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Epidemiologia do Suicídio em Portugal, 1902-2010 Base empírica para a compreensão do fenómeno e estudo de impacto do desemprego num tempo de crise. a Carlos Manuel Pinhão Ramalheira Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Coimbra, Abril de 2013 Mestrado Integrado em Medicina Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Correio electrónico: [email protected] a O texto do presente trabalho não segue o novo acordo ortográfico.

Carlos Ramalheira - Epidemiologia Do Suicídio Em Portugal - NOVO

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  • Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

    Base emprica para a compreenso do fenmeno e estudo de

    impacto do desemprego num tempo de crise.a

    Carlos Manuel Pinho Ramalheira

    Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

    Coimbra, Abril de 2013

    Mestrado Integrado em Medicina

    Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

    Correio electrnico: [email protected]

    a O texto do presente trabalho no segue o novo acordo ortogrfico.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Agradecimentos

    Agradeo ao Dr. Antnio Jorge Ferreira, meu orientador, toda a

    disponibilidade que sempre manifestou para comigo, bem como as leituras atentas e

    valiosas sugestes que, com generosidade, sempre me deu. Tambm no posso deixar

    de sublinhar a celeridade com que sempre atendeu s dvidas e questes que fui

    colocando, nem deixar de agradecer as valiosas orientaes prticas que me guiaram de

    forma muito pragmtica na direco mais correcta.

    Agradeo minha famlia pelo apoio incondicional, bem como minha

    namorada pelo carinho e compreenso nos momentos de maior distncia.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    ndice

    Agradecimentos .............................................................................................................. 2

    ndice de Figuras ............................................................................................................ 5

    ndice de Tabelas ............................................................................................................ 9

    ndice de Anexos ........................................................................................................... 10

    Lista de Abreviaturas e Acrnimos ............................................................................ 11

    Resumo .......................................................................................................................... 12

    Abstract ......................................................................................................................... 14

    1. Introduo ................................................................................................................. 15

    2. Material e Mtodos ................................................................................................... 24

    2.1 Fontes de dados .................................................................................................... 24

    2.2 Perodos com dados disponveis .......................................................................... 24

    2.3 Cdigos de causa de morte e pontos de corte ...................................................... 25

    2.4 Estudo descritivo e construo de sries .............................................................. 26

    2.5 Mtodos analticos ................................................................................................ 27

    2.5.1 Estimao multivariada de razes de taxas de suicdio ................................ 27

    2.5.2 Estudo de associao entre suicdio e desemprego....................................... 28

    2.6 Suporte informtico .............................................................................................. 30

    3. Apresentao Comentada de Resultados ............................................................... 31

    3.1 Estudo Descritivo ................................................................................................ 31

    3.1.1 Suicdio no contexto Europeu e Mundial ...................................................... 31

    3.1.2 Suicdio em Portugal ..................................................................................... 40

    3.1.3 Suicdio por estratos demogrficos em Portugal .......................................... 49

    3.1.4 Suicdio com ajustamento de variaes demogrficas em Portugal ............. 56

    3.1.5 Suicdio e outras causas externas de mortalidade em Portugal ................... 60

    3.1.6 Suicdio e mortes com inteno indeterminada segundo o mtodo utilizado 67

    3.1.7 Suicdio e outras causas residuais de mortalidade em Portugal .................. 71

    3.1.8 Suicdio e mortalidade por todas as causas em Portugal ............................. 72

    3.1.9 Suicdio segundo a condio profissional em Portugal ................................ 75

    3.1.10 Suicdio e outras categorias de mortalidade nas NUTS II .......................... 81

    3.1.11 Suicdio por Concelhos em Portugal ........................................................... 90

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    3.2 Estudo Analtico .................................................................................................. 93

    3.2.1 Estimao multivariada de razes de taxas de suicdio ................................ 93

    3.2.2 Estimao de impacto do desemprego no suicdio em Portugal, luz da

    evidncia disponvel na literatura internacional.................................................. 100

    3.2.3 Associao entre suicdio e desemprego ..................................................... 106

    4. Consideraes Finais e Concluses ....................................................................... 118

    5. Referncias Bibliogrficas ..................................................................................... 135

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    ndice de Figuras

    Figura 1. Mediana das taxas anuais de suicdio padronizadas pelo mtodo directo para os anos de 2005 a

    2010. Homens, Mulheres - taxas padronizadas por grupos etrios; Total - taxas padronizadas por sexo e

    grupos etrios. Populao padro: WHO World. ........................................................................................ 32

    Figura 2. Razo entre a mediana (2005 a 2010) das taxas anuais padronizadas por idade de Homens e

    Mulheres (H/M). Populao padro: WHO World. .................................................................................... 33

    Figura 3. Taxas Globais Ajustadas de Suicdio na Regio Europeia (vinte pases), de 1970 a 2010.

    Padronizao por sexo e grupos etrios quinquenais calculada pelo mtodo directo (por 100.000

    habitantes). Populao padro: Standard European Population. (Os anos de 2005-2007 correspondem a

    interpolaes lineares da taxa ajustada para Portugal) ............................................................................... 35

    Figura 4. Mediana das taxas anuais padronizadas pelo mtodo directo por grupos etrios (por 100.000

    habitantes) para o perodo de 2005 a 2010. Lado esquerdo: Suicdio a cores escuras e mortes por causa

    externa com inteno indeterminada a cores claras. Lado direito: mortes de causa desconhecida ou

    indefinida (R00-R99, CID-10). Populao padro: WHO World. .............................................................. 37

    Figura 5. Nmero de suicdios registados em cada sexo e respectiva proporo no total em Portugal de

    1902 a 2010. As linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. ................................... 40

    Figura 6. Taxas brutas anuais de suicdio em Portugal de 1902 a 2010 Mulheres, Homens e Total. As linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. .............................................................. 42

    Figura 7. Rcio de taxas brutas anuais de suicdio entre sexos (H/M) em Portugal, 1902-2010. As linhas

    verticais correspondem a quebras de srie documentadas. (Para melhorar a legibilidade, dado o grande

    nmero de observaes, tomou-se a liberdade de representar os rcios anuais como linhas contnuas,

    embora se reconhea que deveriam ter sido representados atravs de um grfico de barras.) ................... 45

    Figura 8. Variao percentual anual, contnua, da taxa bruta de suicdio em Portugal, 1902 a 2010. As

    linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. .............................................................. 45

    Figura 9. Variao percentual anual, contnua, das taxas brutas de suicdio por sexos em Portugal, 1902 a

    2010. As linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. ............................................... 48

    Figura 10. Nmero de suicdios por grupos etrios (0-14; 15-24; 25-44; 45-64; mais de 65 anos) e sexo

    em Portugal, 1941 a 2010. Os suicdios nos anos de 1952 a 1954 resultam de interpolaes lineares. (Note

    as diferenas de escala utilizadas.) ............................................................................................................. 49

    Figura 11. Proporo de suicdios por grupos etrios (0-14; 15-24; 25-44; 45-64; mais de 65 anos) e sexo

    em Portugal, 1941 a 2010. Os suicdios nos anos de 1952 a 1954 resultam de interpolaes lineares. ..... 50

    Figura 12. Taxas especficas anuais de suicdio por sexo e grupos etrios (0-19; 20-44; 45-64; mais de 65

    anos) em Portugal, 1941 a 2010. Os suicdios nos anos de 1952 a 1954 resultam de interpolaes lineares.

    As linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. (Notem-se as diferentes escalas

    utilizadas nas ordenadas.) ........................................................................................................................... 52

    Figura 13. Taxas especficas de suicdio por sexo e grupos etrios (0-10; 20-44; 45-64; mais de 65 anos)

    em Portugal, dcadas (Note as diferenas de escala). ................................................................................. 55

    Figura 14. Taxas de suicdio por grupos etrios quinquenais em Portugal, total agregado e por sexos,

    1955 a 2010. ............................................................................................................................................... 56

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    Figura 15. Taxas ajustadas anuais de suicdio por grupos etrios em Portugal, Homens e Mulheres de

    1941 a 2010. Padronizao por dezassete grupos etrios quinquenais com recurso ao mtodo directo.

    Populao padro: Europeia Standard.. ...................................................................................................... 58

    Figura 16. Razo anual entre homens e mulheres de bitos, taxas brutas e taxas ajustadas de suicdio em

    Portugal, 1941 a 2010. Padronizao por dezassete grupos etrios quinquenais com recurso ao mtodo

    directo. Populao padro: Europeia Standard. As linhas verticais correspondem a quebras de srie

    documentadas. ............................................................................................................................................ 58

    Figura 17. Taxas ajustadas anuais de suicdio por sexo e grupos etrios em Portugal, 1941 a 2010.

    Padronizao por sexo e dezassete grupos etrios quinquenais com recurso ao mtodo directo. Populao

    padro: Portuguesa Censitria de 2011. As linhas verticais correspondem a quebras de srie

    documentadas. ............................................................................................................................................ 59

    Figura 18. Taxas ajustadas anuais de suicdio e de mortes por causa externa com inteno indeterminada

    padronizadas por sexo e idade em Portugal, 1955 a 2010. Padronizao por sexo e dezoito grupos etrios

    quinquenais com recurso ao mtodo directo. Populao padro: Portuguesa Censitria de 2011. As linhas

    verticais correspondem a quebras de srie documentadas. ......................................................................... 61

    Figura 19. Nmero anual de bitos e proporo no total de causas externas (suicdio, inteno

    indeterminada, quedas acidentais, intoxicao acidental, acidentes de transporte, homicdios,

    afogamentos), 1955 a 2010. ........................................................................................................................ 66

    Figura 20. Taxa ajustada anual de causas externas (suicdio, inteno indeterminada, quedas acidentais,

    afogamentos e acidentes de transporte), 1955 a 2010. Padronizao pelo mtodo directo por sexo e

    dezoito grupos etrios quinquenais. Populao padro: Portuguesa Censitria de 2011. As linhas verticais

    correspondem a quebras de srie documentadas. ....................................................................................... 67

    Figura 21. Taxa ajustada anual de mortalidade (suicdio, inteno indeterminada e causa desconhecida),

    1955 a 2010. Padronizao pelo mtodo directo por sexo e dezoito grupos etrios quinquenais. Populao

    padro: Portuguesa Censitria de 2011. As linhas verticais correspondem a quebras de srie

    documentadas. ............................................................................................................................................ 71

    Figura 22. Proporo de suicdios no total de mortes registadas em cada ano, Portugal de 1902 a 2010.

