidas dúvidas pontuais. Os alunos são informados que têm 40

minutos para resolver a tarefa.

2.ª Parte da aula

Uma das primeiras preocupações de Rita é o esclarecimento do significado de x2,

pois, segundo diz, os alunos “não têm conhecimentos de expressões com variáveis”

(DB, p. 6). Refere ainda não ter abordado este assunto com os alunos, pelo que este

esclarecimento é uma forma de evitar algumas dificuldades:

Tive necessidade de fazer isso porque como era uma expressão com

letras e como eles não, penso eu, nunca tinham trabalhado esse conceito e

tive necessidade de explicar o que é que significava (…) Inicialmente o

x2 saiu logo como o quadrado do x porque também tem a ver com eles

estarem a dar essa matéria. Por isso é que eu não quis avançar muito,

para a raiz cúbica. (ST3, p. 2)

Rita sente também que os alunos revelam alguma dificuldade na compreensão

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do significado da palavra regra. Na sua reflexão escrita, refere que:

Os alunos não compreenderam o que lhes era solicitado, ou seja, parece

não terem percebido “o que era uma regra”. Neste momento, e dado que

as perguntas nos vários pares eram as mesmas, achei que deveria pedir

uma pausa na actividade dos alunos e fazer um esclarecimento geral à

turma sobre aquilo que se pretendia nessa alínea b). (RR 2, p. 1)

Rita tenta mostrar aos alunos a importância de saberem o significado de regra e

acrescenta que uma regra é “sem termos que utilizar a calculadora facilmente

conseguirmos chegar ao resultado do quadrado de qualquer número nessas condições”

(RR2, p. 1).

Ultrapassadas as dificuldades iniciais, os alunos enveredam na resolução da

ficha de trabalho. Alguns resolvem a tarefa quase sem solicitar a presença de Rita,

enquanto outros, mais inseguros, solicitam a sua presença, constantemente. A professora

acompanha prioritariamente os grupos que requerem ajuda e justifica esta opção pelo

facto de ser “aí que em princípio teriam mais dúvidas” (ST3, p. 3) e também porque

pretende igualmente dar alguma autonomia aos alunos, enquanto trabalham com os seus

pares.

Durante a actividade nota-se que, mesmo quando incentivados a registar os seus

resultados, os alunos respondem: Mas nós já sabemos. É preciso escrever? Perante esta

situação, surge a questão de saber qual pode ser a estratégia do professor. Por considerar

ser necessário que os alunos “escrevam tudo o que pensaram, de uma forma organizada

e estruturada para depois poderem apresentar e explicar à turma” (RR2, p. 2), Rita

refere a seguinte estratégia para tentar contornar este problema:

Tentar fazer mais coisas destas [aulas com discussão] de modo a que os

alunos se convençam de que há necessidade, que é uma mais-valia para

as suas aprendizagens transcrever para o papel ou para o quadro ou (…)

portanto sistematizar as suas ideias. (ST3, p. 4)

Porém, outra questão se levanta relativa aos registos dos alunos. A análise das

resoluções registadas nas fichas de trabalho permite verificar que os alunos apagam

constantemente o que escreveram, quer seja por considerar que a sua resolução não está

correcta quer por falta de segurança nas suas respostas. Rita, quanto a este assunto, é

peremptória: “Eu vou ter que lhes dar instruções muito claras nas próximas tarefas de

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que não podem apagar nada!” (ST3, p. 7). Refere que, na aula, verificar que um dos

seus alunos “tinha apagado uma estratégia diferente foi um momento que (me)

entristeceu bastante (ST3, p. 5).

Dada a agitação dos alunos, pois alguns chegam rapidamente às primeiras

conclusões, embora ainda desconheçam se são válidas ou não, Rita refere ter sentido

duas coisas distintas. Por um lado, “já que eu não lhes validava totalmente os seus

raciocínios, pareceu-me que precisavam de partilhar com outros colegas aquilo que

tinham feito e escrito” (RR2, p. 2). Por outro lado, “esta ideia de olhar para outras

resoluções não foi muito boa, porque alguns alunos tinham registos, que até poderiam

ser interessantes e apagavam-nos. Perderam tempo e não conseguiram fazer a alínea c)”

(RR2, p. 2).

Durante o acompanhamento dos grupos, Rita adopta uma postura essencialmente

questionadora, dos resultados e processos usados pelos alunos, e orientadora dos seus

raciocínios, tendo em vista o objectivo central da actividade – a regra de formação do

quadrado de um número que termina em 5. É de salientar que, nesta primeira aula, o

pedido de explicação e justificação de ideias é efectuado principalmente pela professora.

Os alunos não estão habituados a questionar, a responder ou a validar as questões

formuladas pelos colegas e não consideram ser esse o seu papel na sala de aula. Por não

compreenderem que esta actividade é inerente ao processo de construção do

conhecimento matemático, é necessário iniciá-los nesta prática.

3.ª Parte da aula

A terceira parte da aula inicia-se quando Rita percebe que está a exceder o

tempo previsto para o desenvolvimento da tarefa. Como refere, “olhei para o relógio

(…) senti a necessidade de ter de ser naquele momento, porque senão não tinha tempo”

(ST3, p. 6). Consciente do trabalho desenvolvido pelos alunos até ao momento, opta por

dar início à apresentação e discussão de resultados:

Embora eu tivesse a percepção de que quase todos já tinham concluído a

tarefa, pelo menos a alínea a e a b. Em relação à alínea c era uma questão

de nós confirmarmos depois com aquele conjunto de números, não é? E

de intervalos, por filas. [Refere-se aos intervalos que registou no quadro

para que os alunos escolhessem um número terminado em 5], para

validarmos, digamos assim a regra. Mas eu apercebi-me que a grande

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maioria já tinha terminado, já tinham chegado a uma regra. Embora não

estivessem a conseguir escrevê-la. (ST3, p. 6)

Durante a apresentação e discussão dos resultados dos alunos, ocorrem dois

momentos relevantes – episódio 1 e episódio 2 – do ponto de vista argumentativo, no

que concerne à construção da regra acima referida.

Episódio 1 - A esta frase todos chegaram!

Rita pede a um aluno, Filipe, que apresente a conclusão a que chegou juntamente

com o seu par, Maria, relativamente à resolução das questões 1a) e 1b). Antes disso,

porém, chama a atenção de toda a turma para o momento que se vai seguir e salienta a

importância dos alunos ouvirem com atenção as explicações dos colegas, no sentido de

poderem participar.

O aluno dirige-se ao quadro, desenha a tabela e completa-a, de acordo com o que

tem registado na sua ficha de trabalho (Figura 4.1.):

Figura 4.1. Registo da resolução da questão 1a) da Tarefa 1 na ficha de trabalho de Filipe

De seguida, Rita pede ao aluno que apresente a sua conclusão relativa à questão 1b):

Professora: Filipe, olhando para a tabela o que é que vocês conseguiram

escrever em primeiro lugar?

Filipe: Nós escrevemos que o quadrado de um número terminado em 5,

25, 35, 45, 55, 65, 75, 85, 95 e 105, acaba sempre em 5.

Professora: Acaba sempre em 5. Ou seja, o quadrado… Vê lá se

podemos resumir essa frase? O quadrado de um número terminado

em 5, porque são estes [aponta para a tabela], acabam sempre em 5.

Todos concordaram ou todos chegaram a esta conclusão?

Turma: Sim.

O aluno enuncia a sua regra, a professora resume a frase, redizendo a ideia do

aluno, e questiona a turma sobre a sua validade. A questão da professora: “Todos

concordaram ou todos chegaram a esta conclusão?” torna o assunto passível de

discussão, pelo que se cria um contexto favorável à participação dos alunos que podem,

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se assim entenderem, expressar a sua opinião sobre o que acabam de ouvir.

Rita sabe que além deste par de alunos, Filipe e Maria, outros alunos têm,

também, esta conclusão - o quadrado de um número terminado em 5 termina sempre em

25. Assim, volta a questionar a turma.

Professora: Todos aceitam ou não, a conclusão que o Filipe e a Maria

fizeram. Todos os números terminados em 5 ao quadrado, acabam

em 5. [Um aluno manifesta ter algo a dizer]

Diz lá António!

António: Acabam em 25.

Note-se que, ao repetir a questão, Rita focaliza a atenção dos alunos no assunto

sobre o qual devem emitir a sua opinião. Além disso, a forma como a questão é

elaborada permite-lhes aceitar ou não a conclusão de Filipe, o que constitui novamente

um convite à participação. Este convite é aceite por António que, ao analisar

criticamente o conteúdo da regra enunciada por Filipe e a sua própria conclusão,

acrescenta “Acabam em 25”.

Rita, tem o cuidado de fazer com que os alunos compreendam que a observação

de António não é contrária à de Filipe, antes a complementa. Para se certificar disso

coloca uma questão de confirmação a toda a turma: “Se acabam em 25, acabam de

certeza em quanto?” A resposta dos alunos, “Em 25!”, dá-lhe a noção de que os alunos

compreendem a conclusão “Todos os quadrados de 5 terminam em 25”.

O registo, no quadro, da frase “O quadrado de todos os números terminados em

5 acaba em 25” procura sistematizar as ideias apresentadas e constitui a etapa que

encerra a validação da primeira parte da regra. Durante este registo, Rita nota alguma

dificuldade nos alunos em a verbalizar, pelo que os questiona no sentido da construção

conjunta da frase, que todos consideram agora ser válida:

Professora: Então e não podíamos suprimir este conjunto de números?

[refere-se aos números antes do 25 em cada resultado do quadrado]

Filipe: Sim.

Professora: Porque… Porquê? Porque é que podíamos suprimir este

conjunto de números? Diz Tatiana!

Tatiana: Porque todos acabam em 5.

Professora: Porque todos eles acabam em 5. Então bastava dizer o quê?

O quadrado…

António: … De todos os números terminados em 5 é, terminam em 25.

Professora: Terminam em 25. Diz o António. Será que podemos

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sustentar essa ideia? Sim? Então podemos escrever? O

quadrado… De quê? Vá uma frase.

(…)

Professora: Todos os números terminados em 5 terminam em… Em…

quanto António? Em 25. Já está! Pronto. Eu acho que a esta frase

todos chegaram.

A análise do momento de construção da frase, do ponto de vista argumentativo,

leva à identificação de uma questão referente ao pedido de justificação, feito pela

professora, relativo à validade de se considerar o conjunto de algarismos 25. Este

pedido é atendido por Tatiana que mostra ter compreendido a existência de uma relação

entre o algarismo 5, no número inicial, e o 25 no quadrado do mesmo, embora não

apresente uma razão explícita para esta relação. A validação da regra culmina na

observação da professora: “Eu acho que a esta frase todos chegaram”.

Episódio 2 - A estratégia de Ricardo

Após se ter registado no quadro a frase relativa à primeira parte da regra, Rita

questiona a turma sobre a existência de mais conclusões. Ricardo, um dos melhores

alunos da turma, pede para intervir e a professora dá-lhe a palavra. O aluno mostra-se

um pouco reticente em relação à sua conclusão e refere que a sua estratégia é difícil de

explicar. A professora incentiva-o a ir ao quadro explicar o seu raciocínio e chama a

atenção dos outros alunos para a apresentação do aluno. Finalmente, Ricardo explica o

seu raciocínio, com base na sua ficha de trabalho (Figura 4.2.).

Ricardo: A maneira mais fácil de descobrir os números é: este aqui está

a zero [ou seja 025 é o quadrado de 5], aqui aumentamos dois [ou

seja 225 que é o quadrado de 15] e este quatro [625 que é o

quadrado de 25, o 6 tem mais quatro que o 2 do 225], seis e oito e

dez e doze e catorze e dezasseis. Então a maneira que eu descobri

de descobrir o 95 e o 105 foi, deixar o 25...

Professora: Então escreves se não te importas.

Ricardo: Deixar o 25 no fim e somar a este 18, deu 90. [o aluno refere-se

ao 72 de 7225 que é o quadrado de 85, que adicionado de 18 dá

90].

Professora: Muito bem, então e para o 105?

Ricardo: Para o 105, deixei o 25, somei 22, não 20 e deu-me 110.

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Figura 4.2. Registo da resolução da questão 1b) da Tarefa 1 na ficha de trabalho de Ricardo

O raciocínio de Ricardo é, de facto, diferente da conclusão anterior relativa à

segunda parte da regra. Conhecedora deste facto, a professora pede-lhe que enuncie uma

regra, o que consiste numa tarefa difícil para o aluno. Também a professora sente

alguma dificuldade em verbalizar a regra do aluno quando o desafia a experimentá-la

num número superior. O seu objectivo é levar Ricardo a pensar na sua conjectura de

modo a que o aluno possa avaliar a sua validade e formule uma regra:

Professora: Então qual é a regra à qual tu chegaste Ricardo?

Ricardo: Como os números acabam todos em 25 e andam de 10 em 10…

São múltiplos de 5… Duas vezes, portanto, vai ser de 20 em 20.

Professora: Pronto, então imaginemos que eu não tinha o 110 [refere-se

ao 110 de 110|25 que corresponde ao quadrado de 105], porque é

10 mais…não é?! Porque são números terminados em 5

consecutivos, mas tinha … este número [a professora escreve

225].

Ricardo: Então fazemos o 25.

Professora: Fazemos o 25 porque até aqui todos chegaram à conclusão

que terminava em 25.

Ricardo: E tinha de ver quantas vezes andava o 225 para a frente de

105…

Professora: Então e quantas vezes anda o 225 para a frente em relação

ao 105?

Ricardo: É pá!

Professora: Pois! Será…

Quando Ricardo enuncia a sua regra, que não é clara, Rita não questiona a turma

sobre a sua validade mas opta por conduzir o aluno à reflexão sobre o modo como, pela

sua conjectura, consegue determinar o quadrado de um número terminado em 5. Ao

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colocar a questão: E quantas vezes anda o 225 para a frente em relação ao 105?, a

professora pretende que Ricardo compreenda que é necessário proceder a todos os

cálculos entre 1052 e 225

2, o que o leva a exclamar “É pá!” Aparentemente, nesse

momento, o aluno percebe que a sua conjectura se torna de difícil execução quando os

números não são seguidos, isto é, quando não são números terminados em 5

consecutivos, embora não se tenha efectuado um registo desta percepção. Verifica-se no

entanto que, durante este diálogo, a conclusão anterior – o quadrado de um número

terminado em 5 termina em 25 – é usada como conhecimento matemático válido e

aceite pelos alunos.

Esta discussão, entre a professora e o aluno, é seguida atentamente por Carolina.

Esta aluna parece entender que Ricardo não consegue aplicar a sua regra a qualquer

número, sem ter o anterior. No entanto, quando a professora fomenta a discussão entre

estes alunos Carolina apresenta uma razão, diferente daquela que a professora espera.

Carolina: Não era fácil, precisávamos…

Professora: Olha, olha o que diz a Carolina! [diz para o Ricardo]

Carolina: Porque se fosse um número mesmo esse [refere-se ao 225] ou

maior que esse precisávamos de máquina para descobrir.

Professora: Será que é assim tão simples, Ricardo?

Ricardo: Se calhar não!

Professora: Pois.

Ao chamar a atenção de Ricardo para o que diz Carolina, e ao permitir que a

aluna opine sobre a discussão em curso, a professora tenta criar condições para que os

alunos discutam. O assunto – a conjectura de Ricardo – passa a ser discutível, porém, a

razão apresentada por Carolina – precisávamos da máquina para descobrir – que parece

refutar a ideia do aluno não é debatida, do ponto de vista argumentativo. Por este facto e

pelas observações: Será que é assim tão simples Ricardo? e Pois, proferidas pela

professora, a tentativa de colocar os alunos a discutir resulta infrutífera. Com a última

observação, Rita encerra o debate sobre a conjectura de Ricardo, sem que se conclua

sobre a sua validade ou se apresentem argumentos que a sustentem.

Reflexão

Ao observar o registo desta aula verificamos que não existem momentos de

argumentação relevantes. De facto, se considerarmos a argumentação como meio de

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resolver desacordos pela apresentação de razões, esta aula não se caracteriza por ter uma

dinâmica argumentativa. Reflectir sobre esta situação levou-nos à identificação de

algumas razões:

Os alunos quando vão ao quadro apresentar os seus resultados fazem-no

de costas viradas para a turma, normalmente falam apenas para a

professora, num tom baixo e quando terminam de escrever a sua

resolução consideram que terminou a apresentação;

Mesmo quando incentivados explicar e justificar as suas ideias, os alunos

não revelam à vontade em fazê-lo com os outros alunos e por vezes não

sabem como justificar, revelando algumas dúvidas entre apresentação,

explicação e justificação de ideias.

Quanto ao papel da professora na promoção de um discurso

argumentativo, encontramos situações reveladoras de falta de pedidos de

justificação, por parte de Rita e falta de discussão sobre as respostas dos

alunos.

No entanto, há outros aspectos relativos à criação de contextos promotores da

argumentação na sala de aula e ao discurso argumentativo que estão presentes nesta

primeira aula. Identificamos situações em que é feito o convite à apresentação e

explicação de ideias, conjecturas ou conclusões, por parte dos alunos ou o incentivo à

participação, que Rita lhes dirige, embora nem sempre atendido por estes.

Consideramos que outras acções como chamar a atenção dos alunos para que ouçam o

que está a ser apresentado ou pedir aos que apresentam as suas ideias que as registem no

quadro, de modo a todos as poderem observar, também criam oportunidades à

emergência de argumentação. Porém, não houve desacordos. Assim sendo, esta aula

contém elementos do plano da criação de condições à emergência de um discurso

argumentativo – plano pragmático – mas não contém situações que caracterizam os

planos argumentativo ou epistémico.

O tipo de questões, o momento em que são feitas e o seu conteúdo foi outro

aspecto que considerámos interessante ponderar e analisar. Por exemplo, sobre a

questão, Todos concordam ou todos chegaram a esta conclusão? Rita refere que devia

ter perguntado: Qual é a vossa opinião sobre o que o colega acaba de dizer? Considera

que esta última questão convida à participação com emissão de opinião pois, para

responder, os alunos têm de pensar no que o colega disse, de modo a compreender o seu

ponto de vista. A questão colocada aos alunos não convida a uma manifestação de

opinião, crítica ou discórdia. Isso verifica-se na resposta dada pelos alunos, Sim. Além

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disso, a palavra “concorda”, na nossa opinião, transmite aos alunos, a convicção de que

o professor está de acordo com a ideia apresentada.

A propósito da conjectura de Ricardo, Rita refere que esta ideia “precisava de

ser explorada” (ST3, p. 7). Ao analisar a exploração da conjectura do aluno, durante a

aula, concluímos que se pode ter perdido um bom momento de discussão mas não está

perdida a oportunidade de voltar a discutir esta estratégia.

Agora já é clara para mim. Um dia destes, quando der as potências de

números racionais vou pegar nesta conjectura do Ricardo e explorá-la até

à expressão geradora, que, tirando os 25, é n(n+1), o que se traduz na

multiplicação do número pelo seu consecutivo. Regra a que se chegou.

De facto, estamos sempre a aprender! (RR 6, p. 1)

Aula 2 – 04.Nov.08

Depois de analisarmos a aula anterior consideramos existirem aspectos que

queremos abordar com os alunos. Assim, preparamos uma segunda aula, ainda sobre a

mesma tarefa.

Preparação da aula

Elaboramos um PowerPoint (Anexo 5) constituído por três partes. A primeira

aborda o significado do termo regra, a segunda contém algumas produções dos alunos

relativas à questão 1b) e a terceira refere-se à questão 1c) e a um contra-exemplo,

apresentado por António, na aula anterior.

Ao pensarmos no modo de promover a discussão sobre o termo regra,

constatamos que, inicialmente, o assumimos como uma lei de formação ou termo geral,

que os alunos compreendem e relacionam com “uma regularidade que é o 25 e não só,

[conseguem ver] que há outra regularidade” (ST2, p. 1). Ao visualizar as imagens da

aula anterior notamos que os alunos não associam a regra à relação entre o número

inicial e o seu quadrado, pelo que consideramos pertinente promover um debate sobre

este assunto. Como suporte temos o Diapositivo 2, onde incluímos afirmações

proferidas na aula anterior pelos alunos e pela professora e, na última frase, colocamos a

nossa interpretação do termo regra. Tomamos esta opção porque:

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[Consideramos] interessantíssimo que eles percebam que existe uma

relação, tem a ver com a relação entre os números. Existe uma relação

entre o número produto e o número original. O final, o resultado, termina

sempre em 25 porque temos o 5 ao quadrado e o restante se obtém (…)

pelo produto de outros números. (ST2, p. 2)

Debatemos a situação da regra servir para simplificar os cálculos e concluímos

que depende da situação, uma vez que, para 10052 a sua aplicação é simples, mas para

36752 é mais prático recorrer à calculadora para efectuar 367 vezes 368. Parece-nos que

alguns alunos associam a existência da regra à impossibilidade de recorrer à

calculadora, uma vez que esta é a razão que Carolina evoca para rejeitar a conjectura de

Ricardo (Episódio 2), pelo que consideramos importante voltar a abordar este assunto.

