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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 4140 O JORNAL ESPÍRITA LUX COMO AGENTE DE LETRAMENTO DOS SUJEITOS (ALTO SERTÃO DA BAHIA -1913-1933) 1 Joseni Pereira Meira Reis 2 Introdução Este artigo tem como objetivo investigar e analisar de que maneira o jornal espírita Lux (1913-1933) funcionou como agente de letramento 3 que pôde contribuir com os modos de participação dos sujeitos na cultura escrita 4 . O jornal era uma produção vinculada ao Centro Espírita Aristides Spínola em Caetité 5 , Bahia. Assim, o jornal será tomado como fonte e objeto de pesquisa na medida em que os impressos não constituem uma obra “solitária, mas um empreendimento que reúne um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita” (LUCA, 2008, p.140). Este estudo se insere no campo da História da Educação e realiza interlocuções com os estudos sobre a História da Cultura escrita e História Cultural. O conceito de cultura escrita é pensado na perspectiva proposta por Ana Maria Galvão (2010). A autora considera polêmico e complexo conceituar cultura escrita, já que o termo implica pensar algumas consequências, como o fato de a cultura escrita não ser homogênea. Assim, a autora afirma ser relevante pensar em “culturas do escrito”, pois não se trata de conceber o mundo da escrita apenas como aquisição da “habilidade de escrever”. O conceito deve ser extensivo a “todo evento ou prática que tenha como mediação a palavra escrita” (GALVÃO, 2010, p.218). Visando a dar inteligibilidade ao conceito, Galvão opta pela utilização dos fundamentos da antropologia cultural. Logo, considera a cultura escrita como “lugar simbólico e material que o escrito ocupa em/para determinado grupo social, comunidade ou sociedade” (GALVÃO, 2010, p.218). 1 Agradeço a Universidade do Estado da Bahia pela concessão da bolsa PAC. 2 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Assistente do Departamento de Educação, Campus XII-Guanambi- Universidade do Estado da Bahia. [email protected] 3 O conceito de letramento é utilizado na perspectiva de Magda Soares (2010), numa abordagem antropológica. 4 Um aprofundamento na discussão em torno do conceito de “culturas do escrito” pode ser encontrado também em: Chartier (2001, 2002) e Galvão et al. (2008). 5 O município está localizado na zona fisiográfica da Serra Geral, situado na encosta da Serra do Espinhaço do Alto Sertão baiano. A cidade encontra-se a 757 quilômetros da capital do estado.

Joseni Pereira Meira Reis2 - ixcbhe.com · da palavra escrita” (L8CA, 2008, p.140). Este estudo se insere no campo da História da Educação e realiza interlocuções com os estudos

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ISSN 2236-1855 4140

O JORNAL ESPÍRITA LUX COMO AGENTE DE LETRAMENTO DOS SUJEITOS (ALTO SERTÃO DA BAHIA -1913-1933)1

Joseni Pereira Meira Reis2

Introdução

Este artigo tem como objetivo investigar e analisar de que maneira o jornal espírita Lux

(1913-1933) funcionou como agente de letramento3 que pôde contribuir com os modos de

participação dos sujeitos na cultura escrita4. O jornal era uma produção vinculada ao Centro

Espírita Aristides Spínola em Caetité5, Bahia. Assim, o jornal será tomado como fonte e

objeto de pesquisa na medida em que os impressos não constituem uma obra “solitária, mas

um empreendimento que reúne um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos,

por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir

da palavra escrita” (LUCA, 2008, p.140).

Este estudo se insere no campo da História da Educação e realiza interlocuções com os

estudos sobre a História da Cultura escrita e História Cultural. O conceito de cultura escrita é

pensado na perspectiva proposta por Ana Maria Galvão (2010). A autora considera polêmico

e complexo conceituar cultura escrita, já que o termo implica pensar algumas consequências,

como o fato de a cultura escrita não ser homogênea. Assim, a autora afirma ser relevante

pensar em “culturas do escrito”, pois não se trata de conceber o mundo da escrita apenas

como aquisição da “habilidade de escrever”. O conceito deve ser extensivo a “todo evento ou

prática que tenha como mediação a palavra escrita” (GALVÃO, 2010, p.218). Visando a dar

inteligibilidade ao conceito, Galvão opta pela utilização dos fundamentos da antropologia

cultural. Logo, considera a cultura escrita como “lugar – simbólico e material – que o escrito

ocupa em/para determinado grupo social, comunidade ou sociedade” (GALVÃO, 2010,

p.218).

1 Agradeço a Universidade do Estado da Bahia pela concessão da bolsa PAC. 2 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Assistente do Departamento

de Educação, Campus XII-Guanambi- Universidade do Estado da Bahia. [email protected] 3 O conceito de letramento é utilizado na perspectiva de Magda Soares (2010), numa abordagem antropológica. 4 Um aprofundamento na discussão em torno do conceito de “culturas do escrito” pode ser encontrado também

em: Chartier (2001, 2002) e Galvão et al. (2008). 5 O município está localizado na zona fisiográfica da Serra Geral, situado na encosta da Serra do Espinhaço do

Alto Sertão baiano. A cidade encontra-se a 757 quilômetros da capital do estado.

