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Carta da Cepia Ano VII nœmero 9 dezembro de 2001 N este novo nœmero da Carta da Cepia. nosso tema central Ø o debate sobre Direitos Humanos e Racismo, provocado pela ConferŒncia Internacional da ONU contra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em Durban, `frica do Sul de 31 de agosto a 7 de setembro. Na realidade, este evento deve ser entendido como a parte mais visível de um contínuo, que compreende tanto um longo e difícil processo preparatório, com diversas reuniıes nacionais e regionais, bem como um leque de questıes que se colocam para a sociedade civil, governos e organismos internacionais, após a ConferŒncia. A Cepia participou deste processo e da ConferŒncia, e pretende acompanhar os desdobramentos do debate sobre igualdade/diversidade Øtnico-racial que, finalmen- te, parece estar impactando o Estado e a sociedade brasileira. Os impactos desta ConferŒncia foram, entretanto, atropelados pelos atentados terroristas de 11 de setembro cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir, tanto no clima de insegurança mundial, quanto na exacerbaçªo de uma nova xenofobia, ameaçando um projeto de PAZ mundial. Apesar deste contexto internacional desfavorÆvel, cresce no Brasil a consciŒncia de que nªo Ø mais possível desconhecer a histórica discrimina- çªo sócio-econômica e cultural da nossa populaçªo afro-descendente, que demanda medidas urgentes de governo, empresariado, mídia e da sociedade civil organizada. Ainda neste nœmero, apresentamos uma síntese dos diversos projetos que estamos realizando e que se desenvolvem em espaços e com parcerias diversas, coerentes com a nossa proposta de aprofundar o diÆlogo com distintos setores sociais. Estamos assim informando sobre nosso trabalho na Comunidade da MarØ, em salas de espera de hospitais pœblicos, em universidades, em redes de ONGs nacionais e internacionais e no âmbito do Fórum da Sociedade Civil nas AmØricas. Encerramos o ano de 2001 com a esperança, sempre renova- da, de que Ø possível um mundo mais justo, solidÆrio e fraterno. A diretoria Artigo Consideraçıes sobre a situaçªo mundial pós 11 de setembro Jacqueline Pitanguy. PÆg. 2 ConferŒncia Reportagem especial sobre a ConferŒncia Mundial Contra o Racismo, em Durban, o Fórum das ONGs e atividades paralelas PÆgs. 3 a 7 Entrevista Mulheres palestinas sob o jugo da ocupaçªo israelense Sumaya Fahat-Naser. PÆg. 18 Acesse a home page da Cepia: www.cepia.org.br Reproduçªo de vídeos educativos e informativos. PÆg. 8 Projetos Nova publicaçªo As Mulheres e a Legislaçªo contra o Racismo PÆg. 16 A Lei 9.099/95 em debate Leila Linhares Barsted PÆg. 12 Capacitaçªo de policiais PÆg. 11

Carta da Cepiacepia.org.br/wp-content/uploads/2017/11/cartadacepia9.pdf · 2019. 7. 2. · Durban, `frica do Sul de 31 de agosto a 7 de setembro. Na realidade, este evento deve ser

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  • Carta da CepiaAno VII número 9 dezembro de 2001

    Neste novo número da Carta da Cepia. nosso tema central é o debate sobreDireitos Humanos e Racismo, provocado pela Conferência Internacional da ONUcontra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada emDurban, África do Sul de 31 de agosto a 7 de setembro. Na realidade, este evento deveser entendido como a parte mais visível de um contínuo, que compreende tanto umlongo e difícil processo preparatório, com diversas reuniões nacionais e regionais, bemcomo um leque de questões que se colocam para a sociedade civil, governos eorganismos internacionais, após a Conferência.

    A Cepia participou deste processo e da Conferência, e pretende acompanhar osdesdobramentos do debate sobre igualdade/diversidade étnico-racial que, finalmen-te, parece estar impactando o Estado e a sociedade brasileira.

    Os impactos desta Conferência foram, entretanto, atropelados pelos atentadosterroristas de 11 de setembro cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir, tanto no clima deinsegurança mundial, quanto na exacerbação de uma nova xenofobia, ameaçandoum projeto de PAZ mundial.

    Apesar deste contexto internacional desfavorável, cresce no Brasil aconsciência de que não é mais possível desconhecer a histórica discrimina-ção sócio-econômica e cultural da nossa população afro-descendente,

    que demanda medidas urgentes de governo, empresariado, mídia e dasociedade civil organizada.

    Ainda neste número, apresentamos uma síntese dos diversos projetosque estamos realizando e que se desenvolvem em espaços ecom parcerias diversas, coerentes com a nossa proposta deaprofundar o diálogo com distintos setores sociais. Estamos assiminformando sobre nosso trabalho na Comunidade da Maré, emsalas de espera de hospitais públicos, em universidades, emredes de ONGs nacionais e internacionais e no âmbito do Fórumda Sociedade Civil nas Américas.

    Encerramos o ano de 2001 com a esperança, sempre renova-da, de que é possível um mundo mais justo, solidário e fraterno.

    A diretoria

    ArtigoConsiderações sobre a situaçãomundial pós 11 de setembroJacqueline Pitanguy. Pág. 2

    ConferênciaReportagem especial sobre a ConferênciaMundial Contra o Racismo, em Durban, oFórum das ONGs e atividades paralelasPágs. 3 a 7

    EntrevistaMulheres palestinassob o jugo da ocupaçãoisraelenseSumaya Fahat-Naser. Pág. 18

    Acesse a home page da Cepia: www.cepia.org.br

    Reprodução devídeos educativos einformativos. Pág. 8

    Projetos

    Nova publicaçãoAs Mulheres e aLegislação contrao RacismoPág. 16

    A Lei 9.099/95 em debateLeila Linhares BarstedPág. 12

    Capacitaçãode policiaisPág. 11

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    Carta da Cepia

    CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃOMUNDIAL PÓS 11 DE SETEMBROJacqueline Pitanguy

    Artigo

    das na prevenção e resolução de conflitos e napromoção da paz. E pelo fato de que, sendoformalmente democrática, mantém mecanismosexcludentes de tomada de decisões como seuConselho de Segurança, fechado a participa-ção da expressiva maioria dos países.

    Enfrentamos assim, em um mundo interligado,uma estrutura oligárquica e excludente de toma-da de decisões globais onde determinados paí-ses detêm posições hegemônicas apesar de queos efeitos de tais decisões alcançam todo o pla-neta. Estas estruturas hegemônicas estão domina-das pelo poder masculino, excluindo as mulheres.

    Para a construção de uma plataforma depaz, apoiada no respeito à diversidade, é im-portante rejeitar as definições unilaterais de ter-rorismo, particularmente aquelas que o associ-am tão somente ao Islamismo. Lamentavelmen-te, católicos e protestantes, judeus e muçulma-nos têm usado, em diferentes momentos da his-tória, táticas terroristas. Qualquer que seja o fun-damento religioso, as mulheres são sempre asprincipais vítimas do fundamentalismo, sofrendoviolações sistemáticas de seus direitos civis, deseu direito à segurança e à integridade corpo-ral, de seus direitos reprodutivos e sexuais. Noregime Talibã do Afganistão estas violações che-garam a um grau máximo. Lamentavelmente,poucas vozes se levantaram contra tal situaçãoe, até recentemente, diversos governos seguiramapoiando este regime que condenou as mulhe-res à morte civil.

    Neste momento de profunda angústia, rea-firmamos nosso compromisso com o paradigmados direitos humanos, com o respeito à diversi-dade, com a justiça social e a equidade de gê-nero, raça e etnia.

    Ao derrubar o World Trade Center e partedo Pentágono, destruindo covardementemilhares de vidas humanas, o atentadoterrorista de 11 de Setembro estabeleceu um mar-co crucial na história das relações internacionais,tornando evidente que enfrentamos hoje a dra-mática transnacionalização das causas e efei-tos de conflitos étnicos, raciais, de gênero, reli-giosos, econômicos e políticos. Ao mesmo tem-po em que condenamos veementemente osatentados terroristas, ressaltamos que a complexi-dade da atual situação mundial demanda res-postas concertadas que sigam mais além de po-sições simplistas e unilaterais. Neste sentido, gos-taríamos de chamar a atenção para certas ca-racterísticas do quadro internacional atual, e seusefeitos nefastos sobre um projeto de paz mundial.

    A situação de apartheid social dentro dospaíses e entre os países do Norte e do Sul é insus-tentável. A distribuição de riquezas e do acessoa recursos e serviços alcançou níveis de desigual-

    dade sem precedentes na história da hu-manidade. Segundo dados recentes doIBGE, no Brasil, por exemplo, existem hojecerca de 50 milhões de pessoas vivendoabaixo da linha da pobreza. Neste marcode desigualdades as mulheres são sempreas mais pobres entre os pobres.

