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Caracterização geotécnica e retroanálise da ruptura de uma encosta litorânea situada na BR- 101, Santa Catarina Thaís Perez Lazarim Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, [email protected] Alessander C. Morales Kormann Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, [email protected] Liamara Paglia Sestrem Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, [email protected] RESUMO: O presente artigo apresenta os resultados de uma retroanálise realizada em uma encosta litorânea rodoviária, localizada no km 140+700m da BR-101/Sul, em Balneário Camboriú – SC. Trata-se de um talude com histórico de processos de movimento de massa que resultaram em deposição de solo sobre a rodovia e consequente interrupção do tráfego, movimentos esses deflagrados pelas intensas precipitações registradas em novembro de 2008 no estado de Santa Catarina. A metodologia utilizada envolveu a comparação de levantamentos topográficos realizados em 2006 e 2010, sendo assim possível determinar com razoável precisão a superfície de ruptura. O perfil geológico-geotécnico foi interpretado a partir de duas sondagens mistas e um perfil longitudinal de sondagem geofísica realizadas no local. Os índices físicos e parâmetros de resistência do solo foram determinados através de ensaios laboratoriais de caracterização e cisalhamento direto, realizados em quatro amostras indeformadas coletadas no talude. A retroanálise do perfil de ruptura, modelado a partir das informações reunidas, foi realizada no Slope/W do software GeoStudio 2004 e resultou em um ângulo de atrito entre 26º e 30°, para um intercepto coesivo abaixo de 2 kPa, com pouca influencia de poropressões. Tendo em vista o conjunto dos dados disponíveis e ensaios laboratoriais respaldando o estudo, pode-se considerar que a retroanálise efetuada mostrou-se bastante satisfatória na obtenção de parâmetros médios de resistência do talude. Com vistas à continuidade das pesquisas, levando-se em consideração a granulometria dos materiais e as incertezas quanto às poropressões no instante da ruptura, recomenda-se uma análise do fluxo no interior do maciço. O módulo Seep/W do software GeoStudio poderia ser utilizado, sendo possível analisar a percolação não só estacionária saturada como transiente e não saturada. PALAVRAS-CHAVE: Retroanálise, Serra do Mar, Estabilidade de Taludes, Caracterização Geotécnica 1. INTRODUÇÃO As grandes obras de engenharia, entre elas as rodovias, são concebidas com afinalidade de trazer relevantes benefícios à sociedade. Espera-se que a sua construção e operação aconteçam de forma segura, sendo o gerenciamento de potenciais riscos ao longo da vida útil destas obras realizado constantemente por uma equipe de técnicos responsáveis. Por se tratarem de obras lineares de grande extensão, caracterizam-se por atravessarem diferentes regiões, de características muito distintas em termos de relevo, vegetação, geologia e condições geotécnicas. Como consequência disso, cada região pode apresentar uma resposta diferente aos serviços de terraplenagem ali executados, gerando problemas de estabilidade em seus taludes de corte e aterro, e, consequentemente, restrições

