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Capítulo II Traduzir sinais de telégrafo – traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço, e sem sequer entender para que valem os sinais (Clarice Lispector, 1964).

Capítulo II...Diante dos sonhos, o trabalho não era o de decifrar o sentido oculto, mas, antes, transformar o relato do que aparecia em sonho -- como imagem -- em um texto. Era sobre

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Capítulo II

Traduzir sinais de telégrafo – traduzir o desconhecido

para uma língua que desconheço,

e sem sequer entender para que valem os sinais

(Clarice Lispector, 1964).

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II – Traduzir o desconhecido

2.1 – Interpretação e tradução

Os termos interpretação e tradução aparecem, em muitas passagens do texto freudiano, referindo-

se ao mesmo trabalho. De fato, Freud não parece ter se detido na diferenciação desses termos

utilizando-os indistintamente, apesar da recorrência à interpretação ser mais evidente. O verbo

interpretar (deuten) apresenta as seguintes conotações: dar significado, ler, extrair sentido de

algo, traduzir algo que não está sendo entendido. Traduzir nesse caso não seria descobrir um

sentido oculto, mas passar para uma língua mais compreensível. Segundo Hanns

“etimologicamente a palavra portuguesa “interpretar” se referia a uma atividade de tradução, mas

deuten foi se afastando deste significado antigo” (HANNS, 1996, p. 286). É no livro A

interpretação dos sonhos (1900) que encontramos preciosas referências acerca da interpretação.

(...) Os sonhos são passíveis de ser interpretados (Deutung). (...) interpretar

um sonho implica atribuir a ele um ‘sentido’- isto é substituí-lo por algo que

se ajuste à cadeia de nossos atos mentais como um elo dotado de validade e

importância (FREUD, 1900, p. 108-109).

Diante dos sonhos, o trabalho não era o de decifrar o sentido oculto, mas, antes, transformar o

relato do que aparecia em sonho -- como imagem -- em um texto. Era sobre ele que o trabalho da

interpretação começava por “decompor”, “desfazer”, “desmanchar o texto” para, enfim, atingir o

enunciado do desejo, daquilo que levou o sonhador a tecê-lo. Entretanto, os pensamentos oníricos

não seguem nunca um caminho direto; há desvios, recuos, deslocamentos, condensações. Os

sonhos não dizem exatamente aquilo que mostram, o “visual” não é o “visível” e, por isso, não há

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porque simplesmente observar um sonho. Dessa forma, Freud vai deslocando-se para o ponto de

“enigma” do sonho. Há um ponto a mais, um ponto situado no desconhecido, que faz com que o

sonhador invente o seu percurso e narre. Diante dessa narrativa, o trabalho é o da interpretação

que, se não busca a solução para o enigma do sonho, ao menos se coloca à procura deste

(PONTALIS, 1991, p. 45-48).

Para Freud (1923) a interpretação de um sonho teria duas fases: a primeira em que é traduzido e,

a segunda fase, em que é julgado ou seu valor determinado. Na primeira fase – a da tradução – o

analista deveria atentar-se para o fato de não ser influenciado por nenhuma avaliação. Essa

precaução diante do trabalho de tradução do sonho parece nos revelar uma idéia bem difundida a

respeito da tradução. Uma idéia que acredita na possibilidade de manter intacto e, sem

influências, o texto a ser traduzido, além disso, mostra a tradução como a primeira parte do

trabalho interpretativo. Esse sim com a função de determinar o valor, recortar indícios e, por fim,

revelar os pontos encobertos. Mas o trabalho do sonho já não seria, ele mesmo, uma tentativa de

traduzir, quer dizer passar para uma outra língua? O trabalho de transformar a cena onírica em

texto narrado não seria uma tentativa de tradução realizada pelo próprio sonhador? Ou, ainda,

uma demanda dirigida ao analista como um “traduza isso”?

Em seu livro A interpretação de sonhos, Freud esclarece que o trabalho do sonho, “não pensa,

não calcula, não julga, limita-se a transformar” (FREUD, 1900, p. 468). Ou seja, o trabalho do

sonho busca uma forma, uma forma que possa dizer sobre o recalcado, mas que diz a sua maneira

em decorrência do trabalho da elaboração onírica. Por isso “todo sonho tem pelo menos um lugar

no qual ele é insondável – um umbigo através do qual ele entra em conexão com o desconhecido”

(FREUD, 1900, p. 108-109). A interpretação agiria sobre essa forma – agora transformada em

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texto narrado pelo sonhador -- na tentativa de desfazer as dobras que revelam e, ao mesmo

tempo, ocultam o desejo recalcado. Ao fazer isso a interpretação promove uma espécie de

retirada da casca aproximando-se do ponto essencial e desconhecido.

Os esclarecimentos freudianos não definem as diferenças entre tradução e interpretação. No

artigo “Sobre o início do tratamento” (1913) ao considerar as condições necessárias ao início e

subseqüente desenvolvimento de uma análise o autor aponta o seguinte:

Quando devemos começar a fazer nossas comunicações ao paciente? (...) A

resposta a isso só pode ser: somente após a transferência eficaz ter-se

estabelecido no paciente, um rapport apropriado com ele. (...) Esta resposta,

naturalmente, implica uma condenação de qualquer linha de conduta que nos

levasse a dar ao paciente uma tradução de seus sintomas (...) (FREUD, 1913,

p. 154).

Nesta passagem do texto, a tradução aparece novamente confundida com a interpretação. Luiz

Hanns (1996) esclarece que se numa primeira fase a tradução equivale à interpretação, há uma

sutileza que as diferencia. A interpretação (Deutung) operaria sobre um material cujo sentido

manifesto está claro, quer dizer, foi traduzido. Porém, a atividade de interpretá-lo vai além de

torná-lo legível, trata-se de discutir o sentido/significado que está para além do óbvio. A

interpretação analítica não seria, nesse sentido, nem uma “tradução simultânea do inconsciente do

analisando”, nem ao menos, a decifração desse. A interpretação versaria sobre o recalcado,

recuperando as rupturas, os espaços em branco, na tentativa de construir um novo texto para essas

representações desligadas dos afetos. E o trabalho analítico seguiria na tradução do material que

aparece na cena transferencial através da interpretação.