Ao pensarmos na acção de Rita na promoção da justificação de raciocínios

durante a última aula, concluímos que este objectivo ainda não foi atingido, como

pretendemos. A professora reflecte sobre o seu papel e refere:

Como professora talvez não devesse estar preocupada com o pouco

tempo que faltava para terminar a aula, mas sim em promover a

discussão, a crítica e a comunicação entre os alunos. O produto do

trabalho daquele par de alunos [Ricardo e Paula] precisava de ser mais

explorado e discutido com a turma. Estava a tentar que todos os pares

cujos trabalhos mereciam, na minha opinião, serem apresentados

tivessem oportunidade de o fazer. Contudo o tempo passou e a tarefa não

ficou concluída. (RR2, p. 2)

Por isso, com suporte nos diapositivos 3, 4, 5 e 6 do PowerPoint, pretendemos

promover a discussão sobre as estratégias de alguns alunos, algumas já apresentadas na

aula anterior.

A questão de António sobre a não validade da regra para o número 0,5555552

leva Rita a “utilizar a aula de ITIC do dia seguinte para [com recurso ao] (…) Excel,

explorar esta situação” (RR2, p. 3). Na disciplina de ITIC estão presentes apenas metade

dos alunos da turma pelo que a professora considera pertinente apresentar os resultados

da exploração realizada com o Excel a toda a turma – Diapositivo 7. O seu objectivo é

levar os alunos a pensar no contra-exemplo de António, a discutir a sua validade, a

reflectir sobre o modo como este contra-exemplo foi refutado e a concluir sobre a

validade da regra, para qualquer número terminado em 5, isto é, sobre a sua

generalização.

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Desenvolvimento da aula

Rita efectua uma breve revisão da actividade de 21 de Outubro e relembra as

principais conclusões dessa aula. Refere que os resultados apresentados “não foram

totalmente discutidos” e que falta discutir o contra-exemplo apresentado por António,

segundo o qual “nem todos os [quadrados dos] números terminados em 5 acabam em

25”, pelo que, nesta aula, têm de “chegar a uma conclusão” (TA2, p. 1). Distribui as

fichas de trabalho e informa que alguns alunos têm a responsabilidade de voltar a

apresentar, explicar e esclarecer os seus raciocínios. Antes de mostrar os diapositivos,

refere o que espera da participação dos alunos na aula:

É uma discussão em grande grupo em que todos vão ter de participar, e

para participar é preciso ouvir os outros, é preciso ouvir muito bem e

pensar sobre aquilo que os outros estão a explicar. (TA2, p. 1)

1.ª Parte da aula

Rita propõe aos alunos que digam o que entendem por regra mas só alguns

apresentam a sua ideia. Desta discussão, pouco participada, retira-se que a ideia inicial

dos alunos não valoriza a existência de uma relação entre um número terminado em 5 e

o seu quadrado.

Figura 4.3. Diapositivo 2 do PowerPoint

Professora: Qual é a ideia com que ficaram de regra? Diz lá Ricardo.

Ricardo: É uma forma mais fácil de nós realizarmos alguns cálculos que

sejam maiores (…) É uma forma de nós calcularmos operações

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mais difíceis com… Outras operações mais fáceis.

Professora: O que é que acham da definição que o Ricardo deu acerca da

regra?

Carolina: Acho que está certo.

Professora: Acha que está certo? Mais ninguém? Paulo! Guilherme!

Sónia: É uma forma de efectuarmos alguns cálculos que têm factores em

comum.

Professora: Têm factores em comum. O que é isso de factores em

comum?

Sónia: Por exemplo, isto aqui é para calcular a regra dos números

acabados em 5.

Professora: Exactamente. Isto aqui é para calcular números terminados

em 5. Esses factores comuns serão o quê entre números?

[silêncio]

Ricardo: Números em comum.

Professora: Com números em comum?

Ricardo: … Algarismos…

Professora: Algarismos. Então? Não serão relações entre os números?

Lembram-se como é que calculavam o quadrado de 25, por

exemplo?

António: 25 x 25

Professora: 25 x 25, sim. Mas utilizando esta regra, como é que se

calculava o quadrado de 25?

Afonso: 25 ao quadrado.

Professora: Sim, mas isso não é aplicando a regra que nós

estabelecemos na última aula.

Paulo: Fazemos 3x2 dá 6.

Professora: Espera… 3 x 2 dá 6 e…?

Paulo: 5 x 5 dá 25. Fica 625.

Professora: Fica 625, era isto? Lembram-se?

António: Sim.

A discussão sobre a regra dura 13 minutos, sendo o excerto acima apresentado

apenas uma pequena parte. Esta discussão contribui para o esclarecimento e

compreensão da ligação entre o conceito de regra e a relação entre os números em

questão. Embora não contenha situações de argumentação entre alunos, não deixa de ser

relevante assinalar o modo como Rita actua. A professora tenta levar os alunos a

identificarem-se com as afirmações presentes no Diapositivo 2 (Figura 4.3.), evita dar

respostas com juízos de valor e, sempre que possível, pede-lhes que validem as suas

ideias. Usa as seguintes estratégias para fomentar e sustentar a discussão: (i) pedido de

opinião à turma sobre a ideia de um colega – O que é que acham da definição que o

Ricardo deu acerca da regra? (ii) pedido de esclarecimento – O que é isso de factores

em comum? e (iii) repetição das afirmações dos alunos – Isto aqui é para calcular

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números terminados em 5…. A propósito desta última estratégia, refere que a considera

necessária embora preferisse não ter de a usar:

Julgo que não deveria ter repetido ou redito as frases dos alunos, mas

apenas feito perguntas. Contudo, este redizer e a necessidade que senti

em o fazer é devido ao facto dos alunos falarem muito baixo e nem todos

ouvirem os diálogos. (ST13, p. 1)

2.ª Parte da aula

Para Rita, esta aula constitui mais um desafio à capacidade de promover

discussões pela apresentação de argumentos que justifiquem diferentes raciocínios.

Assim, pede a Sara que junto do quadro interactivo, onde se encontra projectado o

Diapositivo 3, explique o seu raciocínio. Refere ainda que vai “lá para trás” para que a

aluna fale virada para os colegas pois, da análise do registo da aula anterior, percebe que

a sua presença junto do aluno que está explicar faz com que este fale baixo e apenas

para si.

Episódio 3 – O que é isso do número acima?

Sara explica à turma junto do quadro interactivo, onde se encontra projectado o

Diapositivo 3 (Figura 4.4.) o modo como ela e Maria construíram a regra. A certo

momento Rita pede-lhe que explique melhor a ideia do “número acima”.

Figura 4.4. Diapositivo 3 do PowerPoint

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Professora: Então explique lá o seu raciocínio.

Sara: Então nós aqui fizemos o 1 a multiplicar pelo 2.

Professora: O 1 a multiplicar pelo 2. Mas tens de falar mais alto senão

não se ouve.

Sara: Depois fizemos 5 x 5 que deu 25.

Professora: Sim.

Sara: Depois o 2 vem para aqui [para antes do 25] e fez 225.

Professora: E fez 225.

Sara: Depois, neste aqui, fizemos 2 x 3, que é o número acima, que deu

6. Depois…

Professora: Ó Sara, és capaz de explicar o que é isso do número acima?

[Sara não responde e olha para a sua ficha. Ricardo pede para falar]

Professora: Diz lá Ricardo! Fala para ela!

Ricardo: Multiplica-se pelo número acima porque o 5 já está na outra

metade do… Duma recta, digamos assim, não é setora?

Professora: Na outra metade de uma…?

Ricardo: Como se fosse uma recta de 0 a 10, depois o 5… Aumentamos

um para cima, como nos arredondamentos.

Professora: Será isso? Como nos arredondamentos? Será que o 5

multiplica pelo 6 porque o 6 está acima do 5, nos

arredondamentos?

[silêncio]

Ricardo: Foi uma ideia, setora!

Professora: Claro que foi uma ideia! E foi uma ideia pertinente. A Sara

tem que responder! Foi isso que pensou?

Sara: Eu acho que foi quando estávamos a preencher a tabela é que

fizemos isso.

Professora: Quando estavam a preencher a tabela é que compreenderam

o quê?

Sara: Que era sempre o número acima.

Professora: O número imediatamente a seguir. Então foi por… Porquê?

Porque olharam para a tabela. Porque viram…

Sara: Porque quando fizemos a tabela, fizemos com a calculadora.

Professora: Sim.

Sara: Depois estivemos a ver coisas que podiam ter em comum, para

fazer uma regra, e percebemos que era sempre um número acima.

Esta discussão revela o modo como a professora tenta levar os alunos a

apresentar e discutir as suas ideias e argumentos. Rita cria condições para que a

argumentação ocorra pois pede aos alunos que falem de modo a que os restantes ouçam,

fomenta a troca de ideias, pede justificações e promove a reflexão sobre as mesmas,

assumindo o papel de moderadora da discussão. Ao sugerir a Ricardo que apresente a

sua justificação a Sara, a professora proporciona-lhes a possibilidade de debater o

assunto. No entanto, o argumento do aluno não constitui um bom suporte para a

validade da conjectura de Sara. Ele faz uma analogia entre o produto pelo número

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consecutivo e a regra dos arredondamentos, o que se conclui não se aplicar à situação

em questão. Rita, sem emitir a sua opinião sobre a validade deste argumento remete a

questão à turma, efectuando uma pergunta em que focaliza o assunto em debate – Será

que o 5 multiplica pelo 6 porque o 6 está acima do 5, nos arredondamentos?” Pretende

sustentar este momento de argumentação mas a turma não se manifesta e então pede a

Sara que confirme se foi deste modo que pensou. A aluna não emite uma opinião

explícita sobre a razão apontada por Ricardo mas este desafio fê-la pensar sobre o modo

como pode garantir a sua conclusão. Refere que foi por observação que perceberam a

relação entre os números pois estiveram “a ver coisas que podiam ter em comum, para

fazer uma regra” o que as levou a concluir que “era sempre um número acima” (TA2, p. 5).

Episódio 4 – Como “dividir” o número?

Com o objectivo de levar Sara a verificar que a regra é válida para qualquer

número, Rita propõe-lhe que a aplique a um número grande, 1555. A polémica surge

quando Sara e Carolina decompõem o número em 15|55 e efectuam 15 x 16 e António,

Paulo e Ricardo consideram que se deve fazer 155|5 e efectuar 155 x 156. Há desacordo

e os alunos apresentam as suas razões sobre o modo como a regra funciona:

Professora [para Sara]: Eu quero que expliques… 15552. Diz a Sara ali

que é 15 x 16! [dirige-se à turma]

António: É 155.

Paulo: Vezes 156.

Professora: Diz que é 155 x 156. Mas falem para ela!

Carolina: Setora, setora, ela fez o número ao meio!

Professora: E será que se tem de dividir o número?

António: Não.

Professora: Como é que se divide o número António?

António: Fica um 5 que é para dar o 25 e depois faz-se 155 x 156.

Sara, ao ouvir a opinião de António, reformula a sua resposta e regista no quadro

o seu “novo” raciocínio (Figura 4.5.). A alteração de opinião de Sara leva Rita a

questionar a outra aluna, Carolina, sobre a sua intervenção: Setora, setora ela fez o

número ao meio!

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Figura 4.5. Aplicação da regra a 15552

Professora: Ó Rita porque é que dizias que era cortar o número ao meio?

Explica-me.

Carolina: Porque nós na outra aula também cortámos o número ao meio.

Professora: Vê lá aí no 105, o que é que tu fizeste. Foi cortar o número

ao meio?

Carolina: Em cima sim [na tabela do enunciado].

Professora: Em cima sim, porque só eram números com 2 algarismos,

não é? [Carolina acena positivamente com a cabeça] Então e se o

número tivesse 3 algarismos? Era cortar ao meio?

Ricardo: Não, era deixar o 5 de parte.

Professora: Não. Era deixar o 5 de parte, diz o Ricardo, o Paulo. Sara! O

que está aí no quadro?

Sara: Fiz assim! [a aluna faz um traço entre o 155 e o 5 no número 1555.

Fica 155|5]

Carolina: Deixou o 5 de parte.

Professora: Deixou o 5 de parte, diz a Carolina.

Sara: Fiz 155 x 156, que era o número acima. E deu-me 24180.

Professora: Depois…

Sara: Depois, 5 x 5 deu 25. Juntei 24180 com o 25 e deu. 2.418.025.

Professora: E deu 2.418.025.

Este episódio inicia-se com uma divergência de opinião entre alguns alunos

referente ao modo de “aplicar” a regra. A professora pede a Sara, defensora da ideia

15|55, que apresente o seu raciocínio e, perante a exposição da aluna, focaliza a atenção

da turma para o “15x16”. Os alunos que têm uma opinião divergente apresentam,

igualmente, a sua forma de resolver a questão, É 155x156. A professora rediz a

afirmação dos alunos e Carolina, que concorda com Sara, tenta apresentar, com

fundamento no seu trabalho na aula anterior, uma razão para efectuar a divisão do

número 1555 “ao meio”. De facto, a aluna reitera a sua ideia e refere: Porque nós na

outra aula também cortámos o número ao meio. As questões de Rita: E será que se tem

de dividir o número? e Vê lá aí no 105, o que é que tu fizeste. Foi cortar o número ao

meio?, em conjunto com as observações dos alunos que discordam deste procedimento,

levam a aluna a reconsiderar o seu raciocínio e a concluir que não está correcto. A aluna

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reflecte sobre a sua afirmação, reconsiderando porque razão “cortava o número ao

meio” e conclui que o faz quando este tem apenas dois algarismos. A intervenção de

Ricardo reforça a ideia da necessidade de “ter de deixar o 5 de parte”. Esta discussão e

troca de argumentos leva a aluna a convencer-se, pois, de facto, tinha sido deste modo

que efectuou o quadrado de 105. A explicação de Sara, sobre a aplicação da regra a

15552, após pensar na afirmação de António, traduz igualmente a sua compreensão

sobre o modo de aplicar a regra e promove a aceitação da sua validade para qualquer

número terminado em 5.

Episódio 5 – Há conjecturas diferentes. Umas válidas outras não!

O Diapositivo 5 contém três conjecturas – Raciocínios I, II e III – retiradas da

ficha de trabalho de Carolina e Tomás (Figura 4.6.) e constitui o suporte à discussão em

torno da sua legitimidade e validade.

Figura 4.6. Diapositivo 5 do Power Point

O Raciocínio I corresponde à regra a que se chegou na aula anterior e constitui o

que, na sua maioria, os alunos têm registado nas fichas de trabalho. Porém, este par de

alunos, em particular Carolina, gosta de apresentar resoluções alternativas, sempre que

lhe é proposto um desafio. Parece ser o caso do Raciocínio II que Rita considera “muito

interessante” pois lembra-lhe a tabuada, “82+8 é o 8x(8+1), ou seja, o 8x9” (ST3, p. 8) e

do Raciocínio III, que refere não ter visto antes, e que corresponde a uma estratégia

diferente, que resulta para o quadrado de 85, mas que não é válida para determinar o

Raciocínio II - diferente e válido

Raciocínio III - diferente e inválido

Raciocínio I - igual à Regra

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quadrado de 95, por exemplo. Estas conjecturas podem ser pontos de partida para

promover a discussão entre os alunos. Rita mostra alguma resistência em “gastar” mais

tempo com esta tarefa, inicialmente prevista para dois tempos. No entanto, a

oportunidade de explorar o Raciocínio II, uma conjectura válida que não necessita ir

“buscar o consecutivo” pois depende apenas “[do] próprio número” (ST3, p. 9), foi

determinante na sua decisão de avançar para a discussão.

Na aula desafia os alunos dizendo: “Eu quero que todos olhem para esta regra,

depois da Carolina explicar e vamos ver se é tão válida, ou não, quanto outras que nós já

vimos” (TA4, p. 13). A aluna explica o Raciocínio I e todos os alunos confirmam tratar-

se da regra.

Questiona a aluna sobre a “tabelinha cá em baixo”, ou seja, o Raciocínio II.

Carolina explica e simultaneamente escreve no quadro (Figura 4.7.):

Figura 4.7. Registo do Raciocínio II aplicado a 852

Carolina: Fiz 8 ao quadrado. Do 85, não é? O 8. Divido o número ao

meio [a aluna refere-se à divisão 8|5] O 8 ao quadrado dá 64.

Depois fiz 64 + 8.

Professora: 64 +8, que dá?

[A aluna consulta a sua ficha de trabalho e responde]

Carolina: Que dá 72.

Professora: Dá 72. E agora?

Carolina: Fiz 5 ao quadrado.

Professora: 5 ao quadrado.

Carolina: Que dá 25.

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Professora: Sim.

Carolina: Juntei o 72 com o 25.

Professora: Então isso tudo que a menina fez aí é exactamente igual ao

que ali está na primeira linha [refere-se a 82+8=72]. Agora será

que isso é válido para todos os números que nós ali temos, que

nós calculámos? Vamos experimentar para outro número qualquer

terminado em 5, Rita?

Rita confirma que o raciocínio apresentado pela aluna corresponde ao que está

registado no PowerPoint e sugere-lhe que o experimente noutro número. A sua intenção

é “levar a aluna e a turma à verificação de que esta estratégia é igualmente válida” (ST4,

p. 4), embora esteja consciente de que os alunos não conseguem perceber logo a

igualdade entre as expressões 8x9 e 82+8.

Figura 4.8. Registo do Raciocínio II aplicado a 13252

Os alunos que assistem à aplicação do Raciocínio II a 13252, não questionam

nem levantam objecções, o que parece traduzir a aceitação desta conjectura (Figura

4.8.). De facto, o processo de “deixar o 5” e efectuar 1322+132 conduz a um resultado

igual ao produzido por “deixar o 5” e efectuar 132x133. Esta conjectura parece ser

aceite como válida por permitir obter os mesmos resultados que a regra, pelo menos

para mais um número.

Com o objectivo de levar os alunos a perceber que existem conjecturas inválidas

Rita propõe a Carolina a explicação e justificação do Raciocínio III. A aluna refere que

esta regra surge da tentativa de “descobrir outra forma de fazer esse raciocínio” (TA2, p. 12) e

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acrescenta ter verificado a sua validade apenas para o 852. A professora incentiva a

aluna a mostrar a aplicação deste raciocínio a 952 e dirige-lhe questões que a orientam

como: Tinha de multiplicar o quê pelo quê? ou Utilizando aquela regra que tu tens ali,

tu tens 8x5, certo? Esta estratégia da professora permite aos outros alunos acompanhar o

raciocínio de Carolina e participar na verificação da validade da conjectura – Raciocínio

III. Este facto verifica-se quando Rita questiona a aluna sobre o modo de proceder para

o 952 e perante a sua hesitação Ricardo afirma: “9x5 dá 45. Depois faz-se 45+45 que dá

90. Depois faz-se 90-9 que dá 81” (TA2, p. 12). A afirmação de Ricardo revela que o

aluno ouve atentamente as orientações da professora, compreende o raciocínio da colega

e sente à vontade em emitir a sua opinião. Pelo encadeamento de ideias, isto é pela

argumentação, mostra que o Raciocínio III aplicado a 952 não permite obter o 90 de

90|25, o que refuta a validade desta conjectura.

Rita refere que esta é uma “boa oportunidade para explorar a validade da

conjectura” (RR5, p. 1) e que a questão E dá o que nós pretendemos? [ou seja, os dois

primeiros algarismos de 9025] que dirige à turma, pretende ser o impulso para a

reflexão sobre a afirmação de Ricardo e a validade da conjectura. A maior parte dos

alunos responde Não o que leva Rita a perguntar Porquê?

Professora: Não! Porquê João?

João: Não porque tem que dar… Tem que dar 90.

(…)

Carolina: Ó setora, se eu apagasse esta parte aqui [90-9] já dava!

Professora: Mas repara tu… Isso é correcto. Só que tu tiveste mais esta

operação aqui [90-9]. Portanto se fizesses estas operações em

todos os números, será que era válido para todos?

Alunos [em coro]: Não.

(…)

[O Paulo está a dizer qualquer coisa que a professora não entende]

Professora: Eu não ouvi o que o Paulo disse e eu gostava que a Rita

também respondesse, àquilo que o Paulo está a dizer.

[Paulo fala alto e para Rita]

Paulo: Se fizermos 952 dá 9025. E esses números [refere-se ao 81 que

resulta de 90-9] não são os primeiros algarismos dessa metade

[refere-se ao 90 de 9025].

Professora: Pois! Então o que é que isso quer dizer Rita?

Carolina: Que não dá.

Professora: Que não dá para todos, não é? Aceitam isto que a Rita está a

dizer?

António: Sim aceitamos.

Professora: (…) Nesta regra que a Rita escreveu, que supostamente iria

considerar como válida sempre, isto funcionou para o 72, e depois

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acrescentar-se-á aqui o tal 25, não é Rita? Pronto. Para o 90 [quer

dizer 95] já não dá, mas diz: “Se eu tirar esta parte, já dá”. Será

que isto então poderá ser considerado uma regra?

António: Não.

Professora: Se para uns dá e para outros não dá!

