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CAPÍTULO VII Relações de Poderes Instituídos, Relações de Poderes Instituintes nas Organizações Educativas Esboço de uma Análise Crítica dos Discursos Os Discursos Legalmente Instituídos e os Discursos Instituintes da Administração Educacional O Estado e a Organização Escolar – Relações de Poder A Escola XXY – Contexto de Reprodução de Discursos Legalmente Instituídos e de Produção de Discursos Instituintes A Escola XXY – uma Caracterização Formal O Conselho Executivo da Escola XXY – uma Caracterização Formal O Regulamento Interno e o Projecto Educativo da Escola XXY Uma Reportagem na Escola XXY Relações Sociais de Género, Relações Sociais de Poder na Gestão Executiva da Escola XXY

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CAPÍTULO VII

Relações de Poderes Instituídos, Relações de Poderes Instituintes nas Organizações Educativas

Esboço de uma Análise Crítica dos Discursos Os Discursos Legalmente Instituídos e os Discursos Instituintes da Administração Educacional

O Estado e a Organização Escolar – Relações de Poder A Escola XXY – Contexto de Reprodução de Discursos Legalmente Instituídos e de Produção de Discursos Instituintes

A Escola XXY – uma Caracterização Formal O Conselho Executivo da Escola XXY – uma Caracterização Formal O Regulamento Interno e o Projecto Educativo da Escola XXY Uma Reportagem na Escola XXY Relações Sociais de Género, Relações Sociais de Poder na Gestão Executiva da Escola XXY

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CAPÍTULO VII

Relações de Poderes Instituídos, Relações de Poderes Instituintes nas Organizações Educativas – Esboço de uma Análise Crítica dos Discursos

O esboço de análise crítica dos discursos que neste capítulo se faz resulta das

considerações teórico-conceptuais-metodológicas que ao longo deste trabalho tivemos em

conta e, sobretudo, daquelas expostas e sujeitas a problematização no capítulo anterior deste

trabalho.

Para o delinear do mesmo esboço é convocada uma base importante de documentos tais

como normativos de carácter geral sobre a organização e administração escolar, desde a Lei

de Bases do Sistema Educativo, passando pelas mais diversas orientações normativas,

sobretudo consagradas em Leis e Decretos-lei. Foram também tidas em consideração algumas

propostas teóricas para a organização e administração das escolas patentes em propostas e

documentos publicados. Foi dada, ainda, uma atenção especial aos documentos da escola

onde se desenvolveu o “estudo de caso”: projecto educativo, regulamento interno, plano anual

de actividades, actas (foram-nos facultadas 40 actas do Conselho Executivo e 17 Actas do

Conselho Pedagógico) e a outros documentos de índole vária cedidos pela secretaria da

escola, tais como listagens de pessoal docente, género e grupo disciplinar; listagens de pessoal

discente, género e ano de escolaridade. Também não são de menosprezar, neste trabalho, as

notícias de jornais (9) respeitantes a acontecimentos ocorridos na escola.

Para além destes elementos, dão um contributo importante a esta “análise crítica dos

discursos” todos aqueles textos1 que resultam das intervenções públicas feitas por alguns

docentes e gestores da mesma (2); aqueles que foram escritos pelos actores alvos de

investigação: comentários (2) e testemunhos (2); aqueles que resultam dos depoimentos (14)

que nos foram cedidos por professores e professoras da escola, gravados aquando da sua

produção e posteriormente transcritos; aqueles que resultam de momentos de face a face (2),

também eles gravados e posteriormente textualmente transcritos; aqueles que por nós foram

construídos a partir de uma observação directa e simultânea transcrição dos discursos

1 Norman Fairclough (1997: 83) usa “o termo ‘texto’ para referir o ’produto’ linguístico de processos discursivos, quer se trate de linguagem escrita ou oral”, sendo para ele “evidente que um ‘texto’ oral pode transformar-se num ‘texto’ escrito através da transcrição”.

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produzidos em contexto de acção (no Conselho Executivo) sob formato de reportagem

escrita2.

Neste trabalho, de entre os documentos e textos documentais, os normativos são vistos a

partir de uma perspectiva que os considera como contempladores dos discursos instituídos

que pretendem orientar a acção organizacional, torná-la congruente com a lei, pese embora as

incongruências que neles se possam encontrar e o eventual tom retórico das suas formulações

discursivas. Os documentos da escola são vistos a partir de uma perspectiva que os considera

como a imagem oficializada da escola e dos seus discursos. Os discursos dos actores, homens

e mulheres, são tidos, na sua dualidade discursiva – o discurso (e o sentido) não são só

elementos de reprodução que constrangem, são também relações de produção que capacitam.

1. Os Discursos Legalmente Instituídos e os Discursos Instituintes da Administração Educacional

Há, no nosso país, uma imagem institucionalizada/normativizada do sistema educativo.

Alguns dos discursos jurídico-normativos patentes em diplomas ou documentos que

consagram a democraticidade, a participação, a autonomia e gestão das escolas públicas

portuguesas, entre outros princípios, são apresentados no quadro seguinte, tendo como marco

de referência temporal o pós 25 de Abril de 19743.

Quadro I

Alguns dos Discursos Instituídos da Administração Educacional

DIPLOMAS / DOCUMENTOS

ASPECTOS PREDOMINANTES

DL Nº 221/74 de 27 de Maio

Regulamentação incipiente que legaliza as Comissões de Gestão e as iniciativas de democracia directa nas escolas.

DL Nº 735-A/74

de 21 de Dezembro

Regulamentação das experiências de gestão nas escolas pela consagração de três órgãos de gestão democrática – Conselho Directivo, Conselho Pedagógico, Conselho Executivo – eleitos eleitos democraticamente, com representação paritária de professores e alunos nos Conselhos Directivos. Trata-se de uma tentativa de “normalização” precoce da administração escolar. Não foi cumprido no plano da acção organizacional.

2 Todas as expressões discursivas que neste quadro estão em itálico foram textualmente transcritas dos diplomas/documentos/textos em que se inscrevem. 3 Todas as expressões discursivas que neste quadro estão em itálico foram textualmente transcritas dos diplomas/documentos em que se inscrevem.

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DL Nº 769-A/76 de 23 de Outubro

É o decreto da Gestão Democrática. Tendo em conta que a escola sofreu nos últimos anos o efeito da compressão da vida política nacional e que as saudáveis atitudes de destruição de estruturas antigas fizeram ruir a disciplina indispensável para garantir o funcionamento de qualquer sistema educativo, este decreto procede à normalização da vida escolar. Regulamenta três órgãos de gestão – Conselho Directivo, Conselho Pedagógico, Conselho Administrativo e apresenta um concepção definitiva de democracia representativa nas escolas. Estabelece o fim da representação paritária no Conselho Directivo colocando o acento na gestão em detrimento do poder de direcção. Pois, é tempo já de [...] separar a demagogia da democracia e lançar as bases de uma gestão que para que seja verdadeiramente democrática exige a atribuição de responsabilidades aos docentes, discentes e pessoal não docente da comunidade escolar. Este decreto consagra, pois, os princípios de Participação e Democraticidade e só implicitamente faz alusão ao princípio da autonomia.

LEI Nº 46/86 de 14 de Outubro (LEI DE BASES

DO SISTEMA

EDUCATIVO)

Pedra basilar de toda a reforma educativa, estabelece o quadro geral do sistema educativo que se desenvolve segundo um conjunto organizado de estruturas e de acções diversificadas, por iniciativa e por responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas. A coordenação da política relativa ao sistema educativo, independentemente das instituições que o compõem, incumbe a um ministério especialmente vocacionado para o efeito. Define os princípios organizativos a que deve obedecer a administração e gestão do sistema educativo a nível central, regional autónomo, regional local e de estabelecimento, de entre os quais destacamos: Descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas, de modo a proporcionar uma correcta adaptação às realidades, um elevado sentido de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão eficientes; contribuir para uma correcção das assimetrias de desenvolvimento regional e local, devendo incrementar-se em todas as regiões do País a igualdade no acesso aos benefícios da educação, da cultura e da ciência. Quanto aos princípios gerais da administração do sistema educativo, estes devem assegurar o pleno respeito pelas regras da democraticidade e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos. O sistema educativo deve ser dotado de estruturas administrativas de âmbito nacional, regional autónomo, regional e local, que assegurem a sua interligação com a comunidade mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, de entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda de instituições de carácter científico. Para o efeito, serão adoptdas orgânicas e formas de descentrlização e de desconcentração dos serviços, cabendo ao Estado [...] garantir a necessária eficácia e unidade de acção. [....] a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo. Aponta-se para um modelo de organização do Estado assente na descentralização efectiva de poderes, responsabilidades e recursos. A autonomia das escolas é associada à ideias de desconcentração, descentralização e regionalização administrativas. Faz-se a distinção entre direcção e gestão, propõe-se a interacção institucionalizada entre a escola e a comunidade local (Integração Comunitária). Propõe-se a prevalência de critérios pedagógicos e científicos sobre os administrativos, a construção de um Projecto Educativo (definido a nível de escola) em órgãos onde esteja representada a comunidade educativa.

DL Nº 43/89 de 3 de Fevereiro

(LEI QUADRO DA AUTONOMIA)

Estabelece os princípios de Autonomia das Escolas: A autonomia da escola concretiza-se na elaboração de um projecto educativo próprio [...]. A autonomia da escola exerce-se através de competências próprias em vários domínios. Pretende inverter a tradição de uma gestão demasiado centralizada. Contudo, o preâmbulo deste decreto apresenta incongruência entre a apologia da autonomia e o respeito pelos normativos de carácter geral.

DL Nº 172/91 de 10 de Maio

(NOVO MODELO DE DIRECÇÃO,

ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DAS

ESCOLAS)

Reconhecendo que a experiência acumulada durante estes 15 nos de gestão democrática recomenda algumas alterações no modelo vigente, de modo a conciliar o intransigente requisito de Democraticidade com as necessárias exigências de estabilidade, eficiência e responsabilidade [...], o modelo agora instituído pretende assim concretizar os princípios de representatividade, democraticidade e integração comunitária. Contudo, não se tendo procedido a um processo de descentralização e regionalização administrativas e não se tendo preparado os diferentes actores para a assunção da autonomia esta fica bloqueada por uma (re)concentração de poderes ao nível central na medida em que falando-se embora em democraticidade, participação, representatividade, integração comunitária, direcção e gestão nas escolas, projecto educativo de escola (e também eficiência, estabilidade e responsabilização) se propõe um Conselho de Escola/ Área Escolar órgão responsável perante a administração educativa pela orientação das actividades da escola que aprova o regulamento interno, o projecto educativo, o plano anual de actividades e o orçamento anual da escola, que selecciona, em concurso, o órgão de gestão (director executivo). As funções do Conselho de Escola/ Área Escolar ficam reduzidas a aprovar sem definir orientações. O Director Executivo é o órgão executivo, responsável perante a administração pela compatibilização das políticas educativas nacionais com as orientações do Conselho de escola...e pela gestão da escola, e perante o Conselho de Escola. O termo autonomia só aparece de forma discreta no preâmbulo do 172/91.

DL Nº 133/93 de 26 de Abril

(LEI ORGÂNICA DO ME)

Refere-se à necessidade de reajustar a administração educacional de acordo com três vectores fundamentais: reforço dos serviços regionais, flexibilização da estrutura central do Ministério e redefinição da sua missão, cabendo aos serviços centrais as tarefas de concepção e apoio à formulação das políticas de educação e ensino e reservando-se as funções executivas às Direcções Regionais, enquanto serviços desconcentrados. Nada avança quanto às competências próprias das escolas nem quanto à autonomia.

PACTO

EDUCATIVO PARA O FUTURO

ME - 1995

De entre os objectivos estratégicos deste Pacto, destaca-se: Fazer do sistema educativo um sistema de escolas e de cada escola um elo de sistema local de formação, no sentido de: [...] desenvolver os níveis de autonomia das escolas. De entre as acções prioritárias para a consecução deste objectivo, destacam-se a aprovação das linhas de orientação estratégica para o desenvolvimento de processos de autonomia das escolas e a celebração de contratos de autonomia entre as escolas e o Ministério da Educação [...] respeitando a autonomia de cada instituição e a especificidade de cada território educativo.

DESPACHO

NORMATIVO Nº 27/97

de 02 de Junho

Visa definir uma nova matriz para o regime jurídico de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação e ensino, a aplicar a partir de 1998/99. Pretende-se valorizar a identidade das escolas, criando de forma contratualizada as condições para que estas possam ter acesso a níveis superiores de autonomia. Maiores graus de autonomia implica a criação de condições para os estabelecimentos de ensino que lhes possibilitem assumir novas responsabilidades. Refere a necessidade de uma progressiva descentralização da Administração Educativa para os níveis regional e local como condição de modernização e renovação. Encara a escola inserida na comunidade como o centro privilegiado de toda a acção educativa .

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DL Nº 115-A/98 de 04 de Maio REGIME DE

AUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO

E GESTÃO DOS ESTABELECI-MENTOS DA

EDUCAÇÃO PRÉ - ESCOLAR E DOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO

Com as posteriores alterações da Lei Nº

24/99, de 22 de Abril

A autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação, com o objectivo de concretizar na vida da escola a democratização, a igualdade de oportunidades e a qualidade do serviço público. Pretende-se transformar as escolas no centro das políticas educativas através de um processo gradual de autonomia. Autonomia é o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados. O desenvolvimento da autonomia terá de ter em conta a organização interna das escolas e as relações destas com os níveis central, regional e local, com a assunção pelas autarquias de novas competências, com adequados meios, pressupondo a constituição de parcerias sócio-educativas para a participação da sociedade civil. Contudo, o Estado não pode aligeirar as suas responsabilidades pelo facto de as escolas poderem gerir melhor os recursos educativos de modo consistente com o seu projecto pedagógico. Cabe somente à administração educativa uma intervenção de apoio e regulação, com vista a assegurar uma igualdade de oportunidades no processo de construção da autonomia (a autonomia como um meio e não como um fim). Afasta-se um modelo uniforme de gestão, apela-se para a responsabilização colectiva e individual e propõem-se contratos de autonomia consoante a capacidade autonómica de cada escola, capacidade essa que pode obedecer a um gradualismo no processo de transferências de competências. A direcção e a Gestão obedecem a regras fundamentais que são comuns a todas as escolas e os seus projectos educativos definem as que estão mais aptas a assumir em grau mais elevado essa mesma autonomia. Reiteram-se os princípios de democraticidade, participação e representatividade, tal como os da eficácia e racionalidade, a ser tidos em conta em todos os níveis de ensino não superior, nomeadamente nas escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e nos Jardins de Infância. A dimensão dos diferentes níveis de ensino obrigam a soluções diferenciadas, pretendendo-se salvaguardar a identidade própria das escolas do 1º Ciclo. Aponta-se para uma política coerente de rede escolar que assente num equilíbrio entre identidade e complementaridade de projectos. Pretende-se conseguir nos diferentes níveis e ciclos de ensino dinâmicas activas que favoreçam a dimensão local das políticas educativas, a autonomia e a descentralização. Tudo isto com vista à consecução da igualdade de oportunidades e à construção da qualidade educativa. Em suma, fala-se de descentralização, eficácia, racionalidade, qualidade educativa (local), equidade, diversidade e flexibilidade, cooperação, gradualismo da autonomia, escola como centro das políticas educativas, comunidade educativa.

DL Nº 208/2002 de 17 de Outubro (LEI ORGÂNICA

DO ME)

Advoga-se uma nova cultura de exigência e responsabilidade, com a adequada tutela jurídica. Só nestes termos as escolas, hoje titulares de uma crescente e desejável autonomia, a que se pretende aliada uma nova autoridade social podem dar resposta sustentada e competente aos anseios e às aspirações e à confiança que as famílias nelas têm de depositar. A reforma estrutural da educação passa também pela devolução de novas e efectivas atribuições às autarquias locais na área da educação, reconhecendo que os municípios constituem o núcleo essencial de uma estratégia de subsidariedade e que o modelo de descentralização administrativa [...] enforma uma dinâmica de modernização do Estado e de melhoria da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. Tudo isto constitui uma nova visão estrutural do sistema educativo português, conforme com uma lógica de autonomia e inovação dos projectos educativos das escolas e das comunidades locais. E, tudo isto ainda pressupõe o desenvolvimento da autonomia das escolas, enquanto espaço concreto das aprendizagens individuais, através da concretização dos objectivos do sistema educativo por intermédio de projectos educativos próprios [...] é a escola que executa as políticas educativas e é na escola que o sucesso ou insucesso das mesmas se traça, e assim não pode deixar de ser. Por isso, os órgãos e serviços centrais e regionais do Ministério da Educação passam agora a orientar a sua actuação em coerência com o regime de autonomia, administração e gestão das escolas. Tal significa uma clarificação do conteúdo funcional da administração educativa que compete ao Ministério da Educação. É assim que se estatui expressamente que esta clarificação compreende, para além da função de gestão de recursos, em coerência com o regime de autonomia das escolas, cinco outras funções: enquadramento e controlo do funcionamento de todo o sistema educativo, concepção, planeamento, regulação, avaliação e inspecção”. Visa-se ainda, entre outros aspectos, a institucionalização de um sistema de avaliação continuada global da educação e do ensino não superior, que se suporte numa interpretação integrada e contextualizada dos resultados. Advoga-se aqui também uma nova cultura de exigência e responsabilidade, com a adequada tutela jurídica. Só nestes termos as escolas, hoje titulares de uma crescente e desejável autonomia, a que se pretende aliada uma nova autoridade social podem dar resposta sustentada e competente aos anseios e às aspirações e à confiança que as famílias nelas têm de depositar. Diz-se no mesmo documento que a reforma estrutural da educação implica uma nova visão para as políticas de desenvolvimento e de gestão dos recursos humanos das escolas, docentes e não docentes (novas competências, novos processos e novos sistemas de informação, novas políticas de recrutamento e selecção, de carreiras, de remunerações, de formação e reconversão profissionais, disciplinar e de avaliação do desempenho) que assegure uma gestão eficiente e eficaz desses recursos. Apregoa-se que a formação inicial, contínua e especializada de professores deverá ser objecto de uma atenção especial, pela importância que tem na qualidade e na modernização do sistema educativo e estará, por isso, a cargo do Ministério da Educação. Aposta-se numa concepção horizontal, contínua e autónoma de inovação educacional e de desenvolvimento curricular e numa lógica reformista contínua, de acordo com um modelo de administração de missão.

1.1 O Estado e a Organização Escolar – Relações de Poder

A leitura do quadro anterior permite que se captem alguns dos vectores da imagem

institucionalizada/normativizada do sistema educativo português.

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Tendo em consideração tópicos de análise discursiva tais como centralização,

descentralização, desconcentração, recentralização, autonomia, direcção, gestão e género,

entre outros, podemos, desde já, avançar com uma análise crítica dos discursos da

administração educacional cujo esboço fica apoiado apoiado por algumas das contribuições

teóricas e empíricas que nos têm feito compreender as relações tensas que se estabelecem

entre o contexto de produção dos discursos legalmente instituídos (o Estado) e os contextos

não só de reprodução de discursos instituídos mas também de produção de discursos

instituintes (a Escola).

Em Portugal, o contexto de produção dos discursos legalmente instituídos, o nível

estatal e jurídico de produção normativa, pode ser visto como um contexto que favorece a

delineação de um sistema que tende a instituir uma organização colectiva das formas de

comportamento e actuação.

No âmbito da administração educacional, em Portugal, o Estado, e os actores sociais,

propiciaram a consolidação de uma imagem em que os papéis do masculino e do feminino

estão de acordo com os critérios do pensamento organizacional racionalista que tende a

orientar os domínios do público e do privado. O Estado Novo, no que a isto diz respeito,

desempenhou um papel crucial “impedindo as professoras de aceder a cargos directivos nas

escolas” (Araújo, 1990: 89). E, “durante vários anos a escola veiculou e mesmo contribui para

acentuar, por diferentes meios, a discriminação sexual existente na época e na sociedade

portuguesa. A mulher foi explicitamente reduzida a uma posição subalterna, foram-lhe

dificultados acessos e vedados lugares [...] as professoras constituíram, pela educação que

tinham recebido, um dócil instrumento conservador apreciado pelo sistema” (Cortesão, 1988:

152-153).

Uma caracterização, feita embora de forma genérica, do sistema educativo português

permite vê-lo como um “sistema burocrático centralizado” (Formosinho, 1984, 1987, 2001;

Sousa Fernandes, 1985, 1992) e, entre outros aspectos, a “tradição de dependência do Estado

e da socialização burocrática centralista” explicam alguns dos comportamentos de certos

actores educativos (Formosinho, 1986: 67).

Nas organizações educativas, nomeadamente nas escolares, existe um extenso corpus de

legislação que delimita, quanto pode, as lógicas de acção dos actores. Esta delimitação é

própria de um tipo de sistema de ensino centralizado, concentrado, desconcentrado

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(recentemente apresentando vectores de recentralização)4 em que o Estado procede ao

controlo político e administrativo do mesmo.

A gestão democrática das escolas, logo após o 25 de Abril de 1974, foi considerada por

António Sousa Fernandes (1985: 77), por exemplo, como “um dos aspectos da

democraticidade do ensino e um dos indicadores mais expressivos do grau de

descentralização e de participação introduzidos no sistema de ensino português”.

No “período revolucionário”, diz Licínio Lima (1999: 61), assistiu-se a um “ensaio

autonômico” que foi “levado a cabo através de formas de ingerência e de apropriação de

poderes, transformando a(s) periferia(s) em centro(s) de decisão e de autogoverno”. E, o

mesmo autor (2002: 15) reforça a ideia: “A primeira edição da gestão democrática é

autogestionária, é uma edição de autonomia, é uma edição de deslocação do poder do

Ministério para as escolas. Mas não por vontade do Ministério. Não se encontra um único

diploma, um único despacho, uma única circular em que o Ministério da Educação diga:

‘devolvemos poderes às escolas, descentralizamos, as escolas podem fazer que nós

deixamos’. Não se encontra um único diploma a dizer isso”.

Maria de Fátima Chorão Sanches (2002: 68), por seu turno, reporta: “As Escolas de

Abril não estavam a ensaiar nem a experimentar. Curiosamente, as escolas não reclamavam

autonomia porque estavam muito ocupadas a construí-la e a exercê-la, mesmo se de paredes

meias com o caos e a desordem de que nos fala o preâmbulo do decreto-lei de 1976. A

soberania governativa das escolas exerceu-se no vazio legal, de costas voltadas para o

Ministério da Educação, abolindo normas que o poder central não tinha tido tempo de abolir

ocupado com reivindicações e com o diálogo com os parceiros sociais. Neste sentido, as

escolas não exigiam devolução de poder. Chamaram-lhe coisa sua, legislando o novo e

decidindo no contexto das diversas estruturas nascentes e auto-reguladas. A autonomia não

tinha que ser reclamada, nem resultava de delegação, de contratos, de negociação. Exercia-se

no campo próprio das diversas ‘comunidades de prática escolar’” 5.

Após o “período revolucionário”, retomamos Licínio Lima (1992: 320), “a gestão

democrática (1976-1998) foi transformada numa gestão de/por professores”, podendo até

talvez ser considerada “como uma oligarquia de [certos] professores” e, apesar de os valores

4 Sobre esta última problemática, ver Licínio Lima (2003, 2004, 2005). 5 A autora (2002: 71-72) pergunta: “Que lugar há hoje para que as escolas se voltem a (re)ver como contra-poder?” e apresenta “alguma sugestões” nas quais diz acreditar, sugestões essas que passamos a transcrever: “Continuar a aproveitar as margens de incerteza e de indeterminação que parecem ter voltado e entrado por outras vias, sendo claro que já não se trata das indeterminações revolucionárias do 25 de Abril; Multiplicar as formas de participação crítica em várias zonas de intervenção e de centros múltiplos de decisão; (Re)descobrir formas de legitimação profissional (deontológica e de competência) para além das legitimações emanadas da retórica contida no discurso oficial, libertando-se das peias que elas podem representar; Vencer as tentações do isolamento e do individualismo profissional, constituindo novas comunidades de prática e alargando as já existentes; (Re)encontrar e reforçar formas de acção colegial, seja no domínio pedagógico, organizacional ou comunitário”.

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democráticos e participativos terem ficado consagrados ao nível político e legislativo, o

normativismo e a participação consagrada parecem ter reforçado a passividade e a não

participação no plano da acção organizacional escolar. Pouco a pouco foram de facto deixadas

de ser contempladas as formas de gestão paritária da fase inicial do período revolucionário

entre professores e alunos. Há estudos (Sanches, 1987; Trigo-Santos, 1997; Rocha, 1997,

1998) em que se revela que a gestão democrática também não propiciou paridade no que

respeita a participação e representatividade de homens e de mulheres em cargos de gestão

escolar6. A participação e representatividade equitativas na gestão escolar, em termos de

género, não estão consagradas em nenhum normativo da gestão democrática (e nem tão pouco

da autonomia e gestão das escolas) e quedam-se na pretensão, exposta na Lei de bases do

Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, art.º 3º, al. j) de, em educação, se

“assegurar a igualdade de oportunidades entre ambos os sexos, nomeadamente através das

práticas de coeducação e da orientação escolar e profissional, e sensibilizar, para o efeito, o

conjunto dos intervenientes no processo educativo”.

A lei, em Portugal, é omissa no que respeita a consagração da participação e da

representatividade dos homens e das mulheres na gestão das escolas. Não existe nenhum

diploma que mencione, efectivamente, qualquer tipo ou qualquer grau de participação e

representatividade dos mesmos em tal contexto. O que, estamos em crer, mesmo tendo em

conta os “pressupostos de género na gestão”, facilita as possibilidades de as mulheres e de os

homens poderem, nas suas escolas, escolher quem os pode representar nos cargos de gestão

que, eles sim, a par com as funções que os elementos que os compõem devem desenvolver, se

encontram explicitamente consagrados em normativos vários.

É esta consagração normativa constante que permite aludir, entre outros aspectos, ao

carácter “ilusório, simbólico e mítico” da democraticidade da gestão democrática (N. Afonso,

6 No contexto dos Estados Unidos, os dados estatísticos, a nível da feminização da gestão escolar, levam Charol Shakeshaft (1989: 20) a concluir que neste nível as mulheres foram "demasiado poucas durante demasiado tempo”. Posteriormente, a autora (1999: 101), baseada em estudos e dados sobre as mulheres na administração escolar em diversos países do mundo (incluindo 10 países europeus) conclui: “A história da administração escolar documenta uma consistente dominação masculina a todos os níveis, excepto durante um curto espaço de tempo durante o qual as mulheres alcançaram uma débil maioria na direcção de algumas escolas urbanas”. Em Portugal, diz Florbela Trigo-Santos (1997: 239), “também as mulheres dominam numericamente todos os níveis do sistema educativo sem se verificar uma correspondente representação nos respectivos órgãos de decisão dos vários estabelecimentos e instituições escolares e educacionais”. Em análises por nós efectuadas (Rocha, 1997; 1998), sobre esta mesma problemática (e a partir de dados estatísticos construídos para o período 1987-1995 – no que respeita as escolas secundárias do distrito de Braga – e de dados publicados pelo Ministério da Educação relativos ao ano escolar 1996/97) detectámos “a masculinização da gestão escolar no período da gestão democrática em Portugal e sinalizamos algumas das suas causas e efeitos. João Barroso (2002: 102, a partir de dados obtidos em 1995) traça um “retrato-tipo” dos “directores executivos”, destacando “a elevada taxa de masculinização existente entre os directores executivos, não só em termos absolutos, mas tendo em conta a distribuição do corpo docente pelos dois géneros” e considera que a taxa de masculinização da gestão foi reacentuada com a implementação, a nível experimental, do Decreto-lei 172/91. O mesmo autor (2002: 103), cita Natércio Afonso e Ana Sofia Viseu (2001: 42) que, a partir dos resultados de um questionário aplicado a uma amostra representativa de “presidentes de conselhos executivos” ou “directores executivos” em funções (estudo incluído no Relatório Global da Primeira Fase do Programa de Avaliação Externa sobre o processo de aplicação do Decreto-lei 115-A/98 – João Barroso, 2001) concluem, entre outros aspectos: “Quanto ao Presidente do Conselho ou Director Executivo, os docentes que exercem a função de topo na gestão das escolas ou agrupamentos mostram um perfil caracterizado por um índice de feminização muito inferior ao do conjunto do corpo docente, havendo quase tantos docentes do género masculino como do género feminino”.

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1988: 6). Pois, “a gestão democrática constitucionalmente consagrada em 1976, garantindo

embora importantes princípios de democraticidade e de participação [...] não foi, contudo,

institucionalizada de forma a permitir uma ruptura com o paradigma de centralização política

e administrativa na educação, nem a conferir uma maior autonomia às escolas” (Lima, 2000a:

52), ou, se se pode falar de autonomia, esta mais não é do que “uma autonomia meramente

técnica e processual, eficazmente exercida por instâncias periféricas subordinadas às decisões

centrais” (Lima, 1999: 61).

Veja-se que “até mesmo em períodos revolucionários, como o que ocorreu na sequência

do 25 de Abril de 1974, as estruturas centrais nunca descentralizaram ou devolveram poderes

a partir de um projecto democrático de descentralização da educação e de autonomia das

escolas” (Lima, 2003: 21) e que, não raras vezes, nas organizações escolares, se desenvolvem

processos de “inovação” formatada, precisamente, pelas instâncias centrais de decisão

(Correia, 1989: 33 e ss.).

O estudo de Licínio Lima (1992) permite, de facto, que se configure um “modo de

funcionamento díptico da escola como organização” através do qual se mostra como na lógica

de uma administração centralizada e burocrática do sistema de ensino português, a produção

de regras formais (normativos) se opera nas instâncias centrais do Ministério da Educação

(órgão de direcção) e como estas regras entram nas escolas como uma imposição, sendo de

“admitir que quanto mais os interessados (associações, grupos, indivíduos) reclamarem por

medidas concretas junto dos poderes centrais, mais centralizadora se tornará a administração”.

Nesta mesma configuração, mostra-se, ainda, como os espaços de regulação e de controlo

estatal têm de contar com os obstáculos e as fontes de incerteza para que as orientações para a

acção sejam sempre cumpridas sob um prisma de reprodução e execução nas escolas7.

Licínio Lima (1998: 6) tem-se, de facto, empenhado em mostrar como “é [...] forçoso

reconhecer, de um ponto de vista teórico, que tal como as eventuais mudanças juridicamente

consagradas e centralmente decretadas não asseguram automaticamente a mudança das

realidades educativas e das práticas escolares, também a manutenção, ou mesmo a

cristalização das principais orientações políticas macro-estruturais e das correspondentes

regras formais-legais não implica, fatalmente, a manutenção do statu quo, a observância

7 A extensão da análise vai permitir dizer que as regras formais (produção normativa/jurídica) podem engendrar novas regras: regras não formais (as que estão patentes nos documentos da escola, por exemplo) e que podem ser tanto uma espécie de operacionalização das regras formais como ser mais consentâneas, por vezes, com os interesses e os objectivos dos actores no plano da acção organizacional. Por isso, clarifica Licínio Lima (1992: 165-166), “entre os extremos da superimposição normativa e da aquiescência, por um lado, e da resistência ou mesmo da rebelião, por outro, haverá que estudar em que medida as orientações consagradas são efectivamente reproduzidas e realizadas nas organizações”. E, isto, porque nas organizações educativas, produzem-se também (de forma consciente ou não) regras informais que, por vezes, emergem espontaneamente e como que de uma forma secreta. Esta produção normativa informal pode constituir-se como uma fuga deliberada ou não ao normativismo por parte dos actores organizacionais. As regras informais (que, por vezes, são convertidas em formas de “infidelidade normativa”) são assim são construídas como regras alternativas ao normativismo (em muitos casos sobrepondo-o) e podem ser actualizadas pontualmente ou ser objecto de uma produção mais ou menos generalizada.

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daquelas regras em conformidade ou a mera reprodução normativa no plano da acção e das

práticas dos diversos actores escolares”. A “topografia complexa das decisões em educação”

(Lima, 1998) permitem ao autor (1999: 77) defender que não se deve “ignorar as assimetrias

de poder e relações de subordinação” mas também não se deve “condenar as organizações e

os actores escolares à reprodução normativa e à aquiescência passiva”.

Virgínio Sá (2004: 98) é peremptório: “Qualquer racionalidade a priori que presuma a

capacidade do centro em determinar a periferia, ou que, no polo oposto, conceba a periferia

como absolutamente autodeterminada, esbarra com a pluralidade de lógicas, de interesses, de

coligações, de ortodoxias e, não menos importante, de infidelidades (ou fidelidades a deuses

menores) que tornam aquelas presunções em meros exercícios especulativos de duvidosa

relevância empírica”.

Contudo, e apesar das eventuais especulações sobre os graus do poder de determinar e

os graus do poder de se autodeterminar, no que respeita as análises sobre as relações

Estado/organização escolar, não se tem deixado de revelar que, em dados momentos, o que

parece ter essencialmente ocorrido, apesar do discurso normativo apregoar a descentralização

dos poderes educativos e a transformação das escolas no “centro das políticas educativas”

(Decreto-lei nº. 115-A/98), foi uma “recentralização por controlo remoto e [uma] autonomia

como delegação política” (Lima, 1995: 57), em suma, uma forma de administração

educacional que conferiu às escolas uma espécie de “centralidade periférica” (Lima, 1999: 77)

e em que a autonomia pode ser concebida, nesta sequência analítica, e como criticamente no-

lo é dito, como “uma táctica de devolução que não vai propiciar nada de novo mas apenas

criar ’clones de modelos regulados burocraticamente’ [...], uma vez que a verdadeira

estratégia permaneceria nas mãos do Estado” (Estêvão, 1999: 149).

Em Portugal, de facto, “o regime nacionalista impõe uma forte centralização do ensino.

A discussão reabre-se com as reformas educativas da democracia que se alinham,

retoricamente, pela descentralização. Todavia, rapidamente se compreende que nada será feito

sem uma reorganização profunda das formas de intervenção do Estado na Educação e dos

modos de regulação do trabalho dos professores. O consenso em torno da descentralização é

um pouco enganador: alguns querem um maior poder das autarquias; outros insistem num

reforço da autonomia das escolas; outros ainda pretendem intensificar a participação das

‘comunidades locais’ na vida escolar. O debate está longe de ter chegado ao fim” (Nóvoa,

2005: 49).

Vejam-se alguns vectores críticos destes tópicos de análise:

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A denúncia da existência, nos últimos tempos, de uma espécie de “reorganização do

centro para a recentralização” (Lima, 2003: 21; 2004: 21; 2005: 21) reafirma que a

transferência de competências dos serviços centrais para os serviços regionais e locais não

tem correspondência com formas de efectiva descentralização mas sim com formas, ainda que

camufladas, de desconcentração e de recentralização. Estas formas, novos mitos

racionalizadores, permitem ao Estado legitimar a sua acção e, simultaneamente, aumentar a

eficiência e o poder da sua actividade dentro seu molde centralizado e burocrático8.

No nosso país, como as análises sobre o sistema educativo português e, mais

concretamente, sobre a problemática da autonomia das escolas, bem têm demonstrado, um

grande abismo tem separado o discurso político-jurídico sobre a autonomia e as condições

reais e institucionais para o seu exercício pelas escolas (Estêvão, Afonso, Castro, 1996).

De facto, devem merecer reflexão as análises que primam por salientar que para que

uma tentativa de construção da autonomia das escolas possa ser bem sucedida, a

modernização do sistema educativo passa pela sua descentralização e por um investimento

das escolas como lugares de formação. As escolas têm de adquirir uma grande mobilidade e

flexibilidade, aspectos incompatíveis com a inércia burocrática e administrativa que as têm

caracterizado. O poder de decisão deve estar mais perto dos centros de intervenção,

responsabilizando directamente os actores educativos. Assim, este processo de

descentralização não pode ser confundido com uma dinâmica que se limite a reproduzir a

nível regional e local as lógicas burocráticas e administrativas do poder central e que reforce,

assim, novos espaços de regulação e de controlo estatal (Nóvoa, 1992).

Nesta sequência analítica, também se tem vindo a argumentar que os processos de

descentralização e autonomia das escolas podem ser avançados sem que se espere por um

8 O teor da Lei Orgânica do Ministério da Educação (Decreto-Lei Nº 208/2002, de 17 de Outubro), por exemplo, leva Licínio Lima (2004: 21) a criticar esta nova orgânica, nomeadamente, no que se refere à sua “lógica centralista e de controlo, agora servida por dois elementos relevantes: um de legitimação, invocando a autonomia da escola e a territorialização, e outro de eficácia, apostando na padronização da informação e numa espécie de taylorismo informático on-line que almeja o controlo automático das escolas”. Licínio Lima (2005: 21) mostra ainda a “reorganização do centro para a recentralização” aludindo ao “reordenamento da rede de ofertas educativas” (Despacho nº 13.313) que “impõe unilateralmente um dado modelo de agrupamento das escolas [...] sem se poder descortinar qualquer ganho em termos de ‘reforço’ da sua autonomia” [...]. Para um melhor esclarecimento sobre estas problemáticas desenvolvidas por Licínio Lima consultar http://www.apagina./arquivo/FichaDe Autor.asp?ID=158. É interessante mencionar aqui a análise que Norman Fairclough (1997: 78-79) faz, tendo como referência países como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos, a propósito da “formação de uma política central”, nomeadamente da formação das “políticas e [d]o planeamento subjacentes a processos de tecnologização do discurso”. Segundo o autor, esta formação ocorre “a diferentes níveis e em diferentes momentos, em variadíssimas instituições e organização, tanto do domínio privado como público” e “estas ocorrências apresentam inúmeros elos de ligação [têm, nomeadamente, em comum uma relação com a competência científica social da qual depende a tecnologização do discurso], mas os processos de tomada de decisões e de aplicação prática são autónomos”. Há para o autor, por conseguinte, a necessidade de elaboração “de uma teoria do poder, classe e Estado nas sociedades capitalistas modernas, capaz de explicar a relação entre as formas como se desenvolve a tecnologização do discurso e os interesses de classe e Estado, sem reduzir as relações complexas, que se estabelecem entre organizações, instituições e níveis diversos, a uma concepção tipo ‘linha de montagem’ do poder estatal”. É claro que esta posição de Norman Fairclough tem obviamente de ser contextualizada em países em que se identificam, tal como no-lo reporta Ron Glatter (1992: 156), tanto tendências para a “descentralização das tomadas de decisão” (concedendo maior poder às escolas, nomeadamente a nível financeiro) como para o “aumento do controlo por parte das autoridades centrais” (em aspectos tais como o currículo e os mecanismos de avaliação) e em que se pode ver como “a descentralização e a centralização ocorrem, frequentemente, ao mesmo tempo (ver os casos da Suécia, do Reino Unido e dos Estados Unidos)”. Ainda para este mesmo autor (1992: 157), “é provável que a mudança seja mais dramática nos países em que os professores e os directores das escolas são funcionários públicos, estando sujeitos a directrizes e regras exteriores à organização escolar”.