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Diante dos argumentos apresentados acima, por que insistimos na idéia de tradução para nomear

o trabalho realizado sobre o conceito de pulsão de morte ou, ainda, para a exigência de trabalho

diante desse campo de intensidades? Apesar das pontuações feitas por Hanns, a tradução, ao

transferir significados de uma língua desconhecida para outra, no seu trabalho de retranscrição e

na sua tentativa de tornar legível o desconhecido, parece acessar um núcleo que resiste à tarefa

tradutiva. Um núcleo essencial, não interpretável e não mais associado à representação

inconsciente recalcada que funciona de acordo com uma dinâmica inconsciente, sem estar inscrita

na tópica inconsciente. Um núcleo que resiste ao trabalho tradutivo, trabalho que é feito através

da interpretação, e que exige uma operação que passa pela tradução e avança para além dela.

2.2 – Ponto de tradução

A idéia de tradução aparece muito cedo nos escritos freudianos. Na chamada “carta 52”, datada

em 6 de dezembro de 1896 e dirigida a Wilhelm Fliess, Freud descreve o funcionamento psíquico

através de um esquema tradutivo e apresenta o recalque como uma “falha na tradução”. A

hipótese freudiana era a de que o funcionamento psíquico formava-se por um processo de

estratificação e o material presente em forma de traços da memória estaria sujeito, de tempos em

tempos, a um rearranjo – uma retranscrição (FREUD, 1896, p. 281). Desse modo, a memória não

se faria presente de uma só vez, mas se desdobraria em vários tempos, passando por diferentes

registros como exposto no seguinte esquema:

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I II III

W WZ UB VB Bws

(Wahrnehmungen) (Wahrnehmungs- (Unbewusstsein) (Vorbewusstsein) (Bewusstsein)

zeichen)

X X ---------- X X ------------- X X --------------- X X -------------- X X

X X X X X X

X

(FREUD, 1896, p. 282)

Nesse esquema os registros W (memória) e BWS (consciência) – das pontas esquerda e direita –

são excluídos da memória, pois não conservam em si nenhum traço do que aconteceu.

“Consciência e memória são mutuamente excludentes”, nos diz Freud (1896, p. 282). Os registros

do centro do esquema seriam, cada um a sua maneira, os registros nos quais a memória se daria.

WZ (signos/indício de percepção) – primeiro registro de percepção. Há um indício de

percepção (Zeichen) , mas que é inacessível à consciência. Esses traços são

organizados de acordo com associações por simultaneidade.

UB (inconsciência) – é o segundo registro. Os traços (Spuren) são equivalentes a

lembranças conceituais e, da mesma forma, inacessíveis à consciência. Esse é o

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registro inconsciente, formado por cadeias conceituais, onde os traços se organizam a

partir de relações causais. Esse ponto é importante porque aponta para a idéia do

inconsciente como um “regime” de funcionamento que impõe uma estruturação

específica aos traços UB.

VB (pré-consciência) – é o terceiro registro, ligado às representações verbais. Aqui a

representação-coisa, advinda do registro anterior, associa-se à representação-palavra,

possibilitando o acesso à consciência.

O esforço de Freud nessa carta é o de apresentar o aparelho psíquico no seu trabalho de

transcrição do material presente em forma de traços, na tentativa de fazer com que elementos

dispersos, oriundos de registros anteriores, possam se organizar a partir de regras distintas em

cada registro. Assim, todo material que estivesse presente na forma de “traços da memória”

estaria sujeito a uma retranscrição (FREUD, 1896, p. 281). Desse modo, a memória não se faria

presente de uma só vez, mas se desdobraria em vários tempos, passando por diferentes registros.

Para Freud (1896), na fronteira entre os sucessivos registros deve ocorrer uma tradução do

material psíquico, quer dizer, um rearranjo. No caso das psiconeuroses22, uma determinada parte

do material não sofre a tradução e isso não é sem conseqüências. A cada nova transcrição há uma

inibição da inscrição anterior e o processo de excitação daquele registro é retirado. Quando falta

uma transcrição subseqüente (por falha na tradução), não há a inibição da transcrição anterior,

nem a retirada da excitação. O material continua existindo sem, no entanto, sofrer o trabalho de

22 Freud utilizava a expressão psiconeuroses sem ainda fazer uma diferenciação entre o que mais tarde ele irá chamar de neuroses narcísicas (paranóia e a melancolia) e neuroses de transferência (histeria, obsessão e a fobia). Ver Freud. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914).

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tradução empreendido pelo psiquismo. Continua existindo e tentando o acesso à consciência

através de substitutos, constituindo as formações do inconsciente.

Segundo Freud uma falha (die Versagung) na tradução:

É o que conhecemos clinicamente como recalcamento. Seu motivo é sempre a

produção de desprazer que seria gerada por uma tradução; é como se esse

desprazer provocasse um distúrbio do pensamento que não permitisse o

trabalho de tradução (FREUD, 1896, p. 283).

Em sua tese de doutorado Ana Maria Portugal23 esclarece que essa falha na tradução não deve ser

definida como um “defeito de função, que seria perfeita, caso a tradução não falhasse”

(PORTUGAL, 2006, p. 54). Para essa autora, os desdobramentos que a teoria do inconsciente

sofreu ao longo dos textos freudianos nos permitem dizer que se trata, já nessa carta, da presença

de algo intraduzível, mas que ao mesmo tempo em que resiste aos arranjos tradutórios impulsiona

no sentido da tradução. Um dos destinos para esse intraduzível seria a operação do recalque,

como um desvio de algo que o sujeito não pode suportar. Freud nos diz isso claramente na

passagem citada acima. É uma defesa que não suprime o fato radical que a motivou e a presença

dos substitutos (sintoma, ato falho, chistes, sonhos), a cada vez que aparecem, confrontam o

sujeito com esse ponto original de desprazer. “O recalque evita e encobre o desprazer, mas ao

mesmo tempo o transporta, não conseguindo eliminar seus derivados” (PORTUGAL, 2006, p.

54). As formações do inconsciente não seriam uma nova tentativa de tradução diante de uma

falha da primeira? Tentativas contínuas, pois a tarefa de tradução aponta sempre para o núcleo

que resiste sem, contudo, perder de vista um horizonte de conciliação. Isso pelo fato de que

23 A tese foi publicada sob o título: O vidro da palavra: o estranho, literatura e psicanálise. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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paradoxalmente o que insiste na tradução, o que importa traduzir, é justamente o intraduzível.

Estamos em presença de “sobrevivências”, nos dirá Freud (1896, p. 283).