    As linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. ......................................................... 72

    Figura 23. Proporo de suicdios no total de mortes registadas por estratos etrios e de sexo em cada

    ano, Portugal de 1940 a 2010. As linhas verticais correspondem a quebras de srie documentadas. ........ 73

    Figura 24. Razo percentual anual de taxas brutas e ajustadas de suicdio e total de mortes, Portugal de

    1940 a 2010. Taxas padronizadas pelo mtodo directo por sexo e dezassete grupos etrios quinquenais.

    Populao padro: Portuguesa Censitria de 2011. As linhas verticais correspondem a quebras de srie

    documentadas. (Nota: a linha de lowess calculada com recurso a mdias mveis com a largura de banda

    indicada no pretende alisar adequadamente a curva, apenas melhorar a legibilidade grfica.) ................ 74

    Figura 25. Razo padronizada de mortalidade (RPM) por suicdio em Activos e Inactivos, 1993 a 2000.

    Padronizao pelo mtodo indirecto por sexo e idade. Taxas especficas de referncia: Portugal de 1993 a

    2000. ........................................................................................................................................................... 76

    Figura 26. Razo padronizada de mortalidade por suicdio em Activos e Inactivos para homens e

    mulheres, 1993 a 2000. Padronizao pelo mtodo indirecto por idade. Taxas especficas de referncia:

    Portugal de 1993 a 2000. ............................................................................................................................ 77

    Figura 27. Razo padronizada de mortalidade por suicdio em Activos e Inactivos, 1993 a 2000.

    Padronizao pelo mtodo indirecto por idade. A e B: Mulheres; C e D: Homens. Taxas especficas de

    referncia: A e C: grupos e perodo homlogo; B e D: Portugal 1993. ...................................................... 78

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    Figura 28. Razo padronizada de mortalidade por suicdio em Empregados e Desempregados, 1993 a

    2000. Padronizao pelo mtodo indirecto por sexo e idade. Taxas especficas de referncia: Portugal de

    1993 a 2000. ............................................................................................................................................... 79

    Figura 29. Razo padronizada de mortalidade por suicdio em Activos e Inactivos, Homens e Mulheres,

    1993 a 2000. Padronizao pelo mtodo indirecto por idade. Taxas especficas de referncia: Portugal de

    1993 a 2000. ............................................................................................................................................... 79

    Figura 30. Suicdio na Europa por NUTS II de 1994 a 2010 Ambos os sexos. Padronizao por sexo e grupos etrios quinquenais calculada pelo mtodo indirecto (%). Taxas de referncia: EU 27, mediana

    para o perodo homlogo. Pontos de corte: quintis. ................................................................................... 82

    Figura 31. Razo entre bitos por causas externas com inteno indeterminada e suicdio por NUTS II de

    1994 a 2010 - Mulheres. ............................................................................................................................. 84

    Figura 32. Rcio anual entre bitos por causa externa com inteno indeterminada e suicdio por NUTS

    II, 1994 a 2010............................................................................................................................................ 85

    Figura 33. Suicdio por NUTS II de 1994 a 2010 Homens, Mulheres e Total. Razo padronizada de mortalidade calculada pelo mtodo indirecto (%). Intervalos de confiana calculados pelo mtodo de

    Poisson (95%)............................................................................................................................................. 86

    Figura 34. Mortes com Inteno Indeterminada por NUTS II de 1994 a 2010 Homens, Mulheres e Total. Razo padronizada de mortalidade calculada pelo mtodo indirecto (%). Intervalos de confiana

    calculados pelo mtodo de Poisson (95%). ................................................................................................ 88

    Figura 35. Total de mortes com Inteno Indeterminada e suicdio por NUTS II de 1994 a 2010 Homens, Mulheres e Total. Razo padronizada de mortalidade calculada pelo mtodo indirecto (%).

    Intervalos de confiana calculados pelo mtodo de Poisson (95%). .......................................................... 88

    Figura 36. Mortes de causa Indefinida ou Desconhecida por NUTS II de 1994 a 2010 Homens, Mulheres e Total. Razo padronizada de mortalidade calculada pelo mtodo indirecto (%). Intervalos de

    confiana calculados pelo mtodo de Poisson (95%). ................................................................................ 89

    Figura 37. Suicdio em Portugal por Concelhos de 1991-1995. Padronizao por sexo e grupos etrios

    quinquenais referente ao quinqunio de 91 a 95 calculada pelo mtodo indirecto (%). Intervalos de

    confiana calculados pelo mtodo de Poisson (95%). Taxas especficas de referncia: Portugal, 1991 a

    1995. ........................................................................................................................................................... 91

    Figura 38. Nmero mdio de suicdios por Concelhos de 1991-1995, para todas as idades ( esquerda) e

    para o grupo de homens e mulheres com mais de 65 anos ( direita). ........................................................ 92

    Figura 39. Taxas especficas anuais de suicdio, observadas e estimadas, por sexo e grupos etrios (0-19;

    20-44; 45-64; 65+), de acordo com o modelo binomial negativo da Tabela 6. Portugal, 1960 a 2010. ..... 99

    Figura 40. Taxas especficas anuais de suicdio, observadas e estimadas, por sexo e grupos etrios (0-19;

    20-44; 45-64; 65+), de acordo com o modelo binomial negativo da Tabela 6. Portugal, 1960 a 2010. ..... 99

    Figura 41. Variao percentual anual na taxa de suicdio em idades inferiores a 65 anos, observada e

    estimada, de acordo com o modelo de David Stuckler, de 1961 a 2010 em Portugal. Padronizao pelo

    mtodo directo por sexo e grupos etrios. Populao padro: Standard European Population. .............. 101

    Figura 42. Estimativas de aumento do nmero de suicdios de acordo com diferentes variaes na taxa de

    desemprego, segundo o modelo de Stuckler em 2011, Portugal. ............................................................. 104

    Figura 43. Taxa ajustada pelo mtodo directo por sexo e idade de suicdio e taxa bruta de desemprego em

    Portugal, 1960 a 2010. .............................................................................................................................. 106

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Figura 44. Taxa ajustada pelo mtodo directo por sexo e idade de suicdio e taxa bruta de desemprego em

    Portugal, 1960 a 2010. Ambas as taxas foram centradas em funo da sua mdia para o perodo e

    individualizadas do efeito de tendncia com recurso a uma recta de regresso linear da taxa no tempo. 110

    Figura 45. Variao percentual na taxa ajustada pelo mtodo directo por sexo e idade de suicdio e

    diferenas na taxa bruta de desemprego (variao em percentagens) em Portugal, 1960 a 2010. Ambos os

    indicadores foram centrados em funo da sua mdia para o perodo e individualizados do efeito de

    tendncia com recurso a uma recta de regresso linear no tempo. ........................................................... 114

    Figura 46. Taxa de suicdio + causas externas com inteno indeterminada e taxa bruta de desemprego

    em Portugal, 1960 a 2010. ........................................................................................................................ 116

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    ndice de Tabelas

    Tabela 1. Total de mortes por causa externa com inteno indeterminada segundo o mtodo ou agente

    externo nos homens em Portugal, 2002-2003 e 2007-2010. ....................................................................... 68

    Tabela 2. Total de mortes por suicdio segundo o mtodo ou agente externo nos homens em Portugal,

    2002-2003 e 2007-2010. ............................................................................................................................. 68

    Tabela 3. Total de mortes por causa externa com inteno indeterminada segundo o mtodo ou agente

    externo nas mulheres em Portugal, 2002-2003 e 2007-2010. ..................................................................... 69

    Tabela 4. Total de mortes por suicdio segundo o mtodo ou agente externo nas mulheres em Portugal,

    2002-2003 e 2007-2010. ............................................................................................................................. 69

    Tabela 5. Regresso binomial negativa aplicada a contagens de mortes por suicdio (varivel dependente)

    desagregadas segundo o ano, quebras de srie, sexo e grupo etrio (variveis independentes), ajustadas

    em funo da populao exposta de cada grupo (offset = ln(populao)), de 1941 a 2010 em Portugal.

    Estimao robusta de erros padro (Huber-White Sandwish Estimator) e intervalos de confiana de 95%.

    Modelizao da disperso como funo da mdia. (Nmero de observaes: 560; Wald Chi2: 6226,78;

    Prob. > Chi2: 0,000). ................................................................................................................................... 95

    Tabela 6. Regresso binomial negativa aplicada a contagens de mortes por suicdio (varivel dependente)

    desagregadas segundo o ano, quebras de srie, sexo e grupo etrio, interaces entre sexo e grupos etrio

    (variveis independentes), e ajustadas em funo da populao exposta de cada grupo (offset =

    ln(populao)), de 1941 a 2010 em Portugal. Estimao robusta de erros padro (Huber-White Sandwish

    Estimator) e intervalos de confiana de 95%. Modelizao da disperso como funo da mdia. (Nmero

    de observaes: 560; Wald Chi2: 17553,44; Prob. > Chi

    2: 0,000). ............................................................. 97

    Tabela 7. Comparao entre modelos binomiais negativos para a descrio do suicdio, de 1941 a 2010

    em Portugal. ............................................................................................................................................... 98

    Tabela 8. Regresso binomial negativa aplicada a contagens de mortes por suicdio (varivel dependente)

    desagregadas segundo o ano, quebras de srie, sexo e grupo etrio, interaces entre sexo e grupos etrio,

    em associao com a taxa anual de desemprego (variveis independentes), e ajustadas em funo da

    populao exposta de cada grupo (offset = ln(populao)), de 1960 a 2010 em Portugal. Estimao

    robusta de erros padro (Huber-White Sandwish Estimator) e intervalos de confiana de 95%.

