Carlos Imbassahy - A Missão de Allan Kardec

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Carlos Imbassahy - A Misso de Allan Kardec

www.autoresespiritasclassicos.comCarlos ImbassahyA Misso de Allan Kardec

Edio conjunta de:

Federao Esprita do Paran

Federao Esprita Catarinense

Federao Esprita do Rio Grande do Sul

Unio das Sociedades Espritas do Estado de So Paulo

Unio das Sociedades Espritas do Estado do Rio de Janeiro

Contedo resumido

Carlos Imbassahy (1883-1969) foi um dos pioneiros na luta pela expanso e em defesa do Espiritismo no Brasil.Nesta obra, o autor faz um estudo histrico do Espiritismo, desde as filosofias espiritualistas dos precursores da antiguidade at a consolidao da Doutrina Esprita no sculo XX.

Na primeira parte da obra so analisados os precursores do Cristianismo, como Krishna, Buda, etc., passando pelos grandes filsofos Scrates e Plato, e culminando com a misso do Mestre Jesus. Em seguida apresenta a misso de Kardec e os principais fatos ligados ao nascimento da Doutrina Esprita.

Na segunda parte, Imbassahy discorre sobre a expanso do Espiritismo no sculo XX, formulando um conjunto de slidas argumentaes em defesa da Doutrina, diante dos frequentes ataques dos negadores e dos detratores da Doutrina dos Espritos.Dedicatrias

A

Canuto Abreu

Rendo, neste opsculo, onde se fala de Allan Kardec, alm de minha homenagem de amigo, o preito de admirao ao maior conhecedor, atualmente, da vida, da obra e dos trabalhos do mestre.

A

Joo Chignone

Dedico, ainda, estas linhas, ao confrade sincero, ao bom amigo, ao honesto e incansvel trabalhador que, em prol da causa que tem como patrono Allan Kardec, no poupa o seu tempo, a sua tranqilidade, os seus bens, a sua sade.

Sumrio4Prefcio 1 edio

6Prefcio 2 edio

Primeira Parte7Os precursores

10A imperiosa necessidade do advento espiritual

15Hydesville

20Pestalozzi

21Allan Kardec

23O educador

23O homem e seu carter

26Notas do Dr. Canuto Abreu

30Jean Huss

34Iniciao no Espiritismo

40O Codificador

42Plano de O Livro dos Espritos

45Bases doutrinrias

47Princpios

51Rplicas e proibies

55Da gnese doutrinria

Segunda Parte59Objees

61Objurgatrias

64Reencarnao

67O livro negro do Espiritismo

67O primeiro fator

72O segundo fator

76Os cientistas

82O terceiro fator

84Galileu

85Documentos graves

86Fatos

90A luz

93Ao nvel dos mdiuns

98O quarto fator

99O Animismo prova o Espiritismo

102Uma Pastoral

112Concluso

Prefcio 1 edio

Ningum ignora que Carlos Imbassahy exerce a difcil arte de escrever com entusiasmo e devoo, sem visar a lucros. Os seus livros correm mundo, instruem e educam, e ele permanece sobranceiro ao interesse monetrio, apenas preocupado em divulgar e defender o Espiritismo.

Ainda agora ele destinou esta obra A Misso de Allan Kardec ao nosso amigo comum Joo Ghignone, que a enviar Federao Esprita do Paran, para fins de beneficncia.

Tenho mesmo a impresso que Carlos Imbassahy nasceu escritor e, por ndole e formao moral, nunca se esqueceu que o homem veio ao mundo para servir.

Conheci-o no ensejo de um congresso esprita, no Rio de Janeiro. Senti o seu corao em Niteri, na rua Mariz e Barros, 114, onde fui recebido, naquela ocasio, com a proverbial hospitalidade bem brasileira e esprita generosa, espontnea, viva e eloqente. Sabe conversar e debater. sua volta, os problemas humanos e extra-humanos se apresentam com toda a claridade.

Anima o debate, desenvolve conceitos e cada qual dos circunstantes se esmera na discusso e soluo das teses propostas. Sa de uma dessas reunies sumamente grato, pela excelncia do temrio e extrema cordialidade nos debates.

Carlos Imbassahy faz parte, assim, da boa falange dos escritores que vieram edificar, com o favor de Deus, o Espiritismo no Brasil. No se contenta em lanar amiudadamente publicidade livros bem feitos; escreve para uma poro de jornais e revistas especializadas e responde, com impecvel pontualidade, pelo Mundo Esprita, a uma infinidade de perguntas, que lhe chegam s mos de todos os recantos do territrio nacional. No termina a sua atuao no vasto campo do Espiritismo: ocupa constantemente a tribuna e o rdio, e nunca silencia ante a manobra daqueles que tentam lanar confuso na doutrina, atravs de Livros Negros e Pastorais.

Os adversrios, que deliberadamente esquecem os fatos essenciais, de carter informativo e formativo do Espiritismo, objetivam levar o descrdito para as hostes kardecistas. Carlos Imbassahy sustenta e sustenta bem que o verdadeiro esprita no pode e nem deve ficar calado, se o Espiritismo atacado.

Sai logo a repelir o ataque, com as armas da experincia e da lgica, evidenciando a falsidade da agresso. Fala com sabedoria e dignidade. Recompe, discute e convence. Ensina, de maneira clara e precisa, o nascimento, o desenvolvimento, a expanso e as conseqncias religiosas, cientficas e filosficas do Espiritismo. Esfarela a agresso. Mesmo para o adversrio recalcitrante e de m f, tem sempre uma palavra de bom humor, como a advertir que o Espiritismo e Allan Kardec continuaro a viver, pela eternidade, queiram ou no os dissidentes.

A Misso de Allan Kardec bem a prova de amor de Carlos Imbassahy pelo Espiritismo e por Allan Kardec. Corre, no tempo e no espao, em busca dos precursores do mestre; examina, em suas particularidades, as manifestaes de Hydesville, o que quer dizer, o incio do Espiritismo; vive a misso do reformador, cheia de tropeos e perigos; revive, em sntese magnfica, as caractersticas do Espiritismo; defende a vida e a obra de Allan Kardec, contra as arremetidas do clero, que dia a dia perde domnio sobre as massas populares.

Mas Carlos Imbassahy, escrevendo A Misso de Allan Kardec, no se limitou a uma reconstruo histrica, o que seria, sem dvida, trabalho meritrio e digno de louvores. Foi alm: fez obra de ensasta, honrando a literatura esprita.

Allan Kardec se inscreve, sem favor algum, entre os grandes benfeitores da humanidade, e neste momento, com redobradas razes, o seu nome ser invocado em todo o universo como o gnio do Espiritismo, porque, como j disse pelo jornal Mundo Esprita, se deve a Allan Kardec a sistematizao do Espiritismo, em forma clara e precisa. No se prendeu, porm, a coordenar, colecionar e compor os fenmenos espritas, pois instituiu uma teoria completamente nova da vida humana e seu destino, a qual encerra toda idia de progresso e de evoluo, e a nica que explica, racional e coerentemente, a diversidade de condies psicolgicas, morais e sociais nos indivduos.

O Espiritismo influi poderosa e decisivamente na ordem moral, no sentido de orientar o homem para o bem; e na ordem civil para tornar efetivos os sagrados direitos da humanidade que aspira o reinado da fraternidade. Por isso mesmo Allan Kardec ocupa, na histria da ascenso humana, um lugar de excepcional relevo. Ser sempre lembrado, como um dos vultos representativos da humanidade, por ter posto ao alcance de todo o mundo, com lucidez e perfeio, o condo da salvao, pelo progresso eterno das almas, atravs das vidas sucessivas. Sua doutrina o Espiritismo operou, como ele previa, uma revoluo completa nas idias e nas crenas, razo pela qual sua obra se tornou imperecvel, alcanando rpida propagao e aceitao, neutralizando o efeito das doutrinas subversivas da ordem social, no reconduzir os homens aos sentimentos de seus deveres recprocos.

A Misso de Allan Kardec valiosa contribuio s apoteoses do primeiro centenrio de O Livro dos Espritos, destinada a ser compulsada com proveito por todos aqueles que se interessam pelos magnos problemas do esprito. Carlos Imbassahy tem a virtude do escritor de bom quilate, seguro no escrever, firme na argumentao, paciente no revide capciosa crtica do adversrio e profundo conhecedor da vida e da obra de Alan Kardec.

trabalho de mestre.

Francisco Raitani

Prefcio 2 edio

Carlos Imbassahy figura mpar no cenrio cultural esprita do Brasil, constituindo constelao em que figuram estrelas de igual grandeza como Deolindo Amorim, Herculano Pires e outros.

Alm de escritor nato, que a doutrina da reencarnao bem explica, o Dr. Imbassahy foi tambm notvel polemista, filsofo, socilogo e divulgador esprita, detentor de uma cultura polimrfica que as suas obras testificam.

A anlise que se possa fazer de qualquer de seus trabalhos, alm do acervo cultural que fica evidente e inegvel, mostra ainda outra fase singular de sua vida, como seja a capacidade de pesquisar, discernir e demonstrar, com simplicidade, mesmo as questes mais complexas.

Alm desse humanismo, ressaltava nele a invulgar capacidade de servir ao homem. A par disso, era vasto seu conhecimento da obra do codificador.

Seu trabalho, neste livro que agora sai a lume, em 2 edio conjunta das Federaes Espritas dos Estados do Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e das Unies das Sociedades Espritas dos Estados de So Paulo e do Rio de Janeiro, um preito de saudades e louvor a quem tanto fez pela grandeza do Espiritismo, como discpulo fiel da obra de Allan Kardec.

Walter do Amaral

Primeira Parte

Os precursores

A alma, seguindo a lei de evoluo que rege os corpos, se vem desenvolvendo atravs dos reinos da natureza e atravs dos sculos at chegar nossa espcie.

Ela traz, portanto, ao entrar na vida humana, resduos milenrios, e da a selvageria, o egosmo, a fereza, os sentimentos inferiores que parecem constituir os caracteres da grande maioria dos seres.

Para acelerar o nosso progresso espiritual vem o Criador enviando ao planeta os seus Instrutores e eles nos comunicam as leis divinas, que so pauta de nossa conduta, que so os ensinos que nos devem encaminhar ao bem e aos bons sentimentos.

O Bramanismo, cujas razes se perdem no tempo, recomenda aos homens a coragem moral, a sabedoria, o amor s criaturas, o sacrifcio, a retido, a austeridade.

No Prasada se atribui a Krishna as mximas que estabelecem a moral dos povos; elas nos dizem que o orgulho, a avareza, a crueldade, a clera, o tdio, as paixes vergonhosas e os vcios tornam os homem desprezvel.

Zoroastro, h muitos sculos, fundava na Prsia uma religio digna de respeito.

Jeremias toma a defesa dos oprimidos, clama pela paz, prega contra a tirania, a veniaga, o assassnio, os maus costumes. Deixa ao mundo uma grande lio e um grande exemplo. Era um homem que chorava, como choram todos aqueles que percebem as fraquezas do povo, a falncia da humanidade.

Buda, 600 anos antes do Cristo, apresenta uma religio fundada na misericrdia, no bem, na instruo, no desprendimento, no altrusmo, na mansido, no respeito mtuo, na fraternidade, na ausncia de desejos e paixes.

Recomendava a ao reta, a existncia reta, a linguagem reta, a aplicao reta, o pensamento reto, a meditao reta. Em sntese, era o no pequeis por pensamentos, palavras e obras. Por toda parte aconselhava e repetia a mxima bramnica Sede como o sndalo que perfuma o machado que o corta.

No Oriente, fulguram trs grandes estrelas: Lao-Tse, Mncio e Confcio.

