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b Thomaz Ribeiro ( CARTA DE ALFORRIA )i

CARTA DE ALFORRIA )i

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Page 1: CARTA DE ALFORRIA )i

b Thomaz Ribeiro

( CARTA DE ALFORRIA )i

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I IOlEC~ 00 SEIa t . ---_

:8=·15~i O çÃOIdo ano de, =']~ ~~ 1. _

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PROLOGO

« Meu querido Camillo.

Vás ficar mal commigo.Pensaste que ao ver entrar nO Tejo o Ala·

goas, que trazIa a seu bordo a familia impprialdo Brazil, tiv'e lagrim<ls para aquelles inf)r~tunados; enganas-te; saudei no intimo a suacarta de aIforria ..

Eu não conheço nada mais afflietivo - ac­tualmente - mais degradante, as vezes. do quea sorte de quem reina, de quem preside, ou dequem governa.

Além de que o ·Brazil em revolta, ou emre-yolução. que n'aquelle paiz prodigioso é ra­pida a expansão natural - nem matou o impe­rador, nem a imperatriz, nem entregou os prin­cipes ao sapateiro Simão.

Hosanna in excelsís et in bmsilir:is plagis.Nunca mais human~mente, mais suave­

mente, mais ceremoniosamente, se intim'ou senotença dictatorial de despejo ao primeiro ci·dadão de uma republica, ao primeiro magis­trado de um imperio. Honra seja, e digo-o semironia, aos iniciadores da revoluçãO do Brazil.Não os appIaudo, porque a sua victoria foidemasiado facil e facilitada, .para que fosseheroica ou gloriosa, mas felicito-os porque nãotiveram necessidade de recorrer a scenas deviolencia.

Bastou-lhes alguma familiar aleivosia, se­gundo o manifesto do visconde de Ouro Preto;

Eu sinto como o nosso distincto 'poeta Go­mes Leal: não applaudo quem mare os reis,seja republicano ou jesuita. E tambem não sou

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por quem dJofficÍo ou de Írldustria os insultePosso respeitar quem Os combata, por

conviccão.T~mbem sinto, como CastelIar (outro re­

l epublicano! vê bem o caminho que eu levo)g.uandG acima da republica, do rei, da propria1iberdade, punha a existencia honrada o glo­riosa da s,ua p'alri~: Is~o quer dizer que o meuconhecido monarchismo não é absolutamenteincondicional.

Conheço boje mais de perto a familia im­perial.proscripta, e, depois de me appr<?ximard'ella, posso dizer-te que teria vertido todasas lagrimas que pE'n-'aste haver, noS meusolhos, ainda felismente susceptiveis de chorar,se em vez de portl1guez eu fosse brasileiro.'

Familia patriarchal, -adoravel! que sentepelo seu Bra2'il o internecimento especial dospaes e das mães pelo tilhos que lhes sahiramingrato~. .

No dia em qu~ do meu albergue 4a b~ira

do Tejo alonguei os olhos para o navio quearrojava do Brazil á Europa, pros~ripta) fami­lía qu.e só lhe havia propiciado glorias e ven­turas, a minha tentação foi dar-lhe parabens.E, pensei, Camillo. . na epherneridade dasrealesas. .

Exçeptuando a tua, meu generoso amigo ,.a quem agradeço, tão invaidecido da tua ami­sade que não substituo nem illido, na tua carta,uma só das palavras lisongeiras que me diri­ges, e vou de braço comtigo levar o nossopreito e homenagem ao Sr. D: Pedro d' AI­cantara, augusto filho d'esta nação.

Feitoria, Dezembro de 1889.

Thomaz Ríbeiro ~.

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CARTA D'ALFORRIA

EPISTOLA DE PARABENS

A Sua Magestacle o Sr. D. Pedro d'Alcantara

tPOR T8R OBTIDO G8~E"1 )3Al1E~TEDO BRAZIL

Gumes amici mei. •JOB.

I

A Stta Magestade Imperial/ . ..