Segundo Ana Maria Portugal (2006), die Versagung é um termo que percorre toda a obra

freudiana. A partir de uma análise desse termo, a autora aponta que sua raiz está presente no

verbo sagen (dizer) e o prefixo ver, tem a função de negação. Assim o termo Versagt teria o

sentido literal de: “o que não se deixa dizer” (Portugal, 2006, p.55). Die Versagung: privação,

frustração, falha, negação, recusa. Existe no próprio termo uma dificuldade de tradução, visto a

extensão de seu uso na obra freudiana na tentativa de apontar as nuanças das experiências que

foram consideradas traumáticas pelo sujeito. Entretanto, o que coincide nesses usos é justamente

o ponto que indica algo que “resiste”, “embola”, “não desliza”. Resiste diante da operação de

transcrição e escrita operada pelo aparelho psíquico. Estamos novamente diante do campo de

intensidades, lugar em que pulsão de vida e pulsão de morte produzem um movimento em que

escrever e não escrever, no sentido de traduzir ou não traduzir, fornecem o tom do funcionamento

psíquico.

Para EduardoVidal (2000), essa apresentação do funcionamento do aparelho psíquico, em termos

de transcrição e escrita, com seus registros indicados por letras, apresenta o modo como o

aparelho escreve os efeitos do encontro com a alteridade. É de fora como percepção que o

psiquismo é afetado. Dessa afetação produz-se o primeiro registro (WZ), a primeira escrituração

dos signos de percepção. Esses signos são sempre enigmáticos porque indicam de que forma se é

afetado pelo desejo do Outro. Desse encontro contingente com o desejo, colocado num campo

exterior ao sujeito, se produz uma inscrição, como uma espécie de vestígio de coisas ouvidas e

vistas, que sulcam o aparelho, mas não são compreendidas, nem ao menos reconhecidas. “As

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notícias do próprio corpo também fazem parte desse exterior. Os corpos se afetam à maneira de

uma língua; eles são corpos falantes” (VIDAL, 2000, p. 488). O registro seguinte, o inconsciente

(UB), escreve diante de uma opacidade radical. Como um segundo registro, ele opera a partir de

indícios que não estão ligados a uma cadeia de significação. E, nesse sentido, opera uma

retranscrição – que não deixa de ser uma nova escrita, um escrever de novo -- em que algo

ausente ao sentido está colocado desde o início.

O inconsciente é o conceito decorrente da instauração de um traço que se

repete como diferença. Algo que escreve no sujeito sem que se transcreva

inteiramente na palavra nem seja integralmente lido. Há um hiato entre as

diferentes escrituras. (....) O impossível está no cerne da escritura. Escreve-se

do impossível, não apenas como limite, mas como causa24 (VIDAL, 2000,

p.489).

A tradução seria um efeito da escrita a partir desse ponto – ponto de tradução -- do que se revela

como o impossível a traduzir. Em um pequeno ensaio intitulado “Langue étrangère”, Nata Minor

(1987), psicanalista nascida na Rússia e radicada na França, apresenta esse ponto da tradução e

suas relações com o que existe de estrangeiro na língua. Nesse texto, a autora escreve a

experiência de acompanhar, num misto de nostalgia e melancolia, as mudanças sofridas

discretamente em sua escrita. Então ela diz:

24 Grifo nosso.

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Desde a morte de meu pai, minha escrita não seria mais a mesma, seu aspecto

geral não estava mais parecido, certas características tinham notadamente

sofrido uma modificação: a barra dos T havia mudado25 (MINOR, 1987, p.

113).

Essa mudança na forma da sua caligrafia acontecia quando o pai ainda era vivo revelando que o

tempo que restava estava reduzido a pouca coisa. Como numa espécie de antecipação do

momento de separação, a sua escrita tinha se estendido aproximando-se daquela do pai. “Alguns

detalhes, alguns traços, algumas letras” (MINOR, 1987, p. 113). Sua escrita se nutria das

particularidades de uma outra. Ela se tornava, assim, mais cursiva, mais legível, como se a

tomada de uma escrita por outra fornecesse o elã, o transporte não mais para o mesmo, mas para

o novo, para o vivo.

Essa legibilidade nova de minha escrita não me apareceu logo em seguida, foi

necessário tempo, longo, curto, eu não saberia precisar – o tempo de

consentir, eu diria. E simultaneamente a esse grafismo que se colocava em

curso, se ancorava, perdia seu ar errante, alguma outra coisa se realizava (...)26

(MINOR, 1987, p.113).

“Na vida sobrevêm incidentes bizarros que ganham em seguida o estatuto de acontecimento”

(MINOR, 1987, p. 114), nos diz a autora desse ensaio. Eis, então, o incidente que teve para Nata

Minor o valor de um acontecimento: 25 “Depuis la mort de mon père, mon écriture n’était plus la même, son aspect général n’ètait plus pareil, certains caractères avaiente nettement subi une modification: la barre des T avait changé”. Traduzimos o termo écriture por escrita, indicando que trata-se aqui da escrita enquanto signos gráficos, ou o modo de traçar os caracteres gráficos de uma língua (uma grafia), indicando de certo modo, um estilo (Ver Dicionário Petit Robert – versão eletrônica). O termo écriture é muitas vezes traduzido por escritura, mas temos nessa tradução os desdobramentos do pensamento de Barthes acerca da escritura. Certamente esses desdobramentos nos levariam a tocar as idéias a respeito do estilo, quer dizer, da forma da escrita. Contudo, como não trabalharemos as noções barthesianas, optamos por manter uma tradução mais literal. 26 “Cette lisibilité nouvelle de mon écriture ne mèst pas aparue tout de suite, il a fallu un temps, long, court, je ne saurais l’apprécier – le temps de consentir, dirais-je. Et simultanément à ce graphisme que se mettait en place, s’ancrait, perdait son allure errante, quelque chose d’autre se réalisait (...)”

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Uma carta (letrre), postada por alguém desconhecido e de um lugar que não figurava sobre os

mapas postais, trazia a seguinte pergunta: “Onde posso encontrar o seu livro?”. Dizia a carta. “De

qual língua ele foi traduzido?”. O remetente da carta havia encontrado um pequeno artigo dessa

autora publicado nesses jornais que circulam nos lugares de passagem. Recebida como um

presente, a carta tem a seguinte resposta anedótica: “traduzida do inconsciente”. A resposta, de

valor chistoso, produz um efeito inesperado no interlocutor e, sofrendo as influências desse

efeito, Nata Minor passa a refletir sobre esse desconhecido que havia se infiltrado no seu texto e

que levava o leitor a se perguntar de qual língua se tratava.