Lao-Tse apresenta o Livro da Razo Suprema e estabelece os princpios morais que os dois astros, mais tarde, espalham e desenvolvem.

Mncio, ou Meng-Tse, em seu Tratado de Moral, aponta aos homens a sua verdadeira conduta.

Confcio resume o seu longo ensino na frase No faas aos outros o que no queres que te faam.

Detenhamo-nos agora nos dois gigantes nascidos naquele pas onde floresceu o gnio antigo, onde a Literatura, a Arte, a Filosofia e a Poltica foram de uma ousadia que ainda causam admirao aos sculos que se seguiram.

Dir-se-iam os precursores do Cristianismo e as suas idias se ajustam s que nos trazem os Espritos, hoje englobadas na obra imorredoura de Allan Kardec.

Foram eles: Scrates e Plato. Scrates deixa a Plato a sua filosofia:

O homem uma alma encarnada. Existe antes de tomar um corpo na Terra, qual deseja voltar. No no corpo, porm, que encontramos a verdade; nele estamos sempre cheios de desejos, apetites, temores, ambies, quimeras, frivolidades.

A alma impura vive presa ao mundo e persevera no mal. So longos e numerosos os perodos da vida. S os bons podem esperar tranqilamente a passagem deste a outro plano, ou seja, a passagem da morte. A maior infelicidade conservar a alma cheia de pecados.

Mais vale receber uma injria que comet-la. Devemos ser homens de bem. O bem que eleva o homem. No se deve fazer mal algum por muito mal que nos faam.

A rvore se conhece pelo fruto.

Como o Cristo, j Scrates falava no perigo das riquezas.

Pouco valem as preces ensinava ele se a alma no virtuosa. E no virtuoso aquele que prefere os prazeres do corpo s belezas da alma. o amor que ornamenta a natureza e o amor que d paz aos homens. O amor e a dor contribuem para o progresso.

Costumamos ver os erros alheios, esquecendo os nossos. E o homem, na sua existncia, espalha mais o mal que o bem.

Ser sbio no supor saber o que no sabe.

A vida de Scrates foi um apostolado. Conhece-te a ti mesmo aconselhava sempre. o nosce te ipsum de que os romanos fizeram uma divisa. preciso conhecer dizia ele . O conhecimento nos leva ao caminho da verdade.

Conhecemos a vida e os ensinos de Scrates pelos Dilogos de Plato e Xenofonte. Viveu ensinando e morreu pelos seus ensinos. Foi vtima da ignorncia e da maldade humana. Os fanticos no poderiam compreend-lo, como, ainda hoje, muitos no compreendem os princpios de lgica nem a lgica dos princpios que os Arautos do Senhor nos trazem.

Teve a sorte de quase todos os que se destacam da craveira comum e procuram, no bem, pelo bem e nos ensinos do bem, a felicidade de seus semelhantes.

Fizeram-no morrer. Mas aplainou, com seu trabalho, seu esforo, suas penas e seu sangue, o caminho que estamos palmilhando.

Finalmente o Cristo. Este legou humanidade um Evangelho de paz, de harmonia, de perdo, de amor. Sua maior mxima era um resumo de toda a sua pregao messinica: Amai-vos uns aos outros.

E para Ele os apodos, o oprbrio, o flagcio, o aoite, os espinhos, a cruz.

A imperiosa necessidade do advento espiritual

A palavra de Deus estava esquecida, se que se tornou lembrada alguma vez. Foi quando chegou a poca em que era preciso abalar a conscincia humana por meios persuasivos, pela fora da prova.

A Cincia tinha aberto profundos sulcos nos espritos e por esses sulcos a f, sem base segura, sem lgica esclarecedora, se ia escoando, e deixava secos esses veios por onde antes corria a seiva da crena.

Apresentava-se diante da psicologia o quadro do nosso Nordeste, quando sobrevm as grandes estiagens. Rios, mais ou menos caudalosos, que com suas guas fertilizantes regavam grandes tratos de terra, que banhavam as cidades, que levavam a vida a toda parte, agora se mostram com seus leitos vazios, exangues, nus, dando quela regio o mais terrvel aspecto da desolao e da misria.

Assim seria o esprito quando dele retirassem a idia de Deus, idia que a linfa vivificante, e que o progresso cientfico faria certamente estiolar, se a Providncia no nos socorresse imediatamente com o remdio salvador.

Mas aquela idia ia empalidecendo proporo que os processos de investigao iam ganhando vulto. A Cincia estabelecia leis para os fenmenos. O Universo aparecia-nos com o seu mecanismo devidamente estudado e devidamente firmado. J no era presidido pela vontade arbitrria de Deus; j no haviam milagres; j no era Jpiter tonante quem preparava os troves; os cataclismos no mais significavam a clera divina e o desejo de oblatas e imolaes; j os nossos destinos, j os fatos naturais, j a atividade csmica no dependiam dos desejos ou dos caprichos inexplicveis do Onipotente.

Tudo passava ao imprio formidvel da Lei. Pesquisavam-se as causas e descobriam-se os efeitos. Verificava-se por que os astros se moviam; perscrutava-se a gnese das molstias; sondava-se a origem dos abalos telricos, das avalanches, das enchentes, das inundaes, das nevadas, dos temporais... Os descobrimentos mostravam o crescente valor da matria, proporo que iam fugindo os vestgios do esprito.

No o viam no corpo os anatomistas; no o percebiam os biologistas; no o explicavam os filsofos. E a Psicologia, da qual tudo se esperava, mancomunada com as demais disciplinas, entrava a vislumbrar nas aes psquicas a influncia somtica.

Era o completo desbarato das religies, impotentes diante do avano do progresso material, desmoralizadas diante da runa das realizaes morais.

De fato, elas tinham sido incapazes de dominar as paixes humanas, para conter-lhes os mpetos de animalidade, para trazer ao corao do indivduo o amor que pregavam.

Os grandes missionrios vinham ao mundo com a palavra de Deus; tal era a sublimidade e a grandeza da misso, tais os sacrifcios que dela dimanavam; por tal forma a criatura investida do excelso mandato se identificava com o Criador, na idia, que o verbo se fazia carne. Da, talvez, os versculos de Joo:

No princpio era o Verbo e o Verbo estava com Deus... E o Verbo se fez Carne e habitou entre ns...

Mas o calor do Verbo se apagava ao contato dos seres humanos, sempre cheios de egosmo, de revoltas, de ambies, de fereza, de maldades. E no s desobedeciam aos preceptores como os imolavam.

Os vcios costumavam trazer a runa do corpo e da alma. Corruptores e corrompidos, para todos a virtude era motivo de irriso. Diante de um gozo terreno, atascavam-se nas maiores vilezas. Tinham pela liberdade, pela honra e pela vida alheia a maior indiferena, seno o maior desprezo. Adoravam a si prprios e a Deus, quando muito, em imagem.

Em vez da paz, supremo escopo de todas essas mensagens baixadas do Espao Terra, o que imperava era o sentimento blico; o que vinha constantemente tona eram as lavas, encobertas at o momento de explodirem, era o facho de Belona rarissimamente apagado, eram os povos a se trucidarem, a se matarem, a se aniquilarem, com uma impiedade assombrosa, fazendo os homens que os animais os invejassem na sua selvageria, na sua truculncia, na sua perversidade.

Em nome das prprias seitas e dos seus ministros, viviam os seres em perptua hostilidade. As lutas entre sarracenos e cristos ensangentaram as terras da Europa, sia e frica. A bandeira do Cristo, nas mos de catlicos e protestantes, trouxe Europa, durante vrios sculos, a inquietao, a runa, a devastao, o sangue, o luto, a morte.

Em nome do Cristo acenderam-se as fogueiras da Inquisio, em que uns por serem judeus, outros por serem doentes, outros por serem sbios e outros por simples e infundadas denncias, iam expiar, nas labaredas, crimes que no tinham cometido, doenas de que no tinham culpa, idias que no supunham ser pecado; e expiravam, depois dos atrozes suplcios a que eram submetidos.

Levavam-nos pira em solenes procisses, por vezes com feies carnavalescas; havia rezas e cantos sacros, tendo os condenados sempre diante do rosto o crucifixo, e era com o crucifixo vista que padeciam as mais terrveis dores fsicas e morais.

No admira que os verdugos preparassem essa falange de cpticos que hoje habitam o planeta; as antigas vtimas levavam para o Alm uma triste e dolorosa lembrana do Divino Mestre e com ela voltavam Terra.

Os vivos, pelos exemplos por eles deixados; os mortos, com a lembrana das torturas experimentadas e a que associavam a efgie do Cristo, voltando carne, viriam com aquela imagem, que era a da bondade, a do perdo, tendo a amargura incrustada nalma, e s o tempo poderia fazer que o Nazareno tornasse aos coraes dos mrtires.

Em nome de Jesus proscreveram o indulto, a justia, a lealdade, a benignidade. E ento cometeram-se as maiores perfdias, como a da noite de So Bartolomeu; as maiores insnias, como a das Cruzadas; as maiores crueldades, como o extermnio dos ctaros e dos albigenses; a maior infmia, como a Inquisio; as maiores espoliaes, como o confisco dos bens das vtimas; como o sacrifcio dos ndios do Pacfico, vencidos, roubados e assassinados.

Em nome de Deus procurava-se prender o vo do progresso, fazer calar a voz do conhecimento, emudecer a razo, e da a retratao de Galileu, os sustos de Coprnico.

Quando a influncia de Averrhoes levantou na Espanha um grande movimento, que envolvia as cincias conhecidas, como a Astronomia, a Matemtica, a Cosmografia, a Hidrosttica, a ptica, a Qumica, a Medicina, a Literatura, logo a Inquisio se ergueu para abaf-la.

O cardeal Ximenes destri, solenemente, em praa pblica, oito mil manuscritos de grande importncia histrica; Torquemada incinera as bblias hebraicas e faz queimar em Salamanca mais de seis mil volumes de literatura oriental.

Quando Cristvo Colombo se lembrou de viajar para a ndia, pelo Atlntico, esbarrou nos princpios teolgicos, que condenavam essa viagem, por estar em flagrante oposio s profecias, aos salmos, ao Pentateuco, a So Baslio, a Santo Ambrsio, a Santo Agostinho, a So Jernimo, a quanto santo e a quanto padre da Igreja por a havia.

Giordano Bruno publicou a teoria da pluralidade dos mundos, sem lembrar-se que isto iria golpear a Gnese, e este seu descuido f-lo perecer numa fogueira purificadora, em Roma, no ano de N.S. Jesus Cristo, aos 16 de fevereiro de 1600.

Descobrir qualquer coisa que, implcita ou explicitamente, entrasse em desacordo com a Sagrada Escritura, ou seja, com a Palavra de Deus, que ningum sabia quem a ouviu ou como no-la foi transmitida, era ter, como certa, a cremao em praa pblica, para escarmento dos hereges.

Havia um guerreiro sanguinrio, de notvel ferocidade. Rezam as crnicas que, jovem ainda, gostava de beber e brigar. No cerco de Pamplona cometeu iniqidades incrveis. Mas o energmeno quebrou uma perna e se deu, ento, a leituras sacras. Passou a ter vises; apareceu-lhe o diabo, o que no seria de admirar. O espantoso que fosse ele substitudo por Maria, me do Cristo, e depois pelo prprio Cristo.

Fez-se mendigo, anacoreta, e fundou uma sociedade misteriosa para a propagao da f. Esse homem se chamou Incio de Loiola.

O que foi a Companhia de Jesus, a tal sociedade, todos o sabem. Era a converso pela opresso, pela espada, pela violncia, sob qualquer forma, pela traio, pelo punhal, pelo veneno, pela fogueira.

