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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4683
A ESCOLA NORMAL NO ESPÍRITO SANTO: A FORMAÇÃO E A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS/AS PROFESSORES/AS (1900-1930)
Elda Alvarenga1
Regina Helena Simões2
Introdução
Este estudo investiga a formação do magistério no Curso Normal no início do século
XX em suas articulações com o processo de profissionalização de professoras e professores
no estado do Espírito Santo. Esta investigação e as problematizações que a movimentam,
foram sendo construídas a partir do diálogo com a literatura sobre história da educação no
Brasil e no Espírito Santo, produções acadêmicas sobre a História de mulheres professoras e
o papel da Escola Normal para a profissionalização das/os professores/as no Espírito Santo.
Nesse sentido questionamos: a) como se dava a formação para o magistério na Escola
Normal capixaba nas décadas iniciais do século XX. b) de que modo essa formação contribuiu
para profissionalização do magistério no Espírito Santo? Objetivamos, assim, investigar o
papel exercido pela Escola Normal na formação do magistério no período estudado e
identificar em que medida a Escola Normal interferiu no processo de profissionalização do
magistério capixaba.
A pesquisa caracteriza-se como uma prática historiográfica orientada por proposições
teórico-metodológicas da micro-história italiana, dentre as quais destacamos o indiciarismo
(GINZBURG, 1990), como forma de aproximação ao tema estudado, a partir de
compreensões descontínuas e heterogêneas da realidade estudada (GINZBURG, 1990, 2007).
Opera-se uma uma prática historiográfica delineada a partir de indícios e “pistas” deixados
no tempo, entendendo a realidade como “[...] fundamentalmente descontínua e heterogênea”
(GINZBURG, 2007, p. 269). Isso é exemplificado pelo autor quando estabelece uma
analogia entre o saber dos historiadores e o saber dos médicos:
Mesmo que o historiador não possa deixar de se referir, explícita ou implicitamente, a séries de fenômenos comparáveis, a sua estratégia cognoscitiva assim como os seus códigos expressivos permanecem intrinsecamente individualizantes (mesmo que o indivíduo seja um grupo social ou uma sociedade inteira). Nesse sentido, o historiador é comparável
1 Mestra em educação. PPGE/UFES. Doutoranda em educação. Professora da Faculdade Estácio de Vila Velha.
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/Ufes.
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ao médico, que utiliza os quadros monográficos para analisar o mal específico de cada doente. E, como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjectural (GINZBURG, 1989, p. 157).
Ginzburg, no seu fazer historiográfico, não delineia, a priori, os caminhos que
expressam o método proposto. Essa postura muito contribui para a criatividade e autonomia
dos/as pesquisadores/as que se aventuram por essa prática historiográfica, ao mesmo tempo
em que torna mais complexo o processo de pesquisa. Para Ginzburg (2007, p.111), a produção
do conhecimento se dá “[...] por linhas quebradas em vez de contínuas; por meio de falsas
largadas, correções, esquecimentos, redescobertas, graças a filtros e esquemas que ofuscam e
fazem ver ao mesmo tempo [...]”.
Utilizamos como fontes: resoluções, leis, decretos, requerimentos, portarias, ofícios,
cartas, relatórios e mensagens de governo, livros (de estatística, de termos de promessa, de
matrículas de professores; de termos de exames de habilitação no magistério público
primário, de atestados e de ponto) da Secretaria da Instrução Pública, Secretaria do Interior e
Secretaria da Educação e Saúde. A leitura dessas fontes nos aproximou do objeto estudado ao
mesmo tempo em que nos ajuda a compreender o papel da Escola Normal no processo de
formação e profissionalização docente no Espírito Santo.
As Escolas Normais e a formação de professores/as no Brasil
As primeiras Escolas Normais brasileiras surgiram em 1835 (Niterói), Bahia (1836),
São Paulo (1846)3 e Rio de Janeiro (1880).4 Em meados do século XIX, a criação de escolas
normais se tornou um elemento predominante na formulação de políticas para a educação no
cenário nacional, inclusive no Espírito Santo.