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O jornal Lux circulou de 1913-1933, apesar das interrupções, ainda assim, demonstra

que teve um tempo considerável de duração, malgrado a efemeridade6 que marcou no início

do século XX a vida dos impressos no Brasil, especialmente, os espíritas. Assim, a relevância

deste estudo encontra-se relacionada ao fato historicamente destacado de que os espíritas

utilizam da imprensa desde a sua origem com a publicação do peri dico ranc s, editado por

Allan ardec em 18 8, a evue pirite, e, no rasil, especi icamente, na ahia, em 18 , com

o jornal O Écho D’Além-Tumulo, ambos tinham o escopo de divulgar os preceitos da

doutrina. Vê-se que os impressos espíritas serviram não somente como divulgador, mas,

sobretudo, atuaram como agente de letramento no processo de expansão da doutrina.

Assim, busca-se compreender de que maneira o jornal Lux contribuiu com o processo

de aproximar a comunidade caetiteense da cultura escrita. Interessa-nos saber: quem eram

os redatores do Lux? Qual o nível de aproximação desses redatores com a cultura escrita? O

período investigado pela pesquisa compreende os anos de 1913 a 1933, se refere à fase de

produção e circulação do Lux em Caetité, além de ser a época em que o Centro Espírita teve

de fazer os enfrentamentos com as autoridades católicas na busca de legitimar o seu espaço

religioso na cidade. Para a realização do estudo, utilizamos, como fontes documentais, as

edições microfilmadas e digitalizadas do jornal, atas do Centro Espírita Aristides Spínola,

entre outras fontes, que se encontram no Arquivo Público Municipal de Caetité (APMC) e no

Centro Espírita Aristides Spínola (CEAS).

Este texto encontra-se estruturado da seguinte maneira: primeiramente, buscou-se

situar o Espiritismo na Europa, no Brasil e em Caetité, fato que permite perceber como a

doutrina vai tecendo a sua relação com as culturas do escrito. Em seguida, reconstitui-se o

processo de implantação do jornal Lux, enfatizando os embates e os dilemas enfrentados no

processo de produção e circulação. E por fim, pretende-se identificar quem eram os redatores

que escreviam no Lux, e quais eram as temáticas espíritas tratadas no impresso.

Antes de nos debruçar sobre a análise do jornal como agente de letramento,

localizemos, historicamente, o surgimento e os preceitos básicos da doutrina com o intuito de

perceber o lugar dos impressos na estruturação do Espiritismo.

A doutrina Espírita na Europa, no Brasil e em Caetité

O espiritismo surgiu na França em meados do século XIX, fundado por Alan Kardec. A

doutrina fundamenta-se nos ideais científicos, filosóficos e religiosos em voga na Europa

6 Sobre efemeridade dos impressos no Brasil, ver: (MOREL; BARROS, 2003), (JINZENJI, 2010), (CARVALHO, 2005).

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nesse período, tendo, como princípio básico, a crença no progresso espiritual da

humanidade, que seria realizado por meio de uma série de reencarnações. Segundo o Livro

dos Espíritos, “Disso resulta que todos n s tivemos muitas experi ncias e que ainda teremos

outras que, aos poucos, nos aperfeiçoarão, seja na Terra, seja em outros mundos” ( A DEC,

1999, p.20).

Conforme já sinalizado, os impressos constituem uma dimensão relevante na produção

escrita7 do Espiritismo: eles passam a circular desde a sistematização da doutrina. Acredita-

se que a leitura desses jornais e revistas são fundamentais para a formação dos adeptos, como

explicitado na rase “ ede mais laboriosos e perseverantes em vossos estudos; sem isso os

Espíritos superiores vos abandonarão como az um pro essor com seus alunos negligentes”

(KARDEC, 1999, p.26), pois a dedicação e a continuidade dos estudos são condições básicas

para se manter na doutrina. Além da criação dos impressos, Kardec realizou conferências

pelas províncias francesas, onde também iniciou a prática dos círculos de estudos da doutrina

(DAMAZIO, 1994). Damazio (1994) ressalta que, a partir daí, foram recorrentes a produção e

a ampliação de jornais e revistas sobre a doutrina. É também nesse processo de expansão da

produção impressa que as ideias Espíritas chegam ao Brasil8.

Ratificando a ideia de que a expansão do Espiritismo esteve vinculada ao

desenvolvimento do jornalismo e à circulação de informações, Aubrée e Laplantine (2009)

citam os exemplos de dois impressos: a revista paulista Verdade e Luz, fundada em 1890, que

tinha, no seu início, uma tiragem de 2.000 a 3.000 exemplares, mas chegou a atingir 15.000

exemplares em 1897; e a Revista Espírita nº 2, de fevereiro de 1900, com uma tiragem de

24.000 exemplares. egundo os autores, “estes eram, em sua maioria, distribuídos

gratuitamente para todo o país”. obre a tiragem, a irmam, ainda, que, “no rasil, em 1 00,

nenhum jornal diário ultrapassava .000 c pias” (AU ÉE; LAPLANTINE 200 , p.1 8). Os

dados evidenciam que esses materiais impressos circulavam pelos Centros Espíritas no Brasil

e, sobretudo, que havia um público leitor para eles.