A terrvel Companhia foi uma das fontes da civilizao ocidental dizem historiadores conscienciosos e, segundo Schwill (Political History of Modern Europe), as benesses desse progresso estenderam-se ndia, ao Japo, China e aos ncolas americanos.

Pedro Tarsier nos diz que Romanismo e Jesuitismo se confundem com ligeiras diferenas: A Igreja de Roma matava s claras; o jesuitismo s escondidas; Roma assassinava na sua credulidade; o jesuitismo com hipocrisia e com dolo...

A Igreja Protestante no tem sido menos intolerante. Calvino manda matar Miguel Servet. No escapou fogueira Baltazar Hubmaier, filiado em Zurich Igreja de Zvinglio, da qual se desaveio. Sua mulher foi lanada ao Danbio e a pereceu afogada.

Na Segunda Dieta de Spira os catlicos uniram-se aos protestantes e exterminaram os anabatistas. Na Inglaterra, os anglicanos baniam ou queimavam os no conformistas. Em muitos pontos eram os batistas as vtimas.

Se os catlicos queimavam por um lado, os protestantes queimavam pelo outro. O ponto era terem na mo o fantoche real, que se supunha o soberano.

Maurice Magre (Porquoi je suis budiste) dizia-nos que era fcil saber quando se tinha instalado na Amrica a civilizao crist, pelos seus suplcios e suas piras.

E o pensador, estarrecido diante desse oceano de maldades, desse plago assustador da ignorncia e da estupidez humanas, comeava a descrer da bondade divina e at mesmo da existncia da Divindade.

As desordens planetrias, as agrestias da natureza, os flagelos, a luta ininterrupta entre os seres de qualquer espcie, a carnificina entre os homens, e entre homens e animais, levou certo filsofo a afirmar le monde est um ternel carnage; tudo isso e mais a estultcia de par com a desonestidade; a obstinao no mal e as dores que suportamos, ou que suportam, principalmente, os inocentes, eram o mais profundo desmentido aos predicados emprestados a Deus: onisciente, fez um mundo errado; onipresente, lugares havia onde no lhe era dado ingressar; onipotente, no tinha o poder de reformar as criaturas; sendo a bondade infinita, criava um orbe das mais pungentes agonias... Um Deus capaz de fabricar esta morada, onde uns tinham o quinho da misria, do sofrimento, das lgrimas, das angstias, e outros o da higidez, da fortuna, do poder; a existncia de uma humanidade dividida em duas pores, a dos que sofrem e a dos que fazem sofrer; em que a iniqidade, a injustia e a ferocidade eram recompensadas com o fausto, a fora e a glria; em que os Tamerles e os Gengis-Kans, depois de passarem por milhares de cadveres, depois de assolarem as naes, depois de fazerem obeliscos de crnios humanos e darem os filhos dos vencidos para que os filhos dos vencedores os matassem, iam repousar os cansados braos homicidas em leitos de prazer, e terminavam os seus dias cobertos de louros, de hinos e de flores; um mundo assim, sem luz que nos esclarecesse, desmentia por certo a obra do Criador.

No prprio Livro Sagrado contavam-se como grandes faanhas, como louvveis heroicidades os mais pavorosos morticnios, as mais degradantes cenas, e se dava aquilo como ordenado por Jeov, que premiava os matadores ou assistia, indiferente, aos mais hediondos espetculos.

Um Deus dessa ordem havia de ir mirrando perante a f dos que comeavam a abrir os olhos aos clares da Filosofia, e diante dos que iam entrevendo a verdade atravs da Cincia.

E isto seria o Atesmo.

Foi nesse perodo crtico para a Humanidade que surgiram os chamados fenmenos de Hydesville, os quais vinham, depois de procelosa tempestade, trazer essa manh de claridade e de luz, aurora de um mundo novo, que tanto empenho se faz em encobrir.

Era o rebate.

Os fenmenos despertaram a ateno das criaturas; de pequena aldeia se estendia por toda parte, atravessava os mares e vinha dar no Velho Continente o testemunho da imortalidade e da justia na Criao.

Hydesville

conveniente estendermo-nos um pouco nas manifestaes de Hydesville, porque elas marcam o incio do moderno Espiritismo. Nos tempos antigos no havia, propriamente, Espiritismo, que um corpo de doutrina originado pelas manifestaes dos Espritos, seno simples fenmenos, embora fartamente descritos em vrias obras, mas pouco estudados alguns, imperfeitamente registrados outros, e muitos mesclados de fatos lendrios ou supersties.

Hydesville ficava perto da cidade de Rochester, nos Estados Unidos da Amrica. Ali morava a famlia Fox, composta de trs filhas, duas das quais viviam com os pais; os Fox se estabeleceram na casa desde 1847.

J a histria registrava os fenmenos que os nscios e sectrios atribuem a inveno e fraude da famlia.

Jos Glanvil, na sua obra Saducismus Triumphatus, relatava fatos semelhantes. Outros idnticos no passaram despercebidos a Mompesson em Tedworth e a Melanchton em Oppenheim. Os fastos da antigidade esto refertos de assombraes, casas infestadas, rudos, baques, arrasamentos...

A casa j tinha reputao duvidosa. Antigos moradores resolveram retirar-se repentinamente, sem maiores explicaes.

que havia ali uns batimentos misteriosos.

As pancadas, ou raps, comearam em 1848; depois ouvia-se o arrastar de cadeiras. Com o tempo os fenmenos tornaram-se mais complexos: tudo estremecia, os objetos se deslocavam, havia uma erupo de sons fortes.

Duele idealizou, ento, o alfabeto para poderem traduzir as pancadas e assim compreenderam o que dizia o invisvel.

Alarma-se a famlia, vm os parentes, acorrem os vizinhos, curiosos enchem a casa. Em breve, toda a localidade comentava os acontecimentos.

As meninas eram protestantes; pertenciam Igreja Metodista; pela crena que lhes ministravam supunham ter trato com o demnio e chamavam o batedor de Mr. Splitfoot, ou p fendido, que corresponde a p de bode. Alarmadas, pediam ao Invisvel que se retirasse.

Mas o batedor declarou-se um falecido; chamara-se Charles Rosma; fora vendedor ambulante e, hospedado pelo casal Bell, ali o assassinaram para roubar-lhe a mercadoria e quinhentos dlares que trazia, enterrando-o, em seguida, na adega.

Deram busca no local indicado e a encontraram tbuas, alcatro, cal, cabelos, ossos, utenslios de um bufarinheiro. As pesquisas foram efetuadas por Bush Granger e David Fox.

Uma criada dos Bells, Lucrcia Pelver, declarou que viu o vendedor e o descreve; diz como ele chegara a casa e refere o seu misterioso desaparecimento. Uma vez, descendo adega, seu p enterrou-se num buraco, e como falasse isto ao patro, ele explicou que deviam ser ratos; e foi apressadamente fazer os necessrios reparos. Ela vira nas mos dos patres objetos da caixa do ambulante.

O seu longo depoimento mostra que um rapaz entrara na casa com seus objetos de venda, que muitos estavam no poder dos Bells, que existia indcios suspeitos na adega e que o vendedor desaparecera sem se saber como.

Finalmente, passados 56 anos, ruiu uma parede da casa e crianas que ali brincavam descobriram um esqueleto. Os Bells, para maior segurana, tinham emparedado o corpo. A descrio completa do fato se acha no nmero do Boston Journal, de 23 de novembro de 1904. Essas descobertas diz Conan Doyle fecharam a questo para sempre e provam, de forma concludente, que foi cometido um crime na casa.

Dada a grande perturbao em que vivia a famlia, transportaram-se todos para a casa da irm mais velha, de nome Lea. Os rudos continuaram. Mais de 300 pessoas presenciaram o fenmeno de uma s vez. J a dona da casa se via privada de continuar suas lies de piano; ningum tinha mais tranqilidade. A Sra. Fox ficou, em uma semana, de cabelos brancos.

Em outras casas, onde os moradores eram inteiramente alheios ao movimento e at contrrios a ele, como na do Pastor Jervis, tambm comearam as pancadas a se fazerem ouvir.

A Igreja excomungou as meninas como pactuantes com o demnio.

Concluiu-se que se tratava de uma alucinao coletiva. Os psteros incumbiram-se de descobrir causas mais engenhosas, como de mas presas aos ps da moa e estalos nos artelhos, coisa que ningum vira ou ouvira, apesar das pesquisas inquisitoriais que ento se fizeram.

Margarida casara-se com um fantico que vivia a assombr-la com Sat e o Inferno. Mais tarde ficaram as irms em insustentvel situao econmica. Foi quando aproveitaram o momento, que outro no poderia aparecer melhor, e explorando, no s as dificuldades em que viviam, como ainda reforando as ameaas das penas eternas por aquele nefando pecado, ofereceram-lhes grandes recompensas e lhes fizeram enviscadoras promessas, se elas confessassem o embuste das pancadas.

As meninas no resistiram.

Incapazes de compreender a alta misso que lhes fora confiada, caram na armadilha e retrataram-se. a extorquida confisso pouco aproveitou, porque, para logo se arrependeram e declararam que haviam falseado a verdade; a confisso lhes fora arrancada com vs promessas.

A retratao foi publicada na poca. Consta da Light e do jornal americano New York Press, em 20 de novembro de 1889.

Como, porm, a lealdade e a sinceridade no so requisitos dos espritos apaixonados, ainda hoje, quando se quer denegrir a fonte do moderno Espiritismo, vem baila a confisso das moas. Na retratao no se toca, ou quando se toca para mostrar que no h no que confiar. Os pormenores ficam de lado.

Mas o caso que se nomearam comisses de investigao, cada qual mais terrvel. A primeira compunha-se de cinco membros, acatados, insuspeitos e cpticos. Era tal a certeza do desmascaramento que o Rochester Democrat preparou, para no perder tempo, um artigo cheio de boas piadas e que, necessariamente, muito iria fazer rir, com o ttulo Entire exposure of the rapping humbug (Completo desmascaramento da velhacaria das pancadas).

Mas os cinco, contra a expectativa geral e as jocosas previses do peridico, declararam que os raps no provinham das moas, seno das paredes e pontos distantes, sem que fosse possvel descobrir a procedncia humana ou qualquer indcio de fraude.

Houve grande tumulto, perdeu-se o artigo humorstico e foi nomeada nova comisso mais severa, mais cptica, com peritos em matria de velhacaria e trapaas. Esta segunda comisso, depois de investigao longa e minuciosa, conclui ainda pela ausncia de fraude.

Nova celeuma. Reclama-se gente que tenha desmedida energia. Forma-se uma terceira comisso, para a qual so escolhidos os mais apaixonados opositores. Um deles declarou, solenemente, que se atiraria s quedas do Genesee se no apanhasse o truque.

O exame das moas atingiu, ento, as raias da brutalidade: foram isoladas, puseram-nas diante de espelhos; pesquisadoras femininas despiram-nas, inspecionaram-nas, e ainda as amarraram, selaram... Olheiros e escutas tinham olhos e ouvidos sobre elas; vrios argos rondavam a casa. E os fenmenos se foram reproduzindo sem que se pudesse apanhar a maroteira. Ouviam-se bateduras pelo cho, pelas paredes, pelo teto, pelos aposentos vizinhos, em lugares onde elas no estavam. No houve jeito de descobrir a burla. Muito desapontada, a comisso rendeu-se evidncia e confessou a inexistncia de qualquer processo fraudulento. Os fatos eram absolutamente verdicos.

Nova e violenta algazarra. Desta vez quiseram linchar as moas, o que no levaram a efeito pela corajosa interveno de alguns heris.

No salo onde se achavam, tiveram que sair s escondidas. Conta-nos Conan Doyle: Houve um vergonhoso tumulto e as meninas foram conduzidas furtivamente para uma porta dos fundos; no momento, a razo e a justia ficaram empanadas pela fora e pela insnia.