- Dizendo só assim, sem dizer d'onde,parece um cumprimento curial,sem offensa aos ministros brazileiros,visto que o nome de - Brazil - se esconde.Evito alguma nota diplomaticae salvo os meus patricios marinhei-rasoÉ bom ser cau~eloso na pragmatica.

.Á stta 1nlJ,gestade impe1'ictl,minusculos agora o -'- ln - e O - i - , , .

A.té os commandàntes do Ala,qoas,entrando o Tejo e fundeando aqui,

: I

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-2-

podiam arvorar volhas bandeiras,pondo-lhes l'scumilha nas corOas.Eram pendões imperiaes minusculos,

visto faltar modêlopara novo desenho, a novas côres.IçaI-os, pois, não deshonrava os musculos

dos nobres vencedoresdo bravo Paraguay, em Riachuelo.

Tambem posso dizer: - A ti, D. Ped1'o! - .••É mais rapublicano, é mais pedestre,

o é mais patriarchal ;a, emquanto assim o abato, eu subo e medro I...Mas não! - é velho e bom e grande e mestre I

A Sua Magestade Impe1'ial IE agora vai maiusculo o - I - e o - M -.

Se n'estas minudencias me demoroé que tudo é prudente, ou - tudo tremede dizer o que sente, - se é que sente I­de respeito, carinho, obsequio, amor;e singra o cumprimento entre desvios,- oh 1femenilidade que eu deploro I ­~omo baixel pirata entre baixios:

olho no imperador,olho em Manoel Deodoro I

Por mim, no dia em que este fOr proscripto,se fôr, que o não desejo 1 e entrar no Tejo,prometto ir ajuntar-me ao seu cortejo.

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-3

Gritar, nun.ca gritei, tambem não grito;mas se o não vou saudar ás eminencias,protesto não faltar ás condolencias.

II

Senhor, bem vindo I Posso emfim saudar·teda minha obscuridade remançosa ;eu, que fugia sempre, de buscar-te,que sempre me ficava quedo e mudo

quand.o podias tudo,saudo-te hoje que, prostrado, inerme,

já não pódes fazer-mebarão, conde, marquez, gran-cruz da Rosa.

Dizem que vais deixar-nos; sinto-o d'alma 1Perdido o teu Brazil a patria é esta,esta a casa solar de teus avós;9 se o lar da familia a dôr acalma,

Senhor, vem para nós!

A rua da amargura é longa e mesta ;a bahia do Tejo é elar;.L e mansa.Martyr eternamonte violentado,encosta a cruz aos muros de Bragança.Arrasta'l·a a sorrir, mas vens cançado !

em casa está~, descança I

Se te pagaram mal cs teus amores.a ti - liberal, bom, franco e leal,

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prestigioso, honrado, -foi .que o paiz das palmas e das fiõresnão se julgou de todo emancipadoemquanto houvesse um rei. .. - de Portugal.Mais um motivo para seres nosso,visto como de nós te veio mal.

Eu sei, Senhor, que uma policia ... nova Ite invade em chusma o lar ... - abstruso preito I ­remexe nos papeis, desmancha o leito,o oratorio profana e espreita a alcova;que sonda o rez do chão, a sala, os tectos,e com sem ceremonia e riso e geitodevassa os gabinetes mais secretos Idá-nos, em rol diario, os teus manjares;pede intc?', " nome feio em lingua estranha r- mote ás variações dos seus cantares! .. ,­Como a imprensa inventou praga tamanha!Mas não fujas, Senhor, d'este castigo,que onde tu fOres dar, vai dar comtigo.

III

Ou quer ou quiz o occidenial coloss(}substituir as côres - ouro e verde-

á nacional bandeira.Que tempo que eUe porde

em taes cogitaçúJl", em tal canceira !

Se consentem que estranho se intromettallas coisas da familia brazi loira,

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-eis uma indicação amiga e franca:- escolham a cOr branca,

<orlando-a em volta d'uma tarja preta. -

Eu podia fazer, como poeta,;ganhando fama e gloria -de erudito,·nma dissertação longa, completa,

um esmerado estudo,sobre a razão de ser d'esta proposta j

mas isto 9 mais artistico.'di: eu me explicarei, se houver conf:!icto.

