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CAROLINE CRUZ WALSH MONTEIRO LEONARDO ALIAGA BETTI GESTÃO E NEGÓCIOS A REFORMA TRABALHISTA (LEIS N.º 13.429/2017 E 13.467/2017; E MEDIDA PROVISÓRIA N.º 808/2017)

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CAROLINE CRUZ WALSH MONTEIROLEONARDO ALIAGA BETTI

GESTÃO E NEGÓCIOS

A REFORMA TRABALHISTA(LEIS N.º 13.429/2017 E 13.467/2017;

E MEDIDA PROVISÓRIA N.º 808/2017)

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A expansão do Ensino Técnico no Brasil, fator importante para

melhoria de nossos recursos humanos, é um dos pilares do

desenvolvimento do País. Esse objetivo, dos governos estaduais e federal, visa à

melhoria da competitividade de nossos produtos e serviços, vis-à-vis com os dos

países com os quais mantemos relações comerciais.

Em São Paulo, nos últimos anos, o governo estadual tem investido de forma

contínua na ampliação e melhoria da sua rede de escolas técnicas - Etecs e Classes

Descentralizadas (fruto de parcerias com a Secretaria Estadual de Educação e com

Prefeituras). Esse esforço fez com que, de agosto de 2008 a 2011, as matrículas

do Ensino Técnico (concomitante, subsequente e integrado, presencial e a distância)

evoluíssem de 92.578 para 162.105. Em 2017, no segundo semestre, somam 186.564.

A garantia da boa qualidade da educação profissional desses milhares

de jovens e de trabalhadores requer investimentos em reformas, instalações,

laboratórios, material didático e, principalmente, atualização técnica e

pedagógica de professores e gestores escolares.

A parceria do Governo Federal com o Estado de São Paulo, firmada por

intermédio do Programa Brasil Profissionalizado, é um apoio significativo para

que a oferta pública de Ensino Técnico em São Paulo cresça com a qualidade

atual e possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Estado e,

consequentemente, do País.

Almério Melquíades de Araújo Coordenador do Ensino Médio e Técnico

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CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PAULA SOUZA

Diretora SuperintendenteLaura Laganá

Vice-Diretor SuperintendenteLuiz Antonio Tozi

Chefe de Gabinete da SuperintendênciaLuiz Carlos Quadrelli

REALIZAÇÃOUnidade do Ensino Médio e Técnico

CoordenadorAlmério Melquíades de Araújo

Centro de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão - Cetec Capacitações ResponsávelLucília dos Anjos Felgueiras Guerra

Responsável Brasil ProfissionalizadoSilvana Maria Brenha Ribeiro

Professora Coordenadora de ProjetosAriane Francine Serafim

Parecer TécnicoPaula Elisabeth Cassel

Revisão de textoFernando de Oliveira Souza

Projeto Gráfico e diagramaçãoDiego Santos

Projeto de formação continuada de professores da educação profissional do Programa Brasil Profissionalizado - Centro Paula Souza - Setec/MEC

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APRESENTAÇÃO

Este material tem como objetivo contextualizar a Lei Trabalhista desde o seu surgimento até sua reforma em 2017, apresentando aspectos que demonstram as relações que o trabalho possui com o homem.

É importante conhecer a história da sociedade para compreender como as relações trabalhistas surgiram e como ela impactou a exploração do trabalho hu-mano dentro de um sistema capitalista.

Por isso, este material permitirá que os professores que trabalham bases tec-nológicas de Legislação Trabalhista reflitam sobre as mudanças da Reforma na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e consigam desenvolver competências e habilidades necessárias, que utilizam essa base como referência.

Espero que os cursistas consigam aproveitar este rico material de tal forma que possam trabalhar com os alunos competências de reflexão e prática social.

Bons Estudos!

Ariane SerafimProfessora Coordenadora do Curso

Cetec CapacitaçõesSão Paulo, março de 2018

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

O sistema capitalista de produção e o surgimento do Estado de Direito Moderno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

Estado e capitalismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Estado Mínimo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Estado Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Estado do Bem-Estar Social (Estado-Providência). . . . . . . . . . . 15

Estado Democrático e Social de Direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

A estrutura do Estado brasileiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Divisão dos Poderes.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Organograma e papel de cada Poder. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

A lei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

O processo legislativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

A hierarquia das leis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). . . . . . . . . . . . . . . . . 22

A especificidade do direito do trabalho: os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

DESENVOLVIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

As justificativas para uma reforma.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

A reforma propriamente dita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Aspectos mais relevantes de direito material.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Jornada de trabalho.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Tempo à disposição do empregador e tempo de serviço.. . . 27

Horas de deslocamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Sistemas de compensação.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

A escala 12x36. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Regime de tempo parcial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

O intervalo intrajornada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

O “teletrabalho”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

Férias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Multa por ausência de anotação na Carteira de Trabalho. . . . . . . . . 44

O dano extrapatrimonial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Titulares desse direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

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Os bens considerados extrapatrimonais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

“Tarifação” do dano extrapatrimonial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Outros parâmetros para fixação da indenização. . . . . . . . . . . . 47

A insalubridade e a gestante ou lactante: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

O trabalhador autônomo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Cláusula de exclusividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Serviços de qualquer natureza. Mesma atividade econômica do contratante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

Recusa do serviço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Subordinação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

O novo “contrato de trabalho intermitente”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

O trabalhador “hipersuficiente”.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

A cláusula compromissória de arbitragem.. . . . . . . . . . . . . . . . . 61

A vestimenta e a higienização do uniforme de trabalho. . . . . . . . . . 62

A remuneração e as parcelas que a compõem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

Gratificação de função e incorporação ao salário. . . . . . . . . . . . . . . . . 70

A equiparação salarial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

A “terceirização”: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

A completa mudança a partir da reforma: . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

Os direitos do trabalhador “terceirizado”: . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

Procedimentos para a rescisão contratual.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

A dispensa coletiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

Planos de Demissão Voluntária (PDV) ou Incentivada (PDI).. . . . . . . 88

Uma nova modalidade de dispensa por justa causa. . . . . . . . . . . . . 89

A rescisão por “acordo” entre empregado e empregador. . . . . . . . . 91

Termo de quitação anual.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

Comissão de representantes dos empregados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

O fim da contribuição sindical obrigatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

O “negociado sobre o legislado”.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

O que se pode negociar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

O que não se pode negociar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106

A possibilidade de redução salarial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

A duração dos acordos coletivos de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

Prevalência do acordo coletivo em detrimento da convenção coletiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

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Aspectos mais relevantes de direito processual. . . . . . . . . . . . . . . . . 112

A contratação de advogado: faculdade ou necessidade? . . . . . . . . 112

Qual é o custo para entrar com uma ação na Justiça do Trabalho? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

As custas processuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

O Acesso à Justiça e o Benefício da Justiça Gratuita. . . . . . . . 115

Os honorários do advogado: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

Os honorários do perito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

A dinâmica do processo do trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

O local em que se deve propor a ação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

A audiência trabalhista:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

As consequências para quem não vai à audiência: . . . . . . . . 122

A figura do “preposto”:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

A postura ética das partes, dos procuradores e de todos os que participam do processo: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

A postura ética da testemunha: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

O acordo “extrajudicial” e sua “homologação”. . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

Outros aspectos processuais importantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

As publicações e a forma de contagem de prazos: . . . . . . . . 130

O recurso: custo e procedimento; hipóteses de isenção. . . . 131

RELAÇÃO DE OBRAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

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O SISTEMA CAPITALISTA DE PRODUÇÃO E O SURGIMENTO DO ESTADO DE DIREITO MODERNO.

Para falarmos sobre reforma trabalhista no Brasil em pleno século XXI, preci-samos rememorar um pouco a história, fazendo uma breve análise sobre o surgi-mento e a evolução do sistema capitalista de produção. Isso porque a relação de trabalho constitui um dos grandes reflexos dessa nova forma de relacionamento humano.

O Direito do Trabalho, por sua vez, é a forma de regulação da exploração do tra-balho humano no sistema capitalista. Foi justamente o Direito do Trabalho, especifi-camente no Brasil, que sofreu uma grande alteração pela lei da reforma trabalhista.

Sem estudarmos um pouquinho sobre a evolução histórica do capitalismo, e, portanto, da exploração do trabalho humano e de sua regulação, não consegui-remos compreender a real dimensão da tão falada reforma, nem poderemos ter uma visão crítica sobre as mudanças.

Pois bem.

O capitalismo é um sistema econômico baseado nas ideias de livre mercado e de propriedade privada dos meios de produção. É composto por duas classes sociais bem delimitadas: de um lado, o capitalista, proprietário dos meios de pro-dução de bens, e, do outro, o trabalhador assalariado, que emprega sua força de trabalho na atividade do capitalista. Enquanto o primeiro desempenha seu ne-gócio sempre com a finalidade de lucro, o segundo deve receber daquele, como contraprestação por seu trabalho, ao menos o valor suficiente para a subsistência própria e de sua família.

Podemos dizer que o capitalismo moderno surgiu a partir do século XVI, com o chamado “mercantilismo” (sistema de troca de mercadorias, já com a finalidade lucrativa). Mas ele passou a se transformar no sistema dominante da economia mundial a partir da Revolução Industrial (na Europa do século XVIII), quando o antigo sistema mercantilista passou a ser substituído pela produção de bens em grande escala como a principal forma de produção de riqueza.

Na Revolução Industrial, como o nome indica, houve um intenso desenvolvi-mento da produção concentrada em indústrias, gerando um excedente de rique-za para seus proprietários (o lucro), fruto da acumulação de capital oriunda dos negócios em crescimento. Os capitalistas, então, passaram a formar uma classe

INTRODUÇÃO

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muito específica, conhecida como “burguesia”. Até então, não havia uma forma de produção de riqueza tão eloquente, e, ao mesmo tempo, completamente desvinculada do Estado e da Igreja.

O problema é que a nova classe queixava-se muito contra o sistema político então dominante (o Absolutismo). É que, no sistema em questão, o rei e a Igreja estavam, por assim dizer, acima da lei, o que quer dizer que tinham um poder ilimitado. Assim, naquele contexto histórico, a lei era um mero acessório, já que, como observado, nem todos a ela se submetiam.

Essa situação era muito prejudicial aos negócios do burguês, pois ele não ti-nha qualquer segurança para praticá-los, já que corria sempre o risco de alguma interferência do rei absolutista (ou mesmo da Igreja). Monarca este que, muitas vezes, dependia dos impostos gerados pelos negócios do burguês para susten-tar seu suntuoso modo de vida.

Assim, de forma bastante resumida, o que ocorria na Europa em fins do sé-culo XVIII, era a existência de uma classe que detinha o dinheiro, fruto de seus negócios no florescente sistema capitalista, a burguesia. Porém, faltava-lhe algo muito importante, e que seria imprescindível para a expansão de seu mercado: a segurança para praticar seus negócios sem ingerências externas. E o meio en-contrado pela burguesia de obter essa segurança foi buscar uma forma de sub-meter a todos, inclusive o rei e o clero, às mesmas regras.

À falta de um modo cordial de atingir seu intuito, a burguesia decidiu pegar em armas, o que gerou diversas guerras, as chamadas revoluções burguesas. A principal delas foi a Revolução Francesa (que eclodiu em 14 de julho de 1789), merecendo destaque também a Independência dos Estados Unidos da America, celebrada em 04 de julho de 1776.

Foi com as revoluções burguesas que se inaugurou uma nova forma de governo e que até hoje constitui o sistema dominante: o poder deixou de ser das pessoas, e passou a ser da lei. Tratou-se da criação do chamado Estado de Direito, por meio do qual ninguém (nem mesmo o rei) está acima da lei.

Essa nova fase da história permitiu o aperfeiçoamento completo do sistema capitalista. É que, com ela, os capitalistas passaram a ter a segurança necessária para a prática de seus negócios, pois tinham a ciência de que pela lei, e somente por ela, seriam regulados todos os meandros de sua atividade econômica (em especial, a incidência de impostos estatais). Não haveria, portanto, espaço para surpresas, para ingerências indevidas dos reis ou da própria Igreja, estando os donos dos meios de produção livres para desempenhar suas atividades da forma que melhor lhes aprouvesse.

ESTADO E CAPITALISMO.

A Revolução Industrial inaugurou uma importante forma de divisão do trabalho.

Com o sistema então implantado, o capitalista passou a concentrar toda sua produção (ou a maior parte dela) em determinado local, no qual os trabalhado-res se reuniam para desempenhar seu trabalho destinado à produção de merca-dorias em troca de salário.

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Na fábrica, organizou-se a atividade de modo que cada trabalhador ficasse responsável por um pequeno pedaço da fabricação de mercadorias. A exemplo, em uma fábrica de chapéus, parte dos trabalhadores cuidava, por todo o tempo, da preparação dos tecidos, outra parte dedicava-se exclusivamente à coloração, outra do acabamento, e assim por diante.

Para manter em ordem esse espaço produtivo conforme sua conveniência, o capitalista passou a estabelecer regras rígidas com relação às atividades e às jornadas que deveriam ser praticadas. Aliás, naquela época (especialmente fins do século XVIII e século XIX), não havia qualquer limitação à forma pela qual o ca-pitalista deveria empreender seu negócio. Como consequência, se fossem neces-sárias 18h de trabalho incessante na fábrica por dia, tal era a jornada exigida dos trabalhadores, ainda que lhe fossem pagos salários de fome. Ao mesmo tempo, se determinadas atividades pudessem ser praticadas por crianças e mulheres, assim era feito, independentemente da idade dos infantes. Não havia, por outro lado, qualquer regulação sobre as características do ambiente de trabalho, o que possibilitava o desempenho de atividades em locais sem qualquer ventilação, de modo totalmente insalubre.

De fato, não haveria como exigir, já no início do desenvolvimento da indús-tria, a existência de regras de proteção para a condição dos trabalhadores. Até porque, como observado, o surgimento do Estado de Direito foi uma reivindica-ção da própria classe burguesa. Não haveria sentido que as leis então vigentes conferissem direitos aos trabalhadores, quando a própria existência de uma le-gislação havia sido reivindicada pela classe que os antagonizava.

Estado Mínimo.

Justamente por ter sido fruto de uma reivindicação burguesa, a primeira for-ma de Estado retratava precisamente os anseios de tal classe. Tratava-se, assim, de um Estado que tutelava a propriedade como um bem sagrado, intocável, na medida reivindicada pelos burgueses. Afinal, como visto, era justamente deles a propriedade dos meios de produção; qualquer ingerência nesse instituto seria contrária aos interesses então reinantes. Daí a ideia de segurança, especialmen-te para a tutela da propriedade.

Nesse sentido, a primeira forma de Estado era a de uma instituição muito pouco participativa, na medida em que interessava para os burgueses. Ou seja: um Estado não-intervencionista, que ao mesmo tempo em que tornava a pro-priedade um direito absoluto, conferia ao seu proprietário a liberdade de de-sempenhar seus negócios da forma que mais lhe conviesse.

Daí chamar-se essa primeira forma de “Estado Mínimo”, e, ao mesmo tempo, “Liberal”, conceitos ambos cunhados com um viés economicista. Em outras pala-vras: um Estado que não incomodava e que permitia aos cidadãos a liberdade de fazerem de suas vidas àquilo que lhes fosse mais interessante.

Como se vê, a ideia de “liberdade” tinha, nessa forma de Estado, grande rele-vância. E era, até por uma questão de coerência (por retratar o império da lei, que deve ser sempre genérica, abstrata e impessoal), aplicável a todos os cidadãos, mesmo os trabalhadores.

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Nessa linha de raciocínio, ao mesmo tempo em que o empresário tinha a li-berdade de gerir seus negócios fazendo o que bem entendesse (estabelecendo jornadas intermináveis, contratando trabalhadores a partir de qualquer idade, ou ajustando o salário conforme a própria conveniência), os trabalhadores também poderiam fazê-lo. Porém, no caso destes, a única liberdade de que dispunham era a de escolher a quem vender sua força de trabalho. E foi dessa maneira que se instituiu o paradigma da igualdade.

Portanto, os três institutos que melhor definem a primeira forma moderna de Estado são: segurança, liberdade e igualdade.

Estado Social.

Com o passar do tempo (especialmente o caminhar do século XIX), foi fican-do cada vez mais evidente que as premissas do Estado Mínimo não contribuíam para a formação de uma sociedade equilibrada, tanto do ponto de vista social como econômico. Basta considerar que a propalada liberdade conferida ao tra-balhador não era algo, digamos, muito sedutor. Ela restringia-se, afinal, ao valor exigível pela força de trabalho, o que, com a abundante mão-de-obra então exis-tente, caracterizava um reduzido poder de barganha dos trabalhadores perante seus empregadores.

Essa disparidade gerou, então, um verdadeiro fosso econômico e social entre os capitalistas e os trabalhadores. Os salários pagos eram cada vez menores, ao mesmo tempo em que as condições de trabalho ficavam cada vez mais precárias. Mais e mais horas de trabalho eram exigidas para atender a uma crescente de-manda, ao mesmo tempo em que a mão-de-obra desempregada só aumentava, fruto da ocupação desordenada dos principais centros urbanos europeus, para onde migravam milhares e milhares de pessoas em busca de melhores condi-ções de vida, em razão da concentração das fábricas em tais locais.

As condições sociais eram, em tal período, cada vez mais precárias, e a situa-ção então vivida pela classe trabalhadora foi assim retratada por Leo Huberman1:

[...] com a chegada das máquinas e do sistema fabril, a linha divisória se tornou mais acentuada ainda. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres, desligados dos meios de produção, mais pobres. [...] Temos uma idéia de como era desesperada a sua situação pelo testemunho de um de-les, Thomas Heath, tecelão manual: “Pergunta: Tem filhos? “Resposta: Não. Tinha dois, mas estão mortos, graças a Deus! “Pergunta: Expressa satisfa-ção pela morte de seus filhos? “Resposta: Sim. Agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los, e eles, pobres criaturas, estão livres dos problemas desta vida mortal.” O leitor há de concordar que, para falar desse modo, o homem devia realmente estar deprimido e na miséria. O que acontecia aos homens que, reduzidos ao estado de fome absoluta, já não podiam lutar contra a máquina, e fi-

1- HUBERMAN, Leo. A História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

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nalmente iam buscar emprego na fábrica? Quais eram as condições de trabalho nessas primeiras fábricas? As má-quinas, que podiam ter tornado mais leve o trabalho, na realidade o fizeram pior. Eram tão eficientes que tinham de fazer sua mágica durante o maior tempo possível. Para seus donos, representavam tamanho capital que não podiam parar — tinham de trabalhar, trabalhar sempre. Além disso, o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível, era essencial porque, com as novas invenções, elas podiam tornar-se logo obsoletas. Por isso os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores considera-ram tal modificação como uma bênção.

Como se vê, não havia uma igualdade na acepção da palavra, a não ser algo formal, que servia como mera aparência, não como algo de fato. Os trabalhado-res sofriam, e não tinham a quem recorrer, pois o Estado, como visto, era mais uma figura de retórica (e claramente voltado aos interesses da burguesia) que uma entidade de salvaguarda dos cidadãos em geral.

Nesse período (meados do século XIX), em função de toda a dificuldade que enfrentavam, os trabalhadores, que dividiam o mesmo espaço na indústria, co-meçaram a se unir em prol de melhorias das condições de trabalho. Tais uniões deram origem aos sindicatos, entidades que, representando a coletividade, pas-saram a ostentar um poder maior de barganha perante os empregadores, confe-rindo melhores perspectivas de trabalho aos empregados.

Na mesma época, iniciou-se uma série de reivindicações da classe trabalha-dora, fortalecidas por seus sindicatos, sempre em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Ideias socialistas pondo em xeque o sistema capitalista borbulhavam, ao ponto de se pressionar os diversos Parlamentos europeus a cederem e a, cada vez mais, começarem a interferir positivamente na atividade produtiva.

E assim começou a surgir a legislação trabalhista, imprescindível para impor limites à exploração do capital. Mas o ponto culminante de tal evolução histórica foi visto no início do século XX, quando começaram a surgir Constituições de países (a exemplo, México, 1917, e Alemanha, 1919) prevendo direitos aos tra-balhadores. Era, portanto, o início de uma fase em que a Lei Máxima de diversos países passava a garantir à classe trabalhadora direitos importantíssimos para a inclusão social de tais cidadãos.

Esse movimento consistiu em uma clara resposta às ideias que norteavam o Estado Liberal. Afinal, à noção de segurança aliou-se uma inspiração social (daí a ideia de função social da propriedade); à liberdade somaram-se diversos preceitos garantidores de uma dignidade (mesmo mínima) para os contratantes de inferior condição social; e à ideia de igualdade meramente formal opôs-se a noção de igualdade material, baseada na máxima de que se deve garantir não apenas que todos tenham as mesmas condições, mas que àqueles mais necessi-tados tais condições devem ser viabilizadas por meio de ações efetivas do Estado (hoje conhecidas por ações afirmativas).

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Assim foi construído, em linhas gerais, o chamado Estado Social, modelo adotado por uma série de países no início do século XX, e que constituiu uma oposição ao Estado Mínimo, Liberal, não-interventor, que claramente não aten-dia aos interesses da maior parte da população, justamente a mais necessitada. Foi um período de fortalecimento das legislações sociais em diversos países, con-solidando o surgimento de um verdadeiro direito do trabalho.

Estado do Bem-Estar Social (Estado-Providência).

As ideias do Estado Social atingiram o seu auge em fins da década de 1930. Como observado, ele nasceu de inspirações socialistas, representando, assim, uma resposta inicialmente satisfatória ao desenvolvimento do capitalismo nos países que ainda o tinham como sistema econômico reinante. Obviamente, a classe dominante não estava satisfeita com as mudanças, pois elas certamente restringiram sua liberdade de atuação e, evidentemente, a exploração da classe dominada.

Aliás, a história retrata que as décadas de 1920 e 1930 foram muito difíceis para o capitalismo, especialmente em razão de dois fatores interligados: houve, especificamente nos Estados Unidos da América, um aquecimento da produção no pós-guerra, para fornecimento de bens de consumo para os países europeus, devastados pela 1ª Guerra; porém, o poder de consumo da população em geral não acompanhou a alta produção então existente (justamente porque os salá-rios não eram condizentes com as necessidades da população), o que fez com que houvesse uma crise de superprodução.

Ao mesmo tempo, a Rússia era o primeiro país a iniciar uma experiência socialista, e, ao se aliar aos países do Leste Europeu (para formar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), começou a formar um mercado em franca expansão, mas com ideias socialistas de coletivização dos meios de produção e participação dos trabalhadores nos órgãos decisórios do Governo.

As ideias socialistas representavam, portanto, um concreto risco à expansão do capitalismo. Do ponto de vista dos precursores do Estado Liberal, não-inter-vencionista, era preciso uma resposta à nova orientação, algo que preservasse o sistema capitalista, e impedisse que ideias como a coletivização dos meios de produção (as bases do socialismo) se consolidassem.

Em alguns países, essa resposta veio por meio de governos totalitários, de que se tem como exemplos mais eloquentes a Alemanha nazista, a Espanha fran-quista e a Itália fascista. Em outros (tendo como vanguarda os Estados Unidos da América), a ideia seguiu linha diferente: mantiveram-se as bases liberais que caracterizavam o sistema capitalista (com respaldo à propriedade privada e a um não-intervencionismo exagerado nos negócios mercantis), mas se reconheceu a necessidade de se conferir à classe trabalhadora uma maior participação nesses mercados, fomentando o consumo e, com isto, todo o sistema capitalista. Foi uma espécie de passo atrás dado pelos defensores da ideologia capitalista.

A nova forma de Estado, que se consolidou no pós-Segunda Guerra, é a do chamado Bem-Estar Social. E ela consistiu em uma espécie de salvação do sis-tema capitalista, e acabou por se estabelecer de forma dominante a partir da segunda metade do século XX.

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Estado Democrático e Social de Direito.

Já em fins do século XX, a maioria dos países seguiu, cada qual com suas es-pecificidades, as linhas adotadas pelas diferentes experiências até então vividas pela sociedade. Foram mantidos os conceitos básicos das economias capitalistas (em especial, propriedade privada e segurança jurídica), mas também foram in-corporadas as ideias inspiradoras de igualdade material.

Mais que isso, uma nova maneira de coletivização de necessidades foi en-campada pelo Estado. A sociedade, que se tornou uma sociedade de massa em razão do consumo, passou a ter do Estado uma resposta à sua maior participação nas relações interpessoais e com o próprio Estado. Com isso, as diferentes legis-lações passaram a incorporar os chamados direitos coletivos, cuja inspiração é similar à que deu origem ao direito do trabalho: percebeu-se a necessidade da tutela de direitos comuns à coletividade, e que, apenas por meio de instrumen-tos com alcance massivo (de que são exemplos brasileiros a ação civil pública e a ação popular), seria possível dar resposta a tais anseios.

Estatutos como o do meio-ambiente, ou do consumidor, presentes em inú-meros países, mostraram essa nova orientação estatal. E, por meio dela, o que se tem na atualidade é uma percepção mais abrangente da ideia de democracia, com uma maior sensibilidade às necessidades dos mais variados grupos sociais, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade.

Nessa linha, a mulher (que sempre sofreu com uma cultura machista que nor-teou todo o mundo) ganhou lugar de destaque. Crianças e adolescentes passaram a ter proteção especial, assim como idosos e portadores de necessidades especiais.

O que passa a existir é uma verdadeira democratização do Estado, conferin-do-se a grupos que até então ocupavam segundo plano na sociedade, uma posi-ção de destaque, tal qual a dos cidadãos em geral.

É essa, em linhas superficiais, a noção de Estado Democrático e Social de Direito: um Estado que permanece fundado no império da lei, mas uma lei ela-borada com compromisso maior de inclusão social dos mais diversos grupos que compõem a sociedade.

Hoje, pode-se dizer que vivemos, no mundo ocidental, e, especificamente no Brasil, essa preocupação com um conceito de Estado Democrático e Social de Direito. Nossa Lei Maior (Constituição Federal), a despeito de algumas contradi-ções, encampa tais ideais em diversas passagens, especialmente quando dispõe, em seu artigo 3º, que:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Sobre a proteção à mulher, a Constituição traz previsões específicas, mere-cendo destaque a contida no artigo 7º, XX, no sentido de ser garantida a “pro-teção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”.

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A proteção à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso vem a partir do artigo 226 da Constituição, que também reservou, no inciso XXXII do artigo 5º, “a defesa do consumidor”, e, em diversas passagens, a proteção ao meio ambiente.

São essas, portanto, as inspirações que norteiam o Brasil e a sociedade con-temporânea, frutos de longa evolução, e que certamente ainda dependerá de diversos aperfeiçoamentos no decorrer de nossa caminhada.

A ESTRUTURA DO ESTADO BRASILEIRO.

O Brasil é uma federação, ou seja, país composto por regiões autônomas, que aqui são chamadas de Estados. Em outros países, como na Argentina, tais regiões são chamadas províncias, em que, tal como ocorre no Brasil, prepondera a ideia de descentralização do poder.

De forma peculiar em relação à maioria dos países, no Brasil o Município tam-bém é considerado como ente autônomo. Porém, tal autonomia é relativa (o que se estende, aliás, aos Estados), já que, em regra, o maior poder é reservado para o Governo central (a União).

Observando países como os Estados Unidos da América, que têm uma con-formação parecida com a nossa, percebemos o quanto a ideia de federação pode abranger uma autonomia muito maior: cada Estado, naquela nação, tem um sis-tema penal próprio, tanto que a pena de morte é autorizada em alguns Estados e não em outros. Sem qualquer interferência do Governo Central.

A forma de governo brasileira é a de uma República presidencialista, ou seja, com o poder concentrado em um Presidente que exerce a chefia do Governo e do Estado.

Na Constituição Federal, temos, já no artigo 1º, a disposição até aqui estu-dada, quando se estabelece que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).”

Divisão dos Poderes.

Quando se afirma que o Presidente da República tem a concentração do po-der, a ideia é a de centralização.

De fato, ao analisarmos as leis do País, especialmente a Constituição Federal, percebemos que, em muitas situações, a última palavra é a do Presidente. Porém, diante das inúmeras funções do Estado (aqui entendido como país), é impossível que todas as decisões sejam concentradas em uma só pessoa. Justamente por isso, nossa República, seguindo uma tradição consagrada há alguns séculos em todo o mundo ocidental, subdivide o Poder em três:

a) o Executivo, cujo chefe maior, no âmbito da União, é o Presidente da República; já nos Estados, é o Governador; e nos Municípios, o Prefeito;

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b) o Legislativo, chefiado, no âmbito federal, pelos Deputados Federais e pe-los Senadores, no âmbito estadual, pelos Deputados Estaduais, e, no Município, pelos Vereadores; e

c) o Judiciário, que só existe na União e nos Estados, no primeiro caso en-cabeçado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e, nos Estados, pelos Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Na Constituição, isso vem definido no artigo 2º, que dispõe que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Organograma e papel de cada Poder.

Feita a distinção entre os Poderes, passamos agora a pontuar, de forma bas-tante sucinta, algumas diferenças entre eles.

Ao Poder Legislativo cabe a elaboração das leis, no âmbito federal, estadual e municipal. Nos Estados, os Deputados reúnem-se nas Assembleias Legislativas. E, nos Municípios, nas Câmaras de Vereadores.

Como já observado, no Poder Legislativo federal existem duas Casas de vota-ção: a Câmara, que representa o povo, e o Senado, que representa os Estados. A União das duas Casas constitui o Congresso Nacional, que se reúne para votar os projetos de lei mais importantes. Enquanto a Câmara é composta por represen-tantes do povo, o Senado representa os Estados.

Tudo isso vem bem delineado nos artigos 44 a 46 da Constituição Federal:

Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessá-rios, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unida-des da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. § 2º Cada Território elegerá quatro Deputados.Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.§ 1º Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos.§ 2º A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renova-da de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços.§ 3º Cada Senador será eleito com dois suplentes.

O Poder Executivo, por sua vez, tem uma função administrativa. A ele com-pete o Governo, a administração do interesse do povo, de acordo com as leis. Dele é a responsabilidade de executar ações, colocando as leis editadas pelo Poder Legislativo em prática, buscando o desenvolvimento da Nação.

Na União, o Poder Executivo é chefiado pelo Presidente da República, com auxílio dos Ministros de Estado. Nos Estados e Municípios, a autoridade máxima

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é do Governador e do Prefeito, respectivamente, auxiliados por Secretários, cada qual responsável por uma área de atuação.

Já ao Poder Judiciário reserva-se o dever de aplicar as leis aos casos de lesão ou ameaça de lesão a algum direito. A ele cabe, portanto, o poder de dizer o direito, conforme sua interpretação do alcance das leis, no âmbito de processos judiciais submetidos à sua apreciação.

Como vimos, o Poder Judiciário restringe-se à União e aos Estados. O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo tanto numa como noutra esfera, e que, por-tanto, detém a última palavra sobre todas as questões (mesmo da competência da Justiça dos Estados) que possam afetar a Constituição Federal.

O Poder Judiciário é dividido conforme as matérias tratadas nos processos judiciais. Tal medida é chamada de competência.

No âmbito federal, o Poder Judiciário é representado pela Justiça Federal Comum e pela Justiça Federal Especializada, esta composta pela Justiça do Trabalho, pela Justiça Militar e pela Justiça Eleitoral. Nos Estados, tem-se a Justiça Estadual Comum.

O Conselho Nacional de Justiça, que também compõe o Poder Judiciário, é uma espécie de órgão fiscalizatório do próprio Judiciário. Conforme a Constituição, a ele compete, especialmente, “o controle da atuação administrati-va e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (conforme o artigo 103-B, §4º da Constituição Federal)

Como vamos tratar neste curso especificamente sobre a reforma trabalhista, é importante entendermos um pouco o funcionamento da Justiça do Trabalho.

Os processos judiciais da competência da Justiça do Trabalho são julgados por juízes do trabalho, que são lotados em Varas do Trabalho. Os recursos de tais decisões são analisados pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

Atualmente, existem 24 Tribunais Regionais, sendo dois deles no Estado de São Paulo, um com sede na Capital e outro em Campinas.

Das decisões oriundas dos Tribunais Regionais pode haver recurso para o ór-gão máximo da Justiça do Trabalho, que é o Tribunal Superior do Trabalho. A ele compete uniformizar nacionalmente a interpretação da legislação federal do tra-balho, adotando diretrizes que devem nortear as decisões dos órgãos inferiores.

Caso a matéria, mesmo em processo trabalhista, diga respeito à interpreta-ção de norma constitucional, poderá haver recurso, ainda, ao Supremo Tribunal Federal.

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A LEI.

A lei é a expressão máxima do Estado de Direito. Serve para nortear as con-dutas de todos os cidadãos, estabelecendo regras com caráter geral, abstrato e impessoal.

É pela lei que se garante a paz no Estado Democrático, que, pela lei, transfor-ma-se em Estado Democrático de Direito. Por isso, por trás da lei sempre existirá uma sanção, que é a consequência pelo seu descumprimento, e com a qual arca-rá todo aquele que é seu destinatário.

Uma lei sem sanção não é lei, mas mero enunciado sem efeito. E uma sanção sem lei que a anteveja é uma afronta à ordem estabelecida em determinada so-ciedade, sendo, por isso, fruto de arbitrariedade.

Lei é um conceito geral. Por isso, dizemos que ela pode ter um sentido mate-rial e um sentido formal. Do ponto de vista material, é lei toda disposição dota-da daquelas características de abstração generalidade e impessoalidade. Nesse sentido, é lei a Constituição Federal, uma emenda à Constituição, ou mesmo um decreto.

No aspecto formal, e, portanto, com uma acepção mais restrita, lei é uma determinada espécie de regra, sujeita a um determinado procedimento. Normalmente, é chamada de lei ordinária.

O processo legislativo.

Processo legislativo, como o nome indica, é o conjunto de atos ordena-dos que conduzem à elaboração de uma lei (em sentido material). No Brasil, a Constituição é, a respeito, taxativa sobre as diversas espécies de lei e de seu pro-cesso de formatação, dispondo em seu artigo 59 que:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emen-das à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - reso-luções. (...).

Como regra, as propostas de lei geram debates, e, com a aprovação da maio-ria (que será simples ou qualificada, conforme o tipo de norma), transformam--se em leis propriamente ditas. Algumas delas ainda dependem de sanção do Presidente da República, que é uma espécie de ratificação para que passem a entrar em vigor.

A hierarquia das leis.

Cada espécie legislativa tem um determinado espaço no ordenamento jurí-dico do país. Se observarmos o já transcrito artigo 59 da Constituição, e quando entendermos cada uma das modalidades de leis ali existentes, veremos que a ordem ali existente segue uma certa hierarquia.

A Constituição Federal é a lei máxima do país. Para alterá-la, é necessária a edição da chamada emenda à Constituição. Pela relevância dos temas tratados (matéria constitucional), exige-se o chamado quórum qualificado, ou seja, a par-

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ticipação de um número elevado de membros das duas Casas do Congresso Nacional.

Há temas que sequer podem ser objeto de emenda à Constituição (e que, por-tanto, somente poderão ser alterados com a edição de uma nova Constituição). Nesse sentido, dispõe o artigo 60, §4º, da própria Constituição Federal:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I - a forma federativa de Estado;II - o voto direto, secreto, universal e periódico;III - a separação dos Poderes;IV - os direitos e garantias individuais.

Na sequência, e também conforme o grau de importância dos temas trata-dos, temos:

a) as leis complementares, que também exigem maioria absoluta dos mem-bros, e só são editadas quando uma previsão anterior expressamente dispõe em tal sentido;

b) as leis ordinárias, que são a maioria das leis em vigor no País, e que exigem apenas o quórum de maioria simples para sua aprovação;

c) as leis delegadas, que são muito pouco usadas, mas que servem para que o Presidente da República, com a delegação do Congresso Nacional, exerça ati-vidade legislativa;

d) as medidas provisórias, que correspondem ao exercício direto, pelo Presidente da República, de função legislativa, em casos de relevância e urgên-cia, com posterior submissão ao Congresso Nacional;

e) os decretos legislativos, que regulam questões de competência exclusiva do Congresso Nacional, todas elas especificadas na Constituição Federal; e

f ) as resoluções, que servem para regulamentar matérias tratadas por leis de hierarquia superior.

Como regra, nenhuma norma pode contrariar a Constituição Federal. Se isto ocorrer, a lei questionada deverá ser excluída do ordenamento, mantendo-se a primazia da Constituição.

Será o Supremo Tribunal Federal, desde que provocado a falar, quem dirá se de-terminado ato normativo (qualquer que seja ele, inclusive uma emenda à própria Constituição) fere, ou não, a Constituição Federal, cabendo ao Senado Federal “sus-pender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por deci-são definitiva do Supremo Tribunal Federal” (artigo 52, X da Constituição).

No Direito do Trabalho existe, porém, uma especificidade: a Constituição não será, necessariamente, a regra de maior hierarquia, mas a norma mais fa-vorável ao empregado. Isto quer dizer que, nesta ciência, impera um critério mais flexível, sem a rigidez da primazia da Constituição Federal: por ele, sempre que houver uma norma, mesmo de hierarquia inferior à Constituição Federal, mas prevendo, em seu conjunto, benefícios mais favoráveis ao trabalhador, ela preponderará.

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Por fim, vale uma observação importante: uma regra só pode ser revogada por outra de hierarquia igual ou superior a ela. Ou seja: a Constituição Federal tem o poder de revogar toda a legislação (anterior, quando temos o fenômeno da não-recepção; ou posterior a ela) que conflitar com ela. Porém, uma lei ordi-nária jamais terá o poder de revogar a Constituição, uma Emenda à Constituição, ou, mesmo, uma lei complementar. Medidas provisórias têm força de lei (CF, arti-go 62), o que quer dizer que podem revogar leis ordinárias e quaisquer espécies normativas hierarquicamente inferiores a elas.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o próprio nome indica, é uma reunião da legislação trabalhista mais relevante e que já existia anterior-mente à sua edição. Não foi, como muitos fazem crer até os dias atuais, uma gama de direitos concedida por um único governante (à época de sua edição, Getúlio Vargas), mas simplesmente uma sistematização de dezenas de atos nor-mativos editados nos diversos anos anteriores à sua publicação.

A CLT foi editada em 1º de maio de 1943, pelo Decreto-Lei n.º 5.452.

Como você já sabe, não existe, no rol de espécies legislativas previstas na Constituição Federal, a figura do “Decreto-Lei”. É que, até a edição da Constituição (o que ocorreu em 05 de outubro de 1988), havia esta figura legislativa, que nada mais era que um decreto do Poder Executivo, atuando como se fosse o Legislativo.

Evidente que isso (o Poder Executivo legislando) não se apresenta como um fenômeno legislativo normal, dentro da tripartição de Poderes que já estudamos. Porém, se nos aprofundarmos no assunto (o que não é nossa intenção, ao menos neste momento), veremos que esse tipo de anomalia existe com relação aos três Poderes (ou seja, há situações em que os Poderes Executivo e Judiciário legislam, ou em que o Poder Legislativo julga, por exemplo).