Quando se desencadeia uma campanha contra o Espiritismo surgem os estafados e risveis ataques, onde se fala na marosca das irms Fox. Quem conhece, porm, a histria das pancadas de Hydesville e o drama de que elas foram vtimas; quem sabe da complexidade dos fenmenos, da fiscalizao exercida, dos testemunhos existentes, do valor dos depoentes, do empenho em se demonstrar a intrujice, da interveno dos cientistas, da atmosfera de animosidade contra as meninas e contra a famlia, ficar abismado com a perviccia dos detratores.

Sobre estas experincias diz o j citado historiador: difcil imaginar como os fatos narrados poderiam ser mais severamente verificados. (Histria do Espiritismo).

Convm acrescentar que as meninas tinham, uma 11 anos e a outra 14, e ningum, a no ser um opositor sistemtico, compreender como jovens inexperientes e simples poderiam enganar os vizinhos, as visitas, as multides que iam v-las, as comisses, os peritos, os adversrios, os cientistas e os aparelhos empregados no exame. As pancadas respondiam at s perguntas mentais.

Em Rochester, no ano de 1850, dois corpos de investigadores, sendo elas as mdiuns, receberam, em lugares separados, mensagens idnticas e de altssimo teor, assinadas por Benjamim Franklin.

Submeteram-se investigao de William Crookes, num aposento em que havia o experimentador, sua mulher e a mdium; puseram um lpis e papel em pequena mesa; mo luminosa aparece no espao, vinda do alto, toma do lpis e escreve rapidamente.

Horace Greely, candidato ao governo americano, testemunha diversos fatos.

Butlerof e Aksakof visitam a mdium e o primeiro escreve:

De tudo o que observei sou forado a concluir que os fenmenos peculiares a essa mdium so de forte e convincente natureza objetiva, de molde a fazer que um cptico ponha imediatamente de lado qualquer explicao artificial do fato. (Spiritualist, 04/02/1876).

S. C. Hall, conhecido literato, descreve uma sesso em sua casa, onde se manifesta a falecida esposa, e declara na Light, 1882, pg. 239: Observei os mais belos fenmenos.

E o Professor Stack, que o acompanhava, acrescenta: Duvido que tenha visto algo mais convincente.

Colleman assegurou que recebera uma das mais evidentes provas de identificao de Espritos.

Capron, numa conferncia, teve a coragem de afirmar, diante de grande assistncia, que os fenmenos eram autnticos.

Cromwell Varley, o genial eletricista ingls, num relatrio apresentado Sociedade Dialtica de Londres, em 1869, falou sobre as experincias, afirmando que foram admirveis e de impecvel fiscalizao.

Livermore, banqueiro americano, assegurou: uma extraordinria sensitiva; durante dez anos vi fatos de tal ordem que me sinto em dvida de gratido para com ela.

Poderamos, ainda, acrescentar os depoimentos de vultos eminentes, como os do Reverendo Griswold, do romancista Fenimore Cooper, do historiador Bancroft, do Reverendo Dr. Hawks, do Dr. J. W. Francis, do Dr. Marcy, dos poetas Willy e Bryant, do General Lyman, do jornalista Bigelow.

Dificilmente se encontraria um rol mais valioso de testemunhas.

Chegara o momento preciso em que era necessrio chamar a ateno deste mundo para os mistrios do outro. Nova era comeava em que os homens se deviam encaminhar para a harmonia e para a paz. Foi o que declararam os Espritos ao governador Tellmadge, quando indagou a razo daqueles rudos e ao que eles vinham.

Nosso desejo lhe responderam que a humanidade viva em harmonia e que os cpticos se convenam da imortalidade da alma.

No se compreendia bem o que eram aqueles fenmenos, ou ao que vinham eles. O grande papel que o Espiritismo tinha que representar no estava bem definido, apesar do aviso dado pelos primeiros batedores. Era preciso por em ordem as diversas peas esparsas, dar-lhes um sentido, explic-las, trazer o lampadrio que iria esclarecer o grande movimento que despontava face do mundo, que iria transformar esse mundo de dores em mundo de esperanas.

Foi quando Allan Kardec apareceu no grande cenrio espiritual.

Pestalozzi

No podemos deixar, preliminarmente, de dedicar algumas linhas a esse genial professor e grande amigo de Allan Kardec.

Pestalozzi nasceu em 1746. sua dedicao ao ensino, sobretudo ao ensino dos pobres, dedicao que transmitiu a seu dileto discpulo, mereceu-lhe o ttulo de Pai da escola do povo. Seu ideal era instruir a humanidade, certo de que essa instruo a havia de regenerar.

A existncia do grande pedagogo foi de sofrimentos e sacrifcios.

Tinha um filho a quem adorava. Para dar o exemplo da democracia e da bondade, colocou-o, como aluno, entre os pobres de sua Escola, os quais havia recolhido em Neuhof, no ano de 1775.

Procurou tambm reunir numa herdade abandonados ou vagabundos, a fim de educ-los e aliment-los. E assim, com a alimentao, dava-lhes trabalho e estudo. Como se espantassem com os gastos que estava fazendo, replicou:

Para servir aos nossos concidados no devemos restringir nossas necessidades pessoais? Com alegria beberei gua simples para dar s crianas pobres o leite de que necessitam.

Em pouco tempo teve que fechar a escola por falta de recursos.

Dedicou-se a obras de Pedagogia durante 18 anos; e essas obras lhe deram grande renome.

Em 1798 abriu o Orfanato de Stans, onde educou 80 crianas; dirigiu, em seguida, o Instituto de Burgdorf e, finalmente, em 1805, foi enviado a Iverdun, onde ficou instalado comodamente em um castelo.

Celebrizou-se a sua escola, e os alunos vinham de todas as partes. Mas teve grandes dissenses com seus colaboradores. Os protestantes no podiam admitir que ele tivesse idias diferentes das suas, que fosse possvel qualquer divergncia do catecismo. E Pestalozzi no parecia muito simptico ao mistrio da Trindade e a outros mistrios escritursticos. Para ele o maior dos homens era Jesus. E s.

Este pouco, que era muito para os cristos, desagradou a turma.

Em maro de 1827 deixa Iverdun definitivamente.

Morreu pobre. Tudo o que tinha foi distribudo aos miserveis, para quem viveu.

A vida se lhe extinguiu calma, serenamente. Vida de heri, morte de santo. E declarava, quase a exalar o ltimo suspiro:

Perdo aos meus inimigos, abeno os meus amigos.

Pelos cordis misteriosos do destino foi este o mestre, o preceptor, o amigo de Allan Kardec. No precisvamos de mais para ter a certeza das leis de atrao.

Allan Kardec

Allan Kardec nasceu na cidade de Lyon, na Frana, a 3 de outubro de 1804, recebendo na pia batismal o nome de Hippolyte.

Seu pai se chamava Jean Baptiste Antoine Rivail. Seu nome era, pois, Hippolyte Lon Denizard Rivail.

Diz o Dr. Canuto Abreu, em interessante artigo publicado na revista Santa Aliana, de fevereiro de 1956, que encontrara nos Arquivos do Espiritismo, antes de destrudos pelos alemes, quatro formas diferentes do nome Denizard.

Os companheiros do Mestre na Socit Parisinne des tudes Spirites inverteram a ordem dos primeiros apelidos, escrevendo Lon-Hippolyte, em vez de Hippolyte-Lon.

Reportando-se etimologia, conclui o nosso erudito patrcio:

Segundo creio, o nome Denizard deriva da velha expresso latina Dionysos Ardenae, designativa de Deus Dyonsio, da Floresta de Ardenas. Dentro dessa imensa mata gaulesa que Jlio Csar calculava em mais de 500 milhas, os druidas celebravam as evocaes festivas do Deus Nacional da Glia, denominado Te-Te-Te, Altssimo, representado por um carvalho secular.

sombra do carvalho divino os legionrios romanos, aps a derrota de Vercingetorix, ergueram a esttua do Deus Dionysius, tambm conhecido pelo nome de Bacchus, deus das selvas, das campinas, das uvas, dos trigais, amante da rusticidade e da liberdade. E, de conformidade com o costume dos conquistadores, inscreveram uma legenda latina ao p do monumento. Supe-se que rezava assim: Dionysio Rstico Eleuthero, com a significao de Dionsio campestre em liberdade.

O povo deturpou os nomes:

Dionysius sofreu a evoluo simplificativa Dionysio-Dionys-Denis. Ardenae, latinizao de ard-nae, mata grande, simplificou-se em ard.

Com a introduo do Cristianismo, surgiram trs santos, Denis, Rstico e Eleutrio.

Allan Kardec foi consagrado a Denis-Ard, evocativo do Protetor Espiritual da Frana. O primeiro nome apresentado ao Maire foi o de Denizard.

Tal o relato resumido do Dr. Canuto Abreu.

* * *

Os estudos de Kardec foram iniciados em Lyon, tendo-os completado em Iverdun, na Sua, sob a direo do clebre e inesquecvel Professor Pestalozzi.

Os seus detratores, entre outros defeitos que lhe apontam, costumam apresent-lo como ignorante, confiados que a calnia, ligeira brisa a princpio, como se diz no Barbeiro de Sevilha, converter-se- em terrvel vendaval.

Ora, o mestre teve uma slida instruo, servida por uma robusta inteligncia. Ele conhecia o alemo, o ingls, o italiano, o espanhol, o holands, sem falar na lngua materna, e tinha grande cultura cientfica.

fcil comprovar o nosso asserto, verificando-se a lista dos importantes trabalhos que publicou, tais como:

Plano para melhoramento da instruo pblica, que deu a lume em 1828;

Em 1829, o Curso prtico e terico de Aritmtica;

Em 1831, a Gramtica Francesa Clssica;

Alguns anos mais tarde entregava Livraria Acadmica de Didier mais dois livros didticos de grande valor: Solues nacionais das questes e Problemas de Aritmtica e Geometria;

Manual dos Exames para os ttulos de capacidade;

Em 1846, Programa dos cursos usuais de Qumica, Fsica, Astronomia e Fisiologia;

Em 1848, Catecismo gramatical da lngua francesa para os iniciantes do idioma;

Ditados especiais sobre as dificuldades ortogrficas; Pontos para exames;

Ditados normais dos exames da Municipalidade de Sorbonne.

Alguns o apresentam como doutor em Medicina, e disto se aproveitou a crtica adversria para denegrir a memria do Codificador, acoimando-o de embusteiro.

Kardec nunca se fez passar por mdico, sendo sua profisso a de mestre-escola. O equvoco provm de que costumava curar os enfermos pelo hipnotismo e com aplicaes de passes magnticos.

Bacharelou-se, entretanto, em Cincias e Letras.

Alm da sua obra cientfica e literria, h que acrescentar as da Codificao Esprita, que vinham abrir um caminho novo no campo da Filosofia. Assim que ele publicou:

Em 1857 O Livro dos Espritos (18/04/1857);

Em 1861 O Livro dos Mdiuns;

Em 1864 O Evangelho segundo o Espiritismo;

Em 1865 O Cu e o Inferno, ou A Justia Divina segundo o Espiritismo;

Em 1868 A Gnese, os Milagres e as Predies segundo o Espiritismo.

Essas obras constituem o Pentateuco Esprita. A elas poderemos ainda acrescentar:

O que o Espiritismo;

Introduo ao estudo da Doutrina Esprita;

Obras Pstumas (publicada quase 21 anos aps a desencarnao de Kardec);

A Revue Spirite.

Fundou, ainda, a Socit Parisinne des tudes Spirites.

Kardec exerceu, por muito tempo, o professorado, sendo conhecido como Le Professeur Rivail.

