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Carimbo “Escudete” nas Moedas de Cobre da antiga colónia Brasil Miguel Soares [email protected] | http://www.numismatas.com Foi já no longínquo ano de 1498 que Vasco da Gama descobriu o caminho Marítimo para a Índia, feito este que foi fundamental para a grande campanha portuguesa no Oriente. Após este feito, uma nova frota foi enviada para a Índia, desta feita liderada por Pedro Álvares Cabral, oriundo de Belmonte. Quis o destino, que ventos e marés levassem a armada portuguesa para novas terras nunca antes descobertas (leia-se descobertas por povos europeus, dado que já há muitos anos que estas terras eram habitadas por povos nativos), terras que eram o tão afamado Brasil. Foi então no dia 22 de Abril de 1500 que Portugal escreveu uma página das mais importantes para o desenrolar da sua história futura. IMAGEM 1 | O desembarque dos portuguezes no Brazil ao ser descoberto por Pedro Alvares Cabral em 1500, Alfredo Roque Gameiro. Durante os primeiros anos de colonização, muitas vezes as trocas comerciais eram feitas não à base de moeda metálica, mas à base de “moeda-mercadoria”, sendo o açúcar, o algodão e a madeira os principais materiais de pagamento na época. Estas trocas, embora não extintas totalmente, começam a perder a sua importância devido à introdução da circulação das moedas vindas do Continente. As primeiras moedas a serem cunhadas no território brasileiro, curiosamente, foram cunhadas pelos Holandeses, aquando da sua invasão ao Brasil já no século XVII. A sua primeira cunhagem deu-se no ano de 1645, tendo sido cunhadas em Pernambuco. Contudo, as primeiras moedas cunhadas em cobre para circular no Brasil, oficialmente, foram cunhadas durante o reinado de D. Pedro II. Estas moedas foram cunhadas na cidade do Porto para circularem em Angola, mas foram mandadas circular no Brasil pela Carta Régia de 10 de Fevereiro de 1704.

Carimbo “Escudete” nas Moedas de Cobre da antiga colónia ... · não é a melhor, pelo que peço desde já as minhas desculpas. Esta decisão, embora tenha os contras já assinalados,

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Page 1: Carimbo “Escudete” nas Moedas de Cobre da antiga colónia ... · não é a melhor, pelo que peço desde já as minhas desculpas. Esta decisão, embora tenha os contras já assinalados,

Carimbo “Escudete” nas Moedas de Cobre

da antiga colónia Brasil Miguel Soares

[email protected] | http://www.numismatas.com

Foi já no longínquo ano de 1498 que Vasco da Gama descobriu o caminho Marítimo para a Índia, feito

este que foi fundamental para a grande campanha portuguesa no Oriente. Após este feito, uma nova

frota foi enviada para a Índia, desta feita liderada por Pedro Álvares Cabral, oriundo de Belmonte. Quis o

destino, que ventos e marés levassem a armada portuguesa para novas terras nunca antes descobertas

(leia-se descobertas por povos europeus, dado que já há muitos anos que estas terras eram habitadas

por povos nativos), terras que eram o tão afamado Brasil. Foi então no dia 22 de Abril de 1500 que

Portugal escreveu uma página das mais importantes para o desenrolar da sua história futura.

IMAGEM 1 | O desembarque dos portuguezes no Brazil ao ser descoberto por Pedro Alvares Cabral em 1500, Alfredo Roque

Gameiro.

Durante os primeiros anos de colonização, muitas vezes as trocas comerciais eram feitas não à base de

moeda metálica, mas à base de “moeda-mercadoria”, sendo o açúcar, o algodão e a madeira os

principais materiais de pagamento na época. Estas trocas, embora não extintas totalmente, começam a

perder a sua importância devido à introdução da circulação das moedas vindas do Continente. As

primeiras moedas a serem cunhadas no território brasileiro, curiosamente, foram cunhadas pelos

Holandeses, aquando da sua invasão ao Brasil já no século XVII. A sua primeira cunhagem deu-se no ano

de 1645, tendo sido cunhadas em Pernambuco. Contudo, as primeiras moedas cunhadas em cobre para

circular no Brasil, oficialmente, foram cunhadas durante o reinado de D. Pedro II. Estas moedas foram

cunhadas na cidade do Porto para circularem em Angola, mas foram mandadas circular no Brasil pela

Carta Régia de 10 de Fevereiro de 1704.

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IMAGEM 2 e 2A | Exemplos das primeiras moedas cunhadas no Brasil pelos holandeses e das primeiras emissões em cobre

ao tempo do rei D. Pedro II.