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processo de regionalização. Os processos de descentralização e autonomia das escolas fariam

então sentido quando se entendesse por territorialização educativa, por exemplo, não

simplesmente uma medida técnico-administrativa para aliviar e modernizar o Estado, mas sim

um processo de apropriação por parte de uma determinada comunidade de diversos espaços

sociais e educativos como forma de se mobilizar e de se responsabilizar para empreender uma

acção colectiva (Barroso, 1996, 1997).

E, se é certo que se tem vindo a defender que a autonomia deve ser uma propriedade

construída pela própria organização social que lhe permite estruturar-se em função de

objectivos próprios, que ela é um jogo de dependência e interdependências que os actores

educativos estabelecem entre si e com o meio envolvente com o fim de levar a cabo uma

acção resultante da partilha de objectivos colectivamente assumidos (Barroso, 1996, 1997),

também se tem reconhecido as limitações práticas de tal concepção de autonomia ao avaliar-

se, por exemplo, os resultados imediatos da mesma e ao denunciar-se que “para quem

imaginava que o Decreto-Lei 115-A/98 era muito mais do que uma simples remodelação

formal de gestão escolar, os resultados alcançados, no final de dois anos, são frustrantes.

Mesmo sabendo que o processo era difícil e que contava com muitos obstáculos, era possível

ter feito mais” (Barroso, 2001: 21).

Então, faz todo o sentido que se diga que “apesar de pomposamente designado de

‘regime de autonomia, administração e gestão’, o regime instituído pelo Dec.- Lei 115-A/98,

parece apostado em ‘mudar a escola sem mudar o sistema’, adiando mais uma vez a

descentralização da administração educativa” (Sá, 2004: 96) e que, por este e por outros

motivos, se diga também que “o prometido reforço da autonomia da escola parece cada vez

mais uma miragem” sendo que “o reforço do controlo central sobre as escolas é, pelo

contrário, uma realidade quotidianamente testemunhada nas periferias” (Lima, 2005: 21). E,

assim sendo, percebem-se muito bem os discursos instituintes que questionam os discursos

legalmente instituídos (e a retórica que os enforma quando pretendem apresentar-se como

instituintes) e que primam por assinalar que “só devolvendo protagonismo aos actores locais,

reforçando efectivamente a autonomia [...], admitindo a pluralidade de soluções e a

diversidade de morfologias, será possível vir a contrariar as lógicas racionalizadoras-

centralizadoras e a ganhar credibilidade e legitimidade políticas junto das actuais periferias

escolares” (Lima, 2005: 21). E, se é certo que “a mudança política e administrativa de

paradigma” e que “a democratização, a descentralização e a autonomia educativas” não serão

“apenas concretizáveis através das vontades e dos esforços, individuais e colectivos, dos

actores educativos locais [...] unilateralmente responsabilizados, ignorando os

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constrangimentos existentes, desprezando assimetrias de poder, homogeneizando objectivos e

interesses” [e] conferindo ao Estado e à administração um papel pretensamente neutro”

(Lima, 1997b: 15), também é certo que se deve entender a dita “governação democrática das

escolas” como “uma perspectiva conceptual que focaliza intervenções democraticamente

referenciadas, exercidas por actores educativos e consubstanciadas em acções de

(auto)governo; acções que não apenas se revelam enquanto decisões político-educativas

tomadas a partir de contextos organizacionais e de estruturas de poder de decisão, mas que

também interferem na construção e recriação dessas estruturas e de formas mais democráticas

de exercer os poderes educativos no sistema escolar, na escola, na sala de aula, etc.” (Lima,

2000b: 19).

Desta feita, a imagem institucionalizada/normativizada do sistema educativo português

tem sido retratada e denunciada em propostas em que se pretende desfazer o tom retórico dos

discursos jurídico-normativos legalmente instituídos e reguladores deste sistema. Têm

surgido, de facto, alguns discursos instituintes com propostas que vão no sentido de tornar a

administração escolar em sintonia com os efectivos critérios de democraticidade, de

participação, de autonomia e gestão, de politização das escolas públicas portuguesas:

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Quadro II

Alguns dos Discursos Instituintes da Administração Educacional

PROPOSTAS/ PROJECTOS

ASPECTOS PREDOMINANTES

PROPOSTA DE MODELOS DE

ORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS

BÁSICA E SECUNDÁRIA

(RELATÓRIO DE SEMINÁRIO, Licínio Lima,

1988b)

Leva-se a cabo o desafio de desenhar uma proposta de Modelos de Organização das Escolas Básica e Secundária. Insiste-se numa proposta de modelos, e não numa proposta de um modelo rigidamente estruturado e formalizado. Assim, afastado o paradigma do tipo “one best way”, a solução parece ser a de considerar um conjunto organizado ou uma constelação de modelos baseados em certos valores e em determinados princípios organizacionais, promovendo um processo de concepção tecnicamente qualificado e socialmente participado [já que] numa organização burocrática, aqueles que deparam com situações de falta de autonomia e de falta de espaço de intervenção, acabam por se socializar e conformar. Assim, não reclamam por mais autonomia, mas preferem frequentemente utilizar as disfunções burocráticas para reforçar a sua posição e defender os seus interesses [...]. A introdução de novos modelos organizacionais, para que possa angariar apoios e mobilizar os actores no sentido da sua efectiva realização, não pode por isso ser realizada de forma rígida e centralista. Deve criar “vazios”, propor alternativas, criar áreas específicas de decisão a nível regional e local. Por isso os diplomas legais que de tal processo vieram a resultar dificilmente poderão continuar a tudo prever em pormenor, a tudo regulamentar de forma exaustiva e sistemática. Tratar-se-á de ceder algum poder de decisão para poder exigir maior responsabilidade e uma efectiva prestação de contas («accountability») [...]. Os modelos organizacionais das escolas devem potenciar a realização dos objectivos educativos, sendo congruentes com as orientações gerais legalmente definidas [...]. Os novos princípios, objectivos e tecnologias dificilmente poderão ser realizados conforme se previra se não forem acompanhados de mudanças ao nível das estruturas organizacionais e administrativas das escolas. Parece pois ser pouco provável que se consiga mudar a escola e os processos educativos que nela têm lugar, mantendo o seu modelo inalterável. Nesta sequência, defende-se a formação adequada para a gestão e a especialização docente e, mesmo sabendo que qualquer processo de inovação e de mudança gera receios, oposições e resistências, faz-se a apologia de um modelo participativo e mostra-se como mais do que uma reforma inovadora, o que parece ser necessário é uma estratégia de mudança. Faz-se uma distinção conceptual entre administração, direcção (política) e gestão (técnica). Defende-se que uma direcção democrática e participativa, bem como uma gestão eficiente dos estabelecimentos de ensino, dificilmente resiste o gigantismo e à massificação das unidades elementares do sistema, isto é, as escolas. Assim: Trata-se de criar condições organizacionais para que os professores e alunos desenvolvam um tipo de «aprendizagem colectiva» nas escolas. Configuram-se escolas dotadas de: – uma direcção democrática, com um conselho de direcção enquanto órgão colegial com representantes [sujeitos a uma eleição democrática] dos professores, dos alunos, do pessoal não docente e outros tais como os pais os encarregados de educação, as autarquias e as actividades sociais, culturais e económicas [conforme a Constituição da República e a Lei de Bases do Sistema Educativo]; – uma gestão pedagógica e administrativa [um órgão individual com um gestor pedagógico e administrativo].

PROPOSTA À COMISSÃO DE REFORMA DO

SISTEMA EDUCATIVO

(DOCUMENTOS PREPARATÓRIOS

II, 1988)

Delineia-se a direcção democrática e gestão técnica das escolas portuguesas. Configura-se um sistema educativo descentralizado e com larga autonomia colectiva para as escolas (ver princípios gerais e atribuições de competências à escola - deliberativas, consultivas, executivas). A autonomia tem tradução nas margens de liberdade acometidas na estruturação interna. Exige-se maior responsabilidade (com acréscimo de competências) dos órgãos de direcção e gestão, congruentes com uma maior autonomia. Refere-se que Cabe à escola autonomia na gestão pedagógica e na gestão administrativa dentro dos limites deste diploma e respeitando os normativos nacionais e regionais sobre a matéria (Artigo 16º). Fala-se nas propostas de uma administração regional descentralizada, reafirma-se o primado da pedagogia sobre a administração e da gestão pedagógica sobre a gestão administrativa (Gestão pedagógica e administrativa). Defende-se os critérios da democracia, participação e representatividade (envolvendo na direcção e gestão toda a comunidade educativa - direcção democrática) e não só a comunidade escolar. Defende-se que o Projecto Educativo deve ser definido pela comunidade educativa e defende-se ainda a progressiva especialização das funções de gestão, distinguindo claramente entre funções de direcção e funções de gestão. Propõe-se a diversificação de currículos e apoios educativos (Gestão curricular), fala-se da criação de condições estruturais ao nível da rede escolar e da promoção de medidas que favoreçam o sucesso educativo e escolar dos alunos. Perspectiva-se a escola enquanto organização complexa.

PROJECTO GLOBAL DE

ACTIVIDADES DA COMISSÃO DE REFORMA DO

SISTEMA EDUCATIVO

(1988)

Aponta o centralismo e o gigantismo do Ministério da Educação e Cultura (MEC) como os principais pontos de crise do sistema na administração da educação e assinala a inadequação dos actuais esquemas de gestão dos estabelecimentos de ensino superior e não superior, na perspectiva das instituições, da eficiência da gestão e da participação dos agentes educativos. Considera a democratização da administração geral do sistema de ensino como área prioritária na reforma, refere a necessidade de desconcentração e de descentralização e a necessidade de consolidação e enriquecimento qualitativo da gestão democrática dos ensinos básicos e secundário. O documento legal mais visível que se sucede a este projecto é o DL Nº 172/91 (ver cima).

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PROGRAMA DE REFORÇO DA

AUTONOMIA DAS ESCOLAS

RELATÓRIO DE UM ESTUDO

PRÉVIO REALIZADO DE ACORDO COM O

DESPACHO nº. 130/ME/96

(João Barroso, 1996)

Princípios a que deve obedecer um programa de reforço da autonomia das escolas: - O reforço da autonomia da escola não pode ser definido de um modo isolado sem ter em conta outras

dimensões complementares de um processo global de territorialização das políticas educativas. - No quadro do sistema público de ensino, a autonomia das escolas é sempre uma autonomia relativa,

uma vez que é condicionada quer pelos actores de tutela e de superintendência do governo e da administração pública quer do poder local no quadro de um processo de descentralização.

- Uma política destinada a reforçar a autonomia das escolas não pode limitar-se à produção de um quadro legal que defina normas e regras formais para a partilha de poderes e distribuição de competências entre os diferentes níveis de administração, incluindo o estabelecimento de ensino. Ela tem de assentar sobretudo na criação de condições e na montagem de dispositivos que permitam, simultaneamente, libertar as autonomias individuais e dar-lhes um sentido colectivo na prossecução dos objectivos organizadores do serviço público de educação nacional.

- O reforço da autonomia não pode ser considerado como uma obrigação para as escolas mas sim como uma possibilidade que se pretende venha a concretizar-se no maior número possível de casos. O reforço da autonomia das escolas não constitui um fim em si mesmo, mas um meio de as escolas prestarem em melhores condições o serviço público de educação.

- A autonomia é um investimento nas escolas, pelo que tem custos, baseia-se em compromissos e tem de traduzir-se em benefícios.

- A autonomia também se aprende. Pretende-se que este programa não sirva só para consolidar uma forma de regulamentação da autonomia e que, por isso, se possam "criar as condições para que ela seja «construída» em cada escola, de acordo com as suas especificidades locais e no respeito pelos princípios e objectivos que enformam o sistema público nacional de ensino". Privilegia-se uma perspectiva socio-organizacional da autonomia, sendo esta "vista como uma propriedade construída pela própria organização social que lhe permite estruturar-se em função de objectivos próprios [...] colectivamente assumidos". O documento legal mais visível que se sucede a este programa é o DL nº. 115-A/98 (ver cima).

Os discursos instituintes da administração educacional, em Portugal, permitem a

delineação de uma configuração política e educativa de um sistema legal que tende a incutir

responsabilidades às escolas que até há pouco eram do Estado. A autonomia das escolas, nesta

configuração, por um lado, em nada parece sugerir a redução do papel regulador do Estado e,

por outro, parece sugerir até a substituição deste mecanismo de regulação por outros, dentro

de uma concepção de “neoliberalismo educacional”, nomeadamente no que respeita a

produção normativa de medidas ancoradas em políticas educativas de teor gestionário.

Tentando contrariar a lógica neoliberal, alguns dos discursos instituintes da

administração educacional, em Portugal, advogam a necessidade de construção de uma

autonomia colectiva em que os actores educativos tenham a possibilidade de trabalhar em

escolas por si dirigidas e geridas de acordo com as efectivas necessidades da comunidade

educativa. Destas propostas ressai, pois, um esforço de politização da educação em acordo

com os valores da participação, da democraticidade, da cidadania quantas vezes ofuscados

pelos critérios da era da nova gestão: eficiência, eficácia, produtividade, lucro. Os discursos

instituintes da administração educacional permitem, então, questionar o enredo do

normativismo, a par com as possibilidades de resistência ao mesmo, ao serviço da construção

de uma escola que se pretende democrática e cidadã.

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2. A Escola XXY – Contexto de Reprodução de Discursos Legalmente Instituídos e de Produção de Discursos Instituintes

A investigação empírica, neste trabalho, e no que respeita a recolha de “dados”, leia-se,

também, “discursos”, teve o seu início após a substituição, nas escolas públicas portuguesas,

do modelo da gestão democrática (Decreto-lei nº. 769-A /76) pelo modelo de autonomia e

gestão das escolas (Decreto-lei nº. 115-A/98). Desenvolveu-se, fundamentalmente, entre

Outubro de 2001 a Agosto de 2005, e teve lugar numa escola secundária da cidade de Braga, a

que chamamos a escola XXY9, de forma mais efectiva no seu Conselho Executivo.

Ao longo do nosso trabalho de campo estivemos em “observação reportada” no

Conselho Executivo desta escola e estivemos na escola sempre que a recolha de “discursos”, a

partir de depoimentos, comentários escritos, momentos de face a face, testemunhos escritos

na primeira pessoa e a partir de conversas informais junto de outros actores que não somente

os gestores ou gestoras do Conselho Executivo, o exigiu. Algumas destas deslocações

envolveram a nossa presença durante algumas horas, outras limitaram-se a curtos períodos de

permanência. A investigação empírica, de que neste capítulo se dá conta sob o formato de

reportagem, permite dar conta do tempo e do espaço deste percurso investigativo.

2. 1 A Escola XXY – uma Caracterização Formal

Com o organigrama e os dados que constam nos quadros seguintes deste ponto

analítico10, pretende-se, tão somente, apresentar uma imagem oficialmente generizada da

escola em estudo, dos seus principais órgãos, dos corpos docente, discente e não docente. O

Organigrama da Escola XXY, patente no seu Regulamento Interno, está de acordo com os

“princípios de administração e gestão das escolas” consagrados no Decreto-lei nº. 115-A/98,

de 4 de Maio, com as posteriores alterações da Lei nº. 24/99, de 22 de Abril.

Tem-se presente neste trabalho que “O organigrama representa o aparelho institucional

hierarquizado e traduz a estrutura formal de relações e funções no interior da organização,

revelando a visão oficial de um modo muito estático. Como tal esconde o sociograma, ou seja,

9 XY é a fórmula cromossómica do homem; XX é a da mulher. A Escola XXY é uma instituição centenária. A escolha desta escola resultou de um processo de discussão em que se colocaram diversas alternativas e em que se ponderaram as possibilidades de esta escola poder apresentar um contexto viável à realização do trabalho empírico, nomeadamente: um corpo docente estável, um Conselho Executivo composto por um Presidente (com formação especializada em organização e administração escolar), uma Vice-presidente e um Vice-presidente, uma Assessora e um Assessor – uma repartição representativa em termos de género. À data do início do início da investigação a escola XXY encontrava-se, segundo dados publicitados, no trigésimo oitavo lugar do ranking nacional de escolas. 10 Os dados que permitem esta caracterização formal estão patentes, uns nos documentos da escola (caso do organigrama), outros foram-nos cedidos pelos serviços administrativos da escola em formato de listagens e foram posteriormente estatisticamente tratados.

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o lado informal da organização constituído pelas redes de relações informais, pelas

interacções não reconhecidas oficialmente” (Silva, 2004: 61). Considera-se, também, que os

dados, neste trabalho, sendo da ordem da estatística e do numérico não dão conta de muitas

outras dinâmicas organizacionais, tais como as que são construídas pelos actores

organizacionais, homens e mulheres, a par do organigrama, na prática.

Quadro III Organigrama da Escola XXY

ASSEMBLEIA DE ESCOLA

Presidente da Assembleia de Escola Presidente do Conselho Executivo

10 representantes do pessoal docente 3 representantes do pessoal não docente

(integrando 1 representante dos Serviços Administrativos) 4 representantes dos alunos

(integrando 1 representante do ensino recorrente) 2 representantes dos pais e encarregados de educação

1 representante da autarquia

CONSELHO PEDAGÓGICO CONSELHO EXECUTIVO

CONSELHO ADMINISTRATIVO

Presidente do Conselho Executivo 1 Repres. Proj. de Desenv. Educ./ C.R. Bibliot. Escolar1 Repres. Estrut. de Orientação (Coord. Direct. Turma)

1 Repres. dos Serviços de Apoio Educativo 2 Repres. da Assoc. de Pais e Encarregados de Educação

2 Repres. dos Alunos do Ensino Secundário 2 Repres. do pessoal não docente

(integrando 1 Repres. dos Serviços Administrativos) 9 Docentes

(Representantes dos Departamentos Curriculares)

Presidente

2 Vice-Presidentes

Presidente do Conselho Executivo

1 Vice-Presidente

do Conselho Executivo

Chefe dos Serviços Administrativos

S.A.S.E. Serviços Administrativos

Represent. Proj. Desenvenvolv.

Educativo

Assessores

Departamentos Curriculares Grupos Disciplinares

Conselho de Directores de

Turma Conselhos de Turma

Serviços de Psicologia e Orientação

Professores da Turma Delegado dos alunos

Repres. Pais e Enc. Educação

Ensino Especial

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390

Quadro IV

Escola XXY – Principais Órgãos de Direcção e Gestão – Composição e Género

PPP rrr iii nnn ccc iii ppp aaa iii sss ÓÓÓrrr ggg ããã ooo sss ddd eee DDD iii rrr eee ccc ççç ããã ooo eee GGG eee sss ttt ããã ooo /// CCC ooo mmmppp ooo sss iii ççç ããã ooo

((( eee mmm 222 000 000 444 )))

GGGééé nnn eee rrr ooo

FFF eee mmmiii nnn iii nnn ooo MMM aaa sss ccc uuu lll iii nnn ooo

AAA sss sss eee mmmbbb lll eee iii aaa ddd eee EEE sss ccc ooo lll aaa

Presidente da Assembleia de Escola 1 Presidente do Conselho Executivo 1

10 representantes do pessoal docente 5 5 3 representantes do pessoal não docente 2 1

4 representantes dos alunos S/I S/I 2 representantes dos pais e encarregados de educação 2

1 representante da autarquia 1

CCC ooo nnn sss eee lll hhh ooo PPP eee ddd aaa ggg óóó ggg iii ccc ooo

Presidente do Conselho Executivo 1 1 Repres. Proj. de Desenv. Educ./ C.R. Bibliot. Escolar 1 1 Repres. Estrut. de Orientação (Coord. Direct. Turma) 1

1 Repres. dos Serviços de Apoio Educativo 1 2 Repres. da Assoc. de Pais e Encarregados de Educação S/I 1

2 Repres. dos alunos do Ensino Secundário S/I S/I 2 Repres. do pessoal não docente 2

9 Docentes 7 3

CCC ooo nnn sss eee lll hhh ooo AAA ddd mmmiii nnn iii sss ttt rrr aaa ttt iii vvv ooo

Presidente do Conselho Executivo 1 Vice-presidente do Conselho Executivo 1

Chefe dos Serviços Administrativos 1

TTT ooo ttt aaa lll 22 16

Quadro V

Docentes da Escola XXY – Grupo Disciplinar e Género

GGGrrr uuu ppp ooo DDD iii sss ccc iii ppp lll iii nnn aaa rrr GGGééé nnn eee rrr ooo SSS uuu bbb --- ttt ooo ttt aaa lll

FFF eee mmmiii nnn iii nnn ooo MMM aaa sss ccc uuu lll iii nnn ooo Artes dos Tecidos (30) 1 1

ArtesVisuais (17) 11 1 12 Biologia e Geologia (26) 13 6 19

Construção Civil (14) 2 5 7 Construção Civil e Madeiras (31) 4 4

Economia (19) 2 2 4

Educação Física (38) 5 14 19 Electrotecnia (13) 3 12 15

Filosofia (24) 16 5 21

Física-Química (15) 17 5 22

Francês e Português (21) 26 3 29 Geografia (25) 6 3 9 História (23) 6 8 14

Informática (39) 5 6 11 Inglês e Alemão (22) 19 1 20

Matemática (11) 17 8 25 Mecanotecnia (12) 1 10 11

Português, Latim e Grego (20) 7 5 12

Química-Física (16) 5 2 7 Religião Moral (10) 1 1

TTT ooo ttt aaa lll 163 100 263

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391

Quadro VI

Docentes da Escola XXY – Grupo Disciplinar e Idade Agrupada

III ddd aaa ddd eee AAA ggg rrr uuu ppp aaa ddd aaa

GGGrrr uuu ppp ooo DDD iii sss ccc iii ppp lll iii nnn aaa rrr 222 000 --- 222 999 333 000 --- 333 999 444 000 --- 444 999 555 000 --- 555 999 666 000 --- 666 999 Artes dos Tecidos (30) 1

ArtesVisuais (17) 2 5 5 Biologia e Geologia (26) 2 5 10 1 1

Construção Civil (14) 2 5 Construção Civil e Madeiras (31) 4

Economia (19) 1 2 1 Educação Física (38) 5 6 5 3

Electrotecnia (13) 3 1 2 6 3 Filosofia (24) 4 3 8 6

Física-Química (15) 5 2 6 7 2

Francês e Português (21) 1 6 13 7 1 Geografia (25) 1 4 2 2 História (23) 1 3 5 4 1

Informática (39) 9 2 Inglês e Alemão (22) 4 3 8 4 1

Matemática (11) 3 3 10 9 Mecanotecnia (12) 1 1 7 2

Português, Latim e Grego (20) 1 3 5 3

Química-Física (16) 2 1 1 3

Religião Moral (10) 1

TTT ooo ttt aaa lll 32 48 85 71 20

Quadro VII

Discentes da Escola XXY – Ano de Escolaridade e Género

AAA nnn ooo ddd eee EEE sss ccc ooo lll aaa rrr iii ddd aaa ddd eee GGGééé nnn eee rrr ooo SSS uuu bbb --- ttt ooo ttt aaa lll

FFF eee mmmiii nnn iii nnn ooo MMM aaa sss ccc uuu lll iii nnn ooo

10º 214 294 508

11º 186 202 388 12º 222 230 452

Ensino Recorrente Básico 35 36 71

Ensino Recorrente Secundário 286 329 615

TTT ooo ttt aaa lll 943 1091 2034

Quadro VIII

Pessoal não Docente da Escola XXY – Função e Género

FFF uuu nnn ççç ããã ooo GGGééé nnn eee rrr ooo SSS uuu bbb --- ttt ooo ttt aaa lll

FFF eee mmmiii nnn iii nnn ooo MMM aaa sss ccc uuu lll iii nnn ooo

Administrativo 10 1 11

Auxiliar 26 14 40 Operário 3 2 5

Guarda Nocturno 0 2 2

S.A.S.E. 2 0 2

Técnico Superior 1 0 1

TTT ooo ttt aaa lll 42 19 61

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392

A imagem generizada da escola XXY pode ser detectada pelos dados numéricos que

constam nos quadros acima. Esta imagem deve ser vista a par com uma outra: a que trata de

pôr o género em movimento, a que é conseguida pela captação dos discursos dos homens e

das mulheres, a que mostra, mesmo que fugazmente, as relações que entre si se operam no

contexto de acção organizacional. Uma imagem em que se pode, até, visualizar as relações

sociais de género enquanto relações sociais de poder na Escola XXY e, mais especificamente,

no seu Conselho Executivo. A reportagem escrita que neste capítulo apresentamos e

consequente análise crítica dos discursos organizacionais permitirá refinar a imagem de que

falamos.

2. 2 O Conselho Executivo da Escola XXY – uma Caracterização Formal

Durante este período de investigação empírica, tivemos a oportunidade de observar dois

mandatos do Conselho Executivo da escola XXY, o primeiro entre Outubro de 2001 e Junho

de 200211, o segundo entre Junho de 2002 e Junho de 2004. Acompanhamos, embora não de

forma tão permanente, em termos de “observação directa”, o terceiro mandato deste Conselho

Executivo, entre Junho de 2004 e Agosto de 2005, altura em que terminámos esta

investigação empírica. A formatação do Conselho Executivo da Escola XXY está de acordo

com os critérios previstos no Decreto-lei nº. 115-A/98, de 4 de Maio, com as posteriores

alterações da Lei nº. 24/99, de 22 de Abril. O seguinte quadro ilustra os mandatos observados

e reportados:

11 E cujo início é de Junho de 1999, conforme a acta nº. 268 do Conselho Executivo da escola XXY.

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393

Quadro IX

Conselho Executivo da Escola XXY – Observação de Mandatos de Gestão

PPP eee rrr ííí ooo ddd ooo ddd eee OOObbb sss eee rrr vvv aaa ççç ããã ooo

ddd ooo sss MMM aaa nnn ddd aaa ttt ooo sss

CCC ooo mmmppp ooo sss iii ççç ããã ooo ((( CCC aaa rrr ggg ooo sss )))

GGGééé nnn eee rrr ooo /// AAA nnn ooo sss ddd eee EEE xxx ppp eee rrr iii êêê nnn ccc iii aaa nnn aaa GGGeee sss ttt ããã ooo ((( eee mmm 222 000 000 555 )))

MMM uuu ddd aaa nnn ççç aaa sss /// PPP eee rrr mmmaaa nnn êêê nnn ccc iii aaa sss

nnn ooo sss CCC aaa rrr ggg ooo sss ((( eee mmm 222 000 000 555 )))

GGGrrr uuu ppp ooo DDD iii sss ccc iii ppp lll iii nnn aaa rrr

FFF eee mmmiii nnn iii nnn ooo MMM aaa sss ccc uuu lll iii nnn ooo PRESIDENTE 1 (7) Educação Física

1 (6) Geografia Outubro 2001 a

VICE PRESIDENTES 1 (11) C. Civil e Madeiras

1(6) Deixou o Cargo Matemática Junho 2002 ASSESSORES 1 (6) Biologia e Geologia

PRESIDENTE 1 (6) Ex. Vice-presidente Geografia 1(11) Ex. Vice-presidente Constr.Civil e Madeiras Junho 2002

a VICE

PRESIDENTES 1 (6) Ex. Assessor Biologia e Geologia 1 (3) Início de Funções Informática 1(1) Início de Funções Inglês e Alemão

Junho 2004 ASSESSORES

1(3) Início de Funções Constr.Civil e Madeiras PRESIDENTE 1 (6) Actual Presidente Geografia

1 (11) Ex./ActualVice-presid. Constr.Civil e Madeiras Junho 2002 a

VICE PRESIDENTES 1 (6) Actual Vice-presidente Biologia e Geologia

1 (1) Início de Funções Inglês e Alemão 1(1) Início de Funções Inglês e Alemão

Agosto 2005 ASSESSORES

1(1) Início de Funções Biologia e Geologia

Uma caracterização formal da Escola XXY e do seu Conselho Executivo permite

mostrar, muito particularmente, o quadro organizativo dos seus recursos humanos, suas

principais funções e competências cruzadas com o factor género. Esta caracterização formal

permite, tão só, apresentar uma imagem oficialmente generizada da escola em estudo, como

já dissemos. A imagem oficial da escola, postos os dados constantes nos quadros acima

expostos, fica suportada com a atenção que, no ponto seguinte deste trabalho, é dada aos

discursos oficialmente instituídos em dois documentos da escola – O Regulamento Interno e o

Projecto Educativo.

2. 3 O Regulamento Interno e o Projecto Educativo da Escola XXY

Uma análise de alguns dos documentos da Escola XXY, tais como o seu Regulamento

Interno e o seu Projecto Educativo12, permite dizer que estes documentos oficializam a

imagem da escola em estudo. Alguns dos discursos neles patentes estão de acordo e, por isso,

apresentam-se, neste trabalho, como uma reprodução, no contexto da acção organizacional,

12 Também neste caso, todas as expressões discursivas que nestes quadros estão em itálico foram textualmente transcritas dos documentos/textos em que se inscrevem.

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dos discursos legalmente instituídos pelo Decreto-lei nº. 115-A/98, com as posteriores

alterações da Lei nº. 24/99.

Assim acontece, no que diz respeito, por exemplo, ao teor do Regulamento Interno e,

mais concretamente, ao delinear das Competências, Composição e Funcionamento da

Assembleia de Escola, do Conselho Executivo, seu Presidente e Assessorias (estas últimas

também de acordo com o Despacho 13555/98, 5/8/98), do Conselho Administrativo, do

Conselho Pedagógico e suas estruturas de apoio.

A formatação do Regulamento Interno desta escola, está em total consonância, também,

com a “Proposta de Estrutura do Regulamento Interno” da Unidade de Acompanhamento do

Regime de Autonomia e Gestão (1998) do Ministério da Educação.

O Projecto Educativo da Escola XXY também ele está em acordo com o legalmente

instituído e com o centralmente recomendado em termos de “Contributos para a Construção

do Projecto Educativo [...] da Escola ou Agrupamento de Escolas” da Unidade de

Acompanhamento do Regime de Autonomia, Administração e Gestão (1999) do Ministério

da Educação. Consoante o próprio teor do Projecto Educativo da escola em estudo, “O PEE é,

não só um instrumento para viabilizar a conquista da autonomia escolar (Decreto-Lei nº 43/89

e Decreto-Lei nº 115-A/98), quando é concebido e desenvolvido na base do cruzamento de

perspectivas e posições diferentes (professores, alunos, pais, agentes da comunidade, outros

educadores) que proporcionam a existência de um diálogo dentro da escola, e desta com a

comunidade e que enriqueçam a cultura e os saberes escolares com a dimensão social, mas

também uma componente essencial na gestão do estabelecimento de ensino, com o qual se

podem definir estratégias de desenvolvimento da Escola. De acordo com o disposto no

Despacho nº 113/ME/93, o PEE é um instrumento aglutinador e orientador da acção educativa

que esclarece as finalidades e funções da escola, inventaria os problemas e modos possíveis

de resolução, pensa os recursos disponíveis e aqueles que podem ser mobilizados. Deve

expressar a forma de sentir dos intervenientes na vida escolar, bem como adequar-se às

características e recursos da escola, e às solicitações e apoios da comunidade em que se

insere, conforme prevê o Decreto-Lei 43/89”.

Os seguintes quadros, contemplando o teor do Regulamento Interno e do Projecto

Educativo da Escola XXY, dão conta de alguns dos vectores da imagem educativa oficial da

mesma.

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Quadro X

Alguns dos Discursos Oficialmente Instituídos na Escola XXY

DOCUMENTOS

ASPECTOS PREDOMINANTES

Regulamento Interno

(em 2004)

Introdução: É facto reconhecido que todas as organizações de natureza comunitária — e a Escola é uma delas — postulam na sua vida a existência de normas. Mas a Escola, porque é uma organização com estrutura e vida próprias, para além de estar envolvida pelo alcance e acção das demais normas comunitárias em geral, exige, para o conveniente desempenho das suas funções, a existência de normas específicas. Todos devem: - Cumprir e fazer cumprir o Regulamento Interno da Escola; Ser assíduos e pontuais dedicando às suas actividades o tempo que legalmente lhes é destinado; Tratar com civismo e correcção todas as pessoas com quem tenham de contactar no desempenho das suas funções; Colaborar na organização da Escola e empenhar-se no asseio da mesma, quer através da conservação do mobiliário e restante material, quer através da manutenção da limpeza das salas, corredores e recreios; Contribuir para um ambiente de tranquilidade e ordem, num clima de colaboração, convívio e confiança; Corresponder às necessidades do trabalho colectivo, dando o máximo de participação; Comunicar ao Conselho Executivo qualquer anomalia da vida escolar e colaborar na sua resolução; Respeitar a legislação em vigor, no que diz respeito ao hábito de fumar; assim, só é permitido fumar nos espaços destinados para o efeito, pelo Conselho Executivo; Não adoptar atitudes que, intencionalmente ou não, possam ser notoriamente desrespeitosas e impróprias de um lugar onde se trabalha em comum. Todos podem: - Participar no processo de elaboração do projecto educativo e acompanhar o respectivo desenvolvimento, nos termos da lei; Apresentar sugestões e críticas relativas ao funcionamento de qualquer sector da escola; Ser ouvido em todos os assuntos que lhe digam respeito, individualmente ou através dos seus órgãos representativos; Ser tratado com respeito e correcção por qualquer elemento da escola.

Projecto Educativo (em 2004)

Constitui o PE uma imagem antecipada do caminho a seguir para intervir positivamente numa dada realidade; ele deve expressar a intenção do que se deseja e deve, também, conceber-se em torno de um plano que clarifique modos de operacionalização dessas intenções. Ao definir as políticas educativas da instituição e ao apontar para perfis de mudança, implica processos de negociação entre os diversos protagonistas promovendo a participação na expressão dessas opções (Leite, C., 2000). É pois um "contrato" que compromete e vincula todos os membros da comunidade educativa numa finalidade comum, sendo o resultado de um consenso a que se chega depois de uma análise de dados, necessidades e expectativas, e que, por isso, proporciona um enquadramento e um sentido coerente para as acções. É indispensável que a escola se organize de forma consequente, que seja um lugar onde toda a comunidade educativa se sinta ligada por uma finalidade comum, se sinta uma comunidade em que a cultura escolar se desenvolve num clima de diálogo, afectividade, facilitador de integração e do sentido de pertença. Esta organização pressupõe não só a criação de espaços de convívio, tendentes a diminuir conflitos existentes, como também a necessidade de reorganizar os espaços e recursos existentes, tornando-os agradáveis para toda a comunidade. O espaço de formação é a escola, que é um espaço de viver e não apenas de aprender, como tal deverá ser organizado em função dos educandos. É essencial que a escola não seja para eles apenas um lugar de passagem, onde estão algumas horas por dia, sempre ocupados em tarefas que lhes são impostas, mas sim um lugar de que se apropriam durante os anos que a frequentam, onde permanecem diariamente para actividades múltiplas e não só para a assimilação de conhecimentos incluindo as actividades lúdicas. A escola, assim individualiza, do mesmo modo que socializa. Parafraseando António Sérgio "é-se levado a compreender o universo, o ambiente, e a compreender-nos, a explicá-lo e a explicar o que somos; como se aprende o ofício, ou melhor, nos formamos para a polivalência do saber-fazer, vamo-nos iniciando, construindo na cidadania, o que implica a solidariedade social, mas igualmente que na escola o educando seja tratado por medida, como pessoa e não massificado ."

Tanto o Regulamento Interno como o Projecto Educativo desta escola contemplam,

pois, uma dimensão pragmática em conformidade com o legalmente instituído e recomendado

e também neles se inscreve uma dimensão política de acordo com os valores que pretendem

orientar as lógicas de acção educativas.

Os documentos da Escola XXY, em termos pragmáticos, estão consonância com os

normativos de carácter geral e neles se destaca, em termos políticos, a preocupação de apelar

à participação dos actores, homens e mulheres, para dar conta, principalmente, da necessidade

do cumprimento das regras, delineando-se, mesmo, os modos de operacionalização do

cumprimento do contrato autonómico exigido pelas instâncias centrais.

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Os discursos que enformam estes documentos mais não são, então, do que o plasmar

dos discursos oficialmente instituídos na Escola XXY. Como a reportagem que de seguida se

apresenta e a consequente análise crítica dos discursos organizacionais no-lo permitirão

reafirmar, os discursos oficiais da escola, tal como os discursos instituídos pelo Estado,

devem ser analisados a par com outros discursos: os discursos instituintes que se enunciam na

escola e na gestão executiva da mesma a par ou em confronto com o legalmente instituído e o

organizacionalmente oficializado.