As primeiras escolas normais receberam matrículas de ambos os sexos, apesar de
moças e rapazes terem de estudar em classes, turnos e preferencialmente em escolas
separadas. Entretanto, o objetivo de formar professores e professoras que atendessem à
demanda escolar da época não foi alcançado exatamente como se imaginava: “[...] pouco a
pouco, os relatórios iam indicando que, curiosamente, as escolas normais estavam formando
mais mulheres que homens” (LOURO, 2001, p. 449). Para a autora, o processo de
urbanização e industrialização que ampliava as oportunidades de trabalho para os homens
3Essa escola passou por sucessivos fechamentos e reabriu em definitivo em 1880 (NOVAES, 1984). 4 No Espírito Santo, conforme veremos adiante, o primeiro Curso Normal data de 1835, mas a primeira Escola
Normal foi criada em 1870 (FRANCO, 2001).
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pode ser entendido como uma das principais justificativas para o movimento de abandono
das salas de aula pelo sexo masculino.
O processo não se dava, contudo, sem resistências ou críticas. A identificação da mulher com a atividade docente, que hoje parece a muitos tão natural, era alvo de discussões, disputas e polêmicas. Para alguns parecia uma completa insensatez entregar as mulheres, usualmente despreparadas, portadoras de cérebro ‘pouco desenvolvido’ pelo seu ‘desuso’, a educação das crianças (LOURO, 2001, p. 450).
Apesar das resistências, outras vozes argumentavam na direção oposta. Afirmavam que
as mulheres tinham por natureza uma inclinação para o trato com as crianças, chamando-as
de educadoras naturais, “[...] aos poucos e de forma sutil, o magistério passou também a ser
representado como uma atividade de amor, de entrega de doação” (LOURO, 2001, p. 450).
De modo geral, essas escolas foram criadas para formar homens e mulheres, e,
gradativamente, o público feminino ampliou-se em detrimento do masculino. Outra
característica apontada pela historiografia com relação aos momentos iniciais dessas escolas
é a precariedade do seu funcionamento. Como aponta Almeida (2004, p. 72):
A Escola Normal foi a princípio uma instituição de caráter precário, com limitações orçamentárias significativas que impediam seu bom funcionamento, e abria ou fechava em função de decisões políticas nem sempre acertadas [...]. Esses estabelecimentos surgiram como uma alternativa possível para a instrução feminina, além de suprir a necessidade de mão-de-obra para o ensino que tinha como meta se expandir e se estender
à população, de acordo com os ideais liberais e democráticos que passavam a disseminar-se entre as mentes iluminadas do país com a proximidade da República.
Louro (2001, p. 454) afirma que a Escola Normal se configurou em um “[...] espaço
destinado a transformar meninas/mulheres em professoras’’. O currículo, os modos de
funcionamento, a estrutura física, os professores e as professoras compunham esse espaço.
Para a autora, essas escolas constituíam espaços de intenso controle nos quais “[...] uma série
de rituais e símbolos, doutrinas e normas foram mobilizados para a produção dessas5
mulheres professoras” (LOURO, 2001, p. 455).
No Espírito Santo, tendo em vista a falta de professoras habilitadas para a docência, o
Curso Normal permaneceu sem funcionamento até 1845, quando, vinda de Minas Gerais, a
professora Maria Carolina Ibrense assumiu a cadeira (FRANCO, 2001). De 1845 a 1869, o
5Louro (2001) afirma que eram diversas as origens sociais das moças que frequentavam os Cursos Normais oitocentistas, por isso as caracterizações generalizantes desses cursos devem ser evitadas. Também no Espírito Santo, foram muitas as transformações pelas quais a Escola Normal passou, desde a sua criação até a virada do século XIX para o XX (FRANCO, 2001).
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curso normal atendia a ambos os sexos, observando-se a distinção dos conteúdos curriculares
ensinados aos homens e às mulheres.6 O autor registra que a criação da primeira Escola
Normal no Espírito Santo ocorreu nos anos 70 do século XIX. A instituição da formação para
o magistério exclusiva para as mulheres ocorreu em 1869, com a criação do Instituto
Secundário,7 e a unificação dos currículos para homens e mulheres data de 1908.
O recrutamento de mulheres causou reações negativas na sociedade que, via de regra,
concebia as normalistas como pessoas de moral duvidosa, provavelmente devido ao fato de A
Escola Normal, nos seus primórdios, ter sido frequentada por meninas/mulheres pobres.