Alguma outra coisa tinha se apresentado na sua escrita, ali, sob suas palavras, outras palavras de

uma língua estrangeira tinham escorregado clandestinamente. Esse incidente, revelado agora por

um leitor, se impôs a ela como uma evidência. Diante desse acontecimento Nata Minor declara:

“eu traduzia”. Em seguida ela se pergunta o que acontece com aqueles que tentando escrever

numa língua de adoção (de uso) se agarram ao desconhecido na tentativa de encontrar a palavra

justa que retomará, em um só som, todo o sumo das palavras da língua materna. Uma língua

esquecida que envia seus murmúrios infinitos, pulsando no texto, agora escrito numa língua

adotada, de uma maneira que nenhuma palavra pode conter. A carga pulsional da palavra

primeira não é jamais reencontrada. A libido parece estar atada num lugar distante, interditado,

ignorado. “Língua perdida, imagem perdida de si mesmo” (MINOR, 1987, p. 114).

Na tentativa de escrever essa língua desconhecida as palavras pareciam traí-la, ela as recitava sem

poder transcrevê-las. Seus murmúrios, os barulhos indistintos e a inadequação das palavras

deixavam a página em branco à espera da palavra justa que daria ao corpo do escrito sua

ancoragem indispensável.

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E a espera se prolongava. (...) Mas as silabas não eram suficientes. Seria

necessário outra coisa, um acento, uma tonalidade, uma música que eu sabia

existir, que entendia pulsar e que eu não chegaria jamais a fixar, a encontrar 27

(MINOR, 1987, p. 115).

“O zero falta ao ditado”, dizia a criança à mãe indiferente. Diante dessa lembrança Nata Minor

nos conta que para sua mãe faltava charme às palavras francesas. Elas não eram maleáveis como

as palavras russas que se prestavam às múltiplas variações. Nenhuma palavra francesa poderia

fazê-las entender o que uma única palavra russa tinha o poder de contar. O francês, no entanto,

tinha se tornado a sua língua de adoção, a língua de todos os dias, das leituras, dos jogos e dos

estudos. E a língua de origem – língua materna – não tinha mais o direito de ser citada.

Entretanto, essa língua permanecia errante, anárquica, fora das leis da gramática. Fazia seu sulco,

pacientemente, tecendo em sua escrita, retornando em cada uma das palavras, infiltrando ritmos e

locuções bizarras. Deixava pistas, como um rumor exigente e precioso, feito de palavras que um

dia pronunciamos, que outros nos disseram próximo ao ouvido, com uma voz clara e forte,

“antes, bem antes de nós” (MINOR, 1987, p. 116).

Traduzido do inconsciente – ela havia dito. A força dessas palavras, a nostalgia e a falta nos

invadem constantemente. Diante disso traduzimos, “nós traduzimos uma língua distante,

laboriosamente enterrada e densamente tricotada” (MINOR, 1987, p. 116), na tentativa de

reinventá-la e, assim, recuperar a plenitude, a força e a fruição da palavra original. Traduzimos a

partir de uma língua tornada nossa,

27 “Et l’ attente se prolongeait. (...) Mais les syllabes n’y suffisaient pas. Il fallait autre chose, un accent, une tonalité, une musique, que je savais exister, que j’entendais pulser et que je n’arrivais pas à fixer, à saisir”.

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Et nous voulons des mots vivants qui reprendront la plénitude, toute le

charnel, toute la jouissance du mot d’origine, sensuel, sexué, porteur de toutes

les traces qu’il a imprimées dans les mémoires (...). C’est une langue tierce

que nous cherchons et quand enfin nous l’écrivons, c’est l’histoire d’un

mariage et d’une métamorphose28 (MINOR, 1987, p. 117).

É de uma língua pulsional que afeta o corpo e permanece como um núcleo resistente que esse

ensaio trata. O corpo guarda a memória dessa língua esquecida e os seus vestígios se intrometem

no texto laboriosamente traduzido revelando que há sempre um traço que resiste. Traduzir, eis a

tarefa que tenta, num só golpe, recuperar e revelar o aspecto obscuro de uma língua exilada.

Assim, é preciso consentir com a infiltração dessa língua pulsional no texto traduzido, consentir

com seus rumores, seus espaços em branco. Consentir com essa intromissão é também renunciar

à tarefa de reencontrar a palavra justa que possa recuperar o vigor da língua materna e dizê-la

toda. É justamente a impossibilidade de traduzi-la inteira que indica a presença de “corpos que se

afetam à maneira da uma língua” (VIDAL, 2000, p. 488), e que seguem com seu aspecto

intensivo e seus arranjos infinitos.

Essas idéias nos remetem a um dos últimos textos de Freud (1940[1938]), “Esboço de

psicanálise”, em que o autor apresenta as dificuldades encontradas na tentativa de revelar o que

há por trás dos atributos de um objeto que não se apresenta diretamente à percepção. Justamente

isso que se oculta à percepção direta indicaria, mais do que se poderia supor, o estado real das

coisas. Não haveria nenhuma esperança em atingir esse estado de coisas em si mesmo, pois tudo

que inferimos sobre esse real deveria ser traduzido para a linguagem de nossas percepções. O

28 E nós queremos palavras vivas que recapturem a plenitude, todo o carnal, todo o gozo da palavra original, sensual, sexuada, carregada de todos os vestígios que ela imprimiu na memória. É uma língua terceira que nós procuramos e quando enfim, nós a escrevemos, é a história de um casamento e de uma metamorfose.

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acesso a esse estado implicaria, desde o início, uma operação de tradução, mas ao transferir o que

se apresenta para uma linguagem mais compreensível, como numa espécie de fuga, esse estado

escaparia à tentativa de significação. “A realidade sempre permanecerá incognoscível” (FREUD,

1940[1938], p. 210), nos diz Freud. Essa realidade, a que se refere Freud, diz respeito ao “estado

em si mesmo” do objeto, “ao estado real das coisas” que parece resistir às tentativas de incursão.