Em Caetité, a doutrina espírita se estabelece formalmente com a fundação do Centro.

Entretanto, desde as décadas finais do século XIX, já é possível identificar ideias e valores

espíritas sendo divulgados na imprensa local. A fundação do Centro aconteceu em 25 de

dezembro de 1905, em uma reunião realizada no Paço Municipal, conforme consta na

7Sobre a produção escrita do Espiritismo, destacam-se os cinco livros de fundamentação da doutrina: O Livro dos Espíritos (1856); O Livro dos Médiuns (1864); O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864); O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868).

8 Sobre a instalação e desenvolvimento da doutrina no Brasil, ver: Damazio (1994), Machado (1996), Aubrée e Laplantine (2009), Arribas (2010) e Del Priore (2014).

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primeira ata, sob a presidência de Aristides de Souza Spínola9, e contou com a presença de

nove iniciantes na doutrina que, ao que parece, eram pessoas de boas condições econômicas

que se destacavam na sociedade, considerados homens letrados. Nessa reunião, foram

discutidas questões estruturais para o funcionamento do Centro, como por exemplo, o nome

que se daria ao Centro, ficando acordado que, provisoriamente, seria ele chamado de Centro

Psychico de Caetité10. Em 1925, com o falecimento de Aristides Spínola, presidente honorário

e sócio fundador da agremiação, os confrades aprovaram por unanimidade a alteração do

nome do Centro, passando a ser denominado Centro Espírita Aristides Spínola.

Processo de implantação do jornal Lux

No Centro espírita, a decisão de se criar um impresso vinculado à doutrina, com o

objetivo de divulgar o Espiritismo demandou um longo processo de discussão, enfrentou

desafios e resistências. Inicialmente, as resistências foram internas, por parte dos membros

da agremiação, que temiam assumir a responsabilidade de elaborar um jornal, custear a sua

produção, cuidar da distribuição e da circulação. Mas, sobretudo, temiam a forma de

recepção do impresso pela comunidade caetiteense. Con orme consta numa ata, “o director

fallou pela segunda vez sobre a Gazetinha Espirita, visto que na reunião presente tem maior

numero de socios, sufficiente para deliberar sobre o assumpto11” (ACTA, 14/01/1 13). Era

necessário, também, convencer os sócios quanto aos benefícios de se publicar uma gazeta; a

esse respeito consta na ata o posicionamento do diretor do Centro, João Gumes, que,

segundo o redator: “ ez-nos ver o conveniente e inconveniente da mesma, depois de bem

explicar-nos sobre o conveniente e que deverá ser mensal a Gazetinha e cada assignatura

annual dois mil reis, oi unanimente approvada” (ACTA, 14/01/1 13).

Posteriormente, ao processo de convencimento, as mensagens espirituais passam a

orientar os rumos das decisões sobre a criação do jornal, sobretudo nas questões referentes

ao “como” e “o qu ”12 escrever. Assim se mani estou um espírito: “Uni-vos e fazei a vossa

9 Aristides de Souza Spínola nasceu em Caetité em 1850. Filho de coronel, formou-se em Direito e entrou para a política, exercendo cargos políticos, posteriormente, abandou a política para dedicar-se ao Espiritismo. Tornou-se vice-diretor e diretor da Federação Espírita Brasileira. Na FEB, fez parte de um grupo de espíritas que “ ormularam, durante o século XX, as decisões importantes relacionadas às recomposições do movimento” (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p.165). Faleceu no Rio de Janeiro em 1925.

10 Sobre a escolha do nome do Centro, Joseni Reis (2010) acredita ser possível inferir que a escolha de “Centro Psychico de Caetité era reflexo das discussões que ainda ocupavam os seguidores da doutrina Espírita no início do século XX, a busca da legitimidade pautada nos referenciais científicos. Essa preocupação repercutiu também nas produções escritas, a exemplo da designação da evista Espírita de ardec, ‘Jornal de Estudos Psicol gicos’, undado em 18 8 na França” ( EI , 2010, p.88).

11 Optou-se por manter a grafia das palavras e a sintaxe, conforme constam nas atas. 12 Ver Darnton (1992).

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gazeta, mesmo pequena que dê noticias do nosso Centro” (ACTA, 1 /04/1 13). V -se que as

mani estações dos guias continuam insistindo neste prop sito: “Deveis azer vossa

Gazetinha. Tendes receio (...)” (ACTA, 24/0 /1 13). Orienta, ainda, neste sentido: “Escrevei

por pouco que seja. Procurai fazer o bem da propaganda. Escrevei nas poucas linhas sobre

amôr, com o amor” (IDEM). E conclui: “Vereis que a vossa Gazetinha será aceita. Virão até

collaboradores de longe (...) Trabalhai pelo bem e soccorrei os vossos irmãos necessitados”

(ACTA, 24/06/1913).