Alunos: Não.

Professora: Então uma regra tem de ser válida para…

Alunos: Todos!

Convencer a turma, em particular Carolina, que a conjectura não é válida requer

que a professora a institua como objecto de análise, promova o confronto de ideias e

fomente a apresentação de justificações. Além destes aspectos pode identificar-se

igualmente uma atitude da professora mais moderadora da discussão, sem recurso à

validação imediata de ideias, o que promove a reflexão sobre as afirmações proferidas

pelos alunos.

Com a apresentação do contra-exemplo por Ricardo e com a discussão sobre as

condições a que tem de atender uma conjectura para que seja considerada uma regra

válida para todos, os alunos convencem-se das razões pelas quais esta tem de ser

refutada.

Episódio 6 – Pela propriedade distributiva…

Rita pretende que os alunos reflictam sobre a semelhança entre os dois processos

– Raciocínio I e II – que permitem determinar o quadrado de um número terminado em

5, pelo que lhes propõe que observem das duas expressões – 82+8 e 8x9 – e que tentem

a partir de uma chegar à outra. Os alunos demonstram alguma dificuldade em realizar

esta tarefa e a professora pergunta-lhes: “Sabem o que é que é a propriedade distributiva

da multiplicação em relação à adição?” (TA2, p. 16). Obtém, como previa, o silêncio da

turma. Refere que “teve a sensação de que não ia conseguir levar os alunos à conclusão

que queria” (DB, p.10) e daí ter assumido um papel mais directivo. Ao analisar o registo

desta aula reconhece que “podia ter feito diferente mas o tempo estava a passar e eles

não respondiam” (DB, p. 10). Ainda que com alguma dificuldade, Rita promove uma

construção conjunta da igualdade entre as duas expressões e recorre à aplicação da

propriedade distributiva como garantia de passagem de uma expressão para a outra

(Figura 4.9.).

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Figura 4.9. Comparação entre 82 + 8 e 8 x 9

Professora: Por exemplo, se tiverem isto assim 3 x (2+5). Como é que

eu consigo fazer esta operação? Sem resolver primeiro o que está

dentro dos parêntesis.

[não há resposta]

Paulo: 3 x 2… [não se entende o que o aluno diz]

Professora: Olhem lá, isto dá quanto? 6+15. Que dará 21.Agora façam lá

esta continha sem ser pela propriedade distributiva. Ora 2+5 dá 7 e

7x3 dá 21. Agora reparem o que a Rita aqui fez. Eu queria que

fosses tu a explicar isto! 82

+ 8, diz ela, que dá 72. O que é que eu

posso fazer aqui? Olhem lá para aqui… O que é que há de comum

entre este 8 e este?

Aluno: Serem iguais.

Professora: Serem iguais. Reparem que este que está aqui e este que está

aqui [refere-se ao 3 que há de comum no exemplo] Não são iguais?

Então eu não posso andar para trás até encontrar este factor

comum?

[a turma não reage]

Professora: Então eu não poderei fazer aqui [na estratégia da Carolina]

de modo a arranjar uma coisa destas [propriedade distributiva]?

Aluno: 8 x 8.

Professora: 8x8 + 8x… Quanto? Para dar oito, o 8 tem de ser 8 vezes

quanto?

Aluno: Vezes 1.

[a professora escreve no quadro 8x8 + 8x1]

Professora: O que é que há de comum entre este [8x8] e este [8x1]? Não

é o 8? Então agora querem ver uma coisa? Se eu puser o 8 em

evidência, o que é que sobra para dentro dos parêntesis?

Aluno: O 1.

Professora: O 1, aqui. E que mais?

Aluno: E o outro 8.

Professora: E o outro 8 [escreve 8 x (8+1)]. E isto não é o 8 vezes

quanto?

Ricardo: O 9.

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Dados

82 + 8

Conclusão

8x9

Garantia

Pela propriedade

distributiva

82+8=8x(8+1)=8x9

Professora: 8 vezes quanto?

Alunos: 9.

Professora: Então não estamos a multiplicar o número pelo seu

consecutivo?

Alunos: Sim.

Professora: A regra será, ou não será, a mesma? Rita. Mas é muito

interessante como a Rita e o Tomás conseguiram utilizar ou

estabelecer ou formular uma maneira diferente da mesma regra.

Concordam? Achas que é a mesma coisa ou não?

Carolina: Sim.

Rita propõe aos alunos a validação da igualdade entre duas expressões com

recurso à propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição. Os alunos já

estudaram esta propriedade mas neste caso revelam alguma dificuldade na sua a

aplicação. A professora conduz os alunos recorrendo a questões que focalizam a sua

atenção para aspectos que possibilitam a passagem de uma expressão para a outra. Ao

acompanhar o seu raciocínio e ao responder às suas questões os alunos tiveram um

papel activo no processo de construção de um argumento que valida a igualdade entre as

duas expressões (Figura 4.10.).

Figura 4.10. Estrutura do argumento Pela propriedade distributiva

Durante a construção deste argumento Rita envereda “por um caminho mais

directivo” (RR6, p. 2), na sua opinião, igualmente rico “pois conduz os alunos à

apropriação da propriedade distributiva” (RR6, p. 2). Esta situação decorre sobretudo de

ter “percebido que os alunos já tinham ouvido falar da propriedade distributiva mas não

a sabiam utilizar” (RR6, p. 2). Esta abordagem pode ter contribuído para a consolidação

de um conteúdo desta propriedade e para a compreensão da sua aplicação à situação em

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causa. O objectivo inicial, de levar os alunos a entender a igualdade entre as duas

expressões, parece ter sido assim concretizado, como Rita refere ter sentido:

Do que me lembro de ler nos olhares dos alunos, apenas o Paulo parecia,

saber aplicar a propriedade distributiva. Todavia, o importante desta

decisão vai no sentido de todos em conjunto, construirmos um

conhecimento novo que permitiu validar a igualdade entre as duas

conjecturas. (RR6, p. 2)

Episódio 7 - De contra-exemplo a exemplo

O contra-exemplo de António – “0,555555 ao quadrado não dá!” – resulta do

aluno efectuar o cálculo, com recurso à calculadora, e no visor aparecer 0,308641358, o

que o leva a afirmar “Isto não é válido!”. Este episódio mostra como os alunos chegam

à conclusão que a regra é válida mesmo para números como o do exemplo de António.

Rita mostra o Diapositivo 7 (Figura 4.11.) e pede aos alunos que estiveram

presentes na aula de ITIC que expliquem aos colegas o que fizeram e como se

convenceram de que o contra-exemplo de António não é válido.

Figura 4.11. Diapositivo 7 do PowerPoint

Carolina: Nós fizemos no Excel aqueles seis 5, acho eu! Fizemos aquilo

ao quadrado.

Professora: Aquilo ao quadrado, e o que é que deu?

Carolina: Deu um número grande mas não acabava em 25. Porque o

número das parcelas que havia lá era pequeno e então tivemos de

aumentar o número das parcelas para dar esse número acabado

em 25. Tivemos de pôr em 12 parcelas. [a aluna diz “parcelas”

para significar “casas decimais”]

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Rita rediz o que a aluna refere de modo que todos os alunos consigam perceber

que é por se conseguir visualizar mais casas decimais que se conclui que 0,5555552

também termina em 25. Com o objectivo de convencer os alunos, Rita pede-lhes que

realizem esta experiência e reflictam sobre o que observam. Os alunos visualizam o

número 0,308641358, mas não colocam questões. A professora prossegue.

Professora: Mas agora falta aqui ver outra coisa. Olhem lá este número

aqui 0,55555. Como é que nós calculávamos o quadrado deste

número? Era tirar este último 5, lembram-se o que fizemos lá nas

TIC? Tirar o último 5 e ficava o quadrado que é 25. Depois temos

que multiplicar este número 0,5555 por quanto?

Aluno: Ao quadrado.

Professora: Por…?

Aluno: 2.

Professora: Tirando este número aqui, que é este 5. Qual é o número

utilizando a regra, que vem imediatamente a seguir a este? [pede

o consecutivo de 0,5555]

Alunos: é o 6.

Professora: Em vez deste 5 vem quanto?

Alunos: 6

Professora: Então toda a gente a multiplicar 0,5555 pelo número

imediatamente a seguir, não é? Olhem, vejam lá se não dá isto

aqui [aponta para o PowerPoint ]

Os alunos seguem as orientações da professora e verificam que o cálculo de

0,5555552 pode efectuar-se com recurso à regra, pelo que se conclui que o contra-

exemplo que António é refutado porque se mostrou que afinal era um exemplo.

No final da aula a professora propõe aos alunos que efectuem 123452,

apresentando por escrito a sua resolução. Todos os alunos explicaram o seu

procedimento com recurso à regra (Figura 4.12.) à excepção de Carolina que usou o

Raciocínio II (Figura 4.13).

Figura 4.12. Resolução de 123452 por Paulo

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Figura 4.13. Resolução de 123452 por Carolina

Face às respostas e raciocínios apresentados ao desafio proposto Rita afirma que

“estão evidentes as diferentes estratégias, inicialmente utilizadas” (RR6, p. 3) e que “os

alunos recorreram às estratégias cuja validade foi conferida por todos” (RR6, p. 3) o que

a deixa satisfeita.

Reflexão

A realização de uma segunda aula sobre a tarefa Quadrado de um número

terminado em 5, levou-nos a pensar, por um lado, se em circunstâncias ditas “normais”

teríamos conseguido discutir todas as estratégias que os alunos elaboram e por outro

“até que ponto é vantajoso voltar a pedir aos alunos que repitam a mesma experiência”

(DB, p. 10). De facto, consideramos que esta nova abordagem permite a clarificação de

assuntos como: o modo de “dividir” o número para aplicar a regra, a relação da regra

com a calculadora e a consolidação e expansão de ideias, como a analogia entre

diferentes raciocínios. Porém, sentimos que em certos momentos se estavam a “forçar

assuntos que eles já tinham compreendido” (DB, p. 10) e questionamo-nos até que

ponto isso foi benéfico.

A mais-valia desta “repetição” concretiza-se na oportunidade de Rita em

promover a discussão entre os alunos e na possibilidade de mudança na sua prática

lectiva, em relação à promoção da argumentação na aula de Matemática. De facto, é

evidente a diferença entre o seu papel na primeira aula e nesta. Ao visualizarmos o

registo desta aula percebemos que enquanto moderadora de debates promove mais a

troca de ideias, entre os alunos, tarefa nem sempre fácil de concretizar, “pois numa aula

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dinâmica não se consegue perceber logo que está ali uma oportunidade para os colocar a

discutir” (DB, p. 10). Como estratégia para superar esta dificuldade identificamos o

incentivo ao diálogo, entre os alunos, sempre que “detecta[r] algo que podia ser

esclarecido ou que não estava ainda bem compreendido”. As acções associadas a esta

estratégia são: a repetição das afirmações dos alunos, a chamada de atenção da turma

em relação ao que alguns alunos dizem, o pedido de comentários, reflexões e

manifestações de opinião embora por vezes estas tentativas sejam infrutíferas.

Consideramos que com a continuação deste modo de conduzir, o discurso “que os

alunos se habituarão a saber participar, a pensar nas questões dos outros” (DB, p. 11),

ou seja, o estabelecimento de normas sociais de participação deve ser um trabalho

sistemático e contínuo.

Durante a sessão de trabalho em que analisamos esta aula, experimentamos um

sentimento de satisfação e realização em relação aos resultados quanto à promoção da

argumentação na sala de aula. Este sentimento é registado por Rita numa das suas

reflexões individuais:

Ao longo da aula percebi a forma diferente como a estava a dinamizar.

No final, senti uma satisfação muito grande porque consegui que os

alunos tivessem um papel mais activo e interventivo. O meu

protagonismo foi menor. Embora nem todos tivessem participado de uma

forma voluntária, por feitio, por falta de hábito ou por revelarem algumas

dificuldades, acho que de uma maneira geral, todos tiveram um

contributo positivo no desenvolvimento da actividade e na construção do

conhecimento pretendido. (RR6, p. 3)

Do ponto de vista do conteúdo matemático esta aula centrou-se nas semelhanças

e diferenças entre diferentes raciocínios e na necessidade de se provar a validade de uma

conjectura. De facto, as acções de Rita nesta aula, no que respeita à promoção de um

discurso argumentativo, caracterizam-se por incidir sobretudo no pedido de justificações

e na discussão de ideias, com o objectivo de chegar a um consenso (plano

argumentativo). Do ponto de vista da mobilização de saberes, raciocínios, conceitos ou

propriedades matemáticas (plano epistémico), a análise desta aula permite afirmar que a

professora promove oportunidades para que os alunos argumentem matematicamente. A

justificação que alguns alunos apresentam – foi por observação – embora não seja a

desejada para provar a relação entre um número terminado em 5 e o seu quadrado, é a

possível atendendo aos conhecimentos dos alunos e à forma como foi conduzida a discussão.

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Aulas 3 e 4: Grandezas directamente proporcionais

Aula 3 – 18.Nov.08

Preparação da aula

Para esta aula preparámos a tarefa Grandezas directamente proporcionais

(Anexo 6) com questões que apelam à utilização do raciocínio proporcional em

contextos reais (questões 1, 2 e 3) e questões referentes a relações matemáticas e

explorações (questões 4 e 5). A sua estrutura deve-se: (i) à necessidade de Rita em

“avançar na matéria”, (ii) à vontade de propor aos alunos questões do quotidiano, que

eles podem resolver pela aplicação de conhecimentos matemáticos, (iii) à intenção de

levar os alunos a explicar e justificar raciocínios, em que não existe proporcionalidade

directa entre duas grandezas (questões 2 e 4.1). A tarefa é resolvida a pares e após 45

minutos de actividade realiza-se a discussão dos resultados, com toda a turma, mediante

a apresentação das resoluções dos diferentes grupos.

Desenvolvimento da aula

1.ª Parte da aula

Rita efectua uma breve revisão sobre o conceito de razão e de proporção e sobre

a propriedade fundamental das proporções. Propõe a resolução de algumas situações do

quotidiano no sentido de aferir as capacidades dos alunos neste domínio. Distribui a

tarefa, interpreta-a em conjunto com a turma e refere algumas normas a que os alunos

devem atender: o modo de trabalho ser a pares, a solicitação da professora deve ocorrer

após discussão dentro do grupo e o registo escrito nas fichas de trabalho ter de ser a

caneta. É esclarecido o significado de câmbio.

2.ª Parte da aula

Os alunos resolvem a tarefa de modo autónomo e discutem entre si as respostas.

Rita circula pela sala e verifica que a maior parte dos pares não a solicita para

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esclarecimento de dúvidas ou para a validação de ideias. Tais pedidos ocorrem com

mais frequência quando resolvem as questões 2 e 4. Nestes casos, Rita opta pela

devolução das questões ao grupo, evita dar respostas concretas e incentiva a procura de

estratégias e justificações que resultem do diálogo, discussão, partilha e reflexão entre

os alunos. Este modo de agir deve-se, essencialmente, à reflexão sobre o seu papel na

orientação dos alunos, quando da análise das aulas anteriores, e reflecte uma tentativa

de mudança pedagógica orientada para a promoção da argumentação:

A introdução de uma metodologia argumentativa na aula de Matemática

consiste em alterar os papéis tradicionalistas, quer dos alunos quer do

professor. Enquanto professora não basta apresentar tarefas desafiantes

aos meus alunos, mas tenho de pensar na maneira como vou desenvolver

neles a capacidade de pensar matematicamente. Não basta eu falar e o

aluno ouvir. (RR4, p. 5)

3.ª Parte da aula

Rita inicia o momento de apresentação e discussão de resultados referindo a

necessidade de se “partilhar tudo aquilo que todos fizeram e tentar chegar a um

consenso sobre as respostas” (TA3, p. 3). Lê a primeira questão e pergunta à turma:

Porque é que se poderá dizer que um dia 1 euro vale aproximadamente 1,2 dólares?

Carolina contribui com a afirmação: Quer dizer que o dólar ou o euro podem descer ou

subir. Esta ideia de variação do euro em relação ao dólar parece ser partilhada pelos

restantes alunos, pelo que não há lugar a discussão sobre o seu significado.

Episódio 8 – À procura de uma justificação

Rita desafia os alunos a apresentar razões que justifiquem ou refutem a validade

da afirmação da questão 1.1. - Quanto mais dólares valer o euro, mais vantajoso se

torna comprar um produto americano. Neste episódio identificam-se três formas

complementares de justificar a validade da afirmação, reconhecendo-se em todos eles a

acção da professora em promover a apresentação de razões que sustentem as respostas

dos alunos.

Professora: Têm que ouvir o que a Maria diz, para poderem comentar.

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Maria: Nós fizemos… Achámos que sim. Porque com um euro posso, a

gente pode comprar mais produtos americanos. Porque o euro

vale mais que o dólar.

Professora: Concordam com o que a Maria disse ou têm alguns

comentários a fazer?

[Teresa pede para falar]

Teresa: Apresentámos um exemplo que explica um bocadinho melhor.

Se aqui tivesse 7 euros lá vale 8,4 dólares. Fica mais barato.

Professora: Fica mais barato comprar cá ou comprar lá?

Teresa: Comprar lá. Com um euro.

Professora: O que significa que nós indo lá, com 7 euros, vamos

comprar produtos mais caros ou menos caros, do que cá?

Alunos: Mais caros.

Professora: Ou mais produtos ou menos produtos?

Alunos: Mais produtos.

Professora: Mais produtos. Então para nós …

Ricardo: O euro é mais valorizado.

Professora: O euro é mais valorizado do que o dólar. Era bom se fosse

sempre assim!

A razão apresentada por Maria carece de um fundamento matemático e a

professora aproveita a ocasião para convidar a turma a comentar. Sabe que alguns

alunos têm melhores justificações para a validade da afirmação e espera que, por sua

iniciativa, eles os apresentem. Teresa considera que o seu exemplo explica um

bocadinho melhor, o que mostra que a aluna é capaz de indicar o que considera ser

matematicamente mais relevante. Ela contribui com um exemplo que ilustra a ideia da

colega, pelo recurso aos números, tornando-a mais clara. A sua participação mostra

vontade em apresentar a sua opinião e revela, também, confiança no seu trabalho. Rita

sustenta este momento com questões que não validam as ideias apresentadas, mas

contribuem para a clarificação e compreensão das ideias das alunas por parte dos

restantes alunos.

De facto, se o euro estiver mais valorizado que o dólar com 1 euro tem-se

sempre mais dólares. Mas esta conclusão não é suficiente para se poder afirmar que é

mais vantajoso comprar produtos americanos. A justificação apresentada por Paulo

(Figura 4.14.), que o aluno afirma ser diferente das anteriores, é aquela que do ponto de

vista matemático confere validade à afirmação, pelo que Rita lhe pede que a explique

aos colegas.

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Figura 4.14. Justificação de Paulo

Rita considera importante que todos os alunos se manifestem em relação à

resposta de Paulo e incentiva-os lançando o desafio: Mas vamos ver se concordamos ou

discordamos com o que está escrito no quadro e dar opiniões!

Professora: Reparem que o Paulo pôs um valor diferente daquele que

está registado na ficha. Se 1 euro valer 1,5 dólares, que é diferente

de 1,2… [Dirige-se ao Paulo] Como é que tu chegaste a esses

23,33?

António: É o 35 a dividir por 1,2.

Professora: 1,2!? Mas repara que ele [Paulo] ali pôs uma condição

diferente!

António: Então é 35 a dividir por 1,5.

(…)

Professora: Reparem que mantendo o mesmo valor [35 dólares]… O

que é que acontece aqui ao euro?

Alunos: Baixa.

Professora: Baixa. Não é? Então para nós será, ou não será, mais

vantajoso ir buscar produtos americanos, do que comprá-los cá?

Nestas circunstâncias como é óbvio! (…) Alguém quer dizer mais

alguma coisa? [pausa] Não?

Paulo apresenta um argumento convincente. Ele considera duas novas condições

para a relação euro-dólar e fixa o valor de determinado produto americano em 35

dólares. Estes factos permitem concluir que quanto mais valorizado estiver o euro face

ao dólar mais vantajoso é comprar produtos americanos. Rita fomenta a reflexão dos

outros alunos sobre a resposta de Paulo focando a sua atenção exactamente na variação

da taxa de câmbio e no valor fixo, 35 dólares. De facto, tal como António, alguns alunos

não compreendem de imediato a diferença entre a resposta de Paulo e as suas mas pela

discussão, pela troca de ideias e pelo esclarecimento de dúvidas, esse aspecto é

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resolvido. Pode verificar-se, nas fichas de trabalho de alguns alunos, os seguintes

registos:

“Ex: Uma camisola que custa 5 dólares é mais barata que uma camisola que

custa 5 €” – Sara e Miriam

“Ex: Uma camisola nos estados Unidos é 22 dólares e cá a mesma camisola

custa 20 dólares” – João

“Ex: Porque o euro vale mais que o dólar logo com um euro compramos mais

coisas do que com um dólar” – Gonçalo

Ex: 1 euro vale 2 dólares, se cada filme custar 10 dólares vai ter de se pagar 5

euros (2x5). Porém se o euro tivesse o valor de 5 dólares, apenas pagaria 2

euros” – Sónia

Estas respostas mostram que há alunos com raciocínios válidos mas com formas

de expressão diferentes. Essa diferença leva-os a questionar a resposta de Paulo e a

confrontá-la com a sua. É pela discussão, da ideia central subjacente a estas resoluções,

que os alunos se convencem que a sua resposta também é válida, pelo que a deixam

registada na ficha de trabalho sem alterações. Porém o registo de Filipe, na sua ficha de

trabalho, revela espírito crítico e comprova a necessidade de existir um debate sobre

esta questão. O aluno responde: Não [é mais vantajoso], porque os produtos

americanos são mais caros que os portugueses e regista por baixo desta frase a

conclusão que retirou desta discussão.