    A paz mundial se vê também profun-damente ameaçada pela agudizaçãodo conflito Palestina-Israel, que parecehaver chegado hoje a um impasse cuja

    única saída é a intensificação do diálo-go entre os grupos de ativistas pela paz epelos direitos humanos, atuando em am-

    bos lados, particularmente as coligaçõesde mulheres palestinas e israelenses.

    A globalização, acelerada pela revoluçãodas tecnologias de comunicação, desconhecefronteiras no que se refere à circulação de capi-tais financeiros e da informação. No entanto, opoder decisório mundial se concentra em umnúmero inaceitavelmente pequeno de países de-senvolvidos (G7). Esta situação se vê agravadapela crescente perda de poder das Nações Uni-

    A distribuição de riquezas e do acessoa recursos e serviços alcançou níveisde desigualdade sem precedentes nahistória da humanidade.

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    Carta da Cepia

    DURBAN É SÓ O COMEÇORosana Heringer1

    Realizou-se entre os dias 31 deagosto e 7 de setembro de2001, em Durban, na África doSul, a Conferência Mundial contrao Racismo, a Discriminação Racial,a Xenofobia e Formas Correlatas deIntolerância. Alguns dias antes,ocorreu na mesma cidade o Fórumdas ONGs, paralelo à Conferênciaoficial. Este conjunto de atividades,além de dezenas de eventos para-

    1 Socióloga, pesquisadora da Cepia e Coordenadora deProgramas do Fórum da Sociedade Civil nas Américas.

    Conferência mundial contra o racismo

    Sonia Pereira Nascimento, Rosana Heringer, Nilza Iraci, Jurema Werneck e Lúcia Xavier

    traduzir a palavra gênero, alegando que nãotinha nenhum significado em árabe? Impossí-vel ignorar que diplomatas do Caribe defen-diam as reparações aos povos vítimas da es-cravidão e do colonialismo, lembrando a dívi-da paga pelo Haiti à França no momento dasua independência.

    Para o contexto brasileiro, a conferência trazcomo resultado principal a incorporação naagenda brasileira, de forma permanente, dodebate sobre inclusão social, levando em con-ta as oportunidades desigualmente distribuídasem função da cor da pele, da aparência, dogênero, da orientação sexual, dos hábitos cul-turais, das crenças religiosas, de necessidadesespeciais. Todas estas temáticas passam a fazerparte do repertório de desafios colocados parao Brasil neste início de milênio, na busca de rea-lizar na prática o ideal de igualdade e respeitoà diferença consagrado em nossa constituiçãoe nas convenções internacionais que ratificamos.

    Outras conferências das Nações Unidas tive-ram lugar nas últimas décadas. As mulheres, ascrianças e os adolescentes, por exemplo, foramgrupos diretamente beneficiados pela possibili-dade que tiveram de registrar em um documen-to internacionalmente reconhecido os seus direi-tos específicos e as estratégias para alcançá-los.

    lelos, reuniu cerca de 15 mil pessoas vindas detodas as partes do mundo.

    Em Durban promoveu-se um encontro deagendas variadas, que tinham em comum a lutacontra a discriminação e a exclusão. Com in-tensidades diferentes, foi possível inscrever nodocumento final a maior parte das demandasali explicitadas. E agora, em um cenário de guer-ra e incerteza, é hora de trabalhar na concre-tização das idéias ali acordadas. Chegou-se aum documento final. Imperfeito, mas o possívelpara estes tempos. Aprovado por dezenas depaíses ainda presentes no final da conferência,deve agora servir como instrumento de luta con-tra o terrorismo, a intolerância, o preconceito eos abusos praticados em nome da ordem.A conclusão não pode ser outra: não se podejogar no lixo os esforços de anos de prepara-ção e reflexão, que resultaram na Declaração eno Plano de Ação de Durban.

    Mais do que nunca a agenda de Durban éoportuna e atual. Mais do que nunca o mundodemonstra, pela força e pelo terrorismo, as difi-culdades em resolver conflitos que misturam umavariedade de aspectos, combinando desigual-dades econômicas absurdas e diferenças cultu-rais, étnicas, raciais e religiosas de toda ordem.

    As acaloradas discussões no Fórum das ONGs colocando lado a lado colonizados ecolonizadores, israelenses e palestinos, europeuse ciganos, indígenas e invasores, negros e bran-cos voltam à memória. Como esquecer aslongas horas de negociação dentro dos comi-tês de redação dos documentos finais da con-ferência, em que muçulmanos recusavam-se a

    Alexandra Teixeira,assistente de projetos doFundo Global paraMulheres, Rosana Heringer,pesquisadora da Cepia eKavita Ramdas, presidentedo Fundo Global paraMulheres, durante aConferência MundialContra o Racismo, emDurban, África do Sul

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    Carta da Cepia

    Também a luta pela preservação ambiental for-taleceu-se e institucionalizou-se a partir da mo-bilização para conferências mundiais específi-cas. Tais grupos específicos constituíram-se comoatores sociais importantes no cenário internacio-nal em grande medida porque foram capazesde se conhecer e reconhecer internacionalmen-te, construindo alianças que permitiram dar visi-bilidade as suas demandas também no planonacional e local.

    As torres do World Trade Center desabando,prenúncio de uma série de ataques e contra-ataques cujas conseqüências ainda não sãopossíveis dimensionar, foram chocantes paratodos. Apesar do ceticismo e das dificuldades

    que perpassaram muitos momentos da confe-rência, as milhares de pessoas lá presentes cer-tamente voltaram para casa acreditando umpouco mais na possibilidade de se negociar eresolver pacificamente os conflitos étnicos, raci-ais, culturais e religiosos de toda ordem, que fo-ram expostos e debatidos.

    Cada bombardeio que assistimos na TV deveser para nós um lembrete de que o caminho danegociação e da paz continuará sendo umameta e de que temos a nossa própria tarefa in-terna de reduzir a violência e as desigualdadesque atingem grande parte de nosso povo e cujascausas também são a discriminação, o racismoe a intolerância.

    CELEBRANDO A DIVERSIDADEA interseção entre racismo, sexismo e direitos humanos

    Uma das atividades mais interessantes e emocio-nantes entre as que tiveram lugar na programa-ção do Fórum das ONGs, paralelo à Conferência Mun-dial contra o Racismo, na África do Sul, foi a realizaçãode uma audiência pública, sobre a interseção en-tre racismo, sexismo e outras formas de opressão.

    O evento aconteceu no dia 31 de agosto de 2001,e foi promovido pelo Centro para Liderança Globaldas Mulheres (CWGL Center for Womens GlobalLeadership), uma ONG feminista norte-americana.A audiência abordou três temas abrangentes e de-safiadores:

    Integridade Corporal e Sexualidade Migração e Imigração Guerra, Conflito e Genocídio

    Dentro de cada um dos temas, foram trazidosdepoimentos de mulheres que, através de sua histó-ria de vida, testemunharam e denunciaram as viola-

    ções de direitos humanos sofridas por milhões de mu-lheres no mundo pertencentes a grupos discrimina-dos. Todos os depoimentos foram carregados deemoção, levando a platéia a solidarizar-se com oshorrores vividos pelas mulheres submetidas a váriostipos de opressão: violência sexual em prisões norte-americanas; insegurança e precariedade nas condi-ções de vida de mulheres palestinas nos territóriosocupados; mulheres vítimas da guerra civil no Congo;tráfico de mulheres árabes na Alemanha, entre ou-tros depoimentos igualmente impressionantes, pelasua crueldade, mas também pela força renovadorae pela coragem demonstrada por cada uma daque-las mulheres, acima de tudo, sobreviventes.

    A íntegra dos depoimentos será publicada em in-glês em 2002 pelo CWGL. Maiores informações sobrea audiência e demais atividades desenvolvidas peloCWGL podem ser obtidas no site:

    www.cwgl.rutgers.edu

    DEPOIMENTOS

    Integridade física e sexualidade Nobantu Prudence Mabele Desafios do HIV/AIDS

    e Orientação Sexual (África do Sul) Indira Ghale Tráfico de mulheres Dalit (intocá-

    veis); (Nepal) Vera Kurtic e Slavica Vasic Discriminação racial e

    sexual das mulheres Romas Tonya McClary Sistema de Justiça Criminal (EUA)

    Migração e Imigração Solange Pierre Discriminação contra trabalha-

    dores haitianos e seus descendentes (RepúblicaDominicana)

    Rosana Heringer (ao centro) durante a oficina Celebrandoa diversidade, em Durban, África do Sul

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    Carta da Cepia

    O FÓRUM DE ONGS EM DURBANDESTAQUE PARA AS MULHERESCada participante viveu sua própria Conferência Mundial contra oRacismo. Esta é a sensação que emerge quando dois ou mais doscerca de 500 brasileiros que lá estiveram conversam e comentamsuas impressões sobre os eventos em Durban.