"Pois que sempre era liso e raso o escudo-de todo o cavalleiro incipiente,~o futuro deixava emblema e distico ..•

:Não quero discretear j não é prudente.E nem o leitor gosta

-d'ouvir ou lêr razões de facto ou dito;pois se elle entende tudo!

.E na época actual da era presente I

Occorre-me, porém, n'este momentorelatar o que li n 'um livro raro,lha seculos impresso em Salamanca..Li, - não posso dizer se vagos topicos-ou se demonstração plena, completa,de que, não sei por que razão, nos tropicosmuita vez a cOr preta se faz branca-e, muitas mai!!, a branca se faz preta.

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Ahi fica o reparo.Acabo de lavar

as minhas mãos, pela proposta idéa,na presença de toda a galiléa

d'áquem e d'álém-mar.

IV

Tambem dizem, Senhor, que já do Atlanticot

mandaste, por alado mensageiro,ao teu Brazil querido o extremo adeus ..•- anhelo ... antigo! paternal! romantico 1de yelho encanecido patriarcha 1-e que viste voar a pomba da Arca

'tá se perder nos cãos,como se perde no occidente o astroa que o ausente confia o derradeiro'Voto saudoso d'um perdido amor I

Se o facto é verdadeiro,que imprudencia, Senhor I

Imagina que foi pousar no mastrod'um navio negl'l'iro 1...

- Pois sahiu esta hypothese á ventura 1e sinto que pareça um desprimor,suspeita que fulgiu e que se esboçaao de leve, e comtudo sem mysterio j

pois sendo certo que, afinal, o imperiobaniu a escravidão e a escravaturapodiam ter, a escravatura, e a roça,ajudado a banir o imperador.

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Volvamos ao papel e ao portador:

Imagina-o suspeito d'espião,torturado, apalpado;

encontrado o papel e registrado,no diario de bordo I prisioneiroo misero, espantado mensageiro,e com grilhões aos pés, como um ladrão

Pensa agora no horror do auctoridaderecebendo o suspeito documento,lendo e relendo a cifra enigmatica,consultando o conselho á puridade,

tendo uma iléa 1 e logopondo o fatal papel j unto do fogoa vêr se encontra alli tinta sympathica!

Resolve-se por fim - tomar assento,em sessão permanente, extraordinaria,de qUf\ : - de subre o mar, o imperadorenviára ao Brazil ... - Revel I traidúr! ­uma proclamação incendiaria IE para desaggravu da nação,- acto continuo - o pombo flxecutadopor crime de traição e aleivosia,e condemnados - vós - á revelia,pedida a Purtugal a extradição! ...

Fugi, Senhores! ... - Não! que o portadortendo a garganta larga, se era macho,percebendo que o tinham por traidor

enguliu o despacho I

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D'esta sorte o Brazil dormindo em calmaaccorda, sem cuidados, alto dia,e segue sem receio e sem revez,no mais puro e ideal socego d'alma ;e ficam ainda a salvo desta vazD. Pedro, e a lusitana monarchia.

v

Tudo isto o que fazé pensar que os arroubos da poesiasão causas d'imprudencia a mais completa;

e concluir, Senhor:- Não póde haver imperador poeta,nem poeta que seja imperador.-

Que eu enten do que o mundo não se entende ISe o reinante é poata, - escreva prosa!-se escreve prosa, a opposição em pr~hende

mostrar· nos que a dicção é sU.:lpeitosa j

se falla-certa é logo a inconveniencia;se não falla e se esconde, -é orientalimperador da China ou do Japão j -

se amnistia, bondoso e paternal,- tem medo! quiz matar, tremeu-lhe a mão 1­se nos manda enforcar - é cannibal !. " -

Não entendo I Com a mão na consciencia I

Hontem diziam :-Que sagaz politico 1como elle prevê tudo, e toma a frente

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-9-

aos liberaes desejos da nação! -Hoje: - Eu tinha previsto o dia critico

d'este desabamento, era evidente!descer de concessão em concessão I. .. -Os do-pr6-e do contm-os mesmos são,e viram tudo pela mesma lente.