Mas, mesmo com o currículo diferenciado dos Liceus e dos Colégios Secundários, essa escola,
com o tempo, constitui-se em uma das poucas possibilidades de continuidade dos estudos,
fato que atraiu as moças de famílias abastadas em busca de elevação do grau de instrução
(NOVAES, 1984). No Espírito Santo, por exemplo, viu-se que esse processo fez do Curso
Normal uma oportunidade “[...] de reconhecida importância [uma vez que] dava às moças
um status especial e por isso mesmo o acesso a esta escola era concorridíssimo” (FRANCO,
2001, p. 232-3). Com isso, as Escolas Normais passaram a ser frequentadas
preferencialmente por meninas/mulheres com melhores condições financeiras,
possivelmente por se constituir em uma das poucas oportunidades de essas moças darem
continuidade aos estudos (FRANCO, 2001). Para Costa (2014, p.48):
A centralidade do papel desempenhado pela Escola Normal como locus privilegiado para a preparação de docentes no Espírito Santo era acompanhada do prestígio social desfrutado pela tradicional instituição. Esse prestígio traduzia-se, por exemplo, em notas publicadas na revista Vida Capichaba, nas décadas de 1920 e 1930, sobre os bailes de formatura, desfiles cívicos e esportivos, exposições de trabalhos, concursos e outros eventos promovidos pela escola.
Franco (2001) ressalta que, entre o final do século XIX e o início do XX, a função
docente, ainda não especializada e exercida como atividade complementar, alterou-se
consideravelmente a partir da expansão e das diversas reformas às quais o Curso Normal foi
submetido8 desde a sua criação até o final dos anos oitocentos. Também Villela (2011)
destaca que a função docente passou por mudanças significativas com a criação e expansão
6 Os homens cumpriam o seguinte currículo: estudos descritivos (Geografia e História Universal), curso qualitativo de ciências (Matemática Fundamental, Aritmética, Álgebra, noções gerais de Mecânica Geral e Celeste), curso analítico de ciências (Física, Química e Biologia, Anatomia e Psicologia Humana), curso sintético de ciências (contemplação abstrata da unidade do saber humano), Pedagogia e Metodologia. As mulheres estudavam: Língua Portuguesa, Língua Francesa, Geografia, História Natural, Aritmética e Geometria (noções de cálculo algébrico) e Pedagogia.
7 Lei nº 29, de 4 de dezembro de 1869. 8Expansão impulsionada pelas reformas da instrução pública ocorridas nesse período.
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das escolas normais9, e o papel que A autora destaca o papel a formação “[...] na luta das
mulheres pelo acesso a um trabalho digno e remunerado” (VILLELA, 2011, p. 119),
Franco (2001) demonstra, nessa relação, a tendência à feminização do Curso Normal
no Espírito Santo, ao apresentar a evolução das matrículas das mulheres na Escola Normal
de modo que, no ano de 1926, em todas as séries do curso registrava-se a supremacia das
mulheres em relação aos homens. De maneira geral,
[...] as últimas décadas do século XIX são utilizadas para o debate sobre a co-educação dos sexos que passa a ser admitida somente a título de experiência para alunos de idade inferior a dez anos, preferindo-se a mulher para a condução destas classes [...] (NOVAES, 1984, p. 21).
No entanto, Almeida (2004), Louro (2001) e Franco (2001) ressaltam que a
composição majoritária das alunas não significava a maioria feminina na docência e
assinalam que, com o processo gradual de feminização dos cursos de formação para o
exercício do magistério, a própria atividade docente reestruturou-se. Nessa direção, torna-se
possível acreditar que o movimento de inserção das mulheres no magistério primário no
Brasil seguiu a tendência apontada por Novaes (1984), ou seja, quando profissionais
vislumbram a possibilidade de assumirem ocupações de maior prestígio social (e por que não
dizer de valorização profissional?), resta aos que permaneceram no exercício da ocupação
abandonada “[...] tomar o barco, mesmo que ele esteja naufragando [...]. Essa é a
característica da mulher, não só no magistério: ascender profissionalmente ocupando os
postos já desinteressantes para os homens [...]” (NOVAES, 1984, p.89).
A formação de professores no Espírito Santo: o que dizem os relatórios de governo?