2.4 Uma Reportagem na Escola XXY

A proposta de “narratologia crítica” de Peter McLaren (1997b: 123-125) com a qual é

possível, e necessário, segundo o autor, “que os educadores críticos se centrem nos efeitos

políticos dos discursos no contexto da sociedade capitalista ocidental”, levou-nos num

primeiro momento desta investigação empírica a pensar na elaboração de uma “narração da

gestão”. As questões que se nos colocavam, obviamente, eram: como posicionar-nos enquanto

produtora do texto: narradora (heterodiegética/homodiegética)? Autora? Como construir uma

base de dados (discursos) que nos permitisse uma capacidade de distanciamento crítico na

análise dos mesmos? As questões foram ultrapassadas.

Esta “narração da gestão” adquiriu, neste trabalho, o formato de uma “reportagem

escrita” 13. Pois, “trata-se de um texto em que o discurso reportado se apresenta sem as marcas

formais específicas do discurso indirecto, ou seja, dá-se conta do discurso de outrém, do

produtor enunciativo, usando o discurso directo livre”14. Clarifique-se o seguinte: “No Latim,

o verbo reportare significa levar para trás; levar ou trazer; recordar (em sentido figurado);

adquirir; obter; narrar; contar. O substantivo reporter chegou-nos através do Inglês e o seu

sentido actual data dos princípios do século XIX. Provém do verbo to report. O termo

reportagem talvez tenha entrado em Portugal por via francesa (reportage). Em suma,

reportagem, é um vocábulo que tem a sua origem no verbo reportare e no sufixo agem. Pode,

por isso, contemplar várias acepções, entre as quais a de grande quantidade (como, por

exemplo, em folhagem, ramagem, aragem) ou a de acção (como, por exemplo, em portagem,

13 Desta Reportagem e dos discursos que dela constam foram eliminadas todas as marcas textuais e todas as referências nominais (substituídas por “X”) que pudessem identificar a escola, outras instituições, as pessoas alvo de estudo e as pessoas que colaboraram para a sua realização. Todas as expressões discursivas que nesta reportagem estão em itálico foram textualmente transcritas dos documentos/textos em que se inscrevem ou do registo via audio que delas se fez. 14 Micaela Ramon, 2003 (Conversa Informal).

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lavagem, raspagem). Reportar refere-se, pois, à descrição de um contexto por meio da

explicitação da acção (discursiva) que neste contexto se operou”15.

Leia-se, então, a reportagem escrita que tivemos a oportunidade de fazer na Escola

XXY e, muito particularmente, no seu Conselho Executivo.

18/10/01

1º Contacto com a Escola, nomeadamente com o Presidente do Conselho Executivo. Boa recepção e disponibilidade. Tinham-me dito que ele era uma pessoa interessada pelos assuntos educacionais e capaz de permitir a realização deste trabalho na escola. Estou contente. Voltei à Escola!

12/11/01

Novo contacto com a Escola. À entrada uma funcionária pergunta-me: “Prá que é”? Explico: “Estou a fazer um trabalho no Conselho Executivo, tenho autorização”. “Faz favor, entre, quer que a anuncie”? “Não, não vale a pena, obrigado”.

O Presidente está sozinho no Executivo. Trocamos cumprimentos. Digo-lhe que gostava de ter alguns documentos da Escola: Projecto Educativo, Plano Anual de Actividades, Regulamento Interno. Dá-me o Regulamento Interno. Diz: “Depois peça os outros ao Sr. X da Secretaria” e acrescenta: “Isto já foi alterado mas ainda está em reformulação, depois peça-me o documento final”. “Está a ver”? Aponta para uma estante cheia de dossiers, “documentação, não falta”!

Vou arranjar os tais documentos. Na Secretaria.

08/01/02

Entro no Executivo. Cumprimento o Presidente. Diz-me para estar à vontade. Está um gestor e uma gestora. Sentados. Não sei onde sentar-me. O Presidente percebe. Diz-me: “Onde quiser, onde houver lugar”. O Presidente recebe os alunos da Associação de Estudantes: “Entrem Rapaziada”. Ficou tudo entendido. Havia condições para se fazer o que queriam, era só questão de alguns contactos e confirmações. “É preciso ver isso com muito cuidado, está bem”? Diz o Presidente. A rapaziada fica satisfeita, o Presidente também.

Alguma “desconfiança” por parte dos restantes membros do Conselho Executivo que estão e que vão entrando e me vêem aqui. Não sabem o que eu estou aqui a fazer. Eu espero a intervenção do Presidente.

Ele apresenta-me a uma gestora e a um gestor. Simpáticos e prestando atenção. “É um trabalho para a Universidade, sobre a Gestão no Conselho Executivo ... homens e mulheres na gestão escolar”, explico sumariamente. “Isso parece interessante”! Diz o gestor. A gestora sorri. Penso: será que se eu explicar tudo, isso não pode ter interferência nos comportamentos? Depois explico melhor, penso.

O Presidente saiu. A gestora e o gestor estão a trabalhar, lêem. Silêncio. Tenho comigo um livro de Peter McLaren: Pedagogía Crítica y Cultura Depredadora. Políticas de Oposición en la Era Posmoderna (1997). Abro. Leio as últimas partes já sublinhadas: “Como las inscripciones hegemónicas, las narraciones hacen legibles lineas de fuerzas que cruzam, cortan, hielam, atrapan y reprimem o poder [...]. Nuestras subjectividades necessitam ser codificadas mediante la narración para que podamos actuar. Pueden ser contranarraciones o narraciones de resistência, o narraciones forjadas por la empresa magistral del império y del colonialismo [...]. Todas las narraciones culturales contienen una forma preferente de leerlas. Nó solo vivimos narraciones particulares sino que las habitamos (al igual que elas nos habitam). Nuestro grado de resistência ante determinadas narraciones depende de nuestra capacidad para leerlas y reescribirlas [...]. Por exemplo, tendemos a ver nuestras identidades en el contexto del romance, la comedia, la tragedia, la sátira, etc., o como conservadora, liberal ou radical; pero estas categorias contextuales no se dan sincrónicamente fuera de la história, sino que en realidad son el resultado de la presión que sobre el significado ejercen varios grupos en el conjunto de la sociedad [...] y creo que es necessário que los educadores críticos se centrem en los efectos políticos de los discursos en el contexto de la sociedad capitalista occidental”. Transcrevo (p. 123-124-125). É a proposta de “narratologia crítica” do autor. Vou fazer uma “narração da gestão” decido. Há muito tempo que ando a pensar nisto.

15 José Cardoso, 2003 (Conversa Informal).

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A gestora e o gestor estão agora à volta de umas listagens, fazem prints. “Saiu bem? Que bom”! Chega uma outra gestora do Executivo, parece que é. Traz a filha pequena (doente) para o gabinete. Olha para mim, de relance. Não sabe o que eu estou aqui a fazer, penso. Está a abrir o PC. Diz: “Ó, X, tu não me queres dar aqui uma ajuda”? “Está bem”, responde o colega cordialmente.

No Conselho Executivo todos se chamam “tu”. São me apresentados por uma gestora os restantes membros do Conselho Executivo. Estão todos cá,

foram chegando. Explico em que consiste o meu trabalho. Digo que depois lhes mostro os resultados. “Está bem”! Diz uma gestora.

15/01/02

“Mulher doente, mulher para sempre” é o que ouço um gestor dizer quando entro no Executivo. Uma professora esteve doente, tinha pisado uma unha, sentiu-se “mal disposta” e está a contar tudo isto. Risotas no Executivo. A professora diz: “Calem-se! Não estou para vos ouvir”. Boa disposição no Executivo!

A professora pergunta-me: “É uma nova colega”? Explico que “estou a fazer um trabalho para a universidade, sobre a gestão no Conselho Executivo”. “Ah, está bem, até pensei que era inspectora”! Responde. “Ó, já não é a primeira vez que temos cá gente a fazer coisas assim”, diz um gestor. “Esta escola é especial”! Diz uma gestora.

Começa a entrar gente. No Executivo faz-se a resolução de ”problemas” dos professores e afins. Que turmas foram para visita de estudo? Salas! Horários! “A nova colega já chegou”?

Calma, muita calma na gestão: 2 homens, 2 mulheres, o Presidente tem um gabinete próprio, de porta aberta sobre o gabinete em que os outros membros e eu estamos. Não o vejo, mas ouço-o. É consultado para a gestão financeira: Pagamento de almoço de um motorista a serviço da escola em restaurante? É do que se trata. “Vai ter que ser”! Diz.

Há tempo para tudo! Chamadas pessoais...ida a um funeral...

Descrevem-se problemas “de confiança” de um aluno. Fala-se da legitimidade do respectivo professor ao atribuir-lhe 6 no 1º período. “Será que recupera”? Pergunta um gestor. “É esperar para ver”! Diz uma gestora, “temos que estar atentos”, acrescenta.

Descrevem-se os preparativos para uma simulação de incêndio na escola. Está um aviso colocado em diversos placares da escola. Há alguns exemplares no Executivo. “Posso pegar”? Pergunto. “Claro que sim”! Responde a gestora a quem me dirigi.

Transcrevo parcialmente o aviso:

À Comunidade Escolar

Numa tentativa de sensibilizarmos e melhorarmos as condições de segurança de toda a comunidade escolar, vai realizar-se um DIA DA SEGURANÇA, que vai ocorrer na semana de 14 a 18 deste mês de Janeiro. Como OS ACIDENTES NÃO TÊM DIA NEM HORA PARA ACONTECER, este evento iniciar-se há pelo toque de uma sirene, sem aviso prévio.

Temos a colaboração do:

(X, X, X, X, X)

O Programa será o seguinte:

Manhã

1. 08H30 – Início normal das aulas;

2. Toque de Sirene ( a hora desconhecida); 3. Evacuação para locais pré-determinados; 4. Exposição de material de Segurança no átrio da Escola; 5. Ás 9H30 exibição do filme comercial “A Torre do Inferno”, na Sala do Aluno; 6. Ás 10H30 exposição relativa à Protecção Civil e sua organização, nas Salas 37/38; 7. Exposição de livros, folhetos e dados no Bar dos Alunos.

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399

Tarde

1. 13H30 – Início das aulas da tarde;

2. Toque de Sirene (a hora desconhecida); 3. Evacuação para locais pré-determinados; 4. Exposição de material de segurança no átrio da Escola; 5. Demonstração de procedimentos a efectuar nestes casos pelos Bombeiros Voluntários e Cruz

Vermelha; 6. Exposição de livros e folhetos no Bar dos Alunos. Instruções Gerais:

[...]

Locais de Concentração:

[...]

Auxiliares de Acção Educativa dos Pisos:

[...]

Pessoas Previamente Encarregadas:

[...]

Espera-se a colaboração de toda a comunidade escolar para que tudo corra de uma maneira ordeira.

Planta Geral de Emergência

(Saídas / Pontos de Encontro) 17/01/02

Há um problema que o Executivo não consegue resolver, relativo a um professor. Pois ele: “Que se queixe à DREN”! É um gestor atarefado que diz.

É o dia de “simulação de incêndio”: Bombeiros e Exército presentes na escola. Ultimam-se os preparativos no Executivo. É preciso ver e rever o “toque” que está regulado para o dia-a-dia para que este dê, na hora certa, para iniciar o evacuar das pessoas que estão na escola.

Está aqui um miúdo. É o filho do Presidente. Está doente e fica com o pai no gabinete. O pai está atento a todas as solicitações, às do “exterior” (telefone, bombeiros, professores a perguntar “O que é”?) e às do filho. O miúdo pede para ir para casa, pede para telefonar à mãe, ao que o pai responde: “A mãe está a trabalhar, não pode ser, daqui a pouco já vamos”. Um outro gestor do Conselho Executivo queixa-se de ter em casa “quatro pessoas doentes” e diz que em casa tem “uma enfermaria sem enfermeiros” (ele e a mulher ausentes).

Vejo a simulação de uma das janelas da sala de professores. Há aqui muitos “curiosos”. Problemas de mangueira, sirenes a apitarem, voluntários e voluntárias da Cruz Vermelha e dos Bombeiros. Professores a “ajudar”, rapazes e raparigas a correr, outros a olhar, é o faz-se tudo o que se pode em situação de simulação. Isto está a correr bem!

Volto ao Conselho Executivo. Diz uma gestora: “Isto está a correr bem”! “Bem, pela lógica não deveríamos estar aqui”, diz um gestor.

Amanhã é dia da Escola XXY. Há um programa em cima da mesa de trabalho. Vejo:

Escola XXY

Dia da Escola

22 de Janeiro de 2002

PROGRAMA

09. 15 h – Hastear da Bandeira

09. 30 h – Visita aos laboratórios e Oficinas

• Laboratório de Biologia

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400

• Laboratório de Física

• Laboratório de Informática

• Laboratório de Química

• Oficinas de Electrotecnia

• Oficinas de Mecânica

Colóquios (Biblioteca)

10. 00h – “Os transportes ferroviários e as suas especificidades no contexto europeu”

Eng. X - Empresa X

11. 30h – “Escher e a Arte”

Dra. X – Universidade X

15. 00h – “A obra ‘The Joy Luck Club’ de Amy Tan – a inscrição da voz feminina sino-americana à margem de dois continentes”

Dra. X – Escola XXY

Exposições/Feiras

• Exposição de Fotografias (Org. Clube de Fotografia – Átrio)

• Exposição de Trilobites de Arouca (Laboratório de Geologia)

• Feira de Minerais (Sala do Aluno)

• Mostra e venda simbólica de plantas (Sala do aluno)

• Exposição de Trabalhos de Educação Física (Sala 8)

• Exposição de Trabalhos – Clube de Aeromodelismo e de Alunos C (Sala 9)

• Sala de Inglês/Alemão (Sala 10)

• Sala de Matemática (Sala 11)

• Exposição de Trabalhos dos alunos das Artes (Sala 21)

Animação Desportiva (Pavilhão Gimnodesportivo)

09. 30h – Torneio de Voleibol

14. 30h – Finais do Torneio de Andebol do 10º Ano

16. 30h – Parede de Escalada

Animação Cultural (Salas 37 e 38)

11. 30h – Poesia Encenada pela Oficina de Teatro da Escola Secundária X

“Momentos de Poesia” – Elementos da comunidade educativa da Escola XXY

Outras Actividades

09. 30 às 12. 30h

- Salas da Condição Física e Saúde (Salas 3 e 4)

14. 30 às 16. 30h

18. 00h – Inauguração do Laboratório e Centro de Recursos de Geologia

20. 00h – Jantar/Convívio aberto a toda a comunidade educativa da Escola XXY, apoio do Cube X

• Homenagem aos elementos aposentados da Comunidade Escolar

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401

• Entrega de prémios aos melhores alunos do ano lectivo 2000/2001

• Entrega de prémios aos três alunos melhor classificados nas Olimpíadas do Ambiente, de Física e de Matemática

21/01/02

Leio o jornal. É um diário da cidade. Transcrevo a notícia.

Dia da Escola amanhã na XXY

“A Escola XXY está em festa amanhã, com o Dia da Escola, que dura durante todo o dia e inclui actividades de animação e diversas intervenções sobre a vida escolar e acerca de diversos assuntos.

A Escola XXY festejará o Dia da Escola, amanhã, no que constitui uma tradição daquele estabelecimento e que dura durante todo o dia, com a inauguração da Sala do Aluno, um velho anseio no liceu histórico da cidade.

Segundo o Presidente do Conselho Executivo, X, para além de se comemorar o patrono da Escola, X, há a nova Sala do Aluno que já não existia desde a abertura do bar destinado aos alunos.

A construção não ficou a dever-se apenas a dinheiros públicos, mas sobretudo aos auxílios da comunidade em redor do estabelecimento de ensino, de particulares e de empresas, com materiais e mão de obra de ex-alunos e o projecto de um docente da própria escola, XXY, além de um empreiteiro, X, que é um aluno da mesma escola, a XXY.

As obras, terminadas na última semana, demoraram cerca de meio ano, devido ao mau tempo. São amplas e confortáveis, constituindo uma mais-valia dos alunos, cujo espaço terá mesas de pingue-pongue e outro tipo de equipamentos, que serão os próprios educandos que a seu tempo irão sugerir aos responsáveis por esta escola que formou várias gerações que é referência para ‘a cidade’.

A XXY dispõe de dois mil alunos, além de quase meio milhar a frequentar o ensino recorrente, de noite [...].

Inauguração da Sala do Aluno será ponto mais alto das comemorações

A inauguração da Sala do Aluno, às 18 horas, a par da nova biblioteca X constituirá o ponto mais alto do dia da Escola, na XXY, que é um estabelecimento de ensino emblemático da cidade de Braga e continua a dar provas de grande inovação.

O hastear da bandeira, às nove horas, inicia o ciclo de comemorações, que inclui a visita a vários laboratórios, de Biologia, de Física, de Informática, de Química, de Electrotecnia e de Mecânica para logo a seguir, pelas dez horas, o tema Reflexões sobre Geografia Urbana ser dissecado por X, do Instituto X, da Universidade X. A Energia Eólica e Ambiente será a tratar pelo engenheiro X, um antigo Secretário de Estado do Ambiente no consulado de X. Para as doze horas, um assunto na ordem do dia, A Sexualidade e o Papel da Escola, vai levar à Escola XXY, X, uma médica do Centro de Saúde X, a par de X, do Centro de Área Educativa (CAE) de X.

À tarde, o programa tem o tema Ginkgo Biloba, na opinião de X, com a colega X, do Curso X, da Universidade X, enquanto o X da Universidade X falará de Almeida Garrett, em face da Construção da Modernidade Portuguesa. X, docente da Escola Secundária XXY, é oradora acerca da obra The Hours, do escritor Michael Cunningham, mas como sendo uma reescrita da obra Mrs. Dalloway mas da escritora britânica Virgínia Woolf. No átrio da XXY estão as exposições Fotografias e Peças de X, com a organização dos clubes X, enquanto na sala 10 decorre uma exposição de filatelia, com o apoio da Câmara de X. Na sala 12 estará à disposição a mostra sobre materiais pedagógicos do ambiente. No átrio também há modelos para voo livre e circular, sob organização do Clube X e há ainda uma mostra de minerais e cristais, no átrio.

A Reunificação Alemã motivou uma exposição de trabalhos de alunos, na sala 9, ficando para a Sala do Aluno a Feira de Minerais, assim como a Feira de Livros de Inglês e Alemão, com o apoio da Livraria X, decorrendo paralelamente a mostra e venda simbólica de plantas, organizada pela X.

As comemorações terão animação desportiva, logo às 9H15, com as finais do Torneio de Andebol. Pelas 11H30 começa um jogo de futebol entre professores e funcionários. Inaugura-se a Parede de Escalada, cerca das 15H30, com programa de multi-actividades. Mais tarde, às 19 horas, docentes e funcionários jogam com alunos do ensino recorrente.

A dramatização de um texto de Almada Negreiros e um recital de poesia são a animação cultural do Dia da XXY, que às 18 horas, após a inauguração de uma nova Sala do Aluno, onde era um logradouro e ainda da

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402

Biblioteca X, actuarão o Grupo Coral da Associação dos Antigos Alunos, há leitura e entrega de prémios para os melhores alunos de 1999/00 com Grupo de Cavaquinhos da XXY e um jantar final, com homenagem a todos os aposentados da comunidade escolar da XXY”.

22/01/02

Hoje é o Dia da Escola. Entra-se e sai-se constantemente do Conselho Executivo. Pergunto ao Presidente se posso “ir aos eventos”. “Claro, esteja à vontade, isto é público”, responde. Vou ver as exposições.

Agora estou no Colóquio: “A obra ‘The Joy Luck Club’ de Amy Tan – a inscrição da voz feminina sino-americana à margem de dois continentes”. É um tema que me interessa. Sou a primeira pessoa a chegar. A oradora é uma professora da Escola. “Tenho a sensação que a conheço, é professora cá”? Pergunta. Digo o que estou aqui a fazer. Conversamos. Dá-me a sua “Agenda da Conferência”. Agradeço.

Chega uma professora, fala com a conferencista. Eu analiso a “Agenda da Conferência”. Tem Introdução, Objectivos, Desenvolvimento, Conclusão, Notas Biográficas, Descrição das Personagens, Estrutura da Obra, um poema de Kitty Tsui, imagens ilustrativas, pictogramas, notas de rodapé. Está aqui um documento bem feito.

Quando começa a conferência estão seis professoras a ouvir, eu incluída e um homem: O Presidente do Conselho Executivo. O discurso é claro. Tem a ver com “novas versões de velhos estereótipos”. Chega um gestor do Executivo, com ele dois rapazes. Chega mais um professor que logo abandona a sala. Chegam mais quatro alunos e professoras e professores. A conferencista fala agora sobre “Storytelling – a narração oral de ‘estórias’ na cultura chinesa e a sua transposição para a modernidade”. O Club da Sorte e da Alegria é a “estória” de quatro mães e suas filhas sino-americanas. Estão cá vinte mulheres e nove homens. Vão saindo alguns. Acaba. O Presidente do Executivo sai, apressado. Converso com o gestor do Executivo. Diz-me: “Não havia qualquer convite formalizado, geralmente a estas coisas vai sempre o chefe”.

24/01/02

Discute-se no Conselho Executivo problemas relativos a alunos e a melhor forma de resolução. Professores e alunos e a sua relação é do que se trata. Como falar aos professores sobre isto? Pergunta um gestor. Diz uma professora que cá está: “Quem os tem que cuide deles”!

Começa a falar-se de alunos e de filhos. Um gestor diz: “Tenho que ir à Universidade, buscar o meu filho, levar o outro à piscina, só às 11 horas é que me despacho”.

Perante um problema (não consigo perceber qual): “Já bastam as irregularidades que se cometem sem saber, quanto mais pactuar com elas”, diz uma gestora. “É que isso não pode ser por muito que se queira”!

Entra uma funcionária. Quer falar com o Presidente mas recusa-se a entrar no gabinete. Diz às gestoras: “Entreguem-lhe isto que eu não tenho à - vontade”, ao que elas respondem: “É cada uma”! Entreolham-se. A funcionária entrega um papel.

O Presidente sai do seu gabinete: “Tenho que ir buscar o meu filho”. Uma gestora entrega-lhe o papel. Ele olha vagamente. Entra e volta a sair do seu gabinete. Vai embora. “Até logo”!

Na ausência do Presidente, ficam na gestão as gestoras. Atende-se um casal (de pais) que tem problemas com o filho doente. Vêm os dois entregar o atestado médico. Uma gestora fala com eles. A gestora coloca reservas ao atestado: “Não tem prazo de permanência em casa, não tem datas”. O pai diz, depois de apresentar outros argumentos: “Eu sou médico, se for preciso passo outro atestado”, a gestora responde: “Está bem, deixe ficar, eu entrego isto ao Director de Turma e depois falo com os colegas. Se depois considerarmos que é preciso outro atestado contactamos”.

Um gestor tem dúvidas. “ Vou telefonar para a DREN”, diz ele. E sai.

28/01/02

Dois gestores no Conselho Executivo. Discute-se “Vida Social”. Marcam-se jantares com alunos. “Qual será o melhor dia”?

Entra um aluno e queixa-se que a professora não o deixa ir buscar a pasta à sala onde está a decorrer uma aula, ao que o gestor responde: “Quem manda na sala de aula é a senhora professora, não a vamos desautorizar, filho”. “Mas, mas...”. O aluno tenta a sua explicação. Diz o gestor: “Vais calmamente e pacificamente esperar que a aula acabe, está bem”? Diz o aluno: “Está bem, desculpe”. O gestor explica-me: “Perante a falta de autoridade a que os professores são sujeitos, os alunos vêm muitas vezes ao Conselho Executivo colocar problemas do género: Pode, não pode”?

O gestor telefona à mulher: “Onde estás? Vou ter contigo para resolver o problema do teu irmão...” Diz ao outro gestor: “Olha, não sei a que horas venho, tanto posso demorar uma hora ou duas”.

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Vou tomar café. A sala dos professores é agradável. Um burburinho que reconheço! Vejo os placares, cheios da mais variada informação. Vejo um professor que conheço e sei que ele me conhece também a mim (pelo menos de vista). O cumprimento sai naturalmente. Ele pensa que eu sou uma nova colega da escola, pergunta: “Então estás cá”? Digo-lhe o que estou a fazer. “É interessante, olha, sabes que eu conheço uma rapariga que também ...”.

03/02/02

Um professor de Educação Física está no Executivo. Tem de tirar fotocópias para a identificação dos carros de “Rally Papper”. Pergunta: “Como faço para tirar cópias disto? O senhor da reprografia às vezes é muito sensível [...]. É que isto não é para mim, é para a escola.” “Tem de se lhe pedir com jeitinho”, diz uma gestora.

Uma professora que também cá está propõe a assinatura de uma revista da “SPF” que seria do interesse para a escola. Uma gestora pergunta: ”Quanto custa”? A professora responde: “29 euros, mas a revista é mesmo boa”! “Está bem, deixe ficar. Posso sublinhar aqui”? Sublinha o preço. A professora fica de passar depois para saber a resposta e transmiti-la aos colegas.

Uma gestora queixa-se de um problema familiar. Teve um fim-de-semana “horroroso”, diz. O sobrinho teve um acidente grave. Diz um gestor: “Tem de se cumprir todas as regras de segurança, o perigo está sempre à espreita”. A gestora está muito triste. Explica-me o que aconteceu.

Uma outra gestora pergunta a um gestor: “Olha, a tua filha já está melhor”? “Está bem, obrigado”!

Aparece uma professora com um cortinado “novo” completamente queimado e pintado nas pontas. O Presidente fica furioso, manda chamar a funcionária do piso. O Presidente diz à professora: “Não se preocupe que isto vai-se resolver, no verão, quando apanharem com o sol na cabeça, vão-se lembrar do cortinado”!

Amanhã é dia de Reunião dos membros do Conselho Executivo, às 10H. Pergunto se posso estar presente. O Presidente diz que sim, os outros concordam. “Por mim...”. Uma gestora, porque eu lhe pergunto, diz-me qual a Agenda da reunião: “Oferta da escola no âmbito da revisão curricular”.

04/02/02

Cheguei antes da hora da reunião. Já fui, como de costume, tomar café ao bar dos professores. No Executivo já se discutem assuntos relativos à reunião de hoje. “Por causa disto da Revisão Curricular. Quem vai à reunião com as outras escolas”? Pergunta o Presidente. Um gestor e uma gestora disponibilizam-se. “Até já tínhamos pensado nisso”, diz a gestora. “Lá terá que ser”! Diz o gestor.

Há a possibilidade de a escola entrar na Rede Nacional de Escolas. “Temos de trabalhar bem esse assunto, vamos marcar uma reunião”? É um gestor que fala. “Depois, depois”, diz o outro.

Uma gestora coloca a questão da assinatura da revista (ver acima). O Presidente diz: “Vamos ver como param as modas e os euros”! O Presidente fecha a porta do Conselho Executivo depois de avisar uma funcionária: “Estamos em reunião”.

Entra-se na questão relativa à Revisão Curricular. Todos têm uma cópia da circular na mão.

Uma gestora diz: “Seria bom levarmos uma ideia fundamentada sobre o assunto, lá para a escola X, com a revisão curricular surgem algumas perspectivas que nós, se calhar, temos possibilidades para aproveitar, nomeadamente a nível do Ensino Recorrente”. Uma outra gestora diz: “O recorrente não é para aqui chamado, não vamos estar com ilusões”. Diz um gestor: “Mas vamos fazer uma proposta fundamentada, vamos ver por exemplo: o tecnológico do desporto [...]. Temos cá o tecnológico de multimédia? Não. Mas acho que temos possibilidades [...]. “Aqui em Braga ninguém tem o curso tecnológico de química, nós investimos em recursos e infra-estruturas que podem dar continuidade a isto”, diz outro gestor e pergunta ao Presidente: “Porque não nos candidatamos a uma situação destas”? Diz o Presidente: “Desde que haja meios”! “Para o tecnológico do desporto é indiscutível”, diz um gestor e acrescenta: “Temos condições, mas se calhar A escola X também vai querer.” Diz uma gestora: “E se concorrêssemos primeiro pelos cursos gerais”?

Analisa-se o quadro de “Oferta Pluricurricular e Formalidades”. “Mas cuidado que diz aqui na primeira página que temos de ter os recursos humanos e materiais” diz uma gestora. Um gestor argumenta: “Vamos avançar com aqueles que já temos na escola. Há promessas para avançar com o tecnológico de Construção Civil por parte do Ministério da Educação”. Mas isso está escrito”? Pergunta o Presidente e acrescenta: “É porque se não então é como com o Estádio do Benfica!, é só promessas”!

Uma gestora chama constantemente a atenção para o normativo. Um gestor diz: “É uma pretensão legítima candidatarmo-nos a novos tecnológicos, temos um corpo docente formado, temos recursos, estamos bem classificados no ranking de escolas”. Vamos para a frente”, diz o Presidente, “Vamos avançar”!

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Entretanto discutem-se problemas relativos às propostas das outras escolas secundárias para ver se faz sentido “propor uma ou duas turmas de alguns tecnológicos”, pensa-se o número de turmas a propor por cada curso...

Diz um gestor: “Bem, eu punha assim”. Diz o Presidente: “Vamos lá então”. Faz-se a lista. Nos cursos gerais mantém-se a oferta que a escola tem, nos tecnológicos opta-se por “Construção Civil” e “Multimédia” e “Equipamento”, para além dos já existentes.

Diz uma gestora: “Imaginem agora situações de negociação com as outras escolas. Que fazemos? A Escola X ao que pode concorrer? Terá condições? [...] “Porque é que a Escola X há-de ser uma escola de futuro e nós não? Não pode ficar com mais escolhas do que nós”! Diz uma outra gestora: “Bem, no final de tudo vai depender das candidaturas”, diz um gestor: “O que é certo é que os melhores alunos queriam vir para cá. Bem, e isto, já se sabe, a última palavra vai ser da DREN, é uma mais valia nossa chegarmos lá. Com propostas fundamentadas. Nós estamos de boa fé”!

Ainda decorre a reunião. Um gestor e uma gestora atendem os telemóveis: Problemas de âmbito pessoal, doenças na família. “Vai haver luta por estes dois cursos tecnológicos: Química e Controlo de Qualidade e Ambiente e Conservação da Natureza”, diz um gestor depois de desligar, “e depois cuidado, a mudança traz sempre instabilidade, temos de saber lidar com ela”, acrescenta. Diz o Presidente: “Pronto, pronto, estamos conversados”!

Diz-me um gestor: “Óh, colega, já que escreveu tanto, não quer fazer a acta”? “Faço”, respondo. “Estava a brincar”, diz ele.

A acta que agora e aqui se transcreve foi posteriormente pedida ao Conselho Executivo:

Aos quatro dias do mês de Fevereiro de dois mil e dois, pelas dez horas e trinta minutos, reuniu o

Conselho Executivo e os assessores com a seguinte ordem de trabalhos:

1 – Análise do Ofício Circular número 2/2002 da DSRM/DEE da DREN.

2 – Proposta de Oferta do Ensino Secundário (Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos), para o ano dois mil e dois e dois mil e três.

No primeiro ponto da ordem de trabalhos, procedeu-se à análise pormenorizada do Ofício Circular supracitado com a finalidade de definirmos a proposta oferta dos cursos do Ensino Secundário (D.L. nº. 7/2001) da nossa escola, para o ano lectivo dois mil e dois, dois mil e três.

No segundo ponto da ordem de trabalhos, foi decidido tendo em conta o Ofício Circular nº. 2/2002 da DSRM/DEE, nomeadamente os pressupostos aí referidos e as respostas dos Departamentos Curriculares, foi decidido que a proposta a apresentar relativa à oferta da escola para o ano dois mil e dois, dois mil e três será:

1. Cursos Gerais:

- Ciências Naturais

- Ciências e Tecnologias

- Artes Visuais

- Línguas e Literaturas

- Ciências Sociais e Humana

2. Cursos Tecnológicos de:

- Electrotecnia/Electrónica

- Mecânica

- Equipamento

- Multimédia

No entanto, propomos a abertura dos seguintes cursos tecnológicos:

a) Curso Tecnológico de Desporto

Fundamentação:

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1 – A nossa escola tem uma forte tradição nesta área dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos.

b) Curso Tecnológico de Construção Civil

Fundamentação:

2 – A nossa escola tem uma forte tradição nesta área dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos;

3 – Somos o único estabelecimento de ensino de Braga que oferece cursos técnicos do ensino recorrente no âmbito da construção civil e esperamos que sejam rentabilizados os recursos de que dispomos, bem como seja possível responder às necessidades do tecido empresarial e à procura dos alunos.

c) Curso Tecnológico de Ambiente e Conservação da Natureza

Fundamentação:

4 – Na rede escolar do Concelho de Braga não existe a oferta do Curso Tecnológico de Química (D.L. nº. 286/89);

5 – A escola tem tradição na área das técnicas laboratoriais de biologia, dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais (dois laboratórios de biologia, um centro de recursos/estufa, e ainda em instalação um laboratório e centro de recursos de geologia), susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos.

d) Curso Tecnológico de Química e Controlo Ambiental

Fundamentação:

6 – Na rede escolar do Concelho de Braga não existe a oferta do Curso Tecnológico de Química (D.L. nº. 286/89);

7 – A escola tem tradição na área das técnicas laboratoriais de química, dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais (dois laboratórios de química devidamente equipados, susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos.

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada esta reunião que vai ser assinada conforme os termos da lei.

O Presidente - -------------

O Secretário - --------------

06/02/03

A reunião com as outras escolas correu bem. “Foi pacífico”, diz-me o Presidente.

Chegam professores ao Executivo. Isto hoje, aliás, está cheio de gente. Querem normativos para justificação de faltas, o cartão do Conselho Executivo para tirar fotocópias. “Não é nada para mim, é para a Escola”, justifica uma professora.

O tempo está mau. “Quer uns limõesinhos”? Pergunta-me um gestor. Há muitos em cima de uma secretária, até fazem um arranjo bonito. “Isso são assaltos que a gente fez por aí”, diz-me ele, na risota. Pego em dois limões.

Um outro gestor atende o telefone. Vêm alunos buscar o retroprojector. Um gestor, “o dos limões”, conversa com um “amigo” fora do gabinete mas com a porta aberta. A chefe da secretaria conversa com o Presidente. Trata-se ainda da questão dos cortinados. Está uma funcionária que diz que não se apercebeu de nada. O Presidente diz que no fim das aulas devem ir a, pelo menos, algumas salas ver e “passar revista” às salas. Diz: ” A cortina está queimada, suja e imunda. Se no fim do verão acontecer a mesma coisa, vamos apurar responsabilidades e se não conseguirmos, quem vai pagar são os funcionários”. “Senhor professor, tem razão”, diz a funcionária. O Presidente responde: “A missão não está encerrada, alguém vai pagar o cortinado”. “Mostre”, diz a funcionária, “eu não vi nada disto”. Chega a professora que no dia anterior tinha trazido o cortinado. Pergunta o Presidente: “Esteve lá alguma turma depois da sua? Eles não tiveram uma aula das 4h30 às 5h30, será que não houve aí marosca”? A professora não sabe responder. Diz o Presidente: “Ficaram lá dentro, desgraçados! [...] Que não passe pela cabeça a ninguém vir aqui pedir-me cortinas, quando vier o sol eles vão morenar”!

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Queixas e mais queixas da parte da professora: “Os alunos já não são como dantes”, diz ela. “Pois é, eles enganam Deus e o Diabo”, diz o Presidente. “Amanhã tragam-mos cá”!

Vai organizar-se uma gincana aquática na Póvoa de Lanhoso. Em Braga, na piscina, não se consegue fazer. “São as políticas”, diz um gestor. O professor estagiário de Educação Física mostra num portátil toda a estratégia da gincana. Eu também vejo. “É giro”, diz o Presidente, “fazem bem, é assim mesmo”!

08/02/02

Diz-se que alguém se recusou a fazer uma acta numa reunião (não do Executivo). Diz um gestor: “Escreve-se na acta que “fulano” se recusou a escrevê-la”. “O homem, coitado, está quase na reforma mas isso não justifica nada”! Diz outro gestor e acrescenta: “O que é certo é que um gajo às vezes tem que se recusar, deixai lá o homem”!

Tudo parado. Só um gestor faz uma listagem no PC. Não sei de que listagem se trata. Ele está muito concentrado. Eu não pergunto. Diz um outro gestor: “Hoje é sexta-feira, vou com a minha amiga X comer um cosido”. “Ai que bom”! Diz um outro gestor. “Olha, eu prá semana também tenho aí um almoço”. O outro pergunta: “Vais no teu carro”? ao que ele responde: “Eu não, que depois como é que eu o trago”? Risotas.

Chega uma professora e pergunta: “Os concursos, já abriram”? “Já, mas vamos com calma que a vida é curta”, diz uma gestora. “ Vou ver”, responde a professora.

“Ora bem, está a chegar a minha hora”, diz um dos gestores. “Sexual”? Pergunta o outro. “Não, não, tenho que ir lá para cima porque não se consegue trabalhar neste gabinete! Estava tudo tão calmo, de repente...”

Uma gestora conversa com uma amiga ao telefone. Ri-se muito. Falam sobre um “feioso” que a outra conheceu. Afinal o gestor que faz a listagem não saiu do gabinete. Um outro ajuda-o a acabar a listagem. Dita nomes no diminutivo: “Joaninha, Luisinho... “anda lá...”

Diz uma gestora: “Quarta-feira vou a Madrid com os alunos”. Um gestor responde: “O Ministério tem razão, nas escolas é só Madrid” e Rally”. Risota. A outra gestora desliga o telefone e diz: “A X manda um beijinho para o X, um beijinho para o X e um murro para o X”! O X (o gestor que está a fazer a listagem) responde: “É só amor”!

“Bem, vou-me embora, boas férias”! Diz uma professora. Pergunto ao Presidente: “Não há actividades na escola durante as férias? Ao que ele me responde: “A escola está aberta mas não vão ser os professores, durante as férias, a tomar conta dos meninos. Que mandem para cá animadores. Há para aí tanta gente desempregada. É a obrigação deles”.