Feita a introdução à moeda em geral e à moeda de cobre no Brasil, é importante agora tratar o tema

principal deste artigo, o carimbo Escudete nas Moedas de Cobre. De notar que todas as moedas

utilizadas daqui em diante fazem parte da minha colecção, existindo apenas uma excepção que se

encontra devidamente identificada. Daí que seja importante frisar que muitas das vezes a sua qualidade

não é a melhor, pelo que peço desde já as minhas desculpas. Esta decisão, embora tenha os contras já

assinalados, no meu ponto de vista, dá uma maior personalidade ao artigo.

A cunhagem em cobre no, e para o Brasil, pode-se dividir em duas fases, o Padrão Antigo e o Padrão

Novo. O Padrão Antigo vem desde a cunhagem acima assinalada, de D. Pedro II até ao ano de 1799 já no

reinado de D. Maria I (embora Portugal estivesse sob a regência do seu filho, D. João, futuro rei D. João

VI). Já o Padrão novo, segue então desde 1799 até ao ano de 1822, ano em que se dá a

Independência do Brasil com o Grito do Ipiranga por parte do filho de D. João VI, D. Pedro IV, futuro D.

Pedro I, primeiro Imperador do Brasil. No Padrão Antigo, foram cunhadas moedas com 4 valores

diferentes. As de V Réis com médias de 25mm de módulo e 3,5g de peso, as de X Réis com médias de

31mm de módulo e 7,2g e peso, as de XX Réis com médias de 35mm de módulo e 14,3g de peso e

finalmente as moedas de XL Réis com médias de 40mm de módulo e 28,8g de peso. Importa agora

mostrar moeda de cada um dos valores para que se possa ter uma melhor noção do padrão utilizado.

IMAGEM 3 Moeda do Padrão Antigo de V Réis de 1774 de D. José I.

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IMAGEM 4 Moeda do Padrão Antigo de X Réis de 1774 de D. José I.

IMAGEM 5 | Moeda do Padrão Antigo de XX Réis de 1774 de D. José I.

IMAGEM 6 | Moeda do Padrão Antigo de XL Réis de 1760 de D. José I.

Como foi frisado anteriormente, no ano de 1799 dá-se a quebra do Padrão Monetário Antigo, passando

então a vigorar o Padrão Novo. Dá-se uma quebra no peso do cobre de 50%, desvalorizando assim as

peças anteriormente mostradas. Nesta nova cunhagem, o valor de V Réis vai ser extinto sendo

introduzido um novo valor facial de LXXX Réis. Sendo assim, as novas moedas de X Réis passam a ter o

módulo e peso das antigas de V Réis, as novas de XX Réis passam a ter o módulo e peso das antigas de X

Réis, as novas de XL passam a ter o módulo e peso das antigas de XX Réis e por fim, as novas de LXXX

Réis passam a ter o módulo e peso das antigas de XL Réis. De seguida mostram-se exemplares de cada

valor para melhor percepção da mudança de Padrão Monetário.

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IMAGEM 7 | Moeda do Padrão Novo de X Réis de 1821 de D. João VI

IMAGEM 8 | Moeda do Padrão Novo de XX Réis de 1819 de D. João VI

IMAGEM 9 | Moeda do Padrão Novo de XL Réis de 1819 de D. João VI

IMAGEM 10 | Moeda do Padrão Novo de LXXX Réis de 1821 de D. João VI

No princípio do século XIX, viveu-se em Portugal uma das páginas mais negras da nossa história, as

Invasões Francesas. Foram 3 invasões ordenadas por Napoleão Bonaparte, sendo a primeira no ano de

1807, comandada pelo General Junot. Junot chega a entrar em Lisboa, mas com a ajuda vinda de

Inglaterra, liderada pelo General Wellesley (futuro Duque de Wellington), as tropas francesas vêm-se

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obrigadas a deixar Portugal. A 2ª Invasão dá-se em 1809 e foi liderada pelo General Soult, entrando por

Chaves e chegando até ao Porto. Novamente foram derrotados pelas tropas luso-britânicas lideradas

pelo General Wellesley e pelo Marechal Beresford. A 3ª Invasão dá-se no ano seguinte e foi liderada

pelo Marechal Masséna, entrando pelo Nordeste de Portugal, conquistando Almeida. Foram depois

derrotados na famosa Batalha do Bussaco, embora se tenham reagrupado e seguido marcha em

direcção a Lisboa. A entrada em Lisboa não tem sucesso, devido às Linhas de Torres Vedras que tinham

sido mandadas construir pelo General Wellesley depois da 2ª Invasão, a fim de proteger a cidade de

Lisboa.

Devido a todos estes problemas, aquando da primeira invasão, a Família Real transfere a Corte de Lisboa

para o Rio de Janeiro de forma a preservar a independência do Reino, chegando mesmo a mudar a

Capital do Reino de Lisboa para o Rio de Janeiro.