O fato é que, na conformação legislativa atualmente existente, a CLT equivale a uma lei ordinária. Portanto, como já estudamos, só pode ser revogada (no todo ou em parte) por outra norma de hierarquia superior ou idêntica.

No caso da reforma trabalhista, as mudanças vieram por duas espécies legislativas:

1) a Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017, e que entrou em vigor 120 (cento e vinte) dias após a sua publicação, ou seja, em 11 de novembro de 2017; e

2) a Medida Provisória n.º 808, publicada e em vigor em 14 de novembro de 2017, e que modificou a CLT tanto no que não havia sido alterado pela Lei n.º 13.467/2017, como em matérias reguladas por tal lei.

Uma importante observação: nem toda a legislação trabalhista está contida na CLT. Há diversas outras leis que regulam temas que não são tratados pela CLT. Por exemplo: o 13º salário (chamado pela lei de gratificação natalina) não está re-gulado na CLT, mas em uma lei específica, de n.º 4.090 de 1962. Da mesma forma, o descanso semanal remunerado, que é todo tratado pela Lei n.º 605 de 1949.

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Nessa linha de raciocínio, é relevante observarmos que a Lei n.º 13.467 (a lei da reforma) alterou não só a CLT, mas também outras leis trabalhistas, como a que tratava especificamente do trabalho temporário (Lei n.º 6.019/1974), a Lei que prevê a regulamentação do FGTS (Lei 8.036/1990) e a Lei 8.212/1991 (que trata da organização da Seguridade Social).

A especificidade do direito do trabalho: os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho.

Como já mencionamos, o Direito do Trabalho, que é o ramo do Direito que regula as relações de trabalho, tem uma especificidade, que é a existência de um critério próprio de interpretação (e hierarquização) das leis. Trata-se da preva-lência da norma mais favorável.

O fato é que há, ainda, outra característica peculiar ao Direito do Trabalho: trata-se da existência de uma espécie legislativa que só existe nesse ramo: os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho.

Como já estudamos anteriormente, o Direito do Trabalho nasceu das reivindi-cações dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, a partir especial-mente do século XIX, em função da constante exploração a que eram submeti-dos pelos seus patrões.

Tais reivindicações, por serem comuns a todos os trabalhadores de deter-minada empresa ou de determinada categoria (comerciários, motoristas, por exemplo), forçaram a coalizão entre trabalhadores, originando a criação dos sin-dicatos. O ser individual trabalhador passou a ser, então, representado pelo ser coletivo sindicato, que se transformou em um instrumento imprescindível para a classe trabalhadora elaborar com mais força suas reivindicações.

Com o passar do tempo, até mesmo as empresas sentiram-se na necessidade de uma representação mais ampla, que abrangesse as categorias profissionais correspondentes. Foi daí que surgiram os chamados sindicatos representati-vos da categoria econômica, também chamados sindicatos patronais, que, como o nome indica, representam os interesses das empresas, conforme o res-pectivo ramo de atuação (comércio, transporte, etc).

Portanto, a realidade trabalhista brasileira apresenta entidades coletivas que representam os dois polos da relação: de um lado, os sindicatos representati-vos de categorias profissionais, também chamados de sindicatos profissio-nais, que representam os interesses dos trabalhadores; e, de outro, os sindicatos representativos de categorias econômicas, também chamados de sindicatos patronais, que representam os interesses dos empregadores.

E qual é a relação entre os sindicatos e os acordos e convenções coletivas de trabalho?

As relações de trabalho são muito dinâmicas. Devem, portanto, ser sempre atualizadas, em razão da constante corrosão do poder de compra dos trabalhadores, causada pela inflação. Porém, como todos já sabemos, o processo de elaboração das leis no Brasil (que permitiria, por exemplo, reajustes salariais) é lento. Exatamente por isso, tanto os sindicatos pro-fissionais como os patronais, assim como também as empresas individu-

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almente, têm o poder de estabelecer normas (leis em sentido material) capazes de regular suas relações.

Quando comparecem os dois sindicatos (patronal e profissional) e, junta-mente, regulam suas condições de trabalho, temos o que a lei chama de con-venção coletiva de trabalho. Quando o sindicato profissional negocia e ajusta normas que regulam as relações dos trabalhadores por ele representados com determinada empresa (ou determinado grupo de empresas, não representadas por sindicato patronal), temos o chamado acordo coletivo de trabalho.

O artigo 611 da CLT dispõe sobre essa peculiaridade:

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter nor-mativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de cate-gorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações in-dividuais de trabalho. § 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissio-nais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da corres-pondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da emprêsa ou das acordantes respectivas rela-ções de trabalho.

Assim, quando tivermos alguma dúvida sobre um direito de determinado trabalhador, precisaremos analisar, previamente, se, além das leis, também exis-te, para a categoria, algum acordo coletivo ou convenção coletiva.

E se uma convenção coletiva ou um acordo coletivo estiver em conflito com a Constituição? Incidirá o critério já estudado da primazia da norma mais favorável, ou a Constituição prevalecerá?

A resposta a esta questão era simples até a chegada da reforma trabalhista. A partir de agora, teremos de fazer um esforço que, no momento próprio (quando estudarmos a premissa do “negociado sobre o legislado”), será melhor estudado.

A partir do próximo tópico, mergulharemos nas principais transformações efetuadas com a nova lei, para que possamos compreender a nova realidade que se inaugura no Direito do Trabalho brasileiro.

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AS JUSTIFICATIVAS PARA UMA REFORMA.

Após o processo político-jurídico ocorrido no ano de 2016, que culminou com o impedimento da então Presidente da República Dilma Rousseff, iniciou-se um Governo com diretrizes diferentes daquelas que haviam norteado o País nos anos que o antecederam.

O novo Governo passou a ser mais sensível aos reclamos empresariais. Também passou a ser premido por uma necessidade de “ajuste nas contas públi-cas”, possivelmente ocasionada pelos próprios Governos antecedentes.

Ao mesmo tempo, alardeou-se que o País enfrentava uma séria crise econômica, que de fato é verificável a partir dos indicadores dos anos de 2016 e 2017. A massa desempregada superou o número de treze milhões de pessoas, e a informalidade (contratação sem registro em CTPS, e, portanto, sem encargos, porém, ao mesmo tempo, sem qualquer proteção ao trabalhador assalariado) só cresceu.

Quando se fala em crise econômica, automaticamente o que se tem é uma preocupação, por parte da classe empresarial, com os custos da atividade eco-nômica. E, entre tais custos, o primeiro a sofrer ataques é sempre aquele que diz respeito aos direitos dos trabalhadores.

Embora seja uma ideia um tanto quanto equivocada a de atribuir à mão-de--obra a pecha de um custo – eis que a classe trabalhadora é formada por seres humanos que colaboram para a composição dos lucros de seus empregadores, consistindo, portanto, em um ganho –, não é preciso grande esforço para obser-var o quanto a classe econômica pressionou o Governo para que afrouxasse as amarras supostamente impostas pela legislação trabalhista.

Como veremos, a legislação trabalhista sempre esteve longe de ser perfeita. De fato, ela precisava (e ainda precisa) de uma modernização. Porém, argumen-tos como o de que “a CLT é atrasada”, “atravanca o progresso econômico do País”, “vem da ditadura de Vargas”, ou de que “o trabalhador não é um incapaz”, aca-baram ganhando força na grande mídia, e o que se viu foi uma enorme pressão para que a suposta legislação retrógrada fosse profundamente modificada, mas nunca com a pretensão de se aumentar direitos.

Não se atentaram aqueles que atacavam a CLT para o fato de que a maior parte da legislação trabalhista passou por intensas modificações desde a sua edi-ção, em 1943, muitas delas já flexibilizando ou reduzindo direitos. Apenas como exemplos, podem ser citadas:

DESENVOLVIMENTO

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a) a Lei n.º 5.107/1966, depois revogada pela Constituição Federal de 1988, que substituiu o regime de estabilidade pelo acesso ao FGTS, exterminando a garantia de emprego pelo decurso do tempo;

b) a Lei n.º 9.601/1998, que passou a permitir a prática de banco de horas, quase que eliminando as perspectivas de o trabalhador receber por horas extras; e

c) as Lei 6.019/1974, 5.645/1970 e 7.102/1983, que introduziram formas mais precárias de contratação em nosso ordenamento, o trabalho temporário e a ter-ceirização de serviços.

Na verdade, é comum ouvirmos, nos ciclos de crise pelos quais passa o capi-talismo (e não apenas no Brasil), que direitos trabalhistas encarecem a produção, atrapalhando, portanto, a competitividade do produto brasileiro. O que não se ouve é que, com aumento de direitos, mão-de-obra melhor remunerada, cresce também o consumo, e, com ele, a produção.

O fato é que, com uma tramitação recorde de apenas seis meses, a maior modificação legislativa da história do Direito do Trabalho brasileiro aconteceu: de um projeto de lei com cerca de sete artigos, apresentado pelo Governo em dezembro de 2016, as alterações transformaram-se em uma lei que alterou mais de cem artigos da CLT (e de outros diplomas), e que vem alterar profundamente as relações de trabalho, em vigor já a partir de 11 de novembro de 2017.

A despeito do argumento governamental de que “nenhum direito seria re-tirado”, não há como chancelar esta afirmação. Afinal, como veremos ao longo deste Curso, foram diversos os direitos flexibilizados, desregulamentados, ou mesmo exterminados.

Ao mesmo tempo, argumenta-se que a nova lei também vem conferir maior responsabilidade aos trabalhadores que ingressam com ações na Justiça do Trabalho: porém, a par dessa ideia (que, de fato, em alguns aspectos, é verdadei-ra), veem-se, também, dispositivos que intimidam o trabalhador a ingressar com ação em Juízo, como a redução do conceito amplo de Acesso à Justiça e a impo-sição de penalidades em função de condutas que, muitas vezes, mais dependem de dificuldade probatória que de verdadeira má-fé.

O fato é que, concorde-se ou não com as mudanças, há que se conhecê-las. Estudá-las. Interpretá-las à luz da Constituição Federal (que garante uma série de direitos mínimos e, em relação aos quais, a nova lei não poderá se opor), para que se desenvolva um estudo crítico e, acima de tudo, para que se garanta que as inspirações dadas pelo Estado Democrático e Social de Direito inaugurado no País especialmente a partir de 1988 não fiquem somente no papel e sirvam como norteadoras aos intérpretes de nosso ordenamento.

Passemos a analisar, então, as principais alterações empreendidas com a nova lei.

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A REFORMA PROPRIAMENTE DITA.

Aspectos mais relevantes de direito material.

Jornada de trabalho.

A jornada de trabalho é um dos temas mais importantes de um contrato de trabalho. Afinal, trata-se do tempo de vida do empregado dedicado ao seu em-pregador nas dependências da empresa. Muitas vezes, aliás, os salários são fixa-dos pelo valor da hora trabalhada (não pelo mês). Mas, quando isto não ocorre, é possível ao trabalhador calcular o valor de sua hora fazendo uma conta simples.

Por exemplo: suponha que você esteja sujeito a uma jornada de 8h diárias e 44h semanais, e que receba um salário mensal de R$2.500,00 (dois mil e quinhen-tos reais). Para saber qual é o valor de sua hora de trabalho, basta dividir o valor do salário mensal por 220. No exemplo, seu salário-hora seria, então, de R$11,36 (onze reais e trinta e seis centavos).

Por sua vez, o número 220 é o chamado divisor. Trata-se do resultado da mul-tiplicação do número médio de horas trabalhadas por dia por 30 (número de dias do mês). Ou seja: 44h (número de horas trabalhadas por semana) divididas por 6 (considerando o número de dias trabalhados por semana, excluída uma folga), multiplicadas por 30 (número de dias do mês). Perceba que, nesta conta, já estão incluídos os dias de repouso (folga semanal), que é um direito assegurado a todo trabalhador.

Experimente agora fazer a mesma conta com o divisor 180, que serve para as jornadas de trabalho de 6h (atendente de telemarketing, bancário, etc). Utilizando-se do mesmo salário, você perceberá que o resultado será muito maior.

Tempo à disposição do empregador e tempo de serviço.

A CLT prevê que não apenas o tempo em que o empregado estiver efetiva-mente trabalhando, mas também aquele em que o trabalhador estiver simples-mente à disposição do empregador, deve ser computado na jornada de trabalho. Ao mesmo tempo, estabelece que, em situações bem específicas, mesmo que o empregado não esteja à disposição do patrão, determinado período deverá ser computado na contagem do tempo de serviço.

Tempo à disposição e tempo de serviço são os institutos analisados pelo artigo 4º da CLT, bastante modificado pela reforma trabalhista:

Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o em-pregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou execu-tando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.§ 1º Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado es-tiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente do trabalho. § 2o Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1o do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias pú-blicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permane-

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cer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:I - práticas religiosas; II - descanso; III - lazer; IV - estudo; V - alimenta-ção; VI - atividades de relacionamento social; VII - higiene pessoal; VIII - troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.

Vamos analisar esse dispositivo.

O §1º trata do chamado tempo de serviço, que é uma ideia mais abrangente que tempo à disposição. Grosso modo, é como se, a título de tempo de serviço, tra-tássemos do contrato ao longo dos dias. E, no tempo à disposição, cuidássemos do contrato ao longo das horas, como uma forma de cômputo da jornada.

Pelo dispositivo, sempre que o empregado sofrer algum problema ligado à empresa (doença relacionada ao trabalho, acidente de trabalho), o tempo de afastamento deverá ser computado no tempo final do contrato (para aposenta-doria, por exemplo). A mesma situação ocorre com o período de serviço militar: se, no ano correspondente, o trabalhador estiver empregado, ao retornar para a empresa ele terá a contagem do tempo em seu contrato, como se estivesse trabalhando.

Já o tempo à disposição é um conceito mais restrito.

Na parte inicial do artigo 4º, a lei deixa claro que, mesmo que o empregado nada esteja fazendo, mas que esteja aguardando alguma ordem, aquele período deverá ser computado em sua jornada. Um bom exemplo é aquele em que o tra-balhador permanece com um telefone da empresa, orientado a atender a algum chamado: mesmo que esteja fora da empresa, realizando alguma atividade par-ticular, apenas pela possibilidade de ser chamado, tal empregado tem por direito que se compute aquele período em sua jornada, como tempo à disposição do empregador.

Do mesmo modo, suponha que o empregado faça sua hora de intervalo, mas permaneça, no período, com o telefone da empresa, à disposição para al-guma emergência: perceba que, mesmo almoçando, este empregado não está totalmente livre, e não pode se desligar completamente do trabalho. Atenta a tal realidade, a CLT dispõe que tal período deve ser considerado como tempo à dis-posição do empregador. Consequentemente, sua jornada deverá ter o cômputo de tal período.

A grande novidade a respeito do tema trazida com a reforma trabalhista é a regra contida no §2º do artigo 4º: são as hipóteses em que o empregado está na empresa, mas não tem o cômputo de tal período na duração de sua jornada.

Na verdade, isso nunca foi considerado pelos juízes como tempo à dispo-sição, mas o legislador entendeu por bem ser mais explícito, para evitar algum tipo de interpretação exagerada. Afinal, parece evidente que, se o empregado permanecer na empresa porque está chovendo, ou porque não tem o que fazer até determinado horário, o empregador não pode ser responsável pelo período correspondente.

Duas situações, porém, merecem um destaque especial: a higiene pessoal e a troca de roupa ou uniforme. É que, se o empregado não tiver como sair da empresa sem fazer higiene pessoal (a exemplo, em um trabalho físico desgastan-

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te, ou em uma atividade em que o trabalhador normalmente se suja, como na condição de mecânico, de metalúrgico), é possível que o período de banho seja computado em sua jornada.

Da mesma maneira, a colocação do uniforme: se o trabalhador for orientado pela empresa a colocar seu uniforme apenas nas dependências dela, certamente terá de chegar mais cedo para cumprir sua jornada. Se isto ocorrer, o período correspondente deverá ser contado, e se tornará jornada extraordinária se o em-pregado prorrogar o tempo contratado em função da retirada do uniforme. Um exemplo muito comum é o do vigilante: como é um trabalhador que desem-penha suas funções armado, é possível que a empregadora exija que a coloca-ção do uniforme seja feita nas dependências da empresa. Se isto ocorrer, não há como excluir o período em questão de sua jornada, o que afasta a norma que estamos estudando neste tópico.

Fique atento: assim como nos exemplos citados (higienização e colocação do uniforme), em todos os outros, o período de tempo deverá ser computado se o empregador exigir a permanência do empregado na empresa. Ou seja: se, por exemplo, o empregador tiver uma determinada orientação religiosa e impuser que, em determinado horário, todos os empregados permaneçam em oração, o período correspondente deverá ser considerado como tempo à disposição do empregador. Por outro lado, não esqueça: a Constituição Federal (nossa Lei Maior) torna ilegal qualquer prática religiosa que contrarie a orientação pessoal do indivíduo, como dispõe seu artigo 5º, VI:

É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Da mesma maneira, se o tempo de estudo for referente a alguma atividade exigida pelo empregador, o período correspondente deverá, sim, integrar a jor-nada, porque a situação diz respeito a uma condição imposta para a realização do trabalho.

Horas de deslocamento.

Normalmente, o tempo de deslocamento do empregado de sua residência até o trabalho e vice-versa nunca foi computado na jornada de trabalho. Porém, até a reforma trabalhista, em algumas situações excepcionais este tempo era computado. Tratava-se dos casos em que o empregador se instalasse em local de difícil acesso ou não servido por transporte público regular, e, por tal motivo, fornecesse condução ao empregado. Nessa hipótese, o tempo de deslocamento era inteiramente contado na jornada do empregado.

Com a reforma trabalhista, passa a existir uma só regra: em todos os casos, o tempo de deslocamento não mais será computado na jornada de trabalho, disposição esta contida no artigo 58, §2º da nova CLT:

O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, cami-nhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

Na realidade dos grandes centros urbanos, isso parece não mudar muito o que já ocorria. Porém, para quem vive em áreas mais afastadas, a mudança é

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drástica. Basta pensarmos no exemplo do boia-fria: para sair de sua casa e chegar até o local da plantação, normalmente ele é deslocado por horas, já que se trata de região de difícil acesso. Se, até a reforma, todo esse deslocamento era compu-tado na jornada, a partir de agora isto não mais ocorrerá, o que, sem dúvida trará prejuízos ao empregado, que continuará tendo de se deslocar por horas para local distante, mas não receberá por tal período.

Fique atento: a mudança da regra de deslocamento deverá ser muito ques-tionada nos Tribunais, principalmente nos casos em que o empregador tem suas instalações em locais afastados. É possível que os juízes avaliem tal regra confor-me o caso concreto, o que significa que, no futuro, poderemos ter novas interpre-tações desse dispositivo, especialmente porque a CLT tem a seguinte regra geral:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

O alcance da expressão “assumindo os riscos da atividade econômica” pode ser o fundamento para que os empregadores que, por decisão própria, instalem--se em locais muito afastados, acabem por “assumir” a responsabilidade pelas horas de deslocamento. A se conferir.

Sistemas de compensação.

Como regra, a Constituição Federal (lei máxima do País) estabelece dois limi-tes principais para a jornada de trabalho: 8h por dia e 44h por semana. Ela tam-bém determina que, extrapolados tais limites, sejam pagas as horas excedentes ao trabalhador com acréscimo de 50% (cinquenta por cento). São as chamadas horas extras.

Por outro lado, a Constituição também permite que os limites mencionados sejam modificados por acordo ou convenção coletiva de trabalho. Se você não lembra o que é um acordo ou convenção coletiva de trabalho, retorne ao item “4” da Introdução e rememore.

Tudo isso está no artigo 7º, incisos XIII e XVI da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (...) XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

A CLT (que não pode desrespeitar a Constituição) estabelece, em seu artigo 59, como essas modificações podem ser efetuadas, e quais são os limites possí-veis de compensação. Vejamos:

Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, con-venção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. (...)§ 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das

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jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limi-te máximo de dez horas diárias.§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos §§ 2o e 5o deste artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remu-neração na data da rescisão. (...) § 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pac-tuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. § 6o É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

Em outras palavras, podemos dizer que, atualmente, existem duas grandes formas de compensação de jornada: 1) o “banco de horas”; e 2) o acordo de compensação.

O “banco de horas” pode ser ajustado de duas formas:

a) individual (ou seja, por acordo entre patrão e empregado, sem a participa-ção do sindicato). Neste caso, todas as horas trabalhadas além da jornada normal de 8h diárias e 44h semanais, deverão ser compensadas no máximo em seis me-ses (§5º retro); e

b) coletivo (por acordo ou convenção coletiva, ou seja, com o sindicato re-presentando os trabalhadores de um lado, e a empresa – ou seu sindicato – de outro). Nesta hipótese, as horas extras poderão ser compensadas em até um ano (§2º retro).

Já o acordo de compensação poderá sempre ser firmado individualmente, mas poderá abranger até um mês.

Em todos os casos, atente-se para duas premissas muito importantes:

1) não é possível, salvo em situações muito excepcionais, que o empregador exija jornada superior a 10h diárias; e

2) se não forem respeitados os prazos para compensação, o empregado faz jus às horas extras que trabalhou, independentemente do regime firmado (men-sal, semestral ou anual).

São exemplos de sistemas de compensação (dentro do mês) muito comuns atualmente:

a) a fixação de jornada de 8h48 por dia, de segunda a sexta-feira; perceba que, neste caso, a compensação é feita na própria semana (excluindo-se o sába-do, que passa a ser o dia de compensação); o trabalhador fica além de seu horário 48 minutos por dia, mas totaliza, ao final da semana, 44h; se, eventualmente, ele trabalhar aos sábados, fará jus ao pagamento das horas correspondentes como extraordinárias, pois o sábado é dia de compensação;

b) a jornada de 9h por dia de segunda a quinta-feira, e de 8h na sexta-feira, também com a exclusão do trabalho aos sábados; a sistemática é idêntica à ana-lisada no item “a”; e

c) a chamada “semana espanhola”, normalmente com a fixação de 48h em

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uma semana (jornada de segunda a sábado, 8h por dia), e de 40h na semana subsequente (com exclusão do trabalho aos sábados); perceba que, na média, o empregado trabalha 44h por semana em tal regime (40 + 48 / 2), o que, pelo sistema vigente, é válido.

Nos três exemplos, o empregado não terá direito a receber pelas horas extras, salvo se trabalhar nos dias destinados a sua folga.

Já o “banco de horas” é menos benéfico, pois ele não está sujeito aos limites de dia e semana (8h e 44h) por longo tempo. Isto quer dizer que o empregado pode chegar a trabalhar 60h por semana, e em semanas seguidas (sendo 10h por dia), cabendo ao empregador autorizar a compensação dentro do semestre (se o “banco” for individual) ou do ano (se for coletivo). Justamente por isso, há muitas críticas quanto à validade desse regime no âmbito individual (quando o empregado, sem a tutela de seu sindicato, está mais vulnerável).

Fique atento: se o acordo de compensação (aquele firmado por até um mês) não atender aos requisitos legais (ou seja, se não for feito por escrito, ou extrapo-lar a jornada máxima ajustada pelas partes), a nova CLT determina, em seu artigo 59-B, que:

Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jor-nada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.

Exemplificando: se o empregado trabalha 8h48 por dia, mas não ajustou isso pre-viamente por escrito com seu patrão, tem direito ao adicional de horas extras sobre a jornada que extrapolou a oitava diária, ou seja, 50% sobre 48 minutos diários.

Por outro lado, se este mesmo empregado, ao invés de trabalhar 8h48 por dia, trabalha 9h por dia, faz jus ao adicional de 50% sobre 1h por dia (a que exce-de a oitava), e, ao final da semana, a mais 1h extraordinária (pois trabalhou 45h semanais).

A escala 12x36.

A escala de trabalho 12x36 significa, simplesmente, que o trabalhador a ela submetido trabalha por 12h e descansa pelas 36h subsequentes, ou seja, traba-lha em um dia e folga no dia seguinte, e assim sucessivamente.

Como vimos no item anterior, existe uma limitação prevista na CLT à jornada de trabalho, que permitida até 10h por dia. A escala 12x36 supera esse limite, e, por isso, deve ser vista com muitas reservas.

A reforma trabalhista alterou a CLT, passando a prever a jornada 12x36, que, na prática, já era muito comum, especialmente nas áreas de portaria, vigilância e saúde. Vejamos a redação da nova lei:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 e em leis específicas, é fa-cultado às partes, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou inde-nizados os intervalos para repouso e alimentação.

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§ 1º A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no ca-put abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remune-rado e pelo descanso em feriados e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 5º do art. 73. § 2º É facultado às entidades atuantes no setor de saúde estabelecer, por meio de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indeniza-dos os intervalos para repouso e alimentação.

Como se vê, o novo regime só pode ser ajustado “por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”. Ou seja: os trabalhadores só poderão ser submetidos a essa escala mediante ajuste prévio entre o sindicato profissional e a empresa (ou seu sindicato).

Chama atenção a possibilidade de se combinar que o intervalo intrajornada (que analisaremos logo adiante) possa ser “indenizado”. Ou, em outras palavras: que o empregado possa trabalhar por 12h seguidas sem qualquer interrupção, nem mesmo para fazer sua refeição (ou fazendo sua refeição enquanto traba-lha). Esta regra vem sendo muito criticada, e por isso pode ser revista. Afinal, é desumano exigir que um trabalhador permaneça por 12h sem descanso em seu posto de trabalho, em especial atuando em ramo de vigilância, em que se exige atenção permanente.

Aliás, se analisarmos a área de saúde, perceberemos que o legislador dedicou um parágrafo específico (o §2º), e foi menos restritivo, do ponto de vista formal: passou a permitir que os empregados em questão possam ser submetidos à es-cala 12x36 por mero acordo individual (ou seja, apenas entre patrão e emprega-do), mantido o mesmo regime de “indenização” do período de intervalo. A crítica, em relação ao intervalo, permanece, merecendo, aliás, uma reflexão:

Você se sentiria tranquilo sabendo que, no hospital em que um querido ente seu está internado, os trabalhadores são sub-metidos a uma jornada de 12h seguidas de trabalho? Pense a respeito.

Sobre a forma de pagamento, também há uma modificação importante na nova lei: trata-se da imposição de que a remuneração do empregado submetido à escala 12x36 abrange os dias de descanso, os feriados, e as prorrogações de trabalho noturno (§1º retro). Este ponto merece maiores explicações.

Em relação aos dias de descanso, a questão é até simples. Afinal, se fizermos a conta quanto aos dias trabalhados, perceberemos que o empregado atuando na escala 12x36 trabalha 15 dias por mês em média, o que quer dizer que tem folga nos outros 15 dias do mês. Neste caso, é razoável supor que, no seu salário mensal, os dias trabalhados já estejam remunerados (caso o empregado tenha sido contratado com um salário mensal).

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Já no que diz respeito aos feriados, a situação é mais complexa. Vejamos.

Todo empregado tem direito de descansar nos feriados. Mas, se o emprega-dor exigir trabalho em tais dias, o trabalhador tem o direito a uma folga compen-satória ou ao pagamento em dobro, como determina o artigo 9º, parte final, da Lei n.º 605/1949:

Art. 9º Nas atividades em que não for possível, em virtu-de das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remunera-ção será paga em dobro, salvo se o empregador determi-nar outro dia de folga.

O que a reforma trabalhista fez, portanto, foi estabelecer que o empregado sujeito à escala 12x36, mesmo trabalhando em feriado, não tem direito a mais um dia de compensação ou ao pagamento em dobro pelo dia trabalhado. E, nes-te caso, não há dúvida de que a mudança tirou um direito do empregado sub-metido a tal condição.

Se calcularmos o tempo de jornada total mensal do empregado em esca-la 12x36, veremos que o número de horas trabalhadas por mês é muito pare-cido com o do empregado sujeito à escala normal (8h diárias e 44h semanais). Façamos a conta.

No caso do empregado sujeito à escala 12x36, multiplica-se 12 (horas) por 15 (dias trabalhados por mês), totalizando 180. Ou seja: ele trabalha por 180h por mês. O empregado “comum” trabalha, em média, 7,33h por dia (pois 44h dividi-das por 6 dias trabalhados redundam em 7,33), que, multiplicadas por 26 (dias trabalhados por mês, que são 30 menos as quatro folgas mensais, sendo uma por semana), totalizam 190,58. Ou seja: ele trabalha 190,58h por mês.

Ocorre que há, em média, um feriado por mês no ano (há meses em que não há, mas há meses, como novembro e dezembro, em que há dois feriados). Isto quer dizer que o empregado “comum” trabalha um dia a menos que os 26 considerados, o que contabiliza uma jornada de 183,25h. Como se vê, muito próxima da jornada do empregado sujeito à escala 12x36. E se o empregado que faz 183,25h trabalhar no feriado (sem folga compensatória), receberá as 7,33h relativas a tal dia em dobro, como manda a lei. Já o empregado sujeito à escala 12x36 nada receberá, mesmo tendo trabalhado no feriado sem uma folga como compensação.

Ou seja: a mudança retirou um direito, e justamente do empregado que de-sempenha a jornada mais cansativa (12h por dia), o que, possivelmente, será analisado com muita restrição pelos Tribunais.

Além do exposto, também é preciso avaliar as prorrogações do trabalho no-turno, em relação às quais a nova lei dispõe que o empregado sujeito à jornada 12x36 não faz jus. Mais uma vez, trata-se de um direito retirado do empregado. Analisemos mais a fundo.

Pela CLT, a hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos. Trata-se de uma ficção legal, benéfica ao empregado, usada como uma forma de compensar o trabalhador sujeito a uma situação mais penosa, que é a de trabalhar em um período em que o corpo naturalmente tende a procurar descanso.

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Nessa forma de cômputo, o empregado que permanece por 7h trabalhando em jornada noturna (ou seja, das 22h às 5h), recebe como se houvesse trabalha-do por 8h, pois cada hora equivale a 1,1428h, o que é fruto da conta: 60 (minutos que compõem a hora normal) / 52,5 (minutos que compõem a hora noturna. Multiplicando-se 1,1428 por 7h, tem-se 8h.

Quando o empregado trabalha além dessas 7h, a CLT estabelece mais um direito: o de que todas as horas trabalhadas em prorrogação sejam computadas como horas noturnas. Assim, se, por exemplo, um empregado ingressa às 22h e encerra sua jornada às 7h, as 9h trabalhadas serão consideradas noturnas, e, portanto, serão multiplicadas por 1,1428. No exemplo, o empregado deverá ter o reconhecimento de uma jornada total de 10,2852h, fruto da multiplicação de 9 por 1,1428.

O que a reforma trabalhista faz, ao dispor no §1º do artigo 59-A da CLT que a remuneração mensal do empregado sujeito à escala 12x36 abrange as prorro-gações do trabalho noturno, é simplesmente excluir tal trabalhador do direito mencionado. Assim, se o empregado trabalhar, por exemplo, das 19h às 7h, não fará jus ao cômputo da hora noturna reduzida para as horas trabalhadas entre 5h e 7h, mas ao pagamento exclusivamente das horas normais da escala de 12h.

A mudança, como se vê, é prejudicial ao empregado sujeito a uma escala já desgastante, o que, com a perspectiva de inexistência de intervalo intrajornada (como já visto), poderá contribuir, em muito, para a ocorrência de doenças rela-cionadas ao trabalho.

Por fim, é preciso também observar que, historicamente, a lei protege os tra-balhadores sujeitos a condições insalubres, estabelecendo restrições à prorro-gação de jornada em tais atividades. Isso vem disposto no artigo 60 da CLT, que prevê:

Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio, quaisquer prorrogações só pode-rão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades compe-tentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos méto-dos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.

Porém, também nessa cláusula relevante do ponto de vista da saúde e se-gurança no trabalho a reforma promoveu uma alteração importante. É que, de acordo com o parágrafo único do próprio artigo 60 da CLT, “excetuam-se da exi-gência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso”.

Ou seja: a nova regra passa a permitir que empregados que trabalham em locais insalubres e sujeitos à escala 12x36 poderão desempenhar tal jornada sem a necessidade de uma licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho. A mudança é preocupante: afinal, permite que os traba-lhadores sejam submetidos a condição degradante à saúde, em regime de pror-rogação (e, conforme determinadas situações, sem intervalo intrajornada), o que traduz inequívoco risco à sua segurança no trabalho. Tal matéria, assim como nas demais analisadas neste tópico, será objeto de muita discussão nos Tribunais,

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não havendo, no momento, qualquer definição quanto ao rumo que a matéria deverá seguir no âmbito do Poder Judiciário.

Fique atento: se o regime analisado neste item não for previamente ajusta-do por acordo ou convenção coletiva (ou se inexistir acordo individual no caso do empregado da saúde), o empregado terá direito a horas extras, que poderão ser todas as trabalhadas além da oitava diária, ou, no mínimo, ao adicional de 50% sobre as horas trabalhadas além da oitava diária.

Regime de tempo parcial.

Quando o empregado é contratado para trabalhar por uma jornada menor que a máxima permitida, poderemos estar diante do chamado regime de tempo parcial, previsto no novo artigo 58-A da CLT, que, com a redação dada pela refor-ma trabalhista, prevê o seguinte:

Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acrésci-mo de até seis horas suplementares semanais. § 1o O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo par-cial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral. § 2o Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva.§ 3º As horas suplementares à duração do trabalho semanal normal serão pagas com o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-hora normal. § 4o Na hipótese de o contrato de trabalho em regime de tempo par-cial ser estabelecido em número inferior a vinte e seis horas semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão consideradas horas extras para fins do pagamento estipulado no § 3o, estando também limitadas a seis horas suplementares semanais. § 5o As horas suplementares da jornada de trabalho normal poderão ser compensadas diretamente até a semana imediatamente posterior à da sua execução, devendo ser feita a sua quitação na folha de paga-mento do mês subsequente, caso não sejam compensadas. § 6o É facultado ao empregado contratado sob regime de tempo par-cial converter um terço do período de férias a que tiver direito em abo-no pecuniário. § 7o As férias do regime de tempo parcial são regidas pelo disposto no art. 130 desta Consolidação.

O contrato em regime de tempo parcial tem de ser expressamente previsto no contrato. Nele, o empregador pagará ao empregado um salário proporcional ao salário mínimo (ou, se existir, o salário pago aos trabalhadores sujeitos ao re-gime integral na mesma empresa). Isto quer dizer que, mesmo que o valor pago por mês seja inferior ao salário mínimo mensal (ou ao pago aos colegas em jor-nada integral), é possível que não haja ilegalidade, pois a Justiça do Trabalho vem entendendo que, desde que se respeite o chamado “salário-hora” equivalente ao mínimo (ou ao pago aos colegas, se for o caso), a contratação será válida.

Exemplo: supondo que uma empresa não se submeta a qualquer piso previs-to em acordo ou convenção coletiva, ela terá de pagar aos seus empregados ao menos o valor do salário mínimo. Sabemos que, desde 1º de janeiro de 2018, o

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salário mínimo nacional é de R$954,00 (novecentos e cinquenta e quatro re-ais), o que quer dizer que este é o valor mínimo para pagamento de uma jornada de 8h diárias e 44h semanais (a jornada padronizada pela Constituição, como já vimos). Se o empregado for contratado pelo regime de tempo parcial para pres-tar 30h semanais, deverá receber, no mínimo, o valor proporcional ao número de horas trabalhadas, com base no salário mínimo.

No caso, o valor do salário mínimo por hora é de R$4,33 (resultado da divisão de R$954,00 por 220, que é o divisor). Já para o empregado que trabalha 30h por semana, o divisor é 150, pois 30h (jornada semanal) divididas por 6 (dias traba-lhados por semana), multiplicadas por 30 (número de dias do mês), resultam em 150. Multiplicando-se R$4,33 por 150, tem-se R$649,50, sendo este, portanto, o salário mínimo para o empregado submetido a uma jornada reduzida de 30h por semana.

Por outro lado, se houver colegas sujeitos a jornada integral recebendo salá-rio superior ao mínimo, o empregado sujeito ao regime parcial deverá, obrigato-riamente, receber o mesmo salário-hora dos colegas, como dispõe o já transcrito §1º do artigo 58-A da CLT.

Até a reforma, as regras para a contratação pelo regime de tempo parcial eram mais rígidas: a jornada máxima permitida era de 25h por semana, e era ve-dada a realização de horas extras. A partir de agora, a jornada máxima pode ser fixada em 30h semanais. Além disso, a lei passa a autorizar a realização de horas extras. Porém, para que elas sejam exigíveis, a jornada máxima somente poderá ser fixada em até 26h por semana. Ainda assim, só serão permitidas 6h extras por semana.

Do mesmo modo, como prevê o §4º do artigo 58-A, se houver ajuste entre patrão e empregado de uma jornada menor que 26h semanais, o limite de horas extras também será de 6h por semana, sob pena de se invalidar o próprio tipo de contratação.

É possível, por outro lado, efetuar-se a compensação de horas extras. Porém, para que isto seja válido, a compensação terá de ser feita já na “semana imediata-mente posterior à da sua execução”, sob pena de o empregador ter de arcar com todas as horas trabalhadas além da jornada ajustada.

Por outro lado, não é possível a alteração de contratos em vigor, por mera im-posição do empregador, para que os empregados respectivos passem a se sujei-tar ao regime de tempo parcial. Para que isto ocorra, são necessários dois fatores:

1) previsão em acordo ou convenção coletiva, o que quer dizer que o sindi-cato dos trabalhadores tem de discutir previamente com seus associados essa forma de contratação; e

2) opção expressa manifestada pelo empregado, sob pena de se considerar inválida a alteração, por efetuada em prejuízo do empregado.

Fique atento: o regime de férias no contrato em tempo parcial é idêntico ao regime dos empregados comuns, ou seja, o empregado terá direito a 30 dias de férias e à conversão de 1/3 do período em dinheiro. Até a reforma, havia duas diferenças: as férias eram proporcionais à jornada, e não se permitia a conversão.

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O intervalo intrajornada.

Todo trabalho contínuo exige dedicação do empregado por período mais longo ao seu empregador. Quando essa duração supera 4h em um mesmo dia, a lei determina ao empregador que conceda um intervalo mínimo de 15 (quinze) minutos, que deverá ser de ao menos 1h nas hipóteses em que a jornada for superior a 6h.

Não há dúvidas de que a concessão de intervalo durante a jornada é impor-tante para o empregado e também para o empregador. Afinal, a alimentação e o descanso são imprescindíveis para que o trabalhador mantenha sua saúde, evitando desgastes psíquico e físico mais elevados, e colaborando diretamente para a redução de acidentes de trabalho.

A lei também sempre previu a possibilidade de existência de acordo indivi-dual ou coletivo prevendo intervalo superior a 1h, podendo chegar a até 2h por jornada.

Tudo isso está regulamentado no artigo 71 e §1º da CLT, que dispõe o seguinte:

Art. 71. Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acor-do escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.§ 1º - Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas.