Talvez possamos indicar, a partir da leitura desse texto, que em se tratando de psicanálise é

preciso ler algo que não se revela na claridade do objeto. Não pelo fato de estar oculto, escondido

sob os escombros, se retomarmos a velha metáfora freudiana, mas porque mesmo se

apresentando na superfície, o objeto guarda seus pontos de opacidade. O fato de inferir sobre essa

realidade, no trabalho de traduzir o que se apresenta, já indicaria que o sentido dessa tarefa está

fadado a encontrar seu ponto limite. Ainda que possamos pensar a tradução no seu ato criador de

operar a partir de uma forma – transpor -- encontramos aquilo que não se esgota e continua

resistindo a essa tarefa. Ato então de traduzir e, ao mesmo tempo, renunciar à loucura de que tudo

possa ser escrito numa cadeia de significação. Traduzimos esse real a partir de uma língua

conhecida e no ato de traduzir deixamos a mostra o seu núcleo de resistência. A tradução exige a

criação de uma forma, nos diz Benjamin (1923), diante desse ponto limite. Uma forma que não

tem nenhuma relação com o sentido, pois realiza o trabalho de transpor esse núcleo resistente

inscrevendo-o em outro lugar, mas deixando soar essas “palavras que parecem não ter idioma”.

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2.3- No limite de toda tradução o impossível

O ensaio de Walter Benjamin (1923), “A tarefa – renúncia do tradutor”29 apresenta alguns

caminhos interessantes para pensar a relação entre o original, a tradução e seu ponto limite.

Apresentado pela primeira vez como prefácio a uma tradução dos Tableaux parisiens de

Baudelaire, ele traz uma curiosa ambigüidade no título: uma tarefa que é desde já renúncia; Die

Aufgabe, segundo Haroldo de Campos30, apresenta uma nuança semântica que transita entre o

dom, o dado e a renúncia ou abandono do tradutor. A primeira renúncia ligada à tarefa de traduzir

refere-se às implicações entre traduzido e comunicado. Traduzir uma obra literária não quer dizer

torná-la comunicável. Como se a tradução estabelecesse uma espécie de pacto de linguagem

extraindo as confusões ou desacertos do texto a traduzir.

Eis a primeira renúncia: traduzir não é comunicar, não é tornar acessível, nem ao menos passar

uma informação. Isso é o dispensável numa tradução. O que uma tradução deveria deixar passar é

o inapreensível, o misterioso, o poético, quer dizer, aquilo que é essencial à obra. Para Benjamin

(1923), “nenhum poema se destina ao leitor, nenhum quadro ao observador, nenhuma sinfonia

aos ouvintes” (p.1). De fato, a arte pressupõe a existência corpórea do homem, mas de modo

algum a sua atenção. Por isso, uma tradução não está destinada apenas aos leitores que não

entendem o original, se assim fosse também o original só existiria em função do leitor.

29 Utilizamos duas versões traduzidas deste texto: uma publicada no livro Clássicos da teoria da tradução e a outra traduzida por João Barrento (tradução inédita). As referências indicadas neste texto referem-se a essa segunda tradução. 30 CAMPOS, Haroldo. O que é mais importante: a escrito ou o escrito? Teoria da tradução em Walter Benjamin. Dossiê Walter Benjamin. Revista USP, São Paulo, n.15, p. 76-84, set./out./nov. 1992. Apud PORTUGAL, Ana Maria. O vidro da palavra. p. 51.

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A tradução é uma forma e para apreendê-la é preciso regressar ao original, pois é nele que reside

a lei da tradução, a lei dessa forma. A possibilidade de traduzir, a “traduzibilidade”, parece ser

intrínseca à determinadas obras como se delas partissem a exigência de tradução. Essa injunção

da obra por uma forma – forma própria de tradução – pode encontrar, ou não, um tradutor à sua

altura. A exigência e/ou a permissão para a tradução permanece ainda que nenhum tradutor se

entregue à tarefa de traduzi-la. E mais, a injunção se mantém mesmo que um tradutor aceite essa

missão, trabalhando no fio tênue de uma tarefa que indica desde o início uma renúncia. Isso pelo

fato de que a tradução atrai o “original para o seu interior, para aquele lugar único onde o eco é

capaz de fazer ouvir, na sua própria língua, a ressonância da obra na língua estrangeira”

(BENJAMIN, 1923, p. 8).

Para Benjamim toda tradução é apenas uma forma provisória de lidar com a estranheza das

línguas. Na forma operada pela e através da tradução o original cresce, evolui em direção a

reconciliação das línguas. A finalidade da tradução seria dar expressão à relação mais íntima das

línguas umas com as outras em direção à língua pura. Uma língua anterior a Babel, tempo mítico

onde o querer dizer se conjugava com o modo como se diz. Existe uma aproximação entre as

línguas no seu querer dizer algo, mas quando tocamos o modo (a forma) como cada uma diz

aquilo que quer, o horizonte torna-se a própria Babel. A língua pura daria acesso a alguma coisa

que nenhuma língua poderia alcançar isoladamente. Tentamos tocar o altíssimo das línguas, a

língua pura, e deixamos ecoar pelo nome de Babel a confusão das línguas e a impossibilidade de

uma total reconciliação. O essencial do original, o inapreensível, continua a ressoar nos limites de

toda tradução. Existe então um núcleo essencial presente no original que guarda a lei da tradução,

a sua exigência e, também, aquilo que numa tradução não pode ser novamente traduzido.

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Se quisermos definir com mais rigor esse cerne essencial poderemos dizer

que ele é aquilo que na tradução é, por sua vez, o intraduzível. Poderemos

extrair dela tanta substância informacional quanto quisermos e traduzi-la, mas

permanecerá sempre um resto intocável, no sentido do qual se orientou o

trabalho do verdadeiro tradutor (BENJAMIN, 1923, p. 7).

Revelar o intraduzível, deixar pulsar o estrangeiro no texto traduzido, seria essa a tarefa a que se

destina a tradução? A traduzibilidade de uma obra, assim como o seu limite de tradução, aparece

nessa imagem do núcleo essencial que resiste à tarefa do tradutor. O fato de resistir não indica

que ela – a obra – deixe de exigir a tradução. Ao contrário, na tarefa de traduzir há um aspecto do

original que parece não cindir. A obra é transposta para uma outra língua, através de uma forma

que visaria a língua pura e, ao operar a tradução, o cerne essencial é transferido integralmente – o

inapreensível da obra --, na sua literalidade, permanecendo agora no interior da língua traduzida

como o desconhecido que resiste pulsando. A tradução é sempre um “a-fazer”, um “a-traduzir”,

uma exigência pela forma e uma espera pela nova tradução. Ela busca outra coisa que não a

reconstituição do sentido e o que se manifesta através da forma é justamente aquilo que dorme no

original funcionando, também para ele, como o estrangeiro, como a outra língua. Como operação

simbólica, “a tradução toca o original ao de leve, e apenas naquele ponto infinitamente pequeno

de sentido, para seguir na sua órbita própria” (BENJAMIN, 1923, p. 12).