VI

Consola-te, Senhor! reinos e imperios,que furam - santo ofticio - aos governados,são hoje - santo officio - a~quem governa 1os reis são pois aos tratos condemnados 1seja em que l,·gar fõr dos hemispherios,o throno deu lugar ás gemonias!o sceptro diz: - condell1nação eterna l­a purpura é signal de vilipendio 1os povos andam a atear o incpndioque devoraI-os póde entre agullias I

Feliz de ti que, protector e amigo,sagraste aos filhos teus toda a existencia ;coração sempre bom, mão sempre justa IE de lá que trouxeste? - a consciencia Ido bem -fazer a recompensa augusta 1

da honra Ullico premio.

Pela real corõa a laurea cingede sabio, de poeta, e exulta I os sabios

esperam-te em seu gremio.Que um sorriso te esmalte os frios labios I

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VII

Dizem que a monarchia é aggravo e insulto.aos destinos viris d'am povo adulto!e assim será talvez! Oh I mal peccado 1Tudo está em saber, mas com verdade,

qual é do povo a idade,o sexo, o nome, a filiação, o estado,o que se não estuda nem se aprende.nos registros civis ou nos do abbade.

Outra materia em que ningaem se entende.

Já hoje a questão magna, a questão publica,a questão social da humanidade,não é de rei nem roque nem republica,é puramente e só-d'aztcto1'idade-,

o - legal empocilho,-que ainda garante o somno aos moradores.

:Qir·se-ha, e isto. n(\s sirva dtl cautela!que o que n'esta pendencia se revelaé propicio advento a salteadores.

Que porvir de grandezas e gloria e brilho INo entanto uns vão de velhos a meninos,

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antros, sem attingirem madureza,vão :da infancia a senil decrepitude;(testemunhas de lei - Camões, Castilhos)tal é desconcertada a natureza I-a andar o mostra e a ling"ua e os desatinos.

Mas vão lá consultar os taes ~enhores Imuitos são grandes, todos são - maiores!" ..-

Ecco, do immenso, nniversal conccrtl)sando-te, Senhor, do fundo d'alma j

nasceste martyr e colheste a palma j

nasceste para escravo,-eis-te liberto I

VIII

Acompanho os teus votos de venturaao Brazil, - filho nosso, ou nosso irmão ..•se elle nos aceitar o parentesco.A's vezes quanta mais democraciamais se apura a pretensa fidalguia,

no aprumo da creatura,no porte e na prosapia das nações;a ponto de negar-se: - tradições,haja de fastos proprios cópia on mingua,- avós, - a gloria herdada, - o nome} - o escudo~

- a historia, - apropria lingua...Encontra-se de tudo;

mae no Brazil, Senhor, decerto não.

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IX

Ousaste ser libertador, - escravo!liberta emfim de ti, da monarchia,a republica, em premio e sem aggravo!impôz-te ... ou deu-te! a carta d'alforria.

Pois que é tornado em sambonito o arminho,acclamo-te, Senhor, não te deploro! '"

Se me adianto mais n'este caminho,chego a dar - vivas - a Manool Deodoro.

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lN EXCELSIS

CORÔA DE SAUDADES PORTUGUEZAS SOBRE O FERETRO

DA.

PRIMEIRA. DA.MA BRAZILEIRA

CARTA DE PEZAMiJ:S AO SEU AUGUSTO VJUVO

QlJe mue1'O, porq~te no 1nl~ei"O.

S,"~TA TIlEREZA DE JJ,;sos.

I

8(·nhor, começa a mortea cumprir os decretos d'oxterminios,longo da tua pa tria e teus dominios,

Quiz Deus que ElIa morresse em Portugal.Que morresse a teu lado

o na Cidade Invicta, - a. tão Leal!ao pé do coração do Rei-S{,ldado!Repara na harmonia dos dostiuos:- Os grandes que o Brazil baniu do solio,devendo-lhes ventura e liberdade,vieram achar lagrimas ou hymnos,- pantheon glc,rioso ou capitolio,-dentro dos muros tIa Leal Cidade!