A participação dos alunos na construção desta resposta revela sensibilidade

quanto à importância do seu contributo na partilha de ideias e na elaboração conjunta de

uma conclusão que resulta de um processo de validação realizado por todos. De um

modo geral, nesta aula, os alunos mostram maior disposição para explicitar as suas

ideias, durante a discussão colectiva, embora ainda revelem alguma timidez e

insegurança. A construção de respostas mais completas, do ponto de vista matemático, é

sustentada por Rita pelo questionamento, pelo pedido de explicações e justificações e

pelo modo de moderar as contribuições dos alunos. O conhecimento que tem do

trabalho desenvolvido pelos alunos na resolução desta tarefa, que advém do

acompanhamento que faz da actividade, permite-lhe gerir e aprofundar as questões que

considera mais importantes. O registo das respostas no quadro permite uma maior

visibilidade e uma discussão assente em razões apresentadas por diversos alunos. A

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justificação de Paulo traduz a sua capacidade em reconhecer uma justificação

matematicamente diferente e relevante e revela a interiorização das normas de

participação.

Rita demonstra uma mudança de actuação, perante as contribuições dos alunos,

comparativamente às duas últimas aulas. Promove de modo mais eficaz e reflectido a

apresentação de ideias, por parte dos alunos, e valoriza aquelas que podem ajudar à

elaboração de uma justificação mais rica do ponto de vista matemático. O incentivo à

audição de opiniões diferentes, associado à promoção da reflexão em torno destas

conduz à construção de uma resposta mais completa, que os alunos compreendem e que

é fruto da sua participação.

A discussão sobre a valorização do euro face ao dólar inclui também

contribuições dos alunos que, embora não se relacionem com as questões da ficha de

trabalho, são pertinentes. Questões como: Quanto é que são 20 dólares? ou Quanto é

que vale o euro hoje? e preocupações com o “peso” do Pagamento do transporte na

factura final, são reveladoras do grau de envolvimento dos alunos e da associação de

experiências do quotidiano com a resolução de uma questão matemática. Este contributo

dos alunos leva Rita a referir os “constrangimentos que pode haver, ou vantagens, em

comprar produtos americanos (…) [pelo que] a viagem pode não compensar” (ST9, p.

3). De um modo geral, as discussões que permitem a inclusão de conhecimentos de

índole pessoal são enriquecedoras.

Faz parte da Educação para a Cidadania. E de os formar enquanto

cidadãos. Porque a Matemática… A escola não tem unicamente como

objectivo instruí-los especificamente numa área, não é? Mas também

alertá-los para diversas situações e é uma mais-valia na formação integral

do aluno. E acho que todas estas questões fazem parte desse

enriquecimento. (ST9, p. 2)

Episódio 9 – Fica 16,67 porque…

A propósito da questão 1.2. – Se dois DVD custam 18 e 20 dólares, qual será o

preço de cada um em euros? Rita verifica existir uma riqueza de participações, que

aproveita para explorar. Pede a Tatiana que apresente a sua resolução (Figura 4.15.) e

explora o resultado 16,67€ com a turma.

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Figura 4.15. Registo no quadro da resolução da questão 1.2. de Tatiana

Professora: Isto aqui dava este valor? Tal e qual? [refere-se a 16,67]

António: Não. Dava 16,6666…

Professora: Dava 16, 6666... [escreve este valor no quadro]

Carolina: E acabava em 7.

Professora: Porque é que passou este 6 para 7?

João: Porque acrescenta-se…

Professora: Diz lá! [A professora dirige-se ao Ricardo]

Ricardo: Porque a seguir vem o 6.

Professora: Porque a seguir vem o 6. Portanto nós teríamos que

arredondar este valor. E além disso nos euros, só temos unidades

até que valor?

Aluno: Até aos cêntimos.

Professora: Até aos cêntimos, não é? Nunca poderíamos passar dos

cêntimos.

Rita considera pertinente promover a reflexão sobre as razões de se escrever

16,67 € pois “são situações da vida real e há necessidade de fazer estes

arredondamentos” (ST9, p. 1). O modo como promove esta discussão revela uma

evolução ao nível da sua acção e da sua capacidade de identificar momentos promotores

de argumentação. Como refere: “Em vez de validar a resposta da Tatiana, que está certa,

e passar à questão seguinte, achei importante explorar o resultado com eles” (ST9, pp.

1-2). Pela apresentação de razões matemáticas para a passagem de 16,6666… (resultado

da calculadora) para o valor 16,67, os alunos conseguem justificar e validar (Figura

4.16.) que este último se obtém por duas razões – pela regra do arredondamento e pelo

facto dos euros “irem até aos cêntimos”.

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Figura 4.16. Esquema do argumento que valida a resposta 16,67 €

Este argumento tem a seguinte leitura: Para determinar o preço, em euros, de um

DVD que custa 20 dólares, com um câmbio de 1,2 euros por dólar os alunos efectuam

20 por 1,2. Obtêm a dízima infinita periódica 16,(6) pelo que concluem que o preço é

16,67 €. Por ser pedida uma garantia para o facto de a partir de 16,(6) se dever escrever

16,67 é apresentada a afirmação “Fica 7 porque a seguir vem o 6”. A razão pela qual

esta afirmação é verdadeira reside na aplicação da regra do arredondamento, o que a

fundamenta. Está justificado o 7, mas ainda falta referir a razão para a existência de

duas casas decimais o que surge pela apresentação do facto de nos euros os valores a

considerar são até aos cêntimos, pelo que se deve escrever 16,67 e não 16, 667, por

exemplo.

Pensar sobre esta resolução leva António a levantar uma questão sobre os preços

por litro afixados nas gasolineiras, tendo em conta que estes estão apresentados com três

casas decimais. A professora esclarece que mesmo não estando os preços em cêntimos,

ou seja, com duas casas decimais, o que se paga é sempre uma quantia que vai até aos

cêntimos.

Reflexão

Novamente a tarefa excedeu o tempo! Este é um dos primeiros comentários que

fazemos quando termina esta aula. Embora conscientes da extensão da tarefa

esperávamos ser possível avançar mais na discussão dos resultados. Rita está

Dados

20 : 1,2 = 16,(6)

Conclusão

É 16,67€

Garantia

Fica 7 porque a seguir vem o 6

Qualificador

Fica 16,67 pois no Euro só temos

até aos cêntimos

Fundamento

Regra do arredondamento

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preocupada pois tem de “avançar na matéria” embora reconheça a importância de pôr os

alunos a argumentar:

A minha preocupação é este atraso em relação à planificação. Estas aulas

são interessantes, porque os obriga a estar atentos e concentrados e a

ouvir o que os colegas estão a dizer. Mas, ao mesmo tempo, estamos 2 ou

3 horas com a mesma tarefa, com a mesma ficha de trabalho, sem

avançar. Quer dizer, eu acho que avançamos mas não na matéria, no

programa! (ST9, p. 6)

Ao reflectir sobre esta situação identificamos dificuldades típicas sentidas pelo

professor quando pretende desenvolver actividades de resolução de problemas ou

actividades de investigação: Como integrar este tipo de tarefas na planificação de modo

a desenvolver capacidades transversais e simultaneamente avançar no programa?

Questionamo-nos sobre a pertinência de existirem discussões na sala de aula mas

concluímos que “uma tarefa só fica totalmente concluída com a discussão final, para

sistematizar as ideias, as conclusões, as resoluções e os conceitos matemáticos” (ST9, p. 6).

Assim, concluímos que cabe ao professor repensar o programa e adoptar uma

metodologia promotora da integração da argumentação na aula de Matemática.

Verificamos que, nesta aula, Rita promove a audição atenta, crítica e participada

dos alunos, focando a sua atenção nas palavras daqueles que expõem as suas ideias. Ao

referir ser importante ouvir para poder comentar ou ver se concordamos ou

discordamos com o que está escrito, a professora introduz alguns termos característicos

do discurso argumentativo e simultaneamente ajuda os alunos a compreender qual deve

ser o seu papel, enquanto ouvintes. Em consequência, potencia a emergência da

argumentação, caso exista divergência de opiniões.

Consideramos que Rita está mais sensível aos momentos de argumentação pois

com maior facilidade os identifica. Embora os classifique como “pequeninos episódios”

considera que ocorrem quando são pedidas justificações, são apresentadas razões, se

discute a sua validade e se chega a um consenso:

É construída, pela argumentação, uma conclusão válida. É 16,67 porque

os euros vão até aos cêntimos e porque nos arredondamentos o 6 passa

para 7. Não são grandes argumentações (…) são consolidações, porque o

aluno teve de ir buscar conhecimentos anteriores. E teve de ir buscar uma

questão da realidade. (ST9, p. 3)

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Quanto à acção da professora durante a apresentação dos resultados encontramos

situações em que Rita assume um papel tendencialmente moderador, pois dá mais

tempo aos alunos para reflectir sobre o que ouvem, está menos ansiosa em relação às

contribuições dos alunos e mais confiante na condução das discussões. Reconhecemos

que “para haver discussão também tem de existir uma acção da professora” (ST9, p. 3) e

que as experiências que já vivenciou lhe proporcionam a capacidade de “nunca dizer

porque é que a seguir vinha o 6! E também nunca validar porque é que vinham os

cêntimos” (ST9, p. 3) o que em nosso entender sustenta a apresentação de razões.

Os alunos também estão a corresponder de uma forma diferente, mais

participada e responsável, pelo que nos sentimos satisfeitas com a evolução verificada

da última aula para esta:

Eles já estão a perceber que é preciso estar atento (…) que sem eles a

aula, ou só por mim e sem eles a aula não funciona. Portanto eles são

um elemento fundamental deste trabalho [quanto à argumentação na

sala de aula]. Eu questionei-os no final da última aula e acho que eles

compreendem que fazem parte deste trabalho. (ST5, p. 2)

Uma das dificuldades que Rita refere sentir, com alguma frequência,

relaciona-se com a capacidade de “conseguir identificar, sustentar ou criar episódios de

argumentação” (ST5, p. 3). Ao analisar o seu papel, durante esta aula, reconhece ter

assumido uma atitude diferente, relativamente à aula anterior, “no sentido da validação

ou não” (ST9, p. 1) da opinião dada por um aluno:

Eu acho que na primeira aula eu repetia muito o que os alunos diziam,

não fazia a pergunta à turma. Era mais direccionada para um aluno. Na

segunda acho que (…) sempre que um aluno dava uma opinião, eu já

fazia o convite aos outros. A pergunta já não era direccionada a um aluno

A, B ou C, era mais o convite à turma, para comunicar, para responder ou

para criticar (…) Digamos [para] opinarem sobre aquilo que determinado

aluno estava a dizer. (ST5, pp. 3-4)

Não obstante o acima exposto, consideramos que a questão 1. potencia uma

participação mais activa, empenhada e matematicamente relevante dos alunos, por

abordar um assunto do quotidiano levando-os a sentirem-se mais confiantes nas suas

respostas. Assim, as discussões sobre temas próximos da realidade proporcionam

contributos mais ricos, com base nas experiências quotidianas, e promovem a integração

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da argumentação na sala de aula. Mas a tarefa, só por si, não é suficiente pelo que “se

não houvesse discussão sobre estes temas, nem estas questões [da realidade] eram

levantadas” (ST9, p. 2). Do mesmo modo, numa aula de cariz mais rotineiro “esta

discussão não aconteceria (…) se eles estivessem simplesmente a resolver, sem poder

discutir ideias” (ST9, p. 2).

Aula 4 – 20.Nov.08

Preparação da aula

Nesta aula são apresentadas as resoluções dos alunos às questões 2, 3, 4 e 5 da

tarefa Grandezas directamente proporcionais, pelo que não há uma preparação

específica, além da leitura dos registos dos alunos na ficha de trabalho e levantamento

de estratégias por eles utilizadas.

Desenvolvimento da aula

A professora faz uma breve introdução ao trabalho a realizar na aula, reforçando

a importância dos alunos ouvirem atentamente o que os colegas dizem, no sentido de

poderem comentar ou acrescentar alguma coisa:

Tal como eu pedi, vão todos ouvir muito bem a Maria a explicar as

coisas, pensar naquilo que a Maria está a dizer e (…) aquilo que vocês

têm feito e verificar se as resoluções são iguais [ou] são diferentes. Se há

alguma estratégia comum, ou não! E vamos argumentar [sobre] as

diferentes resoluções. (TA4, p. 1)

Esta preparação prévia dos alunos para a apresentação de resultados resulta da

necessidade de lhes incutir algumas normas de actuação quanto à participação, à escuta

dos colegas, à forma como devem proceder no caso de discordarem de alguma ideia, em

suma, é uma estratégia de Rita para criar condições à emergência de momentos de

discórdia que potenciam a argumentação.

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Episódio 10 – Grande partilha de estratégias

São apresentadas diferentes estratégias de resolução da questão 2. A Mafalda foi

ao supermercado comprar folhas de papel reciclado e encontrou três embalagens

diferentes. Qual é a embalagem mais económica? Justifica.

Esta diversidade proporciona a Rita a oportunidade de promover o debate de

ideias e possibilita a emergência de situações de argumentação. A tabela desta questão

não representa uma situação de proporcionalidade directa. Contudo, a maioria dos

alunos assume a existência desta relação, entre o número de folhas e o preço, para

justificar a sua resposta, segunda a qual a resma de 500 folhas é a mais económica.

Estratégia 1

Ana representa um dos grupos que seguiu esta estratégia. Rita convida-a a

registar no quadro a sua resolução e a explicar aos colegas o seu raciocínio. A aluna lê o

conteúdo da sua ficha de trabalho e regista os cálculos no quadro.

Ana: A embalagem mais económica é a de 500 folhas. Porque se

houvesse proporcionalidade directa, entre o número de folhas e o

seu respectivo preço, o preço de 250 folhas seria [escreve no

quadro]:

E o preço de 500 folhas seria [escreve no quadro]:

Como não há proporcionalidade directa, o preço de 250 folhas é

mais barato 25 cêntimos e o de 500 folhas é mais barato 1 euro.

Nº de folhas 100 250 500

Preço (euros) 0,90 2 3,5

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Carolina pede esclarecimento sobre a origem do valor 0,45 e a professora

promove o diálogo entre esta aluna, Ana e a sua parceira, Cátia, reforçando a

importância destas alunas se dirigirem a quem as questiona: “Olha para a Carolina,

porque é a Carolina que está a falar contigo!” (TA4, p. 2).

Cátia toma a iniciativa de justificar a origem de 0,45 € e refere: Se houvesse

proporcionalidade directa o preço de 50 folhas seria metade de 90 cêntimos. Perante

esta justificação não surgem mais questões e os alunos concordam que 2,25 € é o preço

de 250 folhas, nestas circunstâncias. Ana e Cátia, usam este raciocínio para justificar,

também, a origem do 5 presente em 0,90 x 5, dado que “o 5 vem de 500 ser 5 vezes

mais que o 100” (TA4, p. 2).

Para promover a reflexão sobre esta estratégia Rita pede a Ana que volte a ler o

registo na sua ficha de trabalho. De seguida pergunta à turma: O que é que acham desta

estratégia? Carolina considera-a um bocadinho complicada porque “ela troca muitas

vezes os números… Divide… Tem que usar vários processos para chegar ao resultado”

(TA4, p. 4). Sobre esta opinião ouve-se a interrogação de um aluno: Onde é que ela tem

o dividir!? Por um lado, a intervenção deste aluno revela a sua atenção ao que Carolina

diz. Por outro lado, mostra que o aluno se sente confortável em questioná-la, o que não

é habitual acontecer. Por sua vez, Carolina refere que “o dividir está no 0,45” e o aluno,

possivelmente por compreender a razão apresentada, não coloca mais questões e não há

mais discussão.

Este momento é revelador da atenção com que os alunos estão em relação ao que

os outros dizem, demonstra uma maior confiança da sua parte em questionar as

afirmações dos outros e é desencadeado pela questão da professora, dirigida a toda a

turma, que apela à emissão de opinião. De facto, este conjunto de factores promove um

momento em que a professora quase não tem de interferir e em que os alunos pedem

esclarecimentos e clarificações entre si:

Para mim foi interessante. E acho que foi enriquecedor para eles também.

Porque houve, pelo menos, o contexto em que a aula decorreu que

proporcionou este clima. E este contexto de à vontade para questionar e

para levantarem perguntas uns aos outros. A clarificação! A tal

clarificação a que tu te referiste. (ST5, p. 7)

De seguida, Rita efectua uma breve síntese das ideias em debate e promove a

apresentação de outras estratégias:

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A Carolina achou que há um processo mais simples. Mas este é, ou não é,

válido? (…) Pode não ser o que vocês utilizaram. A Carolina diz que este

processo é mais complexo. E a Sónia tem ali qualquer coisa a dizer!

(TA4, p. 6)

Estratégia 2

Sónia refere que se “podia ter calculado apenas o preço da unidade” (TA4, p. 6),

embora não considere a estratégia anterior muito complicada. Vai ao quadro e regista o

seguinte:

0,9 : 100 = 0,009

2 : 250 = 0,008

3,5 : 500 = 0,007

Afirma ter dividido o preço pelo número de folhas e a turma parece compreender

e concordar com a validade da estratégia da colega. Rita pergunta-lhes o que concluem

sobre o que acabam de ouvir e Ricardo refere que Está bem feito. Este aluno (e mais

sete) resolveu esta questão com recurso à razão unitária. A análise dos registos nas

fichas de trabalho permite ainda verificar que quinze alunos recorrem à

proporcionalidade directa para justificar que a resma de 500 folhas é a mais económica.

Contudo, apenas Ana e Cátia referem explicitamente considerar a existência desta

relação. Os outros alunos recorrem a proporções, à regra de 3 simples ou à estratégia

aditiva, para mostrar que pagar 3,5 € por 500 folhas é mais vantajoso.

Estratégias 3 e 4

Tatiana e Mónica, um par de trabalho, têm estratégias diferentes de resolver esta

questão, pelo que Rita convida ambas a expor as suas respostas junto do quadro. Mónica

apresenta uma tabela (Tabela 4.1.) que representa uma relação de proporcionalidade

directa entre o número de folhas e o preço da resma, em que a constante de

proporcionalidade é 0,90 €.

Tabela 4.1. Relação de proporcionalidade directa entre o número de folhas e o preço

Número de folhas 100 200 300 400 500

Preço (euros) 0,90 1,80 2,70 3,60 4,50

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A aluna considera mostrar com esta tabela que a resma de 500 folhas, do

enunciado, a 3,5 € é a mais económica, pois pela proporcionalidade directa a mesma

resma custa 4,5 €. Porém a aluna, no seu exemplo, não refere a situação da resma de

250 folhas.

Antes de dar a palavra a Tatiana, a professora pergunta à turma: Alguém é capaz

de explicar o que percebeu daquilo que a Mónica disse? David refere considerar a

estratégia de Mónica “mais ou menos parecido com aquilo que a Ana e a Cátia fizeram”

(TA4, p. 6). A análise e a comparação das diferentes estratégias são aspectos que Rita

considera ser relevante pois os alunos ao “tomar[em] conhecimento da existência delas

noutra oportunidade podem usar uma destas estratégias de resolução” (ST10, p. 2).

Pelo seu lado, Tatiana afirma ter feito de modo diferente da parceira e explica o

seu raciocínio à turma. Esta aluna recorre à “regra de 3 simples” para chegar à

conclusão que a resma mais económica é a de 500 folhas (Figura 4.17). Verifica-se que,

em consequência de uma breve discussão, ocorrida na aula anterior (e não analisada),

sobre o modo como esta regra se estrutura, desta vez, a aluna aplica-a correctamente.

Figura 4.17. Registo da resolução da questão 2 da Tarefa 2 na ficha de trabalho de Tatiana

Tatiana afirma: A embalagem mais económica é a última comparando os seus

preços e a sua quantidade, vale mais comprá-la.

Rita reconhece existirem processos diferentes e chama a atenção dos alunos para

esse facto:

O [processo] da Tatiana, que utilizou uma regra de 3 simples. Chegou ao

preço das folhas igual a 4,5 €. A Mónica completou uma tabela,

utilizando também a proporcionalidade directa e chegou exactamente à

mesma conclusão. (…) A Ana e a Cátia, de outra forma, chegaram ao

mesmo valor. A Sónia ainda utilizou outra estratégia... (TA4, p. 6)

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Estratégia 5

A professora convida a turma a pronunciar-se sobre a existência de outras

resoluções: Alguém quer fazer mais algum comentário?, mas ninguém se pronuncia.