Em regra, o período de intervalo não será computado no tempo total de jor-nada, o que vem disposto no §2º do próprio artigo 71 da CLT:

§ 2º - Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.

Porém, em determinadas atividades, presumidamente mais desgastantes que as atividades em geral, existem duas peculiaridades principais: 1) a exigência de um intervalo após um tempo menor que 4h de jornada; e 2) a possibilidade de o intervalo não ser deduzido do tempo total de jornada. Bons exemplos de tal distinção são os dos trabalhadores que desempenham atividades permanentes de digitação ou cálculo, em relação aos quais incide o disposto no artigo 72 da CLT:

Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.

Perceba que a lei trata apenas dos casos de “datilografia, escrituração ou cál-culo”, não fazendo menção à atividade de digitação. Porém, esta regra data da década de 1940, em que sequer computador existia. Neste caso (e em inúmeros outros), a leitura da lei deve ser atualizada, para que profissões mais recentes, su-jeitas ao mesmo tipo de desgaste que as atividades clássicas consideradas pelo legislador, sejam enquadradas no dispositivo, cuja intenção maior é justamente a proteção do empregado.

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Outro exemplo em que o intervalo pode ser diferenciado é o do operador de teleatendimento, em relação ao qual há regras muito específicas, dispostas em Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho (n.º 17), que estabelece, em seus itens 5.3 e 5.4, o seguinte:

5.3 O tempo de trabalho em efetiva atividade de teleatendimento/te-lemarketing é de, no máximo, 06 (seis) horas diárias, nele incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração.(...) 5.3.2. Para o cálculo do tempo efetivo em atividade de teleaten-dimento/telemarketing devem ser computados os períodos em que o operador encontra-se no posto de trabalho, os intervalos entre os ciclos laborais e os deslocamentos para solução de questões relacio-nadas ao trabalho.5.4. Para prevenir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombros, dorso e membros superiores, as empresas devem permitir a fruição de pausas de descanso e intervalos para repouso e alimenta-ção aos trabalhadores.5.4.1. As pausas deverão ser concedidas:a) fora do posto de trabalho;b) em 02 (dois) períodos de 10 (dez) minutos contínuos;c) após os primeiros e antes dos últimos 60 (sessenta) minutos de tra-balho em atividade de teleatendimento/telemarketing.5.4.1.1. A instituição de pausas não prejudica o direito ao intervalo obrigatório para repouso e alimentação previsto no §1° do Artigo 71 da CLT.5.4.2. O intervalo para repouso e alimentação para a atividade de tele-atendimento/telemarketing deve ser de 20 (vinte) minutos.5.4.3. Para tempos de trabalho efetivo de teleatendimento/telemarke-ting de até 04 (quatro) horas diárias, deve ser observada a concessão de 01 pausa de descanso contínua de 10 (dez) minutos.

Ou seja: no caso do operador de teleatendimento, além de haver um período de intervalo superior ao fixado pela CLT para os empregados em geral submeti-dos a uma jornada de 6h (20 minutos, em vez dos 15 minutos previstos na CLT), também se exige do empregador a concessão de duas pausas de 10 minutos cada, que não serão deduzidas do tempo de jornada do empregado.

Voltando à regra geral – ou seja, para as jornadas em que a lei exige a conces-são de intervalo mínimo de 1h –, é certo que a CLT sempre possibilitou a redução do período de intervalo. Porém, diante da importância da questão, que, como já mencionado, diz respeito à saúde e segurança do trabalhador, a lei sempre foi muito restritiva a respeito, limitando as possibilidades de redução àquelas des-critas no §3º do artigo 71 da CLT:

§ 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a ho-ras suplementares.

Assim, pacificou-se na Justiça do Trabalho o entendimento segundo o qual só seria permitida a redução do horário de intervalo na forma transcrita, sendo conside-rados inválidas as tentativas de empregadores (e também de empregados, represen-tados por seus sindicatos) de reduzirem o período de alimentação e descanso pela via da negociação coletiva (acordos coletivos e convenções coletivas).

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Porém, é justamente aqui que surge a primeira transformação no assunto em análise oriunda da Reforma Trabalhista. Houve a introdução de um artigo (o 611-A) que passa a dispor que:

A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho (...) têm preva-lência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (...) III - inter-valo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas (...).”

Esta é uma das formas de manifestação do que popularmente vem sendo chamado de “negociado sobre o legislado”, ou seja, de as negociações dos sujei-tos da relação de trabalho (sindicatos, trabalhadores e empregadores) prevale-cerem em relação ao que é disposto na lei como direito mínimo. No exemplo, o que a nova lei deixa claro é que o período de intervalo, fixado em lei em 1h para jornadas superiores a seis horas, poderá ser reduzido para trinta minutos, desde que isso seja convencionado pela via da negociação coletiva.

Mais adiante, iremos tratar mais detidamente da questão relativa ao “nego-ciado sobre o legislado”. Por ora, basta chamarmos a atenção para os riscos que essa mudança poderá ocasionar, eis que, como dito, o intervalo intrajornada é imprescindível para que o empregado recupere suas energias durante a sua jor-nada de trabalho. É possível que, com tão curto tempo de descanso, haja um aumento no número de acidentes de trabalho, o que poderá ocasionar danos ao trabalhador e, também à própria sociedade, pelos custos do tratamento mui-tas vezes despendido pelo Estado (Sistema Único de Saúde) e, também pelos reflexos previdenciários (aumento da concessão de benefícios como o auxílio--doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez).

Por fim, outra mudança relevante vinda com a reforma trabalhista é digna de nota. Trata-se da nova regra prevista no §4º do artigo 71 da CLT, que passa a prever o seguinte:

§ 4o A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Trocando em miúdos: se, por exemplo, o empregado com direito a 1h de in-tervalo faz apenas 20 minutos, terá direito ao pagamento de uma indenização ao tempo restante para completar 1h, ou seja, 40 minutos, período este que deverá ter o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da hora normal.

Até a reforma, o entendimento que prevalecia na Justiça do Trabalho era o de que, caso o intervalo fosse concedido a menor, o trabalhador teria direito a uma hora integral (independentemente do tempo de descanso realmente usufruí-do), computada como extraordinária, ou seja, com acréscimo de 50% (cinquen-ta por cento), e reflexos em outras verbas.

O “reflexo” é a utilização do valor correspondente no cálculo de outras verbas computadas com base na remuneração do empregado. Por exemplo: se o em-pregado faz em média dez horas extras por mês durante o ano, tem direito a que se calcule o valor do seu décimo terceiro salário em dezembro com o acréscimo do valor correspondente à média mensal de horas extras durante o ano.

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Com a mudança, mesmo que o empregado deixe de usufruir intervalo regu-larmente, o período correspondente será meramente indenizatório, ou seja, não refletirá nas demais verbas do contrato. Sem dúvida, foi um direito consagrado retirado dos trabalhadores em geral com a reforma trabalhista.

Fique atento: quando estudamos o regime de trabalho em escala 12x36, verificamos no §2º do artigo 59-A da CLT (introduzido pela reforma trabalhista) que, a partir de agora, os trabalhadores sujeitos a tal regime podem, pela ne-gociação coletiva (em regra) ou individualmente (empregados no “setor de saú-de”), ter “indenizados os intervalos para repouso e alimentação”. Isto quer dizer que, não bastasse a sujeição a um regime de longa duração de jornada (12h por dia), tais trabalhadores poderão permanecer por todo o período trabalhado sem qualquer tipo de intervalo.

Evidentemente, essa é uma regra cuja validade é muito discutível, pois pare-ce desconsiderar critérios mínimos de saúde e segurança no trabalho. Caso tal norma realmente seja aplicada, preocupante será a condição de muitos trabalha-dores, como, por exemplo, os vigilantes, que trabalham em constante atenção e que, pela nova regra, poderão permanecer por toda a jornada sem um descanso sequer (ou, mesmo, sem uma alimentação decente). A se conferir.

O “teletrabalho”.

Teletrabalho consiste, na linguagem do artigo 75-B da CLT pós-reforma, na “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empre-gador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Ou seja: o teletrabalho é uma modalidade de contratação em que o empre-gado trabalha, normalmente, fora das dependências do empregador, mas que a ele se conecta por meio dos chamados instrumentos telemáticos, assim con-siderados os aparelhos que unem tecnologias de telefonia com transmissão de dados (smartphones ou notebooks conectados à internet).

Embora muito se discuta sobre uma suposta “grande mudança” nas relações de trabalho com a introdução do regime mencionado, na verdade já havia na CLT desde o ano de 2011 uma previsão eficaz para a caracterização trabalho à distância. Trata-se da disposição contida no artigo 6º, que prevê:

Art. 6o. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimen-to do empregador, o executado no domicílio do empregado e o rea-lizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídi-ca, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Porém, ainda que pareça que o legislador reformista apenas tenha reiterado a regra antiga, o fato é que a nova regra trouxe consigo algumas outras peculia-ridades, que, em parte, contradizem a regra geral prevista no artigo 6º. Vamos a elas.

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Com a reforma, a CLT passa a prever, no artigo 75-C, que “a prestação de ser-viços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado”. Ou seja: o legislador impõe uma formalidade que, se não observada pelo empregador, pode ensejar a descaracterização do regime.

Ainda assim, é certo que o Direito do Trabalho é informado pelo princípio da primazia da realidade sobre a forma, o que quer dizer que, independentemente do que as partes (patrão e empregado) tenham colocado no papel, prevalece o que de fato aconteceu entre eles. Ou seja: mesmo que o empregador não deixe escrito no contrato que haverá a sujeição do empregado ao regime de teletraba-lho, as regras aplicáveis a tal modalidade de contratação serão aplicáveis se, na situação de fato, concretizar-se verdadeiro teletrabalho. O contrário também é verdadeiro. Ou seja: se ficar consignado que o regime de contratação se dá pelo teletrabalho, mas, de fato, o empregado permanecer nas dependências do em-pregador, prevalecerá o contrato presencial, não à distância.

Essa distinção é muito importante quando analisamos o regime de jornada do empregado sujeito à contratação pelo teletrabalho. É que, com a introdução da nova modalidade, o legislador também passou a prever que está excluído da limitação de jornada (assim também do direito a adicional noturno e intervalo in-trajornada) o empregado em regime de teletrabalho (CLT, artigo 62, III). Acontece que, se ficar demonstrado que, mesmo em regime de teletrabalho, o empregado permanece sujeito a controle de horários, fará jus ao pagamento de horas extras (inclusive de intervalos e adicional noturno), justamente porque o que manda é a situação de fato, não o que está formalizado entre as partes.

É importante observarmos, nesse ponto, que a introdução de novas tecnolo-gias de informática na sociedade serviu como uma forma até de maior controle sobre o tempo em que de fato estamos conectados a determinada atividade. Basta observarmos, por exemplo, aplicativos como o Uber, em que é possível acompanhar o deslocamento do veículo chamado da tela do próprio telefone celular. Nessa linha de raciocínio, se o empregado estiver na própria residência conectado ao empregador por algum tipo de programa, é certo que será possí-vel ao patrão aferir quantas horas o empregado está dedicando ao trabalho, sendo, portanto, perfeitamente possível pagar-lhe horas extras quando essa dedicação superar os limites legais de jornada (8h diárias e 44h semanais).

Obviamente, poderão existir situações extremas em que o empregado está conectado a determinado sistema do empregador, embora no desempenho de outras atividades. Neste caso, ficando comprovada tal situação, não será justo que o empregador pague tais horas extras. Só a situação concreta dará a resposta.

Ainda tratando de jornada, é relevante notar que o mero comparecimento do empregado em regime de teletrabalho às dependências do empregador para determinadas atividades não afasta a incidência de tal regime. Porém, se ficar demonstrado que o comparecimento é habitual, ou seja, diversas vezes durante a semana, poderá ficar descaracterizado o regime de trabalho à distância.

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Para os contratos em vigor por ocasião da entrada em vigor da reforma traba-lhista (ou seja, em 11 de novembro de 2017, a regra é que possa existir alteração de regime, seja por acordo entre as partes – devidamente registrado no contrato –, seja por ordem do empregador. Mas, neste último caso, será garantido ao em-pregado um prazo de transição mínimo de quinze dias entre os regimes. Tudo isso está previsto no artigo 75-C, §§1º e 2º da nova CLT.

Por outro lado, a CLT reformada ainda estipula que:

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsa-bilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

Esses dois dispositivos devem ser lidos em conformidade com o disposto no artigo 2º da CLT, que prevê que cabe ao empregador, exclusivamente, assumir os riscos da atividade que desempenha. Ou seja:

1) a aquisição e o uso dos equipamentos para o trabalho à distância devem ficar a cargo exclusivo do empregador, pois qualquer ônus deve ser arcado por ele; aliás, é cabível (e recomendável) que se estabeleça que o empregador tem a obrigação de arcar também com os gastos despendidos na residência do empre-gado, como a energia elétrica e o acesso à internet;

2) o fato de o empregado assinar um termo de responsabilidade obrigando--se a seguir orientações sobre como realizar seu trabalho à distância não isenta o empregador de responsabilidade por doenças relacionadas à sua atividade, que deverão ser analisadas de acordo com sua atividade. Assim, se o trabalhador desenvolver uma tendinite, e ficar comprovado que a sua atividade poderia fazer desencadear tal doença, caberá ao empregador demonstrar que o problema não tinha relação com o trabalho, presumindo-se o contrário caso essa prova não seja feita.

Por fim, vale destacar que os instrumentos usados para o trabalho (como computador, móveis de escritório relacionados à atividade, telefone celular e acesso à internet) não integram a remuneração do empregado, o que quer dizer que não serão tratados como salário, mas mero custeio das atividades. Nessa li-nha, o já consagrado artigo 458, §2º, inciso I da CLT:

[...] não serão consideradas como salário as seguintes utilidades con-cedidas pelo empregador:I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos em-pregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço.

Fique atento: ao decidir transferir o local de trabalho para a residência do empregado, o empregador mantém as mesmas responsabilidades que tem com relação aos trabalhadores que desempenham suas atividades nas dependências da empresa. Por outro lado, é evidente que o regime de trabalho em questão

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pode ser benéfico aos dois contratantes, desde que não sirva como uma forma para que o empregador deixe de se responsabilizar por direitos de seu emprega-do, como é o caso do pagamento de horas extras e dos custos da manutenção do negócio.

Férias.

Em relação às férias, a reforma trabalhista promoveu três alterações relevan-tes. Uma delas consiste no fim da obrigatoriedade de que as férias do emprega-do menor de 18 (dezoito) anos ou do maior de 50 (cinquenta) anos sejam goza-das de uma só vez. Houve, nesse sentido, a revogação do §2º do artigo 134 da CLT, que impedia o fracionamento. As outras duas mudanças estão dispostas no artigo 134 da CLT modificada, estabelecendo que:

Art. 134. [...] §1º Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferio-res a cinco dias corridos, cada um. [...] § 3o É vedado o início das férias no período de dois dias que ante-cede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

Até a reforma, as férias somente poderiam ser fracionadas em dois períodos, sendo que um deles não poderia ser inferior a dez dias corridos. A partir de ago-ra, o fracionamento poderá ser feito em até três períodos, mas desde que o em-pregado concorde (ou seja, não poderá haver imposição do fracionamento pelo empregador). Além disso, um dos períodos terá de contar com quatorze dias cor-ridos, e o menor tempo dos demais terá de ser de cinco dias.

Por outro lado, a mudança também atinge o dia do início das férias. Para im-pedir que o empregado tenha de sair em férias em dia que não lhe seja interes-sante (por exemplo, logo antes de um feriado em que ele normalmente folgaria, ou de uma folga semanal), o legislador passou a impor que o início das férias ne-cessariamente terá de ocorrer até dois dias antes do feriado ou da folga semanal.

É importante observar que o desrespeito às novas regras ensejará a respon-sabilidade do empregador pelo pagamento em dobro da respectiva remunera-ção das férias, tal como previsto no artigo 137 da CLT:

Art. 137 - Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.

Multa por ausência de anotação na Carteira de Trabalho.

A anotação do vínculo de emprego na Carteira de Trabalho (CTPS) do empre-gado constitui uma das obrigações mais fundamentais, básicas e importantes que o empregador possui, estando disposta no artigo 41 da CLT:

Art. 41 - Em todas as atividades será obrigatório para o empregador o registro dos respectivos trabalhadores, podendo ser adotados livros, fichas ou sistema eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho.Parágrafo único - Além da qualificação civil ou profissional de cada trabalhador, deverão ser anotados todos os dados relativos à sua ad-missão no emprego, duração e efetividade do trabalho, a férias, aciden-tes e demais circunstâncias que interessem à proteção do trabalhador.

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Com a reforma trabalhista, a CLT passou a prever multa mais elevada quando o empregado for flagrado sem cumprir tal obrigação.

Antes estava previsto pagamento de multa de 1 (um) salário mínimo, ao pas-so que agora essa multa será no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por empre-gado não registrado. Essa multa dobra em cada hipótese de reincidência. Apenas para microempresas e empresas de pequeno porte que essa multa é reduzida para R$ 800,00 (oitocentos reais) por empregado não registrado.

Tal tipo de multa é exceção ao critério da dupla visita, tamanha a importância da obrigação legal em se anotar a CTPS. Ou seja, se o empregador for flagrado por um Auditor Fiscal do Trabalho violando tal dever legal, será desde já multa-do, não havendo que se falar em apenas ser orientado/alertado pelo Auditor na primeira ocasião em que for flagrado praticando essa infração.

A multa é menor, de R$ 600,00 (seiscentos reais) por empregado, nas demais violações descritas no parágrafo único do artigo 41 da CLT (anotação de dados relativos ao contrato de emprego), tais como não anotação das férias, aumentos salariais, acidentes de trabalho, etc.

Alguns juristas entendem que essa multa pode ser aplicada somente pelo Auditor Fiscal do Trabalho em razão da redação do artigo 48 da CLT (que estabe-lece que serão aplicadas pela Secretaria Regional do Trabalho), havendo dúvidas se pode ser aplicada pelo juiz em sentença. Alguns juízes encaminham sua sen-tença para a Secretaria Regional do Trabalho (órgão do Ministério do Trabalho) para que, então, os Auditores Fiscais do Trabalho apliquem a referida multa.

Quanto ao valor da multa, entendem vários juristas que ele deve ser rever-tido para a União, e não para o empregado. Há interpretações diferenciadas, portanto.

Abaixo, transcrevemos as alterações dispostas na CLT sobre o tema em estudo:

Art. 47. O empregador que mantiver empregado não registrado nos termos do art. 41 desta Consolidação ficará sujeito a multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência.§ 1o Especificamente quanto à infração a que se refere o caput deste artigo, o valor final da multa aplicada será de R$ 800,00 (oitocentos re-ais) por empregado não registrado, quando se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte.§ 2o A infração de que trata o caput deste artigo constitui exceção ao critério da dupla visita.Art. 47-A. Na hipótese de não serem informados os dados a que se refere o parágrafo único do art. 41 desta Consolidação, o empregador ficará sujeito à multa de R$ 600,00 (seiscentos reais) por empregado prejudicado.

O dano extrapatrimonial.

Com a publicação da lei da reforma trabalhista (lei 13.467 de 12/07/17), o legislador criou na CLT o Título II-A denominado “Do dano extrapatrimonial” (ar-tigos 223-A a 223-G da CLT).

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Dano moral é todo ou qualquer dano que não seja patrimonial. É a lesão aos direitos da personalidade. É o dano que resulta em sofrimento humano, que não resulta em uma perda pecuniária. Exemplos: a dor pela perda de um braço, pela perda de um ente querido, pela humilhação sofrida na frente de outros colegas de trabalho, pela subtração do seu tempo de convívio com a família, etc.

A nova terminologia utilizada pelo legislador, “dano extrapatrimonial”, visa ampliar o alcance da expressão “dano moral”, posto que o dano moral em sen-tido lato abrange o dano estético, o dano existencial, assim como o dano moral em sentido estrito.

Titulares desse direito.

Diz o artigo 223-B da CLT que as pessoas física e jurídica são titulares “exclusi-vos” do direito à reparação. Assim, alguns doutrinadores passaram a questionar se o legislador extinguiu o chamado dano moral coletivo (a coletividade como titular do direito à reparação), ou mesmo a possibilidade de reparação a herdei-ros ou aqueles que sofreram danos reflexos.

São inúmeras as ações que tramitam na Justiça do Trabalho, muitas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, que visam à reparação de danos causados a uma coletividade, a um grupo de pessoas. Exemplo: grupo de funcionários de uma grande multinacional expostos a humilhações em reuniões periódicas ou submetidos a jornadas escorchantes, etc.

E como pelo nosso ordenamento jurídico é inadmissível a existência de um dano que não possa ser reparado, entende-se que a melhor corrente é a que defende que permanece a coletividade também como titular do direito à repara-ção do dano extrapatrimonial. Entendimento contrário representaria retrocesso social.

Ao mesmo tempo, são comuns os casos em que pessoas não diretamente relacionadas à atividade do empregador sofrem danos com o ato ilícito sofrido pelo empregado no ambiente de trabalho. Exemplos claros são os familiares que perdem o convívio com o ente querido que morre em um acidente de trabalho, ou mesmo aqueles que, por certo tempo, sofrem um afastamento, em função de internação hospitalar oriunda de algum acidente grave. Nesse sentido, melhor é considerar que os novos dispositivos da CLT vêm para tratar de situações outras, que não acidentes de trabalho, sob pena de se excluir uma série de afetados indiretamente com eventos ligados ao contrato de trabalho.

Os bens considerados extrapatrimonais.

Pela literalidade da CLT, são tutelados como bens extrapatrimoniais a etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer, a integridade física (artigo 223-C da CLT), assim como o nome, a marca, o segredo empresarial (arti-go 223-D da CLT) dentre outros. Por certo que tais bens foram mencionados pela lei de forma exemplificativa e não taxativa, máxime quando se nota que o direito à privacidade, respaldado pelo artigo 5º, X da CF, por exemplo, não foi elencado pelo legislador.

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“Tarifação” do dano extrapatrimonial.

Seguindo a análise do tema dano extrapatrimonial, chama a atenção dos operadores do direito outro grande retrocesso social que se viu na reforma traba-lhista. Assim, diz o artigo 223-G, § 1º da CLT que o juiz, ao julgar e analisar o dano extrapatrimonial, fixará a reparação a ser paga consoante os valores máximos que expressamente ali se apontou.

Estabeleceram-se, por norma infraconstitucional, limites de valores para a reparação do dano extrapatrimonial, como se o dano moral pudesse ser tari-fado no Direito do Trabalho. Isso sem contar que antes da chegada da Medida Provisória n.º 808/2017, a Lei n.º 13.467/2017 havia outrora tarifado o dano moral de acordo com o valor do salário do empregado, como se a dor moral pudesse ser medida pelo valor do salário de qualquer pessoa.

De uma forma ou de outra, ainda como está, tal ponto da reforma trabalhista é alvo de muita polêmica. É inadmissível imaginar que a dor moral, o sofrimen-to de uma pessoa, possa ser tabelada e imposta dentro de critérios tão rígidos como fez a lei infraconstitucional. Somente um juiz, após análise detida de um caso concreto, poderá melhor mensurar a indenização mais justa para a situação que se coloca.

Não é tarde em se lembrar que o artigo 5º, inciso V da Constituição Federal tutela que o dano deva ser reparado de forma proporcional ao tamanho da ofen-sa. Não há como se conceber limites para reparar bens que não são precificáveis. Por certo que a doutrina e a jurisprudência ainda caminharão para a melhor in-terpretação da lei, de forma que não será surpresa se o Judiciário, por meio do controle concentrado (pelo Supremo Tribunal Federal) ou difuso (por qualquer juiz), declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo novo da CLT.

Apenas para reflexão, e considerando os limites estabelecidos pela nova le-gislação, uma indenização por dano extrapatrimonial poderia atingir o valor má-ximo de R$ 282.290,00 (50 vezes o valor do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social – valor atualizado em janeiro de 2018). Seria esse valor ra-zoável para todo e qualquer tipo de dor moral analisada por um juiz? Nenhum caso concreto poderia resultar em indenização em valor superior? Enfim...se-guem tais indagações para reflexão do leitor.

Apenas para finalizar, e não menos importante, cumpre mencionar que, por expressa previsão legal, tais tarifações do § 1º do artigo 223-G da CLT só não se aplicam aos danos extrapatrimoniais decorrentes de morte.

Outros parâmetros para fixação da indenização.

Por outro lado, andou bem o legislador quando pontuou expressamente na legislação questões a serem consideradas pelo juiz ao analisar o caso concreto e precificar o valor do dano extrapatrimonial. São questões que auxiliam na ampla reflexão que deve um magistrado fazer antes de precificar a dor/sofrimento de um ser humano em relação à violação dos seus direitos da personalidade.

Nesse sentido, a nova regra disposta no artigo 223-G da CLT estabelece que, ao apreciar o pedido, o juiz deverá considerar:

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I- a natureza do bem jurídico tutelado; II- a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III- a possibilidade de superação física ou psico-lógica; IV- os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.

A insalubridade e a gestante ou lactante:

É direito da gestante ou da lactante (mãe em período de amamentação) per-manecer trabalhando nos períodos de gestação e amamentação. Porém, quando as atividades são desempenhadas em local insalubre, a lei estabelece restrições, para preservar a saúde da trabalhadora e de seu filho.

De acordo com uma lei recente (de 2016), era terminantemente proibido que a gestante ou lactante permanecesse trabalhando em atividades insalubres.

A reforma trabalhista veio para flexibilizar a regra proibitiva. Pela Lei n.º 13.467/2017, passou-se a dispor que a gestante seria afastada de suas atividades somente se estivesse sujeita a insalubridade em grau máximo. Por outro lado, se a insalubridade existente no local de trabalho fosse de grau médio ou mínimo, ela somente seria afastada se médico de sua confiança assim atestasse.

Ao mesmo tempo, para a lactante foi estipulado que, independentemente do grau de insalubridade (mínimo, médio ou máximo), haveria o afastamento das atividades apenas se médico de sua confiança assim atestasse.

Pela Medida Provisória n.º 808/2017, que entrou em vigor apenas três dias depois da vigência da reforma trabalhista, a CLT foi novamente modificada, mas manteve, na essência, o que a Lei n.º 13.467/2017 (reforma) estabelecera. Definiu:

Art. 394-A. A empregada gestante será afastada, enquanto durar a gestação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres e exercerá suas atividades em local salubre, excluído, nesse caso, o pa-gamento de adicional de insalubridade. [...] § 2º O exercício de atividades e operações insalubres em grau mé-dio ou mínimo, pela gestante, somente será permitido quando ela, vo-luntariamente, apresentar atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que autorize a sua permanência no exercício de suas atividades. § 3º A empregada lactante será afastada de atividades e operações consideradas insalubres em qualquer grau quando apresentar ates-tado de saúde emitido por médico de sua confiança, do sistema pri-vado ou público de saúde, que recomende o afastamento durante a lactação.

As mudanças mencionadas vêm gerando muita discussão no meio trabalhis-ta. Isso porque é notória a dificuldade que o médico da trabalhadora tem de de-tectar a existência de insalubridade no ambiente de trabalho desta, por sequer conhecer a sua realidade. Afinal, é absolutamente incomum que um médico saia de seu consultório e vá até o local de trabalho de sua paciente para verificar as condições da empresa e atestar com tranquilidade que o ambiente não gera ris-cos à saúde da mãe e da criança.

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Por outro lado, os empregadores em geral discutiam muito a falta de flexibi-lidade da regra anterior, que simplesmente impunha o afastamento da gestante e da lactante de qualquer atividade insalubre. Segundo os patrões, tal impossi-bilidade tornava inviável o regular desempenho de trabalhos em áreas em que é comum a existência de empregadas do sexo feminino, como hospitais e centros de saúde em geral. Nessa linha, a norma anterior poderia prejudicar até mesmo a contratação de mulheres, por conta de dificuldades futuras para seu emprega-dor no remanejamento das empregadas sujeitas a ambiente insalubre.

A melhor saída parece ser o bom-senso, especialmente dos empregadores. Tendo ciência de que determinado ambiente é insalubre (e essa é uma respon-sabilidade que incumbe ao empregador), cabe ao patrão efetuar um remaneja-mento de trabalhadores, impedindo, com isso, qualquer risco à saúde da traba-lhadora e de seu bebê.

O trabalhador autônomo.

Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (art. 3º da CLT). São, portanto, requisitos do vínculo de emprego: a pessoalidade, a con-tinuidade (não eventualidade), a onerosidade e a subordinação jurídica.

Alguns ainda incluem como requisito da relação de emprego a alteridade, que é a assunção dos riscos do negócio por parte do empregador.

Por outro lado, em sentido oposto, temos o chamado trabalhador autônomo, que é aquele que exerce sua atividade de forma independente (por conta pró-pria), sem subordinação, assumindo os riscos de sua atividade.

Dentre as inúmeras ações que tramitam na Justiça do Trabalho, muitas di-zem respeito à discussão acerca da existência ou não do vínculo de emprego. Isso porque é comum que se dê esse rótulo a profissionais que são, na verdade, empregados (fraude nas relações de trabalho para fugir das responsabilidades decorrentes do vínculo de emprego). Contudo, é certo que inúmeras vezes em tais lides é difícil fechar a conclusão de forma contundente, posto ser comum a existência de casos concretos que se situam na chamada zona grise, cinzenta. Temos como exemplo o corretor de imóveis, o motorista da Uber, etc.

São exemplos de trabalhadores autônomos o faxineiro diarista e os profissio-nais liberais (tal como dentista, médico, advogado, engenheiro, contador, etc.). Mas, a teor dos referidos exemplos, é também perfeitamente possível encon-trarmos um advogado ou médico que atue na condição de empregado (quando preenchidos os requisitos do vínculo de emprego).

Cláusula de exclusividade.

O artigo 442-B foi introduzido na CLT pela reforma trabalhista com a introdu-ção de definir o que venha a ser um trabalhador autônomo. Na verdade, a defi-nição se dá por exclusão, sendo considerado trabalhador autônomo aquele que não se enquadra nos requisitos legais para ser reconhecido como empregado. É como dispõe o mencionado artigo de lei:

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Artigo 442-B A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.

É bom que se diga que a expressão “cumpridas por este todas as formalida-des legais” não muda, se a situação de fato indicar que se trata de verdadeiro empregado. Em outras palavras, ainda que haja um contrato estabelecendo que o trabalhador contratado é autônomo, se, na situação de fato, ele agir como ver-dadeiro empregado, o vínculo autônomo será afastado, com o reconhecimento do vínculo empregatício. Trata-se de aplicação prática de um princípio de Direito do Trabalho, o da primazia da realidade sobre a forma, que quer dizer que pre-valecerá o que de fato se concretizou entre as partes, em detrimento do que foi formalizado. No Direito Civil, há disposição semelhante no artigo 112 do Código Civil:

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção ne-las consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Por outro lado, dispõem os §§1º e 2º do artigo 442-B:

§ 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato previsto no caput.§ 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.

Como se vê, o legislador passou a prever expressamente a proibição de se contratar o trabalhador autônomo com cláusula de exclusividade. Isso significa que o genuíno empregado autônomo pode atuar prestando seus serviços para diversas pessoas e empresas, não podendo o contratante exigir do autônomo que atue para aquele com exclusividade por força da disposição legal destacada.

Mas, nada obstante a proibição supra, é perfeitamente possível que o contra-to de trabalho do autônomo seja executado de forma contínua para um só to-mador, ou seja, sempre para uma mesma empresa ou pessoa ao longo de grande período (§ 2º do artigo 442-B da CLT). O que não pode é uma empresa exigir do autônomo que lhe preste serviços com exclusividade. É uma decisão que cabe ao trabalhador, portanto, já que atua de forma autônoma.

Serviços de qualquer natureza. Mesma atividade econômica do contratante.

O novo §3º do artigo 442-B da CLT modificada prevê:

§ 3º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a ou-tros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclu-sive como autônomo.

Assim, também é perfeitamente possível que tenhamos, por exemplo, um advogado autônomo que contrate outro advogado autônomo para fazer um pa-recer sobre determinada área especializada do Direito. Da mesma forma, pode-mos ter um escritório de advocacia contratando um advogado autônomo para lhe entregar um parecer sobre determinada matéria. O § 7º do artigo em análise reitera a mesma matéria aqui explanada.

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Recusa do serviço.

Como já visto, uma das características do trabalhador autônomo é poder atuar com liberdade, definindo o tempo e modo de operar o serviço, inclusive lançando seu preço. Mas, com o intuito de enaltecer a segurança e estabilidade das relações/contratações, é possível que as partes entabulem no contrato uma cláusula de penalidade para a hipótese de o autônomo deixar o contratante a ver navios.

Trata-se da previsão contida no §4º do artigo 442-B da nova CLT,

§ 4º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláu-sula de penalidade prevista em contrato.

Subordinação.

Consoante a redação do § 6º do artigo 442-B da CLT, presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo de emprego.

Aqui o legislador apenas reiterou o óbvio ululante, ou seja: se o trabalhador atua sob comando, obediência, ordem, submissão, dependência hierárquica de outrem, então deixa de ser enquadrado como autônomo.

Um autônomo genuíno tem autonomia para negociar o valor do seu serviço, prazo de entrega, forma de execução de suas atividades e não cumpre jornada de trabalho.

O novo “contrato de trabalho intermitente”.

Um dos principais argumentos para a introdução da reforma trabalhista na ordem jurídica brasileira é a necessidade de reduzir a grande informalidade na economia do país e, ao mesmo tempo, o desemprego.

Com a declarada intenção de sanar tais problemas, o legislador introduziu, pela reforma trabalhista, uma nova modalidade de contratação que promete so-lução. Trata-se do contrato de trabalho intermitente, que certamente é contro-vertido, e que exigirá uma grande atenção de todos nós, pelos efeitos precarizan-tes que ele poderá introduzir no mercado de trabalho, caso utilizado como mera forma de baratear os custos da produção.

Passemos a analisar tal regime, talvez a maior modificação de todas as deze-nas e dezenas de regras revisitadas.

O novo artigo 443, §3º da CLT identifica o contrato ora analisado da seguinte forma:

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a pres-tação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, de-terminados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

A partir dos elementos descritos, podemos considerar que a principal dife-rença entre o contrato intermitente e o contrato de trabalho comum está na pe-

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riodicidade de prestação de serviços. Enquanto o trabalhador submetido ao regi-me comum trabalha na maioria dos dias e folga nos demais, o sujeito ao regime intermitente trabalha em pequenos períodos de horas, dias ou meses.

É fácil identificar que essa forma de trabalho busca regulamentar o popular “bico”, aquele trabalho desempenhado por uma ou duas vezes por semana, e que normalmente não é anotado em carteira de trabalho. Pela nova lei, o “bico” é transformado em uma modalidade de contrato, inclusive com a imposição de registro em CTPS.

Certamente, a recorrência deste tipo de contrato será mais comum no comér-cio (especialmente bares e restaurantes), onde a mão-de-obra é mais flutuante, e sujeita aos períodos de maior movimento (fim-de-semana). Ainda assim, a lei prevê que o contrato intermitente poderá ser firmado para qualquer atividade, excetuando os aeronautas.

A julgar pela justificativa dada para a vedação à contratação de aeronautas por este regime (pois “regidos por legislação própria”), é possível considerar que nenhuma atividade regida por legislação própria é alcançada por esta moda-lidade de contratação. Tal conclusão se dá por analogia, pois o legislador não apontou justificativa distinta para a proibição analisada. Há quem diga, por outro lado, que, se o legislador mencionou expressamente o aeronauta, é porque teve a intenção de excluir todas as demais categorias da exceção. Enfim, só o tempo responderá a tais dúvidas.

Do ponto de vista procedimental, o artigo 452-A da CLT estabelece a forma pela qual será efetuada a contratação: impõe a celebração por escrito como re-quisito obrigatório, ainda que previsto em acordo coletivo ou convenção coleti-va, e estabelece a necessidade de identificação das partes, da forma e do local de pagamento. Da seguinte forma:

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá: I - identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes; II - valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado o disposto no § 12; eIII - o local e o prazo para o pagamento da remuneração.

Como se vê, o legislador fixou uma espécie de salário mínimo “proporcional”, assimilando a possibilidade de estipulação com base no número de dias ou de horas trabalhadas. Assim, estando o salário mínimo atual fixado em R$954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais), nenhum trabalhador intermitente po-derá receber menos de R$31,80 (trinta e um reais e oitenta centavos) dia, que é o resultado da divisão de R$954,00 por 30.

A hora trabalhada pelo empregado em regime de intermitente não poderá ser inferior a R$4,33 (quatro reais e trinta e três centavos), que corresponde à divisão de R$954,00 por 220 (o divisor para uma jornada de 8h diárias e 44h semanais).

Por outro lado, há uma regra que se sobrepõe às mencionadas. Trata-se do §12 do artigo em análise, que estabelece:

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§ 12. O valor previsto no inciso II do caput não será inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função.

Ou seja: a regra trata de casos em que o empregador já tem outros empre-gados fixos que desempenham as funções do trabalhador intermitente. Nestas hipóteses, o salário deste deverá ser idêntico ao daqueles, o que quer dizer que os cálculos efetuados neste tópico com base no salário mínimo serão feitos com atenção ao salário pago aos colegas do trabalhador intermitente. O fundamento para essa regra é o princípio da isonomia, consagrado nos artigos 5º, I e 7º, XXXII da Constituição Federal, transcritos respectivamente:

[...] homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ter-mos desta Constituição;[...] proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

Na sequência, o artigo 452-A da CLT também dispõe, nos §§1º a 3º que:

§ 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado, presumida, no silêncio, a recusa. § 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.

Como se vê, o legislador é bastante permissivo quanto à forma de comunica-ção entre as partes: dentre os meios de comunicação eficaz devem ser incluídos o telefone celular e suas formas modernas de comunicação, como oWhatsapp e o Facebook.

Ao mesmo tempo, a lei também dispõe que, “constatada a prestação dos ser-viços pelo empregado, estarão satisfeitos os prazos previstos nos § 1º e § 2º”. Ou seja: mesmo que, no caso concreto, o empregador chame o empregado para trabalhar com menos de três dias de antecedência, não haverá qualquer prejuízo ao contrato se o empregado for trabalhar. A mesma regra vale para o trabalha-dor, que, aliás, tem o exíguo prazo para responder ao chamado de apenas vinte e quatro horas.

É interessante notar que o período de 24h não se limita a dias úteis (tal como se tentou prever anteriormente pela Lei n.º 13.467/2017, em redação que acabou por ser modificada pela Medida Provisória 808/2017). Isto quer dizer que se o chamado houver sido feito em um final de semana ou na véspera de feriado, a resposta do trabalhador deverá ser feita durante tais dias. A solução não pare-ce satisfatória. Afinal, impõe ao empregado que permaneça na espera de algum chamado em dias em que deveria estar descansando.