As mensagens espirituais recebidas são enfáticas, no sentido de destacar o potencial da

imprensa como propagador e divulgador de mensagens religiosas, demonstrando também

que outras religiões já faziam uso do potencial de convencimento possibilitado pela

imprensa, como, por exemplo, a religião Católica, por meio dos seus jornais e revistas,

con orme demonstra a mensagem recebida do Além: “ urge a imprensa catholica para que o

emperranismo continue a pregar que a egreja é a casa de Deus. A casa de Deus é o universo

meus irmãos, mas é preciso que sejais justos” (ACTA, 04/03/1 13). E assim, continua a

mensagem alada por intermédio do médium: “Fazei es orços, meus irmãos para crear vossa

Gazetinha, com ella será conhecido vosso “Centro”, podem ser conhecidos muitos irmãos.

ois racos e pobres, mas tenham a mim” (IDEM). essalta, ainda, as benesses advindas com

a criação de um jornal: “Crear a vossa Gazetinha, que é a orça viva, a alavanca do progresso,

com ella dareis noticias de muitos factos que aqui se dão. Que importa que vos combatam os

cepticos? Não duvideis que o espirito não progrida” (ACTA, 04/03/1 13). Endossando a

relevância da imprensa para atingir os fins colimados pela agremiação, assim consta no

jornal Lux:

A imprensa meio mais poderoso e efficiente para a propaganda de qualquer ideia ou principio; é o porta-voz do Pensamento; é a emissora da luz que dissipa as trevas do erro, desvendando a verdade, para esclarecer as consciências avidas de conhecel-a” (LUX, 28/0 /1 22, p.1).

A concepção de imprensa que embasa os redatores do Lux pauta-se no ideário do

cientificismo do século XIX, embalados pelas ideias da imprensa como meio de difusão do

conhecimento. Tania Regina de Luca (2008, p.120), analisando a relação entre trabalho,

cidade e imprensa no século XX, destaca que “as trans ormações conhecidas por algumas

capitais brasileiras nas décadas iniciais desse século foram, em várias investigações,

perscrutadas por intermédio da imprensa [...].” egundo Luca, a concepção de um tempo

veloz expresso por meio dos recursos que caracterizavam a “modernidade” (eletricidade,

cinema, automóveis, câmara fotográfica entre outros), a difusão de novos hábitos, valores,

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comportamentos nos espaços urbanos, promoviam a circulação de pessoas das diferentes

classes sociais, ato que gerava nas elites a necessidade de impor e “controlar” essas camadas

por meio da sua visão de mundo.

Com relação à escolha do nome do jornal Lux, as manifestações espirituais informam

que “isso pouco importa. Coragem que a vossa gazetinha terá um exito. Combatei os erros e

procurae de ender a luz” (ACTA, 21/0 /1 18). obre a denominação da gazeta de Lux, uma

mani estação espiritual in orma que, em se tratando de um rgão da doutrina espírita: “Lux é

um dos títulos mais apropriados: porquanto, o Espiritismo derrama luz a jorros, luz intensa,

que nos mostra, em toda a sua evidencia a magnitude, as brilhantes Verdades, em que se

irmam seus ensinamentos” (LUX, 2 /02/1 1 , p.2). Entende-se que o termo Lux remete a

um princípio implícito na doutrina Espírita, a condição da iluminação divina. Portanto,

prevalece a ideia de iluminação que se irradia a todos indistintamente. Afinal, a doutrina

espera que a luz possa impelir a pessoa na perspectiva do progresso e da evolução espiritual.

Sobre os autores que publicavam os artigos no jornal, interessa-nos saber: quem eram

os redatores do Lux? Possuíam vínculo com alguma instituição? Qual a proximidade desses

sujeitos com a cultura escrita? Para atingir os nossos objetivos, definimos cinco categorias de

prováveis autores, ou grupo de redatores. O primeiro grupo estava vinculado à diretoria do

Centro. O segundo grupo são os redatores vinculados a outros jornais. No terceiro grupo,

encontram-se os redatores que utilizam as iniciais do nome, ou apenas, uma inicial de um

suposto nome. O quarto grupo refere-se aos redatores que por algum motivo não querem ser

identificados, ou seja, são os artigos - sem autoria. E por fim, há o grupo dos que utilizavam

pseudônimo. A escolha e definição dessas categorias de análise assumem em certa medida

um grau de “arbitrariedade”, considerando que essa classi icação leva em conta os objetivos

da pesquisa. Sobre a utilização desse recurso, Antônio Batista e Ana Maria Galvão

consideram que toda categoria é arbitrária “na medida em que não são intrínsecas ao objeto,

mas exteriores; não são contemporâneas a ele” (200 , p.3 ). Os pesquisadores ressaltam

ainda, que essas categorias devem ser “su icientemente luídas para explicar a complexidade

do objeto; não devem ter ambiguidades e dubiedades, mas precisam ser tomadas como

inerentes ao pr prio processo de compreensão do passado” ( ATI TA; GALVÃO 200 , p.3 ).