O fato da traduzibilidade ser inerente a determinadas obras não significa que a tradução seja

essencial a elas. Entretanto, é a partir dessa exigência de tradução inerente ao original, que se

estabelece uma conexão vital entre esse e a tradução. Para Benjamin (1923), a tradução nasce do

original, mas não se define apenas como mero meio de transmitir conteúdos, se assim fosse seria

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preciso pensar que a sua única aspiração se resumiria em encontrar a semelhança com o original,

restituindo um sentido perdido. Ao contrário, o original transforma-se ao longo da sua

sobrevivência, ele sobrevive, quer dizer, continua a viver nas traduções não porque elas o imitam,

ou buscam reconstituir o seu sentido, mas porque na forma da tradução o original vive. Ao

almejar a língua pura, a tarefa do tradutor deve renunciar não somente a comunicação, mas à

reconstituição do sentido. O original demanda uma forma e não o sentido, ele dispensa o tradutor

na medida em que a lei da traduzibilidade aponta para uma forma como uma certa delimitação

necessária à emergência daquilo que é inapreensível. Na forma o original continua a viver,

alargando os seus domínios. A busca pelo sentido, por uma sintaxe, fixaria a língua original

impedindo-a de se renovar constantemente através da língua para a qual foi traduzida, e

esconderia o seu cerne essencial e intraduzível, lugar onde “palavra, imagem e sonoridade se

confundem” (BENJAMIN, 1923, p. 12). Na forma da tradução “o sentido se precipita de abismo

em abismo”, até ameaçar no sem fundo. O tradutor que a obra exige, ao se engajar na tarefa de

traduzir, renuncia ao sentido em benefício da forma, em benefício de uma literalidade, que revela

que “o sentido deixou de ser a linha de separação entre a torrente da língua e a torrente da

revelação” (BENJAMIN, 1923, p. 13).

Ao tocar o infinitamente leve de sentido, a tradução “fulgoriza o que não era fulgorizado”,

deixando irromper como clarão os “insignificantes” do texto original (BARRENTO, 2006, p.

177-179). Através da forma, é revelada uma alteridade presente na matéria do original. Como

traduzir um texto escrito em várias línguas ao mesmo tempo? Como traduzir o intraduzível? A

busca pela forma renuncia ao sentido e à fixação da língua numa sintaxe pré-definida deixando

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irromper o intraduzível puro. Ao consentir com essa renúncia, a tarefa de tradução não visaria,

justamente, esse núcleo que guarda a lei da tradução e revela o seu impossível?

No livro Torre de Babel, Derrida (2002) nos oferece uma valiosa tradução do ensaio de

Benjamin. Como numa espécie de colocação em cena do ato de traduzir, ele nos apresenta a

tarefa/renúncia a qual o tradutor deve responder. Ao manipular a língua benjaminiana -- e aqui é

preciso pensar que não se trata apenas do alemão como língua original do autor, mas de todas as

línguas presentes num único texto escrito em alemão – Derrida trabalha o texto sem tentar

restituir o seu sentido, sem tentar eliminar o insolúvel. O autor se entrega à tarefa de traduzir

como uma espécie de transformação de uma língua para outra, de um texto para outro. E se na

visada da tradução o alvo é a língua pura, a reconciliação das línguas, Derrida nos mostra o seu

ponto limite. O intraduzível apresenta-se, na leitura desse autor, sob a forma do nome: Babel.

“Pois Babel é intraduzível”. Esse nome toca o ponto infinitamente pequeno de sentido, o limite

da tradução, deixando viver nele o fulgor do original.

Para Derrida (2002), a tradução visaria esse intangível. É ele que orienta e fascina o trabalho do

tradutor e que o faz prometer a reconciliação das línguas. “Ele quer tocar o intocável, o que resta

do texto quando dele se extraiu o sentido comunicável, quando se transmitiu o que se pode

transmitir, até mesmo ensinar” (DERRIDA, 2002, p. 52). Ainda que essa reconciliação fique

sempre em estado de promessa, a tradução, pelo simples apelo a ela, é um acontecimento raro e

considerável. Ao renunciar à tarefa de copiar ou restituir um original, o tradutor deixa que este

continue a viver no texto traduzido com o que resta de intocável. Ao recuperar a figura do caroço

e da casca, presente no ensaio “A tarefa-renúncia do tradutor”, Derrida argumenta que:

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A primeira figura que se apresenta aqui é a do fruto e do invólucro, do caroço

e da casca. Ela descreve em última instância a distinção que Benjamin não

quererá jamais renunciar (...). Reconhece-se um caroço, o original enquanto

tal, pelo fato de poder ele deixar-se de novo traduzir e retraduzir. (...) Só um

caroço, porque ele resiste à tradução que ele imanta, pode oferecer-se a uma

nova operação tradutora sem se deixar esgotar (DERRIDA, 2002, p. 52-53).

O fato de ser uma operação simbólica não implica que, ao final de uma tradução, uma

completude simbólica seja atingida. Resta o caroço, aquilo que não cinde nessa operação de

tradução, “permanecendo sempre incognoscível”. A exigência de tradução nada sofre por não ser

traduzida, e mais, não sofre por não ser totalmente traduzida visto que é preciso renunciar ao tudo

traduzir, como uma louca tentativa de esgotar o sentido e esgarçar a sintaxe. Renunciar a isso é

consentir com o desconhecido que continua a viver após todas as tentativas de tradução. “Há

lugares que nunca chegaremos”, nos diz Llansol no prefácio à tradução dos Últimos poemas de

amor de Paul Éluard. E ela continua:

Mas, se o mundo desaparecer no sentido da total incoerência, o poema que

não cinde irá procurar outro corpo, outro mundo. (...) Não atribuam mais, à

arte de cerzir sereno da poesia, o epíteto de estranheza, atribuam-lhe, vós,

oriundos de um país que descobriu mundos, o epíteto a-nem-sempre-possível

(LLANSOL, 2002, p. 18).

“Acompanhemos esse movimento de amor, o gesto desse amante que trabalha na tradução”

(DERRIDA, 2002, p. 49). Acompanhemos a tarefa dessa amante que se coloca a traduzir os

Últimos poemas de amor de Éluard nos revelando que há lugares em que a tradução nunca

chegará. Llansol se entrega à tarefa desejando “traduzir os poemas de uma só vez, num só golpe”,

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dando voz àquilo que qualifica a sua tradução: a nem sempre possível. Nem sempre possível

devolver o sentido original, nem sempre possível restituir, nem sempre possível representar. Para

Octavio Paz (1999) essa tarefa implica uma transformação do original na medida em que a

própria tradução se apresenta como uma operação literária análoga à criação poética. Essa

transformação do original permite que ele continue a viver, não no sentido de uma vida póstuma,

mas da renovação do vivo da obra, do caroço que guarda as forças que se opõem uma a outra,

através da tarefa de traduzir e transpor. É como se na tradução o original pudesse revelar aquilo

que nele também é o seu nem sempre possível.