Por outro lado, a regra de que a “recusa de oferta não descaracteriza a subor-dinação” é uma novidade muito relevante. É que é pacífico no Direito do Trabalho que, quando determinado trabalhador recusa-se a prestar algum serviço, ou se está diante de um contrato não-empregatício ou a hipótese é de insubordina-ção, hábil a gerar punição ao empregado. Porém, para fins de contratação na modalidade intermitente a recusa é irrelevante, o que quer dizer que o empre-gado pode escolher prestar serviço para outro empregador no dia em que foi convocado por outro contratante, sem o risco de qualquer punição.

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Em seguida, a lei trata da forma e das parcelas abrangidas pelo pagamento, dispondo:

§ 6º Na data acordada para o pagamento, observado o disposto no § 11, o empregado receberá, de imediato, as seguintes parcelas: I – remuneração;II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado;V - adicionais legais.§ 7o O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo.§ 11. Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º não poderá ser esti-pulado por período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de prestação de serviço.

Essas são regras importantes na caracterização do regime em análise. Elas impedem que o salário seja “complessivo”, que é a condição do pagamento que engloba diversas verbas sem a indicação da rubrica a que se referem (a exem-plo, um pagamento que englobe horas extras, adicional noturno e adicional de insalubridade, mas sem a discriminação correspondente). Ao mesmo tempo, há uma previsão de conteúdo até aqui estranho ao Direito do Trabalho: trata-se de pagamento intermitente de férias e décimo terceiro, rubricas normalmente pagas em um determinado período do ano, e que passam a ser devidas proporcional-mente e de imediato ao trabalhador intermitente, tão logo prestados os serviços contratados.

É possível, por outro lado, que a convocação do empregado em regime in-termitente dure mais de um mês (a exemplo, um chamado para que o emprega-do permaneça durante o verão, por todos os sábados do período). Neste caso, porém, o pagamento não poderá superar o período de um mês, o que é regra consagrada para todo e qualquer trabalhador no artigo 459 da CLT:

Art. 459 - O pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações.

Especificamente em relação às férias, as regras são as seguintes:

[...] § 9o A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.§ 10. O empregado, mediante prévio acordo com o empregador, po-derá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 134.

As normas que dizem respeito às férias são, no mínimo, inusitadas. Afinal, se o empregado enxerga o trabalho intermitente como verdadeiro “bico”, por tra-balhar em apenas alguns períodos do mês, parece ser contraditória a ideia de que possa ter o direito de não ser convocado para prestar serviços por um mês do ano, fracionado ou não. E se o trabalhador estiver desempregado (desemprego em relação a um contrato típico de trabalho, vale observar), certamente ficará completamente contrariado com a restrição em análise.

As regras mencionadas dificilmente serão colocadas em prática, por contra-riarem a própria lógica da contratação intermitente.

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Em relação a benefícios de caráter previdenciário, as regras são as seguintes:

§ 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será de-vido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 1991.§ 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei nº 8.213, de 1991.

No que se refere ao trabalhador “comum”, muda apenas que, em relação ao auxílio-doença, não haverá um período em que o empregador paga pelos pri-meiros dias de afastamento (que são quinze, conforme o artigo 60, §3º da Lei n.º 8.213/1991). A distinção tem lógica, pois é no mínimo improvável que o empre-gado intermitente passe quinze dias seguidos trabalhando ao seu empregador.

Já o salário-maternidade segue simplesmente a regra aplicável aos contra-tos da trabalhadora avulsa e da empregada do microempreendedor individual enquadrado no artigo 18-A da Lei Complementar n.º 123/2006 (MEI). Ou seja, o benefício é pago diretamente pela Previdência Social, e não como o que ocorre com os empregados em geral, em que o próprio empregador antecipa o paga-mento para posterior compensação junto à Previdência Social.

A nova lei também permite que as partes disponham previamente sobre os locais, turnos e meios de convocação para o trabalho, o que, de certa forma, ser-ve para dar alguma segurança ao trabalhador, que poderá ter acesso às infor-mações mencionadas com algum tempo de antecedência (que não deverá ser inferior ao legal). Ao mesmo tempo, as novas regras preveem a possibilidade de “reparação recíproca” na hipótese de cancelamento de serviços agendados. É a redação do artigo 452-B da nova CLT:

Art. 452-B. É facultado às partes convencionar por meio do contrato de trabalho intermitente:I - locais de prestação de serviços; II - turnos para os quais o empregado será convocado para prestar ser-viços; III - formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços; IV - formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento de ser-viços previamente agendados nos termos dos § 1º e § 2º do art. 452-A.

A possibilidade de “reparação recíproca” merece nossa desconfiança. Afinal, não será possível chancelar a existência de uma multa pecuniária que pratica-mente inviabilize o ganho do empregado, exceto se ficar demonstrado que, de fato, a ausência dele gerou algum dano de monta ao empregador, na linha já adotada para os contratos em geral, estabelecida no artigo 462, §1º da CLT, não modificado pela reforma:

Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, des-de de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Um instituto regulado à exaustão pelo legislador reformista foi o chamado “pe-ríodo de inatividade”, ou seja, “o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A” (CLT, artigo 452-C). Ou seja: o tempo em que o trabalhador não está à disposição do empregador, e que, pelas novas disposições, não será remune-rado. Por outro lado, pelas novas regras do mencionado artigo 452-C:

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§ 1º Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho. § 2º No contrato de trabalho intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade.

Em síntese:

1) a exclusividade, que nunca foi requisito para a caracterização da relação de emprego em geral, também não o é quanto ao vínculo do trabalhador intermi-tente, mesmo quando os empregadores forem concorrentes; e

2) se o empregador determinar que o empregado intermitente fique à sua disposição, ainda que fora das dependências da empresa, haverá descaracteriza-ção do regime intermitente, hipótese em que todas as regras relativas ao contra-to comum deverão ser aplicadas. A ideia é a de que a contratação intermitente seja efêmera, de curta duração, o que a incompatibiliza com períodos em que o empregado, mesmo fora do serviço, tenha de permanecer à disposição do empregador.

Se a inatividade atingir um ano (ou seja, se o empregado ficar por um ano sem ser chamado pelo empregador), o contrato será considerado rescindido “de pleno direito”. A expressão vem entre aspas porque se trata de uma forma inusi-tada de rescisão, em que não se reconhece a dispensa ou o pedido de demissão pelo empregado, as formas clássicas de rompimento do contrato de trabalho. A ideia do legislador é criticável, pois se o trabalhador não é chamado, a iniciativa da rescisão é do empregador, já que, a partir do momento do registro como em-pregado, é do patrão que se espera o chamado:

Art. 452-D. Decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo empregador, contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente, será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho intermitente.

Além do exposto, o legislador reformista também dispõe de forma exaustiva sobre a rescisão do contrato de trabalho intermitente, ao estabelecer o seguinte:

Art. 452-E. Ressalvadas as hipóteses a que se referem os art. 482 e art. 483, na hipótese de extinção do contrato de trabalho intermitente se-rão devidas as seguintes verbas rescisórias: I - pela metade: a) o aviso prévio indenizado, calculado conforme o art. 452-F; eb) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, prevista no § 1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; e II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas. § 1º A extinção de contrato de trabalho intermitente permite a movi-mentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS na forma do in-ciso I-A do art. 20 da Lei nº 8.036, de 1990, limitada a até oitenta por cento do valor dos depósitos. § 2º A extinção do contrato de trabalho intermitente a que se refere este artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

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Comparando as disposições retro com o disposto no novo artigo 484-A da CLT (também estudado neste curso), observamos que o legislador igualou as ver-bas devidas no caso do encerramento do contrato de trabalho intermitente com as inerentes à nova rescisão “por acordo entre empregado e empregador”.

Porém, se na rescisão por acordo existe uma justificativa para que o traba-lhador não receba na integralidade as verbas que lhe seriam devidas em caso de rescisão imotivada (aviso prévio e multa de 40%, saque integral dos depósitos de FGTS e habilitação no seguro-desemprego), no caso do regime intermitente ela, justificativa, não está presente. Nesse caso, podemos estar diante de uma situação em que uma modalidade de contrato já precarizante tem seus efeitos nocivos maximizados, pois o trabalhador intermitente, que já recebe uma gama de direitos inferior ao padrão mínimo, receberá menos que o que lhe seria real-mente devido por ocasião da rescisão do contrato. Ficará, aliás, sem direito ao seguro-desemprego, a despeito da regra prevista no artigo 7º, II, da Constituição Federal, que assegura a todo trabalhador “seguro-desemprego, em caso de de-semprego involuntário”, sem qualquer distinção.

As “demais verbas trabalhistas” de que cuida o dispositivo são a gratificação natalina (13º salário) e as férias com 1/3. Porém, aqui fica evidente mais uma impropriedade do legislador. Afinal, como já observado no §6º do artigo 452-A introduzido na CLT, tais veras devem ser pagas ao trabalhador a cada adimple-mento salarial, o que quer dizer que, no momento da rescisão, elas já teriam sido antecipadas pelo empregador.

A base de cálculo das verbas rescisórias vem inscrita no artigo 452-F da nova CLT:

Art. 452-F. As verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente.§ 1º No cálculo da média a que se refere o caput, serão considerados apenas os meses durante os quais o empregado tenha recebido parce-las remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o período de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior. § 2º O aviso prévio será necessariamente indenizado, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 487.

Ou seja: o valor da rescisão terá por base as médias pagas ao empregado intermitente nos meses em que houve prestação de serviços. Exemplificando: se, no último ano de contrato, o empregado foi convocado para trabalhar por dois meses, de forma alternada, com um ganho de R$400,00 (quatrocentos reais) em um mês e de R$600,00 (seiscentos reais) no outro, a média para o pagamento da rescisão será de R$500,00 (quinhentos reais), e não a que resultaria da divisão de R$1.000,00 (um mil reais) – o total pago no ano –, por doze meses.

No exemplo, a rescisão comportaria: aviso prévio, necessariamente indeni-zado, no valor de R$500,00 (quinhentos reais) pela metade, ou seja, R$250,00 (duzentos e cinquenta reais), a metade da multa de 40% (quarenta por cento sobre o FGTS, que, no caso, foi de R$80,00, ou seja, 8% sobre os ganhos), no total de R$40,00 (quarenta reais), mais o saque de 80% (oitenta por cento) do FGTS depositado, ou seja, R$64,00 (sessenta e quatro reais).

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Com a finalidade de evitar fraudes, o legislador dispõe, no artigo 452-G, que:

Art. 452-G. Até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de con-trato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito meses, contado da data da demissão do empregado.

Portanto, proíbe-se ao empregador que, até 31.12.2020, ou após dezoito meses da rescisão contratual (o que ocorrer primeiro), contrate empregado por meio de pacto intermitente, caso o mesmo trabalhador tenha sido seu emprega-do em regime regular. Por exemplo: se o empregador dispensar um empregado regular no dia 30.04.2018, não poderá contratá-lo na modalidade intermitente até o dia 31.10.2019, ou seja, dezoito meses depois de sua dispensa. Porém, se esta ocorrer no dia 31.12.2019, por exemplo, já no dia 1º.01.2021 o empregador poderá, pela regra vigente, contratar o mesmo trabalhador pela via do contrato intermitente.

Por fim, existem duas regras importantes, mas de discutível validade, previs-tas no artigo 911-A, §§1º e 2º da CLT reformada, que estabelecem:

§ 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no perío-do de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a re-muneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que in-cidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador.§ 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar pre-visto no § 1º, o mês em que a remuneração total recebida pelo segu-rado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos be-nefícios previdenciários.

Isto é:

1) se o trabalhador receber durante um mês de prestação de serviços menos que o valor do salário mínimo (o que certamente ocorrerá nos casos de contra-tação intermitente, em que os valores são baixos e esporádicos), poderá recolher ao INSS a contribuição previdenciária sobre a diferença entre a remuneração re-cebida e o valor do salário mínimo mensal; e

2) se a complementação mencionada no item “1” não ocorrer, o valor já retido e recolhido pelo empregador sobre o pagamento efetuado não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado.

Tais regras são absolutamente nocivas ao trabalhador intermitente, e com muita probabilidade serão tidas por inconstitucionais pela Justiça do Trabalho. Afinal, não bastasse a falta de razoabilidade da previsão que impõe àquele que ganha um exíguo valor o recolhimento ao INSS para atingir o valor mínimo exigí-vel, ainda se prevê que seja desconsiderado o valor recolhido sobre o baixo ven-cimento pago, o que constitui verdadeira apropriação indébita pelo Governo, pois a contraprestação (acesso ao regime previdenciário) não será oferecida.

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Exemplificando: se o empregado ganha, em determinado mês, R$500,00 (quinhentos reais), sofrerá a retenção de 8% (oito por cento) a título de INSS, ou seja, R$40,00 (quarenta reais) que serão repassados à Previdência Social. Para obter acesso ao sistema previdenciário, terá de recolher mais 8% (oito por cento) de R$454,00 (quatrocentos e cinquenta e quatro reais), que é a diferença para o salário mínimo (R$954,00). Caso não o faça, não só deixará de ter direito à con-tagem do tempo de serviço e a algum benefício previdenciário (auxílio-doença, aposentadoria, etc), como também perderá o valor que lhe foi retido (R$40,00).

São essas, em síntese, as regras aplicáveis ao novo contrato de trabalho in-termitente, que certamente ensejarão muita discussão no âmbito da Justiça do Trabalho.

O trabalhador “hipersuficiente”.

É clássica, no Direito do Trabalho, a conceituação do trabalhador como “hi-possuficiente”, ou seja, ocupante de condição econômica inferior à de seu em-pregador, no âmbito do contrato de trabalho. Aliás, é essa a distinção que di-reciona praticamente todo o Direito do Trabalho, construído para suplantar, no meio jurídico, a clara desigualdade entre as partes no meio fático. Também é daí que se extraem dois princípios de enorme relevância para o Direito do Trabalho: o da proteção e o da irrenunciabilidade de direitos, que praticamente distin-guem o Direito do Trabalho de qualquer outro ramo do Direito.

Tais princípios indicam, a um lado, que toda interpretação da lei deve ter por norte o que seja mais favorável ao economicamente mais fraco – com a garantia de manutenção dos direitos conferidos no curso da relação de emprego –, e, por outro, que serão considerados inválidos atos que indiquem renúncia a direitos no decorrer da relação empregatícia.

Precisamente em relação à irrenunciabilidade de direitos, embora a CLT pre-veja a possibilidade de negociação entre patrão e empregado, dispõe que tal ajuste não poderá desrespeitar as disposições de proteção ao trabalho, nem di-reitos negociados pela categoria a que pertence o empregado. É o que se extrai da clássica disposição do artigo 444 da CLT:

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de li-vre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contra-venha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. (destaque apenas da transcrição)

Porém, embora a existência de uma legislação tutelar seja inerente ao Direito do Trabalho – pelas próprias razões de seu surgimento, especialmente voltadas para a imposição de limites à intensa exploração do trabalho humano empreen-dida pelos detentores dos meios de produção –, muitos discutem se ela ainda é conforme a realidade vigente. O que se questiona é se, na atualidade, o tra-balhador já não teria adquirido certa “emancipação”, a justificar uma mudança no direcionamento da elaboração do próprio Direito do Trabalho. Ou, em outras palavras, se a CLT ainda comporta regras proibitivas, tutelares, e que impedem que empregados e empregadores negociem cláusulas do contrato, sem o risco de a negociação ser invalidada pela Justiça do Trabalho.

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Nesse ponto, não é demais afirmar que tanto a Lei n.º 13.467/2017 como a Medida Provisória 808/2017 mudaram radicalmente a legislação trabalhista. A modificação foi tal, ao ponto de se colocar em questionamento a própria estru-tura tutelar do Direito do Trabalho. Isso porque a nova lei passou a estabelecer a possibilidade de alguns trabalhadores negociarem mais livremente suas condi-ções de trabalho.

A forma encontrada para essa espécie de “divisão” entre trabalhadores que podem e trabalhadores que não podem negociar direitos foi o ganho mensal de uns e outros. Assim, o novo parágrafo único do artigo 444 da CLT passou a prever que:

A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mes-ma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coleti-vos, no caso de empregado portador de diploma de nível supe-rior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (destaque da transcrição)

Caput é uma expressão em latim que significa “cabeça”. Para quem opera no Direito, “cabeça” é a disposição principal do artigo, que, no caso do artigo 444 da CLT, é a previsão transcrita no início deste tópico.

Em relação ao conteúdo da regra, em si, o que se observa é que a lei intro-duz um verdadeiro “divisor de águas” em relação ao regime até então vigente, estabelecendo seu grau de ingerência conforme a condição do empregado: se for portador de diploma de nível superior e tiver salário mensal igual ou supe-rior a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (em março de 2018, R$11.290,00), poderá, pela nova lei, estipular livremente as condições de trabalho, podendo inclusive negociar direitos estabelecidos previamente por acordos coletivos e convenções coletivas firmadas pela ca-tegoria a que pertence.

Mais adiante, estudaremos quais são as matérias reservadas pelo legislador em que a negociação coletiva poderá sobrepor-se à lei (elas estão no artigo 611-A da nova CLT). Por ora, podemos dizer que, para o trabalhador que já vem sendo chamando de “hipersuficiente” (uma espécie de contraponto à terminologia até então usada para todo e qualquer empregado, hipossuficiente), será possível ne-gociar matérias para além do que as próprias categorias (profissional e patronal) negociaram anteriormente por acordos coletivos e convenções coletivas.

A nova qualificação, porém (trabalhador “hipersuficiente”), merece alguma crítica.

A hipossuficiência ou hipersuficiência não devem ser definidas em relação a algum padrão social de condutas previamente estabelecidas, mas em compara-ção exclusivamente com o outro contratante. Ou seja: não é o fato de o salário ser elevado para os padrões de determinada sociedade que torna o empregado, no âmbito de seu contrato, alguém em condições de negociar em pé de igual-dade com seu contratante. O que o define como tal é a sua posição perante o empregador.

Evidentemente, se determinada empresa tem condições de pagar a um tra-balhador um valor mensal elevado, certamente também tem um poderio eco-

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nômico bastante elevado, tão grande que pode sobrepor-se a qualquer nego-ciação com o trabalhador. Em palavras mais simples, podemos dizer que alguém que pode pagar um salário elevado (pouco mais de R$11.000,00 mensais), tem um poderio econômico certamente muito elevado. Ao mesmo tempo, a noção de “dependência” que caracteriza a relação de emprego não deixa de existir, mantendo-se o empregado de “alto escalão” do mesmo modo subordinado aos interesses empresariais.

O receio é que essa suposta igualdade trazida com a nova lei sirva, no final das contas, como uma forma de maximização da exploração daquele que vem sendo chamado de “hipersuficiente”. Que, por receber um alto salário, acabaria se submetendo a qualquer condição, muitas vezes até mesmo por se considerar um alto custo para seu patrão (e por temer o elevado desemprego).

Por outro lado, não podemos esquecer que o cidadão mais instruído terá maior condição de avaliar as consequências de determinada alteração contratu-al. E se ele tiver condições de efetivamente negociar as cláusulas com seu patrão (e não de simplesmente aceitá-las), de fato poderemos avançar, conferindo-se um grau de liberdade mais elevado para tal trabalhador.

Em síntese, será necessário avaliar o caso concreto. Se, de fato, o trabalhador não for submetido à aceitação de qualquer condição para manter seu emprego – o que precisará ficar demonstrado em eventual discussão sobre seu contrato –, será possível validar-se a cláusula negociada com seu empregador.

A cláusula compromissória de arbitragem.

Seguindo a diretriz de distinção entre a liberdade no contrato de emprego conforme o ganho do empregado, o legislador reformista também passou a dis-por no artigo 507-A da CLT que:

Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissó-ria de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (o destaque não está no original)

Perceba que, na situação ora analisada, o legislador não mais faz menção ao fato de o empregado ser “portador de diploma de nível superior”. Assim, basta que seus ganhos mensais superem o dobro do limite máximo para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social para que ele submeta-se à regra transcrita.

Interpretando o artigo 507-A da CLT modificada, podemos dizer que o em-pregado ali considerado poderá resolver problemas relacionados à sua relação contratual com o empregador por uma forma privada de solução de conflitos conhecida por “arbitragem”, não sendo, pois, submetidos ao Poder Judiciário.

Na arbitragem, os próprios contratantes escolhem a pessoa que decidirá as controvérsias existentes no contrato. Tal pessoa chama-se árbitro, deverá ter a confiança das partes, e será uma espécie de “juiz” do caso. Sua decisão terá “os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário” (confor-me o artigo 31 da Lei n.º 9.307/1996), o que quer dizer que, se houver descum-primento do que ficar decidido, a parte prejudicada poderá valer-se da Justiça do Trabalho para obter a satisfação de seu direito.

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É evidente que a arbitragem não poderá ser usada como forma de fraudar direitos do trabalhador envolvido. Consequentemente, se, no caso concreto, ela for usada indevidamente pelas partes envolvidas, caberá ao lesado utilizar-se da Justiça do Trabalho para a invalidação do procedimento. Neste caso, estando comprovada a ilegalidade do ato, o Poder Judiciário poderá analisar toda a ques-tão que lhe for submetida.

Por fim, é importante destacar que a sujeição à arbitragem não pode ser im-posta pelo empregador. O trabalhador deverá, no mínimo, concordar expres-samente, o que torna recomendável que a pactuação observe a forma escrita. Obviamente, esta concordância também deverá ser analisada com cautela. Se, no caso concreto, ficar demonstrado que o trabalhador foi forçado ou induzido em erro ao aceitar, ou, ainda, se aceitou apenas para não perder o emprego, será possível invalidar a própria cláusula de concordância com a utilização da arbitra-gem, hipótese em que o interessado poderá valer-se do próprio Poder Judiciário para a obtenção de seu direito.

Fique atento: existe uma diferença importante em Direito do Trabalho entre salário e remuneração. Enquanto aquele compõe exclusivamente as verbas pa-gas ao empregado como contraprestação de seu trabalho mensal, a remunera-ção abrange o salário mais as verbas pagas por terceiros, como gorjetas.

O observador atento perceberá que, enquanto no artigo 444, parágrafo úni-co, da CLT, o legislador trata daquele que recebe “salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, no artigo 507-A a menção se dá àqueles “cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

A vestimenta e a higienização do uniforme de trabalho.

Vestuário é o conjunto de peças de vestir. E tudo aquilo que o empregado tiver que utilizar para o exercício de sua função será considerado uniforme.

Também compõem o uniforme os adereços, acessórios e complementos que tenham relação com a aparência do empregado, tal como fitas de cabelo, cinto, sapatos, meia-calça, maquiagem, etc.

Há correntes doutrinárias que defendem que o empregador deve fornecer o uniforme ao empregado de forma gratuita, uma vez que os custos do empre-endimento não devem ser transmitidos aos empregados. Mas há corrente em sentido diverso, apontando que o empregador pode cobrar do empregado o valor do uniforme, desde que se trate de cobrança de valor razoável/módico, re-ferente ao custo da peça, não se admitindo possa o empregador lucrar em cima do empregado. Assim, segundo essa corrente, há apenas 4 exceções na lei que determinam a entrega do uniforme de forma gratuita por parte do empregador. São elas: bombeiro civil, vigilante, aeroviário e aeronauta.

O uniforme não possui natureza salarial. Mas destaca-se que quando o em-pregador de forma habitual fornece ao empregado gratuitamente peças de ves-tuário que não são utilizadas para a execução do seu trabalho, aí teremos confi-gurado o salário in natura.

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Por outro lado, a Constituição Federal prevê e resguarda os direitos irrenun-ciáveis da personalidade (nome, imagem, aparência, etc...). Diante de tal afirma-ção, a conclusão lógica é de que qualquer pessoa deveria ser remunerada por na hipótese de associação da sua imagem a marcas e empresas.

Contudo, com a entrada em vigor da lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), passou a existir expressa previsão legal de que o empregador pode definir o padrão de vestimenta no ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada. Trata-se do artigo 456-A da CLT, que dispõe:

Art. 456-A. Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logo-marcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada.Parágrafo único. A higienização do uniforme é de responsabilidade do trabalhador, salvo nas hipóteses em que forem necessários proce-dimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum.

Da leitura do referido artigo extrai-se, então, que o empregado não terá di-reito a receber indenização ou pagamento em razão da exposição/associação da sua imagem às referidas logomarcas quando inseridas no uniforme. Ressaltamos que situação diversa encontramos quando a imagem do empregado é utilizada para fins comerciais do empreendimento (artigo 20, do Código Civil), sendo ne-cessária inclusive prévia autorização do trabalhador.

É necessário ponderar também que deve haver bom senso por parte do em-pregador quando faz exigências do padrão de vestimenta, posto ser inadmissível a imposição do uso de uniformes que exponham o trabalhador ao ridículo ou constrangimento.

Da mesma forma, deverá haver um bom senso por parte do empregador quando fizer determinações acerca do padrão visual do empregado (por exem-plo, proibição de tatuagem e cabelos longos, barba curta ou feita, etc...). O equi-líbrio significa sopesar os valores que a empresa possui (e quer transmitir a ter-ceiros) e os direitos da personalidade do trabalhador.

Por fim, como visto, com a reforma trabalhista, a CLT passou a prever também que caberá ao próprio empregado se encarregar de fazer a higienização do seu uniforme, salvo nos casos em que forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos convencionais para a referida higienização.

Tal previsão legal surgiu em um cenário no qual era comum vermos reclama-ções trabalhistas nas quais os empregados requeriam a condenação do empre-gador a indenizá-los pelos gastos que tinham com tal manutenção/lavagem de uniforme. Isso porque o empregador é que assume os riscos da atividade econô-mica (artigo 2º da CLT), não podendo qualquer custo do negócio ser repassado ao empregado. Mas como visto acima, o legislador ponderou que na hipótese es-pecífica da higienização do uniforme comum não há essa transferência de custo.

Para as situações em que a higienização for custosa e diferenciada, caberá ao empregador arcar com tais custos (exemplo: trabalhadores que usem uniformes que tenham contato com elementos radioativos).

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A remuneração e as parcelas que a compõem.

Remuneração é a soma do salário devido diretamente pelo empregador mais os pagamentos que indiretamente o empregado receber (contrapresta-ção recebida de terceiros pelo trabalhador – não recebido do empregador –, tal como as gorjetas).

Salário é a contraprestação paga pelo patrão ao trabalhador, em dinheiro ou em utilidade, decorrente de contrato de emprego.

Gorjeta é um valor pago por terceiro (e não pelo empregador) ao trabalha-dor, em razão de bons serviços prestados na sua jornada de trabalho. A gorjeta não constitui receita própria do empregador, pois se destina aos trabalhadores, sendo distribuída conforme previsão em norma coletiva ou, na ausência desta, conforme definido por assembleia geral dos trabalhadores (§ 13º do artigo 457 da CLT).

Há gorjetas cobradas na nota pelo empregador aos clientes (chamadas de gorjetas compulsórias), assim como há as gorjetas pagas por mera liberalidade pelo cliente (facultativas).

Pelo ordenamento jurídico brasileiro, não há qualquer lei que obrigue o clien-te a pagar gorjetas. Mas a CLT regula de forma diferenciada quando o emprega-dor opta por fazer a cobrança das gorjetas.

A depender de previsão em norma coletiva, a CLT, no artigo 457, §14º, per-mite que o empregador retenha um percentual das gorjetas para custear encar-gos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da integração da gorjeta à remuneração.

As empresas anotarão na CTPS de seus empregados o salário fixo e a média dos valores das gorjetas referente aos últimos 12 meses (§ 16º).

As empresas que optarem por fazer cobrança, caso optem futuramente por cessar essa cobrança, desde que assim tenham agido por mais de 12 meses, de-verão incorporar ao salário do empregado o valor médio dos últimos 12 meses recebidos pelo empregado a título de gorjeta (§ 17º).

Salário e as parcelas que o compõem:

Consoante o § 1º do artigo 457 da CLT, integram o salário a importância fixa estipulada, as (1) gratificações legais e de função e as (2) comissões pagas pelo empregador. Vejamos, a seguir, o que são os dois institutos (observando que as gratificações de função serão objeto de apreciação em tópico específico).

A gratificação é um adicional pago para remunerar o exercício de determi-nada situação/função. Tal verba tem por intuito compensar a maior responsabi-lidade da função ou cargo desempenhado. Via de regra, toda gratificação paga de forma habitual tem natureza salarial, exceto quando a lei decida de modo diverso, tal como fez com a gratificação de participação nos lucros (PLR).

Comissão é o pagamento que considera o desempenho do trabalhador que exerce atividade ligada a alguma produção. Exemplo: vendedor que recebe so-bre as vendas.

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Parcelas que não compõem o salário:

Por outro lado, ainda que recebidas de forma habitual, NÃO INTEGRAM a re-muneração, NÃO SE INCORPORAM ao contrato de trabalho (podendo ser supri-midas – sendo exceção do artigo 468 da CLT) e NÃO constituem base de incidên-cia de encargo trabalhista e previdenciário as seguintes parcelas:

•Ajuda de custo;

•Auxílio-alimentação;

•Diária para viagem;

•Prêmios;

•Passemos ao estudo de cada uma delas:

Ajuda de custo – antes ou depois da reforma, tal parcela, em regra, não tem natureza salarial. Porém, também conforme o que já é institucionalizado desde antes da reforma trabalhista, as ajudas de custo excepcionalmente terão nature-za salarial, caso ultrapassem 50% do valor da remuneração do empregado.

Assim, em regra, não ultrapassando o percentual mencionado, a ajuda de custo terá natureza indenizatória. Para alguns autores, tal parcela visa ressarcir os custos efetuados pelo empregado em virtude de transferência (artigos 469 e 470 da CLT). Mas em virtude da redação atual da lei, melhor seria conceituar a ajuda de custo como todo e qualquer valor pago para ressarcir gastos que o emprega-do tem com a execução do seu trabalho.

Critica-se a atual lógica do legislador em retirar a natureza indenizatória da parcela em apreço, quando ela é superior a 50% (cinquenta por cento) do salário do empregado, posto que a real parcela que só compensa o empregado quanto a custos não objetiva remunerar o empregado pelo seu trabalho, apenas impedir que qualquer custo do negócio do patrão seja repassado para o empregado.

De todo modo, como já analisamos em outro ponto, no Direito do Trabalho impera o princípio da primazia da realidade sobre a forma, o que quer dizer que, se no caso concreto ficar demonstrado que todo o valor pago ao empregado a título de ajuda de custo, mesmo superior a 50% (cinquenta por cento) do seu salário, destinar-se efetivamente ao pagamento de gastos com a atividade, a na-tureza salarial (e, portanto, de contraprestação) deverá ser afastada.

Mas, por certo que, em se tratando de parcela habitualmente paga e sob a nomenclatura de “ajuda de custo”, mas sem que tenha um custo decorrente do trabalho para justificar o seu pagamento, estaríamos então diante de verdadeira fraude contratual, com salário camuflado.

Auxílio alimentação – o nome da verba é auto-explicativo. A lei proíbe ex-pressamente o pagamento do auxílio em dinheiro (se o empregador pagar em dinheiro, a consequência será a atribuição de natureza salarial).

Agora, com a reforma trabalhista, não há mais necessidade de o emprega-dor aderir ao PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador, criado pela Lei n.º 6.321/1976), para afastar a natureza salarial da verba. Pois o legislador optou em dizer que tal verba possui natureza indenizatória.

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Diária para viagem – é a verba paga para repor/ressarcir custos com via-gens. As diárias não possuem natureza salarial, independentemente do valor pago, ainda que ultrapassem o valor de 50% (cinquenta por cento) do salário. Essa nuance foi alterada pela reforma trabalhista, posto que, antes, a lei dizia que integrava o salário a diária de viagem que excedia a 50% do salário do emprega-do (antiga redação do artigo 457, § 2º da CLT).

Prêmios – São meras liberalidades concedidas ao empregado (ou grupo de empregados) pelo empregador, até duas vezes ao ano, em forma de bens, servi-ços ou dinheiro, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. Se, porventura, o prêmio for pago por mais de duas vezes ao ano, descumprirá o requisito legal, de forma que será considerada verba sa-larial, até porque, se pago com freqüência, deixa de ser pagamento por desempenho extraordinário, sendo pago por desempenho normal/ordinário/esperado do empre-gado. Os prêmios podem, ainda, ser pagos por terceiros que estejam vinculados à atividade do empregador, ou seja, por um patrocinador por exemplo.

Exceção ao artigo 468 da CLT:

Chamamos a atenção para o fato de que, consoante o artigo 468 da CLT, “nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condi-ções por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”

Assim, pela lógica, não poderia um empregador suprimir uma verba habi-tualmente paga ao empregado. Contudo, quis o legislador abrir exceção a essa regra. As verbas do § 2º do artigo 457 da CLT, então, por exceção expressa da lei ao conteúdo do artigo 468 da CLT, podem ser suprimidas pelo empregador, ainda que o pagamento delas ao empregado tenha sido feito de forma habitual.

E os abonos?

A palavra “abono” foi acrescida no § 1º do artigo 457, § 1º da CLT (pela lei da reforma trabalhista, nº 13.467/17), mas, logo depois de três dias em vigor, o referido artigo foi alterado pela MP 808/17, de forma que a palavra “abono” foi excluída da redação do artigo.

Atualmente, a palavra “abono” não está prevista nem no § 1º (que define o que integra o salário) nem no § 2º (que diz o que não integra ao salário), de forma que a depender da análise e interpretação do juiz no caso concreto, poderá tal parcela ser declarada de natureza salarial ou não. Antes da reforma, “abono” era designado como adiantamento salarial – e se assim for concedido, como adian-tamento, terá obviamente natureza salarial.

Os gastos com a saúde do trabalhador:

Dispõe o §5º do artigo 458 da CLT que “o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio ou não, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares, mesmo quando concedido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integram o salário do empregado para qualquer efeito nem o salário de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.”

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Salário in natura:

Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário a alimentação, habitação, vestuário e outras prestações in natura que a empresa fornecer ha-bitualmente ao empregado, vedado o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.

Salário in natura, também conhecido por salário-utilidade, é tudo que não é pago em dinheiro de forma habitual para o empregado, fornecido pelo trabalho (e não para o trabalho) prestado pelo empregado.

O valor da habitação fornecida não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, assim como a alimentação não poderá exceder a 20% (vinte por cento) do salário contratual.

Os valores atribuídos às prestações in natura deverão ser justos e razoáveis (§ 1º do artigo 458 da CLT). Por outro lado, na forma prevista no artigo 82, parágrafo único, da CLT, ao menos 30% do salário mínimo deve ser pago em dinheiro, po-dendo os outros 70% serem pagos em utilidades.

Mas, conforme o próprio artigo 458 da CLT, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: I- vestuário, equi-pamento e acessórios utilizados no local de trabalho para a prestação de ser-viços; II- educação em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros; III- O transporte destinado ao deslocamento para o trabalho; IV- assistência médica, hospitalar e odontológica; V- seguros de vida e de acidentes pessoais; VI- o valor correspondente ao vale-cultura.

Legislação relativa ao assunto aqui tratado:

Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.§ 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e de função e as comissões pagas pelo empregador.§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, limitadas a cinquenta por cento da remuneração mensal, o auxí-lio-alimentação, vedado o seu pagamento em dinheiro, as diárias para viagem e os prêmios não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de inci-dência de encargo trabalhista e previdenciário.§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados.§ 4º Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empre-gador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao or-dinariamente esperado no exercício de suas atividades.§ 5º Inexistindo previsão em convenção ou acordo coletivo de tra-balho, os critérios de rateio e distribuição da gorjeta e os percentu-ais de retenção previstos nos §§6º e 7º deste artigo serão definidos em assembleia geral dos trabalhadores, na forma do art. 612 desta Consolidação.§ 6o As empresas que cobrarem a gorjeta de que trata o § 3º deverão:I - para as empresas inscritas em regime de tributação federal diferen-

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ciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até 20% (vinte por cento) da arrecadação correspondente, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua in-tegração à remuneração dos empregados, devendo o valor remanes-cente ser revertido integralmente em favor do trabalhador;II - para as empresas não inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até 33% (trinta e três por cento) da arrecadação corres-pondente, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e traba-lhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, devendo o valor remanescente ser revertido integralmente em favor do trabalhador;III - anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no contra-cheque de seus empregados o salário contratual fixo e o percentual percebido a título de gorjeta.§ 7o A gorjeta, quando entregue pelo consumidor diretamente ao empregado, terá seus critérios definidos em convenção ou acordo co-letivo de trabalho, facultada a retenção nos parâmetros do § 6o deste artigo.§ 8o As empresas deverão anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social de seus empregados o salário fixo e a média dos valores das gorjetas referente aos últimos doze meses.§ 9o Cessada pela empresa a cobrança da gorjeta de que trata o § 3o deste artigo, desde que cobrada por mais de doze meses, essa se incorporará ao salário do empregado, tendo como base a média dos últimos doze meses, salvo o estabelecido em convenção ou acordo coletivo de trabalho.§ 10. Para empresas com mais de sessenta empregados, será consti-tuída comissão de empregados, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, para acompanhamento e fiscalização da regularidade da cobrança e distribuição da gorjeta de que trata o § 3º deste artigo, cujos representantes serão eleitos em assembleia geral convocada para esse fim pelo sindicato laboral e gozarão de garantia de emprego vinculada ao desempenho das funções para que foram eleitos, e, para as demais empresas, será constituída comissão inter-sindical para o referido fim.§ 11. Comprovado o descumprimento do disposto nos §§4º, 6º, 7º e 9º deste artigo, o empregador pagará ao trabalhador prejudicado, a títu-lo de multa, o valor correspondente a 1/30 (um trinta avos) da média da gorjeta por dia de atraso, limitada ao piso da categoria, assegura-dos em qualquer hipótese o contraditório e a ampla defesa, observa-das as seguintes regras:I - a limitação prevista neste parágrafo será triplicada caso o emprega-dor seja reincidente;II - considera-se reincidente o empregador que, durante o período de doze meses, descumpre o disposto nos §§ 4o, 6o, 7o e 9o deste artigo por mais de sessenta dias.§ 12. A gorjeta a que se refere o § 3º não constitui receita própria dos empregadores, destina-se aos trabalhadores e será distribuída segun-do os critérios de custeio e de rateio definidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.§ 13. Se inexistir previsão em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, os critérios de rateio e distribuição da gorjeta e os per-centuais de retenção previstos nos § 14 e § 15 serão definidos em as-sembleia geral dos trabalhadores, na forma estabelecida no art. 612.§ 14. As empresas que cobrarem a gorjeta de que trata o § 3º deverão: I - quando inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até vinte por cento da arrecadação correspondente, mediante previsão

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em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, hipótese em que o valor remanescente deverá ser revertido integralmente em favor do traba-lhador; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)II - quando não inscritas em regime de tributação federal diferencia-do, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até trinta e três por cento da arrecadação correspondente, mediante previsão em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, hipótese em que o valor remanescente deverá ser revertido integralmente em favor do trabalhador; eIII - anotar na CTPS e no contracheque de seus empregados o salário contratual fixo e o percentual percebido a título de gorjeta.§ 15. A gorjeta, quando entregue pelo consumidor diretamente ao empregado, terá seus critérios definidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, facultada a retenção nos parâmetros es-tabelecidos no § 14.§ 16. As empresas anotarão na CTPS de seus empregados o salário fixo e a média dos valores das gorjetas referente aos últimos doze meses.§ 17. Cessada pela empresa a cobrança da gorjeta de que trata o § 3º, desde que cobrada por mais de doze meses, essa se incorporará ao salário do empregado, a qual terá como base a média dos últimos doze meses, sem prejuízo do estabelecido em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.§ 18. Para empresas com mais de sessenta empregados, será constitu-ída comissão de empregados, mediante previsão em convenção co-letiva ou acordo coletivo de trabalho, para acompanhamento e fisca-lização da regularidade da cobrança e distribuição da gorjeta de que trata o § 3º, cujos representantes serão eleitos em assembleia geral convocada para esse fim pelo sindicato laboral e gozarão de garantia de emprego vinculada ao desempenho das funções para que foram eleitos, e, para as demais empresas, será constituída comissão inter-sindical para o referido fim.§ 19. Comprovado o descumprimento ao disposto nos § 12, § 14, § 15 e § 17, o empregador pagará ao trabalhador prejudicado, a título de multa, o valor correspondente a um trinta avos da média da gorjeta por dia de atraso, limitada ao piso da categoria, assegurados, em qual-quer hipótese, o princípio do contraditório e da ampla defesa.§ 20. A limitação prevista no § 19 será triplicada na hipótese de reinci-dência do empregador.§ 21. Considera-se reincidente o empregador que, durante o período de doze meses, descumprir o disposto nos § 12, § 14, § 15 e § 17 por período superior a sessenta dias.§ 22. Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empre-gador, até duas vezes ao ano, em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro, a empregado, grupo de empregados ou terceiros vinculados à sua atividade econômica em razão de desempenho superior ao ordi-nariamente esperado no exercício de suas atividades.§ 23. Incidem o imposto sobre a renda e quaisquer outros encargos tributários sobre as parcelas referidas neste artigo, exceto aquelas ex-pressamente isentas em lei específica.Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou ou-tras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.§ 1º Os valores atribuídos às prestações “in natura” deverão ser justos e razoáveis, não podendo exceder, em cada caso, os dos percentuais das parcelas componentes do salário-mínimo (arts. 81 e 82).