Partindo do pressuposto de que, algumas vezes, para melhor compreensão de um
período histórico, a busca das fontes, dos vestígios, indícios e sinais pode nos levar a recuos
temporais e/ou a avanços para anos posteriores, consideramos oportuno analisar os
relatórios de governo dos presidentes de Província que datam da segunda metade do século
XIX para compreendermos os processos de instituição e desenvolvimento das Escolas
Normais no Espírito Santo que antecederam o período estudado (1900 a 1930).
9 Villela (2011) ressalta que, apesar de a criação das primeiras escolas datarem da década de 30 e 40 do século XIX e de terem vivido um período de muitas indefinições nos anos 1850 e 1860, a década de 1870 foi marcada, no campo educacional, por uma revalorização dessas escolas.
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A leitura dos 54 relatórios (período imperial) e 40 mensagens (período republicano)
dos presidentes subsidiou a compreensão da Escola Normal como eixo fundamental da
constituição da profissão docente no Espírito Santo. Alvo ora de críticas severas, ora de
elogios, 37 relatórios e mensagens fazem algum tipo de menção à Escola Normal, ao Curso
Normal ou as outras instituições10 que ofereciam formação para o magistério primário.
Considerando que a criação da Escola Normal data de 1870, observa-se que anos antes já se
acenava para a necessidade de criação de uma instituição para a formação dos
professores/as. Via de regra a Escola Normal é apontada como a solução para problema
identificado na maioria dos relatórios de governo: a falta de preparação dos professores/as.
Nos relatórios de José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim e Luiz Pereira do
Couto Ferraz, ambos de 1848, apontam a falta de professores habilitados para o magistério
primário. Antônio Pereira Pinto (1849) reclama da falta de professores para ocuparem as
classes vagas. Em 1853, o Barão de Itapemirim, ressalta no seu relatório a precariedade da
instrução pública e aponta como causa a falta de professores/as habilitados. Para ele, o
elevado número de aulas vagas se devia por falta de professores e desleixo do país para com a
instrução pública. Na mesma linha de raciocínio, alertava Sebastião Machado Nunes (1857, p.
23):
O ensino publico n’esta província não está no pé, em que era para desejar: os professores de instrucção primaria, salvas poucas e honrosas excepções, estão muito longe de possuírem as habilitações necessárias para o magistério. O ensino da mocidade exige sacrifícios penosos, que não tem uma retribuição correspondente. Daqui vem que ninguém procura adquirir a instrucção precisa para seguir essa carreira, honrosa sim, porém de porca vantagem.
Ao que parece o presidente da Província reconhecia as precárias condições de trabalho
dos/as professores e a defasagem salarial a que estes eram submetidos:
Para se conseguir algum melhoramento no ensino primário, no estado actual das cousas, convém marcar as habilitações dos professores, e prometer-lhes maiores vantagens. Assim, entendo que nen-um professor de instrucção primaria deve deixar de saber a gramatica latina, e, na falta de uma escola normal, de praticar por um tempo marcado em uma das melhores escolas da provinçia, podendo ser disto dispensados somente aquelles, que tiverem estudos superiores (NUNES, 1857, p. 23-24).
10 Escola Nossa Senhora da Penha, Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, Colégio Pedro II, por exemplo.
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Da mesma forma, Pedro Leão Veloso (1859), ressalta a necessidade da formação dos
professores/as e como uma das dificuldades de se manter a escola Normal em funcionamento
era a falta de professores habilitados para assumir a direção, propõem que seja providenciado
algum professor externo a província para dirigir a escola. Propõem ainda que, garantido o
funcionamento da Escola Normal, que a comprovação de sua conclusão passasse a ser
exigência para aprovação em concurso, indicação reforçada antes mais tarde por Eduardo
Pindahiba de Mattos (1864). Nota-se que, somente foi possível observar, no diálogo com os
relatórios e mensagens, o afastamento de professores pelo não cumprimento dessa exigência
em 1882, no governo de Herculano Marcos I. de Souza.