    Modelizao da disperso como funo da mdia. (Nmero de observaes: 408; Wald Chi2: 11170,90;

    Prob. > Chi2: 0,000). ................................................................................................................................. 108

    Tabela 9. Regresso binomial negativa aplicada a contagens de mortes por suicdio (varivel dependente)

    desagregadas segundo o ano, quebras de srie, sexo e grupo etrio, interaces entre sexo e grupos etrio,

    em associao com a variao anual na taxa de desemprego (variveis independentes), e ajustadas em

    funo da populao exposta de cada grupo (offset = ln(populao)), de 1960 a 2010 em Portugal.

    Estimao robusta de erros padro (Huber-White Sandwish Estimator) e intervalos de confiana de 95%.

    Modelizao da disperso como funo da mdia. (Nmero de observaes: 400; Wald Chi2: 10525,35;

    Prob. > Chi2: 0,000). ................................................................................................................................. 111

    Tabela 10. Efeito marginal em nmero de suicdios, por sexo e grupo etrio (0-19; 20-44; 45-64; 65+), do

    aumento de um ponto percentual na taxa de desemprego de acordo com o modelo apresentado na Tabela

    9. Portugal, 1960 a 2010. .......................................................................................................................... 112

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    ndice de Anexos

    (em DVD-R, na contracapa)

    Anexo I Fontes de Dados e Metadata

    Anexo II Tabelas de Mortalidade

    Anexo III Cartogramas e Figuras

    Anexo IV Cdigo STATA e Anlises Complementares

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    Lista de Abreviaturas e Acrnimos

    OMS Organizao Mundial de Sade

    WHO World Health Organization

    OCDE Organizao para a Cooperao e

    Desenvolvimento Econmico

    EUROSTAT European Statistical Office of the European

    Commission

    AMECO Annual Macro-economic database of the

    European Commission's Directorate

    General for Economic and Financial Affairs

    HMD Human Mortality Database

    SPS Sociedade Portuguesa de Suicidologia

    IP Instituto Pblico

    INE Instituto Nacional de Estatstica, IP

    DGS Direco Geral da Sade

    PNSM Plano Nacional de Sade Mental

    CID Classificao Internacional de Doenas

    SICO Sistema de Informao dos Certificados de

    bito

    ARS Administrao Regional de Sade

    ACES Agrupamento de Centros de Sade

    CHUC Centro Hospitalar Universitrio de Coimbra

    NUTS Nomenclatura Comum das Unidades

    Territoriais Estatsticas

    RPM Razo Padronizada de Mortalidade

    IRR Incidence Rate Ratio

    IC Intervalo de Confiana

    OLS Ordinary Least Squares

    LOWESS Locally Weighted Scatterplot Smoothing

    PT Portugal

    SP Espanha

    FR Frana

    IT Itlia

    UK Reino Unido

    ND Holanda

    DE Alemanha

    BE Blgica

    DK Dinamarca

    SW Sucia

    FI Finlndia

    NO Noruega

    MT Malta

    GR Grcia

    AU ustria

    HU Hungria

    PO Polnia

    ES Estnia

    LV Letnia

    LT Litunia

    UE Unio Europeia

    EU European

    Union

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Resumo

    Contexto/Tema: A recente crise econmica, em particular com o aumento de

    desemprego, tem suscitado uma preocupao acrescida com suicdio. Neste contexto,

    descrevemos epidemiologicamente o suicdio e explormos uma associao com

    desemprego em Portugal.

    Material: Compilmos bases de dados com recurso a vrios repositrios internacionais

    da OMS, EUROSTAT, HMD, AMECO, bem como a dados de trabalhos anteriormente

    publicados. Estudmos o suicdio num contexto internacional de 67 pases de 2005 a

    2010, bem como em Portugal, desagregado por sexos, de 1902 a 2010 (109 anos), por

    sexo e idade, de 1941 a 2010 (70 anos), condio profissional, de 1993 a 2000 (8 anos),

    e por NUTS II, nacionais e europeias, de 1994 a 2010 (16 anos). Abordmos ainda

    outras causas de morte em Portugal de 1955 a 2010 (56 anos).

    Mtodos: Recorremos a tcnicas de padronizao directa e indirecta, com recurso a

    diversas populaes de referncia nacionais e internacionais. Para quantificar os

    resultados ilustrados utilizmos mtodos de estimao multivariada de taxas e razes de

    mortalidade: regresso de Poisson e binomial negativa. Recorremos tambm a mtodos

    de regresso linear mltipla (OLS). Neste mbito, explormos diversas tcnicas

    subsidirias da anlise de sries temporais. Nos modelos multivariados controlmos

    factores demogrficos de sexo, idade e interaces entre sexo e idade; tendncias de

    longo prazo de desemprego e mortalidade; bem como quebras de srie e/ou utilizao

    diferencial da categoria mortes por causa externa com inteno indeterminada.

    Resultados: Demonstrmos que, de 1960 a 2010, taxas elevadas de desemprego tendem

    a coexistir no tempo com taxas elevadas de suicdio, independentemente dos factores

    controlados. Em particular, quando a taxa de desemprego tende a ser um ponto

    percentual superior, a taxa de suicdio tende a ser 4,9% superior (IC 95%: 3,4-6,4), face

    ao seu contexto histrico. Ficou ainda demonstrado que o aumento de um ponto

    percentual na taxa de desemprego se associa a taxas de suicdio 3,5% mais elevadas (IC

    95%: 0,8-6,3), embora este achado seja algo inconsistente. Porm, no identificmos

    associaes estatisticamente significativas de dependncias de curto prazo entre

    desemprego e suicdio. Adicionalmente, ilustrmos que, mesmo aceitando estas

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    associaes como credveis, o impacto desta associao traduzido em nmero absoluto

    de casos relativamente reduzido, mesmo inflacionando resultados com base nas

    mortes por causa externa com inteno indeterminada.

    Concluso: H alguma evidncia para a existncia de uma modesta associao de nvel

    agregado nacional entre suicdio e desemprego. No entanto, h graves limitaes nas

    sries de mortalidade por causa, sobretudo na viragem do sculo, que nos impediram de

    sustentar com segurana a existncia inequvoca de uma associao entre os dois

    fenmenos em estudo. Estas limitaes no se prendem exclusivamente com a incerteza

    diagnstica de causa, ou intencionalidade subjacente ao bito. Adicionam-se a

    mudanas frequentes de critrio e mtodo de registo que, como demonstrmos,

    definiram quebras na continuidade de sries estatsticas e dificultaram a avaliao

    segura de dinmicas de curto prazo.

    Palavras-chave: Suicdio, Eventos de Inteno Indeterminada, Mortalidade,

    Desemprego, Crise, Portugal, NUTS II, Regresso de Poisson, Regresso Binomial

    Negativa, Regresso Linear, Modelos de Contagem, Sries Temporais

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Abstract

    Background: The recent economic crisis, particularly its effect on unemployment, has

    raised a widespread concern with suicide deaths. In order to clarify this issue, we

    described the epidemiology of suicide deaths in Portugal and explored a possible

    association with unemployment rates.

    Data source: We compiled data from WHO, EUROSTAT, HMD, AMECO, as well as

    from previous studies. We studied suicide in an international context of 67 countries

    (2005-2010); in Portugal, by sex (1902-2010), by sex and age (1941-2010), by labor

    status (1993-2000); and regional data by NUTS II (1994-2010).

    Methods: We used direct and indirect standardization methods to illustrate unbiased

    time-space distribution of suicide rates, controlling for sex and age. To appropriately

    quantify our results, we used multivariate estimation of rates and mortality ratios with

    poisson and negative binomial regression models. The association with unemployment

    was further explored by means of a multivariate time-series models, controlling for

    structural factors such as sex and age; past mortality and unemployment trends; as well

    as changes in mortality registration procedures.

    Results: Our findings show that when the unemployment rates tend to be one unit

    higher, the suicide rates are 4,9% higher (95% CI: 3,4-6,4). We also noted that when

    unemployment rates rise by one unit, the suicide rates tend to be 3,5% higher (95% CI:

    0,8-6,3). However this finding was somewhat inconsistent. In contrast, we found no

    evidence of an association between unemployment and suicide yearly changes.

    Moreover, assuming the unemployment effect on suicide mortality as real, we further

    showed that the increased number of expected deaths would be rather modest.

    Conclusion: There is some evidence pointing towards a weak positive association

    between unemployment and suicide rates in Portuguese national aggregate level data,

    but some inconsistencies in the data have proven to be difficult to overcome. We found

    a proportionally large number of deaths reported as events of undetermined intent and

    we highlighted the impact of methodological changes in death registration, particularly

    in the last decade.

    Keywords: Suicide, Events of Undetermined Intent, Mortality, Unemployment, Crisis,

    Portugal, NUTS II, Poisson, Negative Binomial, Count Models, Time Series

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    1. Introduo

    O estudo de factores socioeconmicos como potenciais determinantes de risco

    para o suicdio toma uma particular importncia em funo das dificuldades que o nosso

    pas e, em particular, os portugueses, esto a atravessar desde o incio da crise

    econmica internacional iniciada em 2008, e com particular expresso em Portugal,

    sobretudo, a partir de 2010/2011. Perodos de crise podem, segundo opinio

    fundamentada de inmeros peritos, influenciar o estado de sade da populao, pelo que

    se torna imperativo o acompanhamento de certos indicadores.1 Neste campo, tm

    surgido, quer ao nvel da literatura especializada, quer nos media de larga difuso,

    manifestaes de uma preocupao acrescida com as mortes por suicdio.