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§ 2o Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:I - vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos em-pregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço;II - educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anui-dade, livros e material didático;III - transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;IV - assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada direta-mente ou mediante seguro-saúde;V - seguros de vida e de acidentes pessoais;VI - previdência privada;[...] VIII - o valor correspondente ao vale-cultura.§ 3º - A habitação e a alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cen-to) do salário-contratual.§ 4º - Tratando-se de habitação coletiva, o valor do salário-utilidade a ela correspondente será obtido mediante a divisão do justo valor da habitação pelo número de co-habitantes, vedada, em qualquer hi-pótese, a utilização da mesma unidade residencial por mais de uma família.§ 5º - o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio ou não, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, des-pesas médico-hospitalares e outras similares, mesmo quando conce-dido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integram o salário do empregado para qualquer efeito nem o salário de contri-buição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empre-gado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.§ 1º Não se considera alteração unilateral a determinação do empre-gador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, an-teriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pa-gamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função.

Gratificação de função e incorporação ao salário.

A gratificação de função de confiança, antes da reforma, incorporava-se ao contrato de trabalho quando era recebida por dez ou mais anos, pelo que não podia ser suprimida. Na verdade, essa previsão nunca esteve na lei, tratando-se de interpretação conferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em sua Súmula 372, que dispunha:

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES.I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo em-pregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir

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Entretanto, com a reforma trabalhista, e consoante a redação do § 2º do ar-tigo 468 da CLT, quando o empregado deixa o exercício da função de confiança por determinação do empregador, com ou sem justo motivo, não terá assegura-do o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função. Aliás, por via reflexa, o legislador reformista também deu uma espécie de “recado” ao Poder Judiciário, quando o assunto é a suposta criação ou extensão de direitos, ao prever, no novo artigo 8º, §2º da CLT, o seguinte:

Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não po-derão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

Ou seja: na visão do legislador, súmulas como a de número 372 do TST ti-nham o efeito de “criar obrigação que não esteja prevista em lei”, a justificar o novo dispositivo. Porém, como observado na transcrição da Súmula em questão, não houve criação, mas aplicação de um princípio (mais que um princípio, uma verdadeira aspiração) presente em toda a sociedade, consubstanciado na busca pela estabilização financeira.

A inspiração do TST tem sentido, especialmente se observarmos que, até hoje, quase trinta anos após a edição da Constituição Federal de 1988, inexiste regulamentação do direito assegurado no inciso I de seu artigo 7º, que é o da proteção contra dispensa injusta ou arbitrária.

Apenas para frisar, a lei não considera alteração unilateral do pactuado o fato de o empregador reverter o empregado ao cargo efetivo (anteriormente ocupa-do), deixando o exercício de cargo de confiança (art. 468, § 1º da CLT).

A equiparação salarial.

Estabelece o artigo 5º da CF que “todos são iguais perante a lei, sem distin-ção de qualquer natureza (...)” É o princípio constitucional da igualdade ou da isonomia.

Na mesma toada, segue o artigo 7º, incisos XXX e XXXI da Constituição Federal, a enaltecer essa igualdade, repudiando qualquer tipo de discriminação no âmbito do direito do trabalho:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e cri-térios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

Assim, diante desse princípio basilar, nasce o estudo da equiparação salarial, que visa justamente impedir que o trabalho de igual valor, na mesma função, seja remunerado de forma diferente.

O fundamento infraconstitucional para a obtenção da equiparação salarial segue no artigo 461 da CLT que teve a sua redação alterada pela reforma traba-lhista. Vejamos a atual redação do referido artigo:

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Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, pres-tado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresa-rial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacio-nalidade ou idade.§ 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo emprega-dor não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.§ 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empre-gador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. § 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de defici-ência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.§ 5o A equiparação salarial só será possível entre empregados con-temporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.§ 6o No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças sala-riais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Também o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula n.º 06 para tratar pormenorizadamente da matéria, tamanha a quantidade de conflitos de inter-pretações referentes ao assunto.

Da leitura do referido artigo 461 da CLT, podemos extrair os requisitos para a obtenção da equiparação salarial. São eles: - idêntica função; - trabalho de igual valor (igual produtividade e perfeição técnica); - prestado para o mesmo empre-gador; - no mesmo estabelecimento empresarial; - diferença de tempo na função não superior a 2 anos; - diferença de tempo na empresa não superior a 4 anos; - empregados contemporâneos no cargo ou na função; e - inexistência de plano de cargos e salários.

Analisemos, um a um, os requisitos mencionados:

Idêntica função:

O trabalho em idêntica função para gerar a equiparação salarial deve ser executado com o mesmo feixe de responsabilidades e obrigações. Nesse ponto, cabe distinguir cargo e função. O cargo seria o gênero do qual a função é a espé-cie. Assim, podemos ter funcionários com o mesmo cargo, porém com diferentes funções (atribuições). Assim, comparando um professor do ensino superior e um professor do ensino fundamental, temos que em ambos os casos o cargo é o mesmo (de professor), contudo, as funções/atribuições/tarefas são distintas.

Seguindo essa linha de raciocínio, mas já adentrando num campo de de-bate jurídico, há autores que entendem que dois professores universitários têm identidade de cargos entre si, mas se ministrarem disciplinas diversas, então te-

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remos diferença de função (história X matemática), o que impediria a concessão da equiparação salarial.

Trabalho de igual valor:

Avançando no estudo, o conceito de trabalho de igual valor está relaciona-do com a igualdade de produtividade e perfeição técnica. Assim, podemos ter numa mesma clínica odontológica dentistas que atendem quantidade diversa de clientes, no que já estaria diferenciada a produtividade de um e outro dentista empregado. Porém, dentre esses mesmos dentistas, de pouco adiantaria con-ceder maior salário para o que maior número de clientes atende, quando o que tem menor produtividade faz o seu trabalho com perfeição técnica superior, de forma que nenhum cliente precise fazer um retorno para retificações de procedi-mentos errados. É necessário estudar o caso concreto para concluir se o trabalho de fato tem igual valor.

Trabalho para o mesmo empregador:

Caso os empregados comparados (paragonado e paradigma) sejam vincu-lados a empregadores diversos, por certo que nada justificará a concessão da equiparação salarial.

Mas antes da reforma trabalhista, tal hipótese gerava dúvidas quando eram comparados empregados de diferentes empresas, porém que pertenciam ao mesmo grupo econômico (empresas que atuam em comunhão de interesses, de forma integrada).

Isso porque muitos autores defendiam/defendem que o grupo econômico de empresas atua como um empregador único. Então, poderia haver a conces-são da equiparação salarial para trabalhadores de diferentes empresas, porém que atuam no mesmo conglomerado econômico.

Contudo, com a reforma trabalhista, pode ser que tal celeuma desapareça, justamente em razão do requisito analisado a seguir.

Trabalho prestado no mesmo estabelecimento empresarial:

Antes da reforma trabalhista, a lei previa que a equiparação salarial era devi-da para empregados que laborassem no “mesmo local”. E o conceito de “mesmo local” era considerado o mesmo município ou mesma região metropolitana. Isso porque o diferente custo de vida nas centenas de cidades do país afora justifica-ria a paga diferenciada.

Todavia, com a reforma trabalhista tudo mudou. Agora, o legislador exigiu como requisito que o trabalho seja executado no mesmíssimo “estabelecimen-to comercial”. Nesse passo, talvez ao longo dos próximos meses/anos os juízes façam interpretações divergentes do que seja o “mesmo estabelecimento em-presarial”, pois no Direito tudo gera diferentes interpretações. Mas se a opção for adotar uma interpretação mais restritiva da lei, o mesmo estabelecimento seria a mesma sede/mesma unidade operacional onde são executadas as atividades empresariais.

Chama-se apenas a atenção para o fato de que a lei civil conceitua o que é tecnicamente um “estabelecimento comercial” no artigo 1.142 do Código Civil,

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dispondo tratar-se de todo o complexo de bens, corpóreos (mercadorias, mesas, mobílias, imóveis) ou incorpóreos (nome comercial, marca, patente, direitos) or-ganizado para o exercício da atividade empresarial (reunião de bens que possi-bilitam o desenvolvimento da atividade empresarial). A utilização deste conceito poderá ampliar as possibilidades de reconhecimento da equiparação salarial, que passaria a designar todas as unidades de determinada empresa.

Portanto, a jurisprudência, com o tempo, deverá dizer se o conceito de esta-belecimento será o conceito técnico adotado no direito civil/comercial, ou se o legislador trabalhista fez mera referência à mesma unidade operacional.

Na segunda interpretação, a filial da empresa seria estabelecimento diverso da sede da empresa, ao passo que, na primeira vertente (direito civil/comercial), sede e filial formariam o mesmo estabelecimento comercial.

Diferença de tempo na função não superior a dois anos:

Diferença de tempo na empresa não superior a quatro anos:

O primeiro mencionado requisito já existia na CLT, não sendo novidade ad-vinda da reforma trabalhista. Assim, deve-se chamar a atenção para o fato de que tempo na função é diferente de tempo de trabalho na empresa.

O segundo requisito, por sua vez, é uma grande novidade da reforma traba-lhista dentro do assunto equiparação salarial.

Assim, o intento do legislador quando instituiu o segundo requisito foi presti-giar o empregado que labora há mais tempo em dedicação a um mesmo empre-gador. Segue um exemplo: considere um trabalhador A admitido em 1980 como ajudante geral e que, após uma década de labor na empresa, galgou o cargo de gerente em 1990. Por outro lado, considere um empregado B que foi admitido na empresa em 1990, já no cargo de gerente, tendo ambos as mesmas atribuições enquanto gerentes.

Pela redação antiga do artigo 461 da CLT, a equiparação salarial seria conce-dida, posto que não há diferença de tempo na função de gerente superior a dois anos.

No entanto, com a nova redação do artigo 461 da CLT, tal equiparação salarial não mais é devida. Afinal, apesar de não haver diferença de tempo na função su-perior a 2 anos, o empregado A possui diferença de tempo na empresa superior a 4 anos quando comparado ao trabalhador B.

Empregados contemporâneos no cargo ou na função:

Para que seja reconhecida a equiparação salarial, os empregados compara-dos devem estar exercendo a mesma função simultaneamente na empresa, no mesmo período. Pois caso um empregado assuma um cargo que estava vago, nada obriga o empregador a ter que manter o mesmo salário para o novo fun-cionário que passará a ocupar a referida vaga.

Inexistência de plano de cargos e salários:

O plano de cargos e salários, assim como o quadro de carreira, constitui nor-

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ma criada de forma facultativa por uma empresa para explicitar as hipóteses e critérios para promoção, a qual pode ser por merecimento e/ou antiguidade. Tal norma interna também pode prever a integralidade de cargos, funções e salários de uma empresa, além de toda e qualquer norma referente à organização e hie-rarquia empresarial.

A partir do momento que o empregador cria tal norma interna, ela adere ao contrato de emprego do trabalhador. Referida norma pode receber diferentes nomenclaturas, mas se o objetivo da norma é reger os critérios de promoção de um funcionário, então estará descartada a hipótese de equiparação salarial por expressa previsão legal. Toda e qualquer promoção e aumento de salário serão regidos pela cogitada norma.

Com a reforma trabalhista, deixou-se de lado a exigência para que o men-cionado Plano de Cargos e Salários fosse homologado ou mesmo registrado em qualquer órgão público. Também não há mais a necessidade de que os critérios de promoção sejam alternados entre merecimento e antiguidade. Ou seja, o em-pregador está livre para regular os critérios que melhor lhe aprouver para efeito de promoção de seus funcionários.

O desrespeito ao Plano de Cargos e Salário ou Quadro de Carreira gera o di-reito ao reenquadramento, e não equiparação salarial.

Empregado readaptado:

Nos termos do § 4º do artigo 461 da CLT, o trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão previden-ciário não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.

Desta forma, se um gerente passar a exercer a função readaptada de ajudante geral na empresa, manterá o seu salário de gerente em razão da irredutibilidade salarial, mas outro funcionário que atue como ajudante geral não poderá pleitear equiparação salarial com o mesmo. Essa redação não resultou de qualquer alte-ração da reforma trabalhista.

Multa no caso de discriminação:

Com o advento da Lei n.º 13.467/2017, festeja-se a introdução do §6º ao ar-tigo 461 da CLT. Assim, havendo comprovada discriminação salarial por motivo de etnia ou sexo, além das diferenças salariais resultantes da equiparação sala-rial, o empregador também será condenado ao pagamento de multa no valor de 50% (cinquenta por cento) do teto do Regime Geral de Previdência Social. Tal limite máximo de benefício desde 01/01/2018 está estipulado em R$ 5.645,80 (cinco mil seiscentos e quarenta e cinco reais e oitenta centavos), de acordo com a Portaria do Ministério da Fazenda Número 15, de 16/01/2018.

Por certo que o legislador poderia ter incrementado o valor da multa em ques-tão, considerando a repulsa que qualquer discriminação causa, bem como por se tratar de violação a direitos assegurados pela Constituição da República. Mas também é certo que, configurada a discriminação em apreço, o empregador não se verá livre de possível pedido de reparação a título de danos extrapatrimoniais.

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Paradigma Remoto:

A lei 13.467/2017 veda a indicação de paradigma remoto para efeito de equi-paração salarial, sendo que a equiparação deve ser pretendida apenas em rela-ção a empregado contemporâneo. Ou seja: o trabalhador não poderá reivindicar a equivalência salarial com empregado com quem não tenha trabalhado.

A atual redação do § 5º do artigo 461 da CLT (reforma trabalhista) vai de en-contro com o que estava disposto no inciso VI da súmula 06 do C. TST. Era a cha-mada equiparação salarial em cadeia. Vejamos:

(...) VI - Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma, exceto se decorrente de vanta-gem pessoal, de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior ou, na hipótese de equiparação salarial em cadeia, suscita-da em defesa, se o empregador produzir prova do alegado fato mo-dificativo, impeditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial em relação ao paradigma remoto.

Assim, mesmo quando havia diferença de tempo na função superior a dois anos entre o paragonado e os paradigmas remotos, não havia impeditivo à equiparação. Nem a ausência de convívio com os paradigmas remotos era im-peditivo à equiparação salarial do empregado com seus paradigmas imediatos, em relação somente aos quais deveria haver comprovação das exigências esta-belecidas em lei.

Mas, como já visto, com a reforma trabalhista já não mais é possível apontar paradigma remoto, havendo a necessidade, portanto, de que paragonado e pa-radigma laborem de forma contemporânea, no mesmo período.

OBSERVAÇÃO 1:

Também se aponta como condição para o reconhecimento à equiparação salarial que os empregados estejam submetidos ao mesmo regime jurídico, qual seja, o regime celetista, não sendo permitido equiparar empregado celetista com aquele que possui vínculo estatutário.

OBSERVAÇÃO 2:

Para alguns estudiosos do Direito, na hipótese de sucessão de empresas (uma pessoa jurídica compra ou assume outra empresa) ou fusão de empresas (duas empresas que se unem gerando outra empresa), a partir do momento que os empregados passam a pertencer à mesma empresa, passam a fazer jus à equi-paração salarial (desde que presentes os demais requisitos).

OBSERVAÇÃO 3:

A terceirização de serviços pode ser a específica da Lei n.º 6.019/1974 (quan-do envolve empresa de trabalho temporário), assim como pode ser a chama-da terceirização genérica, residual, quando não envolve a empresa de trabalho temporário.

Cumpre lembrar que, consoante o artigo 12, alínea “a” da Lei n.º 6.019/74, ao trabalhador temporário (empregado de empresa de trabalho temporário) é

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assegurado receber remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora dos serviços.

Já na terceirização residual, genérica, a lei registra para a empresa prestadora do serviço uma faculdade em conceder ou não os salários e benefícios dos em-pregados da empresa tomadora de serviços, como se observa do artigo 4º-C da Lei n.º 6.019/1974:

Art. 4o-C [...] § 1o Contratante e contratada poderão estabelecer, se as-sim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo. (destaque da transcrição)

Rememoramos que a matéria referente à terceirização já está retratada em tópico específico deste material, estando ali analisada com maior profundida-de, inclusive no que diz respeito à constitucionalidade deste último dispositivo transcrito.

OBSERVAÇÃO 4:

A lei não dispõe expressamente sobre o número limite de paradigmas a se-rem apontados nas ações judiciais, sendo que a doutrina diverge a respeito do assunto.

EQUIVALÊNCIA SALARIAL – 460 da CLT:

A equiparação salarial não se confunde com a chamada equivalência salarial, prevista no artigo 460 da CLT.

Tal artigo não foi alvo da reforma trabalhista. Ocorre a equivalência salarial quando há falta de estipulação do salário ou quando não há prova sobre a im-portância ajustada. Nessa hipótese, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante.

ENQUADRAMENTO E DESVIO DE FUNÇÃO:

Como já dito neste tópico quando da análise de um dos requisitos da equi-paração salarial, na hipótese de haver Quadro de Carreira ou Plano de Cargos e Salários, o empregado é reenquadrado quando alcança alguma promoção.

Já o desvio de função acontecerá quando o empregador desrespeitar essa sua norma interna, de forma a deixar de conceder aumento salarial e progressão funcional ao empregado.

SALÁRIO SUBSTITUIÇÃO:

O direito em debate não possui previsão legal. Todavia, ele é decorrência ló-gica do princípio da isonomia, tendo a jurisprudência se pautado também no artigo 450 da CLT para o seu reconhecimento. Esse artigo não sofreu modificação com a Lei n.º 13.467/2017:

Artigo 450 da CLT. Ao empregado chamado a ocupar, em comissão, in-terinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diver-so do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do tempo naquele serviço, bem como volta ao cargo anterior.

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Nesse cenário, nasceu a Súmula n.º 159 do C. TST:

SUBSTITUIÇÃO DE CARÁTER NÃO EVENTUAL E VACÂNCIA DO CARGO. I - Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramen-te eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído.II - Vago o cargo em definitivo, o empregado que passa a ocupá-lo não tem direito a salário igual ao do antecessor.

O salário substituição, propriamente dito, ocorre quando há o pagamento de salário do empregado substituído/titular do cargo para aquele que ocupar de forma provisória (não eventual) a sua função.

Assim, se um trabalhador for designado para substituir outro empregado de padrão salarial mais elevado, o substituto terá o direito de receber o salário do substituído, enquanto durar a substituição.

Mas, como visto, esse direito só nascerá para as substituições previsíveis de ocorrer.

A jurisprudência passou a interpretar que os afastamentos regulares, de ocorrência previsível, que ocorrem periodicamente, ensejam o pagamento do salário do substituído. São exemplos: férias, licença maternidade, licença prêmio, etc., pois se tratam de situações previsíveis numa empresa.

Por outro lado, já as faltas, justificadas ou não, ocorridas em razões de doença ou acidente de trabalho não ensejam o pagamento do salário substituição. Isso porque não se trata de uma situação esperada, não é uma situação previsível de acontecer. Não é previsível que aconteça um acidente ou uma doença.

Apenas por excesso de cautela registra-se que algumas correntes doutriná-rias entendem que o afastamento por doença/acidente superior a 15 dias passa a gerar o direito ao salário substituição (quando o empregado substituído entra em licença previdenciária).

Por fim, mais uma vez lembramos que sucessão no cargo ocorre quando há cargo vago, o que não gera direito ao salário do anterior funcionário que ocu-pava o cargo. Portanto, o trabalhador que passa a ocupar um cargo vago será sucessor e não substituto.

ATENÇÃO: Há corrente doutrinária que defende que, na Administração Pública, o direito ao salário substituição não deve ocorrer, posto que o emprega-do substituto não se submeteu a concurso público para ocupar a vaga do subs-tituído. Há também corrente doutrinária que, pelo mesmo motivo, entende não ser possível a equiparação salarial ou o desvio de função, sob pena de violação da regra constitucional do concurso público. O tema gera debates.

A “terceirização”:

Quem nunca ouviu falar de “terceirização”, especialmente a partir da década de 1970? Trata-se de um fenômeno inerente ao sistema capitalista que veio para ficar, aplicando-se a todas as áreas da economia. Consiste, como o próprio nome indica, na transferência da atividade produtiva (aí incluídas todas as espécies de prestação de serviços) de uma determinada empresa para terceiros, que, por sua

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vez, contratam a mão-de-obra necessária à realização de determinado produto ou serviço.

A grande questão é: a terceirização vem para melhorar as relações entre capi-tal e trabalho ou servem apenas para precarizar as condições de trabalho?

A resposta é complexa. Envolve entender o fenômeno terceirizante e, espe-cialmente, os seus efeitos nas relações de trabalho e em toda a sociedade.

Do ponto de vista empresarial, sempre se defendeu a terceirização como um meio eficaz de aperfeiçoamento da produção. Partindo do pressuposto de que essa espécie de subcontratação pode de fato servir como uma forma de especia-lização de determinada fabricação ou serviço, é mesmo defensável esta ideia. A fabricação de um automóvel é um bom exemplo: como são muitos os compo-nentes de um veículo, é até recomendável, para a qualificação do produto, que suas diferentes partes sejam produzidas por empresas especializadas, que desen-volverão o know-how da respectiva produção. Assim, a montadora especializa-se no desenvolvimento do projeto e de partes específicas do veículo, mas delega a terceiros a produção do pneu, dos vidros, do sistema de freios, etc. Percebe-se aí uma clara tentativa de otimização e especialização na atividade terceirizando, o que, para o consumidor em geral, pode ser bom.

Outro exemplo é a delegação a terceiros de algum serviço muito peculiar. Porém, é justamente nesse meio que a terceirização pode deixar de servir como um meio de melhoria do produto ou serviço, para se tornar uma forma de bara-teamento do custo da produção, às custas da redução de direitos do trabalhador.

Vejamos.

Quem nunca se deparou, em prédios públicos ou privados, com trabalhado-res “terceirizados” na portaria, na limpeza, ou nos serviços de copa? É evidente que tais empregados não são “especializados”. Sua contratação é simplesmente delegada do tomador (a empresa que delega ao terceiro a prestação dos servi-ços) para a empresa terceirizada, que, por sua vez, contrata o trabalhador.

O que se questiona são as vantagens proporcionadas pelo sistema. Se não é a especialização (pois é notório que as atividades de limpeza, portaria e de serviço de copa e cozinha não são especializadas), onde estaria o resultado satisfatório para aquele que delega as atividades? A resposta, aqui, não é muito complexa.

No sistema capitalista de produção, toda empresa tem por finalidade princi-pal e última a obtenção de lucro. Consequentemente, para que uma atividade não especializada possa ser terceirizada, é natural que o empresário tenha de enxergar algum lucro. Naturalmente, além de lucrar, com a terceirização o em-presário também buscará se eximir de eventuais questões de administração de pessoal.

Assim, imaginando que determinados empregados (por exemplo, de lim-peza e de portaria) custem ao tomador dos serviços o valor “10”, a terceirização deles terá de custar no máximo “9” para esta empresa. Do contrário, não haveria sentido em terceirizar a força de trabalho. Assim, neste exemplo, a empresa ter-ceirizada teria de aceitar “9” para assumir os postos de trabalho que lhe foram delegados.

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Acontece que a empresa terceirizada também é parte do sistema capitalista. Portanto, como já observado, ela também tem a finalidade lucrativa como uma razão de ser. Nesse caso, é certo concluir, no exemplo utilizado, que, para que ela sobreviva, não poderá pagar mais que “8” para seus empregados.

O problema é que, enquanto o tomador dos serviços e a empresa terceiriza-da ganham com a atividade terceirizante (pois ambos lucram com a atividade, sendo o primeiro a partir da redução de custos), o trabalhador perde. E muito. Afinal, ainda no exemplo utilizado, a massa salarial que antes da terceirização recebia “10” passa a receber “8” para desempenhar o mesmo serviço. Ou seja: a terceirização levada a efeito tão somente com a finalidade de “baratear” os custos (não como um meio de especialização da produção), tem o perverso efeito de re-duzir o valor da força de trabalho, contribuindo para o aumento da desigualdade social, e marginalizando um elevado número de trabalhadores, que passam a contar com o mínimo necessário à sua subsistência.

É por isso que a onda de terceirização sempre foi muito criticada por mui-tos ramos da sociedade, em especial aqueles que enxergam essas iniquidades, e que, de uma certa forma, ainda acreditam no sistema capitalista como um meio viável de se viver em sociedade.

Sim, pois se analisarmos o significado deste barateamento da força de traba-lho, enxergaremos o quão maléfico ele pode ser para a própria manutenção do sistema capitalista, pois o acesso ao consumo de grande parte da população é reduzido, e, sem consumo, o capitalismo não pode funcionar a contento. Além disso, baixos salários são uma porta aberta para a marginalização social, o que representa aumento da criminalidade, e, portanto, a necessidade do aumento da atuação do Estado.

Acontece que o Estado vive da arrecadação de impostos, e, quanto menor for a atividade produtiva (o que ocorre com a redução do consumo), menor será a arrecadação. Consequentemente, o Estado também se fragiliza, reduzindo seu imprescindível caráter tutelar e inclusivo. O resultado é danoso. E evidencia que, na “ponta da cadeia”, os mais ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres, ainda mais pobres.

Infelizmente, essa é uma visão pessimista, mas realista, de um fenômeno que veio para ficar. Cabe à sociedade compreendê-lo e tentar evitar que seus efeitos maléficos se perpetuem.

A completa mudança a partir da reforma:

Até a reforma trabalhista, pouco havia de legislação que regulasse o fenô-meno da terceirização. Basicamente, o que existiam eram leis específicas, para setores também específicos, que podem ser resumidas da seguinte forma:

1) Decreto-Lei n.º 200/1967 e Lei n.º 5.645/1970, que regulavam a terceiriza-ção de serviços no âmbito da Administração Pública;

2) Lei n.º 7.102/1983, que regulava a atividade específica de vigilância, pre-vendo a possibilidade de contratação por empresas especializadas (que se tor-naram terceirizadas); e

3) Lei n.º 6.019/1974, a Lei do Trabalho Temporário, que passou a permitir

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a subcontratação por empresas especializadas em quaisquer atividades, desde que fosse para situações excepcionais de acréscimo extraordinário de serviços ou substituição pontual de algum trabalhador.

Não havia, como se vê, uma lei que tratasse da terceirização em sentido am-plo, ou seja, em qualquer atividade econômica. Porém, não há dúvidas de que a difusão da figura em questão atingiu um patamar de relevo dentro da sociedade. Tal fato, como é natural a todo fato que produz repercussões na ordem jurídica, bateu às portas do Poder Judiciário, que se viu na necessidade de avaliar os re-flexos do instituto, tanto sob a perspectiva do trabalhador, como da empresa tomadora de seus serviços.

Como consequência dessa reflexão, o Tribunal Superior do Trabalho firmou posição específica para o setor privado, no sentido de que, à exceção das hipó-teses das leis 6.019 e 7.102, “é ilegal a contratação de trabalhadores por empre-sa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.” (Súmula 256).

Com essa ideia, o TST deixou claro que a terceirização, por consistir indubi-tável exceção ao padrão fixado em mais de dois séculos de existência do Direito do Trabalho (relação bilateral, empregador e empregado), não poderia ser esten-dida para outras hipóteses que não aquelas expressamente previstas em texto legal. Afinal, não havia dúvidas de que, ao afastar-se do empregador clássico, normalmente uma grande empresa, o trabalhador seria inserido em um contex-to de precarização de seus direitos (como já observamos).

Ocorre que o TST modificou seu entendimento inicial, ao editar a Súmula 331, já no ano de 1994. Na oportunidade (assim como nas modificações posteriores), passou a reconhecer que, ao lado das hipóteses legalmente previstas, também a contratação de “serviços de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (...)” (parte da Súmula 331, inciso II, do TST), seriam reputadas válidas.

Com a inovação, o que seria exceção passou a ser regra. E como, do ponto de vista econômico, o instituto representou grande enxugamento da atividade empresarial (o que demonstra que o “preço” da força de trabalho, sob a ótica do modelo terceirizante, foi achatado), ele passou a ser usado em larga escala pelos empresários. É que eles viram, no desemprego e na crescente demanda de empresas de terceirização de serviços, um terreno fértil para a diminuição do valor da força de trabalho e, por consequência, de precarização dos direitos dos trabalhadores.

Porém, observa-se que em nenhum momento era tolerada a chamada tercei-rização de “atividade-fim”, isto é, na atividade principal do tomador. Ou seja: não se permitia que um professor de uma escola pudesse ser “terceirizado”, ou que um piloto de uma empresa de aviação também o fosse, ao contrário dos faxinei-ros e porteiros dessas mesmas instituições.

A partir de agora, toda atividade poderá, pelo texto da nova lei, ser “tercei-rizada”. Afinal, com as Leis n.º 13.429/2017 e 13.467/2017 (especialmente com a última), que, de forma pouco técnica, inseriram a terceirização “em geral” na lei específica que trata de trabalho temporário (Lei n.º 6.019/1974), passou-se a prever que:

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Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (sem destaque no original)

Mais que isso: a nova lei passa a prever a possibilidade “quarteirização” (ou até além disso, conforme a atividade empresarial avaliar), ao dispor o seguinte, no parágrafo 1º do citado artigo 4º-A:

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras em-presas para realização desses serviços. (destaque da transcrição)

Ou seja: naquela conta inicial em que traduzimos o custo do tomador de ser-viços com a mão-de-obra passível de terceirizar em “10”, e da empresa prestadora de serviços em “9”, é possível que surja outro intermediário, subcontratado pela própria empresa prestadora, e que possivelmente receberá “8”. Aquele trabalha-dor do exemplo receberá, então, “7”, embora continue realizando exatamente as mesmas atividades que realizava recebendo “10” da empresa principal.

A se refletir.

Os direitos do trabalhador “terceirizado”:

Sob a justificativa de regulamentar o trabalho do empregado terceirizado (enquadrando-o como se fosse uma nova classe de trabalhadores, o que, defi-nitivamente, não ocorre), as novas leis da reforma trabalhista passaram a pre-ver quais são seus direitos na relação de emprego. Porém, ela não acrescenta qualquer direito ao padrão já existente na relação de emprego em geral. Trata-se da redação do artigo 4º-C da Lei n.º 6.019/1974, com a redação da Lei n.º 13.467/2017:

Art. 4o-C. São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4o-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contra-tante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:I - relativas a: a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; b) direito de utilizar os serviços de transporte; c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a ativi-dade o exigir. II - sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no tra-balho e de instalações adequadas à prestação do serviço.

Chega a ser tormentosa a evidente desnecessidade de se prever que o tra-balhador “terceirizado” tenha o mesmo direito a alimentação, transporte e aten-dimento médico que os empregados da empresa tomadora de serviços, assim também a condições sanitárias dignas. Afinal, no mundo supostamente civi-lizado em que vivemos, é humanamente impensável que trabalhadores ditos “terceirizados” precisem de um dispositivo legal que estabeleça que possam ser atendidos de forma tão humana como os empregados diretos da tomadora. Até porque a própria Constituição Federal estabelece, em seu artigo 7º, XXXII, que é direito fundamental de todos os trabalhadores (inclusive os “terceirizados”, ob-

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viamente) a “proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”

Porém, em se tratando de um país que foi o último do mundo ocidental a banir a escravidão (ao menos de forma legalizada), é até possível entender esse raciocínio, já que sabemos que, infelizmente, nossa sociedade ainda convive com ideias retrógradas a respeito das atividades que exigem menor qualificação (a terceirização em geral), ainda ocupadas em sua maioria por negros.

Por outro lado, a ideia de que “treinamento adequado, fornecido pela con-tratada, quando a atividade o exigir” possa significar um “direito” do trabalha-dor “terceirizado também gera algum desconforto. É que o treinamento para o exercício de determinada atividade não é direito do empregado, mas obrigação do seu empregador, o que quer dizer que este dispositivo é tão infeliz como os demais analisados neste item.

Como se não bastasse, a mudança ainda trouxe algumas perplexidades, que deverão ser questionadas judicialmente. Trata-se das previsões inscritas nos §§1º e 2º do novo artigo 4º-C da Lei n.º 6.019/1974, no seguinte sentido:

§ 1o Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entende-rem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo. (destaque da transcrição)§ 2o Nos contratos que impliquem mobilização de empregados da contratada em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, esta poderá disponibilizar aos empre-gados da contratada os serviços de alimentação e atendimento am-bulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de aten-dimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes.

A disposição do §1º é claramente inconstitucional (e, portanto, inválida), e por isso não deverá sobreviver sob a ótica do já mencionado artigo 7º, XXXII da Constituição Federal. É evidente, afinal, que contratante e contratada deverão (não meramente “poderão”) estabelecer a isonomia salarial entre seus emprega-dos que exercem atividades similares.

Já a previsão contida no §2º é preocupante, pois poderá dar ensejo à existên-cia de dois refeitórios e dois ambulatórios, cada um destinado a uma “classe” de trabalhadores (terceirizados e não-terceirizados), o que, em linhas gerais, parece se assemelhar com o apartheid existente na África do Sul até 1994 (e nos EUA até a década de 1950), um regime de separação entre negros e brancos, que, no caso, serviria para separação entre terceirizados e não-terceirizados. Certo seria simplesmente que o legislador estipulasse a existência de mais de um refeitório e um ambulatório, conforme a quantidade de empregados diretos e “terceiriza-dos”, ambos podendo ser frequentados por qualquer trabalhador.

Por fim, é importante observar a existência de algumas peculiaridades na ati-vidade terceirizada, todas dispostas na nova lei. São elas:

1) a vedação à contratação de trabalhadores “terceirizados” em atividades di-ferentes daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços;

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2) a responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas dos empregados da empresa prestadora de serviços;

3) a proibição para figurar como contratada a pessoa jurídica cujos proprie-tários tenham sido, nos dezoito meses anteriores à contratação, empregados ou prestadores de serviços autônomos ou eventuais, saldo se forem aposentados; e

4) a proibição de contratação, pela empresa prestadora de serviços, de em-pregado demitido pela tomadora no período de dezoito meses da dispensa do empregado.

Procedimentos para a rescisão contratual.

Na sua atual redação, o artigo 477 da CLT trata acerca dos procedimentos necessários para se formalizar uma rescisão contratual. Vejamos:

Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, co-municar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo. [...] § 2º - O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especi-ficada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.[...] § 4o O pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado: I - em dinheiro, depósito bancário ou cheque visado, conforme acor-dem as partes; ouII - em dinheiro ou depósito bancário quando o empregado for analfabeto. § 5º - Qualquer compensação no pagamento de que trata o parágrafo anterior não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado. § 6o - A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de resci-são ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.§ 8º - A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o in-frator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.[...] § 10. A anotação da extinção do contrato na Carteira de Trabalho e Previdência Social é documento hábil para requerer o benefício do seguro-desemprego e a movimentação da conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, nas hipóteses legais, desde que a comunicação prevista no caput deste artigo tenha sido realizada.

Antes da reforma trabalhista, qualquer pedido de demissão referente a con-trato de emprego que perdurou por mais de 01 (um) ano, para ser considerado válido, deveria ser homologado perante o respectivo sindicato ou perante uma autoridade do Ministério do Trabalho. E consoante previa o agora revogado §7º do artigo 477 da CLT, o sindicato era obrigado a prestar assistência na rescisão sem poder cobrar qualquer valor do empregado ou mesmo do empregador.

Todavia, com a reforma trabalhista essa assistência obrigatória na homolo-

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gação deixou de ser requisito para a validade do ato. Assim, o pedido de demis-são do empregado e a consequente rescisão contratual podem ser formalizados dentro da própria empresa. É uma burocracia a menos.

Já o pagamento das verbas rescisórias pode ser feito em dinheiro, depósi-to bancário (meio antes não previsto expressamente na lei) ou cheque visado (que é o cheque no qual o banco atesta que no momento do visto a conta do pagamento tem saldo suficiente para cobrir o valor do cheque). Mas excepcio-nalmente, se o empregado for analfabeto, o pagamento por meio de cheque está proibido.

Com a rescisão do contrato de emprego por qualquer de suas modalidades, nasce para o empregador a obrigação não só de (1) pagamento das verbas resci-sórias, mas também de (2) proceder à anotação da baixa na CTPS do empregado, bem como de (3) comunicar a dispensa aos órgãos competentes.

Acrescentamos ainda que, a teor do 6º do artigo 477 da CLT, temos ainda como obrigação a (4) entrega dos documentos que comprovem a comunicação da extinção do contrato aos órgãos competentes. Mas alguns autores defen-dem que tal obrigação deixou de existir. Falaremos mais ao final deste tópico a respeito.