Um professor estagiário de Educação Física, o que está a organizar a gincana aquática. Pergunta: “Isto é desporto escolar, não há verba para isto”? Pergunta um gestor ao professor: “Já falaste com a Primeira-Dama do Desporto Escolar”? Responde a gestora que se sentiu visada: “Eu não sei, tenho de ver isso. O professor responde: ”Vou à DREN, como tenho de lá ver outras coisas...”.

Ultimam-se os preparativos para o Rally Papper. Pergunta uma gestora a um gestor: “Vais levar os teus filhos”? “Vou, os dois mais velhos se eles acordarem”! “Então o X pode ir contigo? “ “Claro que pode”!

08/04/02

Tratam-se assuntos relativos a Mini-Concursos. Uma gestora fala com uma “nova colega”. Apresenta o horário que fica “registado” em função das “necessidades” da professora. A gestora fala discretamente ao telefone com a pessoa a quem a nova professora vai substituir. Tudo corre bem! Começa a trabalhar amanhã! Trocam números de telefone. As duas professoras vão-se encontrar para falar pessoalmente. A gestora vai mostrar as instalações da escola à nova professora. Está tudo combinado!

O Presidente do Conselho Executivo está com o filho no gabinete. Ajuda-o a resolver um problema de escola e depois sai.

Uma gestora diz-me: ”Há dias também esteve cá uma colega da UM que está a fazer o Doutoramento. É a X. “Ai sim! Conheço mas não sabia que também estava a trabalhar cá”. Diz-me: “Esta é uma escola muito especial”!

Estive a ver as fotografias do “Rally Papper”. Alunos e professores felizes. Correu tudo bem. Eles riem-se só de falar no assunto.

Fiquei sozinha no Executivo. Chegaram algumas pessoas. Disse-lhes que esperassem um pouco. Estão a olhar para mim. Chega uma gestora. Resolve tudo, fica com dois ou três papéis “para o Presidente assinar”, diz.

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407

Três homens e três mulheres no executivo. Falam de carros. A “Passat” é porreira”! Diz uma mulher. “Fogo, mas é cara, aquilo pia fino”! Diz um homem. “Mas olha que eu ... não sei”! Diz a mulher.... “Ó, quem pode, pode”, responde o homem.

11/04/02

Um gestor e uma gestora no Executivo. A gestora fala ao telefone. Uma chamada pessoal e uma profissional, percebo.

Registo a chamada profissional: “A psicóloga da escola pretende fazer uma actividade na escola, podes vir cá? É uma maneira de te vermos por cá! Tenho que dirigir um ofício a quem? O.K”. Sai a correr: “Vou dizer à X que já temos nutricionista”! Um gestor trabalha no computador.

Chega uma professora. Traz relatórios do Conselho de Turma. Uma gestora fica com eles e analisa-os. “Está bem”! Diz. A professora pergunta: “Posso levar os livros de códigos”? “ Podes, mas são emprestados. Tenho aqui testemunhas” (Ri-se). Os gestores e as gestoras estão na galhofa. Alguém diz: “Agora os professores casam-se uns com os outros, é só destacamentos”! Chega outra professora e pede para consultar o livro de códigos que já voltou a ser entregue. Vê atentamente. “ O que é isto? Estou a ficar assustada”! Um gestor diz: “Não deve ser nada”! A professora responde: “ Tenho de ir confirmar isto. Olhe, por acaso tem aí alguma disquete”? “Não, vá ao X que ele deve ter.”

15/04/02

Uma só gestora no Executivo. “Estás sozinha, hoje”? Pergunto. “Não está ali o chefe. Está ocupado”, responde. O Presidente está no seu gabinete, a porta entreaberta. O filho do Presidente também cá está. Entrou agora no gabinete. Vai direitinho ao computador, pelo barulho é um daqueles jogos tipo “Pokemon”.

Uma professora entra e é lhe dito que espere. Diz: “Vou ter que ser mais assertiva”. Entra e fala com o Presidente. Sai logo de seguida e diz: “Bem me parecia que ele se tinha esquecido”! A gestora remexe um dossier. “Pensei que tinha perdido uma acta, mas não, está aqui, estava fora do sítio, ainda bem que a encontro”! Sai.

Fico sozinha. O Presidente continua ocupado. Fala com alguém, que entretanto lhe entrou no gabinete, sobre a aquisição de uma mesa para colocar os computadores. Diz: “Temos que ver isto do mobiliário muito bem, nós não podemos perder uma cadeira que seja”!

Entra uma professora no Executivo. Pergunta-me se pode consultar a lista telefónica. “Claro”, respondo. E ela: “Posso fazer uma chamada”? Eu não sei, mas digo: “Sim! “. Está a tentar ligar. “Ninguém atende! Obrigada”!

Chega gente. A impressora está a ficar sem tonner. Saem cópias muito mal legíveis. “Não faz mal, ainda assim consegue ver-se”, diz uma gestora.

O filho do Presidente não quer deixar a gestora consultar o computador em que está a jogar. Uma professora que também cá está chama-o, oferece-lhe um chocolate, ele acede. A gestora consegue fazer a consulta. Afinal, as cópias impressas não estão nada bem. “Vai ter que se mudar o tonner”, diz a gestora. Diz um gestor: “Há já mais de um mês que se devia ter mudado”. “É para poupar. Tem que ser”, diz a gestora.

O Presidente indeferiu um requerimento de falta de uma professora. Não era explícito. “Queria faltar no dia 26 de Abril por ser o dia a seguir ao dia 25”, explica o Presidente. E acrescenta, olhando para mim: “Não pode ser, o inspector, quando vem cá, começa logo por isto: pelas faltas dadas pelos professores”!

Chega outra gestora: “O meu rapaz está a apanhar uma seca em casa. Está bem disposto, não tem febre mas não pode sair. Bem, tenho que telefonar para a Póvoa Lanhoso. Ainda não me mandaram o verbete”?

Há falta de pessoal auxiliar na escola, comenta-se. “Têm-se reformado e eles não permitem que se contrate mais. É um problema”, diz uma gestora.

Foi chamada uma professora ao Executivo. A acta que tinha escrito não estava bem. Uma gestora sugere-lhe que faça “uma adenda, uma vez que não está truncada”. “Está bem”, responde, “Que seca”! Diz, ao sair.

Dois professores vieram ao Executivo assinar actas depois de lá terem sido entregues no dia anterior, percebo. Um deles diz: “Eu assinei a acta, não assinei foi esta”. E o outro: “Eu não assinei porque tive de sair mais cedo”. Registo a “infidelidade normativa”.

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17/04/02

Discute-se “o sistema de controlo de entrada e saída de alunos da escola”, ouço. “É uma coisa que desde sempre foi complicada. Já cá entraram uns fulanos que não eram da escola e houve uma cena de pancadaria”, é o Presidente a falar: “Não há hipótese, nestas coisas não se pode ser desportivo. Já se tentou fazer algumas coisas: pedir o cartão de estudante, trazer autorização dos pais para sair nos intervalos. Nada deu”! O Presidente não está contente. Sai.

Contam-se anedotas da tropa. Um gestor e duas gestoras no Executivo. Todos riem. Da tropa passa-se para os escuteiros. O gestor conta histórias, as gestoras ouvem e riem.

O Presidente volta. Diz um gestor: “Ó X, só agora? Não te deixaram passar”? “Não”, responde o Presidente, “não tinha autorização dos pais”! Risota.

Diz um gestor: “Bem, vou almoçar, vou buscar a minha mulher”. Diz uma gestora: “Olha, eu também vou e também tenho que ir buscar o meu homem”. Entra no executivo o marido da gestora, no preciso momento. “Olha, afinal quem me veio buscar foi ele”! Diz uma professora que também cá está: “Eu não me dou com essas coisas, cada um tem a sua viatura e ninguém espera por ninguém”! Diz o gestor: “Tomara eu ter dinheiro para uma quanto mais para duas”! Responde a professora: “Tenho uma peninha de ti”!

22/04/02

Duas gestoras trabalham cada uma no seu computador. Parece que fazem testes. “O 3º período é complicado”, diz-me uma. O Presidente está no seu gabinete, de par com este, com a porta fechada. Ouvem-se umas quantas elevações de voz. Chega uma funcionária, bate à porta, entra, sai logo e volta a fechar aporta, mas esta fica entreaberta. O Presidente fala agora ao telefone. Parece não estar bem disposto. A porta é fechada rapidamente. É uma conversa acesa de porta fechada.

Agora as gestoras discutem um problema de equivalências. Uma diz: “ A aluna não pode ser prejudicada.” A outra responde: “Não pode, mas às vezes é”!

Chega um professor. Uma gestora pergunta: “Queres levar a prova que fiz para depois adaptares”? “Quero”, responde, “mas não tenho disquete, se me deres um print, eu depois vejo”. Assim foi. Era uma “Prova Global” que foi “recuperada do ano passado. De matemática. Só na hora viram que tinha numerários em Escudos. Teve de ser reconvertida para Euros”! Explica-me a gestora. Diz ao professor: “Bem, vê lá isso e depois podíamos trabalhar juntos sobre essa proposta”. “Está bem”, diz o professor. A gestora fez um “save”. “É melhor”. Diz. “Isto dá trabalho”! “Quanto tempo”? Pergunto. “Esta, por acaso, aproveitei a matriz mas ainda assim passei a manhã quase toda nisto”.

Chegam dois homens, um professor e um gestor. Riem-se. E, de repente o Executivo fica cheio de gente. Trocam-se informações, fazem-se chamadas, há dúvidas que se esclarecem. Todos trabalham. Pelo meio há galhofa. “Normalmente é assim que se trabalha neste Executivo”, diz uma gestora. “Bem vamos lá, isto, nem que se faça uma noitada, já não era a primeira vez”! Diz um gestor.

Discute-se o facto da porta do Presidente estar fechada. “Isto está enevoado”, diz um gestor. “É nada”, é trovoada”! Responde outro. Risotas geram risotas. Homens e mulheres começam a falar de futebol. sportinguistas e benfiquistas! Diz um (suponho que) benfiquista: “Hoje, os sportinguistas, ó, ninguém os ouve”! Responde um (suponho que) sportinguista: “E os benfiquistas até parece que ganharam o campeonato, é só armanço”!

A impressora continua sem tonner. Um gestor abana o tonner da impressora. “Há-de ir mesmo até ao fim, tão cedo o Ministério não dá mais”, diz-me ele, “olhe que isto da gestão financeira é complicado”, acrescenta.

Hoje alguns alunos foram a uma visita de estudo.

“No 3º período, visitas de estudo, só em situações especiais. O tempo é pouco, não dá. Fizeram-se muitas no 2º período”, é uma gestora quem esclarece uma professora que agora pretendia fazer uma visita de estudos com os alunos. “Mas vamos ver todas as possibilidades”, diz a gestora.

O Presidente sai do gabinete, pede uma informação a uma gestora, volta a entrar, volta a fechar a porta. Diz qualquer coisa e só ouço: “Pronto, passe bem”! Saem dois homens. Um professor e o Presidente, aparentando boa disposição.

O homem que sai com o Presidente, diz: “Estive a discutir com o poder” e virando-se para uma gestora (Vice-presidente) pergunta: “Tu também és do poder ou és auxiliar do poder”? Ao que ela responde: “Sou polivalente, faço as duas coisas. Depende da situação”.

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Começa a falar-se com alguma “ironia” no Executivo. Ao professor, “faltam-lhe dois anos para a reforma e quer que reconheçam que é um stressado de guerra”, diz um gestor. “É uma situação complicada. Lembrou-se agora, isto não pode ser”, diz outro. Uma gestora sai-se com esta: “Os stressados de guerra podiam formar um partido político”. Risos. Entra o Presidente. Todos se calam.

O gabinete ficou um bocado pesado. Só uns instantes. Toda a gente riu logo de seguida com o filho do Presidente. Disse um segredo ao pai que toda a gente ouviu: “Quero ir à casa de banho”. E lá vai o pai com ele. “Nunca vai sozinho, o pai tem sempre que o ajudar”, diz uma gestora.

Falta a carapuça de um marcador. Todos procuramos. “É que isto sem carapuça, ardeu”! Diz o Presidente. “É uma pena”, diz uma gestora, “já procurei em todo o lado”. A busca continua...

06/05/02

Trabalha-se arduamente no Executivo. Todos os membros estão presentes. Faz-se “Convocatórias para os pais”. Marca-se uma viagem às “Caves” no Porto. Também fui convidada. Dia 15 de Junho, a ida é de camioneta. “É por causa dos balões”! Diz um gestor. “Bem, têm que meter a autorização para faltar nesse dia”, diz o Presidente.

A reunião com os pais será no dia 29 de Maio, das 9h às 17h. “Tanto tempo”? Pergunta um gestor. O Presidente vai confirmar. “É, são 8 horas! Escreve aí, X”.

Fala-se da ida às “Caves”. “E quanto ao almoço? O ano passado foram 4 contos e meio”! diz um gestor, “este ano vai ser para aí 6”! Acrescenta. “Tanto”? Pergunta uma gestora. “É por causa da prendinha”! Diz o gestor e acrescenta: “Bem, o ano passado não pagamos a camioneta [...] A camioneta não pode interferir no almoço [...] Tem que ser uma camioneta melhor, nem que a gente pague alguma coisa [...] Esteve um calor! Esteve tanto calor e era só beijos”! “Beijos? Eu não me lembro”! Diz o Presidente. “Pois olha, houve muitos beijos mas era na testa”! Risota. “Bem, o ano passado demos uma gorjeta de 10 contos, ao motorista. Se tivéssemos guardado o dinheiro, já dava este ano para a lembrançazinha”, diz um outro gestor. “Deixa lá isso, o pessoal quer é comer leitão”! Diz uma gestora.

O Presidente vai participar num Seminário organizado pelo Departamento X da Universidade X. O nome dele aparece incompleto, no folheto. Quer falar com a Dra. X. Digo-lhe: “Eu falo com ela e digo-lhe que lhe telefone”. “Está bem, se me fizer esse favor”.

“É bom que na Universidade se organizem estes seminários”, digo eu, “assim os alunos, futuros professores, podem ouvir as pessoas que estão nas escolas e não ficam só com a teoria...”. “É bom, é”, diz o Presidente. “Eu não sei é se vou directamente para o anfiteatro, não sei como hei-de fazer. Não há-de ser nada”! “Não se preocupe, a Dra. X combina tudo consigo”. “Pronto, ficamos assim”, diz-me ele.

Duas gestoras e eu no Executivo. Eu pergunto: “Como está a implementação do 115 aqui na Escola”? Vão-me dizendo: “Neste momento, há uma grande confusão. A Revisão curricular foi extinta ou não? Não se sabe [...] Olha as coisas vão-se fazendo”. “Vocês também não estão sempre à espera dos normativos”? Pergunto. “Não, isso é verdade, mas quando dá para o torto, caem-nos em cima! Ainda o ano passado fomos desautorizados”, diz-me uma gestora e explica: “Excluímos um aluno da frequência das aulas e tivemos que o readmitir”! “Porquê”? “Porquê? Porque o pai do aluno disse que o facto de lhe termos enviado cartas registadas não significava que os envelopes tivessem realmente um aviso lá dentro.” “O quê”? “É verdade, e a DREN defendeu o interesse do pai e do aluno”!

Agora é de professores que falam. “Bem, também é verdade que alguns professores é de um pau de marmeleiro que precisam”! Diz uma gestora. O Presidente que acaba de entrar e ouve a conversa explica: “115.809 mil contos, 115 809 mil contos é o que esta escola paga por mês de vencimento aos professores. É muito dinheiro. E alguns não trabalham para isso”. E acrescenta: “Eu não quero autonomia financeira total, os de lá de cima têm que participar [...] nós gerimos aí uma verbazitas dos pavilhões e assim...mas eles podiam fazer mais… Assim não dá”!

10/05/02

Um gestor e uma gestora no Executivo.

Foi adquirida uma impressora nova para o Executivo. “Não dá”! Diz um gestor. Fazem-se tentativas de print, ora de um computador, ora de outro. Chega um professor. Diz um gestor: “Olha, dá cá uma ajudinha, a impressora não dá”. O professor vê o que se passa. “Pois não, não dá, tem que ser instalada”! Diz o professor. Faz a instalação, “Pronto já dá”. Um gestor e uma gestora a trabalharem. Muita atenção. Sai a impressão. A gestora pega nas folhas, olha para elas e pergunta: “O que é que vais fazer no fim-de-semana”? Responde o gestor: “Já estou a ver que vamos ter de lhe dar”. Riem-se.

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Chegam ao Executivo dois professores estagiários. Diz um gestor: “Como vai a vida”? “Vai bem mas a vossa vai melhor”! Responde. Fala-se de “leitão”. Um estagiário pergunta: ”Como é, vocês não nos convidam para essas coisas.” “Vamos organizar aí uma ida às caves, vocês podem vir. Querem”? Pergunta um gestor. “É preciso saber com alguma antecedência”, acrescenta. “Está bem”! Diz um dos estagiários. Acrescenta: “Depois vemos isso”.

Vem uma professora consultar “O calendário das Provas Globais de 2001/2002”, diz ela. Um gestor mostra. Ela consulta. O dia marcado para a sua disciplina “dá-me um jeitinho”! Diz ela.

Para marcar uma reunião de grupo (é o que os dois professores estagiários querem) “é preciso fazer uma convocatória com oito dias de antecedência”, diz um gestor,“ “Caramba, mas não deu, foi uma trabalheira desgraçada”, diz um estagiário. “Pronto, pronto, vamos tentar furar o esquema”, diz o gestor. Telefonam pessoalmente aos colegas de disciplina para averiguar da sua disponibilidade. Havia hipótese de estarem presentes. “Boa”, diz um estagiário: “Depois entregamos os convites”! Diz o outro.

O gestor continua a trabalhar no computador. É uma gestora quem atende a todas as situações. O Presidente “defere” os tempos de férias. “Há coisas que só o Presidente pode decidir”, diz uma gestora, a maior parte dos documentos são assinados por ele, embora ele se faça substituir”. Uma outra gestora consulta folhas com muitos quadros. Pergunto: “És tu quem faz esses quadros todos”? “Não isto vem dos grupos, senão era demais [...] Que tempo vai fazer para o fim-de-semana, X”? “Vai chover”! “Ó! que chatice”! Continua a consulta.

O Sr. X, chefe dos Serviços Administrativos (Secretaria) entra e diz que ainda tem papel para os Exames Nacionais com referência a 199-. “Será que esse papel pode ser usado? Já estamos nos 2000 [...] É melhor alguém do Executivo telefonar para o Júri Nacional porque tudo o que diz respeito a Exames Nacionais não pode ser tratado pelos funcionários”, argumenta. A gestora diz que sim, que na 2ª-feira vai telefonar. Toma nota.

Chega outra gestora. Começam a discutir receitas culinárias. Entra um gestor. Dá umas dicas. Eu ouço.

14/05/02

Uma só gestora no Executivo. Muito simpática. Fala-me da vida da escola. “Não há desperdícios. Tudo tem de ser milimétricamente contado [...] A escola gere receitas próprias. As maiores receitas vêm do pavilhão gimnodesportivo [...] Há um projecto para se fazer uma piscina. Aliás, foi uma das bandeiras deste mandato [...]. Foi um engenheiro da escola quem fez o projecto. Grátis. [...] O poder local podia ajudar mas não lhe interessa. Até porque a escola, assim, iria roubar clientes às piscinas municipais [...]. Os contratos de autonomia previstos no 115 – A/98 não estão a ser efectuados. Como não há autonomia na escola, esta, sem dinheiro suficiente, não pode fazer nada. Neste momento está tudo virado para o Euro 2004 [...]. Se tivessem um pouco de vontade podiam resolver a questão da piscina e nem davam por nada”.

A gestora diz que trabalha muito. “Passo aqui a vida no Executivo, muitas vezes venho à noite”, diz, ”quando se trabalha por gosto... já não sei o que é ir tomar um cafézinho ao centro... Uma pessoa acaba por se envolver”!

Amanhã há reunião do Executivo. O aviso está no placard:

Conselho Executivo

Reunião 4ª-feira

10h - Dia 15.05.2002

- Eleições

- Exames

- Outros assuntos

Eu amanhã não posso vir! “Depois posso ver a acta”? Pergunto. “Pode”, diz-me o Presidente.

15/05/02

A acta que agora e aqui se transcreve foi posteriormente pedida ao Conselho Executivo:

Aos quinze dias do mês de Maio de dois mil e dois, pelas dez horas, reuniu o Conselho Executivo e os assessores, com a seguinte ordem de trabalhos:

1 – Lançamento da Revista

2 – Outros Assuntos.

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No primeiro ponto da ordem de trabalhos foi feita a divulgação do dia de lançamento que será no dia 23 de Maio pelas dezanove horas na biblioteca da escola. Está prevista uma semana de lançamento da Revista a decorrer na Livraria Minho que para tal irá disponibilizar uma montra.

Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos, o Presidente do Conselho Executivo informou:

- Terá a escola que enviar a reformulação da proposta de candidatura à Rede Nacional de Bibliotecas.

- Que a transferência de professores do actual para o futuro Conselho Executivo, far-se-á no dia dezoito de Junho pelas dezassete horas na biblioteca.

- Propor aos delegados de grupo que se demitam para acerto com o mandato do Conselho Executivo.

- O júri de selecção para a entrada em funções de um funcionário de acção educativa seleccionou a Senhora X.

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada esta reunião que vai ser assinada conforme os termos da lei.

O Presidente - -------------

O Secretário - --------------

15/05/02

Seminário:

“Democracia(s) e Cidadania(s) nas Organizações Educativas”

1º Painel: “A implementação do D.L. n.º 115 – A/98: Experiências e Relatos dos Actores”.

Participantes (entre outros):

Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária XXY

Presidente da Assembleia de Escola da Escola Secundária XXY

As palavras do Presidente do Conselho Executivo:

“[...] O problema da educação é mais preocupante que nunca. A indisciplina aumentou. Ser professor é ser herói. Os professores são mal tratados, são vexados, agredidos fisicamente. Não há democracia que resista. Que possibilidades existem para educar para a cidadania? Na minha escola anda tudo muito preocupado com os Rankings Nacionais. Falam em parcerias. Que parcerias? Eu não vou emparceirar com ninguém. Não há protocolos. A escola não tem possibilidade de dar contrapartidas. Somos autónomos para arcar com o grosso das situações ou para aquilo que interessa [...]. É preciso melhorar a qualidade pedagógica, permitir uma melhor intervenção dos pais, haver poder local, está certo [...] Mas, como dar prioridade aos critérios de natureza pedagógica e científica sem dinheiro? [...]. Sem dinheiro não há democracia [...] A administração regula cada vez mais espartilhadamente [...]. A autonomia do Decreto-Lei 115-A/98 não passa, em termos práticos, de uma autonomia de minudências [...]. As pessoas estão assustadas com a possibilidade de perder poder [...]. Na minha escola [...]. Então pediram um laboratório e eu disse: Com que dinheiro? Fez-se o pedido da formação do laboratório a quem de direito e disseram-nos que não havia verbas disponíveis. Mas como os alunos precisavam inelutavelmente daquele laboratório tivemos nós com as receitas próprias que a escola gere (porque é aquilo que nos vale) gastar perto de 2 mil e quinhentos contos para fazer um laboratório de física na escola [...]. Outra coisa também interessante é que, por exemplo, está prevista a participação...eu queria dizer que durante este mandato não houve quaisquer problemas de natureza..., houve opiniões diferentes, obviamente, mas problemas de natureza mais grave com a Assembleia de Escola, não houve. De qualquer maneira não deixa de ser interessante o seguinte: Diz o decreto: O Presidente do Conselho Executivo ou Director e o Presidente do Conselho Pedagógico participam nas reuniões da Assembleia sem direito a voto. Eu pergunto: O que é que vamos lá fazer? Não vimos quaisquer interesses em que o Presidente do Conselho Executivo não seja o Presidente do Conselho Pedagógico. E é que depois, o que é que acontece com este documento. É que dispersa o poder... tá lá escrito... é taxativo, dispersa o poder do próprio Presidente do Conselho Executivo e, efectivamente, se o Presidente do Conselho Executivo é a pessoa que representa a escola ... está lá escrito ... o que é certo é que ele pode ou não ser o Presidente do Conselho Pedagógico, o que quanto a mim é errado, o não ser! Porque passam por eles todas as cargas pedagógicas e decisões pedagógicas da escola e portanto não se entende muito bem porque é esta preocupação em que (eu não entendo) o Presidente do Conselho Executivo não tenha voto na Assembleia de Escola. Ouvido o Conselho Pedagógico, compete à Direcção Executiva: Submeter a, Elaborar e submeter a, elaborar e submeter a, e por aí fora. Quer dizer, neste momento, a Direcção Executiva da Escola não tem, se o Decreto fosse levado a rigor, nós passávamos a vida a submeter a… para ser aprovado

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por… e o que é certo é que nada se fazia porque (esquecem-se as pessoas) que convocar uma Assembleia de Escola, convocar um Conselho Executivo, convocar seja o que for, demora tempo, demora 8 dias, 8 dias pelo menos e depois se vamos de submissão em submissão e se vamos de elaboração em elaboração chegamos ao final do ano e está tudo na mesma! [...]. Depois há aqui uma coisa muito interessante. O Artigo 19º diz assim: Só podem ser Presidentes do Conselho Executivo quem tiver determinadas qualificações (que são dadas, e muito bem, pela própria Universidade, eu frequentei aqui um curso de Especialização em Administração Escolar e vi que efectivamente me foi extremamente útil para o desempenho das funções que tenho agora) ou um professor que tenha pelo menos um mandato de prática para este fim. Eu devo lhes dizer que estou na fase terminal da minha carreira e ainda hoje tenho grandes dúvidas e grandes dificuldades em ser o Presidente do Conselho Executivo da minha escola. Como é que um professor que só tem 3 anos de prática pode efectivamente responder às grandes exigências que são todos os dias acometidas ao Presidente do Conselho Executivo? Portanto, para terminar, eu não poderia vir aqui fazer críticas sem deixar as minhas propostas, aquelas que acho que devem ser postas imediatamente, se não for imediatamente num breve trecho, porque já não tenho dúvidas que pelo andar da carruagem os modelos, quaisquer modelos que apareçam, não vão resolver nenhum problema porque neste momento mais do que nunca a situação, dizem que a situação financeira do país, e económica, está francamente prejudicada. Acho que o modelo de gestão actual deve ser substituído. E vamos ser de uma vez, e quanto a mim, procurar ser práticos. Voltaria a um modelo antigo em que as responsabilidades ... antes disso ...essa coisa de dizer o modelo agora é mais democrático porque leva a escola aos pais, leva a escola às autarquias, leva a escola a personalidades culturais ou permite que lá vão. As pessoas ir lá vão, não há dúvida nenhuma, só que vão lá não sabem fazer o quê. Eu garanto-vos que em determinado órgão da minha escola há pessoas que ainda não sabem hoje qual é o regulamento da Assembleia de Escola. É inacreditável mas é verdade! [...]. Portanto, eu ficar-me-ia por uma comissão ... por uma direcção de escola em que fossem completamente cumpridos todos os requisitos de natureza democrática, obviamente, com eleições dos elementos que lá estão, um Presidente, um secretário, um vogal e mais dois ou três elementos que assessorassem a direcção executiva nas diversas tarefas. Numa escola como a minha que trabalha a tempo inteiro são extremamente necessários esses assessores [...]. Depois o Estado, fala-se agora, tenho ouvido falar que vão gestores para a escola, mas atenção, eu sou apologista dessa medida, as Universidades têm efectivamente, o Estado tem de investir nas Universidades de forma a fazer professores/gestores, não é gestores... aquilo não é nenhuma fábrica ... muito embora as linhas determinantes apontem cada vez mais para fordismos e taylorismos, etc..., etc..., etc... porque é para isso que elas apontam e o resto são cantigas como se costuma dizer ... portanto ... achava muito bem que se respeitassem estes aspectos [...]. O orçamento que temos, efectivamente, é todos os anos e por sistema, é reduzido em relação às necessidades [...]. Desejo vivamente que as pessoas que neste país (e agora estamos em época de mudança e parece que as mentalidades vêm frescas) refrescassem a cabeça e que não voltem a fazer rankings de escolas como se fez o ano passado [...]. A minha escola foi classificada de forma agradável [...] estou à vontade para falar nisso [...]. A administração tem de ser transparente mas a transparência não poder ser feita naquela base [...]. Diria que com tantas pressões, com tantos problemas não há democracia que resista nem cidadania que se desenvolva! Muito obrigado.

As palavras do Presidente da Assembleia de Escola:

“[...] Sempre nos achamos bem em convívio com os alunos na nossa carreira de educador prestes a findar, entendo que a escola existe fundamentalmente para eles e nunca deixando de considerar desde que exercemos a actividade de professor que esta deve ser muito mais que mero transmissor de conhecimentos preocupando-se com o desenvolvimento da personalidade dos seus alunos sem nunca duvidarmos que isto se faz sem imposições, sem paternalismos ocos e desajustados, em diálogo, com abertura de espírito, embora com responsabilidade, nunca no meio da confusão e da desordem, sendo capaz de tomar posições afirmativas sem que poderes exteriores à escola ou mesmo dentro dela tentem de forma autocrática e portanto anti-democrática levar a soluções de carácter impositivo e cerceador das capacidades dos outros, de todo em tudo contrárias ao são desenvolvimento de quantos demandam a escola, no sentido de se formar não só tecnicamente mas ainda como cidadãos de uma pátria livre num mundo que também se deseja livre [...]. As várias comunidades educativas devem estar despertas, não aceitando um dirigismo centralista e monopolizador de toda a sua actividade quer nos planos administrativo e económico, quer nos domínios pedagógico e didáctico, trabalhando, organizando, criando a sua identidades própria, utilizando todas as possibilidades que a lei autonômica lhes confere para reivindicarem aquilo a que têm direito para impedirem que elas funcionem como uma aparência de autonomia que servirá para arcarem com as desgraças e que poderá carrear os louros das coisas boas para entidades exteriores a elas. A nova organização democrática das comunidades educativas com a sua Assembleia de Escola, com o seu novo Conselho Pedagógico menos pesado e que se pretende bem mais eficiente e produtivo [...] com a sua Direcção Executiva com órgãos eleitos por diversos sectores da comunidade educativa deverão ser o motor e constituir a essência de tudo quanto nelas se faz. Sem intromissões do exterior, sem falsos proteccionismos e dirigismos do poder central, com meios materiais que não impeçam a prossecução dos seus fins mais legítimos os quais se não existirem devem ser reivindicados. Tudo ou quase tudo deverá ser gerido nas comunidades educativas só assim se poderá saber o que elas valem, só assim se poderá querer que elas valham.

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Pode dizer-se que é chavão gasto repetir-se a ideia de máxima liberdade/máxima responsabilidade mas nem por isso deixa de ser sempre pleno de actualidade repetir tal ideia [...].

[...] Ao longo destes três anos de implementação do novo modelo de gestão e de administração escolar, na nossa escola, aquilo que temíamos que de pior acontecesse verificou-se infelizmente na sua plenitude como receávamos que viesse a ocorrer. Estivemos perante um presente envenenado dado que há lacunas e deficiências na legislação que impedem que o decreto –lei Nº 115-A/98 possa potenciar uma verdadeira e forte autonomia das escolas num sentido claramente responsável e democrático [...]. Sem verdadeira autonomia financeira não é possível uma real autonomia da acção nas escolas (foi isso que disse o Presidente do Conselho Executivo da minha escola). Ora, na verdade, essa autonomia não existe e nada ou quase nada se pode fazer nas escolas sem o veredicto e a autorização superiores. Mais: As respostas da administração central são normalmente dominadas pela burocracia, quase esmagando toda e qualquer veleidade de actuação autonômica das escolas, multiplicando-se neste domínio os órgãos do Ministério da Educação que, sob a capa de uma pretensa desburocratização e descentralização, não têm funcionado senão como órgãos intermédios, por um lado detendo poderes que deveriam pertencer às escolas e, por outro lado, como meras correias de transmissão do pesado poder central tornando ainda mais pesado com a sua existência, gastando dinheiro ao (?) público [...] com funcionários, quase sempre professores que deviam estar nas escolas e não nas secretarias, com instalações e com o seu funcionamento. Melhor fora tais patamares decisórios não existissem entregando as verbas gastas com os custos da sua acção ou não acção (normalmente é uma acção que corta, que demora, que burocratiza, que impede) ao fomento da actividade criadora das escolas [...]. Referimo-nos concretamente aos CAE que deveriam ser simplesmente extintos. As DRE’S existentes bastariam ao sistema com dúvidas da nossa parte se num modelo correcto de máxiam liberdade/máxima responsabilidade das escolas mesmo essas DRE’S não deveriam tender para o desaparecimento através do paulatino encolhimento de funcionários e poderes [...]. Porque na verdade, mesmo nas escolas, com a submissão a determinadas leis nós temos a sensação e nós estamos numa escola que nesse aspecto acho que é do melhor que se faz em Portugal, quer dizer, somos uma escola, não digo que sejamos modelo, não há modelos nas escolas mas, quer dizer, somos uma escola que de uma maneira geral julgo que está bem gerida e, apesar de tudo, nós vemos à nossa volta que numa escola como a nossa [...] que é das mais bem geridas, podem estar certos disso, até houve tentativas de suplantar a própria lei (e fez-se isso) para aliviar os gastos porque se se cumprisse a lei em vez de Cento e tal era capaz de ser perto dos 20016 [...]. Meus amigos, a falta não é de dinheiro, o dinheiro pode diminuir [...] mas primeiro vamos aplicar o dinheiro como ele deve ser gasto. Quer dizer, isto é uma realidade, gasta-se dinheiro de uma forma verdadeiramente incrível, quer dizer, reduções [...], quer dizer, isto é uma vergonha o dinheiro que se gasta de facto mal gasto no Ensino! Os órgãos que são criados no âmbito do decreto –lei Nº 115-A/98 não possuem as condições mínimas para actuarem (é esta a minha convicção) e as tarefas de que são incumbidos de realizarem refugiam-se por via legislativa em meras enunciações de princípios genéricos propondo actuações igualmente genéricas e abstractas impossíveis de concretização na prática [...]. Nada está consignado na legislação sobre quaisquer meios físicos ou humanos postos à disposição da Assembleia de Escola para que esta possa exercer convenientemente as funções que genérica e abstractamente lhe são consignadas na legislação. Tudo dependerá, em certa medida, da boa vontade ou má vontade dos Conselhos Executivos das Escolas e seus respectivos presidentes, os quais, por seu turno, teoricamente, dependem pela acção desenvolvida da Assembleia de Escola [...]. Onde a liberdade decisória? [...].

[...] O Presidente do Executivo com o qual, eu devo dizer, não tivemos ao longo destes 3 anos... tivemos algumas discordâncias, mas correu tudo mais ou menos bem na gestão da nossa escola, embora com discordâncias, e acho que isso é saudável [...].

[...] o Presidente do executivo e restantes membros deste órgão estão dispensados de trabalho docente e acho muito bem, aqui sim, aqui acho que na realidade é a única maneira de poder funcionar uma escola [...].

Por este breve apontamento, pode concluir-se do nosso desânimo e frustração no que diz respeito ao funcionamento positivo do novo modelo de autonomia das escolas tal como está preceituado no decreto – lei Nº 115-A/98 [...]”.

16/05/02

O meu professor de Desenho do 9º Ano entra no Conselho Executivo. Fico admirada em o ver “aqui”. Reconheço-o logo. Ele também. Fica contente por me ver “aqui”. “Estou reformado há três anos mas continuo a frequentar a escola”, diz-me. Fala comigo. “Isto é uma porta aberta”! Diz uma gestora.

Chega um professor a queixar-se que na sala X há sete lâmpadas fundidas. “É preciso ter cuidado”! Diz o Presidente.

16 Fala de gastos com o Ensino Recorrente.

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Um professor vem confirmar o mapa de Exames Nacionais. O dia 20 de Julho é um Sábado. Pergunta: “Um exame ao Sábado? E sai. Diz uma gestora: “Um exame ao Sábado, essa é boa, deve ser engano”! e acrescenta: “Já há muito tempo que não há exames ao sábado. Isto obriga-nos a vir ao Executivo nesse dia! Até vou confirmar... “. Confirma. “Afinal enganei-me, não é nada disso, tenho de corrigir isto”! O Presidente comenta: “Para piada esteve boa, ou melhor, para pequeno susto”!

Digo eu:” Bem, o professor foi todo resignado com o exame ao sábado”. Diz a gestora: “Bem, aquilo que eu digo é ponto final, o pessoal nem questiona... o que às vezes também é mau”! “E agora, vais ter que contactar o homem”! Diz um gestor. “Pois vou e vou afixar o mapa corrigido! Estas coisas acontecem... por causa das interrupções...”

Chega uma funcionária e diz: “O professor está lá em cima na biblioteca, branco, azul e de todas as cores”. “O que aconteceu foi o seguinte”, diz uma gestora: ”Deixou as cópias das provas em cima de uma mesa na biblioteca, a funcionária veio cá trazê-las mas eu tive de o chamar à atenção, pronto, como nunca se sabe se alguém viu as provas, para mim elas perderam a confidencialidade e ele agora vai ter de fazer outras [...]. Vou lá falar com ele. Se alguém perguntar por mim estou na biblioteca”.

Chega uma professora. Vê o Presidente e diz: “Bom dia. Não é consigo que quero falar, é com a X porque é sobre Provas”. Diz o Presidente: “Não sei onde ela está, ela anda fora e dentro”. Informo: “Está na biblioteca”.

Chega uma professora com um envelope. “Não está cá ninguém a quem eu possa entregar isto”? “Não, não está” respondo. “Eu posso entregar, se quiser” . “Não, não, são Provas , tenho de as entregar pessoalmente à X”.

Chega uma professora, dirige-se ao Presidente e diz: “Há alunos que dizem que os pais se recusam a pagar enquanto não falarem com o Sr. Presidente”! Ao que ele responde: “Só me faltava mais esta. Diga-lhes que sim, que os recebo mas só um a um”.