    De facto, muitos especialistas tm assumido como expectvel que se assista a

    um aumento do suicdio em consequncia do progressivo agravamento de condies

    socioeconmicas que decorrem da presso financeira e laboral sobre as populaes

    atingidas. Esta preocupao tem, inclusivamente, vindo a ser difundida publicamente

    por diversos intervenientes qualificados ou com responsabilidade na rea da sade, quer

    a nvel nacional, quer internacional, nomeadamente suscitada por discusses em torno

    do que estar j a suceder em pases que entraram em recesso mais cedo como, por

    exemplo, a Grcia.

    Neste mbito, regista-se que, logo em 2009, a Organizao Mundial de Sade

    (OMS) alertou para o potencial de aumento de suicdios no contexto da actual crise

    econmica.2, 3

    Tambm em Portugal vrios especialistas, bem como representantes de

    instituies com participao directa na rea da sade mental e diversos intervenientes

    polticos na esfera da sade, tm manifestado essa mesma preocupao perante os meios

    de comunicao social.4-11

    Por exemplo, segundo o Secretrio de Estado Adjunto e da

    Sade, Leal da Costa, o suicdio constitui um problema de sade pblica e uma

    realidade crescente em Portugal, aceitando o mesmo dirigente como possvel e

    imaginvel que a taxa de suicdio aumente no contexto de crise:

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    [] em todas as circunstncias de maior crise econmica ou financeira, com

    o aumento do desemprego, aumento de situaes de maior dificuldade social,

    individual e familiar, possvel e imaginvel que isso acontea [].9

    Tambm para o coordenador nacional para a Sade Mental, lvaro de

    Carvalho, [] h uma correlao directa entre o aumento do desemprego e o suicdio

    [].12 Por seu turno, o presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS),

    Carlos Santos, afirmou recentemente que o desemprego, as dificuldades econmicas e

    a crise social podem levar ao aumento dos comportamentos suicidrios.7; e que []

    ser expectvel um aumento do nmero de casos, dado o aumento dos factores de risco

    nomeadamente, o desemprego, a taxa de pobreza, a instabilidade social e a diminuio

    dos apoios sociais.4. Tambm Ricardo Gusmo, Professor de Psiquiatria e Sade

    Mental da Universidade Nova de Lisboa, abordou este tema:

    Atravs de estudos j realizados, percebe-se que quando os pases atravessam

    condies econmicas desfavorveis e elevadas taxas de desemprego, em que

    as pessoas esto menos protegidas socialmente, h um aumento da depresso e

    dos comportamentos auto-agressivos..4

    Em entrevista rdio TSF, o Professor de Psiquiatria e responsvel pela

    Consulta de Preveno do Suicdio do Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra

    (CHUC), Carlos Saraiva, tambm se mostrou preocupado com este fenmeno:

    Mais do que nunca por causa da famigerada crise econmico-social que nos

    atinge [] e tambm h uma evidncia que esta situao dramtica leva

    desesperana das pessoas que por sua vez pode levar ao desespero. Tudo isto

    est relacionado inequivocamente com o aumento das tendncias suicidas.10

    Neste contexto, e talvez como resposta s opinies que tm sido veiculadas,

    no deve constituir surpresa a anunciada inteno de se desenhar e divulgar, j em 2012,

    um indito Plano Nacional de Preveno do Suicdio, integrado no Plano Nacional de

    Sade Mental (PNSM). No prprio documento preliminar com orientaes

    programticas, publicado no website da Direco Geral de Sade (DGS), tambm

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    avanado como plausvel o aumento da prevalncia da taxa do suicdio [sic!] como

    consequncia da grave crise econmica que o pas est a atravessar:

    [] Considerado no PNSM e perspectivado para ser estruturado em 2012, a

    sua acuidade foi amplificada aps a comunicao social se fazer eco do

    eventual aumento da prevalncia da taxa do suicdio em Portugal em

    consequncia da grave crise econmica em curso..13

    Fica pouco claro o que os autores deste ltimo documento pretenderiam dizer,

    pois no compreensvel como o conceito de prevalncia se possa adequar a um

    fenmeno de mortalidade como o suicdio. , contudo, perceptvel a preocupao das

    autoridades de sade com o que assumem como consensual, aparentemente em sintonia

    com a opinio pblica dominante.

    Todavia, apesar de parecer existir um consenso na opinio pblica e na

    comunidade cientfica nacional quanto ao impacto da crise econmica nas mortes por

    suicdio, so raras as publicaes na literatura consultada que abordem esta temtica em

    Portugal, ou as anlises objectivas que fundamentem to difundidas preocupaes.

    Apenas conseguimos localizar estudos meramente pontuais que comentam dados

    epidemiolgicos de suicdio, por vezes de forma precipitada e tecnicamente pouco

    fundamentada. Por tal motivo, sentimo-nos impulsionados a iniciar o nosso estudo com

    recurso literatura cientfica internacional para, desde logo, verificar a eventual

    existncia de evidncia consistente e fundamentadora das preocupaes dos

    responsveis pelas polticas de sade portugueses, apesar das inevitveis dificuldades de

    transposio para a realidade nacional de conhecimento num campo como este, to

    marcado por traos culturais, sociais, econmicos, psicolgicos, individuais, ambientais,

    entre outros.

    O estudo da influncia de determinantes sociais e econmicas no suicdio foi

    profundamente marcado pelo contributo do socilogo francs mile Durkheim14

    . Para

    este autor a taxa de suicdio de uma populao seria dependente de duas foras sociais:

    a integrao e a regulao social. O conceito de integrao social refere-se ao conjunto

    de ligaes e rede social que, de alguma forma, podem integrar os indivduos em grupos

    sociais externos. Estas relaes estariam na gnese de um sentimento de aliana a uma

    causa maior (identidade nacional ou religiosa, por exemplo), que se manifestariam na

    procura de objectivos, crenas e sentimentos comuns. O segundo conceito, o de

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    regulao social, remetia para os mecanismos atravs dos quais a sociedade tende a

    impor determinadas limitaes ou restries s necessidades individuais estabelecidas

    (desejos de riqueza e poder, por exemplo). Todavia, marcando toda uma corrente de

    investigao num plano conceptual, a traduo prtica destes conceitos, assim como o

    de crise, que pode propiciar circunstncias que influenciem estas duas foras sociais,

    difcil de operacionalizar ou quantificar. Numa tentativa de aproximar os conceitos

    deste universo terico, tal como sucintamente os descrevemos, do conceito de crise

    tm vindo a ser utilizadas numerosas alternativas tcnicas. Nos estudos consultados,

    tanto o mtodo estatstico como o indicador econmico utilizado para explorar uma

    associao com suicdio so habitualmente traduzidos em numerosos proxies que muito

    dificultam a comparabilidade dos resultados ou uma avaliao segura da sua

    consistncia.

    Alguns destes estudos definem, a priori, perodos temporais de crise

    econmica ou social, comparando-os com os restantes anos disponveis, para avaliar

    uma potencial associao com o suicdio. Esta abordagem revela-se desde logo como

    relativamente limitada se se tiver em conta a arbitrariedade na definio dos anos de

    crise.

    Por exemplo, esto descritas associaes positivas entre o suicdio e perodos

    de crise nos Estados Unidos da Amrica15

    durante a Grande Depresso, assim como

    na Coreia16-18

    , Japo18

    e Hong Kong18

    coincidentes com a crise econmica no sudeste

    asitico. Contudo, estas associaes aparentemente positivas contrastam com resultados

    contraditrios na Finlndia,19

    Sucia19

    e Genebra, Sua,20

    em que perodos de crise se

    associaram a baixas taxas de suicdio.

    Outros estudos recorrem a indicadores econmicos como medidas parcelares e

    limitadas de crise no contexto de abordagens ecolgicas. Na esfera da economia, o

    conceito operacional que se poderia aproximar de uma definio, em sentido restrito, de

    crise, o conceito de recesso econmica, definido de uma forma simplificada como

    uma contraco sustentada no tempo do produto interno bruto (PIB). Estes estudos, que

    recorrem isoladamente ao PIB ou PIB per capita, tm vindo a ser criticados em virtude

    do distanciamento destes indicadores face experincia de vida diria dos indivduos,

    para alm de que omitem desigualdades de distribuio da riqueza.19

    Porm, a definio

    tcnica de recesso tambm tem sido frequentemente desconsiderada e vrios

    indicadores econmicos, relativamente mais prximos dos conceitos de regulao e

    integrao sociais, como o desemprego,19, 21

    rendimentos per capita22

    ou ndice de

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    preos ao consumidor,23

    tm sido utilizados como descritores de dificuldades

    econmicas em estudos de associao com o suicdio. Destes, o nvel de desemprego

    ser, talvez, o indicador mais frequentemente descrito na literatura.

    De facto, a perda de emprego acarreta uma limitao nas aspiraes de carreira

    profissional, bem como uma diminuio de poder econmico que restringem a

    capacidade de satisfazer necessidades individuais definidas regulao social ,

    originando, em maior ou menor escala, generalizadas situaes de crise pessoal,

    familiar, profissional, etc. Por outro lado, tais circunstncias tambm podem afastar o

    indivduo de um conjunto de relaes sociais e de redes de conexo comunitria que, de

    outra forma, teria estabelecido integrao social.24 Fica claro como, num plano

    terico, o desemprego se enquadraria no contexto dos conceitos avanados por mile

    Durkheim na determinao de suicdio. Por outro lado, o desemprego tende a aumentar

    em momentos de crise econmica. Este dado toma particular relevo nos ltimos anos

    em Portugal em funo do aumento sem precedentes histricos que se tem registado nas

    taxas de desemprego.