O prazo para pagamento das verbas rescisórias atualmente é de 10 dias a contar da extinção do contrato. Antes da reforma, o prazo era de 10 dias para os contratos que se encerravam sem aviso prévio (pedido de demissão, aviso prévio dispensado, contrato a prazo certo) ou com aviso prévio indenizado, ao passo que para os contratos com aviso prévio trabalhado o empregador tinha que efe-tuar o pagamento das verbas até o 1º dia útil imediato ao término do contrato.

Merece aplausos a interpretação que alguns juristas têm feito quanto ao ter-mo inicial de contagem desse prazo de 10 dias, de forma que tal decênio deve ser contado a partir do último dia da prestação de serviços (sem considerar a data final da projeção do aviso prévio). Isso porque, consoante a lei, temos aviso prévio que pode chegar ao prazo de até 90 dias. E é difícil imaginar possa um empregado ficar tanto tempo (no caso 100 dias) sem receber seus haveres res-cisórios (que possuem natureza alimentar), justo nesse momento tão delicado.

A importância quanto ao cumprimento desse prazo se deve ao fato de que o empregador, acaso atrase um dia sequer, incidirá no pagamento de multa no valor equivalente a um salário do empregado, salvo quando comprovadamente o trabalhador der causa à mora. (§7º do artigo 477 da CLT)

O §5º do artigo 477 da CLT permanece com sua redação inalterada. Nessa to-ada, qualquer compensação de valores no ato da rescisão não poderá exceder ao valor de um mês de remuneração do empregado. A compensação mencionada ocorre quando o empregador é credor de alguma quantia paga ao empregado, por exemplo, a título de adiantamento de salário, vale transporte, etc.

Por fim, reiteramos que o prazo de 10 dias também se aplica para a entrega de guias aptas a permitir o saque do FGTS e habilitação no programa do seguro desemprego.

Abre-se um parêntesis para reconhecer que uma aparente contradição pare-ce ter surgido na nova lei.

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Se, por um lado, o §6º determina que no prazo de 10 dias seja feita a entre-ga dos documentos que comprovem a comunicação da extinção do contrato aos órgãos competentes, por outro lado o § 10º menciona que a mera baixa na CTPS é documento hábil para requerer o benefício do seguro desemprego e a movimentação da conta vinculada no FGTS. Mas estudiosos ressaltam que há casos em que as guias são imprescindíveis ao empregado, tal como, por exem-plo, quando o empregado fica temporariamente sem sua CTPS (art. 13, § 4º, II da CLT). Também destacamos que, quando o empregador não comunicou a resci-são do contrato aos órgãos competentes (caput e §10º do artigo 477 da CLT), te-mos aí mais uma necessidade das guias comprobatórias da extinção do contrato.

A dispensa coletiva.

O tema relacionado à dispensa de um trabalhador é dos mais importantes do Direito do Trabalho. Isto porque, como sabemos, é do emprego que o trabalha-dor retira seu sustento (e de seus familiares), o que quer dizer que uma dispensa injustificada representa, na maior parte das vezes, a perda do próprio sustento do empregado. Sob outra ótica, sabemos que é pelo trabalho que o ser humano adquire cidadania na acepção da palavra, pois dele obtém condições para desen-volver seus projetos de vida e para inserir-se nas relações de consumo.

Nesse sentido, se a dispensa de um único trabalhador já tem efeitos negati-vos no meio social (até mesmo sob o ponto de vista do “custo” social, pois o segu-ro-desemprego é custeado com recursos públicos), é de se imaginar o peso que uma dispensa coletiva de empregados terá para a sociedade, tanto com relação à marginalização (do ponto de vista social e econômico) das pessoas sem emprego como no que diz respeito ao custeio do seguro-desemprego. Em comunidades menores, o impacto negativo é ainda maior, pois há muitas cidades em que ape-nas uma grande empresa emprega grande parte da população economicamente ativa, o que quer dizer que a vida desses lugares gira em torno, muitas vezes, da atividade econômica empreendida pela grande empresa (até mesmo do ponto de vista da arrecadação de tributos incidentes sobre a atividade produtiva).

Diante da relevância do assunto, a Constituição Federal prevê, desde 1988, já no primeiro inciso do artigo 7º, constituir direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.

Perceba que a regra em questão não distingue entre despedida individual ou coletiva, o que quer dizer que a regulamentação do direito mencionado deve abranger também a forma mais impactante, que é a dispensa coletiva, ante a inexistência de distinção por parte do legislador constitucional.

Porém, de forma paradoxal, até hoje, passados quase trinta anos da promul-gação da Constituição Federal, a lei complementar a que se refere o dispositivo transcrito ainda não foi editada. Por isso, o máximo que o trabalhador dispen-sado de forma arbitrária ou sem justa causa tem é o direito a uma indenização equivalente a 40% (quarenta por cento) dos depósitos de FGTS, inicialmente pre-vista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e hoje prevista na Lei n.º 8.036/1990.

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O fato de a lei complementar a que se refere à Constituição ainda não haver sido editada não serve, porém, para que se desconsidere esse verdadeiro princí-pio instituído pela Constituição, consubstanciado na proteção contra a rescisão imotivada. Aliás, são diversas as passagens em que a Constituição prestigia a pro-teção do emprego, podendo ser citados os artigos 1º, III e IV, que estabelecem como fundamentos da República Federativa do Brasil “a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, ou do artigo 3º, III, que elenca como objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Na mesma linha, o artigo 170 da Constituição, que prevê:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...] III - função social da propriedade;[...] VII - redução das desigualdades regionais e sociais;VIII - busca do pleno emprego.

Diante desse quadro, mesmo sem a existência de uma regulamentação do ar-tigo 7º, I, da Constituição, a Justiça do Trabalho firmou entendimento de que, em se tratando de dispensa em massa, a negociação coletiva seria imprescindível para a validação das dispensas. Até porque nossa Constituição também estabe-lece que o sindicato é imprescindível para as questões relacionadas às diversas categorias, dispondo no artigo 8º, III, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

O posicionamento mencionado (firmado no ano de 2009) foi um verdadeiro “divisor de águas”, pois, até então, não havia unanimidade, a despeito das diver-sas regras constitucionais indicando esse direcionamento.

Porém, no ano de 2017, no âmbito da reforma trabalhista, o legislador enten-deu por bem editar o artigo 477-A da CLT, que passa a dispor que:

As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam--se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acor-do coletivo de trabalho para sua efetivação.

Em outras palavras, a mudança desconsidera toda a construção desenvolvi-da pela Justiça do Trabalho no assunto em análise, passando a igualar formas completamente distintas de dispensa (ao menos no aspecto social e econômico), assim consideradas as individuais e as coletivas, e a desconsiderar a participação do sindicato em um ato tão relevante no meio trabalhista.

Pelo que se observa, a nova regra contraria a Constituição, tanto que já há diversas decisões considerando inconstitucional o artigo 477-A (na parte em que ele equipara as modalidades de dispensa e afasta a necessidade de participação do sindicato nas dispensas coletivas).

Teremos, certamente, muita discussão pela frente.

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Planos de Demissão Voluntária (PDV) ou Incentivada (PDI).

Muitas vezes, o empregador precisa meramente reduzir gastos em sua em-presa como estratégia para melhor direcionar seus recursos e, em outras vezes, precisa mais radicalmente enxugar o seu quadro de funcionários, máxime quan-do atravessa um cenário econômico desfavorável. Mas por certo que o anúncio de possíveis demissões numa empresa gera consequências nefastas, deixando o ambiente de trabalho instável, com trabalhadores temerosos e incertos do que ocorrerá no seu futuro próximo.

Nesse contexto, como forma de minimizar as consequências do anúncio des-sa quebra contratual, que pode ou não ser em larga escala, temos a figura do PDV ou PDI (Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada). Aqui, o empregador não escolherá este ou aquele empregado para dispensa, mas dará oportunida-de para que os próprios trabalhadores reflitam sobre o momento de dar outro rumo à sua vida profissional. Ao invés de o empregador utilizar do seu poder potestativo de dispensa, deixará que os próprios empregados tomem essa deci-são. E, como forma de retribuição, o empregador irá instituir prêmios ou outras vantagens econômicas para incentivar o empregado a dar cabo ao seu contrato de emprego.

Os planos em questão estão previstos no novo artigo 477-B da CLT:

Artigo 477-B. Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dis-pensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Como se trata de uma modalidade para incentivar a demissão, por certo que deve haver a concessão de um plus em relação às verbas rescisórias que seriam devidas num mero pedido de demissão do empregado. Se esse acréscimo não existir, não teremos uma demissão incentivada, mas sim mero e normal pedido de demissão.

Como exemplo desses incentivos, temos: salário adicional por ano de serviço completo na empresa, extensão do plano de saúde para o empregado e família após a rescisão do contrato, auxílio alimentação, etc.

O PDV deve conter concessões bilaterais (por parte do empregado e do em-pregador) e não pode ter conteúdo discriminatório.

Pela literalidade do artigo supra (art. 477-B), esse PDV pode ser instituído para demissões individuais, plúrimas ou coletivas.

Por outro lado, qualquer empregador (área privada ou pública – consideran-do, neste caso, exclusivamente o regime celetista) poderá instituir uma norma interna prevendo as condições do referido plano.

E a novidade que se tem com a reforma trabalhista é a seguinte: quando esse PDV estiver previsto em norma coletiva (ACT ou CCT) (ou seja, contar com a chancela do sindicato), o empregador obterá a quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação de emprego, salvo se houver disposição em contrário estipulada entre as partes.

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Tal novidade que se tem com a reforma trabalhista está em conformidade com decisão proferida pelo STF no ano de 2015, no processo 590415. Essa par-ticipação do sindicato é importante, pois, como já visto, a relação entre as partes do contrato de emprego é assimétrica (não há pleno equilíbrio) e a presença do sindicato eliminaria essa desigualdade de forças que existe entre as partes.

A decisão do STF (e a reação do legislador em criar referido artigo preven-do a quitação plena dos direitos decorrentes da relação empregatícia) só se deu porque, antes, o TST, por meio de uma orientação jurisprudencial (a OJ 270 da SDI-1), havia emitido jurisprudência pacífica em sentido diverso, ao afirmar que a quitação era exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo do PDV.

Uma nova modalidade de dispensa por justa causa.

Existem cinco formas principais de encerramento de um contrato de traba-lho. Uma delas foi criada com a reforma trabalhista, e a trataremos no próximo tópico: trata-se da dispensa por acordo entre empregado e empregador. As ou-tras quatro já existiam, e subdividem-se em duas categorias: por iniciativa do empregado e do empregador.

São formas de se colocar fim ao contrato de trabalho por iniciativa do empregado:

1. o pedido de demissão; e

2. a rescisão por justa causa do empregador.

São maneiras de se por fim ao ajuste por iniciativa do empregador:

1. a dispensa sem justa causa; e

2. a rescisão por justa causa do empregado.

Os efeitos da rescisão serão mais ou menos abrangentes, conforme a mo-dalidade de encerramento do contrato. Assim, se o empregador decidir dispen-sar seu empregado sem qualquer justificativa, ou se praticar uma falta grave em face de seu empregado, terá de pagar-lhe uma indenização, que não existirá se a iniciativa do rompimento do contrato partir do trabalhador por pedido de de-missão, ou se este houver praticado uma falta grave ao ponto de tornar insusten-tável a relação de emprego.

A reforma trabalhista não alterou a estrutura da rescisão contratual já exis-tente. Apenas, como observado, criou uma forma de encerramento do contrato, por acordo entre o patrão e seu empregado. Ao mesmo tempo, acrescentou uma modalidade de rescisão contratual por justa causa do empregado, passando a dispor na alínea m do artigo 482 da CLT que constitui justa causa a:

[...] perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

A análise do dispositivo em questão deixa claro, portanto, que sua aplicabi-lidade é reservada para aqueles casos em que o empregado, para exercer sua profissão, precisa de alguma espécie de habilitação ou qualificação especial.

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São inúmeros os casos abrangidos pela norma: o professor, o médico, o ad-vogado, o enfermeiro, o motorista, etc. E o que a regra vem dispor é que, se o profissional considerado vier a perder sua habilitação, poderá ser enquadrado no dispositivo.

Exemplos comuns da situação estudada são vistos nas hipóteses de uso de diploma falsificado. Nesses casos, a lei sequer precisaria ser alterada, pois o ato é criminoso, de modo que a justa causa para a rescisão contratual estaria abrangi-da até mesmo em outra espécie de dispensa motivada, que é a caracterização de improbidade. Evidentemente, se a conduta é criminosa, não seria aceitável que o empregador não pudesse dispensar o respectivo empregado, ou que tivesse de indenizá-lo em razão da rescisão.

Mas é sabido que o caso mais frequente de aplicação prática da nova regra é a do empregado motorista, que necessita de habilitação específica para dirigir. E é justamente nessa situação que a questão ganha em interesse.

Refazendo a leitura da lei, podemos observar que sua aplicabilidade é restrita para o caso de conduta dolosa do empregado. Ou seja: que ele somente po-derá ser dispensado por justa causa se perder sua habilitação de forma intencio-nal (dolo), não por mera atitude negligente, imprudente ou imperita (culpa em sentido estrito). Isso quer dizer que o motorista profissional que vier a sofrer a perda de sua habilitação para dirigir por “excesso de pontos” ou por determinada infração ao volante não poderá ser dispensado por justa causa, cabendo ao em-pregador remanejá-lo, ou, se não quiser mantê-lo como empregado, dispensá-lo sem justa causa.

Existem, porém, situações cuja solução é mais complexa. Um bom exemplo é o do motorista flagrado embriagado ou sob efeito de drogas (no exercício da função ou fora dele), e que comete crime ao volante. Em regra, a presunção é a de que tal conduta é culposa, ou seja, imprudente. Nesse caso, se o trabalhador vier a perder sua habilitação, não poderá ser dispensado por justa causa, por fal-tar a chamada “conduta dolosa”. Porém, se a conclusão na esfera criminal for pela caracterização de crime doloso (a exemplo, o chamado dolo eventual, aquele em que o agente assume o risco de produzir o resultado), restará bem caracterizada uma hipótese de justa causa para a rescisão contratual.

Fique atento: um caso que certamente chegará aos tribunais é o dos mo-toristas que utilizam substâncias psicoativas (o popularmente chamado “rebi-te”) para permanecerem na direção durante horas a fio, e que, em função disso, acabam por sofrer a perda da habilitação. Será importante avaliar, em tal situa-ção, se a utilização da substância em questão derivou de conduta deliberada do empregado (que, assim, fazendo, assumiu um risco, e, de tal modo colocou-se em situação dolosa), ou teve origem na necessidade de cumprimento de prazos impostos pelo empregador. A última hipótese, se demonstrada, descaracterizará até mesmo a culpa em sentido estrito do trabalhador, pois praticada em verda-deiro estado de sujeição. Caso em que o empregador não poderá dispensá-lo por justa causa.

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A rescisão por “acordo” entre empregado e empregador.

Outra grande novidade da reforma trabalhista é a criação da rescisão do con-trato de emprego por “acordo” entre patrão e empregado Trata-se da nova dispo-sição do artigo 484-A da CLT, nos seguintes termos:

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:I - por metade:a) o aviso prévio, se indenizado; eb) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no §1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.§1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permi-te a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos. § 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

Antes da reforma trabalhista, a situação era de extremos opostos: inexistindo falta grave de empregado ou empregador, ou o empregado pedia demissão, dei-xando de fazer jus a diversas verbas, ou o empregador dispensava o empregado sem justa causa, passando a arcar com uma série de verbas trabalhistas.

Na primeira hipótese (pedido de demissão) o empregado não faz jus ao aviso prévio, levantamento do FGTS, multa de 40% sobre o FGTS nem habilitação no chamado seguro-desemprego.

Na segunda hipótese (demissão sem justo motivo, por vontade do empre-gador) é devida a multa de 40% sobre o FGTS, movimentação da integralidade do saldo da conta vinculada do FGTS, aviso prévio, assim como habilitação no seguro-desemprego.

Diante desse cenário, era comum que um empregado com problemas pesso-ais (mudança de endereço, mudança do local de trabalho do marido ou escola/faculdade do filho, vontade de voltar a estudar em horário incompatível com o serviço, doença de ente querido que acarretasse grandes transformações no dia a dia da família, etc.) passasse a pedir ao seu empregador para que “fosse man-dado embora”.

E quando o empregador não atendia a esse pedido (e nunca foi obrigado a aten-der), instalava-se um ambiente de trabalho instável e infeliz. O empregado poderia não mais executar suas atividades a contento, com o intuito de ver o seu patrão lhe mandar embora, de forma que receberia então todos os direitos advindos dessa mo-dalidade de rescisão. O patrão, por sua vez, nem sempre podia atender ao pedido do empregado, seja porque não era a sua vontade real, seja por impossibilidade finan-ceira, considerando que a dispensa sem justo motivo por vontade do empregador gera custo considerável e inesperado para a empresa.

Mas vislumbrando uma forma de minimizar esse “clima” ruim, e até mesmo com o intuito de impedir rescisões fraudulentas, surge a chamada dispensa por “acordo”.

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Nessa modalidade, o empregado passa a fazer jus à metade do aviso prévio, metade da multa de 40% sobre o FGTS, além de ter direito a receber a integra-lidade das demais verbas trabalhistas (13º salário proporcional, férias com 1/3 proporcionais e obviamente o saldo de salário – este último devido em qual-quer modalidade de rescisão, até mesmo por justa causa). Ainda como parte do referido “acordo”, passa o empregado a ter direito a movimentar/sacar 80% do saldo da sua conta vinculada do FGTS. Os 20% restantes permanecerão na conta vinculada do empregado até que incida uma das hipóteses legais que permitem ao empregado sacar o referido valor (exemplo: aposentadoria, doenças graves, saque para aquisição de casa própria, etc.)

A lei ainda refere que o empregado não ficará autorizado a ingressar no Programa de Seguro-Desemprego. Tal situação não gera espanto, pois, no fundo, a situação de desemprego não é involuntária do ponto de vista do empregado (artigo 7º, II da CF), sendo que ele deve assumir as consequências de sua decisão (caso de fato tenha havido um acordo).

Por fim, assevera-se que, em sendo a rescisão por “acordo” proveniente da vontade do patrão e empregado, é natural que a projeção do aviso prévio (para efeito de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS) também seja partida ao meio.

Termo de quitação anual.

Novidade também verificada na reforma trabalhista é o chamado termo de quitação anual concedido pelo empregado ao empregador.

Diz o novo artigo 507-B da CLT:

“É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria.Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

O primeiro ponto que se destaca é que a lei afirma ser faculdade para o pa-trão e para o empregado firmar o referido documento. Assim, uma parte ou outra não pode exigir que o termo seja assinado. No entanto, estudiosos do direito já mencionam que dado o poderio do empregador e de possíveis ameaças ve-ladas, sutis, indiretas, é perfeitamente natural que muitas demandas surjam no Judiciário para atacar a validade do ato (por exemplo: assinatura do empregado sob coação, em assédio).

O referido termo pode ser assinado na vigência ou não do contrato de em-prego, de forma que, muito após o encerramento da relação, fica mais afastada a credibilidade de qualquer acusação de suposta ameaça praticada pelo emprega-dor. E a prova da coação não costuma ser fácil.

Mas também é importante destacar que, a exemplo do que se viu em massa na esfera trabalhista com acordos assinados perante Tribunal Arbitral (a arbitra-gem é tema de outro tópico deste trabalho), é possível que o empregador ainda tenha esse poder de “convencimento” acentuado em relação ao empregado logo após a rescisão do contrato de emprego, quando o trabalhador ainda está fragi-

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lizado pela demissão (tomado pelo sentimento de dificuldade de se realocar no mercado de trabalho, e porque, mais do que nunca, precisa receber com pressa as suas verbas rescisórias). Assim, os juristas permanecem atentos ao que pode ocorrer quanto à figura do termo de quitação.

O referido termo, por exigência da lei, deve ser firmado perante o sindicato dos empregados da categoria. Todavia, na realidade brasileira, infelizmente já houve notícia de sindicato marrom (ou pelego), ou seja, que deixava a desejar na efetiva representação dos interesses de sua categoria. Assim, parte dos estudio-sos prefere ficar em alerta diante da possibilidade de que a referida conferência sindical de verbas seja feita sem a seriedade que a situação requer.

É importante relembrar que a quitação é ato sério, pois verbas trabalhistas possuem natureza alimentar, sendo direitos indisponíveis.

Segue a legislação a exigir que o termo discrimine uma a uma as obrigações cumpridas mensalmente, de forma que, com a assinatura, o termo passa a confe-rir eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

A intenção quanto à criação do referido termo é até boa, posto que podemos visualizar a diminuição de lides na Justiça do Trabalho, caso a concessão da qui-tação seja genuína, imaculada, sem vícios. Mas, novamente, chamamos a aten-ção para o papel importantíssimo desempenhado pelo sindicato na atividade de conferência e validação dos cálculos quanto às verbas para as quais se visa dar a quitação com eficácia liberatória.

Comissão de representantes dos empregados.

A matéria vem tratada nos artigos 510-A a 510-E da CLT (lei 13.467/17 e MP 808/17). Tal comissão é uma nova forma de estreitar o diálogo entre empregados e empregadores. Aliás, trata-se de regulamentação do que está previsto no arti-go 11 da CF/88.

Pelo instituto em estudo, quando a empresa possuir mais de 200 emprega-dos, é assegurado a eles eleger uma comissão, desvinculada da atuação sindical, para representá-los perante o empregador para debater sobre diversas questões relativas à relação empregatícia, aprimorando o relacionamento, buscando solu-ções para conflitos, acompanhando o cumprimento de leis trabalhistas. E segun-do estudiosos, a formação da comissão é obrigatória quando existir esse número mínimo de empregados.

A quantidade de membros dessa comissão depende do número de empre-gados que a empresa possui, estando a proporcionalidade devidamente desta-cada no artigo 510-A. Assim:

A - nas empresas com mais de duzentos e até três mil empregados, teremos comissão formada por três membros;B - nas empresas com mais de três mil e até cinco mil empregados, teremos comissão formada por cinco membros;C - nas empresas com mais de cinco mil empregados, teremos comis-são formada por sete membros.

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A comissão será eleita pelos empregados da empresa, em voto secreto, para cumprir mandato de 1 (um) ano, sendo que qualquer empregado pode se can-didatar, exceto aqueles com contrato a prazo certo, com contrato suspenso (por exemplo, em auxílio doença previdenciário – a partir do 16º dia de afastamento do serviço), ou que esteja em aviso prévio.

O empregado que foi eleito permanece com suas obrigações contratuais na empresa.

As decisões dessa comissão serão tomadas por maioria simples (primeiro nú-mero superior à metade dos presentes às reuniões marcadas para debater qual-quer assunto).

Se não houver candidatos suficientes, a comissão de representantes poderá ser formada com número de membros inferior à quantidade apontada no artigo 510-A da CLT.

É vedada a reeleição do empregado nos dois períodos subsequentes ao tér-mino de seu mandato.

Se, porventura, a empresa tiver atuação disseminada no país, cada unidade de cada Estado elegerá a referida comissão.

Os integrantes da comissão de representantes dos empregados têm direito a estabilidade provisória no emprego desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato, de forma que não poderão ser dispensados arbitra-riamente, exceto por motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Assim, poderá, por exemplo, ser dispensado por justa causa, assim como na hipótese de extinção das atividades da empresa ou sua falência.

A comissão aqui estudada é uma forma de representação não-sindical e que mui-to se assemelha à CIPA, mas esta última destina-se à saúde e segurança do trabalho.

Ainda é importante destacar que a criação da referida comissão não substitui a atuação dos sindicatos a quem cabe defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, sendo obrigatória a sua participação nas negocia-ções coletivas de trabalho (art. 8º, incisos III e VI da CF).

O fim da contribuição sindical obrigatória.

Passaremos agora a analisar um dos pontos da reforma trabalhista de maior polêmica e de grande impacto: o fim da obrigatoriedade de recolhimento da contribuição sindical, estabelecido na nova redação do artigo 545 da CLT, que passa a dispor:

Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados. (com destaque apenas na transcrição)

Diz o artigo 8º da Constituição Federal que a assembleia geral convocada pelo sindicato fixará a contribuição sindical. Referida contribuição tem como alvo não apenas os empregados, mas sim todos participantes das categorias, se-jam econômicas (do empregador), profissionais ou das profissões liberais.

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Logo de plano, é importante falar que a contribuição sindical não deixou de existir. O que de fato a reforma trabalhista pontuou foi que a contribuição deixou de ser obrigatória, tornando-se facultativa.

Assim, os participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais devem autorizar prévia e expressamente o desconto da con-tribuição sindical, consoante passa a dispor a CLT.

A extinção da contribuição sindical não poderia ocorrer pela lei da reforma (que é lei ordinária) posto que é a Constituição Federal, lei maior do nosso país, que a instituiu/criou (artigo 8º, IV da CF). Mas a estratégia do legislador ordinário foi tornar a contribuição facultativa.

Assim, sem sombra de dúvidas o artigo 545 da CLT (com a nova redação dada pela reforma trabalhista), poderá ter a sua constitucionalidade questionada. A Constituição não fala literalmente que a cogitada contribuição é obrigatória, apenas menciona que a assembleia geral do sindicato a fixará. Mas a discussão da constitucionalidade residirá na possibilidade ou não de a lei ordinária tornar facultativo seu recolhimento. Valendo lembrar que a contribuição sindical foi co-locada no artigo 8º da CF ao lado dos princípios da liberdade sindical, unicidade territorial e autonomia dos sindicatos, pelo que mais uma vez se destaca o quão acentuada será a discussão sobre a possibilidade de a lei ordinária retirar a sua compulsoriedade.

Quando o empregado autorizar prévia e expressamente, a contribuição sin-dical será descontada pelo empregador na folha de pagamento do mês de mar-ço, sendo que a contribuição equivale ao valor de 1 (um) dia de prestação de serviço por ano. O empregador faz o recolhimento de sua contribuição no mês de janeiro de cada ano (contribuição sindical patronal).

Estudiosos do Direito mencionam que a alteração legislativa para tornar fa-cultativa a contribuição sindical ocorreu porque, infelizmente, dentre os mais de 16.000 sindicatos instituídos no Brasil, viu-se um aumento desenfreado do número de entidades sindicais, das quais muitas foram criadas (inclusive com segmentos esdrúxulos) para meramente recolher a contribuição e encher seus cofres, sem desempenhar o seu papel primordial (de representar o interesse das categorias com afinco e dedicação), sem manter departamentos jurídicos idô-neos (art. 514 da CLT) e sem cumprir a contento suas demais obrigações legais.

Dada essa situação, os sindicatos mais atuantes devem buscar novas fontes de renda, passando a cobrar, por exemplo, pela conferência de verbas trabalhis-tas para efeito de emissão de termo de quitação anual para as partes da relação empregatícia (art. 507-B da CLT).

Apenas para rememorar, a contribuição sindical era a única tida como de pa-gamento obrigatório antes da Lei n.º 13.467/17, sendo que os tribunais já haviam pacificado o entendimento de que as contribuições assistenciais, confederativas, mensalidades sindicais e afins não possuíam caráter compulsório, pelo que não podiam ser impostas ao trabalhador se este não fosse filiado ao sindicato. (súmu-la 666 do STF, Súmula vinculante 40 do STF e OJ nº 17 da SDC do C. TST

Tal entendimento pacificou-se sob o fundamento de que não se afigurava lícito pretender que o trabalhador não filiado ao sindicato fosse obrigado a so-frer desconto de contribuições confederativa e assistencial, que não gozam de

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compulsoriedade, porque compete exclusivamente à União instituir contribui-ções de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumen-to de sua atuação nas respectivas áreas, conforme estabelece o artigo 149 da Constituição Federal.

Observação:

Abandonou-se a denominação de imposto sindical para agora ser utilizada a de contribuição sindical, vez que imposto é de recolhimento obrigatório (exação fiscal compulsória), o que não mais se verifica em relação à contribuição aqui analisada.

O “negociado sobre o legislado”.

Você já ouviu falar que a reforma trabalhista introduziu no nosso ordenamen-to o “negociado sobre o legislado”? Pois é. Isso é um mito. O “negociado sobre o legislado” sempre existiu no Direito do Trabalho. Veremos, então, o que de fato mudou, e que merece ser objeto de análise bastante crítica.

Como analisamos na parte introdutória deste trabalho, o Direito do Trabalho nasceu das reivindicações dos trabalhadores perante seus empregadores, que passaram a se reunir em sindicatos para obter mais força na negociação de seus direitos.

Essa constatação deixa clara uma característica marcante de nossa ciência, que é a criação de leis (em sentido amplo) pelos próprios patrões e empregados, regras que se tornam genéricas, abstratas, e que se aplicam a uma coletividade (a empresa, no caso dos acordos coletivos, e a categoria, na hipótese das conven-ções coletivas).

Também estudamos que um princípio determinante no Direito do Trabalho é o da norma mais favorável, que estabelece que sempre que houver uma nor-ma, mesmo de hierarquia inferior à Constituição Federal, mas prevendo, em seu conjunto, benefícios mais favoráveis ao trabalhador, ela preponderará. Exemplificando, se uma norma coletiva for mais benéfica, ao tratar de jornada, que a Constituição Federal, ela sobrepor-se-á a esta.

Com tais conceitos bem consolidados, podemos definir, portanto, que o Direito do Trabalho consolidou a premissa de que o que for negociado coleti-vamente entre as partes prevalecerá sobre o que foi legislado pelo Estado, mas desde que, em seu conjunto, as regras negociadas sejam mais favorá-veis à classe trabalhadora que aquelas editadas pelo poder constituído no Estado.

Assim, é possível reiterar que, historicamente, o “negociado sobre o legislado” sempre existiu no Direito do Trabalho. A mudança introduzida com a reforma tra-balhista (e que deve abrir um novo paradigma em nosso ramo) é que, a partir de agora, o “negociado sobre o legislado” prevalecerá até mesmo em casos em que os direitos previstos em instrumentos coletivos oferecerem uma gama de vanta-gens inferior à prevista em lei. É exatamente este o alvo das inúmeras discussões que atualmente vêm sendo travadas.

Como sabemos, no Brasil existem milhares de sindicatos. Muitos deles de fato

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atuam em prol das categorias que representam, mas muitos outros são fracos, popularmente conhecidos, aliás, por sindicatos “pelegos”, justamente porque, em vez de se oporem à categoria econômica (empregadores), servem mais como uma forma de eliminarem atritos, figurando como verdadeiros porta-vozes da vontade dos patrões. Para esse último tipo de sindicatos, o efetivo cumprimento dos direitos dos trabalhadores e a luta por novos direitos tornam-se elementos secundários, pois sua intenção maior é obter as benesses da arrecadação do “im-posto sindical” e calar a classe trabalhadora, mantendo-a sob o domínio da von-tade de seus empregadores.

Infelizmente, existe uma profusão dos chamados “sindicatos pelegos”, prin-cipalmente em categorias cuja participação política é mais fraca, em que o nível sócio-cultural é inferior (a exemplo, nas áreas em que normalmente se faz ter-ceirização de serviços). É exatamente em função dessa realidade que se torna no mínimo questionável a validade de uma regra que passa a dispor que, in-dependentemente do que a lei estabelece como parâmetro mínimo, os direitos previstos em acordos e convenções coletivas vão prevalecer. É que há o perigo de inexistir negociação na acepção da palavra, mas tão somente a imposição da vontade do empregador, servindo o sindicato profissional tão somente para dar ares de legalidade (e legitimidade) a essa situação.

A consequência pode ser das mais nefastas possíveis: trabalhadores que já são naturalmente excluídos das benesses que o capitalismo pode proporcionar – em função dos baixos salários –, serão ainda mais rebaixados, deixando de ter acesso a direitos mínimos. E tudo isso com chancela legal, pois, ao mesmo tem-po em que a lei passa a dispor que “o negociado prevalece sobre o legislado” também em condições precarizantes, também dificulta a atuação da Justiça do Trabalho, impondo no novo §1º do artigo 611-A da CLT que, “no exame da con-venção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho obser-vará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação”, dispositivo esse também criado com a reforma trabalhista, e que estabelece:

No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos ele-mentos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Aliás, de forma a cercar a atuação do juiz do trabalho, a reforma ainda dispõe, contrariando frontalmente a própria ideia de negociação entre as partes, que “a inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não carac-terizar um vício do negócio jurídico” (artigo 611-A, §2º da CLT).

Ou seja: a prevalecer essas três regras (artigos 8º, §3º 611-A, §§1º e 2º), es-tabelecidas certas condições em acordos ou convenções coletivas, a Justiça do Trabalho não poderá invalidar tais disposições sob o fundamento de que são lesivas aos trabalhadores. Sua atuação será limitada à análise da capacidade dos agentes (no caso, se os sindicatos podem atuar em nome das categorias repre-sentadas), à licitude do objeto (ou seja, se o que foi negociado tinha previsão le-gal para ser negociado), e à observância das formalidades previstas em lei (isto é, se o procedimento para a elaboração dos instrumentos coletivos foi observado).

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Como se vê, o legislador cerceou, por assim dizer, o Poder Judiciário, procu-rando limitar sua atuação. Porém, a disposição é muito criticável e certamente gerará inúmeros debates judiciais. Afinal, como estudamos ainda na parte intro-dutória desse curso, o Brasil é um país em que os três Poderes são independen-tes e harmônicos entre si. Consequentemente, ingerências indevidas de um Poder no outro (o que pode ficar configurado a partir do raciocínio exposto nos parágrafos anteriores) terão de ser reparadas, sob pena de se desrespeitar esse pilar da democracia que é a independência dos Poderes.

Nessa linha, atualmente não há segurança alguma em dizer que as regras aqui analisadas realmente serão validadas, postas em prática, pois é possível que o Poder Judiciário entenda que a mudança promovida pelo legislador teve mes-mo a intenção de ferir o preceito democrático mencionado. O pano de fundo, como vimos, é a própria precarização das condições de trabalho.

O que se pode negociar.

Com base na disposição do artigo 611-A da nova lei (que, como vimos, ainda será objeto de muita discussão), o legislador passa a dispor o seguinte:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, ob-servados os incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição, têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual;III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minu-tos para jornadas superiores a seis horas;IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial;VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho;XI - troca do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jor-nada em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;[...] XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.

O primeiro aspecto que chama a atenção é a expressão “entre outros”, já na parte inicial do artigo 611-A. Por ele, é possível considerar que as possibilidades de negociação não são restritas às dispostas ao longo desse artigo, já que “ou-tros” direitos poderão ser negociados.

Esse artigo de lei deve ser analisado em conjunto com outro, o artigo 611-B, que trata das hipóteses em que a negociação não é permitida. Assim, não é por-que determinado direito não está disposto no artigo 611-A que ele automatica-

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mente poderá ser objeto negociação, por estar inserido na locução “entre outros”. Será necessário verificar se existe alguma proibição no artigo 611-B, para que a negociação seja possível.

Ao longo desse trabalho, analisamos a maior parte dos institutos trazidos pelo artigo em análise. Para evitar repetição desnecessária, chamaremos a aten-ção para aspectos específicos de cada um deles:

I) pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

Aqui, começamos com uma aparente incongruência do legislador. Ora, se devem ser “observados os limites constitucionais”, devemos ter por norte que apenas jornadas com até 8h diárias e 44h semanais serão permitidas, na linha prevista no artigo 7º, XIII da Constituição Federal, que dispõe ser direito dos trabalhadores:

[...] duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Evidentemente, se pautarmos a análise no aspecto literal, a conclusão se dará pela inaplicabilidade do inciso I do artigo 611-A. Porém, estando evidente que a intenção do legislador é permitir regimes de compensação outros que não os especificados em lei (os já estudados acordos de compensação, banco de horas e 12x36), o que podemos extrair desse dispositivo é que será válida a existência de negociação coletiva que preveja novas formas de compensação. Porém, ain-da assim deverão ser preservados os parâmetros fixados para as outras modali-dades, como forma de nortear as possibilidades: a exemplo, a limitação a duas horas extraordinárias por dia e a existência de folgas em um patamar superior ao normal na hipótese de fixação de uma escala que se assemelhe à 12x36.

II - banco de horas anual;

Já vimos que, no banco de horas negociado coletivamente, as categorias en-volvidas têm de respeitar o limite máximo de um ano.

Aqui, na linha exposta no comentário ao inciso anterior, podemos então con-cluir que seria permitida a elaboração de um banco de horas com regras próprias, como forma distinta de compensação ou periodicidade diferente. Acreditamos, porém, que a fixação de um banco com período superior a um ano tornará de-masiadamente longas as possibilidades de compensação, muitas vezes em pre-juízo dos trabalhadores.

III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

Essa é uma modificação relevante trazida pelo legislador, valendo remissão às considerações que já fizemos sobre o intervalo intrajornada. Basicamente, o que a nova regra passa a dispor é que, desde que exista um intervalo mínimo de trinta minutos, o mais poderá ser negociado.

Uma série de outros aspectos deverão aqui ser considerados. A exemplo, se os empregados estão trabalhando em regime de horas extras ou se desempe-

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nham suas atividades em locais insalubres. É evidente que, em situações como estas, não é recomendável que os trabalhadores tenham um descanso reduzido, em função dos malefícios à saúde que a longa duração do trabalho irá ocasionar.

Do contrário, se os trabalhadores submetidos à redução do intervalo real-mente têm interesse em fazê-lo (para que tenham maior tempo livre ao final da jornada, por exemplo), e se o local de trabalho é propício a isso (existência de re-feitório adequado, e ausência de filas para o trabalhador se alimentar, por exem-plo), a redução poderá ser tolerada.

IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a  Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;

O Programa Seguro-Emprego (PSE) consiste em uma ação governamental cujo intuito é garantir o emprego em tempos de crise. A partir dele, permite-se a redução de jornada com a correspondente redução salarial. Como incentivo, o Governo oferece uma compensação aos trabalhadores atingidos, pagando--lhes 50% (cinquenta por cento) da redução salarial, mas até o limite de 65% (sessenta e cinco por cento) do que os trabalhadores teriam direito por parcela do seguro-desemprego.

Como se vê, o PSE é um “incentivo” do Governo para empresas com dificulda-des, assumindo o Estado um ônus ocasionado por crises na atividade econômica.

O que a nova regra da CLT vem dispor é que, estando presentes os pressupos-tos legais (Lei n.º 13.189/2015), as categorias profissional e econômica envolvidas poderão negociar outras formas de redução de salário e jornada, mantendo-se a contrapartida do Governo, porém, no mesmo patamar (já que não é possível que particulares interfiram em fonte de custeio governamental).

V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pes-soal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

Plano de cargos, salários e funções sempre existiram no Direito do Trabalho, especialmente nas grandes empresas, que criam políticas específicas de incenti-vo aos trabalhadores. Assim, a lei, nesse ponto, não traz qualquer novidade, pois esse tipo de regra já existe tanto em ajustes coletivos como em regulamentos de empresa (que é a “lei dentro da empresa”, estabelecida unilateralmente pelo patrão).