Chega um gestor. Está queixar-se com dores nas costas. Diz: “Não cumpri à risca as regras da fisioterapia! Estou mesmo à rasca”.

Chegam quatro inspectores, percebo. Conheço um deles. Três homens e uma mulher! Querem saber onde podem trabalhar. O Presidente diz: “Façam o favor de me acompanhar, tenho aí uma boa sala”. Saem.

20/05/02

Duas gestoras no Executivo. Houve eleições na Escola para eleger o novo mandato para o “Conselho Executivo”. Havia só uma lista. “Foi uma coisa simples”, diz uma gestora. “Só havia uma lista”. Diz a outra: “Bem mas a coisa não foi assim tão unânime. Houve quem não tivesse comparecido, houve quem dissesse que desconhecia os membros da lista”. “Enfim”, comenta um gestor que entretanto entrou, “ainda bem que há mais do lado de cá do que do lado de lá! [...] Não se vai comemorar a vitória”? Pergunta. “Há muito trabalho”, diz uma gestora. E, diz a outra: “Bem, eu, como ontem fiz anos, trouxe uma garrafita de Champanhe”. “Ah, então vou reservar umas empadinhas”, diz um gestor. Risos.

No Executivo faz-se a distribuição das salas para os exames. Confere-se os códigos das disciplinas. “Por vezes há enganos”, diz uma gestora. Faz-se também a distribuição dos docentes pelas respectivas salas. Um gestor entra e sai. Comenta: “Vamos ter chuvinha”!

Há muito trabalho no Executivo. Há papelada por todo o lado. O gabinete é pequeno para tanta coisa, penso.

Para além dos professores indicados para as salas, ainda se tem de arranjar suplentes. Não há discórdias no trabalho. Enquanto uma dita, outra escreve. Conferem, voltam a conferir. O documento tem o título de Convocatória. “Será que os suplentes chegam”? Pergunta uma gestora. “Acho que devem chegar”. Diz a outra.

Chega uma professora, dirige-se ao Presidente: “Ó, X, venho buscar o meu envelope com as provas”. O Presidente diz: “Ó, X podes dar aqui as provas à Sra. Professora”. “Sim, sim, vou já, está tudo pronto e devidamente separado em caixotes, hoje já quase se esvaziou um caixote... é muita prova”!

Têm aparecido várias professoras que se querem inscrever em “Acções de Formação”. O boletim de candidatura está Executivo. Comenta-se o plano de formação. Diz um gestor: ”Isto é que vai ser ganhar dinheiro. Só o X vai dar 5 acções! Isso vai aí para os 5 mil contos”! Responde uma gestora: “Era o que eu precisava para a minha piscina! São sempre os mesmos”!

Chega uma professora: “Deram-me um envelope com provas, trocado”. Ela trá-lo de volta. “Não o assinei”, diz. “Acontece”, diz uma gestora, “o que importa é desfazer-se o engano”.

As gestoras continuam a fazer a Convocatória. O gestor diz que está ali a “prestar apoio psicológico”. Diz umas piadas com graça. Há riso no trabalho.

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06/06/02

Uma grande trapalhada no Executivo. Anda tudo às voltas. Parece que nem deram por mim.

Uma gestora diz: “Eu acho muito bem, as pessoas não se devem fixar nos cargos de poder, porque apesar de tudo, há sempre algum poder”. “Pois é”, responde um gestor, “se soubessem o trabalho que isto dá, falavam menos, cada um é o que é”.

A conversa é acesa. Está cá mesmo muita gente. Diz um gestor: “O essencial está definido e não está definido por nós”. “Ó, está bem, mas não me digas que tu não podes fazer nada porque já está tudo definido”, diz um professor que também cá está. “Olha”, responde o gestor, “faço o que posso, e já muito faço eu ... e sabes uma coisa ... decidir também poder ser perigoso, eu gostava era de poder partilhar mais isto com os lá de cima”. “Ó, para quê, lá se ia a democracia toda do Executivo”, diz o professor.

De repente fiquei sozinha no Executivo. Observo atentamente o que vejo:

Um placar cheio de avisos, recortes de jornais, uma fotografia com os membros do Conselho Executivo. A sala está decorada com “quadros bordados”. Tem uma estante antiga cheia de trofeus da Escola. O mobiliário do gabinete é simples. Este, retirando a tal estante e umas prateleiras cheias de “dossiers”, é praticamente ocupado por uma grande mesa que faz meio “U”, parece um “L”, mas ao contrário. É mais ou menos assim: _| . Esta mesa é comum, é nela que todos se sentam para trabalhar, incluindo eu. Está cheia de papelada. A porta que dá para o “gabinete presidencial” está aberta. O mobiliário é antigo, secretárias torneadas... Disseram-me que tinha sido feito cá na escola, por antigos alunos. Na parede, uma fotografia do Presidente da República Portuguesa.

12/06/02

A porta do Conselho Executivo está fechada. Uma funcionária no corredor diz-me: “Estão em reunião”. Não entro.

A acta que agora e aqui se transcreve foi posteriormente pedida ao Conselho Executivo:

Aos doze dias do mês de Junho de dois mil e dois, pelas dez horas e trinta minutos, reuniu no gabinete o Conselho Executivo e os seus assessores, com a seguinte ordem de trabalhos:

1 – Preparação do Conselho Pedagógico

2 – Outros assuntos.

O Presidente do Conselho Executivo deu início à reunião, começando por efectuar um levantamento dos assuntos a tratar no Conselho Pedagógico de 12 de Junho, que passo a referir:

- Foi apresentado um projecto intitulado “Os Quotidianos da Escola: Trajectórias Biográficas e Dinâmicas Institucionais” que corresponde a uma proposta de investigação anexa ao projecto “História da Educação/Imagens, Discursos, Praxeologias”, desenvolvido por um núcleo de investigadores ligados aos Centro de Investigações em Educação, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.

- No quadro das actividades deste projecto, iniciou-se a colaboração entre a equipa do projecto da qual faz parte o Dr. X, e o Arquivo Distrital do Porto no âmbito específico do tratamento e da análise do espólio da escola X, depositado naquele arquivo. Após ter sido legado o espólio X à Escola XXY, tornou-se evidente o interesse e a importância de o incluir neste domínio da pesquisa. Daí afirmar-se uma eventual parceria entre o Arquivo Distrital do Porto, a Escola XXY e o Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Este protocolo será apresentado aos futuros conselheiros pedagógicos e caso seja ratificado, deverá ser criada uma equipa de trabalho, se possível constituída pelas professoras X e X.

- Seguidamente foi feita uma análise da última intervenção do Presidente do Conselho Pedagógico, que irá fazer uma análise às actividades desenvolvidas na escola no triénio 1999/2002.

- Será apresentada uma proposta ao Conselho Pedagógico sobre a constituição da nova “Comissão de Avaliação dos Professores”, que será constituída pelos seguintes professores: (5 no seu total – 4 professoras e 1 professor).

- Foi também decidido que devido à existência de poucos alunos que irão efectuar a Segunda chamada das provas globais, será reformulado o calendário das reuniões de avaliação, que passarão a decorrer nos dias dezanove, vinte e vinte e um de Junho.

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada esta reunião que vai ser assinada conforme os termos da lei.

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O Presidente - -------------

O Secretário - --------------

18/06/02

Houve eleições na Escola XXY para eleger um novo Conselho Executivo.17

O antigo Presidente pediu a aposentação. Houve uma lista única com a qual muitos professores e professoras concordaram mas também “houve para aqui muitas vozes de resistência” diz-me um professor na sala dos professores. “Olha, vamos ver no que isto dá, agora temos uma mulher na presidência! Isto para ti vem mesmo a calhar, não? Já conseguiste ver quem gere melhor ou pior”? “Eu não ando propriamente a tirar medidas” respondo. “Pois! Olha vou-me embora, são oito horas da noite!

As actas que agora e aqui se transcrevem foram posteriormente pedidas ao “Novo Conselho Executivo”:

1)

Aos dezoito dias do mês de Junho de dois mil e dois, pelas quinze horas e trinta minutos reuniu o Conselho Executivo da Escola XXY a fim de transmitir poderes aos elementos do Conselho Executivo eleitos, conforme a homologação de dezoito de Junho de dois mil e dois, pelo Presidente da Assembleia de Escola.

Presentes:

Do actual Conselho Executivo:

X – Presidente (masculino)

X – Vice-presidente (feminino)

X – Vice –presidente (masculino)

Do novo Conselho Executivo

X – Presidente (feminino)

X – Vice-presidente (masculino)

X – Vice –presidente (masculino)

Aberta a sessão pelo Presidente cessante foram tratados os seguintes assuntos:

1º - Transmissão de poderes: pelo Presidente foi feita uma resenha do que foi a vida da escola durante o mandato deste Conselho Executivo, nomeadamente a situação em que se encontra os casos pendentes.

Pelo Presidente do Conselho Administrativo foi feita a descrição da situação financeira, apresentando o respectivo termo de balanço, os livros de contabilidade e eventário.

Do que foi dito verificou-se que têm sido cumpridas as regras da contabilidade pública, que os livros se encontram escriturados e que a situação financeira é a seguinte:

Orçamento de Estado:

Receita – X

Saldo – X

Contas a Pagar – X

Receita Próprias:

Receita – X

Despesa – X

Saldo – X

17 PROCESSO ELEITORAL: 1 – Os candidatos constituem-se em lista e apresentam um programa de acção de acordo com o projecto educativo da escola. 2 – Considera-se eleita a lista que obtenha maioria absoluta dos votos entrados nas urnas, os quais devem representar, pelo menos, 60 % do número total de eleitores. 3 – Quando nenhuma lista sair vencedora, nos termos do número anterior, realiza-se um segundo escrutínio, no prazo máximo de cinco dias úteis, entre as duas listas mais votadas, sendo então considerada eleita a lista que reunir maior número de votos entrados nas urnas. 4 – Após confirmação da regularidade do processo eleitoral, o presidente da Assembleia procede à homologação dos respectivos resultados, conferindo posse aos membros do Conselho Executivo nos trinta dias subsequentes à eleição (Regulamento Interno, 2004).

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Contas a Pagar – X

Receitas Consignadas:

Receita – X

Despesa – X

Saldo – X

Contas a Pagar – X

S. A. S. E.:

Receita – X

Despesa – X

Saldo – X

Contas a Pagar – X

O saldo existente encontra-se na Caixa Geral de Depósitos, o que foi verificado.

O inventário dos bens existentes foi também conferido, verificando a sua conformidade.

Pelo Vice-presidente foi feita uma resenha do trabalho desenvolvido no S. A. S. E..

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a sessão, da qual se lavrou a presente acta que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada nos termos da lei.

O Presidente - -------------

O Secretário - --------------

2)

Aos dezoito dias do mês de Junho de dois mil e dois, pelas dezasseis horas e trinta minutos reuniu o Conselho Executivo da Escola XXY e os futuros assessores, com a seguinte ordem de trabalhos.

1 – Distribuição de funções;

2 – Outros assuntos.

Relativamente ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, a Presidente do Conselho Executivo (nome completo) terá as funções que lhe confere a lei e colaborará na área dos alunos, o Vice-presidente (nome completo) terá as funções que estão previstas na lei, a área dos alunos e ficará encarregue do pessoal técnico e de acção educativa, as funções do outro Vice-presidente (nome completo) são as que lhe confere a lei, a área de recursos humanos/professores, a área de projectos, o S.A.S.E. e ainda será o delegado de segurança da Escola. Quanto às assessorias previstas, o docente (nome completo) será o coordenador do Ensino Recorrente, a docente (nome completo) apoiará o Conselho Executivo na área da gestão de recursos humanos e na área de projectos. Saliente-se que os docentes designados para as assessorias e as respectivas competências serão apresentadas para homologação à Assembleia de Escola.

No último ponto da ordem de trabalhos, fez-se uma análise pormenorizada de todos os assuntos relacionados com o encerramento do ano lectivo, com os Exames que estão a decorrer e foi também abordado as actividades e tarefas de planificação e preparação do próximo ano lectivo.

Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a sessão, da qual se lavrou a presente acta que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada nos termos da lei.

A Presidente - -------------

O Secretário - --------------

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23/01/03

O Conselho Executivo está cheio. Não há lugar para me sentar. Estou na sala dos professores. “Então, ainda andas por cá”? Pergunta-me o X. “É verdade”, respondo. “Ando a ver a gestão disto”. “Ui!, tem sido bonito, eu pessoalmente não tenho razão de queixa mas andam para aí alguns um bocado atrapalhados, não é X”? “O quê? Não fales nisso, sabes de quem é a culpa? É das gajas, elas agora querem ter poder”. Os dois olham para mim. Eu não digo nada. Sorrio. Escrevo. Diz ele: “Estou a brincar, eu até acho muito bem, desde que não abusem...”.

Deu o primeiro toque. As pessoas dispersam-se. “Olha”, diz-me o X, “se precisares de alguma coisa...”

Voltei ao Executivo. Continua cheio de gente. A funcionária da entrada também não está aqui. Estará no Executivo? Volto para a sala dos professores. Encontro um amigo. Ele sabe que eu ando aqui a fazer um “trabalho empírico”. “Eu podia dizer-te uma coisas, mas não quero interferir”, diz-me ele. Começa a falar. Tomo nota. “Fui deslocado de outra escola [...]. Estava lá com Horário Zero, é quando o quadro de efectivos é superior às necessidades da escola [...]. Vim por querer, não queria ir para uma escola qualquer. Eu, lá era Presidente da Assembleia de Escola [...] aqui fui recebido simplesmente como um novo professor da escola. Perdi o estatuto todo [...]. A Presidente do Executivo andou a estudar comigo. Mas aqui é diferente. Ela, praticamente, só defere, trato de quase tudo na secretaria. Mas damo-nos bem. Cumprimentamo-nos sempre com um beijo. Eu gostava que nas escolas, na gestão das escolas, houvesse outras solidariedades, outras compreensões. Mais carinho [...] tanto por parte das mulheres como dos homens [...]. Sabes, enquanto a tónica estiver colocada no deferimento, acho que não há diferença entre a gestão dos homens e a das mulheres nas escolas [...] até há homens que são mais afectivos e mais atenciosos do que as mulheres [...]. Mas, pronto, eu não quero interferir [...]. Eu gosto é de dar aulas e gosto dos meus alunos e até nem sequer me dou mal com o Executivo [...] acho é que é muito burocratizado [...].

24/01/03

Inicio uma fase de recolha de depoimentos, junto de docentes, sobre “O poder dos homens e das mulheres no conselho executivo”.

Depoimento nº. 1: Professora.

“A autonomia das escolas de que agora se fala muito não é só para os homens gestores, pois não? As mulheres também estão em fase de autonomia e de poder. As mulheres foram durante muito tempo reduzidas a uma imagem única: a da submissão. Porque é que se pergunta sempre se as mulheres são diferentes na gestão e não se coloca essa questão sobre os homens? Porque a gestão sempre foi uma coisa de homens e as mulheres ao entrar nela seriam como que automaticamente diferentes. É com isto que eu não concordo. Nesta escola, este problema, pelo menos agora não se coloca. Há mulheres que trabalham de igual forma aos homens no Conselho Executivo”.

03/02/03

Depoimento nº. 2: Professor.

“O Conselho Executivo tem os poderes que a lei lhe confere e tem a responsabilidade de numa escola fazer as coisas bem feitas. Isto passa por muitos aspectos desde a constituição de turmas equilibradas, directores de turma bem escolhidos, horários bem feitos, e muito mais. Esta responsabilidade é repartida pelos membros que integram o Conselho Executivo, homens e mulheres que, penso, são pessoas igualmente responsáveis. Acho que nesta escola não há razões de queixa, embora algumas pessoas tenham tendência a queixar-se de tudo e mais alguma coisa”.

25/02/03

Depoimento nº. 3: Professora.

“É preciso é fazer bem as coisas, ter uma boa relação com os professores, com os alunos, os funcionários. E com o resto da comunidade também é importante. Fazer a escola andar para a frente – esta escola está bem nos rankings e acho que isso se deve a todos e não só ao Conselho Executivo. Se há grandes diferenças de poder entre os homens e as mulheres no Executivo, isso não os impede de trabalhar bem. Se têm poderes, têm , têm o poder de ajudar a escola a andar para a frente”.

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28/03/03

Depoimento nº. 4: Professora.

“Depende, há alturas em que se tem poder para tudo, há outras que faça-se o que se fizer não se tem poder nenhum. No Conselho Executivo e com os homens e as mulheres que lá estão também deve ser assim. Depende...”.

15/04/03

Depoimento nº. 5: Professora.

“Eu, sinceramente penso que a escola é muito melhor gerida quando a escola tem um Conselho Executivo em que para além dos homens também estão mulheres. As mulheres são muito mais sensíveis aos problemas e, por isso, em certos aspectos, conseguem compreender melhor um mundo escolar que é essencialmente um mundo feminino, não é? Embora as coisas estejam a mudar...”.

15/05/03

Depoimento nº. 6: Professor.

“Eles no fundo, não são gestores nem gestoras, são professores e alguns (e não me vou pronunciar em termos de homens ou de mulheres) estavam bem era a leccionar, pois nem todos têm o perfil (e nem a competência) para desenvolver uma função tão importante como é a gestão de uma escola. Contudo, o que é certo é que é aquele grupo que lá está e se lá está é porque se candidatou e foi eleito. Não havendo listas alternativas, não havendo mais quem se queira meter nestas coisas, temos de dar valor a quem o faz. A escola precisa de ser gerida, por quem? Por homens? Por Mulheres? Tanto faz desde que haja disponibilidade e competência para o fazer”.

28/05/03

Depoimento nº. 7: Professora.

“Não sei como lhe explique! As mulheres são um tanto ou quanto primárias! Não é bem primárias que eu quero dizer, é mais ... são mais ligadas às emoções. Isto claro que tem de interferir na forma como elas fazem as coisas e se não interfere é porque às vezes elas imitam os homens, querem ter poder como eles. Mas, no fundo, a base está lá”.

09/06/03

Depoimento nº. 8: Professor.

“Sempre se soube que as mulheres nunca tiveram igualdade em relação aos homens, elas sempre ocuparam posições sociais de menor relevo. O facto de agora elas estarem mais presentes no Conselho Executivo não quer dizer muito. Isto porque me parece que aquilo continua a funcionar sob a ‘mão forte’ dos homens que lá estão”.

01/07/03

Depoimento nº. 9: Professor.

“Os homens e as mulheres deveriam ser gestores e gestoras das escolas mas com formação para tal. O que me parece é que essa formação é escassa e o que acontece é que o Conselho Executivo não tem, e devia ter, mais homens e mais mulheres jovens que pudessem dar uma lufada de ar fresco à gestão. Os que lá estão, homens e mulheres, alguns já lá estão há demasiado tempo. É preciso que os membros dos conselhos executivos, ao candidatar-se, tenham consciência que a gestão da escola não pode ser feita sem se perceber nada daquilo e depois logo se vê. Formem-se os professores e as professoras para a gestão das escolas e depois se verá quem é um bom gestor ou uma boa gestora e quem tem poder ou não tem”.

09/09/03

No executivo fala-se da aposentação do antigo Presidente. Falam com muito respeito. Eu própria sinto a ausência. Falo com a Presidente no “gabinete presidencial”. Diz estar cansada, o trabalho é muito. No gabinete dela, em cima da secretária, está uma jarra com flores campestres. As flores chamam-me a atenção. “Que lindas”! Digo. Diz a Presidente: “Como eu gosto de flores, há uma funcionária que sempre que pode, me põe aqui flores”. “Dá um ar bonito, acho que nunca tinha visto aqui flores”, digo. “O X não ligava muito a isso”, responde. De resto, o gabinete está tal e qual como antes, parece-me. Pergunto à Presidente, se agora, no seu “mandato”, eu posso continuar com o meu trabalho aqui no Executivo. Acedeu de imediato.

Saio do gabinete da Presidente. Cá fora, no gabinete grande, ninguém! Sento-me. Leio a Agenda Cultural. Há vários exemplares. Fico com um. A Presidente sai lá de dentro. Digo-lhe que peguei num “boletim”. “É para

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isso mesmo que eles cá estão”, responde. Começamos a falar do meu trabalho. Eu explico o “ponto de situação”. Ainda vai demorar algum tempo ....

Chega um gestor: “Quem quer vir tomar um café”? Pergunta. “Eu vou contigo”! Diz a Presidente. “Eu já tomei, obrigado”. Respondo.

12/09/03

Estão a fazer limpezas no Conselho Executivo. Fico em pé. Não há espaço para grandes manobras. Diz a funcionária bem disposta: “Não há condições”! Sento-me no lugar em que estava um gestor que foi almoçar. As limpezas estão no fim e fica tudo muito mais organizado. O gestor que foi almoçar disse: “Olhem, já que estão em arrumações, arrumem-me a mim também daqui”! E pronto, está tudo muito mais calmo.

A Presidente resolve com uma professora, a quem trata por “Xizinha”, uma questão de horários. Riem e falam calmamente... de pé. Uma gestora está no computador, muito atenta. A professora aproxima-se e começa a falar sobre signos“. “És Toura”? Pergunta à gestora. “Sou, sou tourinha” responde esta. “Que engraçado, eu sou do lado oposto, sou escorpiona”. Risos. Recomeça a gestora a trabalhar. São listagens, muitas e grandes. A Presidente discute com a professora um documento. “Há incongruências”, diz a Presidente. Falam de “grupos disciplinares”. “Há dois departamentos só com uma disciplina. “Como fazer”? Pergunta a professora e acrescenta: “Vou ligar para lá”. E depois diz à Presidente: “Agora em vez de “Delegados” chamam-lhes “Coordenadores da Disciplina”. “Bem, vamos ter que mudar esta nomenclatura”, diz a Presidente. Estão as duas à volta de papéis.

“Uma pergunta”, diz a professora, “Quem vai fazer as Actas do Conselho de Turma”? Diz a Presidente: “Estava a pensar que isso podia ser resolvido no próprio Conselho de Turma”. “Ah, mas isso é complicado há quem diga que é melhor ser por sorteio [...] Pronto, ou por sorteio ou então convocar os estagiários [...] tem de se ver isso [...]. Logo falamos melhor”.

Continua a análise dos papéis. Diz a professora: “As competências que aqui estão são as que estão na lei, não é”? Responde a Presidente: “É, eles não inventam nada, assim como nós também não, não é”?! Foi a mim que questionou. Eu respondo: “Ás vezes”! Ela ri-se!

O documento intitula-se:

Escola Secundária X

Braga

Regulamento Interno

(2ª revisão 2003)

Afinal, percebo, estão a comparar o Regulamento Interno da escola com outro de outra escola. A ver as “incongruências” do regulamento para não cometer “ilegalidades”. Os termos são os que elas utilizam na análise que estão a fazer.

15/09/03

Não está ninguém no Conselho Executivo. Sento-me.

A minha frente, está uma “homenagem”.

Leio:

Escola Secundária XXY

22 de Janeiro de 2003

É uma lista de dez homenageados: 8 professoras e 2 professores, de entre os quais o antigo Presidente do Conselho Executivo.

... e deixaram obra feita... assim termina a homenagem. Chega um gestor. Pergunto o porquê desta “homenagem”. Diz-me: “Os que se aposentaram, foram homenageados, fizemos uma festa”. Fala agora das festas da escola. “Sempre dá para uma pessoa sair um bocado da rotina. Eu sou a favor das festas [...] mesmo nós daqui do Executivo...”.

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16/09/03

A Presidente está no seu gabinete. Fala com um professor. Sentada. Ele de pé. Ele está queixoso mas calmo. Chega uma gestora com uma professora. Mostra listagens. Ela, a professora, também não está muito contente, quer ver, quer certificar-se, tem dúvidas.

De repente enche o Conselho Executivo. A pergunta é: “Como é, isto dos horários? Estão prontos”? “Estão”, responde um gestor, “mas eu não sei de nada [...] parece que ontem houve quem saísse daqui às 6 da manhã... mas estão prontos”. Diz outro gestor: “Só ao fim da tarde é que vão ser afixados”. E lá se foram os professores todos embora. Chegam outros que querem saber: “Reduções”, “n.º de turmas”. Ainda não se pode dizer nada quanto aos horários. Diz um gestor: “Ó pá, eu quero ser simpático mas não posso fazer nada”!

As colocações, este ano, estão a gerar protestos. Há professores descontentes. Dois gestores vão-se embora. Diz um: “Se calhar é melhor ir lá para cima, aqui não se consegue fazer nada”. E vão. Há duas alunas que esperam lá fora... esperam... foram embora.

Volta um gestor e um professor. Fala-se. Os alunos com NEE, este ano, podem assistir às aulas por videoconferência. “Há dúvidas e resistências por parte dos professores”, explica o gestor. “Tem de se fazer uma reunião”, diz ele ao professor. E virando-se para mim: “Nesta altura é só reuniões”. Entra uma professora: “Olha, ontem tive de fugir duma ... estava tudo muito exaltado”.

Entra outra professora, fica no meio do gabinete e diz à Presidente: “X tens aí umas flores que são um super requinte. Olha, e os horários, estão prontos”? Pergunta. “Não, só logo, há ajustes a fazer”, responde a Presidente.

Saem. Ninguém no Conselho Executivo. Saio também. No corredor há muita gente. Alunos e professores. Todos falam. Voltei, entram também algumas alunas que estavam lá fora. Querem saber coisas sobre o “volei”. Uma gestora consulta o computador. “Falta uma ficha, estranho”, diz ela. A ficha aparece. A gestora diz: “Como vamos fazer, façam sugestões.” As alunas sugerem. A gestora impõe algumas restrições: “Não, não é que assim não poder ser, por causa....”. As alunas voltam a sugerir, dentro das “possibilidades em termos de vagas”, diz a gestora. Fica tudo resolvido. As alunas conseguem o que querem. “Queriam ficar juntas, na mesma turma [...] não é nada fácil”, diz-me a gestora.

17/09/03

Está um professor a avisar dois membros do Conselho Executivo (um gestor e uma gestora) que iria, nas suas aulas, “adoptar métodos de trabalho diferentes daqueles que tinham sido adoptados pelos estagiários no ano lectivo anterior”. Será muito mais “acelerado” e não vai dar “Dezoitos”. “O Conselho Executivo está avisado”, diz ele, “e vou dizer o mesmo em Conselho de Turma”. Por parte dos membros nada foi avançado, ficaram avisados. Saíram todos juntos.

Fico eu. Chega um professor que me pergunta pela folha de atribuição de serviço docente, outra professora que me quer colocar o problema da direcção de turma. Peço para esperarem. Quando a Presidente chega entrega o que diz ser “horários provisórios”, “quanto a outras questões, a X é que sabe”, diz. “O problema é o seguinte”, diz a professora: “Tenho 19 inscritos e outros 9 em lista de espera, isto não dará para duas turmas”? “Ainda não se sabe muito bem como vai ser”, diz a Presidente. Diz a professora: “Tenho que ir para a reunião eu depois venho cá”.

Chega um gestor. Está aborrecido com um problema que “julgava já ter sido resolvido há muito tempo”. Não sabe onde meteu uma coisa que procura: “Ó que carago!, que chatice”! Continua a procurar.

Entra um professor. Pergunta-me: “É inspectora”? Sorrio, digo que não. Diz ele, demonstrando à vontade: “Ó, X dizem que o meu horário é do piorio”! Responde o gestor: “Era mas já não é, estava muito mau mas agora já está bom, confia em mim”. “Mostra-me”, pede o professor. “ Isto vai ser bonito”, acrescenta, “só 6ª feira, às 14h30 é que saem? Vai começar a guerra”. O professor não está nada contente. Diz-lhe a Presidente: “Olha, deixe lá, eu ainda agora recebi um telefonema muito interessante do CAE, diz que era só para saber se a escola está funcionar, vê-me só esta. Eu respondi, claro que está a funcionar, só se estivéssemos fechados para obras”! Risos.

Chegam dois alunos, uma gestora atende-os. “Vocês de que ano são”? “Do 12º, a minha mãe já cá veio”. “É um problema de mudança de turma”, diz-me a gestora e, virando-se para eles: “Por favor, um de cada vez que eu não estou em condições de vos atender assim.” O problema parece ter ficado resolvido, os alunos saíram, não muito contentes. O outro gestor está mesmo chateado. “Os gajos que não brinquem comigo. Vou mandar para lá um ofício a dizer que mandei tudo no dia 1 por fax e e-mail”. “Lá” é o CAE, julgo perceber. O gestor ainda não encontrou o papel que procura. Continua a fazê-lo. Toda a gente pede listas, pergunta pelos horários, ele interrompe constantemente a busca.

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Uma professora quer uma lista com nomes dos alunos das turmas “12ºB, 12ºM e 12ºN”. Vai tirar fotocópias. A gestora pergunta se ela não tem uma disquete para ela lhe passar para lá os elementos. Responde a professora: “Não, não quero, não percebo nada de computadores e nem quero perceber”!

Uma outra professora chega com um problema de horários. Diz o gestor: “Ouve tu não sabes de onde é que isto resulta”? “Ah, sei muito bem, e sei perfeitamente o que é que vocês aqui passam”. “Então, tem calma, olha, só 6ª-feira às 14h30 é que isto que está afixado.” “Estou ansiosa”, diz a professora.

O gestor continua à procura do fax que diz já ter enviado. A Presidente diz que não sabe de nada. Ele responde: “Porra, eu fiz isto, não estou doído, mas... às tantas”! Há uma professora que se lhe dirige. Problema. Horários. Ele diz: “O horário saiu assim, o que queres? Queres- me matar”? Acaba por encontrar o que procura, num ficheiro do computador. Afinal enviou, está no registo de e-mails enviados. “Vês”? Diz ele para a Presidente: “Eu enviei, enviei por e-mail, o que é que esses gajos querem, pode mandar-se por e-mail, não pode!? Mas olha, manda-se outra vez sem ser por mail”. Dá o documento printado à Presidente. Ela lê-o atentamente e assina-o.

19/09/03

Ninguém no Conselho Executivo. Sento-me. Chega uma professora “Responsável pela Comissão de Exames”, percebo. Telefona a uma aluna, percebo. Faz marcação e “assunto resolvido”, diz-me. Entra no gabinete da Presidente. Vai ao cofre. Abre. Fecha. Leva uma pasta com papeis. Chega a Presidente. Chega um gestor. Pega no telefone e liga para as “avarias”. Foi o telefone dele (de casa) que avariou, explica. “Não posso ligar para as avarias de um telefone avariado”, diz. 16208 é o n.º. que ele está a marcar e a dizer em voz alta. Faz marcação para a semana seguinte. Entra um professor, pergunta à Presidente: “ Já saíram os horários”? “Não, estão a imprimir”, responde. O professor sai.

Chega um outro gestor. Diz: “Só fico aqui até às 2h30, depois vou fugir, estou cheio disto”!

Fui à sala dos professores. Estava Cheia. Muita gente conhecida. Há uma onda de ansiedade por causa da entrega de horários. Diz-me uma amiga que cá encontro e que este ano se aposentou: “O meu este ano é que vai ser bom”! Rimos. “Trabalhei muitos anos nesta escola...”. Eu sei que se trata de uma pessoa dedicada.

Volto ao Conselho Executivo. Chega um professor, pergunta-me: “Ainda não há horários”? Permito-me responder: “Ainda não”!

Entram duas professoras e um professor. “Agora há aulas de 90 minutos. Como é? Dois sumários, duas faltas [...] Pode-se faltar aos 1ºs 45 minutos e vir aos 2ºs”? Perguntas e mais perguntas. A Presidente responde: “Isto está afixado.” Diz-lhe uma professora: “Mas não está explícito, ainda ontem estive na minha antiga escola e lá...”! “Pois”, diz a Presidente, “é capaz, mas a matriz é a mesma, bem, não se preocupem isto vai ficar melhor, tem é de se mudar tudo, eu vou tratar disso”. As professoras vão embora.

De vez em quando alguém vem perguntar: “Os horários”? “Vão ser entregues, estão a fotocopiar, calma”! Diz a Presidente. Vira-se para mim: “os horários costumam ser bons, mas há sempre quem se queixe, claro que nós sabemos que se a pessoa tem um horário que lhe agrada, trabalha melhor...mas...”.

Chegam os horários, é uma gestora que os traz. Uma pilha deles. “Ainda não estão todos, mas o que achas de começarmos a separar por grupos”? “Sim”, diz a Presidente. “Há clipes”? E as duas começam a separar. Diz um gestor à Presidente: “ Ó X, o X está aí”! Responde ela: “mas faltou de manhã, eu já o atendo... aquele também … é complicado lidar com ele”!

Há cada vez mais professores no Conselho Executivo. O primeiro a entrar é um professor que conheço. Cumprimenta. “Já vieram os horários”? Pergunta. A gestora dá-lhe o horário. Olha para a folha. Diz: “Está bem, nunca pior”. Leva o dele e mais “um grupinho para o Delegado de Grupo”. Distribuem-se horários. A confusão é grande. “O meu”? “Mostra”!

“Vou mas é levar isto para a sala dos professores”, diz uma gestora. “É melhor”, diz um gestor. E vão os dois. Eu vou atrás, quero ver. Pelo caminho, entre o Executivo e a sala de professores, a gestora vai distribuindo horários.

Na sala dos professores, os professores vão pedindo e recebendo. Ouço um professor meu conhecido dizer: “Isto agora com as aulas de 90 minutos e supervenientes, agora, é a confusão total”. O horário dele “até é bom”. Mostra-mo, sem que eu lhe peça. Diz o gestor que também está na sala dos professores: “Há quem reclame dos bons horários”!

Volto ao Executivo. Está cheio de professores. Chega mais um professor e diz: “Não gosto do meu horário, posso reclamar”? “Podes”, diz uma gestora, “por escrito e dirigido à Presidente do Conselho Executivo”. Chegam mais professores. Continuam as “reclamações”. Ninguém mais fala em pôr as coisas por escrito. A gestora resolve alguns casos “informalmente”, diz ela. Procura-se um gestor via telefone. “Tem de ser, tens de

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vir cá”. Passado algum tempo chega o gestor, diz: “As gravidades são no hospital! o que é que foi? [...] vou tentar resolver o assunto”. Era por causa das “reclamações ... têm que se mudar algumas coisas ... Vê-la o que podes fazer”, diz a Presidente.

Entra uma professora. Fala dos “horários”. Faz elogios aos gestores pela distribuição feita. “Eu imagino o trabalho que isto não dá”, diz ela.

23/09/03

O Conselho Executivo está cheio de gente. Problemas vários. Uma professora utiliza o telefone para falar com outra professora. Trata-se de “fichas de alunos”, pelo que me é dado perceber. Pergunta uma professora a uma gestora: “Como é que vamos fazer isto? “Não te enerves, que ainda agora está a começar o dia. Logo ou amanhã resolvemos isto”, diz a gestora. “É isso, continua a dormir”, diz a professora. Ri-se para mim.

A gestora anda à volta das suas “fichas”. São muitas e ela controla aquilo tudo. Diz: “Às vezes não sei como consigo”. Está a resolver problemas de colocações de alunos nas turmas que estes pretendem. Diz: “Gosto de os ver felizes, só mesmo se não puder...”

Chega uma aluna, pretende trocar “física” por “química”. “Está bem, pode ser”, diz a gestora depois de consultar as fichas. “Tens de escrever um requerimento e entregá-lo na secretaria.” A aluna diz: “Um requerimento? Ah, já sei como se faz”! Vai embora, feliz.

Chega um gestor. Pergunta pela Presidente: “A X, onde está”? Responde a gestora: “Acho que fugiu para casa”. Responde o gestor: “Olha, também não era má ideia“. Estão na galhofa.

Um gestor, uma gestora e a Presidente (que entretanto aparece) estão no gabinete. “Vamos trabalhar”, diz o gestor. “Vamos”, diz a Presidente. Os gestores entram no gabinete presidencial. A Presidente diz-me: “É só um bocadinho, dás licença”? “Claro”. A Presidente fecha a porta do gabinete. Não consegui saber o que foram fazer. “Há segredos na gestão educacional”, penso. Toca o telefone, chegam professores, mando esperar e, pronto, não posso fazer nada. Vou embora.

06/10/03

O funcionário do parque de estacionamento colocou-me problemas para estacionar na escola. “A partir de Setembro, é preciso ter um selo, são ordens do Executivo”, disse-me. Eu expliquei que estava no Executivo, “a fazer um trabalho”. Acedeu. Estacionei.

No Executivo está a Presidente. Falo-lhe do problema do estacionamento. “Ó, não te preocupes com isso, eu falo com ele”, diz-me ela. “E, então, como vai o trabalho”? Pergunta. “Olha, vai andando, ainda estou na parte teórica da questão”. “É preciso ter coragem”! Diz ela. “Olha que estar aqui também não deve ser fácil”, digo eu. “Ó, pois não, mas eu até gosto sabes”? Entra um gestor. “Tu de que gostas, X”? Pergunta. “Tu o que é que tens a ver com isso”? “Tenho tudo a ver com isso...olha ninguém ligou para mim”? “Não”, diz a Presidente. “Aqueles gajos são lixados nunca mais me resolvem aquilo mas, eu, se for preciso, vou lá”! Diz o gestor. “Se calhar é melhor”, diz a Presidente”.

Entra um professor. Diz que passou só para “cumprimentar”. “Então, ainda por cá”? Pergunta-me. “É verdade”, respondo. “É que isto de ver os homens e as mulheres na gestão...”! Digo. “Bem, eu nem faço ideia do que é que tem para aí escrito”! Diz-me um gestor. “Eu depois mostro, mostro tudo direitinho”, respondo. “Bem, essa coisa dos homens e das mulheres já não é como dantes [...] agora até quem manda são as mulheres [...] então aqui na escola!”! Comenta o professor. “Pois, mas eu estou a ver aqui no Executivo”, avanço. “Ó, isso então...”! Diz o professor. “Ó, mas é a mesma coisa”! Acrescenta. “Olhe ali a X”! Aponta para a Presidente. Sorrisos.