Retornemos então a Babel, o nome, a forma exigida pelo texto original benjaminiano31. Ao tratar

da tradução Derrida prefere operar uma tradução do texto de Benjamin ao invés de discutir sobre

essa tarefa de modo teórico. Esse autor se coloca na tarefa de traduzir reconhecendo, desde o

início, que a tradução guarda relações estreitas com a transposição poética. Traduzir, segundo

Derrida, é transpor um nome próprio – “o intraduzível, a letra” – em várias palavras. É transpor

através de uma forma “esse tutano intraduzível da língua” (PAZ, 1999, p. 8) que resta como o

caroço que não cinde diante da injunção tradutória da obra. “Um resto do texto benjaminiano

restará, ele também, intacto ao final da operação. Intacto e virgem apesar do labor da tradução,

por mais eficiente e por mais pertinente que ela seja”, nos diz Derrida (2002, p. 52). Diante desse

resto a forma Babel – ela mesma material -- parece tocar nesse ponto de contato ou carícia, lugar

em que a tentativa de supressão das diferenças das línguas as revela mais plenamente. Babel é a

31 Derrida esclarece que a referência a Babel aparece de maneira explicita em outro texto de Benjamin: Mythe et violence, traduzido por Maurice de Gandillac. Ao dar esse nome ao seu livro, Derrida parece operar uma espécie de transposição disso que resta intraduzível no texto benjaminiano. Babel como o intocável e, ao mesmo tempo, como aquilo que incita à tarefa os tradutores.

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forma na qual sentido e literalidade32 não se dissociam mais, formando o corpo de um

acontecimento único, agora intransferível. Ao trabalhar na tarefa de tradução Derrida toca o

caroço do texto benjaminiano, transpondo para a forma Babel esse vivo do texto. Babel prescreve

e interdita a tarefa. Ao recuperar o nome Babel de um outro texto de Benjamin, Derrida nos

mostra, no seu ato, o trabalho de transpor isso que resiste na língua original como o seu núcleo

essencial, o seu intraduzível.

Diante disso, quais as relações podemos estabelecer entre a tradução operada no campo poético e

a tradução no campo psicanalítico? Ao apresentar o psiquismo funcionando a partir de uma

operação tradutiva, Freud também não trata do sentido, mas da forma exigida pela tradução. É

essa forma que aparece escrita na sua carta a Fliess, através de uma organização das letras:

X X ---------- X X ------------- X X --------------- X X -------------- X X

X X X X X X

X

Essa forma é exigida pelo original indicando que há uma lei que orienta a tradução. Ela segue

arranjos distintos, mas em todos os registros podemos ler aquilo que é transposto na forma da

letra (x), como o que resta da operação tradutiva e continua a viver na tradução operada. Há um

sentido, se pensarmos que esse original segue o “rumo” de uma tradução, se dirige a essa tarefa,

suporta e se presta a ela. Mas também aqui, a tarefa tradutiva encontra seu ponto limite e, talvez,

32 O que se passa entre o original e a tradução parece ser aquilo que Derrida nomeia como um pas de sens, literalmente o “sem sentido”, mas na forma original encontramos uma ambigüidade da qual o autor parece se beneficiar. Assim, pas de sens, “não significa pobreza, mas pas de sens que seja ele mesmo, sentido” (DERRIDA, 2002, p.70-71), ou melhor, passo de sentido.

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não fosse precipitado aproximar esse caroço daquilo que Freud define como o que resta “para

sempre incognoscível”. Além disso, esse caroço – se recuperarmos a metáfora benjaminiana --

guarda as forças que se opõem uma a outra, quer dizer: o traduzível e o intraduzível. Isso nos

indica novamente um campo de intensidades, o campo de forças pulsionais que incita o trabalho

tradutivo do psiquismo e revela esse irredutível pulsional. Existe um ponto da pulsão – nomeado

por Freud como pulsão de morte -- que resiste à tradução, que não cinde diante dessa operação e

que se apresenta no texto traduzido como traço e como ritmo. “A pulsão [de morte] marca o

limite do incognoscível, pela sua aspiração mítica, no sentido de uma ficção teórica” e, no

entanto, “esse mesmo conceito aspira avançar nesse mesmo real(...)” (BAETA, 2006, p. 271).

Entremos no campo da heterogeneidade conceitual. É preciso esclarecer que ao aproximarmos o

trabalho de tradução do conceito ao de tradução poética não estamos prescindindo de uma certa

estabilidade do conceito – talvez o seu próprio núcleo que resiste a tantas traduções -- e que

permite a transmissão dentro do campo epistemológico. Ao contrário, trabalhamos com o

conceito naquilo que ele tem de mais fértil: o seu movimento bascular. Esse apresenta tanto uma

estabilidade necessária ao movimento quanto a instabilidade que o próprio movimento permite.

Além disso, recuperamos do campo poético a poiesis, como um trabalho de rigorosa criação,

incessante, arriscado, aberto. Assim, podemos dizer que “o conceito não recria, ele faz” e, desse

modo, é da “ordem do acontecimento” (VIDAL, 2000, p. 479) 33.