A modificação mais importante, nesse dispositivo, vem na parte final, qual seja, a previsão de “identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança”. Isso porque o empregado de confiança tem, pela lei, algumas restri-ções a direitos incomuns aos demais trabalhadores (como a ausência de controle de jornada e a possibilidade de transferência sem anuência, entre outros). Assim, é importante que a previsão contida em negociação coletiva seja fiel à realidade, prevendo como cargos de confiança aquelas situações que de fato sejam origi-nárias de um grau distinto de fidúcia depositado pelo empregador.

Importante observar, ainda em relação à parte final da regra comentada, que a mera previsão de um cargo de confiança não torna o ocupante do posto verdadeiro empregado de confiança. Afinal, como já tivemos a oportunidade de estudar, no Direito do Trabalho prevalece o que as partes colocaram em prática,

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não necessariamente o que dispuseram em documento. Consequentemente, se o trabalhador, na prática, nada mais faz que um empregado qualquer (a despeito do nome de seu cargo, “gerente”, por exemplo), tal situação de fato terá de ser reconhecida, afastando-se a condição “de confiança” e reconhecendo-se a tal tra-balhador todos os direitos inerentes a qualquer empregado.

VI - regulamento empresarial;

Nos comentários ao inciso V, mencionamos que o regulamento de empresa é a “lei dentro da empresa”, estabelecida unilateralmente pelo patrão. Basicamente, é o estatuto interno, o conjunto de regras que norteiam o funcionamento da em-presa e as condutas dos trabalhadores. Tem os mesmos efeitos da lei (em sentido amplo, material), por ser genérico, abstrato e dirigido a toda a coletividade de empregados.

Em princípio, o regulamento empresarial é unilateral, pois imposto pelo empregador, a quem se confere poderes amplos para dirigir o seu negócio. Os limites são aqueles inerentes a qualquer relação social, como o respeito à igual-dade, e, em geral a todos os direitos da personalidade daqueles que se situam na empresa.

A novidade legal parece ter, assim, um efeito democratizante, pois permite ao sindicato de trabalhadores colaborar na produção de regras de convívio den-tro da empresa, elaborando em conjunto com o empregador o regulamento em-presarial. Porém, a novidade não deve ter grande efeito prático, porque esse tipo de regra já é reservada à negociação coletiva, com os efeitos inerentes a esta (até mais abrangentes que os reservados ao regulamento de empresa). Analisando-a, porém, sob um viés otimista, podemos esperar que, na linha democratizante, até mesmo previsão de punições (advertências, suspensões), hoje limitadas à esfe-ra empresarial (via regulamento de empresa), poderão ser tratadas por acordos coletivos e convenções coletivas, o que lhes conferirá maior legitimidade (desde que, evidentemente, o sindicato profissional esteja atuando imbuído de inten-ções protetoras dos trabalhadores representados).

VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;

A representação dos empregados no local de trabalho é matéria disposta no artigo 11 da Constituição Federal, que estabelece o seguinte:

Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a elei-ção de um representante destes com a finalidade exclusiva de promo-ver-lhes o entendimento direto com os empregadores.

Como já observamos neste trabalho, a reforma trabalhista regulamentou o instituto nos artigos 510-A a 510-E da CLT, estabelecendo quantitativos de em-pregados e atribuições específicas. Para maior aprofundamento, remete-se o lei-tor ao tópico correspondente.

O que importa detectar, aqui, é que a representação dos trabalhadores pode-rá ser objeto de negociação coletiva, o que quer dizer que os critérios de fixação da comissão (inclusive atribuições e quantitativos) poderão ser definidos por ins-trumento de negociação coletiva. Nesse sentido, a ideia é dar aos interessados (empregados e empregadores) a liberdade de adaptarem o instituto à realidade vivida na empresa.

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Necessário realçar, por fim, que, independentemente do que venha a ser previsto no instrumento coletivo, as atribuições e o funcionamento da comis-são de empresa não poderão invadir a esfera de atuação do sindicato, legítimo representante da classe trabalhadora. Nesse sentido, serão consideradas inváli-das regras que atinjam a liberdade sindical em seu sentido mais amplo, ou seja, na filiação e na atuação sindicais, o que, aliás, é ressalvado na cabeça do artigo 611-A, que deixa claro que as normas coletivas devem observar “os incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição”, que, por sua vez, dispõem:

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações cole-tivas de trabalho;

VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

Já tratamos de teletrabalho e trabalho intermitente, remetendo o leitor à análise de tais institutos. O sobreaviso, por sua vez, consiste no regime por meio do qual o empregado permanece à disposição do empregador, fora da empresa e de seu horário de trabalho, para atender a algum chamado para o serviço. Está previsto no artigo 244, §2º da CLT, e, embora cuide especificamente do trabalho do ferroviário, vem sendo aplicado indistintamente para inúmeras outras cate-gorias, por critério de analogia (previsto no artigo 8º da CLT):

Considera-se de “sobreaviso” o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de “sobreaviso” será, no máximo, de vinte e quatro horas, As horas de “sobreaviso”, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal.

Essa disposição deve ter por norte algumas premissas:

1) não tem o condão de fazer desconsiderar regras mínimas que dizem res-peito aos três institutos, especialmente aquelas relativas à saúde e segurança no trabalho;

2) especificamente quanto ao sobreaviso, não pode permitir a mera exclusão do direito ao pagamento das horas à disposição, pois isto representaria renúncia e não transação; e

3) mantém válidas as regras segundo as quais os riscos do empreendimento continuam a cargo do empregador, que não poderá transferi-los ao empregado.

IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

Não há novidade, neste tópico, em relação ao que acontece na prática. Atualmente, já é lícito às partes negociarem formas distintas de pagamento por produtividade, assim também critérios específicos quanto ao pagamento de gorjetas.

A ideia de incluir este tema como objeto de negociação coletiva parece ser a de conferir maior flexibilidade às partes para adaptarem a lei às peculiaridades de sua atuação profissional. Afinal, a lei não tem como estabelecer parâmetros de remuneração por produtividade ou por desempenho individual, já que é inima-

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ginável a quantidade de categorias e as especificidades de cada empresa, quan-do a questão diz respeito à remuneração dos respectivos empregados. Nessa li-nha, a negociação coletiva poderá prever as formas de pagamento com atenção a determinado segmento, inclusive tendo a possibilidade de dispor conforme a natureza da atividade e a sazonalidade. Um bom exemplo é uma negociação dessa natureza envolvendo uma fábrica de sorvetes. É evidente que, em épocas mais quentes, a produtividade do empregado vendedor será maior, e, por isso, seu salário deverá acompanhar tal pressuposto. Já em épocas frias, ele sofrerá uma sensível redução. A negociação coletiva poderá prever espécies de compen-sação conforme a produtividade do empregado

Desde que a previsão contida neste inciso IX não sirva como uma forma ape-nas de afastar o Poder Judiciário de casos de lesão (remetendo-se o leitor, nes-te ponto, às considerações feitas no item “x”), a tentativa pode ser benéfica aos envolvidos.

X - modalidade de registro de jornada de trabalho;

São conhecidas as diferentes formas de registro de jornada, como o relógio de ponto, o registro eletrônico e até mesmo a anotação manual de horários. Todas elas são válidas, e vêm previstas no artigo 74, §2º da CLT:

Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obriga-tória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.

Assim, o que a nova disposição traz de novidade é a possibilidade de em-pregados (por meio dos sindicatos) e patrões definirem formas de registro que valham para todos os atingidos pelo instrumento de negociação.

O novo dispositivo parece desnecessário, pois a lei não restringe a forma de registro de jornada para este ou aquele segmento empresarial. Na verdade, o ris-co é o de possibilitar um efeito colateral, consubstanciado na criação de entraves à atuação dos pequenos empresários. Por exemplo: se houver uma convenção coletiva do ramo do comércio prevendo que o registro dos empregados em tal atividade deve ser feito exclusivamente por meio eletrônico, tal previsão poderá ser facilmente colocada em prática em grandes redes varejistas. Porém, para pe-quenos negócios (mini-mercados, açougues ou mercearias de bairro), o sistema poderá gerar custos elevados, capazes de inviabilizar o negócio.

Ao mesmo tempo, a previsão em análise não permite às partes que exclu-am a necessidade do próprio registro de jornada dos empregados (ressalvadas as exceções legalmente previstas no artigo 62 da CLT). Afinal, continua vigente, mesmo depois da reforma, a regra prevista no §1º do artigo 74 da CLT, que esta-belece o seguinte:

O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.

Como se vê, há uma regra imperativa, no sentido de o horário de trabalho “será anotado”, o que inviabiliza a ausência de registro. Ao mesmo tempo, con-troles como aqueles conhecidos por “registros de exceção”, ou seja, sistemas em que o empregado não registra os horários regulares, mas tão somente a sobre-jornada, deverão ser analisados com alguma reserva, pois consistem em uma

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flexibilização de uma regra (o §1º do artigo 74) que, em tese, não permite tal interpretação.

XI - troca do dia de feriado;

Esta é uma mudança que, na prática, já era implantada no dia-a-dia de diver-sas categorias profissionais. A introdução de tal assunto na CLT serve para dar segurança para as empresas, a fim de que não sejam compelidas a pagar em do-bro o feriado trabalhado, nas hipóteses em que ele é compensado em outro dia.

Na verdade, a possibilidade de troca do dia de feriado já era prevista em an-tiga norma de 1949. Trata-se da Lei n.º 605/1949, ainda em vigor, que estabelece que:

Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências téc-nicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga.

A alteração em relação ao que diz a lei é, portanto, quase imperceptível. Mas se torna visível quando se constata que, a partir de agora, toda atividade poderá ensejar a troca do dia de feriado, não apenas aquelas cujas “exigências técnicas” imponham.

Deve-se observar, por fim, que certas alterações de dias de feriado podem ensejar controvérsias no local de trabalho, o que deverá ser analisado pontual-mente. Como exemplo, podemos citar o caso do empregado religioso que tenha de trabalhar em dias de guarda, como Corpus Christi ou Natal. Evidentemente, sua fé religiosa, constitucionalmente assegurada (CF, artigo 5º, VIII), deverá ser respeitada, permitindo-se certa flexibilidade.

Ao mesmo tempo, é notório que o feriado, assim como o final-de-semana, é o dia em que o trabalhador exerce o convívio social, unindo-se a amigos e familia-res para o desenvolvimento de suas relações particulares. Nesse caso, a troca do dia de feriado poderá ser prejudicial, o que quer dizer que os exageros também não devem ser tolerados.

XII - enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jorna-da em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, hi-giene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamenta-doras do Ministério do Trabalho;

Esta é uma das mais controvertidas regras em que a negociação entre as par-tes deve prevalecer sobre as disposições de lei.

“Enquadramento do grau de insalubridade” é matéria técnica, e em relação à qual somente um profissional habilitado (perito engenheiro especializado em medicina e segurança no trabalho) poderá discorrer. Nesse sentido, embora a norma fale em “possibilidade” de contratação de perícia para tal deliberação, parece-nos imperativa esta condição. Até porque o próprio artigo 195, §1º da CLT estipula que:

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Art. 195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da pe-riculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.§ 1º - É facultado às empresas e aos sindicatos das categorias profissio-nais interessadas requererem ao Ministério do Trabalho a realização de perícia em estabelecimento ou setor deste, com o objetivo de carac-terizar e classificar ou delimitar as atividades insalubres ou perigosas.

A matéria é absolutamente relevante para as relações de trabalho. Afinal, diz respeito à saúde e segurança no trabalho, sendo no mínimo temerário que pessoas sem conhecimento técnico discorram sobre ela. E, a considerar que a própria disposição em análise deixa claro que ela será validada “desde que res-peitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho”, pa-rece haver aí uma inconsistência por parte do legislador reformista.

Não é demais realçar o caráter imperativo de regras que afetem a segurança no trabalho, o que, aliás, é reconhecido até mesmo pelo legislador reformista, que, ao tratar de matérias proibidas à negociação (objeto do tópico seguinte), deixa claro que:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: [...] XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;

Assim, analisando os dispositivos conjuntamente (artigos 611-A, inciso XII, 195 e 611-B, XVII), parece haver uma dificuldade muito grande em se validar ne-gociação coletiva em relação à matéria ora estudada.

XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedi-dos em programas de incentivo e XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.

Aqui, não há necessidade de qualquer digressão. Os dois dispositivos são analisados conjuntamente, pois tratam de uma mesma espécie de direitos: pa-gamentos efetuados pela empresa como forma de incentivo ou de participação nos resultados (que podem, muitas vezes, decorrer do próprio incentivo conferi-do aos empregados).

Na verdade, este inciso é praticamente desnecessário.

A participação nos lucros e resultados da empresa já é reconhecidamente um direito dos trabalhadores, assim previsto no artigo 7º, XI da CLT. Tal direito foi regulamentado pela Lei n.º 10.101/2000, que estabelece que “a participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empre-gados”. Nesse caso, o que as partes poderão negociar serve, em tese, como meio para inovar disposições já existentes na norma mencionada.

Já a previsão em norma coletiva dos prêmios de incentivo, que já são comuns na prática, tem uma vantagem: a de permitir que empresas que não formulam tal política venham a introduzi-la, o que certamente será benéfico aos trabalha-dores de toda a categoria.

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O que não se pode negociar.

Em um extenso rol, o novo artigo 611-B da CLT dispõe sobre direitos consi-derados inegociáveis no contrato de trabalho. Nessa linha, não trouxe qualquer novidade, pois todos os direitos previstos no mencionado artigo já eram inegoci-áveis. Por isso, torna-se mais relevante estudarmos a fundo o artigo 611-A da CLT (que acabamos de ver), que trata justamente daqueles direitos que agora podem ser retirados ou negociados, do que rememorar direitos que, tal como antes da reforma, não poderão ser negociados.

Independentemente do exposto, faremos algumas observações a respeito do dispositivo em questão, que começa estabelecendo que “constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução” dos direitos nele previstos. O destaque na palavra “ex-clusivamente” serve para a primeira discussão: ao compararmos tal disposição com a que se refere ao rol dos direitos passíveis de negociação (CLT, artigo 611-A), qual seja, “entre outros”, a conclusão é natural. Enquanto os direitos negociá-veis não se limitam aos previstos na lei, o rol dos direitos inegociáveis não poderá ser estendido. Ao menos na visão do legislador “reformista”.

Assim, a nova norma dispõe:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acor-do coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua reten-ção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalu-bres ou perigosas; XIX - aposentadoria; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urba-nos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

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XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e crité-rios de admissão do trabalhador com deficiência;XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo emprega-tício permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e dis-posições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e in-tervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.

Assim, em linhas gerais, podemos afirmar que:

1) mantém-se garantido o direito ao registro em carteira de trabalho, que continua sendo o documento de identificação profissional do trabalhador;

2) mantêm-se assegurados os direitos constitucionalmente previstos (e que, justamente por estarem dispostos na Constituição, não poderiam ser suprimi-dos) previstos nos incisos II a XXIII, e XXV, XXVII e XXVIII;

3) impõe-se vedação a negociação que envolva direitos da criança e do ado-lescente, o que, de certo modo, é incongruente, pois é proibido o trabalho de crianças e adolescentes, ressalvadas condições muito especiais estabelecidas por legislação específica;

4) em consonância com a regra que passa a dispor que a contribuição sindical é facultativa (como analisamos em tópico próprio), a mudança passa a dispor que é direito do trabalhador não sofrer qualquer desconto salarial, mesmo com previsão em negociação coletiva, sem a sua prévia e expressa concordância;

5) é vedado à negociação coletiva versar sobre tributos ou créditos de tercei-ros, o que, de fato, não é matéria afeta a acordos e convenções coletivas; e

6) mantém-se intocada a proteção ao trabalho da mulher, na linha disposta na Constituição (artigo 7º, XX) e nos artigos relacionados no inciso XXX do artigo 611-B.

Ao mesmo tempo, é possível apontarmos diversas inconsistências no artigo em análise.

Primeiramente, vale observar que, em relação aos dispositivos que já eram

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assegurados pela Constituição, o legislador não teve o trabalho de regulamentar os que ainda pendem de regulação. Assim, mantiveram-se, exatamente como vinham dispostas na Constituição, regras que demandariam regulamentação le-gal expressa, o que quer dizer que o legislador infraconstitucional não cumpriu a missão reguladora que lhe foi confiada. É o que se verifica no inciso XVIII, que dispõe sobre o direito ao “adicional de remuneração para as atividades penosas”, direito este até hoje não regulado em qualquer lei.

Nesse contexto, torçamos para que a previsão em questão sirva como um norte a orientar futuras negociações coletivas, possibilitando sua regulamenta-ção em categorias que hoje clamam pelo adicional de penosidade.

Ao mesmo tempo, podemos detectar algumas contradições de difícil resolução:

1) ao dispor que “normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho” são inegociá-veis, o legislador criou um conflito com o inciso XII do artigo 611-A da CLT, como já discorrido no item anterior; e

2) prevendo ao trabalhador o “direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”, o legislador pode ter negado vigência a dispositivo constitucional que expressamente prevê o custeio da atividade sindi-cal por contribuição prevista em lei (Constituição Federal, artigo 8º, IV).

Por fim, merece especial atenção a regra disposta no parágrafo único do artigo 611-B da CLT, no sentido de que “regras sobre duração do trabalho e in-tervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.”

Ora: uma das características mais consolidadas na evolução do Direito do Trabalho é a de que, quanto maior o tempo de jornada e menor o tempo de des-canso, maior é a incidência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. A relação é evidente: quanto mais se trabalha, maior é o cansaço, o que quer dizer que, quanto mais a jornada se estende, maior é a possibilidade de desatenção, e, por consequência, da ocorrência de acidentes de trabalho. Quando se soma tal condição com a falta de descanso durante a jornada, o que se tem é a maximiza-ção do cansaço, e, portanto, uma incidência ainda maior de acidentes.

Nesse contexto, a regra contida no parágrafo único do artigo 611-B da CLT fecha os olhos para uma realidade inerente não só ao Direito do Trabalho como a qualquer atividade humana. Ainda que haja a “nobre” intenção de facilitar a negociação de direitos, o legislador estabelece uma regra alheia ao que ordina-riamente se detecta no ambiente das empresas, o que certamente cobrará seu preço nos próximos anos.

A propósito, vale uma reflexão final: sabemos que o Governo Federal está fir-me na intenção de reformulação das regras da Previdência Social. O argumento é o de que a arrecadação é baixa, não comporta os elevados gastos previdenci-ários, dentre os quais o custeio de auxílio-doença, auxílio-acidente e aposenta-doria por invalidez. Com a permissão legal para a prática de jornadas extensas e com menor tempo de descanso, é natural que haja maior dispêndio de recursos com benefícios previdenciários, pois, como mencionado, o número de acidentes

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e doenças relacionadas ao trabalho deverá aumentar. Ou seja: os gastos previ-denciários aumentarão na mesma proporção. Como equacionar esta questão?

A possibilidade de redução salarial.

Desde antes da Constituição de 1988, era permitido ao empregador, em con-dições bem específicas – normalmente relacionadas a dificuldades financeiras pontuais – reduzir os salários de seus empregados.

Embora esta não seja a prática – eis que uma redução salarial tem efeitos drásticos na economia familiar dos empregados (e, indiretamente, na macroeco-nomia), além de poder servir como mera transferência ao empregado dos riscos do empreendimento – a redução salarial chegou a acontecer em casos isolados.

A Constituição Federal de 1988 chancela a possibilidade de redução salarial, dispondo ser direito de todo trabalhador a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Ou seja: fixa como regra a irreduti-bilidade salarial, mas permite que redução ocorra mediante negociação coletiva.

A partir daí, diversos casos em que os patrões não tinham mais condições de manter suas atividades em função de dificuldades financeiras passaram a ser re-gidos por normas coletivas redutoras de salários, que, como contrapartida, con-feriam algum outro direito aos trabalhadores atingidos com a drástica medida.

Com a reforma trabalhista, a contrapartida passa a ser definida. E, a conside-rar o direito assegurado, podemos dizer que esta é uma das poucas hipóteses em que realmente houve algum ganho com a mudança. Tal é a redação do novo artigo 611-A, §3º da CLT:

Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a conven-ção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a prote-ção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.

Ou seja: a partir da reforma é possível dizer que, nos casos em que há ajuste de redução salarial (que, necessariamente, terá de ser justificada), haverá a fi-xação de alguma espécie de garantia no emprego dos trabalhadores atingidos, sob pena de invalidade da cláusula redutora de salário. Trata-se, sem dúvida, de algum ganho, pois a manutenção do emprego em tempos de comprovada crise econômica pode ser a salvação de inúmeros trabalhadores.

A duração dos acordos coletivos de trabalho.

Como já observado neste trabalho, as normas coletivas (convenções coleti-vas de trabalho e acordos coletivos de trabalho) são instrumentos firmados entre sindicatos das categorias econômicas e profissionais, ou entre sindicatos das ca-tegorias profissionais e empresas, que criam regras abstratas e genéricas destina-das aos membros de uma categoria de determinada base territorial.

O prazo máximo de duração das normas coletivas não restou alterado, po-dendo ser de até dois anos. Contudo, a reforma trabalhista acresceu no §3º do artigo 614 da CLT que é vedada a ultratividade da norma coletiva, ou seja, a du-ração do instrumento por período superior àquele fixado em lei, enquanto as partes não concluem nova negociação coletiva:

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§ 3º Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.

A discussão acerca da ultratividade da norma coletiva iniciou-se com a Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, no tocante à redação do § 2º do artigo 114 da CF, que, a partir de então, passou a dispor:

§2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à ar-bitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho deci-dir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (com des-taque apenas na transcrição)

Portanto, na expressão “respeitadas [...] as [condições] convencionadas ante-riormente”, estaria a autorização constitucional para que os instrumentos coleti-vos durassem por período além daquele limitado por lei.

Como já mencionado, o prazo de duração da norma coletiva sempre esteve previsto na CLT, podendo durar por até dois anos. E, normalmente, as normas co-letivas asseguram aos membros de uma categoria direitos superiores aos que es-tão previstos em lei (ou porque concedem em maior quantidade àquela prevista na lei – por exemplo, adicional de 70% para hora extra –, ou porque conferem di-reitos que sequer a lei prevê aos trabalhadores – a exemplo, auxílio alimentação).

Assim, ao menos até a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004 (que incluiu o já transcrito §2º ao artigo 114 da Constituição), sempre houve en-tendimento manso no sentido de que, expirando o prazo da norma coletiva, os trabalhadores deixavam de fazer jus aos benefícios aumentados ou criados pela norma coletiva, voltando os trabalhadores a ter como direitos mínimos aqueles que estavam previsto na legislação trabalhista.

Mas, com o passar do tempo, o TST pacificou entendimento no sentido de que algumas cláusulas de norma coletiva poderiam ter sua validade estendida mesmo após o término da vigência da norma, institucionalizando, então, a cha-mada ultratividade da norma coletiva. A título de exemplo, a jurisprudência pas-sou a mencionar que teria ultratividade a cláusula que previsse direito a garantia de emprego que perdurasse mais tempo que a norma coletiva, caso o trabalha-dor implementasse os requisitos dentro do prazo de vigência da norma.

Mas, com a redação do § 2º do artigo 114 da CF, precisamente a redação da parte final, o debate jurídico aumentou. Assim, o TST proferiu entendimento no sentido de que os benefícios de uma norma coletiva não poderiam ser suprimi-dos antes da próxima negociação coletiva. É o entendimento extraído da reda-ção da súmula 277 do TST com redação alterada em setembro de 2012:

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos indi-viduais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho

Ou seja, o TST, em decorrência da atual redação da Constituição com a Emenda Constitucional 45/2004, fez interpretação constitucional do art. 114, § 2º da CF, no sentido de que a Carta Magna teria reinserido o princípio da ultra-tividade das normas coletivas.

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Contudo, o STF, por meio da ADPF 323, que teve como requerente a Confenem – Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, suspen-deu liminarmente a eficácia da súmula 277 do TST. E o julgamento definitivo da mencionada ação no STF não ocorreu até a presente data.

Resta saber se a decisão futura do STF será na mesma linha da nova redação do art. 614, § 3º da CLT (no sentido de que as normas coletivas não possuem ul-tratividade) ou se o posicionamento será no sentido de que a ultratividade pode ocorrer, hipótese na qual será inevitável a declaração de inconstitucionalidade dessa alteração legislativa da reforma trabalhista.

Prevalência do acordo coletivo em detrimento da convenção coletiva.

É possível que determinada questão relacionada ao contrato de trabalho seja regida tanto por um acordo como por uma convenção coletiva. Por exemplo: os sindicatos profissional e patronal ajustam o fornecimento de uma cesta básica mensal no valor de R$180,00 (cento e oitenta reais) para todos os empregados da categoria. Ao mesmo tempo, determinada empresa, buscando regulamentar as questões relativas aos seus empregados, combina com o sindicato profissional a concessão de uma cesta básica orçada em R$150,00 (cento e cinquenta reais). Qual regra deverá prevalecer?

Como se vê, a análise diz respeito à hierarquia entre acordos coletivos e con-venções coletivas. E, de acordo com a regra que imperou até a reforma trabalhis-ta, a solução dada pelo artigo 620 da CLT era a seguinte:

Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais fa-voráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.

Perceba que, assim como já mencionado em diversas passagens deste traba-lho, a ideia que norteia a interpretação de normas no Direito do Trabalho é a da prevalência do que for mais benéfico. Porém, leia agora atentamente a nova dis-posição do artigo 620 da CLT, com redação dada pela lei da reforma trabalhista:

Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.

Ou seja: nada mais se afirma sobre norma mais favorável, estabelecendo-se, taxativamente, e independentemente do conteúdo, a prevalência dos acordos coletivos de trabalho.

O que podemos afirmar é que a regra em questão modifica uma realidade já consolidada em nome de uma possível proximidade (das partes) entre as regras colocadas em análise. Em outras palavras: o acordo coletivo, a partir da reforma trabalhista, passa a prevalecer em relação a eventual convenção coletiva, pois o legislador presume que o acordo retrata com mais fidelidade as condições de deter-minada empresa (que pode estar, por exemplo, em uma situação financeira mais difícil e, por tal razão pactua com o sindicato uma cesta básica em valor inferior ao firmado para o restante da categoria).

Esta questão, tal como muitas outras até aqui analisadas, deverá ser objeto de muita discussão no âmbito trabalhista.

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ASPECTOS MAIS RELEVANTES DE DIREITO PROCESSUAL.

Depois de tratarmos das novas normas que modificarão a realidade dos con-tratos de trabalho, passaremos a analisar as principais alterações que afetarão o Direito Processual do Trabalho¸ ou seja, as regras que dizem respeito ao proces-samento de uma reclamação trabalhista, que deverá ser ajuizada sempre que houver alguma discussão sobre as cláusulas do contrato de trabalho.

Avaliaremos, em linhas gerais, a postura que deve nortear a conduta dos ad-vogados e das partes, os custos para a manutenção de uma ação trabalhista, e as normas que foram modificadas com relação aos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.

A contratação de advogado: faculdade ou necessidade?

É regra consagrada no artigo 791 da CLT a de que não há necessidade da contratação de advogado para o ajuizamento de ação trabalhista, ou para a apre-sentação de defesa:

Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pes-soalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas recla-mações até o final.

Trata-se do chamado exercício direito do jus postulandi, que é a expressão em latim para o direito de postular em Juízo.

Com exceção da hipótese do procedimento de jurisdição voluntária para ho-mologação de acordo extrajudicial (novidade trazida com a reforma trabalhista no artigo 855-B da CLT, e que será estudada mais adiante), a disposição do artigo 791 da CLT não foi modificada pela reforma trabalhista, o que quer dizer que, res-salvada a exceção mencionada, se um trabalhador entender que sofreu algum tipo de lesão em seu contrato de trabalho, tem a faculdade de, pessoalmente, dirigir-se à Justiça do Trabalho e efetuar sua reclamação até mesmo de forma verbal, conforme previsto no artigo 840 da CLT (“A reclamação poderá ser escrita ou verbal.”).

As mesmas regras aplicam-se ao empregador, que, guardada a exceção do artigo 855-B da CLT, também não precisará estar assistido por advogado e pode-rá apresentar sua defesa por escrito ou verbalmente.

Ainda hoje se discute sobre a constitucionalidade do artigo 791 da CLT, espe-cialmente porque a Constituição Federal de 1988 passou a prever, em seu artigo 133, que “o advogado é indispensável à administração da justiça”.

Porém, justamente porque a Justiça do Trabalho lida com pessoas mais po-bres, normalmente com dificuldades financeiras, e por um critério de facilitação do acesso do trabalhador à Justiça, entende-se que, mesmo diante da regra constitucional mencionada, permanece válido o disposto no artigo 791 da CLT.

Ainda assim, é de se pensar se a contratação do advogado não se tornou, nos dias atuais, uma verdadeira necessidade. Analisemos.

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Tal como ocorre em qualquer ciência (humana, exata ou biológica), o Direito vem passando por constantes transformações, que, em grande parte, devem-se ao uso de tecnologias da informação. Na atualidade, o processo judicial traba-lhista não é mais físico, mas eletrônico, passando a exigir de seu operador (juiz, servidor e advogados) alguma noção de informática.

Como se não bastasse, o próprio Direito sempre contou com institutos com-plexos, de difícil assimilação por pessoas leigas: perempção, prescrição, preclu-são, embargos de declaração, agravo de petição e embargos à execução são ape-nas alguns dos muitos institutos jurídicos em relação aos quais uma pessoa sem conhecimento mínimo em Direito não teria condições de compreender, o que certamente é capaz de gerar prejuízo à defesa do seu direito.

Nesse contexto, é no mínimo recomendável que o trabalhador e o empre-gador valham-se da prerrogativa de contratar advogado, pois o exercício de sua ampla defesa estará de fato prestigiado em tal situação, impedindo que uma in-justiça acabe por se perpetuar simplesmente em função do desconhecimento de leigos em temas jurídicos.

De todo modo, é bom que se diga: o advogado, como qualquer trabalhador, não deverá trabalhar de graça, e se a opção pela contratação de tal profissional for exercida, o contratante terá de arcar com os custos daí decorrentes.

Normalmente (não é regra, mas prática comum), o advogado costuma cobrar 30% (trinta por cento) do eventual ganho que o trabalhador obtiver com sua causa. A cobrança é feita ao final, por ocasião do recebimento do crédito. Por ou-tro lado, é comum que tal cláusula não preveja qualquer pagamento em caso de perda da ação, o que quer dizer que, nesta hipótese, a contratação do advogado nada custará para o trabalhador.

Em relação aos empregadores, que normalmente atuam como reclamados (ou seja, defendendo-se de algum pedido), o advogado costuma cobrar com base nos valores discutidos na ação, em quantia fixa ou variável, conforme o que ficar ajustado com o cliente.

Nesse campo, a principal mudança oriunda com a reforma trabalhista foi a introdução de mais uma forma de pagamento ao advogado. Trata-se dos hono-rários de sucumbência, que, como o nome diz, são devidos pela parte perdedora (sucumbente) ao advogado da parte contrária, como forma de remunerar o tra-balho deste.

Os honorários de sucumbência, ao lado das regras de custas do processo e de acesso à Justiça, serão os temas tratados no próximo tópico.

Por fim, apenas para efeito de esclarecimento, o TST interpretou e fixou por meio de sua jurisprudência pacífica que esse direito de o próprio cidadão levar adiante o processo sem a assistência de um advogado permanece até a fase do chamado recurso ordinário (julgado pelo TRT), que é o recurso que se apresenta em face da sentença proferida pelo juiz de 1ª instância (que analisaremos mais adiante). Trata-se da Súmula 425:

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JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. O jus pos-tulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.

Qual é o custo para entrar com uma ação na Justiça do Trabalho?

As custas processuais.

Ao ajuizar um processo, empregado e empregador não precisam pagar qual-quer valor a título de custas processuais.

Contudo, com a reforma trabalhista, a partir do momento que a parte autora deixa de comparecer à audiência marcada para o processo sem motivo legal-mente justificável, ficará responsável pelo pagamento de custas processuais, ain-da que seja beneficiário da justiça gratuita, além de ter o seu processo arquivado. É o que se depreende do artigo 844, § 2º da CLT, e que será melhor analisado em tópico distinto.

O valor das custas é de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa, obser-vado o mínimo de R$ 10,64 e o máximo de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. As hipóteses de incidência são previstas no artigo 789 da CLT:

Art. 789. Nos dissídios individuais e nos dissídios coletivos do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho, bem como nas demandas propostas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição trabalhista, as custas relativas ao processo de conhecimento incidirão à base de 2% (dois por cento), observado o mínimo de R$ 10,64 (dez reais e sessenta e quatro centavos) e o máxi-mo de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, e serão calculadas:I - quando houver acordo ou condenação, sobre o respectivo valor;II - quando houver extinção do processo, sem julgamento do mérito, ou julgado totalmente improcedente o pedido, sobre o valor da causa;III - no caso de procedência do pedido formulado em ação declaratória e em ação constitutiva, sobre o valor da causa;IV - quando o valor for indeterminado, sobre o que o juiz fixar.§1º As custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. No caso de recurso, as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal.§ 2º Não sendo líquida a condenação, o juízo arbitrar-lhe-á o valor e fixará o montante das custas processuais.§ 3o Sempre que houver acordo, se de outra forma não for convencio-nado, o pagamento das custas caberá em partes iguais aos litigantes.§ 4º Nos dissídios coletivos, as partes vencidas responde-rão solidariamente pelo pagamento das custas, calcula-das sobre o valor arbitrado na decisão, ou pelo Presidente do Tribunal.

O reclamante tem o prazo de 15 dias para apresentar comprovante para jus-tificar de forma plausível sua ausência. (artigo 844, § 2º da CLT)

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O Acesso à Justiça e o Benefício da Justiça Gratuita.

A Constituição Federal possui um preâmbulo no qual se ressaltou que esta-va sendo instituído em 1988 um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma so-ciedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]”.

Por sua vez, o artigo 5º da Constituição Federal institui os direitos e garantias fundamentais individuais.

Diz o artigo 5º da Constituição, no caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos es-trangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Logo em seguida, dentre as dezenas de incisos desse artigo, foram dispostos diversos direitos individuais, dentre eles o princípio do acesso à Justiça.

Especificamente, tal princípio está previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Ao mesmo tempo, o inciso LXXIV do mesmo artigo ainda dispõe que:

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Pela literalidade da nova redação do artigo 844, §§2º e 3º CLT, se o reclamante não comprovar o pagamento dessas custas processuais decorrentes do arquiva-mento, não poderá ajuizar novamente outro processo:

Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclama-do importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.[...] § 2º Na hipótese de ausência do reclamante, este será condena-do ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se com-provar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. (destaque da transcrição)§3º O pagamento das custas a que se refere o §2º é condição para a propositura de nova demanda.

Assim, considerando o princípio constitucional acima invocado, muitos ju-ristas afirmam que os §§2º e 3º do artigo 844 da CLT são inconstitucionais, por violarem o princípio constitucional do acesso à Justiça, seja porque colocam como condição para ajuizar nova demanda o pagamento de custas, seja porque as custas decorrentes de arquivamento são cobradas mesmo daqueles que são beneficiários da justiça gratuita.

Justiça gratuita é um benefício concedido pelo juiz àqueles que com-provem insuficiência de recursos para pagamento das custas do pro-cesso. Ou seja, os beneficiários são aqueles que não podem arcar com o pagamento das custas sem prejuízo do seu sustento próprio e de sua família. Antes, consoante a jurisprudência, bastava fazer uma de-claração dessa precariedade de condição financeira. A partir de agora, pela literalidade da CLT decorrente da reforma trabalhista, o indivíduo precisa provar essa sua condição, exceto na hipótese do artigo 790, §3º da CLT, quando há presunção de pobreza e impossibilidade de pa-gamento das custas.

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A regra é de duvidosa legalidade, especialmente quando se verifica que, no processo civil (que trata de discussões jurídicas normalmente travadas en-tre iguais), há norma muito mais benéfica àquele que se declara pobre, como se constata no §3º do artigo 99 do CPC:

§3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclu-sivamente por pessoa natural.

Porém, de acordo com o que dispõe o artigo 790, § 3º da CLT, é facultado aos juízes conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita ape-nas àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS (em 2018, 40% do teto equivale a R$ 2.258,32) independente de qualquer meio de prova (presunção de pobreza nessa hipótese). Percebendo o cidadão valor superior a 40% do teto do INSS, passará a ter que comprovar a sua condição de pobreza/impossibilidade de pagamento das custas. A despeito da perplexidade citada (disparidade entre a regra do processo civil e a nova regra do processo do trabalho), é ampla a possibilidade de o reclamante que recebe salário superior provar sua condição de impossibilidade de recolhimento de custas, poden-do ser juntada uma cópia, por exemplo, do Imposto de Renda, ou mesmo boletos referentes a mensalidade escolar, plano de saúde, conta de energia, gás, aluguel, etc.

Registramos, ainda, que também a parte sucumbente no processo, quando não seja beneficiária da justiça gratuita, ficará encarregada pelo pagamento das custas (na hipótese de extinção do feito com ou sem resolução do mérito do processo pelo juiz).

Os honorários do advogado:

Outra grande novidade da reforma trabalhista é a redação do artigo 791-A da CLT que passou a prever o pagamento de honorários advocatícios de sucum-bência na Justiça do Trabalho. A nova regra assim dispõe:

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devi-dos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.§ 1o Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.§ 2o Ao fixar os honorários, o juízo observará:I - o grau de zelo do profissional;II - o lugar de prestação do serviço;III - a natureza e a importância da causa;IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.§3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários. §4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de exis-tir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.§ 5o São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.

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Antes da reforma, os honorários advocatícios de sucumbência somente eram devidos quando preenchidos os requisitos legais (artigos 14 e 16 Lei n.º 5.584/70), ou seja, estar o reclamante assistido por seu sindicato de classe e perceber salário inferior ao dobro do mínimo legal ou não ter condições de arcar com os custos do processo sem prejuízo próprio ou do sustento de sua família.

Agora, o que se observa como fundamento legal para efeito de pagamen-to de honorários advocatícios é a literalidade do artigo 791-A da CLT. Assim, ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de su-cumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do pro-veito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atua-lizado da causa.

E ao fixar os honorários, o magistrado observará: I - o grau de zelo do profis-sional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Ainda ressalta a nova lei que, na hipótese de procedência parcial, o juízo ar-bitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

Por fim, nos termos do § 4º do artigo 791-A da CLT, vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa de honorários advocatícios, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que dei-xou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

Mais uma vez aqui se destaca que tal regra é, para alguns juristas, de duvi-dosa constitucionalidade, posto que, no entendimento deles, seria incompatível com o amplo acesso do trabalhador hipossuficiente ao Poder Judiciário, violando direitos e garantias constitucionais.

Os honorários do perito.