    Filas, problemas de hospedagem, dificuldades parao credenciamento das ONGs foram dramas vi-vidos pela grande maioria dos participantes. Venci-dos, porém, estes obstáculos, a variedade das ativi-dades no Fórum de ONGs era muita, permitindo di-ferentes opções.

    Cerca de 5.000 pessoas participaram do Fórumde ONGs, que aconteceu na semana anterior à Con-ferência oficial. A abertura do Fórum paralelo foi mar-cada por discursos que relembraram a importânciasimbólica desta conferência estar sendo realizadana África do Sul, país que, como lembrou o Presiden-te Thabo Mbeki, guarda em suas esquinas as marcasvivas do regime de segregação racial. A represen-tante do Comitê organizador do Fórum, MerciaAndrews, por sua vez, destacou a importância destaconferência como um espaço onde as organiza-ções presentes teriam a oportunidade de quebrarprotocolos e falar de temas nem sempre falados,tais como a questão dos dalits, dos romãs, dos pales-tinos, das reparações aos afrodescendentes, dos in-dígenas, entre outros assuntos.

    A Alta Comissária das Nações Unidas para Direi-tos Humanos, Mary Robinson, também esteve presen-te na abertura, e marcou seudiscurso com uma mensa-gem de estímulo ao diálogoe à construção de propos-tas: Não devemos subesti-mar o que teremos a chance deconquistar nesta conferência.

    A Comissão de Gênero:Nunca somos apenas mulheres ...Uma das atividades mais interessantes do Fórum deONGs foi o dia de atividades organizado pela Comis-são de Gênero, destinada a fornecer subsídios paraa Declaração Final das ONGs. Com a participaçãode mais de 500 mulheres ao longo do dia, contandocom tradução simultânea organizada de forma vo-luntária e com uma extensa programação alternan-do sessões plenárias e grupos de trabalho, a GenderCommission cumpriu sua missão de servir como umespaço de encontro de mulheres de todas as partesdo mundo, dando sua contribuição à luta anti-racis-ta. Após mais de 10 horas de trabalho, chegou-se aum elenco de análises e propostas destinadas a sub-sidiar a declaração final.

    Entre os principais pontos discutidos durante estedia de trabalho, destacamos: a persistência do pre-conceito contra as mulheres africanas, ainda vistaspelo resto do mundo como atrasadas e ignoran-tes; a feminização da epidemia de HIV/ AIDS comomais um fator de marginalização das mulheres afri-canas; a importância de se garantir os direitos dosmigrantes como um fator importante para defenderos direitos das mulheres em várias partes do mundo.

    Uma visão geral dos principais desafios apresen-tados às mulheres pela agenda de Durban foi sinteti-zado por Kimberly Shaw, ativista feminista negra dosEUA: Estamos tentando fazer a ponte entre Beijinge Durban e precisamos ampliar o conhecimentosobre como estas duas formas de discriminação

    Meera Samanther e Rozana Iza Obstáculos àsTrabalhadoras domésticas estrangeiras (Malásia)

    Behshid Najafi Defesa dos direitos das mulheresmigrantes (Alemanha)

    Nahar Alam Experiências de mulheres imigrantese asylum seekers nos EUA (Bangladesh)

    Guerra, Conflito e Genocídio Manar Faraj e Vivian Stromberg A vida das mu-

    lheres nos campos de refugiados (Palestina) Doris Mpoumou Guerra, conflito, violência sexual

    e etnicidade (República do Congo) Maria Toj Genocídio e Etnocídio dos Povos Indí-

    genas (Guatemala) Ita Nadia Os altos índices de estupro de mulheres

    de descendência chinesa (Indonésia)

    Celebre a Diversidade: Lute pelos Direitosde TODAS as Mulheres!

    Ninguém pode negar a todas as mulheresdo mundo o direito ao amanhecer.

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    Carta da Cepia

    não estão separadas. É preciso conectar a formacomo vivenciamos estas discriminações no dia a diacom o debate internacional travado aqui. Kimberlyutilizou uma imagem muito concreta para resumir ocaminho a ser percorrido pelas mulheres na luta pe-los seus direitos: Temos que ver este processo comouma estrada com muitos sinais e placas pelo cami-nho. Existe a estrada do sexismo, com seus muitossinais de patriarcado, violência sexual etc. Existe aestrada da homofobia, com suas placas que limitama liberdade de orientação sexual. Estas e outras es-tradas convergem no momento em que uma mulhermarginalizada de diversas formas (por sua origemétnica, sua condição econômica, seu lugar na famí-lia etc.) tenta atravessar a estrada. O desafio é falardeste momento e desta encruzilhada no mesmomomento, e não em uma conferência de cada vez.

    Após a plenária de abertura, foram apresenta-das agendas regionais de temas a serem incluídosno documento, numa perspectiva de gênero. Valea pena destacar os pontos levantados pela repre-sentante da América do Norte, Youmma Chala, an-tecipando sem saber um leque de questões que hojeestão mais do que nunca presentes nos debates dasociedade norte-americana, após os acontecimen-tos de 11 de setembro: o impacto da política exter-na norte-americana na política interna; o poder damídia e das imagens preconceituosas por ela veicu-ladas; a militarização e criminalização de comunida-des compostas por minorias étnicas e raciais; a ne-cessidade de revisão das leis de imigração e da situa-ção referentes a asilados e imigrantes ilegais; a pri-vatização do sistema penal e o impacto das refor-mas no sistema de welfare, entre outros temas.

    Epsy Campbell, da Costa Rica, responsável porapresentar uma agenda de questões para as mu-lheres da América Latina, destacou o fato de que80% das mulheres afrodescendentes latino-america-nas são pobres. Esta situação é fruto do processo deglobalização acelerada nas últimas décadas, masnão apenas deste, pois trata-se de um quadro estru-tural que remonta há cinco séculos atrás.

    As participantes que apresentaram as contribui-ções por região destacaram a necessidade de or-ganizar um monitoramento do cumprimento do Pla-no de Ação de Durban, através dos instrumentos jáexistentes, pressionando para que as Nações Unidasdediquem recursos materiais e humanos a esta tarefa.

    No momento seguinte da Comissão de Gênero,as participantes dividiram-se em 19 grupos de traba-lho temáticos, destinados a apresentar contribuiçõesem temas como Gênero e Ocupação Estrangeira,Gênero, Criminalidade e Justiça, Gênero e Juven-tude, entre outros. No grupo do qual tive oportuni-dade de participar, destinado a abordar o tema deGênero e Globalização, destacaram-se as preocu-pações com o impacto do comércio internacionalsobre as mulheres e a crescente perda de autono-mia dos Estados nacionais para lidar com as regrasinternacionais, definidas em organismos como a OMC.Afirmou-se que é importante pressionar os Estadospara que honrem, na OMC, os tratados internacionaisde Direitos Humanos por eles ratificados.

    Finalmente foram organizados grupos de traba-lho destinados a discutir estratégias específicas deintervenção do movimento de mulheres. Uma dasdiscussões mais ricas se deu no âmbito do gruporesponsável pelo tema Institucionalização das agen-das de Beijing e Durban: ampliando o movimento in-ternacional de mulheres, que teve como facilitado-ra Charlotte Bunch, do CWGL (EUA).

    A grande conclusão foi o reconhecimento de quenenhuma conferência mundial pode acontecer semque as mulheres estejam presentes e sejam ouvidas.

    As conferências levam-nos a uma reflexão sobrenós mesmas. E esta que trata de racismo é particular-mente difícil, porque nos leva a pensar sobre as nos-sas dificuldades pessoais em lidar com estas ques-tões, já que nenhuma de nós é só mulher, pois perten-cemos a grupos específicos, de diferentes tipos. Comoobservou uma participante, há algumas experiênciasterríveis e outras maravilhosas que resultam do fato desermos mulheres vivendo em situações de conflito étni-co, religioso, cultural, político, entre outras dimensões.

    Plenária da Comissão deGênero, destinada a fornecersubsídios para a DeclaraçãoFinal das ONGs

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    Carta da Cepia

    RACISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS

    cas trataram de temas como política educacional,políticas de saúde, política fundiária, representaçãopartidária de grupos minoritários ou discriminados,políticas de ação afirmativa, entre outros assuntos.

    O grande mérito do seminário foi a possibilidadede trazer para o debate visões diversificadas sobre otema, inclusive em termos de representatividade re-gional, deslocando o foco das políticas adotadas nosEUA, normalmente predominantes nos debates sobreestas questões.