Pode-se dizer que o grupo de redatores vinculados à diretoria do Centro foram, em

parte, os que sustentavam a produção do jornal - entre eles, destaca-se João Gumes,

presidente, com maior número de autoria de artigos publicados; Antônio Neves; Huol

Gumes, Virgílio Cotrim, Ernesto Dantas e Marieta Lobão. Os artigos de autoria de Virgílio

Cotrim são na sua maioria, manifestações mediúnicas, haja vista que era médium falante. Os

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textos dos editoriais escritos por João Gumes e Antônio Neves eram bastante extensos e

continham reflexões embasadas na teoria espírita. O jornal costumava eleger uma temática

central e trabalhar vários artigos explorando o tema, como, por exemplo, Deus, o princípio

criador de tudo; Céu e inferno, 2 de novembro (dia de finados), Nascimento de Jesus Cristo

(25 de dezembro), Allan Kardec, entre outros.

Além de redatores, esse grupo ainda era responsável pela edição do jornal. Portanto

desempenharam função imprescindível para a manutenção do Lux. Eram pessoas que

desenvolviam outras atividades no âmbito da produção escrita, como, por exemplo, professor

na Escola normal, advogado provisionado, comerciante, funcionário público, escritores, e

outras funções, o que demonstra considerável participação na cultura escrita.

Parte-se do princípio de que o jornal sendo escrito por pessoas espíritas que estavam

vinculadas aos campos literário, da imprensa e educacional significava que detinham certo

capital de autoridade, portanto, estavam em condições “de se azer escutar”. Além de se azer

entender, o jornalista ou escritor pretende também ser “obedecido, acreditado, respeitado e

reconhecido” ( OU DIEU, 1 83, p.1 1). Esses aspectos de inem a “compet ncia como

direito à palavra” (p.1 1). Desse modo, percebe-se que a língua, além de instrumento de

comunicação e conhecimento, torna-se “instrumento de poder” (p.1 1).

Ainda de acordo com Bourdieu (1983), a produção da linguagem entre dois locutores é

perpassada pela “ orça simb lica”, o que implica a relevância do capital de autoridade. A

construção simbólica desse capital ocorre no campo ao qual o sujeito está vinculado. Nesse

sentido, acreditamos que os redatores do Lux ˗ a exemplo de João Gumes fez uso do seu

capital de autoridade, ao propor para o Centro o desafio de se produzir uma gazeta de

propaganda da doutrina espírita, gazeta que fora veementemente rechaçada pelos dirigentes

da igreja católica local. Apesar das restrições impostas pelas autoridades católicas à leitura do

jornal Lux, o impresso foi acolhido por uma parcela da população, possivelmente em função

do capital cultural13 das pessoas envolvidas com a sua produção.

Sobre os letramentos14 possibilitados pelo jornal Lux, buscou-se ordenar por categorias

os temas abordados no impresso, assim, definiram-se cinco dimensões que agregam os

preceitos da doutrina. São elas: mediúnica, doutrinária, educativa, sociabilidade e a literária.

Ressalta-se que alguns artigos podem ser classificados em mais de uma dimensão. Assim,

torna-se indispensável conhecer quais eram as questões abordadas nessas categorias. Quais

13 Sobre capital cultural ver Bourdieu (1998). 14 Brian Street (2014) considera que, atualmente, a ênfase nos estudos sobre eventos de letramento é mais ampla, vista como “uma prática social e numa perspectiva transcultural.” (p.17). Essa nova abordagem tem como cerne a “natureza social do letramento” e o “caráter múltiplo das práticas letradas.” (p.18).

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as práticas de leitura nelas presentes, ou parafraseando Darnton (1992, p.217), conhecer os

“comos” e os “por qu s” do en oque dado às questões espíritas.

obre a concepção de “evento de letramento”, concorda-se com Street quando se opõe à

visão de um “letramento único e neutro”. O autor recorre à de inição de “evento de

letramento”, utilizada pela pesquisadora americana hirley rice Heath, como “qualquer

ocasião em que um fragmento de escrita integra a natureza das interações dos participantes e

seus processos interpretativos” (HEATH, 1 82, apud T EET, 2014, p.18). Portanto,

entende-se que os eventos de letramento são acontecimentos mediados pela presença do

escrito. Na proposição de treet, existem as “especi icidades dos letramentos em lugares e

tempos particulares”, portanto, num mesmo suporte de leitura, podem acontecer di erentes e

múltiplas práticas de leituras, com base no interesse do leitor. No caso específico do jornal

Lux, os leitores podem manifestar interesse por determinadas seções do jornal, aqui

identificadas por dimensões. Vejamos quais foram às dimensões de letramento presentes no

impresso.