Muito comum na Justiça do Trabalho é a existência de pedidos que deman-dam prova técnica, tal como o pedido de adicional de insalubridade, de pericu-losidade, indenização por danos em razão de doença ou acidente do trabalho. Assim, e como o juiz não detém conhecimento técnico acerca de todas as maté-rias, faz-se necessária a nomeação de um perito (médico, engenheiro, etc.) para auxiliar na conclusão acerca dessas matérias desconhecidas.

Antes da reforma trabalhista, sendo o trabalhador beneficiário da justiça gra-tuita sucumbente na pretensão objeto da perícia, era a União (por meio do Poder Judiciário, especificamente o TRT) que arcava com o pagamento dos honorários do perito. Contudo, com a reforma trabalhista, esse cenário sofreu alterações.

Assim, diz a redação do artigo 790-B da CLT que a responsabilidade pelo pa-gamento dos honorários periciais é da parte sucumbente, ainda que seja bene-ficiária da justiça gratuita.

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Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referente a honorários do perito, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

Por fim, menciona-se que, também por expressa previsão legal, não pode mais o juiz exigir depósito prévio das partes para a realização de perícia, como honorários periciais prévios.

Seguem as disposições legais mencionadas neste tópico:

Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários peri-ciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.§ 1o Ao fixar o valor dos honorários periciais, o juízo deverá respeitar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho. § 2o O juízo poderá deferir parcelamento dos honorários periciais.§ 3o O juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realiza-ção de perícias.§ 4o Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referi-da no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

A dinâmica do processo do trabalho.

Em regra, o processo do trabalho inicia-se pela distribuição, na Justiça do Trabalho, de uma reclamação trabalhista, na qual o autor (chamado de reclaman-te) discorre sobre os fatos que o levaram a entrar com a ação. Nela, o interessado formula pedidos em face da parte contrária (chamada reclamada), postulando ao juiz a apreciação e, ao final, o acolhimento.

Na grande maioria dos casos (mais de 90%), é o trabalhador quem ajuíza a ação como reclamante. Porém, há hipóteses específicas em que o reclamante é o empregador, normalmente casos em que ele pretende pagar algo, mas não sabe a quem (quando o trabalhador morre ou desaparece, por exemplo). Em situações ainda mais restritas, também é possível que o empregador ingresse com a ação para cobrar por algum dano causado pelo empregado (como, por exemplo, a quebra de alguma máquina de trabalho), hipótese em que este figurará como reclamado.

A Justiça do Trabalho também tem competência para apreciar causas que digam respeito a relações de trabalho em geral, como trabalhadores autônomos, representantes comerciais e pequenos empreiteiros. Nesse caso, a posição de tais profissionais seguirá a mesma sorte daquela referente ao empregado, modi-ficando-se apenas o tipo de pedido formulado por tais interessados.

Com a reforma trabalhista, é possível que se torne mais comum o ajuizamento de ações de empresas em face de seus empregados. Isso porque passou a existir previsão expressa (que já analisamos em tópico anterior) de “bens juridicamente tu-telados inerentes à pessoa jurídica”, precisamente “a imagem, a marca, o nome, o se-gredo empresarial e o sigilo da correspondência”, tal como se verifica no artigo 223-D da nova CLT. Nesse caso, mantém-se com a Justiça do Trabalho a competência para apreciação, na forma prevista no artigo 114, I, da Constituição Federal:

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Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...]

O ato de “distribuir” o processo, a que nos referimos no início deste tópico, serve para que se conheça qual o Juízo competente para a apreciação. Isso ocor-re nas cidades em que há mais de uma Vara (que é o nome dado a cada uma das divisões do Fórum em que atua o juiz). Se, na localidade, houver somente uma Vara, não há distribuição, mas simplesmente a entrega (formalizada por um pro-tocolo) da ação, para que ela seja processada.

Dependendo do valor da causa, há dois ritos diferentes: o sumaríssimo, para causas de até 40 (quarenta) salários mínimos, e o ordinário, para as demais. O que muda, em regra, é o tempo de tramitação (mais rápido nas causas de valor me-nor), e a produção de provas (pois o número de testemunhas é maior nas causas com valor mais elevado).

Em seguida à distribuição, seja o processo de rito sumaríssimo ou ordinário, ele pode tomar vários rumos:

1) o juiz poderá, já no início, tomar uma providência que passou a ser previs-ta com a reforma trabalhista, que é a extinção imediata do processo, sem apre-ciação dos pedidos, quando verificar que estes não foram feitos corretamente, como se constata nos novos §§1º e 3º do artigo 840 da CLT:

§ 1o Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juí-zo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que re-sulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. § 3o Os pedidos que não atendam ao disposto no § 1o deste artigo serão julgados extintos sem resolução do mérito.

2) se houver alguma questão urgente a ser apreciada, o juiz deverá analisá-la de imediato, deferindo ou indeferindo o pedido formulado, designando audiên-cia em seguida; ou

3) em condições normais, como regra, haver a designação de audiência, na qual deverão comparecer as partes (e eventuais advogados), acompanhadas de testemunhas, para que sejam produzidas as provas dos fatos alegados.

A defesa da reclamada deverá ser apresentada até a audiência, regra esta, aliás, que passou a vigorar apenas a partir da reforma trabalhista, pois, até então, a defesa deveria ser apresentada somente na audiência (ou 1h antes, conforme regra vigente para o processo eletrônico). Trata-se do novo parágrafo único do artigo 847 da CLT, que estabelece que “a parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência”.

Em grande parte dos casos (cerca de 50%), as reclamações trabalhistas são resolvidas por acordo, que, homologado pelo juiz, torna indiscutíveis todas as questões tratadas no processo. Nas situações em que não há acordo, o juiz ana-lisa a defesa e, em seguida, dá início a uma fase do processo chamada de ins-trução, que corresponde à produção de provas dos fatos controvertidos, para decidir com quem está a razão.

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A colheita das provas também passou por algumas modificações a partir da reforma trabalhista. O novo artigo 818 da CLT agora dispõe de forma mais técni-ca sobre o ônus atribuído a cada parte (ou seja, quem deve provar determinado fato), conferindo ao juiz o poder de definir a quem cabe fazer prova nas seguin-tes situações:

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.§ 2o A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adia-mento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido. § 3o A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Assim, o que as novas regras querem dispor é que, se em determinada si-tuação, for difícil para a parte que tem o ônus de fazer prova produzi-la, o juiz poderá, fundamentando sua decisão, e dando à parte contrária a oportunidade da ampla defesa, impor-lhe o ônus probatório.

Dependendo do que for pedido, o juiz ainda poderá determinar a realização de perícia, que será imprescindível nas pretensões de adicional de periculosida-de, insalubridade, ou na apuração de sequelas oriundas de acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho. O perito nomeado deverá apresentar laudo, após visita ao ambiente de trabalho ou análise clínica do trabalhador (conforme o caso), em relação ao qual as partes poderão manifestar-se, exercendo sua ampla defesa.

Após a colheita das provas, e de uma nova tentativa de conciliação, o juiz proferirá uma decisão, chamada de sentença. Nela, poderá julgar procedentes, improcedentes, ou parcialmente procedentes os pedidos, fixando, também, os ônus da sucumbência (que já tivemos a oportunidade de conhecer). Da senten-ça caberá duas espécies de recursos: embargos de declaração, que servem ape-nas para que o próprio juiz que analisou o caso examine a existência de alguma omissão, contradição ou obscuridade, e recurso ordinário, dirigido a uma instân-cia superior (o Tribunal Regional do Trabalho), destinado a uma reanálise do caso.

Nos próximos tópicos, analisaremos pormenores do processo, como a locali-dade de propositura da ação, a audiência trabalhista e outros aspectos relevantes.

O local em que se deve propor a ação.

É o que chamamos de competência territorial. Assim, consoante o artigo 651 da CLT, a competência para análise da reclamação trabalhista é determinada pelo local da prestação de serviço, ainda que o empregado tenha sido contratado em outro local.

Muitas vezes ocorre de o empregado ser transferido de local de trabalho. Assim, qual seria o local competente para ajuizar uma reclamação trabalhista?

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Alguns juízes entendem que seria então o último local da prestação de ser-viços. Por exemplo, se o empregado trabalhou em Mauá e depois foi transferido para a cidade de São Paulo, este último local seria o foro competente para aná-lise da ação.

Contudo, há entendimento diverso, no sentido de que o local competente seria aquele no qual o empregado mais tempo permaneceu laborando, visando facilitar o direito à produção de provas pelas partes. Por exemplo, em um con-trato que perdurou 12 meses, o empregado laborou por 11 meses em Mauá e no último mês laborou em São Paulo, mais fácil seria a produção de provas em Mauá (oitiva de testemunhas, perícia, etc.).

Alguns juízes levam em consideração o domicílio do empregado para admi-tir eventual ação trabalhista. Muito comum ver casos em que o trabalhador mi-grou de algum Estado do Nordeste para tentar uma condição melhor na cidade de São Paulo. Depois, quando o contrato se encerra, e o trabalhador volta para sua cidade natal, muitas vezes necessita ajuizar um processo trabalhista. Pela li-teralidade da lei, a competência para analisar esse processo será de alguma Vara Trabalhista da cidade de São Paulo (local da prestação de serviços). Mas alguns magistrados, flexibilizando a interpretação da lei em atenção ao princípio constitucional do amplo acesso à Justiça (Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional – artigo 5º, XXXV da Constituição Federal), princípio da pro-teção ao trabalhador e demais direitos e garantias individuais previstos na Constituição da República, aceitam julgar o processo trabalhista na cidade natal do trabalhador ou local atual de domicílio do trabalhador, posto que este não teria capacidade financeira de pagar passagens para comparecer à Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo (hipossuficiência econômica do trabalhador).

Mas, trata-se de questão complexa e polêmica, pois pode ocorrer também de a empresa não ter qualquer filial no local de domicílio do trabalhador (na sua cidade natal), de forma que também poderia ficar custoso ao empregador arcar com deslocamentos até a cidade domicílio do empregado.

Caberá ao magistrado sopesar princípios e valores para chegar à sua melhor conclusão acerca da competência no caso concreto. Mas é preciso registrar que pela literalidade da lei ordinária, o local de competência é o da prestação de serviços.

A propósito, a reforma trabalhista, visando minimizar os custos do reclama-do (e reclamante) nessas hipóteses de conflito de competência, pontuou que o Judiciário deve apreciar a questão relativa à competência territorial antes que qualquer parte tenha que se sacrificar e comparecer à audiência no local onde o processo foi ajuizado.

Nessa toada, nos termos da atual redação do artigo 800 e respectivo §1º da CLT, apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de 5 dias a contar da notificação, será suspenso o processo e não se realizará a audiência principal até que se decida a referida exceção:

Art. 800. Apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo.§ 1o Protocolada a petição, será suspenso o processo e não se reali-zará a audiência a que se refere o art. 843 desta Consolidação até que se decida a exceção.

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O restante do procedimento é previsto nos §§2º, 3º e 4º do artigo 800, que dispõem:

§ 2º Os autos serão imediatamente conclusos ao juiz, que intimará o reclamante e, se existentes, os litisconsortes, para manifestação no prazo comum de cinco dias.§ 3º Se entender necessária a produção de prova oral, o juízo desig-nará audiência, garantindo o direito de o excipiente e de suas teste-munhas serem ouvidos, por carta precatória, no juízo que este houver indicado como competente.§ 4º Decidida a exceção de incompetência territorial, o processo re-tomará seu curso, com a designação de audiência, a apresentação de defesa e a instrução processual perante o juízo competente.

A audiência trabalhista:

No item “5.c”, tivemos a oportunidade de analisar de forma sucinta o proce-dimento trabalhista entre o ingresso da ação e a prolação da decisão final do juiz (sentença).

Um ato de importância extremamente relevante para a solução do processo trabalhista é a audiência, justamente por ser a oportunidade em que o juiz tem contato direto com as partes envolvidas no processo, podendo ouvi-las, enten-dê-las, para, ao final, tentar chegar à solução mais justa possível do litígio, seja pelo acordo, seja pela sentença.

Neste tópico, veremos os pormenores do processo em relação à audiência, especialmente sobre a conduta dos envolvidos no processo.

As consequências para quem não vai à audiência:

Como já observamos, é regra que, após o ajuizamento da ação, seja designa-da uma audiência, na qual serão formuladas as tentativas de conciliação. Porém, é possível que uma das partes (ou até mesmo ambas) não compareça. Qual é a solução para tais casos?

Se o ausente for o reclamante, a CLT determina, como sempre determinou, o arquivamento da ação, que é o mesmo que encerrar o processo sem analisar os pedidos formulados. A mesma solução é dada para os casos em que as duas partes não comparecem.

Porém, se o ausente for apenas o reclamado, há o que chamamos de “revelia”, que vem de uma locução em latim que significa “rebeldia”, no sentido mesmo de não vir a Juízo defender-se, uma forma de rebeldia em relação à ordem judicial. É a regra disposta no artigo 844 da CLT:

O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquiva-mento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado impor-ta revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

A revelia é, portanto, o estado de quem não comparece em Juízo para se de-fender. A consequência que dela resulta é a confissão, que enseja a presunção de que tudo o que foi afirmado pelo reclamante (autor) é verdadeiro.

Naturalmente, é provável que os pedidos feitos pelo reclamante sejam acolhi-dos pelo juiz, em razão da confissão. Porém, há situações em que, mesmo diante

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de uma revelia, inexiste a conclusão pela confissão. Tais hipóteses já existiam no processo comum (aplicável de forma subsidiária ao processo do trabalho, nas hipóteses em que este não tenha regra própria, e em que a regra existente no processo civil seja compatível com os princípios aplicáveis ao processo do tra-balho), e, com a reforma trabalhista, foram introduzidas diretamente na CLT. São elas as previstas no §4º do artigo 844 da CLT:

§ 4o A revelia não produz o efeito mencionado no caput deste artigo se: I - havendo pluralidade de reclamados, algum deles contestar a ação; II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;IV - as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inveros-símeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

Assim, havendo mais de um reclamado, a ausência de um deles não gerará confissão, caso outro contestar a ação, o que em se tratando de terceirização, por exemplo, não terá grande efeito, pois cada reclamada defende-se de uma situação (a tomadora questiona apenas a sua responsabilidade, e a empresa ter-ceirizada contesta as próprias verbas postuladas pelo empregado).

Além disso, se a ação tratar de direitos indisponíveis, ou se o reclamante hou-ver deixado de juntar documento imprescindível, a ausência do reclamado não produzirá maiores consequências, eis que a confissão será irrelevante.

Por outro lado, a solução destacada no inciso IV é a mais interessante: caso o juiz detecte que o reclamante expôs alguma situação absurda (por ser inverossí-mil ou contrária a provas juntadas com a própria inicial), o juiz poderá rejeitar o pedido respectivo. Em outras palavras: não é porque o autor afirma que trabalha-va 24h por dia, sem folgas, por dez anos, por exemplo, que o juiz terá de dar razão a ele, mesmo sem defesa da reclamada, pois o absurdo não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário.

Por fim, resta observar que, se o reclamante não for à audiência, a nova lei trabalhista dispõe, no artigo 844, §2º, o seguinte:

§ 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condena-do ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se com-provar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.

Este tema já foi analisado no item “5.b”, e vem sendo fruto de muitas discus-sões. A maior controvérsia está no fato de que se impõe que o beneficiário da justiça gratuita tenha de comprovar o motivo da ausência à audiência, sob pena de ter de arcar com o recolhimento das custas processuais. E a indagação é: se houve a concessão do benefício da justiça gratuita, como impor ao sujeito re-conhecidamente pobre o recolhimento das custas pela ausência? Muitos dos motivos ensejadores do não comparecimento do trabalhador à audiência dizem respeito a questões de difícil prova, como problemas no transporte público (para deslocamento até o Fórum) ou mesmo a obtenção de novo emprego (muitas vezes, sem registro em CTPS).

Trata-se de uma questão muito delicada, que certamente será objeto de ace-sas controvérsias nos Tribunais, até que se pacifique um entendimento a respeito.

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A figura do “preposto”:

A CLT estabelece em seu artigo 843 que, “na audiência de julgamento deve-rão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do compa-recimento de seus representantes salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo Sindicato de sua categoria”.

Ou seja: a regra em questão determina o comparecimento pessoal das par-tes, exceto em casos em que são vários os reclamantes (para evitar tumulto no Fórum, no dia da audiência) ou em que o objeto da ação é o pedido de cumpri-mento de alguma cláusula de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, em que um representante do sindicato poderá substituir os trabalhadores.

Porém, especificamente no caso do empregador, há possibilidade mais am-pla de substituição, justificável na medida em que normalmente o patrão é uma empresa, que pode ser representada por diversas pessoas que detenham pode-res para tanto. É o que dispõe o §1º do artigo 843:

§ 1º É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas de-clarações obrigarão o proponente.

O “preposto” é, portanto, qualquer pessoa designada pelo empregador para representá-lo em audiência. É muito importante que tenha conhecimento dos fatos que geraram a reclamação trabalhista, pois, caso os desconheça, imporá ao proponente (o empregador que o nomeou como preposto) os mesmos efeitos da revelia, ou seja, a confissão quanto aos fatos alegados pelo reclamante.

A respeito de quem deva ser o preposto, embora a regra do §1º do artigo 843 da CLT seja bastante genérica, a Justiça do Trabalho sempre foi muito restritiva. Em razão disso, o TST consolidou o entendimento segundo o qual, exceto na re-clamação trabalhista movido pelo empregado doméstico ou em face de micro ou pequeno empresário, “o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado” (Súmula 377 do TST).

A intenção da Justiça do Trabalho foi a de impedir a presença do chamado “preposto profissional”, pessoa que, mesmo sem conhecer os fatos tratados na ação, comparecia às audiências apenas para suprir a formalidade legal. Em casos tais, o sujeito em questão era “preparado” para participar da audiência, normal-mente usando em seu depoimento evasivas para não dizer que, de fato, não ti-nha conhecimento.

Porém, a reforma trabalhista vem para modificar completamente essa re-alidade. É que, de acordo com o novo §3º do artigo 843 da CLT, “o preposto a que se refere o § 1o deste artigo não precisa ser empregado da parte reclamada”. Consequentemente, o risco do retorno da figura do preposto “profissional” volta a ficar forte.

Fique atento: o preposto não precisa ter presenciado os fatos em relação aos quais deve depor. Basta que ele os conheça, ciência esta que pode ser obtida por informações dentro da própria empresa, junto a colegas do trabalhador que ingressou com a ação trabalhista.

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A postura ética das partes, dos procuradores e de todos os que participam do processo:

No dia-a-dia, a conduta ética do ser humano contribui para uma constante melhoria da sociedade, pela observância aos valores mais importantes da huma-nidade, em especial o respeito ao próximo, a franqueza e a prevalência da moral.

No âmbito de um processo judicial não é diferente. Tal como na vida privada, é dever de todos aqueles que atuam no processo agir com lealdade, colaboran-do com o Poder Judiciário pela busca da verdade e, de um modo geral, contri-buindo para a solução mais célere dos processos.

Exatamente por isso, o Código de Processo Civil (que regula os processos cí-veis em geral, como relações entre vizinhos, casos de colisão de veículos, dívidas condominiais, etc), prevê, em seu artigo 77, o seguinte:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das par-tes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provi-sória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

Considerando a relevância das regras dispostas, o processo do trabalho tam-bém se vale desses preceitos. Que, observados, colaboram para a existência de uma franca disputa entre empregados, empregadores, e todos os que, direta ou indiretamente, participam do processo, como peritos, assistentes técnicos e testemunhas.

Embora a reforma trabalhista não tenha importado a regra transcrita, introduziu uma seção na CLT tratando exclusivamente da “responsabilidade por dano processu-al”. Trata-se de uma série de preceitos que impõem punições a quem age de má-fé, a iniciar pelo comando do artigo 793-A, que estatui que “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente”.

Na definição precisa do que vem a ser “litigante de má-fé”, a reforma copiou preceitos do processo civil, embora isso nem fosse necessário. Afinal, com a cons-ciência de que tal instituto é verdadeira regra de processo em geral (e, como visto, de toda a vida em sociedade), os juízes do trabalho já vinham apenando com as multas previstas no Código de Processo Civil todo aquele que agisse de maneira a prejudicar a justa composição do litígio.

A regra transportada para o processo do trabalho estipula o seguinte:

Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;VI - provocar incidente manifestamente infundado;VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

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Como punição, o novo artigo 793-C da CLT dispõe que o juiz deverá aplicar multa ao litigante de má-fé, que “deverá ser superior a 1% (um por cento) e infe-rior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte con-trária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”.

São inúmeras as situações em que pode ficar caracterizada a litigância de má--fé. Podem ser citadas: 1) a postura da empresa que junta controles de jornada com horários uniformes, que não retratam a realidade vivida pelo empregado; 2) a conduta de pagamento de salário “por fora”, com a apresentação dos com-provantes de pagamento que não contemplam tal rubrica, com a intenção de enganar o juiz e dificultar a prova pela parte contrária; 3) a situação em que o re-clamante inventa fatos para tentar obter uma vantagem indevida de seu patrão no curso do processo judicial.

Muitas dessas condutas, aliás, podem gerar até mesmo reflexos na esfera cri-minal. A exemplo, nas situações hipotéticas (mas infelizmente muito comuns na prática) mencionadas, podemos observar a caracterização dos delitos previstos nos artigos 297, 298, 299 e 304 do Código Penal, que correspondem, respecti-vamente, aos crimes de falsificação de documento público, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso. Por outro lado, a depender do tipo de alegação inverídica formulada no processo (por qualquer das partes), poderá restar caracterizado algum dos crimes contra a honra, como calúnia (artigo 138), difamação (artigo 139) e injúria (artigo 140), todos tipificados no Código Penal.

Por isso, se os envolvidos no processo não quiserem prejudicar sua própria vida em função de sua postura no processo, é bom que respeitem os deveres impostos pela lei. O que, aliás, deve ser também o retrato da postura ética que todos devemos ter em sociedade.

A postura ética da testemunha:

Na prática forense, é muito comum ouvirmos que “a parte (reclamante ou re-clamada) pode mentir, mas a testemunha não”. Não é verdade que a parte pode mentir. As exposições destacadas no item anterior são um indicativo de que tal postura é prejudicial a todo aquele que de alguma forma participa do processo, e, em casos extremos, pode até caracterizar uma conduta criminosa.

Com a testemunha, não é diferente. Na verdade, a testemunha que mente em Juízo pratica crime, independentemente da gravidade da mentira. Trata-se do crime de falso testemunho, tipificado no Código Penal no artigo 342, que tra-ta, também da chamada “falsa perícia”, que é a postura desleal de outros auxilia-res do Juízo, como perito, tradutor, contador ou intérprete:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como tes-temunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judi-cial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.§ 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é pra-ticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. § 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

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Por outro lado, se a conduta perniciosa da testemunha (ou dos auxiliares do Juízo mencionados) é provocada por alguma promessa de vantagem da parte em relação à qual o resultado da prova respectiva favoreceria, também há crime, previsto no artigo 343 do Código Penal:

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vanta-gem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cál-culos, tradução ou interpretação: Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efei-to em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

A reforma trabalhista trouxe uma novidade para aqueles casos em que a tes-temunha mente ou omite informações relevantes de forma intencional. Passou a dispor que:

Art. 793-D. Aplica-se a multa prevista no art. 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa. Parágrafo único. A execução da multa prevista neste artigo dar-se-á nos mesmos autos.

Como já vimos, a multa prevista no artigo 793-C da CLT é a aplicável para a parte que incorre em litigância de má-fé. Consequentemente, o que a nova regra vem dispor é que, se a testemunha mentir, além de responder criminalmente, também será compelida a pagar multa de até 10% (dez por cento) do valor cor-rigido da causa.

Essa questão relacionada à testemunha merece uma análise bastante cuidadosa.

Sabemos que, no âmbito das relações entre trabalhadores e empregadores, exis-te uma clara conotação ideológica que gera, via de regra, um conflito sócio-econô-mico e até mesmo cultural. Isso ganha em relevância no âmbito de uma empresa, a depender do tratamento dedicado aos trabalhadores pelo empregador. Se o am-biente for mais livre, haverá menos problemas, mas se a relação for pouco amistosa, é possível que isso reflita em eventuais processos judiciais, até mesmo nos depoimen-tos prestados pelos trabalhadores na condição de testemunhas.

Certo é que, quando a testemunha é um ex-empregado, existe mais liberda-de no seu depoimento. Ainda assim, o testemunho pode vir contaminado por aspectos ideológicos, o que pode ensejar alguma tentativa de favorecimento a uma das partes. Por outro lado, se a testemunha é empregada da empresa en-volvida no processo durante a colheita do seu depoimento, é possível que tenha receio de falar a verdade, caso esta possa ser desfavorável ao seu patrão, com receio de perder o emprego. Afinal, como sabemos, no Brasil ainda não há pre-visão regulamentada que permita com segurança afirmar que existe garantia no emprego, o que torna o trabalhador vulnerável, e, portanto, com receio de que atitudes suas possam colocar em risco sua fonte de sustento.

Assim, as razões pelas quais uma testemunha mente em Juízo muitas vezes são mais profundas que a mera intenção de favorecer ou prejudicar alguém. E, diante dessa realidade devemos ter muito cuidado com as peculiaridades do caso concreto, pois a gravidade das punições aplicadas merece uma maior reflexão.

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Fique atento: a disposição da reforma trabalhista que impõe uma punição em dinheiro à testemunha que intencionalmente mente em Juízo deverá ser ob-jeto de muitas discussões. É que ela, de certa forma, constitui uma punição sem a garantia da ampla defesa, pois a testemunha é ouvida enquanto testemunha, não para se defender. Por outro lado, não se prevê um recurso específico para a testemunha sujeita a tal punição, o que quer dizer que seu acesso à Justiça também estaria prejudicado. Nesse caso, estaria aí desrespeitado um princípio fundamental de nossa sociedade, o que impõe uma reflexão mais abrangente sobre o assunto.

O acordo “extrajudicial” e sua “homologação”.

Quando duas pessoas conflitam entre si sobre a resolução de alguma ques-tão, temos o que chamamos de lide. Para resolvê-la, temos o Poder Judiciário, que, como observado na parte introdutória deste trabalho, é um dos três Poderes do Estado, a quem incumbe pacificar as lides existentes entre as pessoas, buscan-do a paz social.

Assim, qualquer cidadão pode ajuizar o processo, para que, após análise de um juiz, a controvérsia entre as partes seja resolvida.

A jurisdição pode ser voluntária ou contenciosa.

A maior parte dos processos que tramitam no Poder Judiciário refere-se à ju-risdição contenciosa, na qual se resolve um conflito de interesses existente entre as partes.

Já na jurisdição voluntária não existe litígio a ser resolvido. Alguns juristas lecionam que nem mesmo se fala em partes do processo, mas sim em “interessa-dos”. Dizem até que não se deve falar em “processo”, mas sim em “procedimento”.

Com a reforma trabalhista, surgiu na seara trabalhista o chamado “processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial”. O novo insti-tuto vem previsto nos artigos 855-B a 855-E da CLT modificada:

Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.§ 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindica-to de sua categoria.Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabele-cido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da peti-ção, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender neces-sário e proferirá sentença.Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspen-de o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguin-te ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

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Assim, pelo procedimento instaurado, por meio de uma petição conjunta, as partes apresentam para o juiz um acordo referente a verbas trabalhistas que permearam um contrato de trabalho. A intenção é alcançar a quitação, de forma que as partes não mais discutam acerca de determinado contrato de trabalho.

Como já mencionamos em outro ponto deste trabalho, ao contrário do que ocorre nos demais processos trabalhistas, nesse tipo de processo, para que ocor-ra a homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho, a presença do advogado para dar assistência às partes é obrigatória.

Mas, pela exigência da lei, obrigatoriamente as partes não poderão ser re-presentadas por advogado comum. Isso porque empregado e empregador pos-suem interesses diversos. A possibilidade de o empregado estar assistido por advogado do sindicato de sua categoria minimiza os custos que um trabalhador poderia ter com a contratação particular de um advogado.

O empregador que, em conjunto com o empregado, opte por ajuizar esse procedimento para homologação de acordo extrajudicial, não se verá livre das suas obrigações de pagar as verbas rescisórias no prazo legal (ou seja, em dez dias da rescisão do contrato, conforme o artigo 477, § 6º da CLT) e entregar os documentos que comprovam a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes, sob pena de incidência da multa prevista no artigo 477, § 8º da CLT.

O prazo prescricional para o ajuizamento de eventual ação ficará suspenso a partir da data na qual for protocolado o referido acordo extrajudicial, voltando a prescrição a correr no dia útil seguinte ao trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

Pergunta-se: os acordos extrajudiciais homologados judicialmente podem conter cláusula de quitação geral? Em outras palavras: por meio de um acordo que verse sobre determinadas verbas, o acordo extrajudicial pode abranger toda e qualquer verba oriunda do contrato de trabalho, mesmo não inserida naquelas abrangidas pelo acordo?

Pode parecer uma resposta tranquila, a princípio. Contudo, trata-se de uma questão polêmica. O tempo dirá como o Judiciário, trabalhadores e empresas reagirão a essa novidade legislativa. Tudo que se quer é impedir que pessoas de má índole se utilizem desse procedimento para conquistar a quitação ampla e irrestrita que o Judiciário emite, a troco de pagamento não compatível com um justo acordo ou a troco de enganar aquele que não tem plena ciência de seus direitos. Daí a importância de o trabalhador estar assistido por seu próprio advo-gado (não por algum profissional indicado pela própria empresa, por exemplo).

Fato é que o artigo 855-D da CLT diz que o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. Assim, e como a senten-ça envolve juízo de valor acerca do que se expressa nos autos, e uma vez que a lei permite que o juiz “analise” o caso e ainda designe audiência, alguns juristas entendem, então, que caberá ao juiz, por meio da livre convicção motivada, se recusar a fazer alguma homologação ou fazê-la de forma restrita (apenas quanto ao objeto do processo, por exemplo).

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Somente após detida análise dos elementos dos autos será possível ao juiz analisar se o caso concreto poderá ser alvo da quitação geral, com a validação desse tipo de cláusula. Afinal, a homologação do acordo constitui faculdade do juiz do trabalho, não um suposto “direito” das partes, como já pacificado na Súmula 418 do C. TST:

MANDADO DE SEGURANÇA VISANDO À HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo di-reito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança.

Estudiosos do Direito ainda apontam que deve ser definido o que pode e o que não pode ser alvo desse tipo de procedimento com a chancela judicial, pois seria preocupante, por exemplo, ver direitos básicos do trabalhador (patamar ci-vilizatório mínimo) serem alvo de concessão/renúncia.

Outros aspectos processuais importantes.

As publicações e a forma de contagem de prazos:

Na Constituição Federal, existe um princípio aplicável a toda a Administração Pública, que é o da publicidade de seus atos. No processo judicial, ele se refle-te nas citações e intimações (ambas chamadas no processo do trabalho gene-ricamente por notificações), que são a forma de tornar públicos aos sujeitos do processo todos os atos nele praticados, seja para chamar alguém a Juízo para se defender, seja para tomar ciência de determinado ato, para faça ou deixe de fazer alguma coisa.

Com a introdução do processo judicial eletrônico (com ele, o Diário Oficial Eletrônico), as publicações são feitas por meio virtual, o que significa menos de-gradação ao meio-ambiente, mais agilidade nas comunicações dos atos, e maior facilidade de difusão dos atos praticados no processo.

Quando o juiz determina a prática de algum ato, sempre há um prazo para tanto. Que, superado, gera um efeito chamado de “preclusão”, que é perda da possibilidade de realizar determinado ato no âmbito do processo, em função do decurso do prazo.

Os prazos sempre foram contados em dias corridos, o que, se por um lado conferia maior agilidade para os processos judiciais, por outro representava uma dificuldade para os advogados. Por exemplo: se houvesse um feriado na sexta--feira, e o advogado recebesse uma publicação na quarta-feira anterior para pra-ticar um ato em cinco dias, a contagem iniciaria na quinta-feira e terminaria na segunda-feira subsequente. Ou seja: o advogado teria, então, apenas dois dias úteis para praticar o ato determinado, a não ser que se dispusesse a trabalhar nos dias em que não há expediente no Fórum (feriado, sábado e domingo).

A reforma trabalhista trouxe, neste assunto, uma mudança importante. A partir dela, todos os prazos passam a ser contados em dias úteis, como passa a dispor o artigo 775 da CLT alterada pela reforma:

Art. 775. Os prazos estabelecidos neste Título serão contados em dias úteis, com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento.

Assim, no exemplo dado, feita a publicação na quarta-feira antecedente ao feriado, o advogado passa a ter a quinta-feira, e o período de até a quinta-feira da

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semana subsequente (inclusive) para manifestar-se. A mudança, embora certa-mente reflita no tempo de solução dos processos, facilitará a atuação dos advo-gados, contribuindo para a ampla defesa de seus clientes.

Por outro lado, a reforma também trouxe poderes ao juiz que podem facilitar a solução em determinados casos concretos, passando a dispor, no complemen-to ao artigo 775, que:

§ 1o Os prazos podem ser prorrogados, pelo tempo estritamente ne-cessário, nas seguintes hipóteses: I - quando o juízo entender necessá-rio; II - em virtude de força maior, devidamente comprovada. § 2o Ao juízo incumbe dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.

Portanto, se o juiz entender que há dificuldade de prova, até mesmo em situ-ações de desastre ambiental ou provocado pelo ser humano (uma enchente que alagou o escritório do advogado, ou um incêndio, por exemplo), poderá prorro-gar prazos, sempre em nome de um princípio maior, que é o da ampla defesa das partes em conflito.

O recurso: custo e procedimento; hipóteses de isenção.

Já falamos sobre o processo em sua fase inicial, até o momento em que o juiz profere a sentença. Também observamos que, da sentença, normalmente dois recursos são cabíveis: um para aperfeiçoar a decisão, em função de alguma omis-são, contradição ou obscuridade do julgado, chamado embargos de declaração; o outro, é uma tentativa de mudança de decisão, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho, chamado recurso ordinário.

O recurso de embargos de declaração não tem qualquer custo. Deve ser de-duzido no prazo de cinco dias (úteis, como já vimos), e é dirigido ao próprio juiz prolator da decisão. Já o outro tem regras mais complexas, e é sobre elas que falaremos um pouco.

O recurso ordinário deve ser interposto no prazo de oito dias úteis da pu-blicação da sentença (se tiver havido embargos de declaração, a contagem se inicia da publicação da última decisão). É encaminhado, como dito, ao Tribunal Regional respectivo, que fará uma nova análise dos fatos submetidos ao juiz, e poderá manter ou reformar a decisão de origem, substituindo-a.

Até a reforma trabalhista, o trabalhador que houvesse perdido a ação pre-cisaria recolher as custas arbitradas pelo juiz na sentença para recorrer. Do con-trário, se tivesse sido beneficiário da justiça gratuita (o que ocorria na grande maioria dos casos), não precisaria recolher as custas, o que quer dizer que não havia qualquer custo para recorrer.

A reforma não modifica a situação do trabalhador, mas as possibilidades de concessão da justiça gratuita passam a ser muito maiores, atingindo também a reclamada em uma série de hipóteses.

Antes da reforma trabalhista, apenas a pessoa física poderia ser destinatária da justiça gratuita (ou seja, contar com o direito de recorrer sem precisar arcar com qualquer custo). Consequentemente, ressalvados os casos restritos de em-pregadores que figuravam como pessoas físicas (empregadores domésticos ou

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alguns empreiteiros), era regra que todos os demais (pessoas jurídicas) tivessem de despender o valor das custas processuais para recorrer. A única exceção, no âmbito das pessoas jurídicas, era a massa falida, e isso por interpretação judicial (não por previsão da lei), que, por não ter disponibilidade financeira para arcar com o custo do recurso, também recebia isenção.

Além das custas, também havia (e continua existindo) a necessidade de um depósito, chamado depósito recursal, que consiste em uma garantia de parte da condenação (hoje em valor um pouco superior a nove mil reais). Apenas a recla-mada deveria efetuar tal depósito, cuja obrigatoriedade seguia a mesma regra aplicável às custas processuais.

A partir da reforma, tanto as custas quanto o depósito recursal passam a ser exigíveis em menos hipóteses, uma vez que o novo artigo 899 da CLT agora as-sim dispõe:

§ 4o O depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e cor-rigido com os mesmos índices da poupança. [...] § 9o O valor do depósito recursal será reduzido pela metade para entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microem-preendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. § 10. São isentos do depósito recursal os beneficiários da justiça gra-tuita, as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial.

Portanto, é possível dizer que, a partir da reforma trabalhista, a interposição de recurso será facilitada para as entidades sem fins lucrativos, os emprega-dores domésticos, os microempreendedores individuais e as microempre-sas e empresas de pequeno porte, que passam a ser obrigados a depositar apenas a metade do valor fixado para as empresas em geral.

Por outro lado, mais facilitada ainda é a situação para os beneficiários da justiça gratuita (que, como já observamos, podem ser até mesmo pessoas ju-rídicas em geral), as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial, que passam a ser isentos do depósito recursal.

A intenção do legislador é facilitar o acesso à Justiça daqueles que não têm boas condições financeiras, eliminando obstáculos legais que, em alguns casos, impediam empregadores de rediscutir as questões apreciadas pelo juiz em pri-meiro grau. Se a intenção é digna de elogios, talvez os efeitos podem não ser tão benéficos. É que a possibilidade do ajuizamento de recursos em número bas-tante superior ao hoje verificado poderá colaborar para o abarrotamento dos Tribunais, aumentando o tempo de tramitação dos processos e prejudicando a justa e célere entrega da prestação jurisdicional.

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RELAÇÃO DE OBRAS CONSULTADAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006.

BRAGHINI, Marcelo. Reforma trabalhista: flexibilização das normas sociais do trabalho. São Paulo: LTr, 2017.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a Reforma Trabalhista. São Paulo: Método, 2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.

HUBERMAN, Leo. A História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

MAEDA, Patrícia. A Era dos zero direitos. São Paulo: LTr, 2017.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. Vol. I, parte II.

NAHAS, Thereza; PEREIRA, Leone; Miziara, Raphael. CLT Comparada Urgente: breves comentários, regras & aplicação e mapas conceituais dos artigos reformados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Reforma trabalhista: comentários à Lei n.º 13.467, de julho de 2017. São Paulo: LTr, 2017.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista: análise da Lei 13.467/2017. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

______. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 1. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

______. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 6. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o direito do trabalho no limiar do século XXI. Curitiba: Gênesis, 1999.

WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo civil. v. 1. 9. ed. revista atualizada e ampliada com a Reforma Processual 2006/2007. São Paulo: RT, 2008.

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CAROLINE CRUZ WALSH MONTEIRO

LEONARDO ALIAGA BETTI

Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região desde 14/03/2008, Graduada em Direito  pela Universidade de Vila Velha-ES, Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória-FDV-ES.

Juiz do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho, professor na pós-graduação da Escola Superior de Advocacia e na Escola Paulista de Direito, Mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), Pós-graduando em Direito Previdenciário e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital na USP.