    A ttulo de exemplo regista-se que, na literatura internacional, esto descritas

    associaes positivas entre o suicdio e desemprego nos Estados Unidos da Amrica,25-

    29 Japo,

    30 Taiwan,

    31 Itlia,

    32 e para painis com vrios pases europeus,

    19, 33 em que

    Portugal est includo, assim como associaes selectivas para o suicdio nos homens na

    Austrlia34, 35

    e Espanha.36

    Estes resultados contrastam com associaes

    significativamente negativas no Reino Unido37

    e na Alemanha,24

    bem como com

    associaes no demonstradas na Esccia,38

    provavelmente esprias na Irlanda39

    e no

    esclarecidas em Frana.40

    Estas inconsistncias observadas nos estudos de base

    populacional j foram enunciadas em 1984 por Platt, embora este autor conclua, na sua

    notvel reviso, que nos estudos de nvel individual analisados, o risco de suicdio era

    consistentemente superior nos desempregados.21

    Um artigo que tem sido amplamente difundido12

    , com um impacto

    considervel na opinio da comunidade cientfica nacional e que, inclusivamente

    utilizado como argumento cientfico para desenhar estratgias de interveno do Plano

    Nacional de Preveno do Suicdio, foi o estudo de David Stuckler, publicado em 2009

    na revista Lancet. Neste estudo, o autor concluiu, para um painel no equilibrado

    (unbalanced) constitudo por 26 pases Europeus de 1970 a 2007, e em que Portugal

    est includo (1975-2004), que por cada aumento de um ponto percentual da taxa bruta

    de desemprego (em diferenas) se verificou um aumento de 0.79% da taxa ajustada por

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    sexo e idade de suicdio em idades inferiores a 65 anos (em variao percentual)b.19

    Embora este achado de Stuckler seja estatisticamente significativo para a totalidade de

    um painel de 26 pases, a verdade que este resultado no se pode transpor

    directamente para Portugal. Por outro lado, na eventualidade de se constatar a existncia

    de uma associao no nosso pas, importa perspectivar o seu impacto potencial

    mediante estimao de nmero absoluto de mortes. Ser que se justifica uma

    interveno dedicada de mbito nacional, mesmo sobrestimando os suicdios com base

    nas mortes em que no se apurou claramente a inteno subjacente? No presente

    trabalho tentaremos dar resposta a todas estas questes de forma isenta e objectiva ou,

    no mnimo, estabelecer linhas de base descritivas de que outros possam partir.

    Um factor que tem sido apontado, em estudos de associao, como modelador

    da relao entre suicdio e desemprego a durao desta situao de impasse

    profissional. Num plano terico, assume-se que um prolongamento do estado de

    desemprego pode causar uma maior desesperana e influenciar de forma mais vincada

    as presses sociais anteriormente descritas.41, 42

    Ainda nesta linha de raciocnio, tem-se

    constatado que o desemprego de longa durao tende a aumentar em momentos de

    recesso econmica face diminuio de oferta no mercado de trabalho. Esta relao

    tem sido objecto de inmeros estudos internacionais42

    pelo que, no presente trabalho,

    optmos tambm por incluir nas anlises taxas especficas de desemprego desagregadas

    segundo a durao desta condio profissional.

    Registe-se de igual modo que noutros estudos de associao o nvel de

    rendimentos tem sido indicado como mais um factor modelador do impacto de uma

    crise econmica sobre uma populao.22

    Numa perspectiva terica, as limitaes

    impostas sobre as aspiraes sociais so tanto maiores quanto maior tenha sido a

    necessidade estabelecida regulao social. Assim, quanto maior for a perda, maior

    ser o desespero resultante. Num estudo de painel com 24 pases da OCDE, e dados de

    1980 a 2002, publicado em 2009, Yong-Hwan Noh introduziu na anlise um termo de

    interaco entre desemprego e nvel de rendimentos. Noh mostrou que nos pases com

    nveis de rendimentos elevados se verifica uma associao positiva entre suicdio e

    desemprego enquanto que nos pases com nveis baixos de rendimentos, grupo em que

    Portugal est inserido, esta relao inverte-se.22

    Estas concluses parecem entrar em

    conflito com os resultados descritos anteriormente do estudo de David Stuckler.19

    b Atente-se diferena fundamental entre ponto percentual e percentagem. Como se demonstrar, esta

    distino ser crucial para uma correcta interpretao dos resultados.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Todavia, no contexto de estudos de painel, em que se agregam vrios pases, os

    resultados no so aplicveis por igual e directamente a cada elemento do painel sem

    que se incorra numa falcia do tipo ecolgico, tal como foi referido anteriormente.

    Registe-se, porm, que o controlo de outros potenciais factores modificadores, como os

    introduzidos no estudo de Noh, permitem uma perspectiva mais rica e, eventualmente

    mais prxima da complexidade das relaes em causa.

    Note-se, finalmente, que o sentido de associao entre as diferentes medidas de

    dificuldades econmicas e suicdio tem variado no espao, no tempo e em funo dos

    indicadores considerados. Naturalmente que as crises e o impacto do desemprego foram

    diferentes, atingiram populaes e locais distintos, sendo mediadas por factores

    precipitantes ou protectores variveis. Fica portanto levantada a dvida sobre a

    existncia de relaes to fortes que autorizem as aparentes certezas com que estes

    problemas tm sido abordados na sociedade portuguesa. De facto, a complexidade do

    fenmeno suicdio limita profundamente a presuno de aplicabilidade transversal de

    resultados entre pases diferentes, ou mesmo uma mera translao longitudinal, pelo que

    um exame atento aos registos de bito por causa portugueses se torna particularmente

    relevante.

    No sentido de aprofundar o conhecimento sobre o suicdio, de forma adequada

    realidade portuguesa, e viabilizar um estudo analtico de associao com desemprego,

    propomo-nos construir e descrever indicadores estatsticos brutos e ajustados. A

    investigao objectiva das particularidades que caracterizam epidemiologicamente o

    suicdio em Portugal visa sustentar empiricamente as hipteses avanadas, bem como

    fundamentar futuras estratgias de actuao dirigidas. Para este desiderato, coligimos a

    maior srie de mortalidade por esta causa alguma vez publicada em Portugal, evitando

    que a apreciao realizada no nosso estudo incorresse numa concluso precipitada por

    falta de contexto histrico.c Estas opes prendem-se tambm com um objectivo

    assumido de identificao de tendncias seculares do suicdio em Portugal,

    minimizando efeitos de janela to frequentes na apreciao epidemiolgica deste

    c As maiores sries de mortalidade por suicdio em Portugal, na forma de taxas brutas, foram publicadas

    por Eduardo de Freitas, com 67 anos (1902 a 1975) que, posteriormente foi completada por Maria dos

    Anjos Campos e Sofia Leite, com os anos em falta e o perodo subsequente at 2000, inclusive. No que

    diz respeito a sries ajustadas por idade, deve ser referido o estudo de Carlos Ramalheira e Lus Marques,

    com taxas padronizadas anuais de 1941 a 1998 (55 anos). Existe ainda o estudo de Ricardo Gusmo e

    Snia Pato com sries possivelmente padronizadas, pois desconhece-se o mtodo, os factores

    controlados e as referncias populacionais utilizadas, de 1980 a 2009 (30 anos). O presente estudo ilustra

    taxas ajustadas por sexo e idade de 1941 a 2010 (70 anos), para suicdio, bem como de 1955 a 2010 (56

    anos) para outras categorias de causa de morte.

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    fenmeno no decurso de perodos temporais demasiado reduzidos. Por outro lado,

    permite ainda deixar um repositrio de dados ajustados em funo de diversas

    populaes de referncia, que podem vir a ser utilizados em estudos subsequentes,

    constituindo-se uma base para a investigao ulterior do suicdio em Portugal.

    Pretende-se ainda contextualizar a incidncia de suicdio num panorama

    internacional, para alm de descrever a evoluo e o impacto do suicdio no total de

    mortes em Portugal, controlando variaes demogrficas de sexo e idade no espao e no

    tempo. Por outro lado, pretendem-se ilustrar diferenas intranacionais de distribuio de

    risco de suicdio no explicadas por variaes de distribuio populacional ou de

    potencial erro de registo, que podem operar de forma distinta para a contabilizao de

    um total nacional, potencialmente enviesando resultados de estudos de associao de

    mbito nacional.

    Ainda para explorar uma relao entre estes dois fenmenos,

    suicdio/desemprego, e aferir a plausibilidade de uma eventual associao directa em

    Portugal, reavaliaremos dados agregados de suicdios reportados segundo a condio

    profissional.43

    Neste mbito, e ao contrrio dos autores do estudo que constituiu a fonte

    destes dados, pretende-se controlar variaes de distribuio por sexo e idade, obtendo

    aproximaes de risco relativamente mais fiveis para comparao entre grupos.

    Teremos ainda o cuidado de procurar analisar e tentar controlar o impacto nos

    registos de suicdio de mudanas de prticas ou metodologias de classificao de bito

    por causa tendo como objectivo perceber se algumas discrepncias identificadas podem

    ou no constituir factores perturbadores da apreciao analtica. Foram consideradas,

    nesta descrio e anlise, a introduo de novas sistemticas de classificao, utilizao

    mais ou menos alargada de determinados grupos residuais de causas de morte, como a

    categoria de mortes por causas externas com inteno indeterminada (Events of

    undetermined intent, CID-10; Injury undetermined whether accidentally or purposely

    inflicted, CID-8,9), bem como de mudanas de prtica de registo documentadas ou

    tentativas de reclassificao da causa do bito.