A Presidente entra no seu gabinete. O gestor sai, o professor com ele. “Continuação de bom trabalho”, diz-me o professor. “Obrigada”! Respondo.

17/10/03

Um gestor e uma gestora trabalham em “listagens”. A gestora dita, o gestor escreve no computador. Gracejam. Chega um professor, coloca uma questão de faltas. “Tem de perguntar na secretaria”, diz o gestor. Vem uma professora. Quer convocar um Conselho de Turma. Mau comportamento dos alunos. Permitem-lhe convocar o Conselho. “Tem que assinar a convocatória que irá ser escrita, depois é assinada pela Presidente”, explica-lhe o gestor.

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Em cima da mesa onde trabalho há imensos documentos. Candidatura a horário superveniente/substituição; candidatura à vaga no Grupo 15. Horário do Grupo 7; requerimentos vários. Em todos se pede deferimento.

O gestor e a gestora estão a trabalhar nas candidaturas a horário superveniente. Há chamadas telefónicas a perguntar os resultados. Não podem de imediato dizer nada. O prazo acabou ontem mas as pessoas querem saber... não conseguem responder para já mas as solicitações são muitas. Estão, constantemente, a chegar faxes. O preenchimento da listagem continua. Os dois membros não fazem mais nada. Não vêem os faxes, dizem às pessoas para voltarem depois. É uma tarefa mecanicista, que precisa de ser feita com cuidado e que exige tempo. Diz a gestora: “Que voltem depois, hoje é dia de outras coisas. Depois vamos ter de conferir isto tudo”. “Tudo não”, diz o gestor, “só os primeiros, os que ficaram colocados”.

Chega um outro gestor. Começa a analisar um fax que lhe mandaram com orçamentos para a aquisição de bebedouros de fixação ao solo, percebo. “São caros”, diz ele. “Tenho de ver se consigo arranjar isto mais barato”, acrescenta. Hoje há de facto muito trabalho no Conselho Executivo.

04/06/04

Sexta-feira à tarde. Muito sossego. Está calor. Está cá a Presidente e um gestor. Falam amenamente. Chega uma professora e diz: “Já sei que estou morena e vermelha, mas eu é mesmo assim... basta um pouco de calor [...] bem, para a semana começam os exames essa é que é essa”. “Vai ser lindo”, diz o gestor. “Temos que nos preparar... a terceira idade não perdoa”! Acrescenta.

A escola está nomeada para os Óscares “Galardões da nossa Terra”, diz-me a Presidente “Tenho de ir... não queres ir por mim? Pergunta ela ao gestor. “Não, não posso”! Responde ele.

As secretárias estão bastante desarrumadas. Há papeis à solta. A presidente arruma, arquiva e dispõe segundo as pessoas a quem cabem as tarefas relativas aos documentos, percebo. “Há bastantes professores que estão a ser substituídos por outros nesta fase final do ano lectivo. Isto dá muito trabalho”, diz-me a Presidente.

Chega outra gestora do Executivo. Diz que tem muito trabalho e que quer trabalhar sozinha. Em grupo “dá mais canseira” e “nesta fase é melhor assim, porque senão não tenho tempo para responder às questões que me colocam”. Vai fazer sozinha, pelo menos agora, e depois “a X corrige”, diz.

Chega uma professora que veio substituir outra. Queixa-se: “A professora deixou tudo muito atrasado”. Não sabe como há-de fazer. A Presidente faz perguntas: “Como está a correr? Que elementos de avaliação é que os alunos têm”? E avisa: “É preciso ter cuidado... vêm aí os exames... faça da melhor forma”!

Há reuniões de departamentos... para as avaliações... e vigilância de testes em simultâneo... “Como é que eu faço”? Pergunta uma professora. A Presidente diz: “Vou resolver o assunto”. “As aulas terminam a 23 ou a 25”? Pergunta a professora. “Depende de como eles nos mandarem fazer”, diz uma gestora.

Um gestor está ao telefone. Barafusta: “Não há ninguém que queira responsabilidades? Quando se convocam as reuniões de delegados, o Sr. X nunca aparece, tem sempre muito que fazer, mas eu vou já ligar com ele...estou eu aqui toda a tarde e não faço mais nada... tem que ficar resolvido.” Diz, depois de desligar: “Eu vou-me demitir dos meus cargos [...] só me dão problemas”! Pergunta a outro gestor: “Não vais aos Óscares? Diz o outro: “F.., tenho que trabalhar no PRODEP [...] Olha queres vir lanchar? Anda lá... deixa o telefone...”

Novamente sossego no Executivo.

05/07/04

Grande movimentação no Executivo. Professores e gestores (alguns) no corredor. Pergunta-se, telefona-se, analisam-se documentos, brinca-se: “Tira-me uma fotografia com o teu telemóvel”, diz um gestor a uma professora. “Eu não tenho disso, julgas que o meu dinheiro é vadio”? “Ó, não te queixes”!

Cada um dos elementos do Executivo tem uma pasta própria, onde guardam “os seus papéis”. “Tu precisas disto, não é”? Pergunta um gestor a uma gestora. “É, é melhor tirar uma cópia, não”? “Está bem”!

Chega uma professora. Enganou-se numa formalidade num documento relativo a uma aluna. É uma questão de data, percebo. Diz um gestor: “Em vez de 05 (Maio) é 06 (Junho) mas acho que se muda bem 15 para 16 sem estar a fazer tudo outra vez”. “Está bem, obrigado” responde a professora.

Hoje o Conselho Executivo vai fechar às 22H pela primeira vez este ano. Tem havido muito trabalho. “Não pode ser, a partir das 22 acabou, não fica cá ninguém”! Diz um gestor. Acabaram de trazer as Agendas Culturais. Há distribuição por todos os presentes. As restantes ficam na secretária da Presidente.

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De repente tudo acalmou. “Como se chama aquela colega nova”? Pergunta um gestor. Confere o nome. “É preciso chamá-la ao Executivo para preencher a papelada”, acrescenta.

Chega uma funcionária da secretaria. Livros de termos. Fichas mal tratadas. Há que “reformular coisas”, diz a funcionária. “É preciso que os Srs. Professores tenham cuidado com estas coisas”, diz ela e acrescenta: “Ó Sr. Professor, trata-me disso, por favor”? “Trato, trato, do que é que eu não trato nesta casa”! Responde um gestor. Risos.

Fiquei sozinha com um gestor. Ele comenta o jogo Portugal/Grécia: “Correu mal mas paciência”! Faz uma chamada. “Como estão as classificações? [...] De todos os grupos? [...] E já temos material para os outros? [...] É o X que faz? [...]. As perguntas sucedem-se: “Para amanhã não há nada, pois não? [...]. É pena”! Chega uma professora e diz: “Para amanhã, há, há práticas e orais, amanhã tenho de ir ao cofre, mas eu acho que sei como se faz...”. Um gestor diz: ”Vamos confirmar para ver se isso dá”. Experimentam. Dá. São testes de Exames Nacionais. “Quem vem contigo amanhã”? Pergunta o gestor. “É a X. Será que ela tem chave deste gabinete”? Pergunta o gestor. “Não te preocupes”, diz a professora, “ela entra comigo”.

Um gestor liga ao X. Diz quem é e pergunta: “Podemos pagar o concerto até ao final do ano? [...] Fora de questão [...] Claro [...]. Vou ter de ver isto”! É o que ouço. Mal desliga, atende um outro telefone que toca: “Não está não, foi lanchar, até já”. Era uma gestora a dizer que estava lá em cima à espera de alguém do Executivo. Trabalha-se muito, até fora do Executivo!

Um gestor diz à gestora que “estava lá em cima” e que acaba de chegar: “Eu amanhã, há exames, mas não preciso de vir às 8h30 porque a professora X sabe movimentar-se aqui”. “Está bem, tu é que sabes”, diz a gestora. “Está a ficar na hora” diz o gestor, “São 6 horas [...] pois é, vou embora...espera aí, pois é...”. Senta-se em frente ao computador... “É só mais esta coisita”!

07/10/04

Vou pedir à Presidente para falar com ela. Ela está ocupada. Fala com um “técnico” (pelo fato de trabalho), de pé, entre a entrada do seu gabinete e este próprio gabinete. Isto a bem dizer é só um gabinete, desde que a porta fronteiriça esteja aberta! A Presidente recebe-me, de porta aberta. Explico-lhe o que estou a fazer em termos de “trabalho empírico” [...] “as opções metodológicas” [...] “o texto é para ser lido pelo Executivo” [...] gostava que comentassem [...]. Ela ouviu-me atentamente. “Está bem”! Disse-me.

No Executivo está um frenesim de gente. O técnico está agora no gabinete presidencial. Vejo-o, de costas. Está a arranjar qualquer coisa.

“Esta coisa das colocações tem sido um martírio”, ouço uma professora dizer. “E aqui como é que está”? Pergunto à Presidente. “Ó, está bem, está tudo mais calmo [...] sabes que também nesta escola [...] há para aí gente ainda nos sindicatos [...] outros não sei onde [...] mas ...

Digo à Presidente: “X, o funcionário do parque de estacionamento pôs-me problemas, por causa do estacionamento, diz que a partir de Setembro só com selo [...], ficou com a matrícula, disse-me que saía às 6 e para eu falar com ele...”. “Não te preocupes, diz-lhe que falaste comigo e que está tudo bem”. É o que vou fazer!

Em cima da mesa, mesmo à minha frente, está uma informação da Federação X relativo à “Colocação de Docentes: Ano Escolar 200472005. Leio e transcrevo:

Não há memória de semelhante caos na abertura do ano lectivo

Aconteceu o que a Federação X temia: um ano lectivo de 2004/2005 marcado pela instabilidade, porque no dia oficial da sua abertura, imposto pelo Ministério da Educação

(Milhares de professores ficaram por colocar;

(Milhares de alunos tiveram de ficar em casa;

(Milhares de famílias não se puderam organizar com serenidade e atempadamente;

(Milhares de escolas não abriram as suas portas.

E quando se normalizará a vida das escolas em Portugal?

Não se sabe, pois o Ministério da Educação tem adiado sucessivamente os prazos de publicação das listas de colocação de mais de 50.000 professores.

Nova data foi anunciada. Todos temos o direito de duvidar.

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A Federação X, acompanhando atentamente todo este processo, alertou desde a primeira hora os responsáveis do Ministério da Educação para os prejuízos evidentes e dificilmente ultrapassáveis, a reflectirem-se no arranque do ano lectivo. E pior não poderia Ter sido porque:

(Os professores não puderam planificar devidamente as actividades que dão corpo ao desenvolvimento de projectos Educativos que desconhecem;

(Os professores desconhecem o contexto educativo onde vão trabalhar;

(Os professores desconhecem os alunos com quem vão trabalhar, os seus percursos escolares e as suas dificuldades de aprendizagem;

(Os professores não podem organizar a sua vida pessoal e familiar, de modo a dirigirem, serenamente, todas as suas energias para um momento crucial do ano lectivo;

(Os alunos vão ser prejudicados no seu processo de aprendizagem às disciplinas a que não têm professor;

(As escolas não vivem um clima de estabilidade e tranquilidade, essenciais à promoção do sucesso educativo;

(As famílias não se podem organizar, de modo a criar um ambiente sereno, essencial ao quotidiano das crianças e dos jovens.

A Federação X entende que é inaceitável que os responsáveis do Ministério da Educação não tenham sido capazes de evitar a situação de instabilidade e o caos que marcaram o início deste ano lectivo e

EXIGE que o apuramento de responsabilidades sobre tudo o que aconteceu no processso de concursos seja feito tão extensamente e tão rapidamente quanto posssível;

ESTÁ DISPONÍVEL para iniciar desde já um processo responsável de revisão da legislação reguladora dos concursos;

CONSIDERA ESSENCIAL introduzir uma marca de estabilidade no sistema educativo e isto só é possível com o correcto dimensionamento dos quadros das escolas e agrupamentos em termos de professores, técnicos superiores, administrativos e auxiliares de educação.

08/10/04

Problemas de “Direcção de turma” são discutidos no Executivo, percebo.

Uma professora fala com a Presidente. “Como é que eu vou fazer isto? [...] Não há nenhuma norma”? “Não, não há”, diz a Presidente e acrescenta: “O que não podes é ficar com meia turma”!

Diz um gestor: “Numa escola que tem 99% de horários bons, eles só têm é de estar calados”. “As pessoas, às vezes, queixam-se com muita facilidade”, diz a Presidente, “Nós aqui fazemos muitas concessões [...] para fazer mestrados e assim [...], acrescenta. “Antes, a grande luta do X, foi acabar com as aulas ao Sábado”, diz o gestor, “agora não só não querem aulas ao Sábado como ainda querem um outro dia livre na semana”, explica-me. E acrescenta: “Mas também há gente que passa aqui muito tempo, alguns até já aconteceu de ficar aqui fechados”!

Entra uma professora: “Ficar fechada, já eu fiquei, tiveram de vir do Executivo, abrir-me a porta [...] O que me valeu é que tinha o nº de telemóvel do X e liguei-lhe”.

Diz um gestor: “Tenho de falar com o X [...] por causa dos programas, dos termos [...] e isso tudo [...] tenho que lhe dar”. “Se quiseres eu posso ajudar”, diz a professora.

Chega outra professora: “Já está o meu novo horário”? “Já, já está há para aí dois dias”, diz o gestor. “Ah, mas é que mo mudaram outra vez”, diz a professora. “Espere aí, vou ver”, diz o gestor. Vê e dá um print à professora. “É isto”? Ela vê e diz: “É, obrigado”.

Chega um professor. Quer saber como fazer para pedir “acumulação”. “Também estou a dar aulas numa escola profissional”, diz. “Acumulação”? É o gestor que pergunta e diz: “Quem trata disso não está cá, só Segunda-feira [...], espere a não ser que esteja por aí uma colega que também pode tratar de ver isso. “Eu venho cá na Segunda”, diz o professor.

O gestor faz uma chamada: “[...] Os homens ainda não vieram fazer a casa de banho para a menina deficiente [...] e olhe, ainda lhe digo mais, ela para não incomodar ninguém anda de fraldas [...] veja lá, vocês

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têm de me tratar disto com urgência”. Desliga. “É que as casas de banho não têm condições para deficientes”, diz. “Isso é prioritário, e já há mais de duas semanas que devia estar resolvido”, diz outro gestor. “Há coisas que têm de ser vistas nos seguintes termos”, explica um dos gestores e resume: “Empresa por empresa, para ver quem faz os melhores preços [...] a gente vai chamá-lo cá e dizer ‘Olhe as condições são estas, consegue fazer?’”

Entra um homem. Diz um gestor: “Ó, X, como é? Temos de ir às camisas, pá”! “Pois temos, prá semana...”, diz o X.

Foram todos para o gabinete da Presidente. Chega uma funcionária, pergunta-me: “Há reunião”? “Não, parece que há para ali um problema”, digo. “Ah deve ser por isso...”. E mais não diz. “Há muita gente que durante muito tempo andou a ganhar dinheiro com isto! Isto vai mudar”, ouço um gestor dizer.

Voltaram todos para aqui. Entra um professor. Quer “marcar uma sala para a reunião do Conselho de turma”. Um gestor indica-lhe várias, o professor pode escolher. Peço a um gestor se posso tirar fotocópia de uma fotocópia de um documento que está em cima da mesa, à minha frente. “Quer uma fotocópia”? “Queria”! “Ó X, tiras aqui uma fotocópia se faz favor”? “Está bem, já vai”.

A mesa do Conselho Executivo está cheia de papéis, recados, memorandos, horários, listagens, requisições, disquetes... Olho à volta: 2 telefones, 2 computadores, fax, impressora. Um gestor está num computador. Recebo uma chamada. Atendo. Peço desculpa pelo facto mas “pensei que tinha o telemóvel no silêncio e até estava não sei porque é que isto tocou”!. Diz o gestor: “Ó, agora as máquinas não assumem”!

A Presidente tem convites e pergunta se alguém quer ir à (?). “Quero eu”, diz um gestor. Um convite fica entregue. “Olha”, diz a Presidente, “vê aí o horário...”, no computador. É uma professora que quer saber. O gestor diz-lhe o horário. “Já agora diga-me qual é a sala”. O gestor diz qual é. “Então”, diz a professora, “à partida, Quarta-feira já há aulas”. Pois... Explica-me a Presidente que a professora “vem substituir uma professora que teve um acidente doméstico”. Comentam o facto: “Porra”!

Entra uma professora, pede o horário de outra professora. Diz: “É que tenho de falar com ela com urgência”.

Chega um professor de Educação Física. Este professor anda sempre muito por cá. Cumprimenta. Diz: “Só venho deixar aqui algumas anotações [...] para vocês verem a flexibilidade [...]. Entra para o gabinete da Presidente. Começa a ditar nomes de alunos à Presidente. “Está tudo bem”? Pergunta e acrescenta: “Vou marcar uma reunião com os pais, dia 21, O.K”? Trocam-se bons fins-de-semana.

Chega um homem. Cumprimenta. Entra no gabinete da Presidente e fecha a porta. Chega um professor com uma saquinha cheia de chaves. Confere as chaves com um gestor. O homem sai do gabinete da Presidente. Despede-se com um aceno e sai.

Um gestor diz a uma funcionária que entra. “Olhe será que me pode ir ali à farmácia e ao quiosque”? Explica calmamente o que quer. “Está bem senhor professor”, diz a funcionária.

Chega um professor. Traz uma factura. Diz: “O homem queria que eu assinasse isto, eu disse-lhe, Ó, senhor!, eu dou o corpo, dou o carro mas não dou o dinheiro”. Começam a analisar a factura. “Deixa ficar, depois vemos isto”, diz um gestor.

Chega uma professora. Conhecemo-nos. Beijinhos. Fico surpreendida por a ver aqui ela fica surpreendida por me ver aqui. “Estás aqui”? “Estou, a fazer o trabalho empírico”. “Já há algum tempo”, diz um gestor. “Ai é? Que engraçado...”. “Tu há quinze dias não sabias onde ias parar”! Digo-lhe eu. “É verdade! Tu já viste a minha sorte? Já falamos....”.

Expõe ao gestor o seu problema. É por causa dos alunos do Ensino Recorrente. Tem muitos, de idades diferentes, em diferentes unidades. “Chegaram-me 4 ou 5 à sala, eu perguntei, vocês em que unidades estão”? Explica ela ao gestor. “Em nenhuma”, diz ela que estes responderam. E continua: “Não pode ser, a sala é pequena, não tenho condições para os ter lá, ainda se estivessem sossegados”! “Temos de ver isso”, diz o gestor. “Eles dizem que estão no seu direito”, diz a professora. E que já é hábito fazer isso...mas perturbam muito”. “Se é hábito, se calhar vai ter de deixar de ser, veja lá a melhor maneira, fale com eles”. “Está bem, eu vou ver”, diz a professora.

Recomeçamos a falar: “Tu já viste, estou mesmo contente, ter ficado aqui [...]. Estou a acabar o mestrado [...]. Tenho de ver se entrego aquilo [...]”. “Tens um bom horário”? Pergunto. “Graças a Deus”, responde. “Graças a Deus e à gestão desta escola”, diz o gestor. “Pois é”, diz ela. Ficamos de entrar em contacto.

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Nota18.

22/10/04

Entro no Executivo. Cumprimento. Pergunto pela Presidente. “Está ocupada” diz-me um gestor. A porta do gabinete presidencial está fechada. Sento-me. A Presidente sai do gabinete com um casal. “Ficamos assim...para qualquer coisa mais...fiquem à vontade”, diz. O casal (pai e mãe de uma aluna, percebo) agradece. Falo com a Presidente no seu gabinete. Mostro-lhe “o texto da minha reportagem” no Executivo até à data de 08/10/04. Digo-lhe o que pretendo: uma leitura do texto, um breve comentário ao mesmo. Deixo ficar cinco exemplares do texto e sete fichas para que todos os membros do Executivo se possam pronunciar. “Está bem, para quando é que precisas disto”? Pergunta. “Logo que possa ser”, digo, “é que eu também gostava de mostrar o texto aos outros membros do antigo mandato, eles costumam passar por cá”? “Às vezes vêm ... uns mais que outros ... mas vêm“. “Posso deixar ficar um exemplar para eles ou achas que é melhor contactar pessoalmente? ... Não tenho os contactos ...”. “Eu posso dar-te os contactos” diz-me a Presidente enquanto folheia uma agenda grande. Vai dizendo: antigo Presidente (telemóvel); antigo Assessor (número de casa); antiga Assessora (número de casa). Digo: “Passo por cá lá para o fim do mês, pode ser? Ou será melhor telefonar antes de vir”? “É melhor é” diz-me a Presidente e acrescenta: “Agora vou passar isto pelos colegas”! Agradecimentos. Beijinhos. Desejos de um bom trabalho.

Cá fora, na sala anexa ao gabinete presidencial estão dois gestores e uma gestora. Explico o que expliquei à Presidente no que respeita o “comentário”. “Está bem colega...mas olhe que isto está mau em termos de tempo...”. É um gestor que fala.

Transcrevo parte de uma notícia de um diário da cidade:

Conheça a escola que o seu filho frequenta

Estabilidade e dedicação são chave do sucesso na XXY

Nos últimos anos, a escola Secundária XXY, em [...] Braga, tem subido no ranking das melhores escolas, numa tabela que é elaborada a partir de resultados das classificações finais e dos exames nacionais do 12º ano.

Este ano, a XXY ficou colocada no 26º lugar, conseguindo bons resultados em disciplinas como “Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social”. Nesta disciplina, a XXY teve uma média de 14,8 valores.

Um corpo docente estável e a dedicação de professores, alunos e funcionários é a chave do sucesso. “Há a preocupação em cumprir as tarefas escolares mas também de dar aos alunos as condições para que se sintam bem na escola”, refere a presidente do conselho executivo. X nota [...] “De uma maneira geral, os nossos alunos têm perspectivas altas”.

A XXY é uma escola com muita tradição na cidade. “A maioria dos professores está cá há muitos anos e são poucos aqueles que depois de cá chegarem querem sair”, refere X. “Quando nos sentimos bem numa casa, quando colaboramos para que ela se mantenha de pé, os resultados aparecem”, nota [...].

27/10/04

Transcrevo parte de uma notícia de um diário da cidade:

XXY: alunos vendem produtos de empresas da Freguesia X

A turma X da Secundária XXY procedeu ontem, no Bar dos Alunos, à venda de produtos de algumas empresas da freguesia X. A iniciativa marcou o encerramento da exposição “Actividades Económicas de X –

18 A partir de Outubro de 2004 a “reportagem escrita” não foi, no Conselho Executivo, feita a partir da observação directa e simultânea transcrição dos discursos. Resulta, antes, de uma reescrita nossa efectuada logo após os acontecimentos e com base em “notas discursivas de análise”, breves apontamentos.

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passado e presente” que esteve patente desde Setembro e na qual participaram alguns dos mais representativos estabelecimentos comerciais locais.

01/11/04

Estão cá todos os do Executivo. Quando entro sorriem. Percebo que já leram o texto. Cumprimento. “Ainda não fizemos o comentário”, diz-me a Presidente, “não deu”. “Ninguém fez”? Acenam-me que não. Diz-me um Vice-presidente: “Eu já li o texto e tenho uma coisa a dizer: é melhor tirar aquele palavrão ... eu não estou a dizer que fui eu que disse aquilo” (ri-se). Respondo: “O que foi dito foi dito”. “Tire lá isso menina ... fica mal ... numa tese”!

A Presidente entra no seu gabinete, entro com ela. “É o que eu te digo ... isto está complicado ... mas já li ...”. “E então”? “Eu acho que não era preciso pores os X, todos sabem quem é quem naquele texto. “Pois, mas é só aqui e isto vai ser lido por pessoas que não sabem quem são os X. Respondo. “Em Braga, mesmo, as pessoas conhecem-nos”, diz a Presidente. “Bem, eu só quis manter a confidencialidade e foi assim que o consegui”, respondo. “Pronto, mas olha ... isto está complicado”. “Eu compreendo, mas é que eu gostava mesmo de ter o comentário, uma coisa simples, nem que fosse feita em grupo”, sugiro. “Isso não dá ... tínhamos de marcar uma reunião ... nesta altura”. “Claro, é complicado, eu compreendo ... mas olha fazemos assim: eu vou passando por cá ou telefono-te se não te importares ... lá para o fim do mês”? Diz a Presidente: “É isso, assim escusas de vir em vão ... espera vou dar-te o número de telemóvel, é mais fácil assim”. Registo o número na minha agenda. Agradecimentos. Beijinhos. Desejos de um bom trabalho.

15/11/04

Ligo para casa do assessor e da assessora do antigo mandato. Ninguém atende. Ligo ao antigo Presidente. Atende. Digo quem sou, reconhece-me, explico o motivo da chamada: uma outra colaboração. “Esteja à vontade ... Quando? ... Quinta-feira? ... Pode ser? ... De manhã? Nove horas? ... Onde”? Marcamos encontro.

Telefono à Presidente do Conselho Executivo. Sim, já tinha escrito o comentário. Vou à escola. No Conselho Executivo está a Presidente e uma assessora. “Olá”, “Olá”, “Olá”! Diz-me a Presidente: “Olha eu escrevi uma coisa muito pequenina”! “Não faz mal”. Respondo. “E os outros colegas, entregaram alguma coisa”? Pergunto. “Não, acho que não ...deixa ver (vê numa gaveta) ... não”. Agradeço à Presidente.

Cá fora estão os dois Vice-presidentes e uma assessora. Olham para mim com cara de quem não fez o TPC. “Nada para mim”? Pergunto. “Não consegui fazer isso colega ... não consegui mesmo”, diz um. “Vamos tomar um café”? Pergunta o outro. Vamos.

Transcrevo o “Comentário da Presidente” patente na “Ficha” que, para o efeito, lhe foi apresentada:

CONFIDENCIAL

Solicito, de novo, e agradeço de antemão, a colaboração do Conselho Executivo.

Pretende-se um breve comentário ao texto, tendo em conta os “discursos”, as “práticas” e os “poderes” dos homens e das mulheres em contexto de gestão escolar.

Por favor, assinale com cruz

1) É membro de gestão, ou foi, do Conselho Executivo, exercendo a função de:

Função Exerce a Função Exerceu a Função Presidente X X Gestora Gestor

Comentário:

Pela leitura do texto parece-me que se identifica a escola. Notam-se algumas diferenças nos discursos, no caso dos homens é mais agressivo, sendo desnecessária a transcrição dos termos menos próprios (palavrões). Quanto à forma como o poder é exercido, não me parece que haja diferenças significativas.

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18/11/04

Nove horas, Café X. “Para quando precisa que lhe faça este comentario? Pergunta-me o antigo Presidente. “Para quando puder e se não se importar”, respondo. “Para a semana, para a semana está bem”? “Claro que está”!

A meu pedido, o antigo Presidente fala das relações da escola XXY com...

Reporto:

“Sempre mantivemos boas relações com o ambiente externo, as melhores, com a Câmara Municipal, com os empreiteiros ...com o Tribunal... e aí até por causa de coisas problemáticas (roubos na escola, agressões entre alunos) ... com os pais, também, estes até colaboram nas iniciativas da escola a ‘pedido’ do executivo ... as melhores relações também com as outras escolas ... com parcerias ... iniciativas conjuntas ... jantares”.

“E com o Ministério”? Pergunto.

“Com o ministério, também, mas aí há mais tensões ... por causa das verbas. Os Conselhos Executivos das escolas de Braga estiveram, uma altura, quase todos para se demitir. Fomos para lá todos ... para a DREN ... e o que é certo é que conseguimos o que queríamos. Na nossa escola o que vale, sobretudo, é a ajuda dos professores e da comunidade, veja-se que todo aquele alcatroamento que lá está foi feito à custa da escola e com o empenho que alguns professores da escola colocaram nisso”.

“Então o 115, com a ênfase que coloca na participação da comunidade ...” (não acabo a suposta pergunta). O antigo Presidente diz:

“O 115 é muito bonito mas é inviável, tem muitas incongruências. O facto é que as pessoas, por uma questão de responsabilidade, cumprem mas estão sempre a manifestar-se contra até porque às vezes não sabem como devem cumprir. Eu sei que há professores na minha escola que nunca leram o 115. Com o 115, os conflitos entre o Executivo e os outros professores acentuaram-se. Com a relação vertical imposta dificultaram-se as relações pessoais sobretudo com alguns grupos de professores. Houve “inimizades” mas também houve apoios perante a resolução de problemas concretos”.

“Na gestão executiva, pode-se contrariar o normativo”? Pergunto.

“Pode, os professores e outros actores, quando chegam ao executivo, tanto podem bater a uma porta que se abre como a uma porta que se fecha. Eu abro a porta a quem me procura mas não alinho em ilegalidades de má fé. Nas reuniões do Executivo eu levava muita porrada. Se tinha argumentos para me defender, defendia-me, se não tinha acatava as decisões dos outros. As reuniões eram normalmente pacíficas mas se tivesse de haver bulhas, havia. E a questão das bulhas, normalmente, era por causa das ilegalidades ... o que eu passei, por exemplo, por causa de uma conta paralela à do orçamento da escola, o que era uma coisa extremamente ilegal e com a qual se acabou felizmente. Fazem-se muitos ‘jeitos’ nas escolas, alguns são feitos pelos gestores, e de “boa fé”, outros escapam-lhes porque são feitos por grupos de professores, por exemplo, que defendem os seus próprios interesses numa lógica corporativista. Para além disso, há pessoas, nos grupos com muito carisma, há pessoas que respeitam a liderança formal e outras que não, os líderes informais têm muito peso, estabelecem objectivos e estratégias próprias. É preciso que os gestores e as gestoras se apercebam disto tudo e saibam como agir. É muito complicado ... já tem havido até processos disciplinares aplicados aos professores por parte do Executivo”.

23/11/04

Transcrevo uma notícia de um diário da cidade:

Pais da XXY elegem órgãos directivos

“A Associação de Pais da Escola XXY reúne-se na próxima Sexta-feira, pelas 18, em Assembleia Geral para eleger os órgãos directivos para o biénio 200/2006.

Na ordem do dia vai estar também a discussão e aprovação do relatório de actividades e contas referentes ao exercício 2003/2004”.

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28/11/04

Transcrevo o “Comentário do Antigo Presidente” patente na “Ficha” que, para o efeito, lhe foi apresentada:

Comentário:

O documento que me é proposto comentar visa, segundo a autora, elaborar uma “narração da gestão” escolar, em que se pretende, e passo a citar: ter em conta os “discursos”, as “práticas”, e os “poderes” dos homens e das mulheres em contexto de gestão escolar” (fim de citação).

Em face do referido documento parece-me, de imediato, poder dizer-se que os períodos correspondentes a três mandatos, em que assumi as funções de Presidente do Conselho Executivo, se pautaram por uma horizontalidade marcante entre os diversos actores escolares – professores, alunos e funcionários – e, muito particularmente, entre os elementos constituintes dos poderes político-administrativos da escola: a Assembleia de Escola e os Conselhos Executivo e Administrativo. Por outro lado, será de referir que me parece poder afirmar que o citado documento ressalta, igualmente, a preocupação inabalável de corresponder e actuar com rigor face às normativas emergentes que a verticalidade hierárquica naturalmente impõe.

Sempre procurei laços de relações institucionais “abertos” em que intervieram actores intra e extra escolares com responsabilidades no processo educativo, numa perseguição permanente de levar a Escola ao Meio, em que homens e mulheres actuaram, indiferentemente, nos locais e cargos para que se lhe reconheciam conhecimentos e competências.

No que mais directamente concerne ao órgão executivo da Escola, será de referir que todas as decisões sempre foram tomadas colegialmente, em que homens e mulheres tiveram “o mesmo peso e a mesma medida” diante da complexidade sempre presente no momento de se definir o trajecto e rumos a seguir.

Penso que a autora, na “narração da gestão” apresentada captou com rigor, inteligência e perspicácia todos estes aspectos, em que fez ressaltar com particular mestria, o pormenor, a acutilância e a equidade das práticas pedagógicas e relacionais que sempre nortearam a actuação dos Conselhos Executivos a que presidi. Pelo menos, assim o creio.

10/01/05

Depoimento nº. 10: Professor.

“As pessoas que estão no Conselho Executivo estão lá essencialmente para isto: têm de gerir da melhor forma, assim como um professor ou uma professora têm de dar aulas da melhor forma. É uma obrigação pessoal e profissional quer se seja homem ou mulher”.

25/01/05

Transcrevo parte de duas notícias de um diário da cidade:

1)

XXY assinalou Dia do Patrono

Escola quer ter museu mas carece de apoios

A Escola XXY tem um projecto para instalar um museu na instituição, onde possa reunir todos os objectos e materiais, incluindo peças do século XIX, que relatam o historial do estabelecimento de ensino, que conta já com um século de vida.

“A escola tem um espaço, situado no sótão, que foi remodelado o ano passado, no qual pensamos instalar o museu da escola. O projecto está elaborado, a área é bastante ampla e excelente para acolher, preservar e conservar todo o material do futuro museu” revelou, ao Jornal X, a presidente do conselho executivo da XXY.

Contudo, a escola carece de apoios para levar este projecto avante. “Temos um óptimo espaço, faltando unicamente, para que o projecto se concretize, adquirir o mobiliário para acondicionar o material, bem como recuperar outro tanto que, por estar arrumado num espaço sem condições está lago degradado"” disse X, à margem das comemorações do Dia da Escola.

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A Escola, disse, “está a pensar desenvolver parcerias com algumas instituições da cidade no sentido de obter apoios que permitam a concretização deste nosso objectivo”.

Apesar de ser um projecto “a médio prazo e de a tarefa não ser fácil”, X acredita que seja possível, em 2006, abrir à comunidade, no dia da Escola (22 de Janeiro), o ‘sonhado’ museu, completamente organizado e pronto”.

Salas não têm aquecimento

E como “não há rosas sem espinhos”, a presidente do conselho executivo, lamenta o facto de a escola não possuir aquecimento nas salas. “Esta semana já sei que se vai falar muito nisso (ventos polares, vaga de frio) porque algumas salas são frias” diz, reconhecendo que [...] o ministério não tem verbas”.

Além desta, X tem outra preocupação que se prende com o estado do pavilhão gimnodesportivo, uma vez que “a cobertura do pavilhão não estará em boas condições, mas a situação já é do conhecimento da tutela, que está a pensar fazer algumas obras”.

Aparte estas dificuldades, o estabelecimento assinalou ontem o Dia da Escola/Dia do Patrono, com um programa repleto de actividades [...].

2)

A Associação de Estudantes da Escola XXY projecta fazer um directo semanal na rádio

X, aluno do 12ª ano, é o presidente da Associação de Estudantes da Escola Secundária XXY, cargo que assumiu este ano lectivo, embora este seja o terceiro ano que a integra.

O projecto “mais ambicioso” da Associação é, neste momento, “conseguir assinar um protocolo com a Rádio X, Braga, onde todas as semanas, em princípio irá ter um directo com a emissora, aproveitando o facto de existir um estúdio e um projecto de rádio na escola”, explicou X, após ter sido substituído no jogo de futebol de 5: XXY vs reclusos do Estabelecimento Prisional de Braga.

Este é um sonho que, desde o ano passado, norteia os desejos da Associação de Estudantes. “É um projecto muito cobiçado pela nossa Associação, já desde o ano passado”, conta, referindo que “o professor X, ex-presidente da escola, tem ajudado muito neste plano. Este ano sentimos que o projecto está a ir para a frente e, por isso mesmo, temos investido mais na rádio e temo-nos preocupado mais com a rádio”.

Por isso, “para que estejamos no AR, só nos falta instalar uma rede RDIS, que funciona como nos estádios de futebol. Precisamos de ter essa rede na escola. Já temos verbas para esse fim. A Associação, felizmente, está bem de verbas e o processo está a avançar”, garantiu o dirigente estudantil.

A concluir, X, com ar de satisfação, disse que a Associação que preside “é uma Associação de sucesso, uma vez que tem conseguido realizar todos os objectivos”.

27/01/05

Depoimento nº. 11: Professor.

“Tanto os homens como as mulheres do Conselho Executivo desta escola têm demonstrado grande disponibilidade para o cargo e gostam do poder que o cargo lhes confere. Eu pessoalmente acho bem. A gestão das escolas deve ser feita por pessoas que gostem do que fazem e que lá estão para o bom funcionamento do colectivo mesmo que nem sempre o consigam”.

04/02/05

Depoimento nº. 12: Professora.

“Há muitos anos que sou professora. Na primeira escola em que fui colocada havia uma directora, uma pessoa excelente, depois tanto tive a oportunidade de ver homens e mulheres na gestão do Conselho Directivo. Homens, regra geral, como Presidentes, mulheres como Vice-presidentes. Uma regra que, penso, se tem vindo a alterar, conheço muitas mulheres Presidentes de Conselhos Directivos, agora, Conselhos Executivos. Não penso que a questão do poder dos homens e do poder das mulheres, nas escolas, possa fazer sentido durante muito mais tempo”.

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04/03/05

Depoimento nº. 13: Professor.

“Eu penso que o mais importante na direcção de uma escola é saber juntar as forças mesmo que elas sejam antagónicas. No Conselho Executivo desta escola parece-me que se faz isso muito bem, entre homens e mulheres. Aquilo funciona em bloco”.

05/06/05

Transcrevo parte de uma notícia de um diário da cidade:

Galardões “A Nossa Terra” premiaram saber, empreendedorismo e solidariedade

Realizou-se, anteontem, no auditório do Parque de Exposições X, a VIII Edição da Gala para a entrga dos Galardões “A Nossa terra”, num espectáculo que, apesar de ser totalmente produzido em Braga, procurou mostrar raízes culturais de vários países e continentes. Quanto aos premiados, o saber, o empreendedorismo, individual e colectivo e a solidariedade foram reconhecidos pelo júri e pelo público de Braga [...].