Caracterização geotécnica e retroanálise da ruptura de uma

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Caracterização geotécnica e retroanálise da ruptura de uma encosta litorânea situada na BR-101, Santa Catarina Thaís Perez Lazarim Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, [email protected] Alessander C. Morales Kormann Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, [email protected] Liamara Paglia Sestrem Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, [email protected] RESUMO: O presente artigo apresenta os resultados de uma retroanálise realizada em uma encosta litorânea rodoviária, localizada no km 140+700m da BR-101/Sul, em Balneário Camboriú – SC. Trata-se de um talude com histórico de processos de movimento de massa que resultaram em deposição de solo sobre a rodovia e consequente interrupção do tráfego, movimentos esses deflagrados pelas intensas precipitações registradas em novembro de 2008 no estado de Santa Catarina. A metodologia utilizada envolveu a comparação de levantamentos topográficos realizados em 2006 e 2010, sendo assim possível determinar com razoável precisão a superfície de ruptura. O perfil geológico-geotécnico foi interpretado a partir de duas sondagens mistas e um perfil longitudinal de sondagem geofísica realizadas no local. Os índices físicos e parâmetros de resistência do solo foram determinados através de ensaios laboratoriais de caracterização e cisalhamento direto, realizados em quatro amostras indeformadas coletadas no talude. A retroanálise do perfil de ruptura, modelado a partir das informações reunidas, foi realizada no Slope/W do software GeoStudio 2004 e resultou em um ângulo de atrito entre 26º e 30°, para um intercepto coesivo abaixo de 2 kPa, com pouca influencia de poropressões. Tendo em vista o conjunto dos dados disponíveis e ensaios laboratoriais respaldando o estudo, pode-se considerar que a retroanálise efetuada mostrou-se bastante satisfatória na obtenção de parâmetros médios de resistência do talude. Com vistas à continuidade das pesquisas, levando-se em consideração a granulometria dos materiais e as incertezas quanto às poropressões no instante da ruptura, recomenda-se uma análise do fluxo no interior do maciço. O módulo Seep/W do software GeoStudio poderia ser utilizado, sendo possível analisar a percolação não só estacionária saturada como transiente e não saturada. PALAVRAS-CHAVE: Retroanálise, Serra do Mar, Estabilidade de Taludes, Caracterização Geotécnica 1. INTRODUÇÃO As grandes obras de engenharia, entre elas as rodovias, são concebidas com afinalidade de trazer relevantes benefícios à sociedade. Espera-se que a sua construção e operação aconteçam de forma segura, sendo o gerenciamento de potenciais riscos ao longo da vida útil destas obras realizado constantemente por uma equipe de técnicos responsáveis.

Por se tratarem de obras lineares de grande extensão, caracterizam-se por atravessarem diferentes regiões, de características muito distintas em termos de relevo, vegetação, geologia e condições geotécnicas. Como consequência disso, cada região pode apresentar uma resposta diferente aos serviços de terraplenagem ali executados, gerando problemas de estabilidade em seus taludes de corte e aterro, e, consequentemente, restrições

geológicas-geotécnicas importantes para este tipo de obra (LOPES, 2007).

Essa situação pode se tornar ainda mais complexa nos casos em que essas obras atravessam encostas naturais da Serra do Mar, sendo estes locais caracterizados por um perfil de intemperismo resultante de processos físicos, químicos e biológicos ao longo do tempo. Os maciços em questão constituem-se normalmente por solos de origem coluvionar ou residual, possuindo uma dinâmica fortemente influenciada por agentes ambientais e geomorfológicos como clima, vegetação, topografia e rocha matriz (SUZUKI, 2004).

A retroanálise é um método de avaliação da estabilidade de massas terrosas e rochosas. Consiste na observação e análise de casos de colapso já ocorridos. O estudo desses casos permite obter dados de resistência ao cisalhamento, que podem ser utilizados em projetos na mesma área. (GUIDICINI & NIEBLE, 1976).

Quando um talude sofre colapso, admite-se que o fator de segurança, no momento da ruptura, tenha se reduzido ao valor da unidade. Trata-se então de reconstituir as condições do talude pré-ruptura, seja na geometria ou nas principais forças atuantes. A partir desses dados, que podem ser levantados com razoável aproximação, avaliam-se as características de resistência (GUIDICINI & NIEBLE, 1976). Contudo, a retroanálise é confiável apenas quando o modelo e todas as hipóteses são representações razoáveis e precisas do sistema real (DESCHAMPS & YANKEY, 2004).

Caso seja possível determinar a geometria do talude e da superfície de ruptura, bem como as condições de pressão neutra presentes no momento da ruptura, pode-se estabelecer por tentativas, através de cálculos de estabilidade, vários pares de parâmetros de resistência (coesão e ângulo de atrito) que satisfazem a condição de �� = 1,00, obtendo uma curva � = (∅).

2. METODOLOGIA 2.1. Histórico e caracterização da área de

estudo

O presente trabalho se desenvolveu sobre uma encosta do Morro do Boi situada no km 140+700 m da BR-101/SC Sul (Figura 1).

Figura 1. Localização da Área de Estudo.

O local apresenta um histórico de instabilidade proveniente de uma das primaveras mais chuvosas das últimas décadas, com mais de três meses seguidos de chuva intensa que culminaram em registros de até 750 mm em apenas 3 dias durante o mês de novembro de 2008 em alguns municípios do Vale do Itajaí (BRESSANI, 2011).