    Maiores informações sobre o seminário, os con-ferencistas e a íntegra dos textos apresentados estãodisponíveis (em inglês) no site www.unrisd.org

    Uma das principais atividades entre os eventosparalelos à Conferência mundial contra o Ra-cismo, em Durban, África do Sul, foi o seminário in-ternacional Racismo e Políticas Públicas, organi-zado pelo UNRISD (Instituto das Nações Unidas paraPesquisa sobre Desenvolvimento Social), sediado emGenebra.

    Reunindo especialistas de todas as partes domundo, o seminário concentrou-se na análise dasquestões envolvidas na formulação, implementaçãoe monitoramento de políticas voltadas para a redu-ção das desigualdades entre grupos raciais, étnicos,culturais e/ou religiosos. Sessões de trabalho específi-

    DIÁLOGO SOBRE A CONFERÊNCIAMUNDIAL CONTRA O RACISMO

    reunião, visualizar perspectivas pós-Durban eagendas futuras, onde os diferentes segmentosreunidos neste diálogo possam atuar de maneiraarticulada.

    O relatório da reunião contém um históricodas articulações e atividades preparatórias àCMR; uma discussão sobre o nexo entre ques-tão racial e questão democrática; o debatesobre alianças; a luta contra o racismo comomudança de valores, além de uma síntese daspropostas, perspectivas e agendas futuras aliapresentadas.

    As conclusões deste relatório e os próximospassos desta articulação foram discutidos nasegunda reunião do Diálogo, realizada no Riode Janeiro, nos dias 29 e 30 de novembro de2001. A íntegra do relatório e outras informaçõespodem ser obtidas através do e-mail:

    [email protected]

    Como parte das atividades preparatórias dasONGs brasileiras para a Conferência Mundialcontra o Racismo, ocorrida em setembro de 2001na África do Sul, realizou-se no Rio de Janeiro oI Diálogo sobre a Conferência Mundial contrao Racismo, nos dias 19 e 20 de julho de 2001.O Diálogo foi uma iniciativa da Articulação deMulheres Brasileiras (AMB) e do Observatório daCidadania e contou com a participação daCepia na sua organização.

    A reunião contou com cerca de 40 partici-pantes de todo o Brasil e teve como objetivoestabelecer um diálogo entre ativistas de dife-rentes segmentos, situados num mesmo cam-po político, atuantes nos processos nacional einternacional preparatórios da ConferênciaMundial contra o Racismo. O ponto de partidafoi a constatação do pouco envolvimento dasorganizações da sociedade civil em geral noprocesso preparatório da CMR. Diante destequadro, pretende-se, a partir das conclusões da

    Conferência mundial contra o racismo

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    Carta da Cepia

    Projetos

    Ao longo dos anos 90, aCepia produziu uma série defilmes (spots) de 30 segundos,voltados fundamentalmentepara a mulher casada ou vi-

    vendo relações estáveis, alertando-as ea seus companheiros, sobre os riscos decontágio pelo vírus HIV. Estas peças pu-blicitárias, dirigidas por cineastas comoMurilo Salles e Lúcia Murat, foram difun-didas por canais de TV como Globo, Ban-deirantes, TV Educativa, entre outras.

    Acreditando que devemos sempreotimizar a utilização dos recursos dispo-níveis na área de saúde, a CEPIA iniciou,

    visionadas pelas Assistentes Sociais das Unida-des Municipais de Saúde e recebem orientaçãotécnica e metodológica da Cepia e do Núcleode Estudos e Ações em Saúde Reprodutiva e Tra-balho Feminino (ESS-UFRJ).

    Até outubro de 2001 foram realizadas 141salas de espera, atingindo 1716 pessoas, dentreas quais, cerca de 90,1% do sexo feminino. Asmulheres participantes das atividades de sala deespera são incentivadas a aderir aos projetos daSecretaria Municipal de Saúde que oferecemcamisinhas à clientela, dentro das atividades deprevenção de contágio pelo vírus HIV.

    Unidades de saúde participantes do projeto:

    Centro Municipal de Saúde MarcolinoCandau (Cidade Nova),

    Centro Municipal de Saúde Milton FontesMagarão (Engenho de Dentro)

    Hospital Maternidade Alexander Fleming(Marechal Hermes)

    Hospital Maternidade Carmela Dutra(Lins de Vasconcelos)

    Hospital Raphael de Paula e Souza(Jacarepaguá)

    Instituto da Mulher Fernando Magalhães(São Cristóvão)

    Posto de Atendimento Médico RodolphoRocco (Del Castilho)

    Posto de Saúde Pedro Nava(Campo Grande)

    REPRODUÇÃO DE VÍDEOSEDUCATIVOS/INFORMATIVOS

    Reunião com estudantes de Serviço Social que atuam no projetoReprodução de Vídeos Educativos/Informativos

    em abril de 2001, o projeto Reprodução deVídeos Educativos/Informativos, em parceria como Ministério da Saúde, através da CoordenaçãoNacional de DST/AIDS.

    Este novo projeto visa contribuir para o au-mento da percepção, por parte das mulheres,sobre a necessidade do uso da camisinha nasrelações sexuais, através da exibição dos vídeosproduzidos pela Cepia nas salas de espera deUnidades Municipais de Saúde do SUS-RJ. Essaação permite também levar informações a mu-lheres usuárias do SUS em grupos informativos e/ou educativos como os de planejamento fami-liar, adolescentes e mães, sobre como se prote-ger do vírus da AIDS, desmistificando a idéia deque mulheres casadas estariam protegidas.

    Numa parceria com a Escola de Serviço So-cial da Universidade Federal do Rio de Janeiro(ESS-UFRJ), foram selecionadas 12 estudantes deserviço social para atuarem como agentesmotivadores de debates nos grupos onde os fil-mes são projetados. Estas estudantes são super-

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    Carta da Cepia

    PROJETO CIDADANIA DAS MULHERES

    Como parte de um Programa Regional de Preven-ção e Atenção à Violência Intrafamiliar contra aMulher, este projeto vem sendo desenvolvido na Vilado João, Complexo da Maré, zona norte da cidadedo Rio de Janeiro, e tem dentre os seus objetivos acriação de uma rede de serviços de atendimento àsmulheres vítimas de violência e a implementação deum Centro de Referência da Mulher.

    No segundo semestre de 2001 demos início a umciclo de palestras voltadas para interlocutores privile-giados lideranças da comunidade, profissionais dasáreas da saúde, educação e justiça e de serviçosde apoio a vítimas de violência doméstica e sexual e elaboramos um Programa de Sensibilização dosProfissionais que atendem à população da área daMaré. Esse Programa está sendo desenvolvido emparceria com os órgãos de governo estadual e muni-cipal do Rio de Janeiro e pretende sensibilizar os pro-fissionais dos diferentes serviços para a violência es-pecífica de que são vítimas as mulheres.

    A proposta é adaptar os conteúdos pro-gramáticos aos diferentes públicos professores,orientadores pedagógicos, diretores de escolas, mé-dicos, enfermeiros e auxiliares, defensores públicos eestagiários de direitos, além de funcionários da admi-nistração dos diferentes serviços que mesmo indi-retamente convivem com a violência intrafamiliar e,

    Iniciado em junho de 2000, o Projeto Cidadania das Mulheres estápromovendo um novo ciclo de atividades.

    Atividades do ProjetoCidadania das Mulheresdesenvolvido na Vila do João,Complexo da Maré, zona norteda cidade do Rio de Janeiro

    muitas vezes, não sabem como ajudar às vítimas.Integrá-los a uma rede de serviços e profissionaisespecializados pode facilitar e agilizar o apoio e aten-dimento a essas mulheres, fortalecendo e consolidan-do a necessária articulação dos diferentes serviços.

    Paralelamente, estamos dando início ao funcio-namento do Centro de Referência da Mulher em umasala do Posto de Saúde da Vila do João. Nossos agen-tes comunitários foram capacitados para orientar eencaminhar as mulheres da localidade aos diferen-tes serviços de apoio já existentes. Em agosto de2001 passamos a contar com a assistência voluntá-ria de uma advogada do CIAM Centro Integradode Atenção à Mulher, que tem prestado orienta-ção jurídica aos moradores da comunidade. O ob-jetivo é que esse Centro funcione como uma refe-rência básica de ajuda às mulheres vítimas de violên-cia intrafamiliar na localidade.

    Apoiado pelo Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID), pelo Fundo de Desenvolvimentodas Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) e pelaSecretaria de Estado de Direitos Humanos, o Proje-to Cidadania das Mulheres visa, em perspectivamais ampla, integrar a rede de combate à violên-cia de gênero às ações de fortalecimento da cida-dania feminina e à luta pelo respeito aos direitoshumanos das mulheres.