Rita sabe que a estratégia de João e Maria (Figura 4.18.), embora semelhante à primeira,

apresenta uma particularidade pelo que promove a sua exploração.

Figura 4.18. Registo da resolução da questão 2 da Tarefa 2 na ficha de trabalho de João

Professora: Maria e João! Digam lá o que é que escreveram!

[os alunos resistem em partilhar o que fizeram] Então Maria,

digam lá o que escreveram! Por ser diferente é que eu estou a

pedir. Diz lá João!

João: Nós fizemos o preço das folhas e depois comparámos.

Professora: Fizeram o preço das folhas ou de cada folha?

João: Fizemos o preço de cada resma.

Professora: De quanto?

João: De 100. Primeiro fizemos de 100, para compararmos a de 100 com

a de 250. Era a mais cara. Depois fizemos a de 250 para ver se era

mais barata que a de 500. Não era! E depois fizemos a resma de

100 x 5 para descobrirmos que era mais barata que o pacote, a

resma de 500 folhas. Também não era. E depois chegámos a

conclusão que a embalagem mais económica era a resma de 500

folhas.

Professora: Eu gostava que esse raciocínio estivesse aqui [no quadro]

explicitado! Porque eu vi que vocês fizeram ligeiramente

diferente do que os vossos colegas fizeram. No entanto o

raciocínio… Vamos ver se é válido, ou não!

João vai ao quadro, apresenta o seu raciocínio e justifica, passo a passo, a sua

estratégia. Rita incentiva-o a falar para a turma e os alunos estão atentos.

Professora: Então diga lá outra vez o raciocínio que fez. Diga para a

turma, não é para mim!

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João: Primeiro tentámos ver se era mais barato a embalagem de 100 do

que a de 250. E se fosse, [verificámos ainda] se a de 100 era mais

barata ainda do que a de 500.

Professora: Portanto eles fizeram aqui uma comparação entre resmas de

folhas, ou entre embalagens. Começaram por comparar a de

100…

João: Com a de 250.

Professora: E depois?

João: E depois, a de 250, comparámos com a de 500. E depois

comparámos a de 100 com a de 500 [pausa]. Então primeiro

fizemos [escreve no quadro 0,90 : 2 = 0,45]. Dividimos o 0,90 por

2 que dava 0,45.

Professora: Ou seja, tiveram o cuidado de calcular o preço de quantas

folhas?

João: De 50.

Professora: De 50 folhas. Que deu?

João e Alunos: 0,45.

João: Depois juntámos o preço das 100 folhas, duas resmas de 100

folhas, mais o preço de 50 folhas. Que é igual a 225 cêntimos…

2,25 €.

Professora: E agora vejam o que eles fizeram!

João: Como vimos que era mais cara [a resma de 250 folhas por este

raciocínio] do que uma embalagem de 250 folhas… Passámos à

fase seguinte, que era…

Professora: E quanto é que mais caro é?

João: 25 cêntimos.

Professora: Também disseram isso!?

João: Depois passamos à fase seguinte que era somar o preço das 250

folhas para ver se era mais barato do que o preço das 500 folhas.

Professora: Já que 500 é quantas vezes mais que 250?

João e Alunos: Duas vezes.

João: Fizemos 250… Não! Fizemos 2 mais 2. Este 2 representa o preço

das 250 folhas.

Professora: Dado na tabela!

João: Dado na tabela. Exactamente. Que é 4. Dava 4 €. E uma vez que

era mais caro que uma embalagem de 500 folhas, nós pensamos

que talvez se fizéssemos o preço das 100 folhas vezes 5, por causa

do 100, porque 500 é 5 vezes maior que o 100. Se nós fizéssemos

100 x 5 talvez o preço fosse menor

Professora: Então vamos lá ver! Este raciocínio está muito interessante e

eu gostava que os meninos o seguissem!

[João fala alto enquanto escreve 0,90+0,90+0,90+0,90+0,90 = 4,5 €]

João: Através destas contas chegámos à conclusão que a embalagem

mais económica era a de 500 folhas porque era só 3 euros e meio.

Professora: Em vez de ser quanto?

João: 4 euros e meio. Ou então 4 € [refere-se ao preço de duas

embalagens de 250 folhas].

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Professora: Ou então 4 €. Mesmo assim ainda era mais económico do

que a de 100 ou de 200. Então qual é a resposta que se pode dar

aqui?

João: A embalagem mais económica é a embalagem de 500 folhas. E

que o preço que está na tabela não é proporcionalmente directo ao

preço das folhas

Professora: Concordam com aquilo que o João disse? Acham que o João

e a Maria tiveram um desempenho diferente das outras

apresentadas aqui?

Alunos: Sim.

Professora: E é, ou não é, tão válido este raciocínio como aqueles todos

que foram aqui apresentados? Todos chegaram à conclusão que o

preço da resma de 500 folhas teria de ser quanto, se houvesse

Proporcionalidade Directa?

João e alunos: 4 euros e meio.

Professora: 4 euros e meio. Toda a turma comprovou que esta

diversidade de estratégias vai ao encontro da resposta da

embalagem mais económica?

Alguns alunos: Sim.

A análise deste excerto permite observar a acção da professora durante a

apresentação de João à turma. Ela garante que o aluno apresenta uma explicação

fundamentada sobre o modo como responde à questão 2. Acompanha o seu raciocínio e

apela à turma que atenda a aspectos que considera fundamentais à compreensão daquilo

que ouvem. Sustenta esta quase “auto-argumentação” pela repetição, pelo

questionamento e pela orientação de ideias, sem no entanto emitir a sua opinião sobre a

sua validade. Ajuda o aluno na conclusão e questiona a turma sobre a sua aceitabilidade.

Não ocorrem situações de discórdia ou desacordo, o que pode dever-se ao facto

de em situações em que existe uma resposta única e comummente aceite ser difícil

promover a discussão e a argumentação, no sentido da resolução de desacordos. No

entanto, a apresentação de diferentes estratégias e o pedido de justificações que

sustentem as opções tomadas, cria um contexto promotor da emergência de

argumentação, em que os alunos explicam e fundamentam as suas ideias, mesmo que de

um modo mais “individualizado”. Outro factor que pode também ter contribuído para a

inexistência de argumentação entre os alunos reside na sua semelhança com estratégias

já apresentadas. A diferença essencial consiste no grau de pormenor conferido pelo

aluno na sua explicação, na comparação dos preços de todas as resmas com as restantes,

a apresentação simultânea de resultados e razões que os justificam, tornando-a deste

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modo uma estratégia mais completa e clara, que contém em si as razões necessárias à

sua aceitação e validação.

De um modo geral, nesta questão os alunos recorrem à existência de

proporcionalidade directa, entre o número de folhas e o preço e à razão unitária. Pelo

primeiro processo de justificação concluem que a resma mais barata é a de 500 folhas,

por custar 3,5 € em vez de 4 € ou 4,5 €. Pela razão unitária concluem e aceitam sem

dúvidas que a resma mais económica é a de 500 folhas, pois custa 0,007 € por folha.

Concluem também que a tabela do enunciado não representa uma situação de

proporcionalidade directa.

Rita faz, entre cada apresentação, a sistematização das resoluções chamando à

atenção para as analogias e diferenças entre elas. Deste modo, proporciona aos alunos a

reflexão sobre as ideias apresentadas e permite a percepção da existência de estratégias

de resolução diferentes. Estes momentos contribuem para o enriquecimento do

conhecimento matemático dos alunos porque “à partida [esta estratégia] parecia

semelhante às dos outros colegas, mas é diferente” (ST10, p. 2).

Episódio 11- Eu discordo! Eu também…

A propósito da questão 4.2. - A área de um quadrado é directamente

proporcional ao comprimento do seu lado? Justifica a tua resposta, Rita pede à aluna

que está no quadro, Sara, que apresente a sua resposta e a respectiva justificação. A

aluna responde afirmativamente e justifica: Sim, porque a área é sempre o quadrado de

um lado, que regista no quadro. Rita lê a frase e chama a atenção da turma para o seu

conteúdo, sem emitir opinião sobre a sua validade. Ao perceber que os alunos não se

manifestam e por saber que existem respostas contrárias a esta, Rita decide perguntar:

Quem é que discorda desta afirmação?

Aluno: Eu discordo.

António: Eu também discordo!

Professora: Diz, Patrícia.

Patrícia: Eu discordo! Porque 9 a dividir por 3 dá 3.

Professora: Olhem o que a Patrícia diz. Eu ainda não percebi. Se sim, se

concorda, se discorda!

Patrícia: Discordo.

Professora: Discorda. E porquê?

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Patrícia: Porque 9 a dividir por 3 dá 3, 25 a dividir por 5 dá 5, 36 a

dividir por 6 dá 6…

Professora: Logo…?

Patrícia: A constante de proporcionalidade directa não é igual.

Rita desafia os alunos a pronunciar-se, caso discordem, sobre a resposta de Sara,

o que é aceite por uma grande parte dos alunos. O termo discorda é de imediato

adoptado por aqueles que se manifestam contra e, no caso de Patrícia, vem

acompanhado de uma justificação. Por entender que a aluna apresenta uma razão que

refuta a conclusão de Sara, a professora chama a tenção dos alunos e pede a Patrícia que

explique melhor o seu raciocínio. A aluna apresenta uma justificação mais completa,

que a professora acompanha, ajudo-a na conclusão.

Rita pensa que, após a apresentação de um argumento “tão convincente”, Sara e

a turma ficavam convencidos que, de facto, a área e o lado de um quadrado não são

grandezas directamente proporcionais. Mas tal não acontece!

Professora: Ela diz que a constante de proporcionalidade directa não é

igual. A Patrícia fez isto… [escreve no quadro 9:3=3, 25:5=5 e

36:6=6] Depois… Estes valores aqui [aponta para os resultados]

são iguais?

Patrícia: Não.

Professora: Estes valores aqui não são iguais?

Alunos: Não.

Professora: Então há, ou não há, proporcionalidade directa entre a área e

o lado do quadrado?

António: Sim! (…) Não.

Professora: Eu não estou a perceber. Diz Teresa.

O que à partida seria o desfecho da discussão e a chegada ao consenso, a

apresentação de um argumento válido e irrefutável, transformou-se na causa de um

debate aceso entre alguns alunos. A turma está dividida quanto à validade das respostas

de Patrícia e de Sara, uma das melhores alunas. Rita aproveita esta oportunidade para

fomentar a discussão e promover a argumentação, isto é, a apresentação de argumentos

por parte dos alunos participantes. Até ao momento, não tomou partido de nenhuma

resposta, o que contribui para a incerteza dos alunos mas, também, promove a troca de

argumentos, a favor ou contra. Com a intenção de sustentar e resolver este desacordo

Rita pede a Teresa que apresente as suas razões.

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Teresa: Setora, eu fiz como há bocado [refere-se ao exercício anterior].

Pela proporção.

Professora: Olhem outro processo. A Teresa. Diz!

Teresa: 3 para 9 e 5 para 25.

[a professora escreve no quadro e dirige-se à turma]

Professora: Isto é uma proporção?

Alunos: É.

Professora: É! Então vamos lá ver porque é que é! Será que 3x25

[e completa = 9 x 5]?

Sara e outros alunos: Não é setora!

[a professora regista no quadro 75 = 45 e os alunos verificam que não é proporção]

Professora (dirigindo-se a Sara): Então agora diga de sua justiça em

relação à sua resposta.

[Sara não reage]

Após a apresentação de duas justificações válidas, para refutar a existência de

proporcionalidade directa entre o lado e a área de um quadrado, Rita pede a Sara que

reconsidere a sua resposta. A professora pensa que a aluna já está convencida mas

perante a sua hesitação opta por sistematizar as ideias em discussão.

Professora: Há aqui três respostas diferentes. Reparem. Esta é a da Sara,

esta é a da Patrícia e esta é a da Teresa. Agora vamos chegar aqui

a um consenso. Há, ou não há, proporcionalidade? [a turma não

responde] Há, ou não há, proporcionalidade directa entre a área e

o… Há?

António: Não sei!

Professora: Eu gostava que pensassem nisto.

António: Não!

Professora: Sara, és capaz de pensar sobre isto, que tu disseste, em

função daquilo que os teus colegas aqui propuseram?

Sara: Eu acho que há porque a área é sempre o lado ao quadrado.

Professora: A área é sempre um lado ao quadrado. Eu queria ouvir mais

ideias, mais respostas.

Ainda não há consenso. Sara considera a sua resposta válida porque o quociente

entre a área a o lado de um quadrado dá sempre o lado do quadrado. Ao considerar

sempre como a constante de proporcionalidade a aluna não consegue entender que este

quociente varia quando se considera outro quadrado, pelo que a sua justificação não é

válida. A razão que refuta esta relação é reiterada por Cátia, que manifesta interesse em

contribuir nesta discussão e na resolução do impasse em que a turma está.

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Cátia: A área do quadrado a dividir pelo seu lado dá sempre o

comprimento do seu lado.

Professora: És capaz de dizer isso tudo desde o início? Tu e a Ana.

Cátia: Dissemos que não [existe proporcionalidade]. Porque a área de

um quadrado a dividir pelo seu lado dá sempre o comprimento do

seu lado.

Professora: Ou seja não dá um valor…

Cátia: Igual. Se um quadrado tiver de lado 3cm (…) dá 3 e se um

quadrado tiver de lado 5 dá 5.

Professora: Então e o que é que isso quer dizer? Que há ou não há

proporcionalidade?

[a professora dirige-se à turma]

Olhem, há aqui um par de meninas que não concordam com

aquilo que a Sara escreveu ali no quadro. A Patrícia também não

concorda, a Teresa também não concorda mas eu quero ouvir

outras vozes.

A Cátia e a Ana discordam e foi esta a palavra que ela aplicou.

Foi ou não? Discordam do que a Sara disse e se não se importa

vai explicar bem à Sara porque é que discorda.

Cátia volta a explicar a razão porque considera não se ter sempre o mesmo

resultado. De facto, o quociente entre a área e o lado do quadrado é sempre igual ao

valor do lado, mas isso não serve de razão para a existência de proporcionalidade

directa entre as duas grandezas. Quando o quadrado varia o resultado deste quociente

também varia e isso faz com que não exista constante.

Após este momento, em que Cátia apresenta os seus argumentos a Sara, Rita

pergunta: Acham que aquilo que a Cátia acabou de dizer justifica esta discórdia? ao

que a maioria dos alunos responde afirmativamente. Com o propósito de confirmar que

existe consenso e que os alunos entendem a conclusão, Rita pergunta ainda: Então há,

ou não há, proporcionalidade directa entre a área e o lado? Esta pergunta, contém em

si as duas opções de resposta, ou seja, a professora não valida ainda qualquer raciocínio,

pelo que deixa em aberto a possibilidade dos alunos que têm dúvidas ou que não

concordam com alguma opinião, se manifestarem. A professora pede a António a sua

opinião, porque este aluno mostrou-se dividido entre as duas respostas e revelou alguma

dificuldade em tomar posição por uma delas.

Professora: Então a que conclusão é que podemos chegar? Diz lá

António.

António: Que não há proporcionalidade directa.

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Professora: Ó Carolina! És capaz de, numa frase simples, dizer a

conclusão final deste exercício? [A aluna diz que não consegue.]

E tu Tomás?

Tomás: Se dividirmos a área pelo lado nunca dá o mesmo resultado.

Professora: Não dá o resultado igual. Então qual é a conclusão? Há, ou

não há, proporcionalidade?

António: Não há.

Professora: Não há proporcionalidade.

De facto, o aluno parece convencido das razões que levam à conclusão, que é

aceite pela turma e registada no quadro.

Reflexão

Ao visualizar o registo desta aula percebemos de imediato que existia algo

diferente em relação às aulas anteriores. Os aspectos mais marcantes relacionam-se com

a tarefa, o registo dos raciocínios, a participação dos alunos e a acção da professora.

Sobre este assunto, consideramos que Rita, nesta aula, age de modo mais descontraído,

sem mostrar tanta ansiedade quanto ao desempenho dos alunos e à sua capacidade de

argumentar, assumindo principalmente o papel de moderadora das discussões e

promotora de argumentação, pela realização de questões e pedidos de justificação.

A pertinência dos pedidos de justificação conduz-nos à reflexão sobre os termos

explicação e justificação, que consideramos não terem o mesmo significado. As

justificações são fundamentais no processo de argumentação mas não excluímos a

importância dos pedidos de explicação. Consideramos que “só depois de pedir uma

explicação é que é possível pedir uma justificação” (ST9, p. 1), caso esta não esteja

incluída. Consideramos igualmente importante ponderar sobre o modo como os alunos

interpretam estes dois termos. Por vezes consideram que justificar significa apresentar

um procedimento, um cálculo ou um raciocínio, sem ter de apresentar razões que o

fundamentem. Para lhes mostrar a necessidade da fundamentação, o pedido de razões,

pela expressão Porquê, por exemplo, ou a condução/orientação do seu raciocínio neste

sentido, podem ser estratégias a usar pelo professor quando este pretende promover

situações de argumentação. Pensamos que ao explicitar a sua ideia e a justificação que

lhe está inerente o aluno torna-a passível de ser analisada e eventualmente discutida no

seio da turma.

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Nesta aula, verificamos que os alunos, de uma forma voluntária, mostram

“vontade em explicitar os seus raciocínios e em questionar ou pedir esclarecimento aos

colegas, quando disso sentiram necessidade (ST5, p. 10). A sua participação pauta-se

por um maior à vontade na manifestação de opiniões e na procura de razões que as

justifiquem. De facto, o seu contributo no pedido de esclarecimentos, de justificações ou

mesmo a sua espontaneidade quando a professora solicita algo, são acções reveladoras

de uma “dinâmica de aula diferente” (ST9, p. 7). Concluímos que a “interiorização das

normas de participação e argumentação” estão presentes pois “eles ouviam e até

discordaram!” (ST9, p. 8) o que revela o desenvolvimento da capacidade de argumentar.

Nesta aula surgiram com mais frequência situações de desacordo. Como refere

Rita, “a discórdia foi explícita, as justificações apresentadas, discutidas entre os alunos e

eu consegui sustentar [a discussão]” (ST9, p. 9). Reflectir sobre este facto leva-nos a

encontrar razões que aparentemente contribuem para a sua emergência. Consideramos

que o tipo de tarefa por ser “menos complexa e aberta que a tarefa Quadrados de

números terminados em 5 pode ter influência no modo como os alunos interagiram e

reagiram aos pedidos de explicação e justificação” (ST5, p. 11). Esta tarefa, de cariz

mais real, “é mais significativa para os alunos e isso poderá ajudar nas justificações”

(ST5, p. 11). No caso da tarefa Quadrados de números terminados em 5 o registo da

regra e a sua justificação foi muito mais difícil, que no caso do registo das conclusões e

justificações da ficha Grandezas directamente proporcionais. Ao analisar o registo

escrito dos alunos nas suas fichas de trabalho, verifica-se existir uma maior quantidade

de justificações que recorrem, na sua maioria, a conteúdos matemáticos:

Os alunos aqui [na ficha da proporcionalidade directa] sentem-se mais

capazes de conseguir argumentar matematicamente ou por [recurso ao]

dia-a-dia. Enquanto a outra [da regra dos quadrados] era mais abstracta.

Eles nem tinham bem a certeza do que estavam a escrever. (ST6, p. 8)

A dificuldade no registo das suas ideias foi muito mais evidente na primeira

tarefa que nesta. Nas duas aulas dedicadas à resolução e discussão da tarefa Grandezas

Directamente Proporcionais, não se ouviu uma única vez os alunos a perguntarem: “E o

que é que a professora quer que eu escreva?” (ST5, p. 12). Verifica-se que eles recorrem

aos seus conhecimentos sobre proporcionalidade, que é um conteúdo mais acessível,

mas também têm oportunidade de recorrer ao seu conhecimento do quotidiano.

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O registo dos raciocínios dos alunos no quadro permite, mais uma vez, a

comparação de raciocínios e facilita a indicação de argumentos que validam ou refutam

a ideia em debate. Torna, igualmente, o raciocínio explícito e passível de ser analisado,

criticado e avaliado pelos outros. O registo escrito não dispensa uma explicação oral

assim como uma explicação oral deve ter como suporte o registo escrito. A pertinência

deste último tipo de registo é justificada por Rita pois, como refere, “quando um aluno

explica oralmente os outros têm dificuldade em acompanhar. Isso depende também do

nível de conhecimentos” (ST5, p. 10).

Consideramos ser relevante para a preparação das discussões colectivas o

conhecimento, por parte do professor, do trabalho desenvolvido pelos alunos. Para tal, é

necessário que acompanhe a sua actividade enquanto estes resolvem a tarefa ou faça

uma leitura dos registos, nas fichas de trabalho, caso exista tempo entre a aula de

resolução e a de discussão.