De acordo com dados da Defesa Civil (2012), esse foi o pior desastre da história de Santa Catarina até então, deixando mais de 80 mil pessoas entre desalojados e desabrigados, 63 municípios em Situação de Emergência, 14 em Estado de Calamidade Pública e 135 mortes.

Como consequência desses eventos, um sistema de estabilização que combina ancoragens passivas (grampos) e uma tela de proteção (malha de aço) foi implantado. A tela atua de modo a controlar as deformações do solo, sendo seus esforços redistribuídos para grampos, que por sua vez são chumbados no maciço rochoso. A solução de estabilização conta ainda com uma viga de coroamento fixada no maciço rochoso através de um reticulado de estacas raiz que visam confinar, através de uma estrutura rígida de contenção, a porção de solo do maciço que ainda não sofreu grandes deformações (SESTREM, 2012).

A encosta contempla ainda um sistema de instrumentação composto por inclinômetros, tensiômetros, piezômetros de corda vibrante e de Casagrande, crackmeters, strain gages, células de carga e um pluviógrafo, compreendendo o monitoramento de aspectos

geológico-geotécnicos, hidrológicos e ambientais (SESTREM, 2012).

O presente trabalho tem como objetivo principal complementar o entendimento do comportamento do maciço através de uma caracterização geotécnica por meio de ensaios laboratoriais de caracterização e resistência ao cisalhamento. Tais estudos possibilitaram um refinamento na modelagem da retroanálise, resultando em parâmetros de resistência (coesão e ângulo de atrito) bastante precisos do material no momento da ruptura. 2.1.1. Definição da superfície de ruptura A superfície de ruptura foi definida com a comparação de perfis gerados a partir de levantamentos topográficos realizados em 2006, pela Prefeitura municipal de Balneário Camboriú, e em 2010, pela Autopista Litoral Sul (Figura 2). Como o deslizamento ocorreu em novembro de 2008, essa diferença de datas entre os dois levantamentos possibilitou obter com razoável precisão o volume de massa escorregada e, consequentemente, a superfície de ruptura.

Figura 2. Perfis comparativos entre 2006 e 2010, representado a superfície da ruptura ocorrida em novembro de 2008 (LAZARIM, 2012).

A estratigrafia local foi determinada com base em duas sondagens mistas (SM-06 e SM-07) executadas entre os meses de novembro e dezembro de 2011. O posicionamento das sondagens e a localização da seção definida para obtenção do perfil geológico-geotécnico são apresentados na Figura 3.

Figura 3. Localização da seção utilizada para traçar o perfil e sondagens mistas em planta (LAZARIM, 2012).

A interpretação das sondagens para a análise de estabilidade levou em consideração as seguintes camadas: areia fina a média, com profundidade variando entre 2,50 e 3,00 metros; rocha muito alterada a alterada, chegando até 10,00 metros de profundidade e, por fim, uma camada de rocha sã de migmatito. A sondagem SM-06 identificou ainda uma camada de areia média entre 5,00 e 6,10 metros. Um refinamento do perfil, principalmente nas cotas mais afastadas das sondagens, foi possível com a utilização de um perfil de sondagem geofísica por eletrorresistividade, conforme pode ser observado na Figura 4.

O perfil da linha piezométrica no instante de ruptura foi adotado hipoteticamente como paralelo ao relevo, tendo em consideração a falta de informações referentes ao nível de água (NA) à época.

Figura 4. Perfil geológico-geotécnico do km 140+700m (LAZARIM, 2012). 2.2. Caracterização geológico-geotécnica 2.2.1. Coleta de amostras indeformadas Foram coletadas amostras indeformadas e deformadas em quatro pontos do talude em estudo, sendo três dentro da área de contenção (blocos 02, 03 e 04) e um fora (bloco 01), como pode ser observado na Figura 5.

As amostras indeformadas foram coletadas para realização de ensaios de cisalhamento direto. Foram coletadas ainda, nos mesmos pontos, amostras deformadas para a realização de ensaios de caracterização.

Figura 5. Pontos de coleta dos blocos de amostras indeformadas e deformadas.

Na Figura 6 estão apresentadas fotos das amostras em laboratório.