O educador

Allan Kardec era o educador por excelncia. Alm das obras que publicou, traduziu vrias outras, algumas de fundo moral como Telmaco, de Fnelon, que verteu para o alemo, e comentou, o que lhe valeu os aplausos sinceros e calorosos de Pestalozzi.

O seu desprendimento pelo dinheiro, o seu desinteresse pelas coisas materiais, a sua dedicao ao ensino e o seu amor ao bem levaram-no a dar aulas gratuitas. e assim, durante seis anos, na sua casa rua de Svres, ministrava ensinos de Qumica, Fsica, anatomia, Astronomia e outras matrias.

Possuidor de um mtodo original, procurava usar de meios mnemnicos, de forma a no cansar o estudante e faz-lo aprender as lies com facilidade e rapidez.

Levando mais alm a frase de Flammarion, quando dizia que Kardec era o bom senso encarnado, Virglio Sobrinho (Allan Kardec educador e jornalista) escrevia:

Conhecedor profundo da psique infantil, levava a escola aos moos, no esperando que estes fossem procur-la. Allan Kardec, realmente, era o senso pedaggico em sua mais bela perfeio.

As obras legadas aos homens esclarecidos prestam-se a esta assertiva. Nenhum dos seus livros foge ao crivo do raciocnio. Os volumes que deixou, como herana das mais caras aos livres pensadores, constituem-se em insigne escola, porque instruem e elevam o esprito s percepes da majestade divina. A lgica do pensamento desenvolvida nos seus trabalhos. Por isso o conceito do pedagogo americano muito bem ajustado: A nica coisa que a escola pode e deve fazer desenvolver a aptido para pensar. As palavras de Dewey ajustam-se muito bem escola viva de Kardec. O pensamento, a investigao cientfica e a observao sria formam o laboratrio mais perfeito para a reforma ntima do homem. E Kardec logrou isto nos seus escritos.

O homem e seu carter

Sobre Allan Kardec, como homem, e estudando o seu carter adamantino, merecem lidas as pginas de Crysanto de Brito, escritor que, sua extraordinria modstia, aliava uma grande competncia. Assim escrevia ele no seu livro Allan Kardec e o Espiritismo:

H duas fases na vida de Allan Kardec: uma anterior constituio do Espiritismo, mais material, conquanto j superior na ordem moral, e outra inteiramente espiritual, em que, admitindo e aceitando a doutrina nascente, faz dela a preocupao constante do resto de sua vida.

Todas as qualidades morais, que concorrem para formar o homem de bem, foram logo desabrochando no jovem Hippolyte Rivail e constituram sempre o fundo do seu carter.

Quando apareceu depois o grande movimento esprita de que foi diretor, era j um homem experimentado nas lutas da vida, contando j mais de cinqenta anos, mas sempre guiado por uma conscincia reta. O Espiritismo no lhe veio trazer a transformao sbita do carter. No veio modific-lo de chofre, dando-lhe imediatamente qualidades que no possua. J o encontrou formado. Apenas o lapidou. Era j um esprito evoludo, com um longo tirocnio de outras existncias e de outras misses, perfeitamente aparelhado, portanto, para desempenhar a nova misso que trazia.

Na vida a coragem nunca lhe faltou. Ele no desanimava nunca. A calma foi sempre uma das feies mais salientes do seu carter. Ficando logo arruinado, perdendo toda sua pequena fortuna no comeo da vida, sempre exercitou a caridade, e j casado com a mulher que foi, depois, incansvel na propaganda de suas idias, ele consegue, por meio de um obstinado labor, readquiri-la quase toda no ensino, escrevendo ao mesmo tempo trabalhos didticos, fazendo tradues de obras estrangeiras ou preparando a escriturao de estabelecimentos comerciais.

E, ainda assim, no lhe faltava a coragem para fazer benefcios mocidade pobre, abrindo cursos gratuitos de cincias e lnguas. Era essa mesma coragem que ele devia mostrar mais tarde, no momento tempestuoso da formao da Doutrina, recebendo sempre, com a maior serenidade, sem nunca revid-los, os ataques mais veementes dos adversrios, a injustia e as ingratides dos amigos. As cartas annimas, as traies, os insultos e a difamao sistemtica, lembra Leymarie, um seu ntimo, no dia de seu passamento, perseguiam esse homem laborioso, esse gnio benfazejo, e lhe abriam, moralmente, feridas incurveis. Tudo, porm, ele sabia perdoar.

Nunca fugia s discusses, ao contrrio, as desejava sempre, no por esprito de combatividade, pelo gosto da polmica, mas para elucidar os assuntos. Ns queremos a luz, venha donde vier dizia ele. Nunca procurava impor as suas opinies. Discutia sempre lealmente e, naquilo que no constitua uma questo j resolvida pelos Espritos numa concordncia geral, os seus esclarecimentos eram mantidos como uma opinio meramente individual, eram emitidos apenas como sua maneira de ver. E sempre estava disposto a renunci-la desde que ficasse demonstrado que estava em erro. Todos os homens podem enganar-se dizia uma vez a Jobard , mas, se h grandeza em reconhecer os erros, h sempre baixeza em perseverar numa opinio que se repute falsa.

Dessa ausncia de orgulho provinha necessariamente a tolerncia. Assim como no pretendia impor suas opinies a ningum, tambm respeitava a dos outros, inclusive as crenas. Sempre ele praticou o que alegou depois em 1868: A tolerncia, sendo uma conseqncia da moral esprita, impe-nos o dever de respeitar todas as crenas. No se atirando pedras em ningum, desaparece o pretexto das represlias, ficando os dissidentes com a responsabilidade de suas palavras e de seus atos. Se eu tiver razo os outros acabaro por pensar como eu, se eu no tiver razo, acabarei por pensar como os outros.

E essa tolerncia, sendo um dos vestgios de sua elevao moral, no era somente aplicada nos atos da vida pblica, mas tambm nos atos da vida privada.

De um humor s vezes alegre, era um causeur despreocupado, mas brilhante, tendo um talento especial refere um seu bigrafo para distrair os amigos e convidados, que os tinha sempre em casa, dando, algumas vezes, certo encanto s reunies.

Quem contempla hoje um retrato de Allan Kardec no pode ter a idia do que foi o seu carter, no pode imaginar que naquela figura vigorosa, de fisionomia austera, aparentando uma rigidez exagerada de sentimentos, pouco disposta a perdoar faltas, se escondia uma alma to boa, to simples, to generosa.

O princpio, enfim, que constitui para o Espiritismo o fundamento de sua moral: Fora da caridade no h salvao, pode-se garantir, foi sempre a sua bandeira. Fao o bem quanto o permitem minhas condies j dizia ele num antigo documento encontrado entre seus papis , presto os servios que posso, nunca os pobres foram enxotados de minha casa, nem tratados com dureza, antes so acolhidos com benevolncia. Continuarei a fazer o bem que me for possvel, mesmo aos meus inimigos, porque o dio no me cega, estender-lhes-ei sempre as mos para os arrancar aos precipcios, quando para isso se me oferecer ocasio.

Essa declarao, que o autor no publicou, encontra-se, entretanto, nas Obras Pstumas, que, como se sabe, foram escritos seus, compilados e publicados depois de sua morte.

* * *

Para macular-lhe a reputao, corre, entre os adversrios do Espiritismo, uma falsidade, a de que Kardec foi despejado por falta de pagamento.

Esta contumlia ser devidamente esclarecida na Histria que, sobre o Espiritismo e Allan Kardec, est compilando o mais erudito dos nossos escritores em tal assunto.

Devemos, desde j, adiantar que a balela se originou por haver um scio seu, pouco ou mesmo nada escrupuloso, levado um estabelecimento falncia. Livre do scio pela dissoluo da firma, Kardec pagou, do seu bolso, e integralmente, todas as dvidas oriundas da velhacaria do outro.

Mas, despejo, nenhum.

Notas do Dr. Canuto Abreu

Vejamos umas notas que extramos das admirveis pginas que sobre Allan Kardec escreveu o Dr. Canuto Abreu, na revista Metapsquica, da qual foi fundador e diretor, nos seus nmeros de agosto e outubro de 1936.

Vigorava em Frana, desde 1802, a concordata imposta por Bonaparte a Pio VII. Mas, necessitando para seus planos da corrente catlica, o corso tornou o Romanismo religio do Estado.

O Cardeal Caprera, que encaminhou as ltimas demarches da concordata, escreveu a Pio VII: No irritemos este homem; ele s nosso apoio neste pas, onde toda a gente est contra ns.

Transformado em instrumento poltico, pode o clero satisfazer a sua sede de vingana.

No contente em impor ao povo um novo clericalismo, imps, ainda, em 1804, uma nova nobreza, a mais ambiciosa que j teve a Frana. Para que tudo se consumasse sem grandes clamores e sem crticas, era necessrio tirar a liberdade de conscincia e de instruo.

E ela foi retirada. A instruo foi reformada em favor do clero; volta o latim e o grego, suprimem-se os demais idiomas e ainda a Filosofia, a Histria, as Cincias Morais e Polticas.

Comeou a reinar a intolerncia, porque da essncia da religio catlica ser intolerante, na expresso do Cardeal Consalvi.

Em dez anos a Frana se tornou o pas mais politicamente catlico da Europa: as masmorras viviam cheias de pessoas que se haviam mostrado independentes de conscincia. Fora da Frana contavam-se por centenas os exilados.

O imperador arrancou de Pio VII nova concordata sob a alegao de que ia acabar com o Protestantismo at nas naes protestantes e precisava para isso maior extenso de poderes. E de fato:

O clero baixo, ao servio da espionagem do Estado, exagerou a perseguio at o insuportvel. O ano de 1814 foi terrvel. O imperador, que havia ganhado 50 batalhas, perdeu em Lpsia a ltima do seu Imprio...

O Catolicismo, sob a primeira restaurao, recuperou a desejada independncia, voltando a ser o que era antes de 89, com a agravante do dio e da sede insopitvel de vingana.

O Papa restabeleceu a sociedade dos Jesutas. Operou-se a sublevao ultramontana que tomou o nome de terror branco. Hordas de fanticos, insufladas pelo clero catlico, passaram a ferro e a fogo o protestantismo e o filosofismo franceses. Em 15 de agosto, na cidade de Nimes, as mulheres catlicas fizeram, em homenagem a Nossa Senhora, uma passeata pelas ruas, arrastando mulheres protestantes despidas, pintadas, marcadas a ferro, e que foram depois entregues violncia de verdadeiros energmenos.

A instruo passou para a mo dos jesutas, a Escola Politcnica foi fechada; ao p de cruzes armadas nas praas queimavam-se as obras de Rousseau, dos enciclopedistas e principalmente as de Voltaire.

O professor tinha que ser sacerdote ou redondamente clerical; o aluno devia pertencer a famlia catlica praticante.

As famlias liberais e abonadas mandavam educar os filhos fora do pas. Foi nessa poca que Allan Kardec foi enviado a Pestalozzi, em Iverdun, na Sua.

O autor, a quem tomo estes dados, estende-se sobre Pestalozzi, um sbio no verdadeiro sentido da palavra, o maior pedagogo da Europa.

E alm de sbio foi um altrusta, porque procurava ensinar aos que mais necessitavam de ensino: Preferiu ir para o interior, a fim de ficar mais perto do povo... Sua reputao europia principiou com os trabalhos sobre a educao da plebe.

Rivail foi um dos mais queridos discpulos de Pestalozzi. Quando, em 1825, o sbio octogenrio fechou o seu Instituto, Hippolyte estabeleceu rua Svre n 35, um colgio no gnero dos do mestre. Data dessa poca a sua obra. Casou-se em 1832 com a professora Amlia Boudet, tendo assim uma preciosa auxiliar na sua existncia.