José Fernandes Costa Pereira Jr, em dois relatórios consecutivos (1861 e 1862) refere a
falta de formação dos/as professores/as e defende a necessidade da Escola Normal:
As escolas normaes são pois chamadas ao desempenho da dupla missão do ensino o do habito da pedagogia. O homem intelligente e de sentimentos elevados, que frequentá-las, ha de naturalemente conhecer a importancia do ensino primario a grave e humanitaria tarefa que cabe ao magistério; e se por ventura não estiver viciado pelo egoísmo do século, se não recorrer a essa profissão como a um meio de vida, a um simples ganho pão, a de tirar da frequencia e do ensino normal vantagens que se referem não somente as suas faculdades intellectuais como também as moraes, e por conseguinte reflectem, poderosamente sobre o exercício da profissão que abraçou. [...] À necessidade de huma eschola normal onde os que se destinassem ao magistério viessem aprender e praticar, era desde muito tempo sentida nesta província, pois que a experiencia facilmente nos demonstra que para o ensino não basta sciencia— convem, como já notei, que o professor saiba transmiti-la a seus discípulos (PEREIRA JR, 1862, 30,46).
No entanto Pereira Jr chama atenção para outro importante fator que se somava a falta
de formação dos/as professores/as, os baixos vencimento a que era submetidos/as. Ao
relacionar a necessidade de formação e os vencimentos docentes, afirma:
Se porem as escolas normaes exercem influencia [...] sobre a intelligência, como também sobre os sentimentos do professores nem por isso poderão por si só produzir bons professores. [...] De que servem as escolas normaes numa província inde nçao há para o professor o ordenado que assegure docentes subsistencia e meios de educar a família e ao lado dessa vantagem a da jubilação, quanto chegue a fadiga da idade e do trabalho, quando chegue a fadiga da idade e do trabalho, bem como o benefício de garantias de estabilidade que o livrem dos caprichos do poder? (PEREIRA JR, 1862, 30;46).
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E assim se seguiram os relatórios. Observa-se que de modo geral os presidentes
reconhecem a responsabilidade do poder público para com a formação dos docentes, mas vez
por outra esta parece ser uma responsabilidade dos próprios professores/as. Vê-se muito
presente, nesse período, a percepção do magistério como vocação, sacerdócio e as obrigações
destinadas a profissão como ato de dedicação e doação. Nas palavras de Mafra (1878, p. 51):
O pessoal do magistério, salvas honrosas excepções, não é bom. O professorado, nas condições, em que se acha não é um apostolado, não é um sacerdócio, é apenas um meio de vida. O mestre em geral, ou não sabe o que ensina, ou não ensina o que sabe, ou não sabe ensinar " (p.51).
Ao referir-se as duas instituições que se dedicavam a formação de professores/as no
período (Escola Nossa Senhora da Penha e Escola Normal), Mafra (1878, p.51), desabafa:
“Pretende-se que os dois Institutos, que tem esta Capital, podião preparar mestres e mestras.
Engano. As discípulas, que aproveitarem, estarão sem dúvida habilitadas para cultivarem o
seu espirito, e serem distintas Senhoras, mas não aprenderão a ser mestras".
E assim seguiram-se os relatórios até o final dos Oitocentos. No entanto nas primeiras
décadas dos Novecentos, o contexto político decorrente da instituição da República, a Escola
Normal passa a aparecer nos relatórios como importantes instituições de formação de
professores. Já em 1908 Jeronymo Monteiro elogiava a estrutura e a organização da Escola
Normal do Estado. Este mesmo presidente também foi responsável pela reorganização que a
escola neste mesmo ano. Cinco anos mais tarde, o presidente afirma que a escola funciona
com regularidade mas aponta limites na estrutura física da instituição. Afirma o presidente:
Bem installadas como actualmente se acham, as escolas Normal e annexas do Estado constituem um estabelecimento que honra os nossos créditos e os fóros de civilização de que gozamos, pela sua capacidade, pelas condições hygienicas a que satisfaz e pelo modo como distribue o ensino
(MONTEIRO, 1905, 38).
A medida que crescia o número de escolas não providas por falta de professores/as
habilitados/as e também por vagas criadas pelo processo de expansão da instrução púbica
pelas meninas, persistia a demanda por formação de professores/as. No geral essas vagas
eram decorrentes dos homens que se afastaram da docência em busca de melhores salários e
condições de trabalho; as vagas de homens aposentados e as novas vagas criadas com a
expansão da instrução pública para as mulheres. Tanto é que ainda em 1913, Marcondes
Alves de Souza voltava a falar da falta e professores/as e no interior do Estado:
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É grande ainda a necessidade de escolas no interior do Estado, pois, tive a opportunidade de observar que muitos logares ha, onde muitas são as creanças que não recebem instrucção por falta de escolas ou porque já está excedido o numero de alumnos das existentes.