Dimensão mediúnica: as mensagens recebidas do além tiveram destaque nas páginas

do Lux, sobretudo as manifestações recebidas no CEAS. Interessante destacar que o impresso

opera com duas situações bem adversas: se, por um lado, a publicação das manifestações

enviadas pelos desencarnados costumava despertar o interesse e a atenção das pessoas,

sobretudo movidas pela curiosidade para saber se os respectivos comunicados foram mesmo

enviados pelo suposto remetente, por outro lado, essas publicações também acirravam ainda

mais os ânimos entre os que não viam essas práticas com bons olhos, especialmente os

dirigentes da igreja Católica.

A publicação dos comunicados do além no jornal Lux fez parte da pauta das reuniões

do CEAS; os membros concordaram com a sugestão apresentada pelo vice-diretor quanto à

necessidade de se publicar no impresso as mensagens mediúnicas recebidas. Consta na ata

que “todos acharam razoavel a proposta, icando decidido que d’agora em diante seja eita

sua publicação” (ACTA, 2 /08/1 21). Entretanto, esse tema é retomado em reuniões

posteriores, o que nos leva a questionar os motivos de discutirem tanto a publicação, ou não,

do conteúdo das mensagens mediúnicas. Haveria por parte dos membros receio em dar

visibilidade aos comunicados do além? E assim, o vice-diretor volta a argumentar sobre a

necessidade de:

ser reservada uma secção no ‘Lux’, especialmente para publicação de communicados obtidos, aqui no Centro ou mesmo em qualquer outra parte, como um poderoso meio de propaganda do espiritismo. Temos que evoluir, e

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devemos começar de hoje, trabalhando pelo progresso dos nossos espíritos. Fála longamente (ACTA, 30/05/1922).

O vice-diretor do Centro acreditava no poder de persuasão, advinda da leitura e da

socialização dessas mensagens no processo de conquista de adeptos para a doutrina espírita.

Mormente os sócios manifestavam certo receio quanto à publicação das referidas mensagens,

mas o vice-diretor oi categ rico ao a irmar que “devemos pôr em pratica (publicar as

mensagens), sem temor do ridiculo que possam lançar sobre n s os nossos adversarios”

(ACTA, 09/06/1922).

Dimensão doutrinária, obviamente que os princípios da doutrina Espírita perpassam

todo o jornal Lux, mas há que se destacar a coluna “O Espiritismo é a verdade”, escrita por

Antônio Neves, publicada de 1914 a 1919. Os artigos da referida coluna apresentam e

defendem os princípios básicos da doutrina como verdade que se coadunam com os preceitos

da cientificidade, como, por exemplo, a ideia da reencarnação, do progresso, da regeneração

dos espíritos em vidas sucessivas, o fato de a doutrina não se ater a rituais externos, como

condição para salvação dos fiéis, entre outros princípios. Na prédica, o redator apresenta e

defende os preceitos espíritas em oposição aos dogmas do catolicismo, por exemplo, repele a

ideia de inferno de penas eternas, ensina que somente a reencarnação pode explicar as

desigualdades da vida terrena. Enfim, nos artigos, exercita-se continuamente, o movimento

de retomar e reafirmar os pontos basilares da doutrina.

Fica evidente ainda, que há intenção declarada em vincular a ideia de Espiritismo com

verdade, como se salienta na rase a seguir “O Espiritismo conclama corajosamente a

Verdade, sem rebuços nem mysterios, ensinando que só a Fé raciocinada é aceitável, pois que

a Fé dos que creem de olhos echados não passa de anatismos” (LUX, 22/0 /1 18, p.3). A

divulgação das ideias espíritas por meio dos impressos ˗ conforme visto ˗ era prática

recorrente no Brasil desde décadas finais do século XIX. As temáticas abordadas nos artigos

desses impressos acabavam convergindo para o mesmo assunto, geralmente as notícias

veiculadas pelos distintos jornais espíritas que circulavam no Brasil eram semelhantes. Isso

fez com que o redator do Lux, Antônio Neves, ap s escrever um dos artigos sobre “O

Espiritismo é a verdade”, publicasse, em seguida, nota sobre o re erido artigo, esclarecendo:

Quando se recebeu n’esta cidade o numero 137 da Aurora de Valença já estava no prelo, completo este artiguinho. Não houve pois um plagio do magistral artigo de fundo do referido numero da AURORA, mas apenas uma singular coincidencia de idéas. Antonio Neves (LUX, 26/02/1919, p.5).