A Escola XXY arecadou o galardão de “Entidade Área de Ensino”.

16/06/05

Transcrevo uma notícia de um diário da cidade:

Secundária XXY evocou o acontecimento

Auschwitz: maior crime contra a humanidade decorreu há 60 anos

A comunidade educativa da Escola Secundária XXY assinalou, ontem, o 60º Aniversário da Libertação de Auschwitz. Na cerimónia evocativa esteve presente, entre outras individualidades, o Embaixador de Israel em Portugal, que, dirigindo-se aos alunos, sustentou que todos devem saber que o que aconteceu “foi errado e não pode voltar a repetir-se”.

Foi desta forma que o Embaixador de Israel em Portugal, X, se dirigiu á comunidade educativa da Escola Secundária XXY, em Braga [...]. Libertação de Auschwitz, o maior e mais horrendo campo de concentração, onde morreram milhares de judeus.

A evocação da data, foi assinalada com a plantação de uma oliveira – símbolo da paz, tolerância e sabedoria – e pelo descerramento de uma pedra granítica e placa alusiva ao acontecimento [...] com inscrição de uma canção de embalar iídiche, a comunidade escolar pretendeu despertar consciências para o momento histórico da libertação de seres humanos indefesos, “tatuados” com um número no braço, designados por “inferiores” em todas as dimensões da sua existência [...].

Integrado ainda nesta iniciativa, alunos do Ensino Nocturno da Secundária XXY, procederam, pelas 20H 25, à leitura de pensamentos de Anne Frank e de artigos da Declaração dos Direitos do Homem.

23/06/05

Estou na escola. Marquei encontro com um professor e uma professora para realizar um face a face. Chegam juntos, à hora marcada à sala dos professores. Ocupamos uma mesa. Relembro as problemáticas de discussão: “Diálogos sobre a gestão do Conselho Executivo da escola XXY”; - “a especificidade ou não especificidade das formas de gestão feminina e/ou gestão masculina no Conselho Executivo”; - “as relações de poder entre homens e mulheres na gestão do Conselho Executivo”.

Transcrevo:

Professor – Bem, quem começa?

Professora – Por onde quer que comecemos?

Investigadora – Deixo ao vosso critério, é como quiserem!

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Prof. – Bem, eu estive a pensar neste diálogo e vou dizer algumas coisas que não sei se a minha colega vai concordar ou não ...

Profª. – Logo se vê! Isto é um bocado complicado...

Prof. – Eu não sei se lhe chame complicado ... eu tenho uma opinião formada ... é assim ... acho que esta questão das mulheres e dos homens já está um bocado ultrapassada, não muito mas está ... as mentalidades estão a mudar ...

Profª. – Mas essa mudança é relativa ...

Prof. – Espera deixa-me só acabar a ideia ... quer se queira quer não, isto tem vindo a mudar ... as mulheres têm cada vez mais acesso a tudo, desde que queiram!

Profª. – Desde que queiram não, desde que possam! Continua a haver uma repartição muito desequilibrada entre as possibilidades dos homens e as possibilidades das mulheres. Não se consegue ser super-mulher em tudo, na família, com os filhos, no trabalho, etc...

Prof. – Sim é certo, é o que eu quero dizer! Desde que queiram as mulheres mas também os homens, os homens têm de colaborar para que a mudança de atitudes faça sentido, senão não vale a pena...

Profª. – Aí está! As mulheres até podem ser iguais no trabalho, mas a questão de fundo continua por resolver, não se consegue ser igual no trabalho sem ser igual na família ...

Prof. – Tens razão! Eu aliás sou apologista da repartição de tarefas na família e até acho que muitas mulheres para terem sucesso no trabalho ainda têm de deixar muitas coisas de lado. E, normalmente deixam de lado a família, pura e simplesmente deixam de constituir família, de ter filhos ... é uma opção...

Investigadora – E aqui na escola?

Profª. – Aqui na escola é igual. Muitas das colegas queixam-se de que os maridos não as ajudam ...

Prof. – Sim , sim, mas outras não têm razão de queixa ... eu bem vejo ... os maridos a colaborar...

Investigadora – E no Executivo?

Prof. – No Executivo só lá está quem quer ... indo ao que nos traz aqui ... eu também acho que esta questão das mulheres e dos homens serem diferentes na gestão também tem de ser ultrapassada. Porque mesmo que sejam diferentes ... basta de carregar na tecla da diferença em relação às pessoas que fazem as mesmas coisas ... independentemente dos constrangimentos ...

Profª. – Aí concordo. Vai para lá quem quer, ninguém é obrigado, mas olha que também só vai para lá quem pode. É o caso da X. Aquilo é a vida dela, ela vive para o Executivo, gosta de estar lá e isso é porque, de certa forma, isso a compensa, é lá que ela vai buscar o poder ...

Prof. – Sim, e também é lá que os homens vão buscar o poder ... eu continuo a achar que as coisas não se devem pôr nestes termos ... e isto é a bem das mulheres ...

Profª. – E dos homens não? Não continua a ser essencialmente a bem dos homens?

Prof. – Pois, eu bem disse que nós íamos discordar ....

Vou ao Executivo. A Presidente recebe-me no gabinete depois de me pedir: “Espera só um bocadinho”. Espero, entro sob sua solicitação e digo o que me leva a procurá-la de novo. “É mais um grande favor, mas só se puder ser”. Explico: “Trata-se de um testemunho escrito”. Mostro-lhe um testemunho que uma docente e gestora de outra escola secundária de Braga me deu há alguns anos e digo: “Mais ou menos nestes termos, o relato de uma experiência de gestão”. Ela lê. Eu apresento o tópico discursivo: “Gestão Educacional Feminina/Masculina? – Um testemunho”. “Está bem”, diz-me, pensativa, mas não pode ser para agora, é que eu não chego para as encomendas”. “Está bem, claro, eu passo cá depois ou telefono-te, como quiseres”. “É, dá-me algum tempo ... para quando é que precisas disto”? “Lá para meios de Julho, mas eu vou passando por aqui ... para relembrar”. “Está bem” diz a Presidente. Despedimo-nos cordialmente.

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29/06/05

Transcrevo uma notícia de um diário da cidade:

Depois de 25 anos de carreira docente

X despede-se da Escola XXY

X deu ontem a sua última lição na Escola Secundária XXY. Depois de 25 anos de carreira docente naquele estabelecimento de ensino, o professor de X, despede-se dos alunos e colegas para se aposentar.

No dia em que cessou funções, X, escolheu como tema para a sua aula “O Professor entre o Kronos e os Kairós”. Perante uma assistência composta por colegas, amigos e familiares, o professor falou sobre o papel do pedagogo entre “o tempo que nos devora e que não controlamos e o tempo em que vivemos e em que somos”.

O docente de X centrou a sua intervenção no tempo decorrido entre a revolução Francesa e a actualidade. Em seu entender, neste momento, “estamos em pleno declínio da herança da revolução francesa. Estamos a entrar na era da globalização”.

Em jeito de balanço, referiu que como educador parte “de consciência tranquila, convicto de que cumpriu o seu dever dando o seu melhor”.

Numa época de enormes mudanças, ser professor é muito difícil e, ao mesmo tempo, um grande desafio, pois é preciso ter a capacidade de aceitar as transformações e as mudanças, às vezes radicais, sobretudo em matéria de valores e de família, afirmou, à margem da cerimónia de homenagem preparada pelos colegas do seu grupo disciplinar.

Na Secundária XXY, será lembrado “como um grande amigo e um amigo da Geologia”, para além de ser um docente que marcou a vida da escola durante gerações”, referiu uma das colegas [...].

30/06/05

Telefono à Presidente do Conselho Executivo. Diz lamentar mas ainda não escreveu o testemunho. Evoca falta de tempo. Eu fico de voltar a ligar ou de passar na escola.

15/07/05

Depoimento nº. 14: Professora.

O executivo desta escola é composto por homens e por mulheres, não sei que relações de poder há entre eles, mas que no Executivo há poderes isso há. Eu sempre mantive, ao longo deste ano, boas relações com o Executivo, mas no fim o Executivo falhou. Foi por causa de um problema que eu tive com uma aluna. O executivo fez uma coisa que não está contemplada na lei, pelo menos ainda não me conseguiram mostrar a lei que permite fazer o que eles fizeram. Sem rodeios, senti-me completamente desautorizada. Confrontei o Executivo com essa ilegalidade (permitir que uma aluna fizesse um exame suplementar como sendo aluna de regime não presencial quando o era), telefonei para a DREN, falei com o Sindicato, nada... O que eu penso é que a escola não deve ser um self-service, não se deve aprovar alunos só para os manter mais um ano na escola. Todos os professores têm de ser respeitados. Isto é particularmente importante numa escola em que os professores, e há aqui um corpo docente exigente, quando falam sobre a escola dizem: “a nossa escola”, eu nunca tinha ouvido esta expressão em outras escolas em que leccionei”.

18/07/05

Estou na escola. Na sala dos professores. Converso com um professor (que já me deu um “depoimento”) sobre a necessidade de, diz ele, “a escola se envolver cada vez mais em projectos de investigação-acção de longa duração. É fundamental, só assim se pode conhecer bem a escola, mostrar os defeitos e as virtudes”. Concordo.

Vim ao Conselho Executivo. A Presidente diz-me que ainda não escreveu o testemunho mas que já pensou nele, “o que já é alguma coisa”, acrescenta. Eu fico de voltar a passar por cá ou de ligar.

Ligo ao antigo Presidente do Conselho Executivo. Está de férias mas ... logo que volte para Braga ... Disponibiliza-se para me dar o “testemunho” de que lhe falo. Fico de o contactar na semana seguinte.

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Marquei encontro, fora da escola, com um professor e uma professora para realizar um face a face. Relembro as problemáticas de discussão: “Diálogos sobre a gestão do Conselho Executivo da escola XXY”; - “a especificidade ou não especificidade das formas de gestão feminina e/ou gestão masculina no Conselho Executivo”; - “as relações de poder entre homens e mulheres na gestão do Conselho Executivo”.

Transcrevo:

Professor – Bem, isto na escola, para já é muito burocratizado. Vê lá ... há coisas ... por exemplo ... uma pessoa ... vai ao Executivo para fazer o pedido de serviço para o próximo ano lectivo. A presidente diz que o pedido é para ser feito junto da Coordenadora de Departamento, esta, por sua vez, é que leva o pedido ao Executivo. Nesta escola, é incrível, tudo tem de passar pelos escalões todos. No meu grupo até houve um problema: negaram a pessoa que tínhamos eleito para a ocupação do cargo de coordenador por causa de incompatibilidade com a carga horária. Houve má vontade ... avançamos para a DREN, a DREN deliberou a favor do colega.

Professora – É, há sempre assim uns conflitos, não é?

Prof. – Isto é assim. Houve uma gestão masculina fortíssima e agora permanece a gestão masculina porque os braços direitos da presidente são uma tenaz ...

Profª. – No início parecia ser ela a mandar ... mas agora não sei!

Prof. – Há delegação de poderes no Executivo ... de ela para eles ... deles para os outros ... e esta delegação de poderes no fim resulta numa escola onde todos parecem ter poder mas quem efectivamente o tem, se não for contrariado, é o Executivo. Por isso, é que eu há bocado contei a história. Outra coisa! Onde está o verdadeiro projecto deste Executivo? A escola não continua a viver do que adquiriu até aqui? E nos mesmos moldes? Eu isso não concordo. A presidente tem de se afastar do modelo masculino, tem de o fazer sob pena de não se ver, efectivamente, que é uma mulher que é a presidente. Ela tem de ter relações fortes com a comunidade, com a Autarquia, com os professores e os alunos porque se não lá se vai o dinamismo. Nesta escola, e com este Executivo isto acentuou-se, parece que tudo gira em volta dos alunos.

Profª. – É verdade, faz-se tudo pelos alunos...

Prof. – Os alunos querem é ter boas notas, bons resultados, os seus projectos de vida são ambiciosos ... há salas perto da escola ... autênticos centros de explicações ...

Profª. – É a escola da moda, dizem!

Prof. – É mas eu acho que já começa a perder, começa a haver transferências para outras escolas onde as exigências parecem ser menores para se atingir os mesmos níveis em termos de notas. Veja-se que esta escola selecciona os alunos, dá-se ao luxo de escolher perante as notas ...

Profª. – É são os alunos e os seus extractos sociais, daí eles estarem muito atentos aos alunos, querem preservar a imagem. O Executivo tem poderes e passa por cima de tudo, por cima dos directores de turma, por exemplo. Um dia destes um aluno disse-me: A professora não sabe quem é o meu pai! Deve haver uma forte pressão por parte da Associação de Pais, para os alunos estarem tão protegidos ... está tudo muito bem organizado ...

Prof. – Está e, de facto, aí não é só o Executivo que impera. Por exemplo: Há funcionárias que sabem tudo o que se passa nesta escola, há vários anos que exercem as funções e sabem tudo, têm um poder enorme, nomeadamente perante o Conselho Executivo, se não for pelas funcionárias, eles não ficam a saber de imensos pormenores. Eles ficam, muitas vezes, dependentes das informações das funcionárias. Os poderes informais são muito importantes. No Pedagógico é que salta tudo acima. E aí também se vê que a presidente do Executivo gosta de o ser ... Mas ela descentraliza, às vezes as coisas nem vão ao Pedagógico, são tratadas no corredor. Há pessoas que tomam decisões sem sequer consultar o Executivo. Há professores a resolver os problemas da escola. Por exemplo: o Secretariado dos Exames tem um poder fortíssimo.

Profª. – É! Esta é uma boa escola!

Prof. – É! É uma escola em que a autonomia está em construção. Esperemos que não seja só para os benefícios de alguns e de algumas ...

26/07/05

Ligo ao antigo Presidente do Conselho Executivo. Marcamos encontro para o dia 01/08/05, de manhã, no Café X.

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29/07/05

Ligo à Presidente do Conselho Executivo: “É por causa do testemunhozinho”, digo. “Tens razão”, responde, “é mesmo um testemunhozinho, escrevi muito pouco”. “Não faz mal”, digo, “um testemunho por pequeno que seja é sempre um testemunho”. “Queres que te envie isto por mail”? Pergunta. “Não, não vale a pena, eu segunda feira passo aí, pode ser”? “Está bem”, diz-me a Presidente.

01/08/05

Estou com o antigo Presidente do Conselho Executivo. Falo-lhe mais pormenorizadamente do “testemunho na primeira pessoa”, mostro-lhe o mesmo testemunho (de uma gestora de outra escola secundária) que há tempos mostrei à Presidente do Conselho Executivo. “Posso ler”? Pergunta. “Claro, esteja à vontade”. Lê e comenta em voz alta: “Há coisas aqui que eu não percebo como esta senhora as possa ter contornado. Por exemplo, como é que se pode ser ‘forçada’ a exercer o cargo de Presidente do Conselho Directivo, devido à mudança de escola do titular? Como se pode ser ‘eleita’ Presidente do Conselho Directivo ‘sem se candidatar’? Há aqui coisas que eu não percebo e que me cheiram a infidelidades normativas, como diz o Prof. X”.

O antigo Presidente do Conselho Executivo fica de me entregar o seu testemunho no dia 03/08/05, de manhã, no mesmo local.

Estou na escola. Vim buscar o testemunho da Presidente do Conselho Executivo. A escola está praticamente vazia. Despeço-me, desejo boas férias e agradeço à Presidente e ao Vice-presidente (os únicos que vejo no Conselho Executivo) a oportunidade cedida para a realização desta investigação.

“Gestão Educacional Feminina/Masculina? – Um testemunho”.

O testemunho da Presidente do Conselho Executivo:

“Iniciei a minha actividade profissional com vinte e dois anos, sem qualquer experiência, porque a minha licenciatura não incluía a formação para o ensino. Fui colocada em mini-concurso, numa escola secundária com novas instalações desde o final do ano lectivo anterior, com um aumento significativo de alunos e professores.

Os cerca de trinta novos professores tiveram recepção especial pelo Presidente do Conselho Directivo. ‘Não se sintam atirados às feras!’ ... foi desta forma que nos animou para iniciar o ano lectivo. Naquele grupo poucos tinham experiência com alunos.

Tive um ano lectivo com muito trabalho, tinha quatro níveis de ensino diferentes, três eram do ensino nocturno, alunos quase todos mais velhos do que eu. Mas foi uma experiência inesquecível, gostei muito e recordarei sempre os diversos acontecimentos.

No ano seguinte fui colocada em Braga, na escola onde ainda me encontro. Adaptei-me muito bem, também fui muito bem recebida. Fiz o estágio ‘Formação em serviço’ e continuei o meu percurso profissional sem sair desta escola.

Estive ligada a alguns projectos implantados na escola, como por exemplo ‘Escola Promotora de Saúde’.

Quando o candidato a Presidente do Conselho Executivo me convidou para a equipa fiquei surpreendida, hesitei, não me sentia à vontade para desempenhar as funções. No entanto, depois de ponderar, de ouvir os conselhos de amigos, resolvi aceitar o desafio.

Começamos o mandato e senti-me bem com as novas tarefas, aprendi muito com a equipa que era experiente.

Senti-me cada vez mais envolvida com o trabalho da escola, que quase sempre coloco em primeiro lugar.

No fim do mandato e com a sua aposentação, o Presidente propôs que continuássemos com a equipa, reorganizada. Decidimos que seria a Presidente”.

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03/08/05

“Gestão Educacional Feminina/Masculina? – Um testemunho”.

O testemunho do antigo Presidente do Conselho Executivo:

“O testemunho que a seguir prestarei acerca do tema em questão será directo, objectivo e assente na factualidade da minha vida profissional desenvolvida ao longo dos anos em que leccionei e ao longo daqueles sete em que desempenhei funções como Presidente do Conselho Executivo numa das escolas secundárias de Braga.

É do senso comum que, às mulheres, sempre se lhes fecharam as portas que normalmente se escancaram aos homens. Não vou citar a miríade de situações em que isso vem acontecendo ao longo dos tempos, pois a situação, por lamentável, é por demais conhecida.

Pessoalmente, sempre entendi que a acessibilidade da mulher ao poder, aos cargos de decisão, sejam eles de que natureza forem, deveria ter a mesma dimensão da que se verifica para o homem. Mas seria estultícia admitir que, na realidade, é isso que se verifica. Quanto a mim, o fenómeno só tem uma natureza, de raízes muito profundas, imposto pelos diferentes modelos sociais em que temos vivido – é, indubitavelmente, cultural.

Não vejo sinceramente que o 25 de Abril tenha mudado grande coisa na mentalidade da sociedade portuguesa face ao problema. As discussões espúrias e inócuas que se têm levantado acerca do mesmo, de conteúdo mesquinho e por vezes ridículo, têm saído em reforço da atitude ‘machista’ do homem que continua de uma forma subtilmente disfarçada e, por vezes, ‘paternalista’, a conduzir as situações sociais como bem entende e quer.

Como se poderá compreender que nas escolas do nosso país, onde a maioria da docência é prestada por mulheres, raramente se faça sentir esse ‘peso’ ao nível da gestão ou a outros níveis de decisão escolares?

Quanto a mim, é única e simplesmente porque a situação se enquadra no âmbito do que atrás referi.

No tempo em que desempenhei funções como gestor escolar, sempre tive a colaboração directa de mulheres de grande capacidade que desempenharam as funções que lhes foram confiadas com a maior eficiência e eficácia.

Respeitei sempre a horizontalidade das relações e as decisões eram, por norma, assentes na súmula das vontades individuais.

Por outro lado, não poderei deixar de referir, que numa boa parte dos casos, é a própria mulher que ainda não entendeu que a medida das suas capacidades e potencialidades se situa no plano dos homens. E, é por isso, quanto a mim, que continuam e continuarão a acomodar-se aos ditames da incompreensível, mas bem visível ‘ditadura machista’.

Mais ainda: entendo que o problema é também de natureza social, palco em que a formação humanista e educacional tem um papel fulcral a desenvolver. E isso demora muitas e muitas gerações. E só quando a sociedade atingir esse patamar o problema da mulher na sociedade e na vida hodierna estará devida e justamente salvaguardado.

Até agora muito pouco, mas mesmo muito pouco foi feito.

Mas terá de ser a mulher a dar o grito libertário na sociedade global que temos pela frente.

Enquanto isso não se verificar, tudo se manterá na mesma.

Lamentavelmente.

Braga, 2 de Agosto de 2005.

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Feita a leitura do testemunho, o antigo Presidente do Conselho Executivo, continua:

“O problema não está em ser homem ou mulher, é uma questão de vertente política. O ser gestor ou gestora depende do esforço de intervenção social; é preciso ter intervenção pública. Acho que a questão nunca esteve em ser homem ou mulher. Eu trabalhei tanto com mulheres como com homens. Há mulheres competentes e homens incompetentes e vice versa. O poder no masculino e o poder no feminino não é argumento: isto é do domínio cultural e paulatinamente vai mudando. Aquilo da ‘mão forte’ na gestão significa o quê? Que uma pessoa para gerir uma escola tem de andar à estalada”?

“O sucesso de uma escola depende de muitas coisas, a escola não é só o Conselho Executivo e as mulheres e os homens que o compõem, a escola não é só o Conselho Executivo, a sua gestão participada, os seus conflitos, os problemas que resolve, as decisões que toma. O sucesso de uma escola assenta numa conjuntura. Na nossa escola, vejamos, para além de um corpo docente qualificado, temos um Presidente de Assembleia que, sendo quem é, é uma mais valia para a escola. Um leal e competente chefe de serviços, isso a escola também tem”.

2.5 Relações Sociais de Género, Relações Sociais de Poder na Gestão Executiva da

Escola XXY

A reportagem que sustém esta nossa investigação empírica exigiu que, neste trabalho, a

análise crítica dos discursos instituídos e oficializados (e de que em pontos anteriores deste

capítulo delineamos alguns vectores) fosse cruzada com a análise crítica de outros discursos,

os instituintes, produzidos em contextos de acção organizacional e, muito particularmente, na

gestão executiva da escola em estudo.19

O cruzamento teórico destas duas dimensões discursivas (que não são mutuamente

exclusivas) permite uma configuração da organização escolar, e da sua gestão executiva,

como contextos institucionais onde formações discursivas (Foucault) políticas, estatais e

instituídas se confrontam com manifestações discursivas que tanto reproduzem o instituído

como produzem o instituinte.

O esboço de uma análise crítica dos discursos educativos, organizacionais e

gestionários, como o que neste trabalho fazemos, a partir da atenção prestada a “tópicos

discursivos de análise” que se consubstanciam em “discursos instituídos” e em “discursos

instituintes” permite que se confirmem, pelo menos parcialmente, as hipóteses operativas de

base apresentadas no sexto capítulo deste trabalho e que são:

– Em contexto de gestão executiva homens e mulheres movem-se em relações de poder

que a todo o momento reproduzem poderes instituídos com carácter de dominação.

– Em contexto de gestão executiva homens e mulheres produzem, reinventam e

reorganizam outros micropoderes que podem constituir formas significativas de relações de

micro emancipação e de emancipação social.

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– As relações entre os géneros em contexto de gestão executiva não estão estaticamente

estruturadas e definidas para sempre mas são, antes, emergentes e modificáveis, o que

impossibilita as demarcações teóricas entre os “poderes femininos” e os “poderes masculinos”

na gestão das organizações escolares.

A confirmação parcial das hipótese operativas de base, a que atrás aludimos, pode ser

explicada se reconhecermos que não conseguimos detectar processos de efectivas mudanças

na gestão executiva e na administração educacional que nos permita falar em formas

significativas de relações de micro emancipação e de emancipação social conseguidas pelas

dinâmicas de género. As inovações relacionadas com as relações sociais de género enfrentam-

se com as mesmas dificuldades que as de qualquer outra inovação.

A reportagem efectuada, e a consequente análise crítica dos discursos organizacionais,

permite-nos dizer que os gestores e as gestoras do Conselho Executivo da Escola XXY

desenvolvem formas de gestão envoltas em relações de poder várias que não podem ser

tipificadas porque envoltas de uma complexidade de racionalidades e de lógicas de acção não

mutuamente exclusivas.

Os discursos destes actores, homens e mulheres, sobre, por exemplo, “o poder dos

homens e das mulheres no conselho executivo” (depoimentos); “discursos, práticas e poderes

dos homens e das mulheres em contexto de gestão escolar” (comentários); “gestão

educacional feminina/masculina? (testemunhos); “a gestão do conselho executivo da escola

XXY”, “a especificidade ou não especificidade das formas de gestão feminina e/ou gestão

masculina no conselho executivo”, “as relações de poder entre homens e mulheres na gestão

do conselho executivo” (faces a faces) sempre a par com os discursos reportados por escrito a

partir do seu contexto de produção, permitem, contudo, que se mencionem, para uma melhor

compreensão da escola e do órgão de gestão em estudo, as racionalidades e lógicas de acção

organizacional seguintes:

– As lógicas da racionalidade burocrática, estatal e administrativa, as suas exigências do

cumprimento da regra e da manutenção da hierarquia administrativa. Pois, na Escola XXY:

“documentação, não falta”! (12/11/01);

Há um problema que o Executivo não consegue resolver, relativo a um professor. Pois ele: “Que se queixe à DREN”! (17/01/02);

19 Esta nossa análise apoia-se tanto na análise que Licínio Lima (1992: Cap. 3, Ponto 3.) faz da escola como organização recorrendo aos conceitos de “Produção e Reprodução de Regras (Formais, Não Formais e Informais): Normativismo e Infidelidade Normativa”, como na análise que José Alberto Correia (1989: 33 e ss.) faz sobre a “inovação instituída” e a “inovação instituinte” nas organizações educativas.

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“Já bastam as irregularidades que se cometem sem saber, quanto mais pactuar com elas”, diz uma gestora. “É que isso não pode ser por muito que se queira”! (24/01/02);

Um gestor tem dúvidas. “ Vou telefonar para a DREN”, diz ele. (24/01/02);

No Executivo faz-se a resolução de ”problemas” dos professores e afins. Que turmas foram para visita de estudo? Salas! Horários! “A nova colega já chegou”? (15/01/02);

“Perante a falta de autoridade a que os professores são sujeitos, os alunos vêm muitas vezes ao Conselho Executivo colocar problemas do género: Pode, não pode”? (28/01/02);

Uma gestora chama constantemente a atenção para o normativo. (04/02/02);

No primeiro ponto da ordem de trabalhos, procedeu-se à análise pormenorizada do Ofício Circular supracitado com a finalidade de definirmos a proposta oferta dos cursos do Ensino Secundário (D.L. nº. 7/2001) da nossa escola, para o ano lectivo dois mil e dois, dois mil e três. No segundo ponto da ordem de trabalhos, foi decidido tendo em conta o Ofício Circular nº. 2/2002 da DSRM/DEE, nomeadamente os pressupostos aí referidos e as respostas dos Departamentos Curriculares, foi decidido que a proposta a apresentar relativa à oferta da escola para o ano dois mil e dois, dois mil e três será: (04/02/02);

Um professor estagiário de Educação Física, o que está a organizar a gincana aquática. Pergunta: “Isto é desporto escolar, não há verba para isto”? Pergunta um gestor ao professor: “Já falaste com a Primeira-Dama do Desporto Escolar”? Responde a gestora que se sentiu visada: “Eu não sei, tenho de ver isso. O professor responde: ”Vou à DREN, como tenho de lá ver outras coisas...” (08/02/02);

O Presidente indeferiu um requerimento de falta de uma professora. Não era explícito. “Queria faltar no dia 26 de Abril por ser o dia a seguir ao dia 25”, explica o Presidente. E acrescenta, olhando para mim: “Não pode ser, o inspector, quando vem cá, começa logo por isto: pelas faltas dadas pelos professores”! (15/04/02);

Foi chamada uma professora ao Executivo. A acta que tinha escrito não estava bem. Uma gestora sugere-lhe que faça “uma adenda, uma vez que não está truncada”. (15/04/02);

“Bem, têm que meter a autorização para faltar nesse dia”, diz o Presidente. (06/05/02);

O Presidente “defere” os tempos de férias. “Há coisas que só o Presidente pode decidir”, diz uma gestora, a maior parte dos documentos são assinados por ele, embora ele se faça substituir”. (10/05/02);

O Sr. X, chefe dos Serviços Administrativos (Secretaria) entra e diz que ainda tem papel para os Exames Nacionais com referência a 199-. “Será que esse papel pode ser usado? Já estamos nos 2000 [...] É melhor alguém do Executivo telefonar para o Júri Nacional porque tudo o que diz respeito a Exames Nacionais não pode ser tratado pelos funcionários”, argumenta. A gestora diz que sim, que na 2ª-feira vai telefonar. Toma nota. (10/05/02);

A administração regula cada vez mais espartilhadamente [...]. A autonomia do Decreto-Lei 115-A/98 não passa, em termos práticos, de uma autonomia de minudências [...]. As pessoas estão assustadas com a possibilidade de perder poder [...]. (15/05/02);

[...] Ao longo destes três anos de implementação do novo modelo de gestão e de administração escolar, na nossa escola, aquilo que temíamos que de pior acontecesse verificou-se infelizmente na sua plenitude como receávamos que viesse a ocorrer. Estivemos perante um presente envenenado dado que há lacunas e deficiências na legislação que impedem que o decreto - lei nº. 115-A/98 possa potenciar uma verdadeira e forte autonomia das escolas num sentido claramente responsável e democrático [...]. Ora, na verdade, essa autonomia não existe e nada ou quase nada se pode fazer nas escolas sem o veredicto e a autorização superiores. Mais: As respostas da administração central são normalmente dominadas pela burocracia, quase esmagando toda e qualquer veleidade de actuação autonômica das escolas, multiplicando-se neste domínio os órgãos do Ministério da Educação que, sob a capa de uma pretensa desburocratização e descentralização, não têm funcionado senão como órgãos intermédios, por um lado detendo poderes que deveriam pertencer às escolas e, por outro lado, como meras correias de transmissão do pesado poder central tornando ainda mais pesado com a sua existência, gastando dinheiro ao (?) público [...] com funcionários, quase sempre professores que deviam estar nas escolas e não nas secretarias, com instalações e com o seu funcionamento. Melhor fora tais patamares decisórios não existissem entregando as verbas gastas com os custos da sua acção ou não acção (normalmente é uma acção que corta, que demora, que burocratiza, que impede) ao fomento da actividade criadora das escolas [...]. Referimo-nos concretamente aos CAE que deveriam ser simplesmente extintos. As DRE’S existentes bastariam ao sistema com dúvidas da nossa parte se num modelo correcto de máxima liberdade/máxima responsabilidade das escolas mesmo essas DRE’S não deveriam tender para o desaparecimento através do paulatino encolhimento de funcionários e poderes [...]. (15/05/02);

Diz um gestor: “O essencial está definido e não está definido por nós”. “Ó, está bem, mas não me digas que tu não podes fazer nada porque já está tudo definido”, diz um professor que também cá está. “Olha”, responde o gestor, “faço o que posso, e já muito faço eu ... e sabes uma coisa ... decidir também poder ser

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perigoso, eu gostava era de poder partilhar mais isto com os lá de cima”. “Ó, para quê, lá se ia a democracia toda do Executivo”, diz o professor. (06/06/02);

Aos dezoito dias do mês de Junho de dois mil e dois, pelas quinze horas e trinta minutos reuniu o Conselho Executivo da Escola XXY a fim de transmitir poderes aos elementos do Conselho Executivo eleitos, conforme a homologação de dezoito de Junho de dois mil e dois, pelo Presidente da Assembleia de Escola [...]. Relativamente ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, a Presidente do Conselho Executivo (nome completo) terá as funções que lhe confere a lei e colaborará na área dos alunos, o Vice-presidente (nome completo) terá as funções que estão previstas na lei, a área dos alunos e ficará encarregue do pessoal técnico e de acção educativa, as funções do outro Vice-presidente (nome completo) são as que lhe confere a lei, a área de recursos humanos/professores, a área de projectos, o S.A.S.E. e ainda será o delegado de segurança da Escola. Quanto às assessorias previstas, o docente (nome completo) será o coordenador do Ensino Recorrente, a docente (nome completo) apoiará o Conselho Executivo na área da gestão de recursos humanos e na área de projectos. Saliente-se que os docentes designados para as assessorias e as respectivas competências serão apresentadas para homologação à Assembleia de Escola. (18/06/02);

Por outro lado, será de referir que me parece poder afirmar que o citado documento ressalta, igualmente, a preocupação inabalável de corresponder e actuar com rigor face às normativas emergentes que a verticalidade hierárquica naturalmente impõe. (18/11/04);

Professor – Bem, isto na escola, para já é muito burocratizado. Vê lá ... há coisas ... por exemplo ... uma pessoa ... vai ao Executivo para fazer o pedido de serviço para o próximo ano lectivo. A presidente diz que o pedido é para ser feito junto da Coordenadora de Departamento, esta, por sua vez, é que leva o pedido ao Executivo. Nesta escola, é incrível, tudo tem de passar pelos escalões todos. No meu grupo até houve um problema: negaram a pessoa que tínhamos eleito para a ocupação do cargo de coordenador por causa de incompatibilidade com a carga horária. Houve má vontade ... avançamos para a DREN, a DREN deliberou a favor do colega. (18/07/05).

– As lógicas da racionalidade gerencialista: que se denotam pela preocupação em gerir

os recursos (materiais, financeiros e humanos) de forma a garantir a maior eficiência e

eficácia de resultados posteriores.

Um gestor diz: “É uma pretensão legítima candidatarmo-nos a novos tecnológicos, temos um corpo docente formado, temos recursos, estamos bem classificados no ranking de escolas”. Vamos para a frente”, diz o Presidente, “Vamos avançar”! (04/02/02);

A nossa escola tem uma forte tradição nesta área dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos. (04/02/02);

Somos o único estabelecimento de ensino de Braga que oferece cursos técnicos do ensino recorrente no âmbito da construção civil e esperamos que sejam rentabilizados os recursos de que dispomos, bem como seja possível responder às necessidades do tecido empresarial e à procura dos alunos. (04/02/02);

A escola tem tradição na área das técnicas laboratoriais de biologia, dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais (dois laboratórios de biologia, um centro de recursos/estufa, e ainda em instalação um laboratório e centro de recursos de geologia), susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos. (04/02/02);

A escola tem tradição na área das técnicas laboratoriais de química, dispondo de experiência e de recursos humanos e materiais (dois laboratórios de química devidamente equipados, susceptíveis de garantir sucesso no curso a que nos propomos. (04/02/02);

“Temos que ver isto do mobiliário muito bem, nós não podemos perder uma cadeira que seja”! (15/04/02);

O Presidente [...] explica: “115.809 mil contos, 115 809 mil contos é o que esta escola paga por mês de vencimento aos professores. É muito dinheiro. E alguns não trabalham para isso”. E acrescenta: “Eu não quero autonomia financeira total, os de lá de cima têm que participar [...] nós gerimos aí uma verbazitas dos pavilhões e assim...mas eles podiam fazer mais… Assim não dá”! (06/05/02);

“Não há desperdícios. Tudo tem de ser milimetricamente contado [...] A escola gere receitas próprias. As maiores receitas vêm do pavilhão gimnodesportivo [...] Há um projecto para se fazer uma piscina. Aliás, foi uma das bandeiras deste mandato [...]. Foi um engenheiro da escola quem fez o projecto. Grátis. [...] O poder local podia ajudar mas não lhe interessa. Até porque a escola, assim, iria roubar clientes às piscinas municipais [...].

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Os contratos de autonomia previstos no 115 – A/98 não estão a ser efectuados. Como não há autonomia na escola, esta, sem dinheiro suficiente, não pode fazer nada. Neste momento está tudo virado para o Euro 2004 [...]. Se tivessem um pouco de vontade podiam resolver a questão da piscina e nem davam por nada”. (14/05/02);

Que possibilidades existem para educar para a cidadania? Na minha escola anda tudo muito preocupado com os Rankings Nacionais. Falam em parcerias. Que parcerias? Eu não vou emparceirar com ninguém. Não há protocolos. A escola não tem possibilidade de dar contrapartidas. Somos autónomos para arcar com o grosso das situações ou para aquilo que interessa [...]. É preciso melhorar a qualidade pedagógica, permitir uma melhor intervenção dos pais, haver poder local, está certo [...] Mas, como dar prioridade aos critérios de natureza pedagógica e científica sem dinheiro? [...]. Sem dinheiro não há democracia [...] (15/05/02);

Então pediram um laboratório e eu disse: Com que dinheiro? Fez-se o pedido da formação do laboratório a quem de direito e disseram-nos que não havia verbas disponíveis. Mas como os alunos precisavam inelutavelmente daquele laboratório tivemos nós com as receitas próprias que a escola gere (porque é aquilo que nos vale) gastar perto de 2 mil e quinhentos contos para fazer um laboratório de física na escola [...]. (15/05/02);

Depois o Estado, fala-se agora, tenho ouvido falar que vão gestores para a escola, mas atenção, eu sou apologista dessa medida, as Universidades têm efectivamente, o Estado tem de investir nas Universidades de forma a fazer professores/gestores, não é gestores... aquilo não é nenhuma fábrica ... muito embora as linhas determinantes apontem cada vez mais para fordismos e taylorismos, etc..., etc..., etc... porque é para isso que elas apontam e o resto são cantigas como se costuma dizer ... portanto ... achava muito bem que se respeitassem estes aspectos [...]. O orçamento que temos, efectivamente, é todos os anos e por sistema, é reduzido em relação às necessidades [...]. Desejo vivamente que as pessoas que neste país (e agora estamos em época de mudança e parece que as mentalidades vêm frescas) refrescassem a cabeça e que não voltem a fazer rankings de escolas como se fez o ano passado [...]. A minha escola foi classificada de forma agradável [...] estou à vontade para falar nisso [...]. A administração tem de ser transparente mas a transparência não poder ser feita naquela base. (15/05/02);

Porque na verdade, mesmo nas escolas, com a submissão a determinadas leis nós temos a sensação e nós estamos numa escola que nesse aspecto acho que é do melhor que se faz em Portugal, quer dizer, somos uma escola, não digo que sejamos modelo, não há modelos nas escolas mas, quer dizer, somos uma escola que de uma maneira geral julgo que está bem gerida e, apesar de tudo, nós vemos à nossa volta que numa escola como a nossa [...] que é das mais bem geridas, podem estar certos disso, até houve tentativas de suplantar a própria lei (e fez-se isso) para aliviar os gastos porque se se cumprisse a lei em vez de Cento e tal era capaz de ser perto dos 20020 [...]. Meus amigos, a falta não é de dinheiro, o dinheiro pode diminuir [...] mas primeiro vamos aplicar o dinheiro como ele deve ser gasto. Quer dizer, isto é uma realidade, gasta-se dinheiro de uma forma verdadeiramente incrível, quer dizer, reduções [...], quer dizer, isto é uma vergonha o dinheiro que se gasta de facto mal gasto no Ensino! (15/05/02);

Nos últimos anos, a escola Secundária XXY, em [...] Braga, tem subido no ranking das melhores escolas, numa tabela que é elaborada a partir de resultados das classificações finais e dos exames nacionais do 12º ano. Este ano, a XXY ficou colocada no 26º lugar, conseguindo bons resultados em disciplinas como “Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social”. Nesta disciplina, a XXY teve uma média de 14,8 valores. (22/10/04);

Prof. – Os alunos querem é ter boas notas, bons resultados, os seus projectos de vida são ambiciosos ... há salas perto da escola ... autênticos centros de explicações ...