    Projetos

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    Carta da Cepia

    NOVOS DESAFIOS DA RESPONSABILIDADE POLÍTICA

    Os textos que subsidiaram as discussões foram osseguintes:

    O HIV/AIDS: uma perspectiva multidimensional,de Mario Bronfman, Diretor do Centro de Investi-gaciones en Sistemas de Salud (CISS), Instituto Na-cional de Salud Pública de México (INSP). Coorde-nador do Centro Colaborador de ONUSIDAINSP eCristina Herrera, Pesquisadora associada ao CISS(INSP); Coordenadora do Grupo Latinoamericanode Trabajo en Mujeres y Sida (GLAMS), Centro Co-laborador de ONUSIDA-INSP.

    A violência contra a mulher: um problema deequidade de gênero, de Claudia Garcia Moreno,Coordenadora de Gênero e Estudo Multicêntricosobre Saúde da Mulher e Violência de Gênero.Depto. De Gênero e Saúde da Mulher, OMS.

    Gravidez não desejada: impacto sobre a saúdee a sociedade na América Latina e Caribe, deAna Langer, em colaboração com Henry Espino-za, ambos do escritório Regional para AméricaLatina e Caribe, do Population Council.

    O Fórum da Sociedade Ci-

    Dr. Jose Barzelatto faz sua apresentação na abertura da ConferênciaNovos Desafios da Responsabilidade Política

    Conselho Diretor do Fórum daSociedade Civil nas Américasreunido durante aconferência.

    Dr. Raúl Alfonsín, ex-presidente da República Argenti-na, Dr. Jose Barzelatto e Jacqueline Pitanguy, respec-tivamente Presidente e Diretora Executiva do Fórumda Sociedade Civil nas Américas. Jose Barzelatto fa-lou sobre Os novos desafios da responsabilidade po-

    lítica e o propósito da reunião,enquanto Jacqueline Pitanguyfez uma apresentação sobreSaúde e Direitos Humanos. Du-rante o evento o Dr. Paulo Ro-berto Teixeira, Coordenador Na-

    cional do Programa DST/AIDS doMinistério da Saúde do Brasil e o

    Dr. Eduardo Jorge, SecretarioMunicipal de Saúde de SãoPaulo relataram sua experiên-cia no campo da AIDS, da vio-lência sexual e da gravidez não

    desejada. Silvina Ramos, direto-ra do Cedes, entidade organizadora desta

    Conferência, fez o encerramento.

    Projetos

    Os textos apresentados, bemcomo as conclusões da reunião,estão disponíveis no site:

    www.forumcivil.org.br

    com o Centro de Estudios de Estado ySociedad (Cedes Argentina), o Cels (Cen-tro de Estudios legales y Sociales) e a Flacso(Facultad latinoamericana de CienciasSociales) organizou a reunião Novos Desa-fios da Responsabilidade Política. A reuniãoaconteceu nos dias 30 de novembro, 1 e 2de dezembro de 2001, em Buenos Aires,Argentina e reuniu 120 lideranças políticaslatino-americanas para discutir o impactosocial, cultural, econômico e na saúde detrês problemas cruciais no campo dos direi-tos humanos: a violência contra a mulher, oHIV/AIDS e a gravidez não planejada.

    Na abertura da reunião participaram o

    vil nas Américas, em parceria

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    Carta da Cepia

    CAPACITAÇÃO DE POLICIAISA Cepia, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDMorganizou, no Rio de Janeiro, no período de 9 a 12 de dezembro, o EncontroDireitos Humanos X Violência contra a mulher : atuando na capacitação depoliciais de delegacias de mulheres, que contou com a presença de represen-tantes de 16 ONGs de diversos estados brasileiros Acre, Amapá, Rio Grande doNorte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Brasília, São Paulo, Paraná,Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

    Esse Encontro foi precedido de uma série de ativi-dades realizadas pelo CNDM, dentre as quais aelaboração da Pesquisa Nacional sobre as Condi-ções de Funcionamento das Delegacias Especiali-zadas no Atendimento a Mulheres, sob a responsa-bilidade da pesquisadora Kelly Cristiane da Silva, ede 5 seminários regionais para divulgação dessapesquisa nas cidades de Brasília, São Paulo, Rio deJaneiro, Recife e Vitória.

    A Cepia também promoveu atividades prelimi-nares ao Encontro , dentre as quais a organização de2 workshops para colher subsídios na definição denovos cursos. O primeiro, realizado no auditório doCiam Centro Integrado de Atendimento à Mulher,do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio deJaneiro, com policiais de DEAMs, que participaramdos cursos promovidos pela Cepia na Academia dePolícia do Rio de Janeiro, em 1999. O segundoworkshop reuniu Delegadas de Polícia que atuam ou

    já aturam em DEAMs e foi realizado no audi-tório da Delegacia Legal da Mulher Rio.

    Na abertura do Encontro, que contoucom a presença da Presidente do Cedim,de representantes da Comissão de Segu-rança da Mulher do Rio de Janeiro, de Dele-gadas e policias de Delegacias de Mulheres, dentreoutros, a Professora Lia Zanotta Machado, consultorapara análise dos dados coletados pelo CNDM, apre-sentou os resultados da Pesquisa Nacional sobre asCondições de Funcionamento das Delegacias Espe-cializadas no Atendimento à Mulheres que revelamtanto a importância dessas unidades policiais, quantoas suas deficiências e diferenças regionais.

    Nesse Encontro foram discutidas questões bási-cas para trabalhar com policiais sobre direitos huma-nos e violência contra a mulher; apresentadas dinâ-micas de grupo que facilitam esse trabalho e elabo-rado um modelo de curso para policiais de delega-

    Ligia Doutel de Andrade, presidente do Cedim; Regina Arraes, conselheira e representante doCNDM; Maria Elvira Vieira de Mello e Leila Linhares Barsted, da Cepia, na sessão de abertura doEncontro Direitos Humanos X Violência contra a mulher: atuando na capacitação de policiaisde delegacias de mulheres.

    cias de mulheres que pos-sa ser aplicado nacional-mente, com as adapta-ções necessárias aos diver-sos contextos. O CNDMpretende, em um primeiromomento, apoiar a capa-citação de 30 Delegaciasde Mulheres, e, ao longo doano de 2002, dar continui-dade a esse processo coma capacitação de novasDEAMs.

    XI CURSO SABER MÉDICO, CORPO E SOCIEDADEEm 2001 foi realizada a décima primeira edição docurso Saber Médico, Corpo e Sociedade, promo-vido pela Cepia, em parceria com a Faculdade deMedicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio deJaneiro), sob a coordenação da Profa. Alícia Navarroe de Jacqueline Pitanguy.

    O programa está estruturado em quatro mó-dulos que abrangem os seguintes temas: Saber

    Médico, Corpo e Sexualidade; Racionalidades: sa-ber e práticas médicas; Sobre o Método Científi-co; e medicina e Sociedade. Os diferentes móduloscontam com a participação de professores convi-dados, da Cepia, da UFRJ e do Instituto de Medici-na Social da Uerj.

    A recente greve dos professores teve como con-seqüência a extensão do curso até março de 2002.

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    Carta da Cepia

    A LEI 9.099/95 EM DEBATELeila Linhares Barsted

    O debate sobre a lei 9.099/95 que criou osJuizados Especiais Criminais para tratar doschamados crimes de menor potencial ofensi-vo tem mobilizado grupos feministas e, em es-pecial, mulheres operadoras do direito. Issoporque calcula-se que 80% dos casos aprecia-dos ou julgados por esses Juizados são de vio-lência doméstica contra as mulheres. Assim,passados seis anos de sua vigência, pode-sedizer que a Lei 9.099/95 tornou-se a lei de vio-lência doméstica brasileira sem que houvessena sua elaboração a participação do movi-mento de mulheres.

    Em outubro desse ano, reuniram-se na Cepiaadvogadas feministas, de diversas Ongs e institui-ções tais como Agende, Cepia, Cfemea, Cladem,Themis, Instituto dos Advogados Brasileiros eDefensoria Pública com o intuito de promoveruma reflexão crítica e sistemática sobre essa Lei,avaliando seu impacto na vida das mulheres.Nessa reunião constatou-se a banalização comque tem sido tratada a violência contra a mu-lher, em especial as lesões corporais e as amea-ças, caracterizadas pela Lei como crimes demenor potencial ofensivo. Avaliou-se que os

    melhores esforços para aperfeiçoar a Lei 9.099/95 esbarram no marco ideológico dessa lei quenão incorporou a existência de relações de po-der entre homens e mulheres, em especial noespaço doméstico. Como bem sintetizou a ad-vogada Carmen Campos, do grupo Themis, essaé uma lei que presupõe um delito eventual entrehomens, ao contrário da violência domésticaque, longe de ser um fato isolado, desenvolve-se durante anos e atinge as mulheres de formacontínua. Para as operadoras do direito que sereuniram na Cepia colocou-se o desafio de pen-sar uma legislação sobre violência domésticacontra as mulheres que incorpore a perspectivade gênero, contenha mecanismos de proteçãoàs vítimas e contemple o disposto na Conven-ção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violên-cia contra a Mulher Convenção de Belém doPará, elaborada pela Organização dos EstadosAmericanos OEA, em 1994. Tal proposta, poroutro lado, não endossa a tradicional visão ex-clusivamente repressora da legislação penal eintroduz a utilização de mecanismos do direitocivil que possam fortalecer as mulheres na defe-sa de seus direitos.