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II

Pobre fonte senil!~urva·te á lei fatal da treda sorte.A humanidade é má, sempre que é forte,ou tal se julga ao ver-se triumphante,

III

No mysterioso instantede libertar-se o espirito gentilda grande, augusta Mãi, Avó, Consorte,EUa viu, na miragem da saudade,do desterro sem culpa, - o seu abril I- O seu multiplo amor, - O Esposo, os Filhos ..•sonhos de tantas glorias e venturas,tantas prosperidades, tantos brilhos 1~s bens que semeou por sua mãoe os pranto&, a miseria, as amargurasElue pôde suavisar com bem-querer I...

<e disse: - «Nunca mais en te hei de vêr I..•c nunca mais formosissimo Brazil I, .•

E evocava a celestial visão,n'um tremulo de voz, sorriso e pranto,que inspirára ao pincel um novo encanto

li e t1'ansfi,qu1'ação.E alou-se para Deus a alma gentile partiu-se de dõr um coração.

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- 15

IV

Que mal fizestes vós? que mal fez Ena,a quem Deus aureolou de eterna aurora?Volve, Senhor, a mim teus olhos baços Idize-me os crimes teus, que o mundo ignora 1Que mal fizestes vós áquelles povos

que, nos seus pendões novos,estrellas pintam, apagando a estrellaque tantos annos lhes guiára os passospelos caminhos da honra e da ventura?Dize: qual foi o crime, a culpa, o erroporque te condemnaram a desterroque só tem de acabar na sepultura?

v

Inda hontem eu sorria, ao recordar-meda ca1'ta d'alfo1"1"ia generosaque trouxeste d'além das grandes aguas,dada com pouco sangue e muito alarme.Era um raio de luz na luctttOsa,procurando uma tregoa ás tuas magoas,pois que, menos que drama, era comediaque se representava no teu Rio.Porém o palco é dividido: - a um ladoha tripudios alegres no tablado,e no outro ha pranto e morte j - uma tragedia 1. .•

Agora já não rio.

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VI

A humanidade é má, se em multidãoconseguir os IaUl'eis d'uma victoriaou a ganancia vil d'uma traição.E por mais vil que seja sempre a historia,ha de justificar os ganhadores,e castigar as vi~timas da sortfl.E Sl3mpre, covardissima canção,memhcante e servil, chamará - gloria ­ao crime collectivo e aos seus horrores!

Queres saber? - acho ventura a morte.

VII

A humanidade é má, cruel, damnillha.A biblia diz que Deus se arrependerade haver creado o homem. Razão tinha.Seja Cam ou Caim a humana fera,

ou mate ou escarneça,que lhe importa, Senhor, que uma cabeçacáia por terra aos golpes d'um cutello ?que n'um dia ... n'uma hora I so embranqueçao loiro, formosíssimo cabellod'uma fraca mulher? - Prorompam hymnos!o povo, - o grão senhor, - o formidavol,- a anonymo, - o inconsciente, - o irresponsaveldespenha- e, em triumpho, aos seus destinos,em catadupa clamorosa, ingente ...nem sempre crystallina ou transparente.

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-VIII

E a multidão applaude-se! Que pódeuma voz, fraca e s6, contra ess~s crimes?ninguem, ninguem a escuta 110m lhe acode,a não ser com grilhões ou com mon]aça.- A. multidão algoz vence. Depoischega a historia e chama-lhes: - Heroes -.chega a epopeia e chama·lhes : - Sublimes - !. ..

Esqueceu a desgraça.