Figura 6. Blocos durante moldagem dos corpos de prova. 2.2.2. Ensaios laboratoriais A preparação das amostras para caracterização foi realizada conforme a NBR 6457 (ABNT, 1986). A determinação da densidade real dos grãos foi conduzida empregando-se o procedimento DNER-ME 093 (DNER, 1994). A análise granulométrica foi realizada segundo a NBR 7181 (ABNT, 1984), com utilização de hexametafosfato de sódio como defloculante. Os ensaios de determinação do Limite de Liquidez (LL) e Limite de Plasticidade (LP) foram realizados conforme recomendações das NBR 6459 e NBR 7180 (ABNT, 1984), respectivamente.

Os ensaios de cisalhamento direto foram realizados em corpos-de-prova prismáticos, talhados em anéis metálicos biselados de seção quadrada com 100 mm de lado e aproximadamente 20 mm de altura. As amostras foram preparadas seguindo recomendações da norma britânica BS 1377 - parte 7 (1990) do British Standard Institution.

GIBSON & HENKEL (1954, apud HEAD, 1981) definem o tempo estimado para a ruptura ao cisalhamento lento ( �) segundo a equação empírica:

�[���] = 12,7 ∙ ��� (1)

Com a curva de adensamento de cada amostra foi possível estimar ��� pelo método de Taylor (Figura 7)

Figura 7. Estimativa de ��� pelo método de Taylor.

Adotando um deslocamento de 1 mm para ruptura da amostra, temos a velocidade de cisalhamento:

� =1��

12,7 ∙ ��� (2)

A prensa utilizada foi o modelo L02900 da

Wille Geotechnik. Os deslocamentos horizontal e vertical foram coletados com relógios comparadores digitais de aquisição automatizada, modelo IDS1012B da marca Mitutoyo. A força cisalhante foi obtida por meio da célula de carga da Geocomp, modelo J956306, com capacidade para 500 kgf, também com coleta automatizada de dados.

A velocidade de cisalhamento adotada para todos os ensaios foi de 0,08��/���, conservadoramente, representando a menor calculada entre as amostras. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1. Ensaios de Caracterização A Tabela 1 apresenta um quadro resumo com os resultados obtidos nos ensaios de limites de Atterberg e densidade real dos grãos das quatro amostras ensaiadas.

Tabela 1. Quadro resumo de ensaios de limites de Atterberg e massa específica real dos grãos.

Amostra

Limites de Atterberg Massa Específica Real dos

Grãos [g/cm³] LL [%]

LP [%]

IP [%]

01 32,2 26,6 5,6 2,610

02 35,3 28,7 6,6 2,632

03 28,4 25,3 3,1 2,694

04 31,8 26,9 4,9 2,700

Média 31,9 26,9 5,0 2,660

Na Figura 8 estão sobrepostas as curvas granulométricas obtidas. A Tabela 2 apresenta, segundo classificação da NBR 6502 (ABNT, 1995), os percentuais da análise granulométrica das quatro amostras, indicando materiais de baixíssima plasticidade.

Figura 8. Curvas granulométricas das amostras ensaiadas. Tabela 2. Análise granulométrica das amostras.

Am

ostr

a Análise Granulométrica [%]

Argila <0.002mm

Silte 0.002 - 0.06mm

Areia 0.06 – 2mm

Pedrugulho 2 - 60mm

01 7,00 25,00 59,29 8,71

02 0,00 30,00 69,69 0,31

03 8,00 22,00 57,43 12,57

04 2,00 31,00 55,29 11,71

A densidade real dos grãos média encontrada foi 2,66�/��³. O limite de liquidez dos materiais médio obtido foi 31,9%, a média do limite de plasticidade, 26,9%.

Na Figura 9 é apresentada a posição das amostras na carta de plasticidade, sendo possível observar uma tendência das amostras

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

De

slo

cam

en

to V

ert

ica

l [m

m]

Raiz Tempo [min]

L

1,15L

Ex.:

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1000

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

0,001 0,01 0,1 1 10

Po

rce

nta

gem

Ret

ida

Po

rce

nta

gem

Pa

ssa

nd

o

Diâmetro das Partículas (mm)

BLOCO-01 BLOCO-02

BLOCO-04 BLOCO-03

n°40 n°10 n°4n°60 n°30 n°16 3/8" 3/4" 1" 2"1 1/2"n°200 n°100

de acompanharem a “linha A” e que todos os valores de LL encontram-se abaixo da “linha B”, caracterizando materiais inorgânicos, cujo comportamento pode representar baixa compressibilidade.