    Estes cuidados resultam de uma intensa discusso que tem ocorrido entre ns,

    em torno da fidedignidade e fiabilidade dos registos de bito por causa, sobretudo

    centrada, sintomaticamente, nas cifras de suicdio. Tal questo j foi magistralmente

    enunciada no passado, em 1982, por Eduardo de Freitas:

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Desde o facto suicdio na realidade ocorrido at ao registo estatstico [],

    toda uma tramitao legal-administrativa se desenvolve que pode, sujeita

    peneira dos mecanismos accionados pelas instncias ideolgicas vigentes,

    transformar/dissimular a ocorrncia, isto , dar ao facto o fato de outro

    facto..44

    A polmica, que se arrasta at aos dias de hoje no , contudo, exclusiva do

    nosso pas.45

    Por exemplo, Tollefsen et al conduziram uma notvel reviso literria em

    que foram coligidos estudos publicados entre 1963 e 2009 e concluiu que em 31 desses

    estudos referido o sub-registo de suicdio com propores eventualmente superiores a

    10% e que em 39% dos estudos recolhidos estavam descritos mais de 30% de casos

    potencialmente no registados.45

    Segundo estes autores, as diferentes prticas de registo

    entre pases carecem de avaliao sistemtica e h evidncias que apontam para uma

    cobertura deficitria de casos de suicdio na generalidade dos estudos consultados.45

    No obstante, importa tentar avaliar as eventuais ineficincias nos registos portugueses

    com base em determinadas categorias residuais de causa de morte, luz de critrios

    convencionais. Esta abordagem passar tanto por uma ptica transversal, de comparao

    entre pases, como longitudinal, no tempo, para Portugal.

    Teoricamente, embora o nmero real de suicdios seja sempre desconhecido,

    sob uma perspectiva longitudinal, desde que esse erro seja sistemtico e conhecido, o

    mesmo no implica grandes vieses inferenciais, quando apreciada analiticamente uma

    tendncia. Porm, as implicaes j sero mais graves e perturbadoras da avaliao de

    associaes ou tendncias desde que haja critrios variveis, inconsistentes e/ou com

    aplicao irregular no tempo. Carece-se de investigao dirigida para verificar se h

    evidncias de distribuio irregular no tempo, variao linear ou mesmo de uma

    combinao destas duas hipteses em diferentes perodos temporais relacionveis com

    utilizao de diferentes mtodos e prticas de registo de bito por causa.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    2. Material e Mtodos

    2.1 Fontes de dados

    Os dados utilizados no presente trabalho resultam de uma pesquisa exaustiva

    em vrias fontes descritas em detalhe no Anexo I. Sucintamente, as sries de

    mortalidade e as respectivas populaes residentes m, nacionais e internacionais, foram

    compiladas com recurso Mortality Database e European Health for All Database,

    da OMS,46, 47

    ao EUROSTAT (European Statistical Office of the European

    Commission),48

    Human Mortality Database,49

    bem como a dados anteriormente

    recolhidos e estudados por Ramalheira e Marques em 1998,50

    e por Campos e Leite43

    em 2002. As sries estatsticas sobre desemprego foram obtidas na AMECO51

    (Annual

    Macro-economic database of the European Commission's Directorate General for

    Economic and Financial Affairs, DG ECFIN). Para no saturar as legendas dos grficos

    remeteu-se para documento apndice a explicitao das fontes que viabilizaram a

    construo de cada srie (vd. Anexo I).

    2.2 Perodos com dados disponveis

    Coligimos dados de mortalidade por suicdio em Portugal relativos a 109 anos,

    desde 1902 a 2010, com maior desagregao para o perodo aps 1940. A abordagem

    descritiva de suicdio segundo a condio na profisso reporta-se aos anos de 1993 a

    2000. Conseguiram-se tambm compilar bitos por outras causas de morte para o

    perodo de 1955 a 2010. Finalmente, a descrio regional de mortalidade segundo a

    causa por NUTS II (Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatsticas)

    nacionais e europeias cobre o perodo de 1994 a 2010. J a distribuio concelhia do

    suicdio centrou-se no quinqunio de 1991 a 1995.

    As sries de desemprego remetem para indicadores brutos como a percentagem

    de desempregados na populao activa desde 1960 a 2010, ndices especficos por sexo

    e grupo etrio, bem como indicadores ajustados por sexo e idade desde 1983 a 2010.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Foram ainda considerados indicadores especficos desagregados por durao do estado

    de desemprego, sexo e grupo etrio de 1992 a 2010.d

    Estas janelas temporais predem-se com critrios de oportunidade, no de opo

    de investigao, e reflectem a dificuldade no acesso a dados com a desagregao

    pretendida.

    2.3 Cdigos de causa de morte e pontos de corte

    O sistema de classificao e registo de bitos foi sendo alvo de sucessivas

    alteraes de metodologia processual e de nomenclatura ao longo do tempo. Os cdigos

    relativos a cada causa de morte abordada encontram-se discriminados de acordo com a

    7, 8, 9 e 10 revises da Classificao Internacional de Doenas (CID) da OMS em

    documento anexo (vd. Anexo I). Por exemplo, adoptou-se como critrio para suicdio o

    registo dos bitos classificados como resultantes de leses intencionalmente auto-

    infligidas (Intentional self-harm, CID-10; Suicide and self-inflicted injury, CID-7,8,9).

    No referido apndice explicitam-se tambm os motivos pelos quais foram considerados

    como quebras de srie para mortalidade os anos de 1931, 1942, 1955, 1971, 1980, 2001,

    2002, 2004, 2005, 2007 e 2008, bem como os anos de 1974, 1983, 1992, 1998 e 2011

    nas sries de desemprego. No nosso estudo analtico de sries temporais, para no

    segmentar excessivamente um decnio marcado por mudanas frequentes de prtica de

    registo de bito, como foi o caso da ltima dcada, optmos por repetir a anlise

    desconsiderando todas as quebras deste perodo excepo do ano de 2002. Tambm

    em virtude destas dificuldades foi ainda ensaiada uma restrio da amostra para o

    perodo de 1975 a 1995.

    d Embora tenhamos clara noo de que h alguma impreciso em designar como taxa de desemprego um

    indicador que corresponde proporo de desempregados na populao activa, por motivos de utilizao

    consensual e de simplificao de texto, utilizaremos esta nomenclatura.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    2.4 Estudo descritivo e construo de sries

    No sentido de concretizar uma abordagem descritiva, assim como de construir

    sries passveis de serem utilizadas numa abordagem analtica visando o estudo de

    associao entre suicdio e desemprego, foram utilizadas vrias estratgias de clculo

    tcnico de indicadores para obter uma aproximao de risco populacional relativamente

    comparvel tanto de um ponto de vista transversal, no espao, como longitudinal, no

    espao e no tempo.

    Numa abordagem inicial foram calculadas taxas brutas de mortalidade anual

    para toda a populao, bem como taxas especficas para homens e mulheres, definidas

    como a razo entre o nmero de bitos observados em cada grupo e a correspondente

    populao residente m (ponto mdio de cada ano, estimada ou censitria) por 100.000

    habitantes.

    Para contornar efeitos de confundimento resultantes de variaes na estrutura

    etria da populao portuguesa, particularmente expressivos em sries com perodos

    temporais mais alargados, foi realizado um estudo comparativo por estratos. Para esse

    desiderato, foram calculadas taxas especficas anuais por sexo e grupos etrios (0-19,

    20-44, 45-64 e mais de 65 anos de idade, bem como grupos homlogos s taxas

    especficas de desemprego constantes no EUROSTAT48

    ).

    Ainda com o objectivo de controlar variao demogrfica procedeu-se, noutros

    momentos do presente estudo, ao ajustamento de taxas brutas, por idade e sexo, com

    recurso aos denominados mtodos directo e indirecto de padronizao. Utilizaram-se,

    nas padronizaes pelo mtodo directo, consoante os objectivos e a natureza do

    ajustamento a efectuar, diversas populaes padro, nomeadamente composies da

    populao portuguesa em anos censitrios (1991, 2001, 2011), bem como populaes de

    referncia internacional como a EU Standard, OCDE 2010, Segi World e a WHO

    World.52, 53

    Nas padronizaes pelo mtodo indirecto, utilizadas nas comparaes

    geogrficas de nvel infranacional, recorreu-se a taxas especficas de mortalidade

    portuguesas e europeias (EU27) para os perodos e grupos homlogos.48

    Foram ainda calculados indicadores e estatsticas secundrias, a partir dos

    dados originais ou ajustados, nomeadamente razes, propores, intervalos de

    confiana, bem como outras estatsticas descritivas. No clculo de intervalos de

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    confiana para taxas ou para razes padronizadas de mortalidade (RPM) utilizou-se o

    mtodo exacto de Poisson. J os erros padro das taxas padronizadas pelo mtodo

    directo foram calculados com a seguinte expresso:

    ( )

    ( )

    2.5 Mtodos analticos

    2.5.1 Estimao multivariada de razes de taxas de suicdio

    Inicialmente, com um intuito essencialmente descritivo, embora se trate de um

    mtodo analtico sofisticado, desenhmos modelos de regresso Poisson e baseados no

    modelo binomial negativo para representar contagens de bitos por suicdio ajustados

    pela respectiva populao exposta, ou seja, taxas de mortalidade. Estes mtodos visam

    quantificar propriedades do suicdio em escala temporal alargada com controlo de

    factores demogrficos e de registo de bito por causa.

    Na especificao destes modelos de regresso foram controlados, na forma de

    variveis independentes, o efeito da passagem do tempo (varivel quantitativa contnua,

    com periodicidade anual), perodos definidos em funo da metodologia de registo de

    bito por causa, o sexo, o grupo etrio (0-19, 20-44, 45-64 e 65+) e interaces entre

    sexo e grupo etrio. Estas ltimas foram modelizadas como variveis categoriais

    indicadoras, em funo da respectiva populao exposta de cada subgrupo.