Em 1835 pensa viver com as suas rendas e confia o seu capital a scios que o deixaram pauprrimo; voltou, ento, ao labor insano, au jour le jour. Trabalhava dia e noite; de dia, como contabilista, de noite fazia tradues e dava aulas.

A sua divisa era um legado de Pestalozzi: trabalho, solidariedade e perseverana.

O longo tirocnio no magistrio, iniciado aos quinze anos, dera-lhe ainda a faculdade de expor com clareza e escrever com elegncia e preciso.

Completava-lhe o carter invulgar um slido conhecimento de filosofia e teologia, estudadas em plena liberdade de esprito, tolerncia e amor verdade, seguindo a propaganda de Rousseau, sistematizada por Pestalozzi e conforme os trabalhos formidveis dos enciclopedistas do sculo XVIII.

Rivail comeou a professorar a cincia do Magnetismo em 1828.

Naquele tempo a Metapsquica atravessava o chamado perodo do sonambulismo (1815-1841), que sucedera ao perodo do calhiotrismo (1785-1815), por sua vez sucessor do perodo do mesmerismo (1780-1785).

Sentimos no poder transcrever as magnficas pginas que se seguem, com referncia a esses perodos, pelo receio de passar por escamoteador de todo o belo trabalho do prezado amigo.

O que aqui deixamos tem por fim espalhar, ainda que poucos, ensinos e perodos at agora limitados a uma revista, magnfica, mas esgotada, e existente apenas em mos de alguns raros que a conservaram, percebendo-lhes o grande valor.

Daqueles perodos mencionaremos apenas alguns tpicos sobre Cagliostro, no s por elucidativos, como porque o que consta de escritores que se julgam entendidos que Cagliostro era um refinado charlato, que terminou nas garras da polcia.

Ouamos o Dr. Canuto Abreu:

Cagliostro possua sobre Mesmer vantagens excepcionais. Curava sem passes, sem caixas magnticas, sem varas mgicas, sem outro processo que a simples imposio da mo. No aceitava um vintm pelas curas, antes dava mancheia esmolas a todos os necessitados que o procuravam. Por onde passava permanecia imperecvel na memria de todos a lembrana de seus benefcios e de sua estranha prodigalidade. Parecia imensamente rico, imensamente sbio, imensamente bom. Tratava o pobre com afeio crist, ouvindo-o atenciosamente, e o rico com altivez, negando-lhe s vezes at a palavra, quando algum mais atrevido lhe pretendia fazer valer os seus ttulos nobilirquicos ou suas posses. Conseguiu, assim, prestgio sem par no seio do povo e da corte. O rei chegou a decretar ru de lesa majestade quem se atrevesse a articular qualquer crtica menos respeitosa ao seu amigo Marqus de Cagliostro.

O agente metapsquico produzia, por seu intermdio, verdadeiras maravilhas, que no podem ser postas em dvida diante do atestado de inmeras pessoas conceituadas, salvo rasgando a histria da Revoluo Francesa. Ficaram clebres as suas ceias em que tomaram parte os mais prestigiosos vultos da Europa, e durante as quais realizava empolgantes sesses espirticas. No s as almas dos mortos como as dos vivos obedeciam evocao poderosa de Cagliostro, e vinham manifestar-se, ora atravs dum globo cheio dgua, ora por intermdio de suas colombinas, que seriam mais tarde chamadas mdiuns. Vozes diretas, aparies, at materializaes tangveis foram descritas por vrios assistentes. Os mais severos crticos, os historiadores mais reservados e infensos ao Espiritismo, o prprio processo inquisitorial que Roma cuidadosa e pacientemente preparou contra Cagliostro para poder mat-lo, tudo atesta o seu grande poder metapsquico e lhe assegura lugar de realce naquele perodo dentro do qual se processou a maior revoluo da histria moderna. Ele e seus companheiros foram acusados de ter preparado com sortilgios essa revoluo, a queda da Bastilha, a perseguio ao clero, etc.. Mas o certo, que ressalta da prpria sentena do Papa, que Cagliostro foi apenas clarividente como Gazzotte e a senhora de Lille, que no mesmo perodo profetizaram os diversos acontecimentos que se iam dar.

Tambm certo que nas sociedades secretas havia sempre iluminados, a dizerem coisas que estavam para se dar. Robespierre, Danton e outros chegaram a ser a batizados, com grande antecedncia, como futuros salvadores da ptria.

As cartas de Cagliostro ao rei, depois do escndalo do colar em que foi envolvido sem culpa, provam-lhe os poderes profticos supranormais.

A revoluo, que ele previra e prefixava nos seus principais aspectos, o encontrou encarcerado no Castelo de Santngelo, em Roma, pelo crime de ser mdium. Quando o povo, triunfando do clero e da nobreza, marchou para libertar o seu mdium, os santos inquisidores de Roma disseram-lhe:

Jos Balsamo acaba de morrer.

Foi a ltima vtima da Inquisio.

E aqui paramos na transcrio dos excertos do distinto escritor patrcio. A revista Metapsquica tambm parou. A histria de Kardec, no terminada, ficou em seu penltimo nmero e os leitores perderam o que de melhor, at hoje, se poderia ter escrito sobre o Codificador do Espiritismo.

Resta-nos esperar a continuao do estudo, em livro, como nos promete o erudito beletrista. E nessa espera reside toda a nossa esperana.

Jean Huss

Revelaram os Espritos que Denizard Rivail, em encarnaes anteriores, vivera na Glia, onde se chamara Allan Kardec. Da a provenincia do pseudnimo que adotou. Em nova encarnao fora o infortunado Jean Huss.

A notcia de que allan Kardec tivera uma existncia ao tempo de Jlio Csar data de 1856 e a de ter sido Jean Huss veio em 1857; ambas por via medianmica: a primeira pela cestinha escrevente de Baudin, com a mdium Caroline; a ltima por psicografia de Ermance Dufaux.

As fontes preciosssimas esclarece o Dr. Canuto Abreu estavam, em 1921, na Livraria de Leymarie, onde ele as copiara na sua quase totalidade. Passaram em 1925 para o arquivo da Maison des Spirites, onde os alemes, durante a invaso de Paris, as destruram em 1940.

Parece, portanto, que, na face do globo, a respeito das referidas notas, s existem as que se acham em mos daquele distinto patrcio e abnegado pesquisador da Histria do Espiritismo. Se vier a lume a sua crnica sobre O Livro dos Espritos, teremos o prazer de ver o importante trabalho que, em boa hora, transcreveu, como se os Espritos, prevendo a catstrofe da invaso germnica, lhe tivessem confiado a tarefa de preservar to importantes documentos.

Numa enciclopdia inglesa, achamos sobre o assunto apenas as seguintes linhas:

Seu pseudnimo originado de comunicaes medianmicas. Diz-se que Allan e Kardec foram os seus nomes em encarnaes anteriores.

No se pode dizer pauca sed bene parata.

Nada sabemos do Allan Kardec dos tempos dos gauleses. Mas, com o fim de estudo, vejamos a vida de Jean Huss. Por ela talvez se compreendam as tendncias, os pendores, a orientao, a misso, a vida espiritual de Hippolyte Lon Denizard Rivail.

Ouamos a Histria.

Jean Huss foi um reformador tcheco; nasceu em Husinec em 1369. Era filho de camponeses.

Fez seus estudos em Praga e formou-se como bacharel em Artes e Teologia.

Assinava-se Jean de Husinec e por abreviatura Huss, que em tcheco quer dizer ganso ou pato.

Obteve grande xito como professor, foi nomeado Deo da Faculdade de Filosofia e, mais tarde, Reitor da Universidade. Exerceram grande influncia em seu esprito os escritos de Wyclife.

Por volta de 1400 experimentou uma crise religiosa que o levou ao estudo do Cristianismo. Recebeu ordens, sendo nomeado pregador da Capela de Belm, em Praga, a capital da Bomia. Essa capela fora fundada para que nela se pregasse em tcheco.

Carlos IV, subindo ao trono, alimentou as esperanas e aspiraes dos tchecos, que os alemes queriam isolar. A Igreja, ento, ocupava lugar excepcional na Bomia; a sua opulncia e os privilgios de que gozava produziram o enfraquecimento das regras cannicas e da moral. Praga revoltou-se contra os abusos eclesisticos. Destarte, as preocupaes de uma reforma religiosa juntaram-se s reivindicaes nacionais. At na doutrina religiosa havia hostilidade entre alemes e bomios.

Huss era francamente pela reforma e pela preponderncia nacional da Bomia, embora sem entrar em conflito com as autoridades eclesisticas.

Chegou, mesmo, a ser nomeado pregador sinodal, com o mandato de protestar contra os desregramentos do clero.

Mais tarde ele desmascarava a velhacaria dos que atraam a Wilsnack numerosos peregrinos e, de acordo com o arcebispo, publicou um tratado, onde desenvolvia a tese de que um cristo no deve correr atrs de milagres.

Pouco depois, suas relaes com o arcebispo comeam a esfriar; o clero irritava-se contra as suas acusaes e, afinal, retiraram-lhe o cargo de pregador sinodal.

A rainha Sofia, entretanto, gostava de ouvi-lo. Surge da um conflito poltico e religioso, e Jean Huss aparece como o chefe do partido nacional.

O rei Vaclav, filho de Carlos IV, decidira-se pela neutralidade entre os dois papas que, na poca, pretendiam chefiar o mundo cristo. Pediu Universidade uma deciso a respeito.

Os alemes eram partidrios de Gregrio XII e possuam trs votos, como representantes de trs naes polonesas e a Tcheco um voto s. Por instigao de Huss, o rei modificou os Estatutos, ficando a Tcheco com os trs votos e os outros com um. Mas, cerca de 5.000 alemes, professores e alunos deixaram Praga. Huss foi, ento, nomeado Reitor da Universidade, que se tornou inteiramente eslava.

Ora, o arcebispo, que era por Gregrio XII, acusou Huss de heresia wyclifita e transmitiu sua queixa a Alexandre II, eleito pelo Conclio de Pisa.

O Papa, ento, pela bula de 1409, exigiu a retratao dos erros wyclifitas, a apreenso dos livros de Wyclife e a interdio de se pregar em igrejas que no fossem as antigas.

Huss apelou, mas o arcebispo fez queimar os escritos de Wyclife e excomungou os seus partidrios. Mas o clero inferior, a Universidade, o povo e o rei ficaram com Jean Huss.

Continuaram as prdicas na Capela de Belm, apesar da bula, e ningum se incomodou com o interdito contra Praga.

Numa segunda fase da luta, entra diretamente em cena o Papa Joo XXIII, que sucedeu a Alexandre V.

O trfico das indulgncias e a poltica guerreira do Papa escandalizaram Huss e seus partidrios, embora alguns recuassem, com receio da autoridade papal. Huss, porm, sustentava que o perdo dos pecados s se poderia obter por contrio e penitncia sincera, e nunca por dinheiro; que nem o Papa nem qualquer sacerdote poderiam levantar a espada em nome da Igreja; que a infalibilidade do Papa era uma blasfmia.

Houve o discurso inflamado de Jernimo de Praga, cortejos satricos, onde se ridicularizava a Igreja Oficial.

O rei de Npoles estabeleceu a pena de morte para quem ofendesse o Papa, e logo trs moos foram decapitados. Os hussitas os enterraram solenemente e Huss lhes fez o necrolgio.

O Papa ameaou a Bomia de excomunho, e Wenceslau aconselhou Huss a deixar a capital, ao que Huss obedeceu. Mas fez uma apelao (Appellatio) de Roma para Cristo. Ele ganhava adeptos, e em seu retiro voluntrio comps o Tratado De Ecclesia.