    III CURSO GÊNERO CORPOE ENFERMAGEM

    Foram realizados 12 encontros, sempre àsterças feiras das 14 às 17:00h, na Feuerj,em Vila Isabel. O público foi composto degraduandos(as) em Enfermagem.

    O curso é gratuito e visa incorporar a noção degênero às ações de Enfermagem. Oferecido inicial-mente como um curso de extensão nas versões an-teriores, a partir de agora foi incluído como uma ca-deira do programa de especialização em enferma-

    O III CURSO GÊNERO CORPO E ENFERMAGEMocorreu no período de 11 de setembro a 27 denovembro de 2001, promovido em parceria pelaCEPIA e pela Faculdade de Enfermagem daUniversidade do estado do Rio de Janeiro (Feuerj).

    gem obstétrica daquela faculdade, conforme a polí-tica do ministério da saúde de incentivar a formaçãode especialistas na área da saúde da mulher.

    Projetos

    Avaliou-se que esforços para aperfeiçoar a Lei 9.099/95 esbarramno marco ideológico dessa lei que não incorporou a existênciade relações de poder entre homens e mulheres.

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    Carta da Cepia

    ADVOCACIA PRO BONOÉ importante destacar que a violência contra a

    mulher é o primeiro tema a receber atenção especialdo emergente movimento pro bono brasileiro. Nessesentido, a Cepia, representada pela advogada Ma-ria Elvira Vieira de Mello participou de dois eventoseste ano: em fevereiro, à convite da Fundação Ford,do seminário Pro Bono at Light Speed Where LawFirms, Corporate In-House Counsel and Pro BonoIntersect, organizado pelo Pro Bono Institute, da Uni-versidade de GeorgeTown, Washington, DC; em no-vembro, à convite da Secretaria de Justiça e Defe-sa da Cidadania do Estado de São Paulo, do Semi-nário Advocacia Pro Bono em Defesa da MulherVítima de Violência.

    A prática da advocacia pro bono,isto é, advocacia voluntária, nas

    causas que envolvem questões de di-reitos humanos é muito comum nos Es-tados Unidos e na Europa, contando

    com uma forte e bem articulada redede participantes.

    No Brasil, a prática é antiga, mas suaformalização é recente. Em novembro

    de 2001 foi inaugurado em São Paulo o Ins-tituto Pro Bono, que vem se aliar ao CESA Cen-

    tro de Estudos das Sociedades de Advogados naorganização desta oferta de esforço voluntário paradefesa dos direitos humanos.

    SEMINÁRIO EM SALZBURG

    Entre 26 de setembro e 3 de outubro de 2001,Jacqueline Pitanguy participou, como professora(faculty), do Seminário Determinantes Sociais da Saú-de Pública, realizado em Salzburg, Áustria.

    Reunindo mais de 60 representantes de todo omundo, os participantes debateram sobre a influên-cia de questões ligadas à justiça social, conflitos deguerra, raça, gênero, pobreza e espiritualidade noâmbito da saúde.

    Na foto, integrantes do grupo de trabalho co-ordenado por Jacqueline Pitanguy, oriundos dos se-guintes países: Porto Rico, EUA, Espanha, Etiópia,Nigéria, Romênia e Armênia. Diana Valladares, Ge-rente dos Programas de Saúde da Mulher da secre-taria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, foi uma

    VISITA DE ESTUDANTES NORTE-AMERICANOS À CEPIA

    das participantes do evento (na foto, a quinta pes-soa de pé da esquerda para a direita).

    Em 4 de julho de 2001 um grupo de estudantes dadisciplina Direitos Humanos da New York University, emcompanhia do seu professor Peter Lucas, visitaram aCepia, onde tomaram contato com as atividadesdesenvolvidas nesta área e receberam informaçõessobre a trajetória dos direitos humanos no Brasil, desdea ditadura militar ao momento atual.

    I COLÓQUIO DE DIREITOSHUMANOS

    Representando a Cepia e o Fórum da Socie-dade Civil nas Américas, as pesquisadoras Ma-ria Elvira V. de Mello e Adriana Mota estiverampresentes no I Colóquio Anual de Direitos Hu-manos de São Paulo, ocorrido entre os dias 14e 25 de maio.

    O Colóquio foi realizado pelo Consórcio Uni-versitário pelos Direitos Humanos e seu objetivofoi a formação e capacitação de 140 lideran-ças em direitos humanos na América Latina,países da África de língua portuguesa e TimorLeste. Mais informações no site:

    www.consorciodh.com.br

    Projetos

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    Carta da Cepia

    FÓRUM DA SOCIEDADE CIVIL NASAMÉRICAS: NOVO SITE, NOVO E-MAIL

    REUNIÃO DO CONSELHO DOFUNDO GLOBAL PARA MULHERES

    Connie Evans e Sumaya Fahat-Naser, inte-grantes do Conselho Diretor do Global Fundfor Women (Fundo Global para Mulheres), suapresidente, Kavita Ramdas e sua diretora NicolaMcIntyre reuniram-se em setembro de 2001 naCepia com Jacqueline Pitanguy, que assumiua Coordenação do Conselho desta entidade.

    O GFW apoia grupos de mulheres em todoo mundo, caracterizando-se por sua agilidadeem responder às demandas, tendo distribuído,em 2000, cerca de 4 milhões de dólares a gru-pos na África, Ásia, Europa Oriental e AméricaLatina e Caribe. O GFW tem apoiado inclusivegrupos de mulheres no Afeganistão e em cam-pos de refugiados no Paquistão.

    REDE BRASILEIRA PELA INTEGRAÇÃODOS POVOS REBRIP

    Em 14 de setembro de 2001, realizou-se no Rio deJaneiro a I Assembléia Nacional da Rebrip RedeBrasileira pela Integração dos Povos. A Rebrip preten-de ser um espaço coletivo de articulação, discussão,mobilização e incidência sobre os processos regio-nais, hemisféricos e globais de integração e comér-cio e atuar nos níveis local, nacional, regional e inter-nacional. É constituída por ONGs, movimentos sociais,entidades sindicais e associações profissionais quetêm como prioridade o tema da integração regionale do comércio justo e democrático.

    Jacqueline Pitanguy, Nicola McIntyre, Kavita Ramdas, Connie Evanse Sumaya Fahat-Naser

    Projetos

    Assembléia, estatuto e nova coordenação

    Durante a assembléia, além da discussão das es-tratégias de ação da rede, foi aprovado o estatuto eforam eleitas a coordenação geral e a coordena-ção executiva, com mandato de dois anos. A Cepia,como secretaria executiva do Fórum da SociedadeCivil nas Américas, faz parte da coordenação geral,composta por 13 instituições: Fase, Cut, FNU, MST, SerMulher, Terra Azul, Ibase, Cedec, Cepia, MNDH, Inesc,Faor e Action Aid Brasil.Coordenação executiva: Fase, Cut, Ser Mulher, Inesce CedecSecretaria executiva: FaseE-mail: [email protected]

    Entrou no ar recentemente o novo site do Fórum da Sociedade Civil nasAméricas. O novo endereço (www.forumcivil.org.br) abriga também no-vos conteúdos, a começar pela apresentação dos projetos e atividadesdo Fórum em três idiomas: português, inglês e espanhol.

    O site do Fórum traz informações sobre as publicações mais recentes,além dos seminários e eventos promovidos pelo Fórum. Traz também osboletins informativos do Fórum e, em breve, disponibilizará para downloada íntegra dos textos publicados na série Cadernos Fórum Civil.

    Para maiores informações sobre as atividades do Fórum da Socieda-de Civil nas Américas use o novo e-mail: [email protected]

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    Carta da Cepia

    DIREITOS HUMANOS NO MERCOSULO Fórum da Sociedade Civil nas Américas lançou, no dia 3 de maio de 2001, mais um númeroda Coleção Cadernos Fórum Civil.