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Dimensão educativa15: os valores e princípios dessa dimensão, também, atravessam os

artigos publicados no jornal. A redatora Marieta Lobão Gumes16 trata da “Educação moral” e

destaca a relevância do papel dos pais na educação dos filhos. Comenta que já havia

abordado esse assunto em dois outros “artiguinhos” do re erido jornal em que ressalta o

comportamento dos meninos. Expressa que, depois de reiterados pedidos efetuados às mães,

como também com a sua própria intervenção como professora, mas sem obter êxito, resolveu

conclamar, então, os pais para que não permitissem que os filhos ficassem perambulando

pelas ruas e praças da cidade praticando desordens, falando palavrões, e assim comenta:

“Crianças de 7 a 14 annos, mesmo das que requentam a minha escola, agrupam-se, não para

se divertirem [...], passeando alegremente, mas para se descomporem e baterem por

qualquer pretexto” (LUX, 02/11/1 20, p.2). E, por im, convoca todos os pais e mães a

envidar es orços e cuidados para que juntos possam se “Dedicar à tare a di ícil mas

proveitosíssima de encaminhar a infância pela via do progresso para os melhores dias da

regeneração moral que pouco a pouco vae se operando no seio da sociedade” (LUX,

02/11/1920, p.2).

A preocupação da redatora com a “educação moral” das crianças advém em parte, da

sua função como professora, mãe e espírita. O Espiritismo apresenta conexão com um novo

modelo de pensar a educação, por meio da “via do progresso” e da “regeneração moral” pelos

caminhos que levam consequentemente à transformação do espírito que, segundo a doutrina,

deveria evoluir progressivamente por meio da caridade. Portanto, a moral e a caridade eram

vistas como fundamentos educativos pertencentes ao homem bom, virtuoso e consequente.

A Dimensão da sociabilidade se estabeleceu e foi mediada, prioritariamente, pelo

escrito. As notas dos jornais trocadas entre os interlocutores evidenciam a amplitude das

redes que o jornal Lux manteve, assim como o intercâmbio, a permuta com impressos

espíritas em diferentes lugares do Brasil e do mundo. As sociabilidades firmadas com outros

impressos contribuem com o seu processo de reconhecimento, visibilidade e legitimidade.

Dos quinze impressos que aparecem nas páginas do Lux, somente três deles não são jornais

espíritas, são eles: O Correio da Manhã˗ Rio de Janeiro; Gazeta de Pesqueira- Pernambuco

15 Dora Incontri (2001, p.1 3) a irma que a “ess ncia do espiritismo é a educação”. De acordo com Incontri, di erentemente de outras “correntes religiosas, que t m caráter salvacionista, a doutrina espírita, com seu tríplice aspecto – científico, filosófico e religioso – pretende promover a evolução do homem, que é um processo pedag gico”.

16 Marieta era filha de Marcellino Neves, que fora um dos membros fundadores do Centro Espírita. Desde criança, participava das sessões comemorativas do Centro. A partir de 1930, passa a fazer parte da diretoria do Centro, desempenhando a função de bibliotecária. Além de professora, Marieta, também foi escritora e publicou o livro O clã dos Neves em 1975.

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e o Esperança-Piauí. Os outros doze são espíritas, alguns são centenários, possuem uma

produção longeva já consolidada, a exemplo do Reformador e do Clarim. A Revista O

Reformador é considerada um dos primeiros periódicos espíritas, fundado no Brasil em

1883, com sede no Rio de Janeiro, e ainda se encontra em circulação. Inicialmente em

formato de jornal, depois, com a fundação da FEB (1883), o impresso foi por ela incorporado

e transformado em Revista. O Reformador tornou-se o principal órgão de divulgação da

doutrina, bem como das ações e atividades desenvolvidas pelos diversos Centros espalhados

pelo país, filiados à Federação Espírita Brasileira.

O Clarim foi fundado por Cairbar Schutel, em agosto de 1905, em Matão, São Paulo.

Segundo Marion Aubrée e François Laplantine (200 ), o jornal conseguia expressar “a

vontade de clamar alto e orte que nossa pro issão e é é agora espírita.” (p.171). Os estudiosos

comentam que, desde o início da publicação, o jornal teve edição com “tiragem de 10.000

exemplares”. Em 1 13, o seu proprietário planejava, ainda “tiragens especiais, para o dia de

finados com mais de 40.000 cópias, que seriam enviadas a diversos cantos do país para ser

distribuídas gratuitamente nos cemitérios.” (AU ÉE; LAPLANTINE, 200 , p.171). Mas, a

ação foi malograda pela atuação de um delegado de polícia que apreendeu os impressos,

ameaçando prender o seu proprietário. Os pesquisadores informam ainda que tal fato

desencadeou insatisfação geral, tanto por parte da imprensa espírita como da imprensa leiga,

principalmente por parte dos jornais paulistas Gazeta de Notícias e O Correio da Manhã.