    Os erros padro de todos estes modelos foram obtidos com recurso estimao

    robusta de acordo com o mtodo proposto por Huber e White.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    2.5.2 Estudo de associao entre suicdio e desemprego

    Esta vertente analtica do nosso estudo recorreu a tcnicas estatsticas

    englobveis numa abordagem subsidiria da anlise de sries temporais. Foram

    desenhados vrios modelos de sries temporais para investigar uma potencial associao

    temporal entre suicdio e desemprego, mimetizando a metodologia seguida por vrios

    estudos que descrevem uma associao positiva entre estas duas variveis.19

    Numa breve nota tcnica adianta-se que a metodologia utilizada pelos estudos

    de associao entre suicdio e desemprego antes citados tambm revela assinalveis

    variaes. Alguns estudos comparam a taxa de suicdio, bruta ou ajustada por sexo e

    idade, com a taxa bruta de desemprego, retirando o efeito da tendncia de cada srie.

    Estas abordagens permitem aferir se a taxa de desemprego elevada, em perodos em

    que a taxa de suicdio tambm comparativamente elevada, sendo estas tendncias

    interpretadas como reveladoras de eventuais associaes de longo prazo. Contrastando

    com este mtodo, alguns autores transformam estas mesmas variveis na forma de uma

    dependncia de curto prazo anual. Este processo modeliza uma elasticidade que

    corresponde associao entre aumento da taxa de suicdio e aumento da taxa de

    desemprego.

    Neste ponto, tem de constatar-se que no conseguimos detectar, nas bases de

    dados a que recorremos,e nenhum estudo analtico de associao entre suicdio e

    desemprego centrado na realidade portuguesa. Nesta conformidade, optmos por

    recorrer com um cariz exploratrio s duas metodologias descritas acima para avaliar se

    h evidncia histrica de associao entre estes dois fenmenos. Esta abordagem

    passar tanto por uma perspectiva de consistncia histrica, como pela avaliao dos

    primeiros anos de crise econmica, visando estabelecer um ponto de base, na ltima

    dcada, para que se possa acompanhar adequadamente a evoluo do fenmeno

    suicdio.

    Deste modo, desenhmos trs hipteses com um nvel crescente de evidncia

    para estabelecer uma associao entre desemprego e suicdio em Portugal.

    e Ovid, B-On, ProQuest, PubMed, Repositrio Cientifico de Acesso Aberto de Portugal e Repositrio

    Digital da Universidade de Coimbra

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    1. Associao entre nveis de taxas, ou seja, se a taxa de suicdio seria

    elevada nos anos em que a taxa de desemprego seria tambm elevada,

    independentemente de tendncias temporais de longo prazo;

    2. Associao entre aumentos na taxa de desemprego, face ao ano anterior,

    e nveis de taxas de suicdio. Esta vertente pretende responder

    possibilidade de aumentos de taxas de desemprego se associarem a taxas

    de suicdio elevadas no contexto histrico;

    3. Associao entre variaes anuais na taxa de desemprego, bem como na

    taxa de suicdio, sendo estas reveladoras de associaes de curto prazo.

    Com o intuito de testar analiticamente as duas primeiras hipteses, calculmos

    modelos de regresso binomial negativa em que acrescentmos como preditor a taxa

    anual de desemprego como percentagem da populao activa ou as variaes anuais

    (diferenas absolutas) nas taxas de desemprego face ao ano precedente,

    respectivamente, de 1960 a 2010.

    No sentido de aferir a consistncia dos nossos resultados foram especificados

    modelos de regresso linear pelo mtodo dos quadrados mnimos (OLS) com estimao

    robusta de erros padro. Como os pressupostos do teorema de Gauss-Markov so

    facilmente violveis neste tipo de especificao analtica, foram ainda exploradas

    variantes no paramtricas, como a regresso quantlica. Este tipo de modelizao

    alternativa permitiu testar a nossa terceira hiptese que remete para a associao entre

    variaes concomitantes de ambas as variveis, suicdio e desemprego.

    No sentido de contornar a inexistncia de estacionaridade das sries no perodo

    estudado, as variveis dependente (mortalidade) e independente (desemprego) foram

    transformadas com o objectivo de as centrar nas respectivas mdias, e de retirar o efeito

    de tendncia. Com estas tcnicas visou-se transformar os registos longitudinais em

    sries estacionrias, um pr-requisito para a apreciao correcta das interaces em

    estudo. Esta transformao foi realizada em dois passos. Em primeiro lugar, as variveis

    foram centradas subtraindo a sua mdia para o perodo. De seguida, foi calculado o

    resduo subtraindo os valores em cada ponto linha de tendncia obtida com recurso a

    uma regresso linear. Contrastando com outros estudos que utilizam todos os anos

    disponveis de cada srie para transformar as variveis, foram ainda testadas mais duas

    transformaes alternativas. Na primeira foram calculadas as mdias e linhas de

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    tendncia por perodo disponvel de ambas as variveis (dependente e independente),

    equilibrando as sries. Na segunda, as mdias, bem como as linhas de tendncia foram

    calculadas para os anos relativos a cada CID, no caso da varivel dependente, e por

    quebras de srie no desemprego para a varivel independente. Ainda numa tentativa de

    contornar estas quebras de srie foram repetidos os modelos de regresso

    individualmente para cada perodo intercalado por quebras de srie na mortalidade.

    Nestes modelos foram tambm consideradas especificaes alternativas, com

    variveis categoriais para cada quebra de srie, especificadas por conjuntos de variveis

    indicadoras (dummy) ou a repetio independente de cada regresso para cada

    perodo/srie. Por outro lado, foram ainda includas alternativas tendo em vista a

    remoo de observaes anormalmente extremas (outliers), com base em duas

    alternativas (respectivamente, mdulo de 150, ou de 20 da variao percentual da

    varivel dependente) e considerando desfasamentos temporais (lags) apropriados de

    acordo com a literatura (at trs anos).19

    Finalmente, nas especificaes destes modelos considermos mltiplas

    alternativas em paralelo comparando taxas ajustadas, taxas brutas e taxas especficas por

    sexo e grupos etrios, tanto de suicdio, suicdio e mortes com inteno indeterminada,

    bem como de desemprego, tendo em vista a apreciao do impacto do ajustamento de

    taxas na associao entre as duas variveis em estudo.

    Para evitar erros estatsticos do tipo I, dado que se realizaram mltiplas

    comparaes, ajustou-se em paralelo o grau de significncia de acordo com as

    correces de Bonferroni e de idk.

    2.6 Suporte informtico

    O tratamento e anlise de dados, bem como a construo de grficos foram

    executados com recurso verso 12.1 do programa STATA/SE para Microsoft

    Windows. Os cartogramas foram desenhados com o mdulo ArcMap do programa

    ArcGIS, verso 10.2. As especificaes dos modelos, assim como os cdigos originais

    de STATA, por ns escritos para preparar as bases de dados e transformar as variveis,

    encontram-se disponibilizados no Anexo IV.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    3. Apresentao Comentada de Resultados

    3.1 Estudo Descritivo

    3.1.1 Suicdio no contexto Europeu e Mundial

    O mero confronto de taxas de suicdio numa tentativa de justificar diferenas

    observadas entre pases uma abordagem relativamente limitada para comparar

    aproximaes de risco, uma vez que h variaes substanciais na estrutura das

    populaes e nos factores precipitantes ou protectores que sobre elas operam. Neste

    sentido, presume-se que diferenas de ndole cultural, social, econmica, ou mesmo de

    metodologia dos registos de bito por causa estejam na gnese de significativa

    variabilidade, sendo que estes factores se revelam difceis de controlar adequadamente

    com os dados disponveis. Este facto j foi apontado por Eduardo de Freitas em 1983:

    O que parece prejudicado so as comparaes internacionais, j que a

    natureza dos sobreditos mecanismos ter muito que ver com as especficas

    matrizes socioculturais de cada uma das sociedades constitudas..44

    No obstante estas limitaes e, apesar do presente trabalho se focar

    essencialmente na realidade portuguesa, no pode deixar de se perspectivar num

    contexto internacional a dimenso relativa do fenmeno.

    Na Figura 1 esto sintetizados indicadores de mortalidade ajustados de um

    perodo de observao de seis anos em 67 pases. Para possibilitar uma anlise

    comparativa mais isenta e facilitadora de uma apreciao menos enviesada dos riscos

    populacionais subjacentes, procedemos ao clculo de taxas anuais padronizadas pelo

    mtodo directo a partir de dados brutos colhidos em repositrios do EUROSTAT e da

    OMS (vd. Anexo I). Vismos assim, com recurso distribuio populacional padro

    usualmente denominada como WHO World, controlar diferenas sincrnicas e

    diacrnicas na distribuio de sexos e etria (oito grupos de idades; 0-4, 5-14, 15-24,

    25-34, 35-44, 45-54, 55-64 e mais de 65 anos) das populaes dos pases considerados.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    As taxas denominadas como Totais foram padronizadas por sexo e idade, enquanto as

    taxas especficas para cada sexo foram padronizadas apenas para diferenas de idade.

    Finalmente, uma vez que dispnhamos de registos de vrios anos para a

    generalidade dos pases, optmos por recorrer mediana das taxas ajustadas anuais,

    para os anos 2005 a 2010, inclusive, para descrever a tendncia central das taxas

    ajustadas no perodo total (vd. Figura 1). Este mtodo minimiza a instabilidade

    decorrente da acentuada variabilidade de estimativas pontuais anuais, to tpica de

    fenmenos populacionais relativamente raros.