33 A referência a acontecimento aqui é retirada de Deleuze. Eduardo Vidal esclarece que “com Deleuze a filosofia é acontecimento. Em ato, o que está em questão são os corpos sem que linguagem e pensamento deles consigam fazer representação, significação ou significado. Um acontecimento não é a história [perspectiva benjaminiana, talvez] ele é histórico em um certo trajeto do devir, mas logo excede, explode qualquer significação histórica para afirmar-se singular” (VIDAL, 2000, p.481). Essas criações especiais na ordem dos conceitos são tidas como um acontecimento. Curiosamente Deleuze se refere ao Além do princípio do prazer como o texto em que Freud entra numa verdadeira reflexão filosófica. Para o filósofo não é das exceções ao princípio do prazer que Freud trata nesse texto, mas de um resíduo irredutível a esse princípio. Ver: DELEUZE. Apresentação de Sacher-Masoch. Rio de Janeiro: Taurus, 1983. p. 120

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É verdade que a psicanálise possui seu “Lalande”, seu vocabulário técnico, crítico e mesmo

histórico. Para os autores do livro A casca e o núcleo, Nicolas Abraham e Maria Torok (1995), o

vocabulário dessa ciência pretende “definir, enumerar, prescrever e proscrever todos os sentidos,

usos, desusos e abusos” (ABRAHAM e TOROK, 1995, p. 191), além de determinar as

vicissitudes de cada conceito. Ao promover uma comparação entre o vocabulário e o ego, esses

autores apontam para duas frentes: uma em direção ao exterior, conciliando exigências, e outra

em direção ao interior, encaminhando os excessos incompatíveis. O ego, como instância psíquica,

aparece na teoria freudiana como uma “casca” protetora, preservando o núcleo dos ataques

internos e externos. A casca fica marcada por aquilo que abriga, ao mesmo tempo em que deixa

revelar, na sua própria espessura, o que ela oculta. Assim parece ser o vocabulário da psicanálise:

como casca ele promove uma certa camuflagem do que deve estar salvaguardado, quer dizer, o

núcleo, ainda que revele a forma daquilo que resiste em se submeter à sistemática enciclopédica.

A teoria psicanalítica se recusa a qualquer tentativa de reajuste e, dessa maneira, os conceitos

mantém, após infinitas tentativas de exegese, os seus paradoxos. Ao tentar organizá-los em

sistemas de referências exteriores, retiramos dos conceitos a sua complexidade, “o seu nervo”.

Diante disso, o trabalho com o conceito deve buscar as contradições e as lacunas na tentativa de

extrair daí a própria complexidade conceitual. Por outro lado, o texto freudiano exige e suporta

esse empreendimento de exegese, convidando o leitor a se debruçar sobre todos os paradoxos.

Ele exige um tradutor à sua altura que sustente a originalidade do próprio texto e demanda uma

forma através da qual possa continuar a viver.

Segundo esses autores as teorias de Freud seriam a casca protetora de sua intuição, e para que o

núcleo invisível, mas sempre atuante, pudesse transparecer, seria necessário um trabalho de

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explicação de todas as contradições aparentes. Esse exercício de explicação das contradições não

seria, também, uma tentativa de restituir ao conceito aquilo que parece lhe escapar? Além disso,

Torok e Abraham indicam que a construção conceitual do campo psicanalítico produz uma

mudança semântica radical na linguagem, ao utilizar palavras de uso corrente desvinculadas das

suas significações habituais. Ao tentar explicar os paradoxos, não estaríamos caindo, justamente,

nesse ponto de uma semântica compartilhada e de uma restituição do sentido da qual o conceito

parece se afastar? E mais, ao promover uma explicação na tentativa de solucionar as contradições

não seríamos tentados a fixar o conceito em significações ajustadas retirando dele esse

movimento bascular?

Preferimos substituir o trabalho de explicação pelo da tarefa de tradução por entendermos que

nela esse núcleo pulsante e resistente do conceito pode viver, com suas contradições e

estranhezas, favorecendo o campo da diferença no próprio conceito. De fato o texto freudiano

exige um trabalho de tradução que não visa à restituição do sentido sob pena de perder o aspecto

vivo da clínica a qual ele se refere. É pelo fato de “não se dobrar as normas da lógica formal, de

fazer aparecer o indizível no non-sense e na contradição” (ABRANHAM e TOROK, 1995, p.

211-212) que o trabalho com o conceito faz injunção a uma tradução que toca o infinitamente

leve de sentido. O fato de tocar o sentido de leve não indica falta de rigor conceitual, apenas a sua

extração do campo clínico, visto que toda discussão conceitual no campo psicanalítico tem na sua

origem uma questão clínica, essa sim, maculada de contradições e descontinuidades. Não é

função do conceito mimetizar esse emaranhado que se apresenta na clínica, mas a discussão

conceitual só pode acontecer a partir da perspectiva clínica se mantiver os seus ruídos. Assim, se

nos afastamos desses autores no que se refere ao trabalho de explicação, nos aproximamos

novamente quanto às constatações referente ao campo conceitual

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2.4 – E diante do original

“O que pode fazer o chamado “original” – ou qualquer outro texto – a não ser se entregar às

leituras, sempre inevitavelmente datadas e marcadas por um contexto e por uma perspectiva?”

(ARROYO, 1993, p. 28). É preciso dizer que privilegiamos, neste trabalho, a polissemia do

termo “original”. E mais, é a partir dela que trabalhamos apontando analogias entre sentidos

distantes, sem contudo pretendermos concluir por uma igualdade que evite qualquer conflito de

interesses. Ao contrário, analogias que preservam as dessemelhanças. Por original podemos

tomar o texto freudiano, escrito na língua alemã, arquivado nas edições publicadas de uma grande

obra. Por um lado, o original escrito numa língua estrangeira para autores de língua francesa, sob

o qual se debruçam na tentativa de transportar significados de uma língua para outra. Por outro

lado, um original pulsional que imprime um modo de funcionamento ao psiquismo. O que

desejamos apontar aqui é que a pulsão de morte é sempre uma língua outra, estrangeira, estranha

– o desconhecido familiar -- que incita o trabalho de tradução, numa incessante tentativa de

escrita que marca, justamente, o ponto de resistência daquilo que não se traduz.

O texto de 1920 nos apresenta uma pulsão e o além de um princípio: no outro lado, na outra

margem, além de, para lá de. Segundo Vidal (1999), o além constitui o ponto a partir do qual

Freud interroga os fundamentos da metapsicologia, “um ponto fora do universo do princípio do

prazer com que interpela sua soberania nos processos inconscientes” (VIDAL, 1999, p. 113).

Para esse autor tratar-se-ia, no texto de 1920, de escrever o princípio com o seu além. Isso não

supõe completá-lo com o que está sempre excluído, mas antes operar com ele, visto que a

preposição jenseits (no original alemão) “mais do que indicar ultrapassagem, aponta para algo

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fora do domínio e necessário para a demarcação” (VIDAL, 1999, p. 114). Aponta para algo fora,

mas que tem efeito decisivo dentro.

Entendendo a tradução como uma operação simbólica que exige a criação de uma forma e revela,

no ato mesmo de traduzir, o seu ponto limite, partimos para a tarefa empreendida por Laplanche e

Lacan diante do texto freudiano. Pulsão sexual de morte e gozo: formas para escrever aquilo que

aparece no texto freudiano como marcando o limite da representação?