Todas as amostras ensaiadas foram classificadas como SM (areias siltosas) segundo o Sistema Unificado de Classificação de Solos – SUCS (DNIT, 2006), apresentando baixo teor de argila (em média 4,3%), 27,0% de silte e uma fração arenosa correspondente a 60,4%. Os outros 8,3% correspondem à média de fração pedregulhosa das amostras.

Figura 9. Posição das amostras na carta de plasticidade. 3.2. Cisalhamento direto As amostras foram adensadas e cisalhadas sob as tensões normais de 30 kPa, 60 kPa, 90 kPa e 180 kPa.

Nas curvas de deslocamento vertical versus deslocamento horizontal, pôde-se observar uma redução de volume em todos os ensaios, aumentando com o deslocamento horizontal, característica de areias fofas.

Considerando o nível de tensões esperado na profundidade da superfície de ruptura, os pontos referentes à tensão normal de 180 kPa foram desconsiderados no traçado das envoltórias utilizadas para retroanálise, diminuindo assim o erro inerente à aproximação de uma reta da envoltória de Mohr Coulomb, dada à tendência de curvatura observada nos ensaios. A Tabela 3 apresenta os parâmetros de resistência obtidos em cada amostra considerando as tensões de 30, 60 e 90 kPa.

Tabela 3. Parâmetros de resistência.

AMOSTRA Intercepto

Coesivo [kPa] Ângulo de

Atrito

BLOCO 01 2,0 33,5º

BLOCO 02 16,9 27,6º

BLOCO 03 1,1 30,5º

BLOCO 04 2,9 38,8º

Média 5,75 32,6º

Na Figura 10 podemos observar as

envoltórias de resistência das quatro amostras ensaiadas. São apresentadas também as equações das retas que definem cada envoltória.

A variação entre os ângulos de atrito encontrados, entre 27,6º e 38,8º, se deve a diversidade de materiais amostrados no talude que, apesar de apresentarem curvas granulométricas muito próximas, se diferem em cor, textura, distribuição de camadas, compacidade, etc.

Figura 10. Envoltórias de resistência das amostras ensaiadas. 3.3. Retroanálise As retroanálises de estabilidade foram realizadas através do módulo Slope/W do software GeoStudio 2004, que, entre outras funções, calcula o fator de segurança (FS) para taludes de solo e rocha, utilizando a teoria do equilíbrio limite. Pela rigorosidade do método e geometria da superfície de ruptura encontrada optou-se pela utilização do método de Morgenstern-Price para o cálculo do fator de segurança do talude.

Os valores de coesão adotados foram, 0 kPa, valor característico quando se trata de solos arenosos, 1,1 kPa, 2,0 kPa e 2,9 kPa, valores de

0

5

10

15

20

25

10 20 30 40 50 60

Linha A

Linha B

0

10

20

30

40

50

60

70

80

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Ten

são

Cis

alh

ante

[kP

a]

Tensão Normal [kPa]

BLOCO 01 BLOCO 02 BLOCO 03 BLOCO 04

BLOCO 04

τ' = tg 38,85° σ' + 2,94'

BLOCO 02

τ' = tg 27,62° σ' + 16,93'

BLOCO 01

τ' = tg 33,53° σ' + 2,03'

BLOCO 03

τ' = tg 30,52° σ' + 1,10'

intercepto coesivo encontrados nos ensaios de cisalhamento direto das amostras BLOCO-03, BLOCO 01 e BLOCO 04, respectivamente. O intercepto coesivo de 16,93 kPa, obtido na amostra BLOCO 02, não foi considerado na retroanálise por não representar uma coesão realista para um perfil predominantemente granular.

O nível d’água foi avaliado a partir da cota 0,00 m até a profundidade de 2,50 m, estando assim abaixo da cunha de ruptura, com análise a cada 50 cm. Um resumo dos parâmetros geotécnicos, peso específico e profundidade do nível d’água adotados e simulados nas diferentes camadas, podem ser observados na Tabela 4.