    No panorama global, e numa

    perspectiva meramente transversal,

    correspondente a um perodo recente

    de seis anos, a relevncia do suicdio

    em Portugal parece relativamente

    modesta quando comparada com o

    nvel do mesmo fenmeno registado

    nos restantes pases. Repare-se que, no

    conjunto de 67 pases com dados de

    mortalidade por suicdio, Portugal

    ocupa o 43 lugar, em ordem

    decrescente, com uma taxa mediana

    global relativamente baixa, de 7,1

    suicdios por cada 100.000 habitantes

    (2 quartil). Salienta-se ainda que,

    neste mesmo indicador, Portugal ocupa

    o 28 posto no conjunto dos 36 pases

    da regio europeia. J no que respeita

    distribuio por sexos, quando

    controladas as variaes demogrficas

    de idade, o nosso pas fica na 42

    posio nos homens e na 43 nas

    mulheres, com os valores de 11,3 e de

    2,9 por 100.000 habitantes,

    respectivamente (vd. Figura 1).

    Figura 1. Mediana das taxas anuais de suicdio padronizadas pelo

    mtodo directo para os anos de 2005 a 2010. Homens, Mulheres -

    taxas padronizadas por grupos etrios; Total - taxas padronizadas por sexo e grupos etrios. Populao padro: WHO World.

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    Praticamente na totalidade dos pases considerados, a incidncia de suicdio foi

    superior nos homens. Este achado, melhor apreciado na Figura 2, coerente com o que

    habitualmente referido na literatura especializada.54, 55

    Com efeito, e com a excepo

    da Repblica Popular da China56

    (que no consta no nosso grfico pois os respectivos

    dados so virtualmente impossveis de obter com a desagregao de que necessitmos

    na presente anlise), geralmente aceite que, na esmagadora maioria dos pases do

    mundo e para diferentes perodos observados, a regra o claro excesso de mortes por

    suicdio no sexo masculino. Curiosamente a nica excepo a esta regra na srie que

    analismos foi a situao do Kuwait, em que o suicdio registado nos homens e nas

    mulheres aparece como virtualmente semelhante at primeira casa decimal. Faz-se

    notar que este achado provavelmente mais no significar que um artefacto resultante

    do processo complexo de padronizao num pas com baixssimas taxas.

    Figura 2. Razo entre a mediana (2005 a 2010) das taxas anuais padronizadas por idade de Homens e Mulheres (H/M). Populao padro: WHO World.

    Ser talvez mais importante fazer notar que entre diferentes pases, e por vezes

    dentro da mesma regio do mundo, em pases com relativa proximidade e semelhana,

    h alguma variabilidade na expresso deste fenmeno de excesso de suicdios no sexo

    masculino, provavelmente traduzindo realidades culturais e outras condicionantes locais

    no perfeitamente conhecidas. Portugal, a este respeito, apresenta um ratio de 3,9, o que

    significa que, em mdia, foram observveis, em escala ajustada, faz-se notar, cerca de 4

    suicdios em homens por cada suicdio em mulheres, de 2005 a 2010 (vd. Figura 2).

    Embora esta abordagem transversal permita aferir o patamar que o pas ocupa

    num perodo recente, a relao entre as taxas de suicdio no constante ao longo do

    tempo, quer numa perspectiva intranacional, quer numa ptica comparativa de

    diferentes pases. Regista a literatura que se observou, escala mundial, durante 50 anos

  • Carlos Pinho Ramalheira Epidemiologia do Suicdio em Portugal, 1902-2010

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    (1950-2000), um aumento nas taxas mundiais de suicdio, com particular expresso em

    pases asiticos como a China, ndia e Rssia,55

    mas que o mesmo oculta uma tendncia

    geral para a diminuio de taxas ajustadas no continente europeu. De acordo com um

    relatrio produzido pela OMS em 2012, regista-se uma diminuio nas taxas ajustadas

    de suicdio em pases europeus, entre 1980 e 2010, na ordem dos 25-40%, que ter

    abrandado desde 2008.57

    Todavia, a mesma tendncia geral de descida na Europa no

    tem sido constante, nem observvel por igual, nem a todo o tempo e em todos os pases.

    Ser que o mesmo pode ser afirmado, com segurana, para Portugal? Na Figura 3,

    produzida por ns prprios a partir de dados da European Health for All Database da

    OMS, pode observar-se a evoluo das taxas ajustadas de suicdio em vinte pases

    europeus entre 1970 e 2010. Apenas como nota de precauo, regista-se que estas taxas

    no so comparveis com as apresentadas anteriormente. Neste caso optou-se,

    pontualmente, por utilizar uma populao de referncia menos jovem, a Standard

    European Population, que relativamente mais prxima da generalidade dos pases

    considerados.

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    Figura 3. Taxas Globais Ajustadas de Suicdio na Regio Europeia (vinte pases), de 1970 a 2010. Padronizao por sexo e grupos

    etrios quinquenais calculada pelo mtodo directo (por 100.000 habitantes). Populao padro: Standard European Population. (Os

    anos de 2005-2007 correspondem a interpolaes lineares da taxa ajustada para Portugal)

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    Pode constatar-se que, aps 1980, praticamente geral uma tendncia que

    aponta para uma diminuio das taxas de suicdio, naturalmente com maior intensidade

    nos pases com nvel mdio de taxas mais elevado (vd. Figura 3). Regista-se a

    excepo das denominadas trs repblicas blticas, Estnia, Letnia e Litunia, que

    entre os anos 90 a 95 registaram subidas marcadas, mas tambm seguidas de acentuadas

    descidas nos anos subsequentes (vd. Figura 3). Como nota de precauo relativamente

    ao que fica dito, chama-se ainda a ateno para o facto de que neste perodo ocorreram,

    na generalidade dos pases considerados e em momentos diferentes, transies entre

    diversas verses do sistema internacional de classificao de causas de morte (CID-7,

    CID-8, CID-9, CID-10, por exemplo). Esta circunstncia, de mudana de sries

    estatsticas, poder ter originado alguma perturbao na coerncia longitudinal dos

    registos. Noutro ponto do presente trabalho analisaremos com maior detalhe alguns dos

    acidentes mais notrios patentes neste grfico, sobretudo no que toca a realidade

    portuguesa cuja tendncia geral decrescente mas com um ntido acidente em 2001, a

    que se seguiu uma nova descida (linha a vermelho vivo).

    Em boa verdade deve reconhecer-se que a descrio do fenmeno suicdio

    apenas com base em casos registados na categoria de morte por leses

    intencionalmente auto-infligidas (Intentional self-harm, CID-10) tender a traduzir

    uma subestimativa do verdadeiro nmero de suicdios. Com efeito, numerosos autores

    sublinham que, em maior ou menor grau, poder ocorrer o registo de mortes que

    efectivamente correspondem aos critrios de suicdio noutras categorias diagnsticas

    concebidas para situaes excepcionais em que seja de todo impossvel esclarecer a

    inteno subjacente produo de leses que conduziram morte (morte acidental

    versus intencional) ou mesmo a causa de morte em si.45, 58

    No espanta assim que a

    fidedignidade dos registos de bito no que diz respeito avaliao de processos de

    inteno e discriminao de causas de morte varie de pas para pas e que possa ser

    perturbada pelo modo como se recorre a outras categorias residuais de registo. So bem

    conhecidas diversas razes para que, por presses sociais, religiosas e at econmicas,

    se proceda ocultao/dissimulao de casos de suicdio, como forma de evitar censura

    social ou consequncias econmicas (perda de seguros, por exemplo). Por estes

    motivos, recorremos ao mtodo exposto anteriormente, de clculo de medianas de taxas

    ajustadas num perodo de seis anos, para ilustrar o peso potencial das mortes por causa

    externa com inteno indeterminada (Y10-Y34, CID-10) e das mortes classificadas no

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    grupo residual de causa mal definida ou desconhecida (R00-R99, CID-10) em vrios

    pases (vd. Figura 4).

    O reconhecido exagero de utilizao da categoria mortes por causa externa

    com inteno indeterminada (External Causes / Events of undetermined intent, CID-

    10) em diversos pases salienta aspectos relacionados com a fidedignidade dos registos

    de bito (vd. Figura 4). Cr-se que estas categorias residuais possam ter sido utilizadas

    em Portugal, em grau varivel, para mascarar suicdios, contornando-se assim algumas

    presses sociais, e/ou evitando-se consequncias do reconhecimento de mortes auto-

    infligidas como tal. A identificao deste estado de coisas motivou estratgias de

    correco estatstica com perturbao notria da coerncia lgica, terica e prtica, dos

    registos nacionais, sobretudo na ltima dcada.

    Figura 4. Mediana das taxas anuais padronizadas pelo mtodo directo por grupos etrios (por 100.000 habitantes) para o perodo de

    2005 a 2010. Lado esquerdo: Suicdio a cores escuras e mortes por causa externa com inteno indeterminada a cores claras. Lado

    direito: mortes de causa desconhecida ou indefinida (R00-R99, CID-10). Populao padro: WHO World.

    Nos anos mais recentes, tem at sido apontado como critrio de qualidade dos

    registos de mortalidade a utilizao desta categoria com frequncias inferiores a duas

    mortes por 100.000 habitantes.59

    Nesta perspectiva, de entre os 44 pases abordados, as

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    mortes por causa externa com inteno indeterminada colocam Portugal no 10 lugar

    nos homens (8,60 por 100.000 habitantes) precedido pela Jordnia, Polnia, Letnia,

    Eslovquia, Estnia, Egipto, Republica da Moldvia, Litunia e Azerbaijo, e seguido

    pela Srvia (vd. Figura 4). Nas mulheres encontra-se no 4 lugar (4,35 por 100.000

    habitantes), precedido pelo Azerbaijo, Egipto e Jordnia (vd. Figura 4). As taxas de

    morte por causa externa com inteno indeterminada em Portugal ultrapassam

    claramente os limites mnimos do critrio convencional de qualidade que tem vindo a

    ser mais referido.59

    Porm, a verdadeira proporo de suicdios que eventualmente so

    indevidamente classificados nestes grupos residuais desconhecida e, seguramente,

    varia de estado para estado, ou no mesmo pas ao longo do tempo. Por outro lado, a

    distribuio destas medianas relativamente irregular, no se verificando com este

    mtodo um padro claro