Fazemos um balanço geral positivo desta aula quanto à concretização dos nossos

objectivos, no entanto há alguns aspectos que Rita considera relevante mencionar. Em

primeiro lugar, refere ter ficado com dúvida sobre a opinião de Sara em relação à

conclusão da questão 4.2. Ao visualizar o registo da aula nota que a aluna se senta sem

nunca manifestar a sua opinião sobre a conclusão, pelo que a procurou, na aula seguinte,

para se esclarecer. Constata então que a opinião da aluna mudou como resultado da

discussão ocorrida, pelo que agora concorda com a não existência de proporcionalidade

directa entre o lado de um quadrado e a sua área.

Um segundo aspecto referido por Rita relaciona-se com a apresentação de

Tatiana e Mónica. Refere sentir que podia ter agido de outro modo, para promover a

discussão entre as alunas e eventualmente a argumentação com os restantes alunos:

Embora estas duas alunas tenham realizado este trabalho a pares, tiveram

resoluções diferentes. Acho que, no momento em que fizeram esta

apresentação aqui à turma, eu deveria ter colocado as duas a discutir as

estratégias e por que motivo é que resolveram de maneira diferente! Ou

seja, devia as ter posto a dialogar ou a discutir uma com a outra sobre as

duas resoluções diferentes, sendo elas do mesmo par. E acho que não

pus. (ST9, p. 7)

Quanto à quase auto-argumentação de João, a professora questiona a sua acção:

“Que tipo de papel diferente é que eu poderia ter feito, para sustentar mais a

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argumentação, para a promover mais?” (ST10, p. 1). Considera ainda não ter atingido o

objectivo relativo à promoção da discussão entre os alunos, pelo menos tanto quanto

pretende. Reconhece que nesta aula espera que os alunos pensem nas questões e

respondam, não valida de imediato as suas opiniões, intervém menos e promove a

exposição de diferentes estratégias. Contudo, “em termos de argumentação deveria ser

mais questionadora. Sustentar mais… Enriquecer mais a discussão!” (ST10, p. 10).

Não obstante, a observação: “Esta foi uma das aulas em que eu fiquei mais

satisfeita” (ST10, p.1), deixa transparecer um sentimento positivo em relação à sua

participação neste projecto e um reconhecimento de realização profissional. Sente que

tem evoluído na promoção de situações de argumentação, na aula de Matemática, e que

para isso têm contribuído as reflexões que faz sobre as suas aulas. Reconhece que tem

enfrentado dificuldades na implementação da argumentação que passam, também, pelo

elevado número de alunos na turma: “Eu acho que nós nunca conseguimos chegar a

todos. Eu não sei se sentes isso nas tuas turmas… Quanto maior é a turma mais difícil se

torna” (ST9, p. 1). Refere ainda que é particularmente difícil perceber o momento

oportuno para “alimentar” uma discussão e perceber que está ocorrer um momento

promotor de argumentação.

Aulas 5: Proporcionalidade directa – representação gráfica

Aula 5 – 25.Nov.08

Preparação da aula

Para esta aula, em que Rita vai introduzir um novo conteúdo programático –

representação gráfica de uma relação de proporcionalidade directa – decidimos não

elaborar uma tarefa específica, em suporte papel, como acontece nas aulas anteriores, e

consideramos interessante analisar a dinâmica desta aula no que respeita à emergência,

gestão e resolução de episódios de argumentação. Assim, pretendemos retomar o tema

da proporcionalidade directa pela apresentação de uma situação desta natureza e de dois

gráficos, um representativo da situação e outro não. Consideramos importante que os

alunos relacionem as duas formas de representação, consigam indicar algumas

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características de um gráfico de proporcionalidade directa e apresentem razões que

justifiquem o facto de determinado gráfico não representar a dita relação.

Numa segunda fase da aula, é apresentada uma situação de misturas, ou seja,

propõem-se aos alunos a análise de uma situação de concentrado de sumo para água à

razão de 2 para 5. Esperamos que consigam: (i) indicar o significado de 2 e 5, neste

contexto, (ii) completar a tabela correspondente, (iii) identificar a relação entre o sumo e

a água como uma proporcionalidade directa, (iv) indicar a constante de

proporcionalidade e o seu significado, (v) construir o gráfico, e (vi) eventualmente

chegar à expressão algébrica.

Por não ser uma aula em que os alunos vão resolver uma tarefa de índole

investigativa ou exploratória, temos algumas dúvidas quanto à possível ocorrência de

situações de argumentação. Em nosso entender, as aulas de cariz expositivo podem

proporcionar, ou não, oportunidades de participação e partilha de ideias, condições

necessárias à ocorrência de argumentação. Tudo depende da actividade pelo que Rita

pretende estar atenta às contribuições dos alunos e, sempre que considere adequado,

espera conseguir promover a apresentação de justificações e troca de argumentos entre

eles. Como refere:

Espero que surjam episódios interessantes. Na situação de não

proporcionalidade directa, podem surgir situações. Alguns alunos

acharem que se trata de uma situação de proporcionalidade directa. E aí é

que se pode promover a discussão e o desacordo, não é? (ST5, pp. 1-2)

Desenvolvimento da aula

1.ª Parte da aula

Rita inicia esta aula com um pequeno diálogo que estabelece com Sara sobre os

acontecimentos da aula de dia 20 de Novembro. Relembro que nessa aula esta aluna

afirma que a área de um quadrado e o seu lado são directamente proporcionais porque a

área a dividir pelo lado dá sempre o lado. Alguns colegas não concordam com a

conclusão de Sara e apresentam razões que a refutam. No entanto, ao visualizar o

registo vídeo dessa aula constata-se que a aluna foi para o seu lugar aparentemente não

convencida pelos colegas e sem manifestar a sua opinião sobre o assunto. Por

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desconhecer se Sara ainda considera a sua opinião válida ou se a mudou depois de ouvir

os colegas Rita resolve questioná-la.

Professora: E tu ficaste convencida, ou não, de que a área é ou não

directamente proporcional ao lado do quadrado?

Sara: Não era.

Professora: Não era. E és capaz de me explicar porquê que não era?

Sara: Porque não havia constante de proporcionalidade.

Professora: E como é que obtinhas a constante? Como é que verificavas

que não havia constante?

Sara: Tínhamos que dividir a área do quadrado, pelo lado.

Professora: Pelo lado. E se o resultado final dessa divisão não era igual,

significa então que essas grandezas…

Sara: Não são proporcionais.

Professora: Não são directamente proporcionais. Então ficaste

convencida da situação?

Sara: Sim.

Uma análise deste pequeno diálogo permite verificar que Sara reflectiu sobre os

acontecimentos da aula de dia 20 e reformulou a sua opinião sobre o assunto. Rita

procura reconstruir o argumento que valida a conclusão - Não existe proporcionalidade

directa entre o lado e área de um quadrado - em conjunto com a aluna. Este

procedimento permite-lhe não só confirmar que, de facto, Sara pensou sobre o assunto,

como também, permite rever em conjunto com ela o argumento que valida a conclusão.

Fá-lo colocando uma questão que deixa a aluna à vontade para responder

afirmativamente, ou não, e que não contém em si a opinião da professora. Recorre à

repetição da resposta da aluna, Não era! e acrescenta-lhe um pedido de justificação, ou

seja, pede uma garantia para a sua resposta. Pela repetição de parte da resposta da aluna

transmite-lhe segurança e veicula a sua resposta como hipoteticamente válida e pelo

pedido de justificação procura efectivamente saber se a aluna sabe as razões que a

validam e dá-lhe oportunidade de as explicitar.

A afirmação Porque não havia constante de proporcionalidade, referida por

Sara, carece de um reforço matemático, isto é, a referência à variação do quociente entre

as duas grandezas. Neste momento, a acção de Rita é crucial na sustentação da

apresentação de garantias por parte da aluna. O pedido de esclarecimento que lhe

dirige: Como é que verificavas que não havia constante? faz com que Sara procure uma

razão mais forte para a sua conclusão. A aluna refere a divisão da área de um quadrado

pelo seu lado e a professora, por perceber que ela está no bom sentido, repete uma parte

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da resposta e expande-a referindo que o resultado final dessa divisão não era igual. A

aluna conclui o argumento (Figura 4.19.), agora devidamente fundamentado – as duas

grandezas não são directamente proporcionais pois o seu quociente não é constante. Os

restantes alunos estiveram sempre calados e a ouvir o diálogo.

Figura 4.19. Esquema do argumento Não há proporcionalidade entre a área e o lado de um quadrado

2.ª Parte da aula

Rita inicia este momento colocando a questão: Se tivermos duas grandezas

representadas numa tabela como é que nós conseguimos ver se elas são, ou não,

directamente proporcionais? que dirige a Ana. Nem a aluna nem o resto da turma se

manifesta, o que leva a professora a repetir mais duas vezes esta questão. Por ver que

esta estratégia não resulta desenha uma tabela “improvisada” no quadro (Tabela 4.2.) e

pergunta: Estas duas grandezas A e B são, ou não, directamente proporcionais?

Tabela 4.2. Tabela representativa de uma situação de proporcionalidade directa entre A e B

A 1 2 3

B 4 8 12

Dados

Lado do quadrado

Área do quadrado

Conclusão Não são directamente

proporcionais

Garantia Não há constante de

proporcionalidade

Fundamento O quociente entre a área do quadrado

e o seu lado não dá sempre o mesmo valor

Regra do arredondamento

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Episódio12 – Duas justificações válidas

Ao visualizarem a tabela, alguns alunos manifestam a sua opinião sobre a

relação entre A e B. Surgem duas justificações diferentes e um aluno, Afonso, manifesta

desacordo em relação ao modo de justificar de uma colega, Tatiana e que Rita aproveita

para explorar:

João: São.

Professora: Diz o João que sim. Porquê João?

João: Porque o preço…

Professora: O preço? Quais são as grandezas que temos aqui? Chamei-

lhe A e chamei-lhe B, certo? Não tem de ter relação nenhuma

com preços! Como é que eu sei se A e B são directamente

proporcionais? Diz lá João! Então? [a turma mantém o silêncio]

Tatiana!

Tatiana: Porque há uma constante de proporcionalidade.

Professora: Porque há uma constante de proporcionalidade. E qual é

essa constante?

Tatiana: É 4.

Professora: Porquê?

Tatiana: Porque… 4 a dividir por 1 é 4.

Afonso: Não!

Professora: 4. Diz! [olha para o Afonso] Vá, ela diz assim: 4 a dividir

por 1 é 4.

[pausa e olha para a Tatiana]

Tatiana: 8 a dividir por 2…

Professora: 8 a dividir por 2 é…

Tatiana: É 4.

Professora: É 4. E…

[espera que a aluna continue]

Tatiana: 12 a dividir por 3 é…

Professora: 12 a dividir por 3 é 4. E o Afonso dizia assim: Não! Porquê?

Afonso: Acho que é assim.

[o aluno concorda com o que está registado no quadro]

Professora: Porquê que achas que é assim? Então? Eu queria ver se o

Afonso… [refere olhando para a turma]

Afonso: 1 x 8.

Professora: 1 x 8… [gesticula junto da tabela]

Afonso: O 2 vezes o 4.

Professora: 2 vezes o 4 [volta a gesticular o produto cruzado] Então tu

dizes assim, 1 x 8?

Afonso: 8.

Professora: E…

Afonso: 2 x 4.

Professora: 2 x 4. Dá quanto?

Afonso: 8.

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Professora: 8. E isto significa ou não, Afonso, que há proporcionalidade

directa?

Afonso: Significa.

Professora: Sim. Ora então repara! Se eu puser aqui um sinal de igual,

[entre as divisões que Tatiana referiu] isto não fica uma

proporção? Por esta razão [refere-se ao facto dos produtos

cruzados significarem o mesmo que a igualdade entre as razões],

certo?! Então as grandezas são, ou não, directamente

proporcionais? Utilizando este processo. Dizes tu! É outra forma.

Durante este momento da aula Rita percebe que Afonso não está de acordo com

a justificação de Tatiana, pelo que, aproveita esta oportunidade para fomentar a

apresentação de razões divergentes. Como o desacordo do aluno surgiu quando a aluna

ainda se encontrava a explicitar a sua opinião, a professora incentiva-a a completar o

seu raciocínio e só depois dá a palavra ao aluno. Simultaneamente regista no quadro os

quocientes que a aluna refere 41

4 , 4

2

8 e 4

3

12 . Enquanto o aluno verbaliza a sua

forma de justificar a existência de proporcionalidade directa entre A e B, a professora

gesticula junto da tabela o produto cruzado das grandezas. Enquanto o faz questiona o

aluno sobre os resultados 1x8 e 2x4 que, por serem sempre 8, e portanto constantes,

justificam a existência desta relação.

Os alunos não chegam a “esgrimir” argumentos, isto é, não discutem entre si a

validade das suas opiniões. Isso não ocorre, possivelmente, porque Rita não promove

essa discussão mas também se pode dever ao facto de Afonso não estar em desacordo

com Tatiana por considerar existir um erro no seu raciocínio. O aluno apenas tem outra

forma de pensar. A professora justifica a sua acção por considerar que “provavelmente

eles não iam conseguir ver logo que as duas ideias eram convergentes” (DB, p. 11) e

também porque “o objectivo da aula não era trabalhar a proporcionalidade directa na

forma tabelar, mas era introduzir conteúdos novos: gráficos cartesianos” (DB, p. 11).

No entanto, refere, “aquele Não! do Afonso alertou-me para a existência de um

momento oportuno para fomentar a argumentação” (DB, p. 11) o que faz promovendo a

apresentação de razões do aluno, acompanhando o seu raciocínio com o registo no

quadro e sistematizando os acontecimentos no final, de modo a que os alunos se

convençam da validade das suas afirmações e dos seus colegas.

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3.ª Parte da aula

Rita propõe a situação do concentrado de sumo de laranja antes de abordar os

gráficos cartesianos. Regista no quadro o seguinte,

“O concentrado de um sumo de laranja deve ser diluído em água na razão de 2 para 5.

Como é que interpretas a relação anterior?

Completa a tabela:

Medidas de concentrado

de laranja 1 2

Medidas de água 10 15

Existe PD entre as duas grandezas? Justifica.”

(GO5, p. 2)

e incentiva os alunos a indicar o significado do 2 e do 5 na frase. Há consenso quanto ao

significado ser: Para cada duas medidas de sumo temos de colocar cinco de água e

reforça-se a validade desta conclusão pela ordem em que aparecem as palavras sumo e

água.

Este exercício é resolvido simultaneamente pela professora com os alunos, pelo

recurso à sequência questão-resposta-validação e registam-se no quadro as respostas que

os alunos dão. Durante esta parte da aula não ocorreram situações de desacordo, nem há

manifestação de divergências de opinião que necessitem de ser resolvidos pelo recurso à

argumentação. Existem breves situações em que um ou outro aluno não compreende um

assunto e, quando isso acontece, Rita promove a sua reflexão sobre a questão o que

conduz a um convencimento quase imediato.

Seguem-se as explicações da professora sobre gráficos cartesianos: eixos, a

origem dos eixos, a marcação dos pontos, as coordenadas, os pares ordenados e os

alunos fazem os seus registos no caderno diário. De seguida a professora propõe-lhes

que representem na forma gráfica a situação de proporcionalidade directa do exercício

anterior – o concentrado de sumo de laranja.

A professora dá tempo aos alunos para construir o gráfico. Vai acompanhando o

seu trabalho e verifica que o que está registado, por vezes, não corresponde ao que está

no quadro e apela a que os alunos passem os conteúdos de forma rigorosa. Dá

indicações sobre o modo como devem fazer a representação no gráfico a partir da

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tabela, a importância dos valores da variável independente – concentrado de sumo de

laranja – serem representados no eixo das abcissas. Os alunos compreendem com

alguma facilidade como se representam os pares de valores correspondentes, medida de

concentrado e medida de água, no sistema de eixos. Marcam os pontos e a professora

corrige alguns pormenores, ajuda no esclarecimento de algumas dúvidas e pede-lhes que

usem uma régua e a coloquem sobre o gráfico.

Episódio 13 – Um gráfico de proporcionalidade directa

Quando pergunta à turma: O que acontece? surgem opiniões divergentes. Ao

constatar que os alunos apresentam respostas diferentes diz: Vamos aqui tirar uma

conclusão, todos juntos! Apela à sua atenção e tenta que todos consigam obter uma

recta que contenha a origem dos eixos.

Professora: Já uniram estes pontos? Então já alguém conseguiu desenhar

uma recta que passe aqui?

António: Aonde?

Professora: Aqui neste ponto. [refere o ponto da origem dos eixos]

Aluno: É impossível!

[muitos alunos falam em simultâneo e não se entende o que dizem]

A professora reforça a ideia de que o que está correcto é a régua conter todos os

pontos do gráfico e questiona a turma sobre quem não tem este resultado. Carolina é

uma dessas alunas pelo que a professora procura junto dela a razão pela qual não tem o

resultado esperado. Verifica que a escala não está bem construída e, quando se prepara

para colocar a situação à discussão com os restantes alunos, surge um desentendimento

verbal entre dois alunos, que desvia a sua atenção. Quando retoma a aula no ponto em

que ficou Rita não aborda esta situação.

Além do problema da escala mal construída há também erros na marcação de

pontos, como por exemplo (4,9), quando ao 4 não corresponde o 9 mas sim o 10.

A fim de levar os alunos a compreender que um gráfico de proporcionalidade

directa é uma recta que passa na origem do referencial e com o objectivo de os fazer

pensar no modo como podem justificar a sua opinião, Rita apresenta três esboços destas

duas situações, questiona os alunos e pede-lhes justificações. Ouvem-se afirmações

como: O gráfico não é de proporcionalidade directa porque não passa nos pontos

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todos! o que pode significar que os alunos ainda não adquiriram o vocabulário

suficiente para justificar o que vêem ou ainda não conseguem explicar-se de forma

correcta, de acordo com a nomenclatura para estas situações. Assim, Rita reitera a

necessidade de haver consenso, resolve recapitular o trabalho realizado e conduz os

alunos à conclusão.

Professora: Eu agora preciso de fazer aqui uma conclusão geral. Então,

temos aqui uma representação na forma de uma tabela, certo?

Esta representação [aponta para o gráfico] é, ou não é, da mesma

situação? Desta que esta aqui na tabela?

[alguns alunos respondem que sim]

É. Temos a representação que está na tabela, na forma de uma

tabela, esta [gráfico] está na representação na forma de quê? De

um quê?

[alguns alunos respondem gráfico]

É a representação da mesma situação. Só que representações

diferentes. Na tabela toda a gente consegue verificar se há

proporcionalidade directa se houver uma constante, ou seja, se

dividirmos uma grandeza pela outra e obtivermos sempre o

mesmo…?

Alunos: Resultado.

Professora: Resultado. Como é que num gráfico conseguimos dizer,

logo à partida, só por observação, se há ou não proporcionalidade

directa?

Aluno: Se ele tiver uma linha recta.

Professora: Se ele tiver uma linha recta que…? Que passa aonde?

[algumas respostas em simultâneo]

Então vamos lá falar um de cada vez! Diz lá António! [o aluno

não responde] Todos os pontos têm de estar sobre uma linha recta

que… [não se entende o que o aluno diz] Então destes três

[gráficos], outra vez, diz-me lá qual é o único que é de

proporcionalidade directa?

António: É o primeiro.

Professora: É o primeiro.

Ao repetir a resposta do aluno, Rita valida-a e torna claro para a turma que

aquele é o único gráfico, dos três que estão desenhados no quadro, que representa uma

situação de proporcionalidade directa. Para lhes mostrar como podem justificar que um

gráfico não é representativo de uma relação desta natureza a professora pergunta a

Sónia: Se isto [recta que contém a origem dos eixos] não acontecer há, ou não há,

proporcionalidade directa? A aluna responde negativamente e a discussão termina.

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Até ao final da aula os alunos resolvem exercícios do manual sobre

representação gráfica de situações de proporcionalidade directa.

Reflexão

Em nosso entender, a conversa de Rita com Sara, no início desta aula, é uma

mais-valia na promoção da auto-confiança dos alunos, em particular da aluna, e

contribui para a valorização da sua reflexão sobre a actividade de cada aula. Este

momento serve para esclarecer a professora quanto à opinião da aluna sobre os

acontecimentos da aula de dia 20 de Novembro. É útil para a aluna, na medida em que é

um reforço à sua opinião e serve para os outros alunos, pois surge como uma conclusão

geral dessa actividade.

Saliente-se que o principal objectivo desta aula é a compreensão, por parte dos

alunos, de um novo conceito – representação gráfica de uma proporcionalidade directa e

em consequência o conhecimento sobre gráficos cartesianos. Pretendemos também, a

partir da análise da dinâmica da aula, verificar em que circunstâncias ocorrem situações

de argumentação e qual, ou quais, as acções da professora na sua promoção, sustentação

e resolução. Este propósito torna-se relevante, do nosso ponto de vista, dado que esta

aula não contempla a proposta de tarefas em suporte papel nem questões de natureza

exploratória ou investigativa.