IMAGEM 11 | Príncipe Regente de Portugal e toda a Família Real embarcando para Brasil no cais de Belém, Henry L'Évêque.

Havia por esta altura uma grande necessidade financeira, muito devido aos gastos efectuados para

sustentar a Guerra que ocorria no Continente. Para isso, D. João Príncipe Regente ordenou por Alvará

em 18 de Abril de 1809 que todas as moedas de prata (da série J) e de cobre do Padrão Monetário

Antigo (até 1799) levassem um carimbo que as elevaria para o dobro do valor. Este carimbo teve o

nome de “Escudete”. Neste Alvará, D. João ordenava o seguinte:

“...marcadas a ponção com o cunho das minhas Reaes Armas, corrão em qualquer parte do Estado do

Brazil as seguintes moedas de prata, e cobre, com os valores abaixo declarados: a saber: a moeda de

cobre chamada antiga, cujo pezo especifico he o duplo do da que se emittio no anno de mil oitocentos e

tres, e valia quarenta réis, passará a girar por oitenta réis; semelhantemente a de vinte, por quarenta

réis,e a de dez por vinte réis; a moeda de prata de seiscentos réis passará a representar seiscentos e

quarenta réis; a de trezentos, trezentos e vinte réis; a de cento e cincoenta, cento e sessenta réis; e a de

setenta e cinco, oitenta réis; visto que o valor intrinseco da primeiras he o mesmo que o das segundas,

com as quaes igualão no tamanho....”

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Neste Alvará estava especificado que as moedas de V Réis do Padrão Antigo não seriam carimbadas pois

fariam falta para pequenas transacções ou para facilitar nos trocos. Isso não se verificou em todos os

casos pois chegaram aos nossos dias alguns exemplares de moedas de V Réis do Padrão Antigo

carimbadas com o “Escudete”, sendo estas consideradas como moedas escassas. A ordem pode ser

verificada no seguinte excerto:

“E porque a moeda de cinco réis se faz indispensavel para o ajuntamento de peque nas transacções, e

deve por esta causa conservar-se na circulação....”

Assim, as moedas de V Réis com “Escudete” passam a valer X Réis, as moedas de X Réis com “Escudete”

passam a XX Réis, as moedas de XX Réis com “Escudete” valem agora XL Réis e as moedas de XL com

“Escudete” passa a valer LXXX Réis. Mostro agora um exemplo de cada valor com o carimbo.

IMAGEM 12 | Moeda de V Réis do Padrão Antigo de D. Maria I de 1787 c/ carimbo.

Foto: www.colecaoxlreis.com.br

IMAGEM 13 | Moeda de X Réis do Padrão Antigo de D. Maria I de 1786 c/ carimbo “Escudete”, passando por isso a valer XX

Réis.

IMAGEM 14 | Moeda de XX Réis do Padrão Antigo de D. Maria I de 1787 c/ carimbo “Escudete”, passando por isso a valer XL

Réis.

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IMAGEM 15 | Moeda de XL Réis do Padrão Antigo de D. José I de 1762 c/ carimbo “Escudete”, passando por isso a valer

LXXX Réis.

A medida do carimbo “Escudete”, foi sem dúvida extremamente eficaz para aumento das finanças da

Coroa. Isto porquê? Porque cada pessoa que aplicasse o carimbo nas moedas, tinha de repor o valor

obtido, ou seja, se o carimbo fosse aplicado numa moeda de XX Réis, esta passava a ter o valor facial de

XL Réis, tendo de ser repostos os XX Réis da diferença entre o valor facial antigo e o valor facial com

carimbo. A população apercebeu-se que este “negócio” não era positivo para as suas contas e acabaram

por aparecer alguns carimbos “Escudetes” falsos, na tentativa de evitar a carimbagem oficial da Coroa,

não tendo assim de repor a diferença. Estes carimbos falsos da época, são hoje vistos como curiosidades

pois fizeram parte da história da sociedade quotidiana daquele tempo.

Bibliografia

ARAGÃO, Augusto Teixeira, “Descrição Geral e Histórica das Moedas Cunhadas em

Nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal”, Lisboa, 1874-1880;

GOMES, Alberto, “Moedas Portuguesas e do Território que hoje é Portugal – 5ª

Edição”, Lisboa, 2006;

REIS, Pedro Batalha, “Cartilha da Numismática Portuguesa”, Lisboa, 1952;

Webgrafia

http://www.colecaoxlreis.com.br

http://www.educacional.com.br/reportagens/dinheiro/brasil.asp

http://www.forum-numismatica.com

http://www.numismatas.com