Entrementes, o imperador Sigismundo, irmo de Wenceslau, da Bomia, entendia-se com Joo XXIII, para convocar o Conclio de Constana, de cujo programa constava a pacificao religiosa da Bomia.

Sigismundo prometeu a Huss um salvo conduto, se consentisse em comparecer em Constana. Huss acedeu. Diante da promessa veio a Praga e se ps em caminho. Em Constana recebeu o dito salvo conduto onde se dizia que ele podia transire, stare, morari et redire libere.

Mas, com o pretexto de que ele queria retirar-se, prenderam-no e internaram-no no Convento dos Dominicanos, em infecto recinto. Instauraram-lhe um processo; o ato da acusao coube a Etienne Palec. Comeara a sua via-crucis.

Ficou sob a guarda do bispo de Constana, e o transferiram, como medida de maior segurana, para o torreo do Castelo de Gottlieben, onde foi encadeado e assim permaneceu dia e noite. Da vai para o Convento dos Franciscanos.

O Conclio condena as teorias de Wyclife. Em seguida apresentam a Huss o seu tratado De Ecclesia; ele nem pode defender-se, porque vozes exasperadas o interrompem e abafam a sua.

Voltou-se ao exame do Ecclesia; Huss, porm, manteve a doutrina de que o Cristo e no Pedro era o chefe da Igreja e resistiu s promessas e ameaas que lhe fizeram.

Logo Jean Huss percebeu a sorte que o aguardava; cheio de pena pelos inimigos, escreve cartas de reconhecimento pela amizade que lhe devotaram, aos amigos, animando-os, por se terem conservado fiis verdade.

A 6 de fevereiro de 1415 proclamada a condenao de Jean Huss e logo executada. Foi degradado e lhe fizeram um chapu de papel, onde se lia esta inscrio: Hic est hoeresiarcha.

Conduzido a um terreno vazio, despiram-no, amarraram-no a um poste, ajuntaram lenha em torno e lhe puseram fogo.

Ouviram-no cantar a litania Christo, Fili Dei vivi, miserere nobis.

Quando ia entoar a segunda linha Qui natus es ex Maria, foi envolvido inteiramente pelas chamas e pela fumaa e a voz morreu-lhe na garganta. Suas cinzas foram lanadas no Rheno.

E assim pereceu queimado aos 46 anos, quem pregou contra a injustia, a venalidade e a insinceridade.

Diz o historiador que ele era uma alma sensvel, piedosa, pura, honesta, s se deixando dominar pelo que lhe parecia justo e verdadeiro. E, ainda, que sua vida anuncia uma era nova, onde se imporo os direitos religiosos da conscincia individual. Dava grande importncia lei do Cristo, pregando que a verdadeira Igreja era aquela de que o Cristo era o chefe autntico.

Como pregador, a clareza de sua inteligncia e a lgica de sua argumentao produziam uma forte impresso em todos os que o ouviam.

Tal a breve histria de Jean Huss.

Alguns dados extramos de um trabalho de F. Herm. Krugr, com a colaborao de E. Denis, Paris, 1878; W. Berger, Augsburg, 1878; J. Loserth, Praga, 1884 e J. G. Lechler, Halle, 1890.

Iniciao no Espiritismo

Explicando como se iniciara no Espiritismo, declara Allan Kardec que, em 1854, ouvira falar em mesas girantes. Fortier, magnetizador, disse-lhe que acabara de descobrir no magnetismo uma singular propriedade, a de fazer girar as mesas e marchar nossa vontade. Mais tarde, revela ainda: As mesas falam; pergunta-se e elas respondem.

S o acreditaria revida Kardec se provarem que elas tm crebro e nervos e que se podem sonambulizar. At ento permita que considere isto uma fabulosa histria.

Como se v, muito ao contrrio da credulidade que se lhe atribui, mostra franco cepticismo quando lhe fazem conhecer os primeiros fenmenos espritas aparecidos na Frana.

Pouco depois, o seu amigo Carlotti lhe refere a comunicao dos Espritos; e as dvidas do mestre, em vez de se desvanecerem, aumentam.

Por fim, vai casa da Sra. Plainemaison e v as mesas falarem. Esprito franco, incapaz de emperrar nas idias fixas, pronto a aceitar a verdade de onde quer que viesse, no pde ter mais vacilaes. Ficar estabilizado nos preconceitos, fazer ponto em certas paradas, sem nada que o demova, como quem espera um veculo que no chega, prprio do sectarista, nunca de uma inteligncia de escol, inteiramente livre, de um ser absolutamente sincero, como era Allan Kardec. E ele rende-se evidncia.

Com as meninas da famlia Baudin viu a escrita por intermdio da cesta, fenmeno que descreve em O Livro dos Mdiuns. Eram dadas respostas exatas s perguntas que se faziam, muitas das quais sem os circunstantes as proferirem, apenas por haverem pensado nelas. Era, portanto, impossvel qualquer participao dos mdiuns.

Os primeiros estudos de Kardec partem dessas experincias. Passou, ento, a aplicar-lhes o mtodo experimental e os demais processos de que usava no seu campo cientfico.

Percebeu ele que o comunicante era o esprito de um morto. Notou, desde logo, que, ao contrrio do que se acreditava, esse morto no possua o soberano conhecimento, antes continuava a ser, mentalmente, o que fora em vida: os mesmos pensamentos, os mesmos ideais, se os tivera, as mesmas manias...

Um ponto capital estava patente: a existncia de um mundo invisvel e sua comunicao conosco. Kardec compreendeu a revelao extraordinria que estava sua vista, rodeada de provas iniludveis: a imortalidade e a comunicabilidade dos Espritos. Pouco depois, certificava-se de outra descoberta de no menos valor, formidvel nas suas conseqncias: O Esprito, no Espao, sofria em razo de suas faltas, e as dores deste mundo eram o resultado das culpas do passado, de vidas pretritas. Havia sanes penais; era a lei de causa e efeito; era a demonstrao verificvel da justia divina. Que horizontes se iriam abrir Filosofia!

* * *

Como de ver, pelo menos aos que conhecem o estado mental dos indivduos; aos que percebem a que desatinos podem levar as paixes e o fanatismo, contra Allan Kardec e sua doutrina levantou-se furiosa tempestade. E por isso lhe dizia um amigo do Espao, prevenindo-o, como j o fizeram outros:

O Espiritismo tem sido at aqui objeto de diatribes... Julgais que tudo isso passou, que os dios estejam acalmados, que se achem reduzidos impotncia? Perdei a iluso. O cadinho depurador ainda no expediu todas as impurezas. O futuro vos guarda outras provas e as ltimas crises no sero as mais fceis de suportar.

Bem razo assistia ao Esprito do Dr. Demeure. No s Kardec, mas os seus adeptos tm visto crescer a fria demolidora dos adversrios. A diatribe, a injria, a calnia no tm sido poupadas. As estradas para o bem sempre foram marginadas de cardos.

Dos informes prestados pelos espritos formou Allan Kardec OLivro dos Espritos. o livro bsico da doutrina; ali se contm os ensinos que viriam esclarecer os grandes problemas filosficos e importantes problemas psicolgicos, alguns insuspeitados, e outros para os quais faltava o supedneo da prova.

No se trata de uma lucubrao, de opinies pessoais, das idias surgidas da cabea de um filsofo; no resulta, mesmo, da manifestao de um Esprito, seno da manifestao concordante de muitos Espritos, atravs de diversos mdiuns e em lugares diferentes. isto que cumpre evidenciar.

Kardec no se limitava a receber passivamente a resposta dos Invisveis e a anot-las mecanicamente. Ele indagava, pesquisava, comparava, discutia. Quando algo lhe era incompreensvel ou parecia absurdo, ele replicava, e s tinha como definitivo o que estivesse inteiramente claro e que ficasse iniludivelmente escoimado de dvidas.

Impossvel admitir que uma doutrina admiravelmente concordante, rigorosamente lgica, altamente esclarecedora, uniforme, apesar de provir de diferentes fontes, pudesse vir a ser uma farsa, ou fosse tomada como uma burla.

* * *

A revelao que foi feita a Kardec, de que lhe cabia uma grande misso, deu-se em casa do Sr. Roustan, sendo mdium a senhorita Japhet.

Nessa ocasio lhe dizia o Guia:

No haver diversas religies nem h mister seno de uma, que a verdadeira, grande, bela e digna do Criador... Os seus primeiros fundamentos j foram lanados...

Tendo causado apreenso e surpresa haver falado o Guia na irrupo de graves acontecimentos, esclareceu ele:

Haver muitas runas e desolaes; so chegados os tempos para a renovao da humanidade.

pergunta sobre se seria um cataclismo, respondeu:

No. Os flagelos assolaro as naes, a guerra dizimar os povos, as instituies se afundaro num mar de sangue. O mundo velho ruir para dar lugar a um mundo novo, a nova era de progresso.

E outra indagao, acrescentou:

A guerra no se limitar a um pas; envolver toda a Terra; tudo est suspenso por fio de teia de aranha. A primeira fasca vir da Itlia.

A predio foi feita em 7 de maio de 1856. A Itlia, com a tomada da Abissnia, foi a precursora do pavoroso prlio deflagrado em 1939. A Europa inflamou-se. A Alemanha invade as naes vizinhas. Em pouco esto envolvidos todos os continentes. Luta-se em terra, nos ares e nos mares. At por baixo do solo e por baixo dos oceanos morre-se e mata-se. Lanam-se os homens e as naes uns contra outros como o no fariam os mais ferozes animais. Usaram-se os mais mortferos engenhos de guerra. Ondas de fogo levantavam-se por toda parte. As mais belas cidades ficaram reduzidas a um monto de runas. A civilizao parecia afundar num plago de chamas. As cinzas dir-se-iam encobrir todas as regies habitadas. O dio tomou propores imprevistas.

Crepitou o pavoroso incndio por cinco anos; foi a maior chacina de todos os tempos. Houve a destruio de edifcios imponentes, de templos histricos, de pontes e viadutos afamados, de campos florescentes, de urbes populosas, de usinas e fbricas, de bibliotecas e museus, do comrcio, da indstria, de todo um longo passado de atividade e de trabalho.

Destruio urbana, destruio florestal, destruio econmica, destruio humana, horrores e misrias, campos de concentrao, imolaes em massa, luto e lgrimas, tal foi o resultado do orgulho, da ambio e da estupidez de meia dzia de prepotentes, da insnia de chefes de Estado, de improvisados mandes, pelos quais se deixa fascinar e arrastar o triste pecus, o sacrificado rebanho humano.

Dizia Rui Barbosa, na Orao aos Moos:

No h justia onde no haja Deus. Querereis que vo-lo demonstrasse: Mas seria perder tempo, se j no encontrastes a demonstrao no espetculo atual da Terra, na catstrofe da humanidade. O gnero humano afundou-se na matria e no oceano violento da matria flutuam, hoje, os destroos da civilizao, meio destruda. Esse fatal excdio est clamando por Deus.

O fatal excdio foi o de 1914. Que diria o eminente jurista diante da terrvel luta de 39?

A profecia, provavelmente, ainda no findou; novas ameaas pairam no cu planetrio. Os engenhos de guerra atuais deixam a perder de vista os das guerras anteriores. Fala-se na destruio do mundo. De fato, um mundo povoado de energmenos, perversos e idiotas, melhor seria se estourasse definitivamente. Seria um suicdio global.

No so estas, porm, as vistas do Senhor, nem o que devemos esperar. Necessariamente, no terminou, ainda, o ciclo de nossas provas. No chegaremos, entretanto, a uma total calamidade. H de raiar um dia a felicidade. Viveremos sob o imprio do Bem. Ho de cumprir-se as promessas dos Espritos superiores sob a inspirao do Divino Mestre.