Quanto ao primeiro objectivo consideramos que os alunos compreendem como

se deve representar graficamente uma proporcionalidade directa, que cuidados se deve

ter com a construção do gráfico, com a marcação dos pontos e que aspecto tem um

gráfico referente a esta relação – uma recta que contém a origem dos eixos. A revisão

ou relato final, que Rita realiza, ajuda certamente a clarificar algumas dúvidas e a

esbater algumas dificuldades que os alunos podem sentir. Como refere:

Toda a aula foi expositiva, cujo objectivo era a leccionação de novos

conteúdos. Contudo, com a análise que fui fazendo ao trabalho

desenvolvido pelos alunos na própria aula e nas seguintes, posso referir

que a maioria percebeu estes novos conteúdos. (ST6, p. 5)

Embora caracterizemos esta aula de expositiva nela encontramos momentos em

que os alunos podem e devem participar. Neste sentido, a professora questiona-os e

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promove, em alguns momentos, a apresentação de raciocínios de um aluno a toda a

turma, proporcionando a partilha e o debate de ideias. No entanto, vivencia algumas

dificuldades, como por exemplo, no princípio da aula, os alunos apresentarem alguma

apatia e não responderem às suas questões. Tentamos encontrar causas para esta

situação e ocorrem-nos duas: os alunos estão com sono (situação normal nesta turma

logo pela manhã) ou os alunos não estão muito à vontade com as questões que a

professora coloca, porque ainda não dominam os conteúdos. Em todo o caso, Rita

considera que a razão mais saliente é o tipo de aula que proporciona aos alunos:

Embora tenha a ideia de que em qualquer actividade matemática possam

surgir episódios de argumentação, desde que haja lugar à apresentação de

estratégias e raciocínios diferentes, discórdia e defesa de ideias, discussão

e uma conclusão que todos aceitem como correcta, as actividades de

cariz exploratório e de investigação matemática são mais ricas do ponto

de vista da promoção da argumentação. Este tipo de tarefas permitem ao

aluno desenvolver e usar um conjunto de processos matemáticos tais

como formular conjecturas, testar e provar essas conjecturas, discutir,

argumentar e generalizar. Proporcionam aos alunos uma convivência

com aspectos essenciais da experiência matemática, permitindo-lhes

mobilizar e consolidar conhecimentos matemáticos já adquiridos. (RR4, p. 5)

De facto, a análise do registo desta aula revela a existência de argumentação,

mesmo numa situação em que os alunos não desenvolvem trabalho sobre uma tarefa,

durante algum tempo. Parece-nos que nesta aula os momentos de argumentação

ocorrem de modo mais inesperado do que numa aula em que se promove a discussão de

resultados. Estes momentos surgem quando, por exemplo, é dada a palavra a um aluno,

para que explicite um raciocínio ou apresente uma resposta, e há manifestação de

desacordo por parte de outro aluno. Verificamos que a atenção de Rita para estas

manifestações é uma condição essencial à promoção de troca de argumentos. Ao

perceber que um aluno discorda do que ouve a professora procura que, não só se ouça

quem ainda está a explicar e justificar a sua ideia, como também o outro aluno o faça.

Contudo, Rita considera que ainda “perde” algumas oportunidades de colocar os alunos

a justificar a discutir ideias e reitera a importância de estar atenta.

Depois de ler este pequenino episódio apraz-me perguntar a mim própria:

Porque é que não aproveitei a resposta do António para, logo de seguida,

colocar a questão Porquê?

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Uma maior atenção aos acontecimentos que ocorrem no desenrolar de

uma actividade é crucial. Com esta pequenina pergunta poderia levar os

alunos a justificarem a razão pela qual aquela representação era de

proporcionalidade directa ou, eu própria a perceber se os alunos se

tinham apropriado desse conhecimento.

Haveria naturalmente, o proporcionar de uma maior riqueza e

consistência de saber aos alunos. (ST6, p. 6)

Esta postura exigente e crítica de Rita, sobre o seu papel na promoção de

argumentação na aula de Matemática, só é atenuada pela reflexão sobre as causas desta

acção não ocorrer tantas vezes quanto deseja. Por um lado, pensamos que uma razão se

deve ao facto de sentir que está atrasada quanto à planificação anual do 7.º ano. Esta

aula é planeada com base na necessidade de “avançar na matéria” e por isso “não pode

ser dado muito tempo para que os alunos desenvolvam trabalho e se faça uma

discussão” (ST5, p. 2). Por outro, o facto de este conteúdo leva os alunos a sentir

alguma dificuldade em se exprimir ou apresentar argumentos que validem as suas

ideias. Assim, as causas de não ocorrerem mais episódios de argumentação podem

relacionar-se com o desenvolvimento curricular, com conteúdos programáticos, os

conhecimentos dos alunos ou a predisposição da professora.

É de salientar que nesta aula Rita consegue alimentar alguns momentos de

natureza argumentativa, o que a deixa satisfeita. É igualmente relevante que os alunos

mostram algum à vontade quanto à manifestação do seu desacordo em relação a uma

ideia.

Aulas 6 e 7 – Razão de semelhança, dos perímetros e das áreas - Escalas

Aula 6 – 3.Fev.09

Preparação da aula

Para esta aula decidimos propor uma tarefa no âmbito da Geometria – Razão de

semelhança, dos perímetros e das áreas – Escalas (Anexo 7), constituída por duas

questões: uma que envolve o conceito de perímetro e outra o de área. De modo a torná-

la mais atractiva e desafiante, resolvemos usar escalas, pedir o resultado numa unidade

diferente do enunciado e relacionar as questões com a realidade. Deste modo, pensámos

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que podíamos conseguir um maior envolvimento dos alunos. Resolvemos propor

somente duas questões porque pretendemos que esta tarefa tenha a duração de 90

minutos: metade para o trabalho autónomo, a pares, e a outra metade para a

apresentação e discussão de resultados. O objectivo principal da aula é a compreensão

da relação entre a razão de semelhança dos comprimentos de uma figura, a razão dos

perímetros e a razão das áreas (sendo a razão das áreas o quadrado das outras duas, que

são iguais). Esperávamos que surgissem situações de argumentação durante a

apresentação e discussão de resultados, dado pretendermos pedir aos alunos que

expliquem e justifiquem as suas ideias.

Resolvemos a tarefa e tentámos antecipar alguns aspectos relacionados com o

trabalho dos alunos: as diferentes estratégias que podiam usar para determinar o

perímetro real ou os erros que podiam cometer pelo uso da razão das semelhanças no

cálculo da área real. Dado existirem alunos que “rapidamente fazem as coisas e não

explica[m] nada a ninguém. Não partilha[m], não ajuda[m]…” (ST8, p. 3), alguns pares

de trabalho foram reformulados.

Desenvolvimento da aula

1.ª Parte da aula

A actividade inicia-se com a distribuição da tarefa e leitura em voz alta do seu

enunciado pela professora, com alguns esclarecimentos pontuais de dúvidas colocadas

pelos alunos. Num destes momentos Teresa diz algo que ninguém consegue ouvir e Rita

intervém com a questão: Todos ouviram o que a Teresa disse? Ao verificar que, de

facto, a turma não a ouviu, a professora recorda que “uma das regras é não falar baixo, é

falar alto, para que todos possam ouvir” (TA6, p. 1) e pede à aluna que repita a sua

questão, de modo a que todos ouçam. Terminada a introdução da tarefa, Rita apela a que

os alunos procedam do seguinte modo:

[Devem] registar todos os raciocínios e procedimentos que fizeram. Não

apagarem nada! Ouviram bem? Não apagar nada! Mesmo que escrevam

a lápis, registam tudo e não apagam nada!

Só solicitem a intervenção da professora, portanto a minha ajuda, quando

os pares não conseguirem andar para a frente no desenvolvimento da

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actividade. Não é (…) sem terem discutido um com o outro que vão

chamar o professor. Está bem? Portanto devem, ao máximo, resolver as

questões que vão surgindo entre vocês. (TA6, p. 2)

Estas indicações advêm da reflexão da professora sobre algumas situações

verificadas em aulas anteriores, nomeadamente, sobre a dificuldade dos alunos em

explicar ou justificar o seu raciocínio, quando não registaram ou apagaram os seus

registos, e sobre a solicitação da presença da professora à mínima dificuldade, sem antes

debater o assunto com o colega de trabalho. Deste modo, Rita procura criar condições

para que os alunos, no momento da discussão, tenham na sua posse os registos

necessários à apresentação fundamentada do seu raciocínio e também que, entre eles,

tenham ocorrido as discussões necessárias à clarificação de ideias e troca de argumentos

de modo a enriquecer a discussão colectiva.

2.ª Parte da aula

Enquanto os alunos resolvem a tarefa, Rita circula pela sala, agindo de acordo

com o que considera ser o papel do professor nestes momentos:

O nosso papel ao longo do trabalho em grupo, à medida que eles vão

fazendo o trabalho em grupo é orientar, mas, orientar no sentido que nós

quisermos dar à questão, não é? (…) É ter já uma visão global depois da

discussão que nós queremos promover e da forma que queremos pegar na

discussão. (ST8, p. 6)

Durante a resolução da tarefa, a professora estabelece diálogos com os grupos de

trabalho no sentido de esclarecer eventuais dúvidas, incentivar a discussão entre os

alunos, reforçar a necessidade de se explorar totalmente as questões e de se apresentar

justificações. Procura, também, fazer um levantamento das diferentes estratégias,

respostas ou erros cometidos pelos alunos, de modo a ter uma visão global do trabalho

desenvolvido pelos diversos grupos e, assim, preparar a discussão colectiva.

3.ª Parte da aula

Rita prepara a turma para a discussão colectiva, chamando a atenção para a

necessidade de se seguirem algumas regras de interacção, indicando, nomeadamente,

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que os alunos devem: (i) falar alto, para que todos ouçam, (ii) ouvir bem aquilo que os

colegas dizem e pensar sobre aquilo que eles estão a dizer, (iii) participar e intervir de

uma forma correcta, isto é, sem se interpelar uns aos outros, e (iv) apresentar sempre os

seus pontos de vista, sem ter receio de errar. Indica as suas expectativas quanto ao modo

como os alunos devem proceder quando justificam as suas ideias:

Quando se apresenta um ponto de vista é necessário justificar, com

argumentos matemáticos, aquilo que vocês pensam e qual é, de facto, o

vosso ponto de vista sobre o assunto que está a ser discutido. Sempre que

houver alguém que não concorda ou que discorda com aquilo que está a

ser apresentado no quadro aos colegas é favor dizê-lo, justificando como

é normal, ou devia ser, a razão dessa discórdia. Está bem? (TA6, p. 4)

Rita reforça ainda a importância dos alunos, no momento em que intervêm, se

dirigirem à pessoa cujo raciocínio estão a comentar, contradizer ou discordar. Salienta

que não devem falar exclusivamente para a professora, mas devem desenvolver uma

prática de interacção entre eles. Acrescenta que estas intervenções devem atender “às

normas sociais. Com correcção. Com respeito” (TA6, p. 6). Indica que o seu papel irá

ao encontro do que, um dia, um deles referiu: A professora passa para o papel de aluno

e o aluno vai para o papel do professor” (TA6, p. 6), o que clarifica a sua intenção em

partilhar o seu protagonismo com os alunos.

Episódio 14 – Uma opção discutível!

Teresa vai ao quadro responder à questão 1.1. Pretende-se saber o valor real do

perímetro do terreno A, em m. Explica como pode ser calculado esse valor. A aluna

começa por referir que ela e Guilherme, um novo par, sentiram necessidade de passar os

valores 3cm e 2cm para metros. Acrescenta que usaram duas regras de 3 simples em

que usaram a escala (1/1000) referida no enunciado (nota-se que os alunos usam duas

vezes a regra porque têm dois valores para converter e têm uma escala). Rita pede a

Teresa que registe no quadro o esquema do terreno, de modo a poder explicar o seu

procedimento com base em algo que os colegas podem visualizar (Figura 4.20.).

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Figura 4.20. Registo no quadro da resolução da questão 1.1. da Tarefa 3 por Teresa

Professora: A Teresa diz que os 3 centímetros no desenho

correspondem a quantos metros na realidade?

Teresa: 30 metros.

Professora: 30 metros. É?

Teresa: Sim.

Professora: E agora?

Teresa: Agora passámos… [não se entende]

Professora: Vejam bem! [apela a professora à turma]

A Carolina já está de braço no ar.

[quando Teresa termina o registo no quadro prossegue]

Então a Carolina, que colocou o braço no ar, deve ter alguma

questão a colocar ali à Teresa.

[Carolina questiona a colega mas não se ouve. Teresa reponde também

em voz baixa. A professora intervém]

Professora: Falem mais alto! Senão, não ouvem nada, os colegas lá de

trás! Olha! [diz para Teresa] repete o que a Carolina perguntou

para todos ouvirem lá atrás.

[Teresa refere que Carolina a questionou sobre o 30 que ela apresenta na

regra de 3 simples]

Professora: Todos perceberam o que elas dizem?

[Uns perceberam tudo outros não perceberam nada. Há ruído no exterior

porque tocou e alguns alunos movimentam-se no corredor]

Professora: Eu vou aqui repetir! O que a Carolina disse é o seguinte… A

Teresa suprimiu aqui alguns cálculos. Não é? Como é que ela

chegou a este 30? Não era essa a questão? [olha para Carolina]

Carolina: Sim.

Professora: E o que a Teresa respondeu foi… [dá a palavra à aluna]

Teresa: Para não ficar muito confuso eu optei logo por pôr este resultado

logo ali [na regra de 3 simples].

Professora: Ou seja, este 30 advém de que produto?

Teresa: De 0,03 vezes 1000.

Professora: 0,03 vezes 1000. Perceberam?

Este diálogo mostra alguns aspectos relevantes quanto à dinâmica de uma aula

em que se valoriza a intervenção dos alunos, a partilha de pontos de vista e a sua

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justificação. Em primeiro lugar, a professora pede a Teresa que, junto do quadro,

apresente a sua resolução e explique como procedeu. Por considerar que apenas pelo

discurso oral alguns alunos podem não compreender totalmente a resposta da aluna,

procura que esta registe no quadro o que tem na sua ficha de trabalho. Estes dois

registos coincidem quanto ao conteúdo e é com base neles que se explora a explicação

de Sara e surge a polémica em torno do 30. Esta situação mostra a pertinência dos

alunos registarem tudo o que fazem e não apagar nada.

Em segundo lugar, enquanto a aluna expõe a sua resolução a professora coloca-

lhe algumas questões que procuram esclarecer o seu raciocínio e simultaneamente,

atende às manifestações dos alunos que procuram intervir - A Carolina já está de braço

no ar. Esta acção permite que os alunos entendam a sua participação como algo que é

viável na sala de aula e é valorizado pela professora. De facto, Carolina esperou

pacientemente pela sua vez e, quando a professora lhe deu a palavra, teve oportunidade

de colocar a questão à colega. Uma vez que o diálogo entre estas alunas não é

perceptível para restante turma, nem para a professora, esta decide intervir chamando a

atenção dos alunos para a discussão em curso. Esta intervenção tem a forma de relato da

situação, dado que a professora relembra os acontecimentos (a questão de Carolina e a

resposta de Teresa) e reforça a necessidade das alunas envolvidas fazerem parte deste

momento, dando-lhe a palavra para que concluam algumas falas. A acção da professora

permite, igualmente, que apresentem os seus pontos de vista, compreendam a opinião,

uma da outra, e cheguem a consenso quanto à opção de Teresa – escrever 30 em vez de

0,03 x 1000. Embora Carolina insista na necessidade de serem apresentados todos os

cálculos, compreende que a omissão neste caso é aceitável e corresponde a um

raciocínio válido.

Figura 4.21. Registo da resolução da questão 1.1 da Tarefa 3 na ficha de trabalho de Teresa

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Teresa conclui a sua apresentação afirmando que “… no final somámos os

quatro lados” (TA6, p. 8) e, com ajuda da professora, indica a conclusão – o perímetro

do terreno A na realidade é 30m.

Episódio 15 – Matematicamente correcto

Por referir que Fizeram de maneira diferente, João vai ao quadro explicar o seu

raciocínio para responder à questão 1.1. O aluno regista o que tem escrito na ficha de

trabalho e acompanha esta acção com algumas explicações, em particular, quanto à

utilização da escala:

João: Então eu e a Maria fizemos assim.

Professora: Ouçam o que o João diz! Fala para eles! [diz para João]

João: Eu e a Maria fizemos assim. Como a razão é de 1 para 1000…

Professora: Escreve! A razão. Ouçam isto!

João: A razão é de 1 para 1000. Então nós calculámos…

[escreve no quadro 2cm = 2000cm]

Professora: Diz o João, que 2cm é igual a 2000cm!

A observação de Rita provoca alguma polémica e alguns alunos manifestam

intenção de participar. A professora recomenda-lhes que aguardem a conclusão da

apresentação de João e compromete-se a deixar que discutam com ele esta igualdade

dizendo: Ponham lá os bracinhos no ar que a gente já discute. Aliás ele vai discutir

com vocês! Chegado o momento, o diálogo estabelece-se.

Professora: Havia ali umas meninas… De braço no ar… Tatiana!

Tatiana: Ó setora, é que ao princípio… Ao princípio não se percebe que

os 3000cm é na realidade.

Professora: Então se calhar faltarão ali algumas indicações!

João: Ó setora, mas a gente escreveu por baixo.

Professora: Então será melhor apresentar aí também! Até porque 3cm

nunca é igual a 3000cm. Tens que pôr aí qualquer coisa… Um

esquemazinho ou uma seta. Eu percebi, mas há colegas teus que

não perceberam.

Carolina: Ó setora, ele não pode fazer vezes 1000? Ele para chegar ao

3000 teve de fazer vezes 1000.

Professora: Pergunta lá ao João!

Carolina: Para chegares ao 3000 tiveste de fazer 3 x 1000! Que é a

escala…

João: Sim.

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Professora: O João começou por falar na razão de semelhança. Quanto é

que é a razão de semelhança, João?

João: É de 1 para 1000.

Professora: Então porque é que não escreves aí?

Quando o João escreve aqui [no quadro] 3cm é igual a 3000cm,

será que está correcto? Isto é uma igualdade verdadeira?

Alguns alunos: Não.

Professora: Estamos a dizer uma igualdade verdadeira? Isto

matematicamente não está correcto, não é? Mas, aquilo que o

João quer dizer é… [dá a palavra ao aluno]

João: Como na razão de semelhança é 1cm no esquema do mapa... 1 cm

corresponde a 1000cm na realidade, eu e a Maria pensámos que,

se agente fizesse isto com este números que ia dar, neste caso,

2000 e 3000.

Professora: Ou seja, ele representou os 3cm no desenho

correspondem… É assim, não é? [pergunta a João] A 3000cm na

realidade, segundo aquela razão de semelhança. É verdade ou

não? Acham correcto, isto que o João fez? Aceitam…

Este episódio mostra a importância das intervenções de Rita na promoção e

sustentação de momentos de discussão/argumentação entre os alunos. A professora

chama a atenção dos alunos para aspectos da apresentação de João que carecem ser

esclarecidos, matematicamente aceites ou matematicamente validados. Começa por

salientar o registo 2cm = 2000cm que, sabendo não estar correcto, tem subjacente um

raciocínio válido. Assim, promove o questionamento ao aluno, por parte dos colegas, e

cria oportunidades para que João explicite, explique e justifique o seu pensamento. Esta

é uma forma de promover a argumentação na sala de aula, entre os alunos, embora neste

caso não exista uma manifestação de desacordo de sua iniciativa mas há pedidos de

esclarecimento de ideias que conduzem à apresentação de razões, por parte de João, em

relação àquilo que escreveu. Este questionamento faz-se de forma ordeira, pela

indicação da intenção de participar e pela colocação do dedo no ar. A professora reitera

a importância de se colocar a pergunta ao autor do raciocínio pela afirmação: Pergunta

lá ao João! quando Carolina lhe dirige a palavra. Esta interacção entre os alunos

permite, por um lado, a João reflectir sobre o seu registo e, por outro, permite clarificar

o uso da razão de semelhança (escala do enunciado) – 1/1000 – no cálculo de 2000 e

3000, servindo de fundamento às igualdades 2cm = 2000cm e 3cm = 3000cm. De facto,

após as explicações e justificações do aluno, os restantes colegas ficam convencidos de

que o seu raciocínio está correcto embora use uma notação matematicamente incorrecta.

Rita reformula a resposta do aluno de modo a que fique mais clara a sua ideia.

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São ainda apresentadas outras estratégias de resolução da questão 1.1. mas todas

elas conduzem ao mesmo resultado, o valor real do perímetro do terreno A é 100m.

Enquanto uns alunos fazem primeiro o perímetro do terreno no desenho e só depois

usam a escala, outros efectuam as reduções em primeiro lugar e no final somam os

quatro valores. Rita questiona os alunos sobre as diferentes possibilidades de se calcular

o perímetro real deste terreno, dados os valores dos seus lados no desenho, e alerta para

o facto de tal procedimento ser possível porque o perímetro é um comprimento e, como

tal, pode aplicar-se a escala do desenho ao valor do comprimento do perímetro no

desenho. Conclui-se ainda que a escala ou razão de semelhança é igual à razão dos

perímetros.