    Publicações

    A publicação Direitos Humanos no Mer-cosul, apresenta um quadro comparativo da incorporação dos direitos huma-nos na Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uru-guai. Analisa avanços e obstáculos para seuexercício, além das necessidades e deman-das que ainda permanecem em termos doordenamento normativo. Identificamos o Es-tado da Arte dos direitos humanos no ConeSul do continente, as recorrências, especifici-dades, principais conquistas e lacunas tantono que se refere a seu marco legal quantoaos instrumentos para sua efetivação.

    Por ocasião do lançamento do livro, a Cepia/Fórum daSociedade Civil nas Américas organizou no Rio deJaneiro um debate sobre A promoção dos direitoshumanos nos processos de integração regional.Participaram do debate Leila Linhares e JacquelinePitanguy, diretoras da Cepia; José Barzelatto,Presidente do Conselho Diretor do Fórum da SociedadeCivil nas Américas; Silvina Ramos, do Centro de Estudiosde Estado y Sociedad Cedes (foto).Tambémparticiparam Dr. Luiz Carlos Galindo de Medeiros,assessor do representante da presidência da Repúblicapara assuntos do Mercosul; Dr. Alcides Costa Vaz,professor do Departamento de Relações Internacionaisda UNB e Rosana Heringer, uma das organizadoras dapublicação. Além de representantes de ONGs enúcleos de estudos em universidades, tambémestiveram presentes ao lançamento os cônsules dosEstados Unidos e da Argentina.

    O estudo pretende contribuir para que a in-tegração entre estes países seja um fator de apro-fundamento dos direitos humanos, tanto em ter-mos da incorporação de novas dimensões davida na esfera destes direitos como no que dizrespeito a sua indivisibilidade. Seu objetivo é ode contribuir para o estabelecimento de umpatamar básico de direitos políticos, sociais, ci-vis, ambientais, de saúde e de proteção contradiscriminações de gênero, raça e etnia ao qualdevem os países membros aderir e respeitar,mediante a proposição de uma agenda de di-reitos humanos para o Mercosul.

    Consideramos necessário estabele-cer uma agenda social e de direitoshumanos para o Mercosul, que possadesempenhar o papel chave de for-necer um parâmetro para a integra-ção comercial, determinando limitespara abusos e discriminações inacei-táveis nos países integrantes do blocoe definindo níveis desejáveis de bemestar a serem alcançados. Esta agen-da incorpora questões relacionadasao trabalho, à equidade de gênero,étnica e racial, aos direitos sexuais ereprodutivos, à violência doméstica,proteção ambiental e migração.

    A legislação referente a direitos hu-manos nos países do Mercosul apre-senta convergências relevantes em al-gumas temáticas fundamentais para aelaboração de uma agenda comum.

    FÓRUM DA SOCIEDADE CIVILNAS AMÉRICASVolume 4, em português ena sua versão em espanhol

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    Carta da Cepia

    No ano da realização da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Raci-al, Xenofobia e Intolerância Correlata, a Cepialançou o v. 4 da coleção Traduzindo a Legisla-ção com a Perspectiva de Gênero dedicado àlegislação específica criada para coibir e punira discriminação racial e também para promo-ver o acesso aos direitos civis.

    As Mulheres e a Legislação contra o Racis-mo procura dar visibilidade aos instrumentos le-

    gais nacionais e internacionais que repudiam oracismo em todas as suas formas, discutir o im-pacto diferenciado que esse tipo de discrimina-ção tem sobre as mulheres e apontar para a ne-cessidade de utilizar os instrumentos e mecanis-mos legais para demandar o cumprimento da lei.

    Os três artigos publicados neste volume con-templam aspectos variados da situação dasmulheres negras e indígenas no Brasil. Hédio Sil-va Jr. analisa historicamente as discriminaçõesraciais contra os negros e aponta a necessidadede demandas judiciais específicas para as mu-lheres negras. Leila Linhares Barsted e JacquelineHermann destacam as leis federais, estaduais emunicipais que, por pressão do movimento ne-gro, vêm sendo elaboradas nas últimas déca-das contra o racismo, bem como apontampara a coerência entre a legislação nacionale a legilsação internacional. Contrapõem a leià força da realidade dos dados estatíticos dis-poníveis que flagram a grave situação viven-ciada, sobretudo, pelas mulheres negras noBrasil. Jacqueline Pitanguy e Rosana Heringer

    Traduzindo a Legislação com a Perspectiva de Gênero Volume 4

    AS MULHERES E A LEGISLAÇÃOCONTRA O RACISMO

    Lançamento do Livro As mulherese a legislação contra o racismo, emDurban, África do Sul

    Publicações

    Entretanto este estudo indica também a presen-ça de discrepâncias significativas que suscitamà necessidade de que se proceda a uma ampladiscussão entre organizações da sociedade ci-vil, governos e setores comerciais no sentido deestabelecer consenso em torno de alguns direi-tos básicos de cidadania que deveriam ser re-conhecidos por todos os estados membros. Es-tes direitos expressos em legislações, políticas pú-blicas e acordos, constituiriam um passaporte deproteção aos direitos humanos no Mercosul, semo qual a proposta de uma efetiva integraçãono Cone Sul não se realizará.

    Recentemente, esta publicação foi traduzidapara o espanhol, visando uma melhor circula-ção do seu conteúdo nos países do Mercosul eno conjunto da América Latina. A versão em es-

    panhol Derechos Humanos en el Mercosur será lançada no Uruguay em 2002, em articula-ção com a ONG Cotidiano Mujer.

    Lançamento do livro Direitos Humanos no Mercosul

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    Carta da Cepia

    analisam os efeitos da integração regional e eco-nômica proposta pelo Mercosul sobre as açõespolíticas necessárias e específicas para o com-bate das desigualdades étnicas, raciais, sociaise culturais em cada um dos países que integramo bloco. No que se refere especificamente àsmulheres, alguns dados já permitem afirmar queestas são ainda mais afetadas que os homenspelas políticas de liberação comercial e integra-ção de mercados.

    Este volume publica ainda alguns documen-tos internacionais na íntegra, como a Conven-ção Internacional sobre a Eliminação de Todasas Formas de Discriminação Racial, de 1966, e aConvenção sobre a Eliminação de Todas as For-mas de Discriminação contra a Mulher, de 1979.Publicamos ainda o Protocolo Facultativo a essaConvenção de 1979, adotado pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 15 de outubro de1999 e assinado pelo governo brasileiro em 2001,

    A versão em português também contou comvários eventos de lançamento no Brasil, em ativi-dades relacionadas com o debate sobre a Con-ferência Mundial contra o Racismo, na Univer-sidade Candido Mendes e na Universidade Está-cio de Sá, ambas no Rio de Janeiro.

    Os interessados em receber gratuitamenteum exemplar do livro (em inglês ou português)podem fazer o pedido pelo e-mail:[email protected]

    Com mais esse volume da Coleção Tradu-zindo a Legislação com a Perspectiva de Gê-nero procuramos enriquecer o debate e a lutapela eliminação de todas as formas de discrimi-nação contra a mulher, e contribuir para a con-solidação dos Direitos Humanos e da cidadaniafeminina no Brasil.

    além da Convenção 111 da Organização In-ternacional do Trabalho e da Convenção 169sobre Povos Indígenas e Tribais em Países In-dependentes.

    A versão em inglês desta publicação foilançada durante o Fórum das ONGs, parale-lo à Conferência Mundial contra o Racismo,na África do Sul. O primeiro lançamentoocorreu durante evento organizado pelo Glo-bal Fund for Women (GFW), que reuniu re-presentantes de organizações de mulheres devárias partes do mundo que recebem apoiodo GFW. O segundo ocorreu durante a au-diência pública sobre a interseção entre gê-nero e racismo, promovida pelo Center forWomen Global Leadership, dos EUA.

    COLEÇÃO TRADUZINDOA LEGISLAÇÃO COM APERSPECTIVA DE GÊNEROVolume 4, em portuguêse na sua versão em inglês

    VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.UM GUIA DE DEFESA, ORIENTAÇÃOE APOIOA 4ª edição, ampliada e revisada desse Guia sairá em janeiro de2002, dando continuidade a um trabalho da Cepia, que desde1996, em parceria com o Cedim, tem subsidiado as ações deapoio a mulheres vítimas de violência. Essa nova edição contoucom o apoio da Fundação Ford, da Secretaria de Estado deDireitos Humanos, do Ministério da Justiça, do BID e do Unifem.

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    Carta da Cepia

    Entrevista

    Estou cansada desta guerra, cujas causas têmcomo origem a disputa dos dois lados pelo mesmoterritório. A realidade é muito amarga e é necessáriochegar a um acordo. Há milhares de pessoas, dosdois lados, trabalhando para que se chegue a umacordo. Entretanto, a fim de que se implemente umprocesso de paz, Israel deve retirar-se dos territóriospalestinos ocupados em 1967. As fronteiras anterio-res a 1967 já implicavam que Israel detinha 78% doterritório palestino de então. Os palestinos devem por-tanto receber os 22% do seu território, o que foi acor-dado em resolução da ONU.