* * *

Os Espritos, e principalmente o que se designava com o nome de Verdade, reiterava os conselhos e avisos que se podem dirigir a tantos quantos militam nesta Seara, visando ao bem do semelhante:

A misso dos reformadores cheia de tropeos e perigos. A tua rude, previno-te, porque tens de revolver e reformar o mundo inteiro... Levantars contra ti dios terrveis; inimigos encarniados conjuraro a tua perda; sers alvo da maledicncia, da calnia, da traio, ainda mesmo dos que te parecem mais dedicados; as tuas melhores instrues sero desprezadas e adulteradas; mais de uma vez vergars ao peso da fadiga; em uma palavra, haver uma luta quase constante, com o sacrifcio do teu repouso, da tua tranqilidade, da tua sade e at da tua vida.

Nem um passo para trs deves dar, quando em vez de um caminho juncado de flores encontrares urzes, agudas pedras e venenosas serpes.

Para lutar contra os homens preciso coragem, perseverana e inabalvel firmeza; preciso prudncia e finalmente abnegao para todo o sacrifcio.

Confirmando as profecias do Esprito, Kardec vinha fazer estremecer velhas instituies, carunchosos estabelecimentos; vinha trazer luz sobre erros seculares; vinha, sobretudo, apontar a estrada que devia conduzir o gnero humano a melhores destinos.

E ento se desencadeou, no s sobre a doutrina por ele codificada, como sobre ele, como sobre seus proslitos, a campanha do descrdito. A serpe de que falara o Esprito Verdade no se limitou a morder os princpios doutrinrios, seno que procurou denegrir o Doutrinador, o Missionrio, certa de que, turvando a fonte podia turvar toda a corrente.

Ainda agora, e talvez mais do que nunca, vemos lanada sobre o mestre a peonha que lhe devia macular o nome e a obra; ele era o ignorante, o embusteiro, o velhaco, o desonesto; deram-no at por cabotino, e depois por caloteiro, despejado por falta de pagamento. Outras vezes j no era o miservel, que no podia pagar a casa, mas o nababo, enriquecido custa do Espiritismo e dos espritas, estes uns pacvios, fceis de embrulhar, e que tanto acreditavam em aparies das almas do Outro Mundo, como nas patranhas das almas deste.

Passou por fantasista, por mstico, por amante do sobrenatural, por quimrico, por inclinado ao misterioso. No admira que tais inverdades vivam na boca e na pena de ignorantes e aleivosos, desde que livros e enciclopdias que tm por fim ilustrar os povos cometeram as mesmas cincas.

Contava-nos Henri Regnault que, por curiosidade, lembrou-se de consultar La Grande Encyclopdie e muitas edies do Dictionnaire Larousse. A primeira diz que Kardec, depois de ter recebido uma boa instruo filosfica e cientfica, entregou-se de bonne heure ao estudo do Espiritismo, tendo acordado a o seu gosto pelo maravilhoso.

Ensino menos verdadeiro quanto a esta parte, diz Regnault, visto que Rivail comeou a preocupar-se com Espiritismo quando tinha mais de 50 anos e com um escrpulo e prudncia que lhe fazem honra.

E quem lhe conhece a biografia sabe que foi com muita relutncia que ele se disps a tais estudos, sendo antes deles inteiramente cptico a tal respeito.

O Larousse, na edio de 1875, dizia:

Foi sobre cenas grotescas que se apoiou Allan Kardec... Soube dar uma forma clara, precisa a uma doutrina completa; nada a falta, salvo que, para admiti-la, preciso ter f, pois o autor considera, como provados, os fenmenos que precisamente esto em questo. No uma doutrina de pesquisa, de reflexo, de meditao, em que se procurem explicar coisas difceis de compreender; um mistrio construdo com todas as peas, pela inspirao, sem nenhum conhecimento das leis fsicas, da constituio positiva das coisas nem do encadeamento real dos fenmenos.

E acrescentava que o Espiritismo estava em seu declnio. Isto foi em 1875.

Mas, no s a profecia falhou, como, em as novas edies, a hostilidade se foi atenuando. Provavelmente, as experincias em que tomaram parte os maiores vultos da cincia europia e americana deixaram um tanto abalados os crditos do Universel. Assim, em 1900, j no se fala em Kardec, e posteriormente, informa ao leitor sobre quem foi ele, isto sem mais comentrios. Numa edio que temos vista apenas se diz o seguinte:

Kardec (Hippolyte Lon-Denizard Rivail), mais conhecido sob o pseudnimo de Allan. Escritor esprita francs, nascido em Lyon, falecido em Paris (1803-1869). Autor de O Livro dos Espritos... (Seguem-se os livros).

E mais nada. Como se v, a refrega foi rdua e os Espritos a previram. No faltaram os eptetos; no houve injria ou calnia que lhe no vomitassem, desabrida ou veladamente, e quanto mais perto de Deus se julgava o invetivador, mais virulento se tornava. Cientistas e letrados, ou faziam a campanha da indiferena, ou a da blague ou a da falsidade.

So os acleos da jornada.

* * *

Quando Kardec editou a Revue Spirite, que apareceu a 1 de janeiro de 1858, no tinha capital, nem scios, nem assinantes, nem auxiliares.

Estava s. A vitria dessa revista, existente at hoje, uma verdadeira manifestao da energia, do valor, da fora de vontade de Allan Kardec. Era realmente o escolhido do Alto para a espinhosa tarefa.

Diz Regnault:

Foi graas a ela que ele enfrentou as tempestades que se acumulavam, respondendo, apenas, quando estava em jogo a doutrina, desdenhando as injrias pessoais, fazendo, tanto quanto lhe era possvel, o bem a seus inimigos.

E acrescenta:

Coisa notvel: Allan Kardec conformou a sua existncia de acordo com o ensino dos Espritos. Caritativo, vivia para os outros e no para si; ignorava o rancor; foi por seus atos um verdadeiro apstolo, e deve ser, de fato, um mestre honrado e venerado, devendo todos esforar-se por seguir-lhe os exemplos.

A ele se deve, ainda, a fundao da Sociedade Esprita de Paris, onde empregou o melhor de seus esforos para congregar os irmos em crena, os discpulos na doutrina, e torn-los fortes em torno de uma idia.

Pobre e acanhada a princpio, a Sociedade se foi desenvolvendo at que se tornou um grmio amplo, que veio prestando humanidade os benefcios de que somos testemunhas.

O Codificador

Allan Kardec foi o escolhido para to elevada misso, como a de Codificador, justamente pela nobreza de seus sentimentos e pela elevao do seu carter, tudo aliado a uma slida inteligncia.

Ele sujeitava os seus sentimentos, os seus pendores, reflexo. Tudo era submetido ao poder da lgica. S aceitava o que havia verificado e comprovado, dentro dos estudos a que procedia. Se era um emotivo, sabia dominar-se. Nada passava sem o rigor do mtodo, sem o crivo do raciocnio.

Filsofo, benfeitor, idealista, dado s idias sociais, possua ainda um corao digno do seu carter e do seu valor intelectual. Estava sempre disposto ao socorro, ao amparo, sem que a mo esquerda soubesse o que fazia a direita. A caridade para ele no era um mero princpio; ele no a praticava com a frieza do sectrio, nem mesmo por simples dever, mas pelo profundo amor que dedicava a seu semelhante.

Em se tratando, porm, de observar e experimentar, era o estudioso meticuloso, onde o sentimento no intervinha, e a quem o calor das paixes no turbava. Voltava a ser o sbio frio que sondava, imperturbvel, os segredos da criatura e da criao. que a se reclamava a sua sensatez. Ia ele apresentar fatos e doutrinas que revolucionariam o pensamento humano, que iriam governar o mundo espiritual, e sendo ele, como, com muita justeza, dizia Camille Flammarion, o bom senso encarnado, possuindo um critrio que faria inveja aos mais ponderados, percebeu a sua imensa responsabilidade nas teorias que iria espalhar e procurou, ento, guiar-se pelas luzes da razo, pelos preceitos da Cincia, dentro da maior imparcialidade, tendo como escopo, acima de tudo, o que parecia a verdade.

Quaisquer que fossem as suas idias, ele as punha de lado, se outras mais sbias lhe eram ministradas. No as tinha preconcebidas. S o interessava o que podia estar certo. Velhos preceitos, inteis preconceitos, sentenas arraigadas, as religies empedernidas, os dogmas do passado, tudo teria que aluir diante do jorro de luz que os Arautos do Senhor lhe vinham trazer.

Bem sabia ele que poderia ficar soterrado no vetusto edifcio que vinha reconstruir, sob a gide dos Mensageiros. No lhe faltaram os avisos dos Espritos, que o advertiam do perigo em por o alvio em instituies seculares. Bem sabia ele que iria ver adunados contra si religiosos e cientistas, pois que a nova doutrina desmentia pontos de f e preceitos que se tinham como invulnerveis.

Em religio eram doutrinas bsicas que iam ser remodeladas. O Cristianismo iria ser encarado por outra face: era o Cristianismo do Cristo, e no o de seus vigrios. A Cincia veria perturbadas as regras que fundou, esteadas unicamente na matria, nas falsas noes sobre o Esprito, sobre a sua vida, a sua independncia, a sua anterioridade ao corpo, a sua imortalidade.

Kardec encarou de frente a tempestade, tomou a bssola que lhe davam os Espritos Superiores e rumou, por mares at ento desconhecidos ou pouco vislumbrados, para as terras onde brilhava o sol da Fraternidade.

* * *

Allan Kardec tinha um sofrimento cardaco. Esgotado por motivo de seu exaustivo trabalho intelectual, e j bastante fraco, entregou-se, por estar em mudana, a grande esforo fsico, no encaixotamento e transporte de sua volumosa biblioteca. Rompe-se-lhe um aneurisma e ele falece aos 31 de maro de 1869.

Cabem aqui estas palavras de Flammarion, pronunciadas no tmulo do mestre:

Naquele dia solene, dissera eu o supremo adeus na sepultura do fundador da Livraria Acadmica, o honrado Didier, que foi, como editor, convencido colaborador de Allan Kardec na publicao das obras fundamentais de uma doutrina que lhe era cara. Este morreu tambm subitamente como se o Cu quisesse poupar aos dois ntegros Espritos o embarao filosfico de sarem desta vida por maneira diferente da comum.

E pois que sabemos de sua alma imortal sobrevivente a estes despojos mortais, assim como preexistiu a eles; que laos indestrutveis ligam o mundo visvel ao mundo invisvel; que esta alma existe hoje to ntegra como h trs dias, e que no impossvel achar-se aqui entre ns, digamos-lhe que no quisemos ver dissipar-se a sua imagem corprea a encerrar-se no sepulcro, sem lhe honrar unanimemente os trabalhos e a memria; sem pagar o tributo de reconhecimento sua encarnao terrestre, to digna e utilmente preenchida.

Falecera o Codificador, mas ficara a Codificao.

Plano de O Livro dos EspritosLogo que apareceu O Livro dos Espritos, apesar de sua grande sada, no se fez esperar a mofa dos inscientes e principalmente daqueles para os quais a obra viria abrir profundos sulcos nas tradies e em suas enraizadas idias. Dir-se-ia que o grande trabalho espiritual iria naufragar em meio tempestade universal do riso.

Mas as edies se foram sucedendo. Os mais preparados e os menos apaixonados perceberam que havia ali algo de notvel e profundamente srio. E como trabalho do Alto, ditado pelos Espritos prepostos ao nosso progresso, no podia ele ser sufocado pela insipincia ou pelo fanatismo, e assim abriu caminho atravs da mais furiosa oposio, para c