Episódio 16 – Uma escala para o cálculo da área

A discussão dos resultados dos alunos referentes à questão 1.2 - Pretende-se

saber o valor real da área do terreno A, em m2. Explica como pode ser calculado,

inicia-se pela intervenção de uma aluna, Sónia, que apresenta uma resolução incorrecta

(Figura 4.22.). A escolha desta aluna, por parte de Rita, é intencional e resulta do

acompanhamento aos grupos, enquanto estes resolvem a tarefa. Como esta aluna,

existem outros que usam a razão de semelhança 1/1000 no cálculo da área real do

terreno A. Determinam esta área no desenho – 6cm2 – e aplicam-lhe a razão de

semelhança dos comprimentos (escala) obtendo o valor 6000cm2. A explicação de Sónia

tem uma particularidade, a aluna sabe que para reduzir valores ao quadrado tem de

andar duas casas mas não tem a certeza se esta situação este procedimento se aplica.

Assim, a professora resolve explorar a questão com a turma.

Figura 4.22. Resolução da questão 1.2 da tarefa 3 apresentada por Sónia

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Sónia: Eu calculei a área do terreno A na imagem sem a medida…

Professora: Portanto calculou a área no desenho! É isso que me está a

dizer?

Sónia: Sim.

Professora: Então a Sónia começou por indicar a fórmula da área do

rectângulo. Foi isso?

Sónia: Foi setora.

Professora: Pronto… 6 centímetros quadrados. Diz a Sónia que é a área

deste rectângulo no desenho. Mais… [incentiva a aluna a falar

para os colegas]

Sónia: Depois eu fiz este resultado vezes 1000 para obter o valor real.

Professora: Depois…

Sónia: Agora é que eu não tenho a certeza de uma coisa, setora.

Professora: A Sónia tem uma dúvida. Não tem certeza sobre aquilo que

fez. Mas há aqui tantos meninos que vão ajudar a Sónia!

Sónia: Eu depois lembrei-me de uma coisa. É que quando é com

centímetros quadrados em vez de se avançar só uma avança-se

duas.

Professora: Então há aqui colegas teus que com certeza podem ajudar

nessa questão. Olha a Tatiana!

Tatiana: Eu acho que ela está certa.

Professora: Olha a Tatiana acha que tu estás certa. Está? E porquê?

António: Porque são metros quadrados.

Professora: Ela está a fazer em centímetros quadrados e quer passar para

metros quadrados.

A dúvida de Sónia foi colocada à consideração da turma para que os restantes

alunos se pronunciem sobre a sua validade, o que acontece quando Tatiana afirma que a

colega está certa. Contudo nenhuma das alunas verbaliza uma justificação que

fundamente a veracidade desta relação entre as duas unidades de medida de área, pelo

que Rita opta por levar os alunos à demonstração (Figura 4.23.).

Figura 4.23. Demonstração da validade de 1m2 = 100dm2 = 10 000cm2

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Professora: Então nós temos, metro quadrado, decímetro quadrado,

centímetro quadrado e milímetro quadrado. Certo? Pronto. E

agora vamos supor que eu tenho aqui assim um quadrado em que

aqui é 1 metro e aqui é 1 metro. Esta área quanto é?

Aluno: 2.

Professora: 2!? 1 x 1 quanto é?

Aluno: 1.

Professora: 1 metro quadrado. E agora aqui pergunto: 1 metro de

comprimento corresponde a quantos centímetros?

Aluno: 100.

Professora: Então quer dizer que se eu transformar este quadrado em cm

de lado, este comprimento vai corresponder a quantos?

Aluno: 100.

Professora: Aqui vai ser quantos centímetros quadrados?

Aluno: 10000.

Professora: 10000cm2. Mas antes disto ainda vou pôr outro quadradinho

no meio em que 1 metro eu quero reduzi-lo a decímetros. Quantos

decímetros temos?

Aluno: 10.

Professora: 10dm e aqui também 10dm. O que é que isto significa? Qual

é a área deste quadradinho?

Aluno: 100dm2.

Professora: Então agora vamos lá pensar… Como é que eu passo daqui

para aqui? [de 1m2 para 100dm

2]

Aluno: Andando duas casas.

Professora: Duas casas. Como é que eu passo daqui para aqui? [de

100dm2 para 10000cm

2]

Aluno: Mais duas casas.

Professora: Mais duas casas. Ou seja daqui para aqui é vezes quanto?

[de m2 para dm

2]

Aluno: 100.

Professora: E daqui para aqui? [de m2 para cm

2]

Aluno: Vezes 10000.

Professora: O que significa o quê em relação a esta redução? Agora

quero que vocês discutam.

Os alunos convencem-se que a relação existente entre o m2, dm

2 e cm

2 permite

“passar”, de uns para os outros, movendo a vírgula duas casas decimais pelo que

aplicada a 6000m2 resulta em 0,6m

2. Rita propõe-lhes que pensem agora na resposta

0,6m2 e que reflictam sobre este valor real da área do terreno A.

Professora: Ora 0,6m2. E agora vamos pensar! 0,6m

2 na realidade! O que

é que significará isto de 0,6m2

na realidade? Quanto é que são

0,6m2

na realidade?

Ricardo: São 6dm2.

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Professora: São 6dm2… Vê lá bem se é isso! 0,6m

2 eu tinha assim: 1 m

por quanto de largura? Para dar 0,6 eu tinha 1 metro de

comprimento por quanto de largura?

(…)

Sónia: Por 0,6.

Professora: Por 0,6. Diz a Sónia. Isto é um terreno que se veja? É uma

coisa… Então o que é que acham que aqui está mal? [afasta-se do

quadro e repete a questão]

António: Não sei!

Professora: Vamos lá a pensar!

(…)

Olhem para aqui [resolução de Sónia no quadro] e vamos lá ver

onde é que isto não está correcto!

Ricardo: Setora!

Professora: Diz lá Ricardo! Fala com ela!

Ricardo: Quando a escala está em fracção não se devia acrescentar dois

zeros na escala?

Professora: Dois zeros na escala. Diz o Ricardo! Em vez de ser 1000,

era quanto?

Ricardo: Neste caso era 10000.

Professora: Aí acrescenta só um! Vejam lá o que vocês têm!

[alguns alunos procurar apresentar a sua resolução mas Rita insiste na

observação do que está no quadro]

Eu gostava que vocês olhassem para aqui e vissem o porquê

daquilo não fazer sentido, não é? Porque 0,6m2 na realidade um

terreno… Nem para lá pôr um pé!

Ricardo: Setora, 6 x 100 000 dá 600 000cm2. E 600 000 são 60m

2.

Professora: E é essa a área do terreno?

[Toca para a saída, ainda se discute as diferentes abordagens que

se podem fazer ao enunciado mas a discussão continua na

próxima aula]

A aula tem de terminar pois já está muito barulho nos corredores, os alunos estão

inquietos e torna-se inviável debater ideias. Rita remete para a próxima aula a conclusão

desta discussão e salienta a necessidade dos alunos pensarem sobre esta questão e

apresentarem as suas ideias mas com justificações.

Aula 7 – 5.Fev.09

Os objectivos desta aula são a conclusão da discussão da questão 1.2 da ficha de

trabalho realizada na aula anterior e o esclarecimento de dúvidas para o teste de

avaliação. Apresento e analiso o excerto de aula referente à conclusão da discussão

interrompida no fim da aula anterior. Rita relembra o ponto em que a discussão ficou no

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dia 3 de Fevereiro e distribui as fichas de trabalho aos alunos. Sónia vai ao quadro e

regista a sua resolução mas acrescenta algo, uma cruz (Figura 4.24.) que esclarece

tratar-se de um modo de indicar que Não pode ser assim!

Figura 4.24. Registo da resposta à questão 1.1 da Tarefa 3 por Sónia

Alguns alunos mostram o que consideram ser o processo mais adequado ao

cálculo da área real do terreno A procurando justificar as suas ideias.

Figura 4.25. Estratégia de Tatiana para justificar a razão das áreas 1:1 000 000

No caso de Tatiana, calculou a área de um terreno com 1000cm por 1000cm para

concluir que para determinar a área do terreno A tem de multiplicar os 6cm2, área do

terreno no desenho, por 1 000 000 (Figura 4.25.).

Figura 4.26. Estratégia para justificar o valor da área do terreno A

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Outra aluna considera os valores dos lados do terreno A, no desenho, 2 e 3cm e,

com a informação da escala, calcula o valor real dos lados, em cm, 2000 e 3000,

respectivamente. Multiplica-os obtendo 2000 x 3000 = 6 000 000cm2. Com a redução

aprendida na última aula, escreve 600m2 (Figura 4.26.)

Rita procura que os alunos reflictam sobre o significado de se multiplicar os

lados do rectângulo no desenho – terreno A – por 1000 e que consequência é que esse

procedimento tem sobre o valor da área. Questiona: Qual é a razão de semelhança das

áreas de um terreno de 2 por 3 para um terreno de 2000 por 3000? Grande parte dos

alunos responde 1 para 1000 e a professora percebe que este assunto ainda não está

claro. Aborda o assunto de outra forma:

Professora: Então vamos lá ver! Quantas vezes é que este terreno

pequenino caberá neste grande? Qual é a área do terreno

pequeno? E qual é a área do terreno grande?

Ricardo: 6 000 000.

Professora: 6 000 000. Então quantas vezes é que este terreno pequeno

cabe no terreno grande?

Maria: 6 000 000 [resposta incorrecta]

Professora: 6 000 000 diz a Maria. Então qual é a razão entre a área do

terreno na figura e a área na realidade?

Aluno: 1 para 6 000 000 [incorrecto].

Professora: Aqui é 6 para 6… [refere-se ao 6 de 6 000 000]

Se for 6 para 6 000 000. Mas…

Ricardo: 1 para 1 000 000.

Professora: 1 para 1 000 000. Concordam com isto?

Figura 4.27. Razão de semelhança e razão das áreas

Neste momento parece que os alunos entenderam qual a razão das áreas pelo que

Rita procede a uma sistematização das suas contribuições e pede-lhe que refiram as

conclusões que pensam poder retirar desta discussão. Os alunos referem:

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Não se pode misturar área com o comprimento.

1 para 1000 é a razão do comprimento. Se fizermos lado vezes lado

multiplicamos 1000 por 1000 que dá 1 000 000 o que dá a razão da área

que é 1 para 1 000 000.

Perante estas conclusões, Rita desafia os alunos a encontrar uma regra que

permita relacionar a razão dos comprimentos com a razão das áreas: “Vão descobrir

uma relação entre estas duas razões! Vamos descobrir uma regra que nos permita

sempre calcular a área de um terreno em função da razão de semelhança!” (TA7, p. 6).

Após algumas intervenções conclui-se que o 1 000 000 que resulta de 1000 x 1000,

pode ser escrito na forma de potência, 10002 (Figura 4.28.), pelo que, a “razão das áreas

é o quadrado da razão de semelhança” (TA7, p. 7).

Figura 4.28. Relação entre a razão de semelhança e a razão das áreas

A aula prossegue com a aplicação destes resultados a uma situação semelhante e

com o esclarecimento de dúvidas quanto à “matéria” que sai no teste de avaliação a

realizar proximamente.

Reflexão

A nossa primeira observação, ao visualizarmos o registo das aulas, é que “não

são aulas regulares, convencionais ou tradicionais”. Sentimos que Rita intervém na

sistematização de ideias, ensina e relembra conceitos e procedimentos, mas, apesar

disso, o ambiente da aula caracteriza-se pelo envolvimento participado dos alunos, com

contribuições sobre os seus trabalhos, com comentários e sugestões ao trabalho dos

outros, com debate de ideias e discussão colectiva. Embora ainda seja uma dificuldade,

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para a professora, sustentar a argumentação pela troca de argumentos entre os alunos e,

essencialmente, pela discussão desses argumentos, sentimos que existem momentos em

que os alunos têm de justificar o seu pensamento e estas razões são colocadas à

discussão com toda a turma:

Embora não houvesse esta discórdia entre eles, mas eu acho que estes

momentos de apresentação e de serem os alunos a explicar estas razões

todas e estas validades e o porquê destas estratégias… Eu acho que é

muito enriquecedor e muito positivo para a aprendizagem. (ST10, p. 1)

Não há divergências não há desacordos, não há erros para justificar (…)

parece interessante poder fazer a análise destas questões, embora não

polémicas mas diferentes e que contribuem muito para um aluno

perceber que há mais do que uma forma de fazer as coisas (ST8, p. 1)

Com o objectivo de levar os alunos a compreender que a razão dos perímetros de

duas figuras semelhantes não é igual à razão das suas áreas e que a última é o quadrado

da primeira, propôs-se a questão 1.2 - Pretende-se saber o valor real da área do terreno

A, em m2. Explica como pode ser calculado. Consideramos que, de um modo geral, os

objectivos propostos quanto à aprendizagem da relação entre a razão de semelhança a

razão dos perímetros e a razão das áreas foi atingido e que os alunos compreendem em

que situações são mais adequadas uma ou outra e também percebem como “passar” de

uma para a outra.

É nos momentos em que acompanha o trabalho dos alunos que Rita recolhe as

informações necessárias à condução da discussão. Nota que tem estado mais atenta aos

erros dos alunos e à diversidade de estratégias mas que nem sempre é fácil encadear esta

diversidade em tão pouco tempo e com a rapidez a que uma aula de 90 minutos obriga.

Com o trabalho realizado nestas aulas, somos levadas pensar que os alunos estão

mais atentos, interventivos e participativos o que, de certo modo ajuda o trabalho da

professora. Eles sabem que têm de apresentar, explicar e justificar, manifestar o seu

desacordo ou a sua concordância mas com consciência do seu papel em todo o processo,

quer relativamente ao conteúdo matemático quer ao nível das atitudes. Para tal situação

tem contribuído a manifestação de expectativas de Rita e a sua acção que, estando em

conformidade com o que diz, leva a que os alunos a entendam como algo natural na aula

de Matemática.

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É de facto importante que os alunos compreendam o seu papel e o do professor

nos momentos de discussão de resultados, o que não aconteceu logo nos primeiros dias

mas vai sendo conseguido dia após dia. Como se verifica nestas aulas, o papel de Rita é

fundamental na chamada de atenção dos alunos para os aspectos mais importantes, na

gestão e orientação do trabalho e do tempo, na ajuda aos alunos quando estes não

conseguem justificar as suas ideias e na ajuda os alunos a cuidar as suas apresentações e

a fazer melhor numa próxima oportunidade.

É um início de um potencial modo de estar na sala aula de Matemática.

Mais enriquecedor, mais contributivo para o conhecimento e para o

desenvolvimento do conhecimento (…) perceber que podem participar

voluntariamente e fazerem parte integrante do desenvolvimento da

actividade de sala de aula de Matemática. Não é o professor que está a

fazer as explicações. São os próprios alunos que estão a explicar os seus

processos de raciocínio e as suas estratégias. O professor está aqui apenas

a moderar, digamos assim. (ST8, p. 1)

Esta dinâmica de aula contribui igualmente para a autonomia e espírito crítico

dos alunos pois, ao perceberem que podem resolver uma questão matemática de várias

formas tornam-se mais auto-suficientes e desenvolvem a capacidade de opinar sobre

outras ideias, convergentes ou não com a sua. Rita abre espaço, na sua aula, para ouvir

os alunos, para que eles se ouçam uns aos outros e possam comentar os assuntos em

debate, o que pode levar os alunos a desenvolver uma atitude menos derrotista, ou seja,

perante uma resolução diferente considerar que a sua, por ser diferente, está errada. A

não validação imediata das respostas dos alunos pode também contribuir para esta

mudança de atitude, pois, quando ocorre, dá oportunidade aos alunos de pensar sobre a

ideia em debate assim como lhes permite “acreditar mais naquilo que estão a fazer…

Assim melhoram a sua intervenção e o envolvimento no processo e construção do seu

conhecimento” (ST8, p. 1).

O uso da estratégia discursiva expansão, que consiste em repetir as ideias dos

alunos incrementadas de informação matemática relevante, é fundamental na

compreensão da matéria em discussão. Em particular, no que concerne ao uso de

unidades de medida adequadas quando os alunos se referem a medidas de comprimento,

perímetro ou área. Rita salienta considerar muito interessante e até profundo quando

uma aluna refere que não se pode multiplicar centímetros por decímetros porque depois

não fica um nem o outro. Não fica nada! O que se verifica é que gradualmente os alunos

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vão conseguindo chegar às conclusões esperadas para esta aula porque pensam

exactamente neste assunto com o cuidado de não misturar medidas de comprimento

com medidas de área. Aliás essa é uma das aprendizagens que os próprios alunos

referem ter conseguido fazer.

Reflectimos sobre o momento da aula em que se conclui que a razão de

semelhança é igual à razão dos perímetros. Parece que foi rápido e que foi a professora

que retira essa conclusão e não os alunos. De facto, Rita verifica que na aula “a maioria

dos alunos está convencida desta relação e deste modo não senti necessidade de a

discutir mais” (ST8, p. 4). O mesmo já não acontece quando é preciso levar os alunos a

compreender a relação entre as unidades de medida de área. Esta demonstração é a

“possível para alunos desta idade” e consideramos que foi esclarecedora da razão de se

terem de “passar” duas casas de casa vez.

“Quando o professor questiona e os alunos e estes não respondem o que pode ele

fazer?” (ST8, p. 5). Esta questão prendeu a nossa atenção durante algum tempo

enquanto discutíamos sobre esta aula. De facto, se os alunos não respondem,

provavelmente, ou não compreendem a questão ou não sabem como formular a

resposta. Assim, pensamos que cabe ao professor tomar a iniciativa e de acordo com a

situação decidir se lança novamente o desafio à turma, se os ajuda a apresentar as suas

ideias ou se simplesmente toma a sua posição de representante da comunidade

matemática e lhes explica o que parece não entenderem.

Quanto ao facto da professora, na discussão que leva à determinação da razão

das áreas, aceitar a resposta 6 000 000, que naquele contexto está incorrecta, merece da

nossa parte o comentário: “É de evitar! Mas por vezes isto pode acontecer. E quando

não percebemos, podemos induzir os alunos em erro ou levar os alunos a formular

raciocínios não válidos” (ST8, p. 6).

Notamos que nas situações em que a resolução conduz ao mesmo resultado não

se manifestam desacordos, mas pedidos de esclarecimento. Há estratégias diferentes

mas com resultados iguais pelo que consideramos que “se houvesse um resultado

diferente alguns alunos questionavam o processo” (ST10, p. 2). Essa situação ocorre

noutra aula em que perante uma diversidade de estratégias não surgem situações de

desacordo porque estão todas correctas, embora haja lugar a apresentação de

argumentos de validade, mas quando surge uma resposta errada, de Sara, alguns alunos

manifestam discordar da opinião da colega.

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De um modo geral, Rita promove a apresentação integral dos raciocínios

procurando não intervir, gere as participações dos restantes alunos e promove a

interacção dos alunos, quer pelo incentivo ao questionamento aos colegas, quer pela

indicação do modo como devem proceder antes e durante a sua intervenção.

Embora a argumentação não esteja sempre presente, a criação de um contexto

em que os alunos sentem que “são parte integrante do processo de aprendizagem” é

importante para os “convencer de que todos eles têm um papel rico e importante na sala

de aula” e também contribui para contrariar “o preconceito que alguns alunos revelam,

de que é o professor que tem de explicar” (ST8, p. 2). Os alunos sabem explicar!

Podemos provocar episódios de argumentação? Têm de surgir sempre e em

todas as aulas? Ou devemos estar atentos e no momento oportuno, colocar os alunos a

discutir determinada ideia, ou pedir justificações que os conduzam à apresentação de

razões (matemáticas) que a fundamentem (ST8, p. 4)? Os momentos mais oportunos,

uma das dificuldades assumidas por Rita durante este projecto, parecem ser os que

ocorrem quando há erros, respostas diferentes ou processos incorrectos. Podem surgir

como divergências, desacordos ou meros pedido de esclarecimento, que pareceram ser

as situações que mais contribuíram para a discussão de ideias e para a apresentação de

argumentos de validade ou de refutação. Perante o desacordo, será oportuno o professor

promover a participação dos alunos e fomentar a apresentação de razões pelas quais os

alunos fundamentam as suas ideias e convencem os outros da razão da sua afirmação.

Explicar e justificar não é a mesma coisa. Consideramos que um aluno pode

explicar um processo sem nunca referir uma razão que permita a partir dos dados chegar

à conclusão. Justificar é apresentar razões, argumentos que fundamentem determinada

acção matemática. É aquilo que permite aprovar ou refutar uma ideia. Nestas aulas

nota-se uma evolução quanto à acção da professora e ao modo de participar dos alunos.

Rita sente-se mais confiante e aposta mais no contributo dos alunos, dando-lhes a

palavra muitas vezes, permitindo-lhes que terminem os seus raciocínios, pedindo

justificações e fomentando a discussão destes. Assim, incrementa a sua capacidade de

fomentar e sustentar a argumentação e promove esta actividade na sala de aula como

parte integrante de uma prática lectiva que aposta na aprendizagem da Matemática com

qualidade.