E continua: “ infelizmente, porém, ha grande falta de professores para o interior do
Estado. A maioria das normalistas não queira acceitar cadeiras no interior, poucas são as que
se dispõem a deixar a capital” (SOUZA, 1915, p. 49). O próprio presidente justifica a
resistência das normalistas em assumir as cadeiras do interior do Estado devido ao fato da
maioria ser solteira e residentes da capital, “luta com dificuldade para deixar a família” (p.
51).
Dos relatórios de 1914 a 1929, a exceção do de Florentino Avidos de 1928, os que fazem
referência a Escola Normal consideram que a instituição presta relevante serviços à instrução
pública. Marcada por políticas e projetos descontínuos, a formação de professores/as no
Espírito Santo no período estudado, esteve atrelado a três principais instituições de ensino a
saber:
- O Colégio Espírito Santo11 (fundado em 1868), que por oferecer o Curso Normal era
conhecido como Escola Normal (FRANCO, 2001).
Fonte: Acervo de fotos do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
11 No entanto esta instituição funcionava desde 1843 como o Lyceu (RODRIGUES, 1886).
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- Colégio Nossa Senhora Auxiliadora – fundado em 1900, esta escola ficou conhecido como
colégio do Carmo. Foi equiparada à escola Norma, em 1913, ficando sujeita, desde então, ao
regulamento em vigor (MONTEIRO, 1913).
Fonte: Acervo de fotos do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
- Instituto Secundário Feminino (criado em 1869), passou a ser chamado de Colégio Nossa
Senhora da Penha.
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Considerações Finais
No caso do Espírito Santo, a formação para o magistério mostrou-se frágil e
intermitente, registrando-se algumas iniciativas. A formação dos/as professores/as da escola
primária se deu de forma muito semelhante ao que ocorreu em outras regiões do Brasil,
incluindo-se o subsídio à formação de professores em outras províncias. No início do século
XX, a Escola Normal, que passara por momentos de debilidade, passa por um processo de
estabilização e revigoramento, ocupando posição de destaque na formação de professores
para a reformulação do ensino local. Desta forma, podemos afirmar que a criação, expansão e
as inúmeras reformulações do Curso Normal articularam-se aos processos de
profissionalização do magistério capixaba nas décadas iniciais do século XX. A atuação da
Escola Normal foi fundamental para constituição do magistério primário no Brasil bem como
para a inserção das mulheres na profissão docente.
Referências
ALMEIDA, Jane Soares. Mulheres na educação: missão, vocação ou destino? A feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, Dermeval [et al.]. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004, p.59-107. (Coleção Educação Contemporânea). COSTA, Rita de Cássia O. P. A constituição do Instituto de Educação de Vitória/ES e a formação de professores primários no Espírito Santo (1971-2000), 2014. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014. ______. Relatório com que o Ex.mo. Sr. Luiz Pereira do Couto Ferraz, Presidente da Província do Espírito Santo, dirigiu à Assembléia Legislativa, 1848. APPENSO ...K. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Biblioteca Digital. Disponível em: <https://ape.es.gov.br/relatorios-e-mensagens-2>, acesso em 28 de dezembro de 2016. ______. Relatório com que o Ex.mo. Sr. José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, Presidente da Província do Espírito Santo, dirigiu à Assembléia Legislativa, 1848. APPENSO ...K. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Biblioteca Digital. Disponível em: <https://ape.es.gov.br/relatorios-e-mensagens-2>, acesso em 28 de dezembro de 2016. ______. Relatório com que o Ex.mo. Sr. Antônio Pereira Pinto, Presidente da Província do Espírito Santo, dirigiu à Assembléia Legislativa, no de 1849. APPENSO ...K. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Biblioteca Digital. Disponível em: <https://ape.es.gov.br/relatorios-e-mensagens-2>, acesso em 28 de dezembro de 2016. ______. Relatório com que o Ex.mo. Sr. Barão de Itapemirim, Presidente da Província do Espírito Santo, dirigiu à Assembléia Legislativa, no dia de 1853. APPENSO ...K. Arquivo Público do Estado do
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4694
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