    O processo de paz não foi de encontro às expec-tativas dos palestinos. Caso o Estado Palestino sejaestabelecido, palestinos e israelenses poderiam coe-xistir pacificamente. Entretanto, os territórios ocupa-dos nunca foram devolvidos e a ocupação israelen-se nunca terminou... Durante o processo de paz, 7acordos foram assinados, mas não são respeitados.Além de não devolver os territórios ocupados, Israelpretende exercer mais controle sobre os palestinos, oque representa a criação de um sistema de apartheid.Gaza, uma faixa de terra de 72km de largura e 45kmde comprimento, está dividida. Em 60% deste territó-rio vivem 1 milhão de palestinos, e nos outros 40% vi-vem 5000 israelenses, cercados de 18.000 soldadosisraelenses para protegê-los. Sua presença lá é ilegale, portanto, perigosa. Eles deveriam deixar a Faixa deGaza imediatamente. Enquanto eles têm piscinas ejardins, os palestinos não têm nem água para beber.

    Convivemos com tanques e soldados israelensesem nossa terra. Há dois sistemas de rodovias, um paraos palestinos e outro para os israelenses. Uma pessoa

    não pode locomover-se de Gaza para a Cisjordâniasem permissão do exército israelense. Mesmo Arafat,presidente da Autoridade Palestina, parlamentares oufuncionários públicos não podem deslocar-se sempermissão. As famílias ficam dispersas. E, o que é pior,estas permissões estão suspensas há 11 meses, difi-cultando o funcionamento da administração e dosserviços públicos. Esta é uma forma de paralisar a vidana Palestina, pressionando o povo para que aceite aocupação.

    A Cisjordânia está dividida em 3 zonas. Jerusalémé o centro. Há mais de 10 anos os palestinos não po-dem ir para Jerusalém sem permissão militar. Há 34anos não temos permissão para pernoitar em Jerusa-lém. Meus filhos não podem visitar Jerusalém. Vivo hámeia hora de Jerusalém, mas meu filho de 26 anosesteve lá apenas 3 vezes. Os estudantes não têmpermissão para visitar Jerusalém.

    Cada parte da Cisjordânia é dividida como seestivéssemos em 3 grandes prisões sem conexão en-tre si, como se houvessem celas e, dentro dessas,outras celas menores dentro de cada uma das pri-sões. Todas as 500 cidades e vilarejos estão sem con-tato entre si. Temos que atravessar vários postos depoliciamento israelenses quando nos deslocamos deum lugar para o outro. Quando vou de casa para otrabalho pego um táxi, e no percurso passo por umposto israelense a cada 5km. É preciso sair do carro eatravessar a pé uma distância de 1 a 2km. Com bol-sas e malas. Toma-se um outro táxi e encontra-se umnovo posto, alguns quilômetros depois, soldados denovo e novas caminhadas, muitas vezes sob o sol for-te. É um exercício de privação e desrespeito aos di-

    MULHERES PALESTINAS SOB OJUGO DA OCUPAÇÃO ISRAELENSESumaya Fahat-Naser

    A seguir, apresentamos uma síntese da entrevista realizada com Sumaya Fahat-Naser, feita por Jacqueline Pitanguy, por ocasião da reunião do Conselho Diretordo Fundo Global para Mulheres, realizada no Rio de Janeiro, em setembro de2001. Mais do que uma entrevista, seu depoimento pessoal apresenta-se comoum testemunho da situação vivida por milhões de mulheres palestinas que seencontram há mais de 30 anos sob o jugo da ocupação israelense.

    Sumaya nasceu em Bezet. Estudou Botânica e Biologia na Alemanha e foi professorauniversitária na Palestina por 20 anos. Atualmente dirige o Jerusalem Center forWomen (Centro de Mulheres de Jerusalém), trabalhando junto com mulheresisraelenses pela paz. Vive em território palestino ocupado há 34 anos. É membro doConselho Diretor do Fundo Global para Mulheres (Global Fund for Women).

    Ouçamos Sumaya e lembremo-nos de Viena, Beijing, Durban e da conclusão detodas estas reuniões, afirmando que os direitos humanos são para todos e que osdireitos das mulheres são direitos humanos.

    Jacqueline Pitanguy eSumaya Fahat-Naser

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    Carta da Cepia

    reitos humanos. Um trajeto que, normalmente, nãolevaria mais que meia hora, leva 2 ou 3 horas nestascondições. E como sempre há algum tipo de violên-cia ou constrangimento nestes posto militares, estepercurso é cheio de medo e ansiedade.

    Se uma família vive em Jerusalém, seus integran-tes possuem carteira de identidade de Jerusalém. Emfunção das dificuldades econômicas, muitos homensvão trabalhar em outros lugares, como a Jordânia ouos países do Golfo. Entretanto, estes homens mantémseu direito de residência, que são renovados desdeque eles compareçam anualmente a Jerusalém. Ge-ralmente eles vêm visitar a família uma vez por ano,para o Ramadan ou a Páscoa. De quatro anos paracá as regras mudaram. Os homens chegam a frontei-ra e os soldados dizem que eles não têm direito deregressar, caso estejam trabalhando fora do país pormais de sete anos. E então a família, que vive em Je-rusalém, tem que migrar.

    Conheço um professor que trabalha em Belém evive em jerusalém com a família. Ele trabalha lá hávários anos. Agora, com esta nova regra, os soldadosdizem que ele não pode mais vir para Jerusalém.É uma distância de apenas 10km. Sua mulher e filhosreceberam uma carta do Ministério do Interior pedin-do que provem sua residência em Jerusalém, com-provando-a através de uma conta de telefone ou luzem seu nome. Entretanto, em nosso mundo, 99% dascontas e títulos de propriedade são em nome doshomens. As mulheres não possuem portanto compro-vante de residência. Portanto ela tem que sair, umasituação que afeta também os filhos. Se o marido estáfora do país e a mulher não tem como comprovarresidência, os filhos não podem ser registrados, infor-mando o local de nascimento. Sem isso as crian-ças não têm direito a um documento de identida-de, tornando-se impossível cadastrar-se para re-ceber assistência médica ou freqüentar escola.Nessas condições, ao completar 15 anos, o ado-lescente é considerado um cidadão ilegal e é obri-gado a sair do país.

    A situação é terrível, especialmente para asmulheres. Elas carregam o fardo da situação. Hádois sistemas legais, um para israelenses e outropara palestinos. O primeiro é democrático e liberale o segundo é discriminatório e violador dos direi-tos humanos básicos. Por exemplo, se uma mulherdecide divorciar-se e não tem comprovante deresidência na cidade, o que acontece com fre-qüência, ela será obrigada a sair. Ou então ela

    terá que submeter-se à brutalidade do marido e con-tinuar casada. Há milhares de mulheres casadas nosterritórios ocupados que não podem deixar o país,senão não poderão voltar.

    Em relação à educação a situação também éterrível. Como o movimento de pessoas é tão restritoe é tão perigoso se locomover, as meninas não sãoenviadas a escola. O número de mulheres nas uni-versidades caiu tremendamente. A idade média decasamento para as mulheres declinou e as famíliasdeixam suas jovens casar-se cada vez mais cedo paraque possam ter alguém para cuidar delas. Além dis-so, as jovens que possuem maior escolaridade têmmais dificuldade em conseguir um marido, pois hápreconceito contra as mesmas. Na minha família,meus três irmãos estão proibidos de voltar para casa.Suas propriedades e seus direitos de herança foramconsiderados propriedade de Israel e doados a famí-lias israelenses nos territórios ocupados. Nossa soci-edade e nossa terra são tirados à força. Nós, pales-tinos, temos tanto valor quanto os israelenses. Nãohá como Israel viver em paz e segurança se este va-lor não for reconhecido.

    O direito de herança é injusto. Uma mulher herdaapenas 1/3 da propriedade e, se não tiver filhos,apenas 1/8. É errado que uma mulher só possa tirarseu passaporte com a permissão do marido. Se elanão for casada e não tiver pai, mesmo um irmão de13 ou 14 anos pode ser chamado para lhe dar estapermissão. Nós mulheres temos que lutar para ser-mos reconhecidas como iguais pelos homens. Muitasações são articuladas pelo movimento de mulheres

    Nossa sociedade e nossa terra são tirados à força.Nós, palestinos, temos tanto valor quanto osisraelenses. Não há como Israel viver em paz esegurança se este valor não for reconhecido.

    a fim de atingir maior igualdade e autonomia pa-ra tomar decisões e determinar nossos destinos.