Profª. – É a escola da moda, dizem!

Prof. – É mas eu acho que já começa a perder, começa a haver transferências para outras escolas onde as exigências parecem ser menores para se atingir os mesmos níveis em termos de notas. Veja-se que esta escola selecciona os alunos, dá-se ao luxo de escolher perante as notas ... (18/07/05).

– As lógicas das racionalidades políticas: já que os actores se envolvem em relações de

negociação (mais ou menos consensuais, mais ou menos conflituosas) e em jogos de poder

que lhes permitem defender e lutar pelos seus interesses e pelas suas expectativas através, por

vezes, da construção de coligações onde micropolíticas organizacionais se põem em acção,

20 Fala de gastos com o Ensino Recorrente.

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não lhes sendo desconhecidas, até, as estratégias susceptíveis de questionar, mesmo que

momentaneamente, o sistema e os seus poderes instituídos.

Diz uma gestora: “Imaginem agora situações de negociação com as outras escolas. Que fazemos? A Escola X ao que pode concorrer? Terá condições? [...] “Porque é que a Escola X há-de ser uma escola de futuro e nós não? Não pode ficar com mais escolhas do que nós”! Diz uma outra gestora: “Bem, no final de tudo vai depender das candidaturas”, diz um gestor: “O que é certo é que os melhores alunos queriam vir para cá. Bem, e isto, já se sabe, a última palavra vai ser da DREN, é uma mais valia nossa chegarmos lá. Com propostas fundamentadas. Nós estamos de boa fé”! (04/02/02);

“Vai haver luta por estes dois cursos tecnológicos: Química e Controlo de Qualidade e Ambiente e Conservação da Natureza”. (04/02/02);

Vai organizar-se uma gincana aquática na Póvoa de Lanhoso. Em Braga, na piscina, não se consegue fazer. “São as políticas”, diz um gestor. (06/02/03);

[...] O Presidente do Executivo com o qual, eu devo dizer, não tivemos ao longo destes 3 anos... tivemos algumas discordâncias, mas correu tudo mais ou menos bem na gestão da nossa escola, embora com discordâncias, e acho que isso é saudável [...]. (15/05/02);

Houve eleições na Escola para eleger o novo mandato para o “Conselho Executivo”. Havia só uma lista. “Foi uma coisa simples”, diz uma gestora. “Só havia uma lista”. Diz a outra: “Bem mas a coisa não foi assim tão unânime. Houve quem não tivesse comparecido, houve quem dissesse que desconhecia os membros da lista”. “Enfim”, comenta um gestor que entretanto entrou, “ainda bem que há mais do lado de cá do que do lado de lá”! [...] (20/05/02);

Uma gestora diz: “Eu acho muito bem, as pessoas não se devem fixar nos cargos de poder, porque apesar de tudo, há sempre algum poder”. (06/06/02);

Houve uma lista única com a qual muitos professores e professoras concordaram mas também “houve para aqui muitas vozes de resistência”. (18/06/02);

“Os Conselhos Executivos das escolas de Braga estiveram, uma altura, quase todos para se demitir. Fomos para lá todos ... para a DREN ... e o que é certo é que conseguimos o que queríamos”. (18/11/04);

“Com o 115, os conflitos entre o Executivo e os outros professores acentuaram-se. Com a relação vertical imposta dificultaram-se as relações pessoais sobretudo com alguns grupos de professores. Houve “inimizades” mas também houve apoios perante a resolução de problemas concretos”. (18/11/04);

“Na gestão executiva, pode-se contrariar o normativo”? [...]. “Pode, os professores e outros actores, quando chegam ao executivo, tanto podem bater a uma porta que se abre como a uma porta que se fecha. Eu abro a porta a quem me procura mas não alinho em ilegalidades de má fé. Nas reuniões do Executivo eu levava muita porrada. Se tinha argumentos para me defender, defendia-me, se não tinha acatava as decisões dos outros. As reuniões eram normalmente pacíficas mas se tivesse de haver bulhas, havia. E a questão das bulhas, normalmente, era por causa das ilegalidades ... o que eu passei, por exemplo, por causa de uma conta paralela à do orçamento da escola, o que era uma coisa extremamente ilegal e com a qual se acabou felizmente. Fazem-se muitos ‘jeitos’ nas escolas, alguns são feitos pelos gestores, e de “boa fé”, outros escapam-lhes porque são feitos por grupos de professores, por exemplo, que defendem os seus próprios interesses numa lógica corporativista. Para além disso, há pessoas, nos grupos com muito carisma, há pessoas que respeitam a liderança formal e outras que não, os líderes informais têm muito peso, estabelecem objectivos e estratégias próprias. É preciso que os gestores e as gestoras se apercebam disto tudo e saibam como agir. É muito complicado ... já tem havido até processos disciplinares aplicados aos professores por parte do Executivo”. (18/11/04);

“Eu penso que o mais importante na direcção de uma escola é saber juntar as forças mesmo que elas sejam antagónicas. No Conselho Executivo desta escola parece-me que se faz isso muito bem, entre homens e mulheres. Aquilo funciona em bloco”. (04/03/05);

[...] de facto, aí não é só o Executivo que impera. Por exemplo: Há funcionárias que sabem tudo o que se passa nesta escola, há vários anos que exercem as funções e sabem tudo, têm um poder enorme, nomeadamente perante o Conselho Executivo, se não for pelas funcionárias, eles não ficam a saber de imensos pormenores. Eles ficam, muitas vezes, dependentes das informações das funcionárias. Os poderes informais são muito importantes. No Pedagógico é que salta tudo acima. E aí também se vê que a presidente do Executivo gosta de o ser ... Mas ela descentraliza, às vezes as coisas nem vão ao Pedagógico, são tratadas no corredor. Há pessoas que tomam decisões sem sequer consultar o Executivo. Há professores a resolver os problemas da escola. Por exemplo: o Secretariado dos Exames tem um poder fortíssimo”. (18/07/05).

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– As lógicas das racionalidades ambíguas: uma vez que na escola e na gestão executiva

se desenvolvem processos racionais envoltos de grande constrangimento e ambiguidade

podendo assim perceber-se “a dualidade da estrutura” organizacional: a estrutura não é

simplesmente algo que as organizações meramente têm é, também, algo que os actores

organizacionais constróem e desconstróem através, não raras vezes, de “reinterpretações” e de

“infidelidades” que se contrapõem ao normativismo burocrático e que, por isso, não

prefiguram na estrutura de superfície do organigrama mas são antes constitutivas da estrutura

oculta do mesmo.

A gestora coloca reservas ao atestado: “Não tem prazo de permanência em casa, não tem datas”. O pai diz, depois de apresentar outros argumentos: “Eu sou médico, se for preciso passo outro atestado”, a gestora responde: “Está bem, deixe ficar, eu entrego isto ao Director de Turma e depois falo com os colegas. Se depois considerarmos que é preciso outro atestado contactamos”. (24/01/02);

Analisa-se o quadro de “Oferta Pluricurricular e Formalidades”. “Mas cuidado que diz aqui na primeira página que temos de ter os recursos humanos e materiais” diz uma gestora. Um gestor argumenta: “Vamos avançar com aqueles que já temos na escola. Há promessas para avançar com o tecnológico de Construção Civil por parte do Ministério da Educação”. Mas isso está escrito”? Pergunta o Presidente e acrescenta: “É porque se não então é como com o Estádio do Benfica!, é só promessas”! (04/02/02);

Diz-se que alguém se recusou a fazer uma acta numa reunião (não do Executivo). Diz um gestor: “Escreve-se na acta que “fulano” se recusou a escrevê-la”. “O homem, coitado, está quase na reforma mas isso não justifica nada”! Diz outro gestor e acrescenta: “O que é certo é que um gajo às vezes tem que se recusar, deixai lá o homem”! (08/02/02);

Dois professores vieram ao Executivo assinar actas depois de lá terem sido entregues no dia anterior [...]. Um deles diz: “Eu assinei a acta, não assinei foi esta”. E o outro: “Eu não assinei porque tive de sair mais cedo”. Registo a “infidelidade normativa”. (15/04/02);

“Como está a implementação do 115 aqui na Escola”? [...] “Neste momento, há uma grande confusão. A Revisão curricular foi extinta ou não? Não se sabe [...] Olha as coisas vão-se fazendo”. “Vocês também não estão sempre à espera dos normativos”? [...] “Não, isso é verdade, mas quando dá para o torto, caem-nos em cima! Ainda o ano passado fomos desautorizados”, diz-me uma gestora e explica: “Excluímos um aluno da frequência das aulas e tivemos que o readmitir”! “Porquê”? “Porquê? Porque o pai do aluno disse que o facto de lhe termos enviado cartas registadas não significava que os envelopes tivessem realmente um aviso lá dentro.” (06/05/02);

Para marcar uma reunião de grupo (é o que os dois professores estagiários querem) “é preciso fazer uma convocatória com oito dias de antecedência”, diz um gestor,“ “Caramba, mas não deu, foi uma trabalheira desgraçada”, diz um estagiário. “Pronto, pronto, vamos tentar furar o esquema”, diz o gestor. Telefonam pessoalmente aos colegas de disciplina para averiguar da sua disponibilidade. Havia hipótese de estarem presentes. “Boa”, diz um estagiário: “Depois entregamos os convites”! Diz o outro. (10/05/02);

Ouvido o Conselho Pedagógico, compete à Direcção Executiva: Submeter a, Elaborar e submeter a, elaborar e submeter a, e por aí fora. Quer dizer, neste momento, a Direcção Executiva da Escola não tem, se o Decreto fosse levado a rigor, nós passávamos a vida a submeter a… para ser aprovado por… e o que é certo é que nada se fazia porque (esquecem-se as pessoas) que convocar uma Assembleia de Escola, convocar um Conselho Executivo, convocar seja o que for, demora tempo, demora 8 dias, 8 dias pelo menos e depois se vamos de submissão em submissão e se vamos de elaboração em elaboração chegamos ao final do ano e está tudo na mesma! [...]. (15/05/02);

[...] essa coisa de dizer o modelo agora é mais democrático porque leva a escola aos pais, leva a escola às autarquias, leva a escola a personalidades culturais ou permite que lá vão. As pessoas ir lá vão, não há dúvida nenhuma, só que vão lá não sabem fazer o quê. Eu garanto-vos que em determinado órgão da minha escola há pessoas que ainda não sabem hoje qual é o regulamento da Assembleia de Escola. É inacreditável mas é verdade! [...]. (15/05/02);

Os órgãos que são criados no âmbito do decreto –lei n.º 115-A/98 não possuem as condições mínimas para actuarem (é esta a minha convicção) e as tarefas de que são incumbidos de realizarem refugiam-se por via legislativa em meras enunciações de princípios genéricos propondo actuações igualmente genéricas e abstractas impossíveis de concretização na prática [...]. Nada está consignado na legislação sobre quaisquer

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meios físicos ou humanos postos à disposição da Assembleia de Escola para que esta possa exercer convenientemente as funções que genérica e abstractamente lhe são consignadas na legislação. Tudo dependerá, em certa medida, da boa vontade ou má vontade dos Conselhos Executivos das Escolas e seus respectivos presidentes, os quais, por seu turno, teoricamente, dependem pela acção desenvolvida da Assembleia de Escola [...]. (15/05/02);

Chega uma professora: “Deram-me um envelope com provas, trocado”. Ela trá-lo de volta. “Não o assinei”, diz. “Acontece”, diz uma gestora, “o que importa é desfazer-se o engano”. (20/05/02);

“Depende, há alturas em que se tem poder para tudo, há outras que faça-se o que se fizer não se tem poder nenhum. No Conselho Executivo e com os homens e as mulheres que lá estão também deve ser assim. Depende...”. (28/03/03);

São listagens, muitas e grandes. A Presidente discute com a professora um documento. “Há incongruências”, diz a Presidente. Falam de “grupos disciplinares”. “Há dois departamentos só com uma disciplina. “Como fazer”? Pergunta a professora e acrescenta: “Vou ligar para lá”. E depois diz à Presidente: “Agora em vez de “Delegados” chamam-lhes “Coordenadores da Disciplina”. “Bem, vamos ter que mudar esta nomenclatura”, diz a Presidente. Estão as duas à volta de papéis. “Uma pergunta”, diz a professora, “quem vai fazer as Actas do Conselho de Turma”? Diz a Presidente: “Estava a pensar que isso podia ser resolvido no próprio Conselho de Turma”. “Ah, mas isso é complicado há quem diga que é melhor ser por sorteio [...] Pronto, ou por sorteio ou então convocar os estagiários [...] tem de se ver isso [...]. Logo falamos melhor”. (12/09/03);

“Vês”? Diz ele para a Presidente: “Eu enviei, enviei por e-mail, o que é que esses gajos querem, pode mandar-se por e-mail, não pode!? Mas olha, manda-se outra vez sem ser por mail”. Dá o documento printado à Presidente. Ela lê-o atentamente e assina-o. (17/09/03);

“Agora há aulas de 90 minutos. Como é? Dois sumários, duas faltas [...] Pode-se faltar aos 1ºs 45 minutos e vir aos 2ºs”? Perguntas e mais perguntas. A Presidente responde: “Isto está afixado.” Diz-lhe uma professora: “Mas não está explícito, ainda ontem estive na minha antiga escola e lá...”! “Pois”, diz a Presidente, “é capaz, mas a matriz é a mesma, bem, não se preocupem isto vai ficar melhor, tem é de se mudar tudo, eu vou tratar disso”. (19/09/03);

Chega uma professora. Enganou-se numa formalidade num documento relativo a uma aluna. É uma questão de data, percebo. Diz um gestor: “Em vez de 05 (Maio) é 06 (Junho) mas acho que se muda bem 15 para 16 sem estar a fazer tudo outra vez”. “Está bem, obrigado” responde a professora. (05/07/04);

“O 115 é muito bonito mas é inviável, tem muitas incongruências. O facto é que as pessoas, por uma questão de responsabilidade, cumprem mas estão sempre a manifestar-se contra até porque às vezes não sabem como devem cumprir. Eu sei que há professores na minha escola que nunca leram o 115”. (18/11/04);

O executivo desta escola é composto por homens e por mulheres, não sei que relações de poder há entre eles, mas que no Executivo há poderes isso há. Eu sempre mantive, ao longo deste ano, boas relações com o Executivo, mas no fim o Executivo falhou. Foi por causa de um problema que eu tive com uma aluna. O executivo fez uma coisa que não está contemplada na lei, pelo menos ainda não me conseguiram mostrar a lei que permite fazer o que eles fizeram. Sem rodeios, senti-me completamente desautorizada. Confrontei o Executivo com essa ilegalidade (permitir que uma aluna fizesse um exame suplementar como sendo aluna de regime não presencial quando o era), telefonei para a DREN, falei com o Sindicato, nada... (15/07/05);

“Há coisas aqui que eu não percebo como esta senhora as possa ter contornado. Por exemplo, como é que se pode ser ‘forçada’ a exercer o cargo de Presidente do Conselho Directivo, devido à mudança de escola do titular? Como se pode ser ‘eleita’ Presidente do Conselho Directivo ‘sem se candidatar’? Há aqui coisas que eu não percebo e que me cheiram a infidelidades normativas, como diz o Prof. X”. (01/08/05).

– As lógicas das racionalidades (neo)institucionais: já que a força de outros “campos

organizacionais”, nomeadamente a do Estado, se introduz de um modo bastante determinante

na instituição que é a escola, e na sua gestão executiva, condicionando, através de vários

mecanismos de tecnologização normativa e simbólica, a capacidade de construção da sua

estrutura.

É facto reconhecido que todas as organizações de natureza comunitária — e a Escola é uma delas — postulam na sua vida a existência de normas. Mas a Escola, porque é uma organização com estrutura e vida próprias, para além de estar

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envolvida pelo alcance e acção das demais normas comunitárias em geral, exige, para o conveniente desempenho das suas funções, a existência de normas específicas. (Regulamento Interno);

A Escola XXY festejará o Dia da Escola, amanhã, no que constitui uma tradição daquele estabelecimento

e que dura durante todo o dia, com a inauguração da Sala do Aluno, um velho anseio no liceu histórico da cidade. A inauguração da Sala do Aluno, às 18 horas, a par da nova biblioteca X constituirá o ponto mais alto do dia da Escola, na XXY, que é um estabelecimento de ensino emblemático da cidade de Braga e continua a dar provas de grande inovação. O hastear da bandeira, às nove horas, inicia o ciclo de comemorações. (21/01/02);

09. 15 h – Hastear da Bandeira (22/01/02);

Na parede, uma fotografia do Presidente da República Portuguesa. (06/06/02);

Sempre procurei laços de relações institucionais “abertos” em que intervieram actores intra e extra escolares com responsabilidades no processo educativo, numa perseguição permanente de levar a Escola ao Meio, em que homens e mulheres actuaram, indiferentemente, nos locais e cargos para que se lhe reconheciam conhecimentos e competências. (28/11/04);

XXY assinalou Dia do Patrono. A Escola XXY tem um projecto para instalar um museu na instituição, onde possa reunir todos os objectos e materiais, incluindo peças do século XIX, que relatam o historial do estabelecimento de ensino, que conta já com um século de vida. (25/01/05);

A comunidade educativa da Escola Secundária XXY assinalou, ontem, o 60º Aniversário da Libertação de Auschwitz. Na cerimónia evocativa esteve presente, entre outras individualidades, o Embaixador de Israel em Portugal, que, dirigindo-se aos alunos, sustentou que todos devem saber que o que aconteceu “foi errado e não pode voltar a repetir-se” [...]. A evocação da data foi assinalada com a plantação de uma oliveira – símbolo da paz, tolerância e sabedoria – e pelo descerramento de uma pedra granítica e placa alusiva ao acontecimento [...]. (16/06/05);

Profª. – É são os alunos e os seus extractos sociais, daí eles estarem muito atentos aos alunos, querem preservar a imagem. O Executivo tem poderes e passa por cima de tudo, por cima dos directores de turma, por exemplo. Um dia destes um aluno disse-me: A professora não sabe quem é o meu pai! Deve haver uma forte pressão por parte da Associação de Pais, para os alunos estarem tão protegidos ... está tudo muito bem organizado ... (18/07/05);

– As lógicas das racionalidades comunicativas: que se denotam pelas relações

dialógicas que na escola e na gestão executiva se desenvolvem perante os constrangimentos

burocráticos e financeiros impostos pelo Estado e outras instituições ao serviço da defesa dos

interesses pedagógicos e profissionais do colectivo de uma escola a que muitos dos seus

membros chamam “a nossa”.

Presidente recebe os alunos da Associação de Estudantes: “Entrem Rapaziada”. Ficou tudo entendido. Havia condições para se fazer o que queriam, era só questão de alguns contactos e confirmações. “É preciso ver isso com muito cuidado, está bem”? Diz o Presidente. A rapaziada fica satisfeita, o Presidente também. (08/01/02);

A construção não ficou a dever-se apenas a dinheiros públicos, mas sobretudo aos auxílios da comunidade em redor do estabelecimento de ensino, de particulares e de empresas, com materiais e mão de obra de ex-alunos e o projecto de um docente da própria escola, XXY, além de um empreiteiro, X, que é um aluno da mesma escola, a XXY (22/01/02);

As comemorações terão animação desportiva, logo às 9H15, com as finais do Torneio de Andebol. Pelas 11H30 começa um jogo de futebol entre professores e funcionários. Inaugura-se a Parede de Escalada, cerca das 15H30, com programa de multi-actividades. Mais tarde, às 19 horas, docentes e funcionários jogam com alunos do ensino recorrente (22/01/02);

Dois gestores no Conselho Executivo. Discute-se “Vida Social”. Marcam-se jantares com alunos. “Qual será o melhor dia”? (28/01/02);

No Conselho Executivo todos se chamam “tu”. (08/01/02);

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Descrevem-se problemas “de confiança” de um aluno. Fala-se da legitimidade do respectivo professor ao atribuir-lhe 6 no 1º período. “Será que recupera”? Pergunta um gestor. “É esperar para ver”! Diz uma gestora, “temos que estar atentos”, acrescenta. (15/01/02);

Uma gestora fala com uma “nova colega”. Apresenta o horário que fica “registado” em função das “necessidades” da professora. A gestora fala discretamente ao telefone com a pessoa a quem a nova professora vai substituir. Tudo corre bem! Começa a trabalhar amanhã! Trocam números de telefone. As duas professoras vão-se encontrar para falar pessoalmente. A gestora vai mostrar as instalações da escola à nova professora. Está tudo combinado! (08/04/02);

Estive a ver as fotografias do “Rally Papper”. Alunos e professores felizes. Correu tudo bem. Eles riem-se só de falar no assunto. (08/04/02);

“[...] Sempre nos achamos bem em convívio com os alunos na nossa carreira de educador prestes a findar, entendo que a escola existe fundamentalmente para eles e nunca deixando de considerar desde que exercemos a actividade de professor que esta deve ser muito mais que mero transmissor de conhecimentos preocupando-se com o desenvolvimento da personalidade dos seus alunos sem nunca duvidarmos que isto se faz sem imposições, sem paternalismos ocos e desajustados, em diálogo, com abertura de espírito, embora com responsabilidade, nunca no meio da confusão e da desordem, sendo capaz de tomar posições afirmativas sem que poderes exteriores à escola ou mesmo dentro dela tentem de forma autocrática e portanto anti-democrática levar a soluções de carácter impositivo e cerceador das capacidades dos outros, de todo em tudo contrárias ao são desenvolvimento de quantos demandam a escola, no sentido de se formar não só tecnicamente mas ainda como cidadãos de uma pátria livre num mundo que também se deseja livre [...]. As várias comunidades educativas devem estar despertas, não aceitando um dirigismo centralista e monopolizador de toda a sua actividade quer nos planos administrativo e económico, quer nos domínios pedagógico e didáctico, trabalhando, organizando, criando a sua identidades própria, utilizando todas as possibilidades que a lei autonômica lhes confere para reivindicarem aquilo a que têm direito para impedirem que elas funcionem como uma aparência de autonomia que servirá para arcarem com as desgraças e que poderá carrear os louros das coisas boas para entidades exteriores a elas. A nova organização democrática das comunidades educativas com a sua Assembleia de Escola, com o seu novo Conselho Pedagógico menos pesado e que se pretende bem mais eficiente e produtivo [...] com a sua Direcção Executiva com órgãos eleitos por diversos sectores da comunidade educativa deverão ser o motor e constituir a essência de tudo quanto nelas se faz. Sem intromissões do exterior, sem falsos proteccionismos e dirigismos do poder central, com meios materiais que não impeçam a prossecução dos seus fins mais legítimos os quais se não existirem devem ser reivindicados. Tudo ou quase tudo deverá ser gerido nas comunidades educativas só assim se poderá saber o que elas valem, só assim se poderá querer que elas valham. (15/05/02);

“Estou reformado há três anos mas continuo a frequentar a escola” [...]. “Isto é uma porta aberta”! Diz uma gestora. (16/05/02);

“É preciso é fazer bem as coisas, ter uma boa relação com os professores, com os alunos, os funcionários. E com o resto da comunidade também é importante. Fazer a escola andar para a frente – esta escola está bem nos rankings e acho que isso se deve a todos e não só ao Conselho Executivo. Se há grandes diferenças de poder entre os homens e as mulheres no Executivo, isso não os impede de trabalhar bem. Se têm poderes, têm , têm o poder de ajudar a escola a andar para a frente”. (25/02/03);

“Sempre mantivemos boas relações com o ambiente externo, as melhores, com a Câmara Municipal, com os empreiteiros ...com o Tribunal... e aí até por causa de coisas problemáticas (roubos na escola, agressões entre alunos) ... com os pais, também, estes até colaboram nas iniciativas da escola a ‘pedido’ do executivo ... as melhores relações também com as outras escolas ... com parcerias ... iniciativas conjuntas ... jantares”. (18/11/04);

“Na nossa escola o que vale, sobretudo, é a ajuda dos professores e da comunidade, veja-se que todo aquele alcatroamento que lá está foi feito à custa da escola e com o empenho que alguns professores da escola colocaram nisso”. (18/11/04);

[...] os períodos correspondentes a três mandatos, em que assumi as funções de Presidente do Conselho Executivo, pautaram [-se] por uma horizontalidade marcante entre os diversos actores escolares – professores, alunos e funcionários – e, muito particularmente, entre os elementos constituintes dos poderes político-administrativos da escola: a Assembleia de Escola e os Conselhos Executivo e Administrativo [...]. No que mais directamente concerne ao órgão executivo da Escola, será de referir que todas as decisões sempre foram tomadas colegialmente, em que homens e mulheres tiveram “o mesmo peso e a mesma medida” diante da complexidade sempre presente no momento de se definir o trajecto e rumos a seguir. (28/11/04);

O projecto “mais ambicioso” da Associação é, neste momento, “conseguir assinar um protocolo com a Rádio X, Braga, onde todas as semanas, em princípio irá ter um directo com a emissora, aproveitando o facto de existir um estúdio e um projecto de rádio na escola”, explicou X, após ter sido substituído no jogo de futebol

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de 5: XXY vs reclusos do Estabelecimento Prisional de Braga. Este é um sonho que, desde o ano passado, norteia os desejos da Associação de Estudantes. “É um projecto muito cobiçado pela nossa Associação, já desde o ano passado”, conta, referindo que “o professor X, ex-presidente da escola, tem ajudado muito neste plano. Este ano sentimos que o projecto está a ir para a frente e, por isso mesmo, temos investido mais na rádio e temo-nos preocupado mais com a rádio”. (25/01/05);

“A gestão das escolas deve ser feita por pessoas que gostem do que fazem e que lá estão para o bom funcionamento do colectivo mesmo que nem sempre o consigam”. (27/01/05).

– As lógicas das racionalidades da construção do género, já que os actores, homens e

mulheres reconstróem pressupostos de género, quanto ao pensam ser homem e mulher na

vida, na educação, na gestão.

“Mulher doente, mulher para sempre”. (15/01/02).

“Eu, sinceramente penso que a escola é muito melhor gerida quando a escola tem um Conselho Executivo em que para além dos homens também estão mulheres. As mulheres são muito mais sensíveis aos problemas e, por isso, em certos aspectos, conseguem compreender melhor um mundo escolar que é essencialmente um mundo feminino, não é? Embora as coisas estejam a mudar...”. (15/04/03);

“Não sei como lhe explique! As mulheres são um tanto ou quanto primárias! Não é bem primárias que eu quero dizer, é mais ... são mais ligadas às emoções. Isto claro que tem de interferir na forma como elas fazem as coisas e se não interfere é porque às vezes elas imitam os homens, querem ter poder como eles. Mas, no fundo, a base está lá”. (28/05/03);

“Sempre se soube que as mulheres nunca tiveram igualdade em relação aos homens, elas sempre ocuparam posições sociais de menor relevo. O facto de agora elas estarem mais presentes no Conselho Executivo não quer dizer muito. Isto porque me parece que aquilo continua a funcionar sob a ‘mão forte’ dos homens que lá estão”. (09/06/03).

– As lógicas das racionalidades da desconstrução do género: já que os actores

organizacionais, homens e mulheres, por vezes, põem em questão o statu quo dos processos

culturais e das formas institucionais generizadas, desmontam, mais que não seja

discursivamente, os pressupostos de género e advogam a necessidade de mudança no que diz

respeito às relações sociais de género.

“A obra ‘The Joy Luck Club’ de Amy Tan – a inscrição da voz feminina sino-americana à margem de dois continentes”. O discurso é claro. Tem a ver com “novas versões de velhos estereótipos” (22/01/02);

O homem que sai com o Presidente, diz: “Estive a discutir com o poder” e virando-se para uma gestora (Vice-presidente) pergunta: “Tu também és do poder ou és auxiliar do poder”? Ao que ela responde: “Sou polivalente, faço as duas coisas. Depende da situação”. (22/04/02);

“Ui!, tem sido bonito, eu pessoalmente não tenho razão de queixa mas andam para aí alguns um bocado atrapalhados, não é X”? “O quê? Não fales nisso, sabes de quem é a culpa? É das gajas, elas agora querem ter poder”. Os dois olham para mim. Eu não digo nada. Sorrio. Escrevo. Diz ele: “Estou a brincar, eu até acho muito bem, desde que não abusem...”. Deu o primeiro toque. As pessoas dispersam-se. “Olha”, diz-me o X, “se precisares de alguma coisa...” (21/01/03);

Eu gostava que nas escolas, na gestão das escolas, houvesse outras solidariedades, outras compreensões. Mais carinho [...] tanto por parte das mulheres como dos homens [...]. Sabes, enquanto a tónica estiver colocada no deferimento, acho que não há diferença entre a gestão dos homens e a das mulheres nas escolas [...] até há homens que são mais afectivos e mais atenciosos do que as mulheres [...]. Mas, pronto, eu não quero interferir [...]. Eu gosto é de dar aulas e gosto dos meus alunos e até nem sequer me dou mal com o Executivo [...] acho é que é muito burocratizado [...]. (23/01/03);

“A autonomia das escolas de que agora se fala muito não é só para os homens gestores, pois não? As mulheres também estão em fase de autonomia e de poder. As mulheres foram durante muito tempo reduzidas a uma imagem única: a da submissão. Porque é que se pergunta sempre se as mulheres são diferentes na gestão e

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não se coloca essa questão sobre os homens? Porque a gestão sempre foi uma coisa de homens e as mulheres ao entrar nela seriam como que automaticamente diferentes. É com isto que eu não concordo. Nesta escola, este problema, pelo menos agora não se coloca. Há mulheres que trabalham de igual forma aos homens no Conselho Executivo”. (24/01/03);

“O Conselho Executivo tem os poderes que a lei lhe confere e tem a responsabilidade de numa escola fazer as coisas bem feitas. Isto passa por muitos aspectos desde a constituição de turmas equilibradas, directores de turma bem escolhidos, horários bem feitos, e muito mais. Esta responsabilidade é repartida pelos membros que integram o Conselho Executivo, homens e mulheres que, penso, são pessoas igualmente responsáveis” . (03/02/03);

“A escola precisa de ser gerida, por quem? Por homens? Por Mulheres? Tanto faz desde que haja disponibilidade e competência para o fazer”. (15/05/03);

“As pessoas que estão no Conselho Executivo estão lá essencialmente para isto: têm de gerir da melhor forma, assim como um professor ou uma professora têm de dar aulas da melhor forma. É uma obrigação pessoal e profissional quer se seja homem ou mulher”. (10/01/05);

“Tanto os homens como as mulheres do Conselho Executivo desta escola têm demonstrado grande disponibilidade para o cargo e gostam do poder que o cargo lhes confere. Eu pessoalmente acho bem”. (27/01/05);

“Homens, regra geral, como Presidentes, mulheres como Vice-presidentes. Uma regra que, penso, se tem vindo a alterar, conheço muitas mulheres Presidentes de Conselhos Directivos, agora, Conselhos Executivos. Não penso que a questão do poder dos homens e do poder das mulheres, nas escolas, possa fazer sentido durante muito mais tempo”. (04/02/05);

Prof. – [...] ... as mentalidades estão a mudar ...

Profª. – Mas essa mudança é relativa ...

Prof. – [...] as mulheres têm cada vez mais acesso a tudo, desde que queiram!

Profª. – Desde que queiram não, desde que possam! Continua a haver uma repartição muito desequilibrada entre as possibilidades dos homens e as possibilidades das mulheres. Não se consegue ser super-mulher em tudo, na família, com os filhos, no trabalho, etc...

Prof. – Sim é certo, é o que eu quero dizer! Desde que queiram as mulheres mas também os homens, os homens têm de colaborar para que a mudança de atitudes faça sentido, senão não vale a pena...

[...]

Prof. – No Executivo só lá está quem quer ... indo ao que nos traz aqui ... eu também acho que esta questão das mulheres e dos homens serem diferentes na gestão também tem de ser ultrapassada. Porque mesmo que sejam diferentes ... basta de carregar na tecla da diferença em relação às pessoas que fazem as mesmas coisas ... independentemente dos constrangimentos ...

Profª. – Aí concordo. Vai para lá quem quer, ninguém é obrigado, mas olha que também só vai para lá quem pode. É o caso da X. Aquilo é a vida dela, ela vive para o Executivo, gosta de estar lá e isso é porque, de certa forma, isso a compensa, é lá que ela vai buscar o poder ...

Prof. – Sim, e também é lá que os homens vão buscar o poder ... eu continuo a achar que as coisas não se devem pôr nestes termos ... (23/06/05);

“O problema não está em ser homem ou mulher, é uma questão de vertente política. O ser gestor ou gestora depende do esforço de intervenção social; é preciso ter intervenção pública. Acho que a questão nunca esteve em ser homem ou mulher. Eu trabalhei tanto com mulheres como com homens. Há mulheres competentes e homens incompetentes e vice versa. O poder no masculino e o poder no feminino não é argumento: isto é do domínio cultural e paulatinamente vai mudando. Aquilo da ‘mão forte’ na gestão significa o quê? Que uma pessoa para gerir uma escola tem de andar à estalada”? (03/08/05).

Uma análise crítica sobre o contexto de produção dos discursos legalmente instituídos

(O Estado) a par com uma análise crítica sobre o contexto de reprodução dos mesmos e de

produção de discursos instituintes (a Escola, o Conselho Executivo da Escola) permite-nos

compreender as relações tensas que se estabelecem entre esses contextos e permitem

reafirmar que, na escola como organização, os discursos instituintes, mesmo que raros,

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configuram as possibilidades de fuga, por parte dos actores homens e mulheres, ao

hierarquicamente instituído e configuram as suas “novas visões” sobre, por exemplo, o que é

o poder, onde este se situa, quem o detém e como este pode suscitar transformações nos

quotidianos de vida.

Há, pois, na Escola XXY, discursos instituintes actualizados por homens e por mulheres

que permitem um questionamento das relações de poder que se operam em contexto

organizacional e que permitem até desconstruir metáfora da dureza do núcleo masculino da

gestão. A diferenciação assimétrica entre os géneros em contexto organizacional escolar é

diluída em alguns destes discursos que, não raras vezes, questionam os pressupostos da

especificidade própria das práticas de gestão dos homens em relação às mulheres, contrariam

a ideia de que na escola se favorecem os preconceitos masculinos da cultura organizacional

num contexto em que as mulheres são encorajadas para a ocupação de cargos de gestão.

Os “limites da masculinidade” organizacional tal como os da feminilidade

organizacional, a existirem, são difíceis de traçar num contexto em redefinição e em que os

discursos dos homens e das mulheres revelam o quanto podem ser instáveis, ambíguas,

múltiplas e complexas as relações que entre si se desenvolvem. No quotidiano da escola

existe, pois, um sem número de relações de poderes em que as mulheres e os homens se vêem

envoltos e que, pela sua complexidade, não são passíveis de tipificação mas que permitem,

todavia, repensar a compreensão das organizações em termos de poder: o poder não se possui,

carece de essência, é relação, não é inidireccional (quando o é trata-se de dominação), a

estrutura piramidal só serve para o entender mas trata-se de uma pirâmide difusa, móvel,

mutante. Não há pois possuidores do poder, mas sim mulheres e homens que o actualizam.

O acima enunciado reverte para uma dimensão teórica que, pelo menos claramente, não

conseguimos deduzir, que seja, dos discursos em análise neste capítulo. Não conseguimos

detectar, pois, o que se pode designar por efectivas “lógicas de politização da educação”. Daí

que, a par com todas as lógicas organizacionais atrás mencionadas e que, em maior ou menor

grau, se podem detectar nos discursos produzidos por homens e mulheres na Escola XXY e

no seu órgão de gestão, se deva apelar ao entendimento da necessidade de fortalecimento de

outras lógicas de actuação e poder.

As lógicas de politização da educação exigem, pois, uma configuração de relações de

poder em que os actores, homens e mulheres, envolvendo-se em processos de “participação

activa” e de “democracia radical” (Mouffe, 1996a,b; Fraser, 1996), por exemplo, sejam

capazes de operar na construção de uma gestão mais participada e de uma escola mais

democrática.

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O poder, tal como o género, o discurso e o sentido são relação, uma relação, ou uma

constelação de relações que, porque não deixam de incluir formas de assimetria e mesmo de

dominação, devem favorecer processos de desconstrução social que dêem espaço a novas

relações de poder entre os géneros abolindo não todas as diferenças, porque muitas diferenças

são salutares, mas todas aquelas que sejam hierarquizantes e impeditivas da construção de

uma dinâmica de igualdade e justiça na escola, na esfera pública e privada.