Considerando que a cunha de ruptura passa apenas pela camada de areia fina a média, deve-se observar que os parâmetros das outras camadas são apenas referência, não influenciando os resultados obtidos na retroanálise.

Tabela 4. Valores adotados nas simulações em Slope/W 2004.

Material Rocha

Alterada

Rocha Muito

Alterada

Areia Fina a média

Peso Esp. Aparente [kN/m³]

16 16 16

Peso Esp. Aparente Saturado [kN/m³]

20 20 20

Coesão - c' [kPa] 14 14 0,0; 1,1; 2,0; 2,9

Ângulo de atrito 32° 32° Entre

24,3° e 30,3°

Profundidade Nível d'água

Entre 0,00 e 2,50m

O procedimento de análise consistiu em

fixar os valores de coesão e nível de água, variando-se o ângulo de atrito de modo a se encontrar o fator de segurança unitário para a superfície de ruptura definida previamente na Figura 11, estando os resultados apresentados na Figura 12.

Cabe salientar que valores de coesão maiores que 3,0 kPa não se mostrariam compatíveis com a tendência granular observada no perfil em questão e levariam à interpretação de ângulos de atrito inferiores aos esperados para este tipo de material e à

faixa observada nos ensaios de cisalhamento direto. Além disso, observa-se que o nível d’água apresenta menor influência à medida que o valor da coesão se reduz.

Figura 11. Definição do perfil no software GeoSlope 2004, NA = 1,00m.

Figura 12. Pares de parâmetros de resistência com fator de segurança unitário. 4. CONCLUSÕES O presente artigo buscou avaliar a ruptura de um talude rodoviário localizado no km 140+700 m de pista da BR-101, em Santa Catarina. Para tal, foram coletadas amostras deformadas e indeformadas. A caracterização geotécnica das amostras identificou material areno-siltoso, com baixo índice de plasticidade (5%) e massa específica real dos grãos média de 2,66�/���.

Os ensaios de cisalhamento direto resultaram em envoltórias de resistência com ângulos de atrito entre 27,6° e 38,8° e intercepto coesivo

Superfície de

Ruptura

Areia fina a média não saturada

Areia fina a média saturada

Rocha alterada a muito alterada

Rocha sã de migmatito

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

3,50

24,00 25,00 26,00 27,00 28,00 29,00 30,00 31,00

Inte

rce

pto

co

esi

vo [

kP

a]

Ângulo de Atrito

NA = 0,00 m

NA = 0,50 m

NA = 1,00 m

NA = 1,50 m

NA = 2,00 m

NA = 2,50 m

variando entre 1,1 e 16,9 kPa. Os resultados obtidos com esses ensaios, com baixas coesões, sugerem material arenoso, como foi identificado na análise granulométrica.

A retroanálise do talude permitiu uma avaliação da sensibilidade dos parâmetros, indicando uma possível faixa de variação dos valores dos parâmetros geotécnicos (coesão, ângulo de atrito) no momento da ruptura.

Os resultados permitiram concluir que o ângulo de atrito médio (operacional) do material rompido encontrava-se entre 26° e 30°, para um intercepto coesivo abaixo de 2 kPa. A influência das poropressões avaliada mediante posições arbitradas do nível d’água,mostrou menor influência nos resultados à medida que a coesão se reduz.

O conjunto dos dados utilizados no presente estudo para a determinação da superfície de ruptura, envolvendo a utilização de ensaios geofísicos para interpretação do perfil geológico geotécnico e de ensaios laboratoriais para respaldar os parâmetros do solo, representam fatores de validação para a retroanálise realizada.

Com vistas à continuidade das pesquisas, levando-se em consideração a granulometria dos materiais e as incertezas quanto às poropressões no instante da ruptura, recomenda-se uma análise do fluxo no interior do maciço. O módulo Seep/W do software GeoStudio poderia ser utilizado, sendo possível analisar a percolação não só estacionária saturada como transiente e não saturada. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú e à Concessionária Autopista Litoral Sul – Grupo Arteris, pelo fornecimentos dos dados utilizados neste trabalho, e à equipe do Laboratório de Materiais e Estruturas (LAME) do Instituto de Tecnologia para Desenvolvimento (LACTEC), pela orientação na execução dos ensaios de cisalhamento direto.

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