IX

Não penses que entre o povo e as monarchiaseu sej a parcial da prepotencia,como não sou tambem das anarchias.Por estudo e por indole, a tendenciada minha alma leal, mas insubmissa,pez o seu ideal n'uma trindadeque inda ha de ter direito de cidade:- LmERTAçÃO, VERDADE e sã JUSTIÇA.-

Cahir do throno um imperante, é grave ...E' vago o adjectivo? Quem mais sabeque diga e que precise o que eu não sei.- E' muito grave cahir do throno um rei j

- mais grave é cahir d'eJle a monarchia j

- mais grave é ver sem norte a ignara grey ;e, sem respeito a si, ao mundo, á lei,vêr a nação perdida, no outro dia.

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x

Diz a artificial - austera cnticaque não ha coração, nem póde haver,nos feitos e conceitos da politica,oude ha direitos só, ou só dever,- c A politica» - ! Mysterioso - verbo ­da moderna magia' o passaportede todo o crime, -:desde o roubo á morte 1grande salvl)-condncto do protervoque em todas as facções cabe e se ageitae se faz serviçal e attenta e espreitaa monção de roubar ou de ferir,em nome. .. do poder ... da autoridade ...do fraternal amor ... da liberdade ...

de tudo que o faz rir, .quando se vê no espelho da~con~ciencia

que já pérdeu com elle a aust~ridade,

e se vê bem:' - desmascarado e só.

Senhor, é bom morrer!inrla que por mais nada, por nã') vêras ulceras da nova decadencia,e por não aspirar mais d'este pó.

XI

- <I: A politica exige-o<I: é mister praticar um feito ousado,<I: prova do força, que nos dê prestigio. 1)-

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-19 -

E pratica-se logo o acto immundo.

Esta a lei da anarchia.

- Â POLITICA' - O FACTO CONSUMMADO -.!eis as 1'azões d'estado,

Na America, na Europa, em todo o mundo,que republica reja ou monarchia.

XII

Que não ha coração? !.. ,ou deve conservar-se mudo e quedo,

ante a fria razão,nas maximas questões da sociedade! ? ...Mas que mobil, que impulso, que segredologra convulsionar as multidõese transmutar a face á humanidade?é da fria razão? - E' das paixões!E as paixões d'onde vem? ..

Dize, Senhor,d'onde lhe vinha a ElIa tanto amor?e a ti d'onde te vem tanta saudade?

Hypocrita doutrina a das ficções,e coitada de ti, pobre verdade!

Vens esperar a morte no degredo- só p8rque a tua herdtlira cri;!. em Deus! ­no Deus a que jurára ob.diencia .como elIes VáCl jurar, - mas vão por .m~Jo 1 .

..

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- 20-

Mentirosa, servil convenienciaque inda os não deixas proclamar-se -atheus-\Haja uma ficção mais e adopte-a o povoque acaba d'expulsar os seus tY1"annose proclama e saúda o credo novo.

Como seja preciso, ainda alguns annosconservar no Brazil d'altar e templo j

ao menos um vestigio,ado pto um novo culto 1- E ha d'isso exemplo.

o - Nada - é complacente; o - Deus - afflige-o ?pois busque eutra as formosas de Campinas( Sem aggravo ao seu pejo e ao seu pudor! )a que ostente melhor - barrete phrygio ;

que tenha o pé mais curvo e as mãos mais fin-as,o olhar mais vivo e a face mais louçã,as fórmas divinaes de mais primor;e elej a a peregrina cidadãtemporaria, se quer, - Deusa do amor.

Na hora prupicia em que a Dousa o queira,has de ir descalça, tu, varrer a esteirada capella pagã, turma d'atheus !tal como dizem que a Princeza herdeiraia varrer o templo do bom Deus,

por sua p'ropria mão ...Humildade christã, que foi virtude;hoje, crime de tanta magnituueque escandaliEa a terra e brada aos céos.

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- 21-

Outro crime: - Abuliu a escravidão I·! !

....... ........................

Chora, Senhor I que mais p'ldes fazer?chora, perdoa e ama, e espera a morte.Não sondes do futuro e negro arcano.

Bem dizia Herculanoao vêr o inferno dos baldúes da sorte:- « Á.'s vezes dá vonlíade de morrer I ,,-