As redes de sociabilidades instituídas entre os impressos, geralmente, eram

estabelecidas por intermédio da permuta dos jornais; assim, o redator do Lux, por meio de

notas, agradecia o recebimento de periódicos que vinham dos mais diferentes lugares do

rasil, con orme a nota a seguir: “ ecebemos e muito agradecemos a visita do nosso

estimavel e mimoso collega Aurora de Maracacuéra (Ilegível) no Pará” (LUX, 20/11/1 20,

p.4). Outra estratégia utilizada pelo redator do Lux, para referir-se aos impressos espíritas, é

mencionar o tempo de sua produção, como pode ser observado com relação ao recebimento

do jornal Verdade e Luz, ocasião em que assim se mani estou: “Esse nosso distincto confrade,

que já consta 26 annos de profícua lucta em prol da causa do espiritismo e tantos serviços

vem prestando, deu-nos a honra da sua amavel visita. Não avalia quanto nos sentimos

penhorados, [...]” (LUX, 20/11/1 20, p.4). O Lux também divulgava notas que sobre ele

haviam sido publicadas em outros impressos, a exemplo do jornal Alma e Coração, de Belém

do Pará, que, em julho de 1 14, publicou: “Ao colleguinha Lux de Caeteté, na ahia, enviamos

uma braçada de rosas, encorajando-o na trajectoria luminosa que encetou, para que as suas

paginas se multipliquem e cresçam na razão da sua grande boa vontade” (LUX, 01/07/1 14,

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p.3). Na mesma nota, o redator do Lux assevera: “Essas palavras muito nos desvanecem e

encorajam para seguirmos o caminho que temos traçado em meio a tantas difficuldades e

impecilhos. Gratos, muito gratos” (LUX, 01/07/1 14, p.3).

Dimensão literária: Destaca-se o papel da biblioteca do CEAS como agente de

letramento, na medida em que proporciona um espaço de acesso dos sujeitos aos materiais

escritos da doutrina. A biblioteca foi fundada em 1911, e continua em funcionamento.

Entretanto, no que se refere ao acervo inicial, existem poucos exemplares de livros de autores

como: Camille Flammarion, Léon Denis, Albert Coste, Gabriel Dellane, Victor Hugo e outros.

Trata-se de exemplares que foram impressos no final do século XIX e início do XX, nos quais

se pode identificar o carimbo com o nome da biblioteca, nome do doador ou outra forma de

aquisição, data e assinatura do responsável pela biblioteca. Interessante observar que essa

biblioteca manteve intercâmbio com pessoas e instituições de outros lugares que doavam

livros. Em nota divulgada pelo jornal Lux, evidencia-se, também, que Centro contava com um

número substancial de livros considerados relevantes para a doutrina, assim como jornais e

revistas, tanto nacionais como estrangeiros. Em nota, o Lux de 25/01/1930 convida a

população caetiteense para frequentar a biblioteca do Centro, esclarecendo:

Franqueada ao público todas as noites das 19 às 21 horas, a Biblioteca do Centro Espírita Aristides Spinola, conta já com grande número de obras de valor sobre o Espiritismo, assim como muitos jornaes e revistas espíritas do Brasil e estrangeiro. Frequentai-a e podereis estudar a consoladora doutrina (Lux, 25/01/1930, Anno 17, n. 73).

A nota retirada do jornal Lux, datada 1930, faz um convite à comunidade para

frequentar a biblioteca do Centro Espírita Aristides Spínola à noite, período em que as

pessoas poderiam ter mais disponibilidade para leitura, considerando que, possivelmente,

durante o dia, todos estavam envolvidos nos seus afazeres. Vê-se que a proposta de

frequentar a biblioteca à noite é utilizada com uma estratégia para atrair mais pessoas para as

atividades de leitura realizadas pelo Centro.

Considerações Provisórias

A análise das fontes tornou possível entrever que, para além do aspecto doutrinário e

de divulgação do Espiritismo, o jornal Lux funcionou como uma produção impressa do

Centro que serviu para aproximar e, sobretudo, ampliar o contato dos leitores espíritas e não

espíritas com a cultura escrita. Nas suas páginas, podem-se vislumbrar várias dimensões de

letramento, tomando como referência aspectos da doutrina presentes no impresso.

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No conturbado processo de produção do Lux, há que se destacar o papel

desempenhado pelos redatores, que, providos de capital cultural e simbólico, foram os

responsáveis pelo desafio de produzir e fazer circular um impresso espírita, numa cidade em

que a igreja católica tinha assegurado a sua hegemonia no campo religioso. Um dos desafios

enfrentados era, sobretudo, conseguir, por meio do impresso, ampliar o número de leitores

espíritas, e, assim, conquistar adeptos para a doutrina.

A produção escrita advinda dos impressos publicados em Caetité nas décadas iniciais

do século XX, sobretudo, durante o período dos embates religiosos entre os católicos e,

especialmente, os espíritas permite vislumbrar o papel desempenhado pela imprensa como

agente de letramento, tendo atuado com um eficiente meio de comunicação com os diversos

leitores espíritas e não espíritas. Possibilita, também, visualizar como se utilizaram da

imprensa para transmissão de um poder ideológico, uma vez que o impresso é um canal de

comunicação com os leitores que busca regular e modelar os comportamentos dos fiéis.

Fonte Manuscrita

LIVRO de Atas das reuniões do Centro Espírita Aristides Spínola (1905-1930).

Fonte Impressa

JORNAL Espírita Lux (1913-1930).

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