4
Carta de Paulo a Filemon: Estudo e comentário - O argumento. A estratégia argumentativa da epístola consiste em opor, umas às outras, três hierarquias que presidem as relações entre Filêmon, Paulo e Onésimo. Segundo a ordem jurídica, Onésimo não somente é escravo de Filêmon, mas igualmente seu devedor pelo tempo passado junto de Paulo. Quanto a Paulo, ele é, em princípio, o igual de Filêmon, mas é corresponsável pela ausência de Onésimo (Fm 18). Segundo a ordem eclesiástica, Paulo gerou Onésimo na prisão (Fm 10); mas Filêmon lhe deve, também, a fé (Fm 9b). Isto possibilita a Paulo ter autoridade sobre o senhor (Fm 8) assim como sobre o escravo, que são seus filhos (Fm 9). Segundo a ordem cristológica, Paulo e Filêmon (Fm 17.20) são irmãos, tanto quanto Paulo e Onésimo, bem como Filêmon e Onésimo (Fm 16). A argumentação da epístola funciona em diversos níveis. Por um lado, dá a compreender a Filêmon que que Paulo está pronto, se necessário, a pagar-lhe o que ele e Onésimo lhe devem (Fm 18- 19a). Por outro lado, empreende uma dupla reestruturação de valores. De um lado, Paulo sugere a Filêmon que, em razão de sua autoridade de apóstolo, poderia lhe ordenar que deixasse Onésimo a seu serviço (Fm 8.13-14); assim ele opõe a hierarquia eclesiástica à ordem jurídica, e em nome da primeira suspende a segunda. De outro lado, Paulo se apresenta como irmão de Filêmon e, como tal, renuncia à sua autoridade apostólica (Fm 8-9) para lhe pedir que receba Onésimo, convertido nesse ínterim, como irmão e não mais como escravo (Fm 16-17). Paulo, com efeito, opõe à hierarquia eclesiástica uma outra hierarquia, que a fundamenta, segundo a qual tanto Paulo e Filêmon como Onésimo são os servidores de Cristo. Nesta hierarquia, a única relação possível entre ambos é a de irmãos 1 . 1 Cf. Norman R. PETERSON. Redisvering Paul. Philemon and the Sociology of Paul’s Narrative World. Philadelphia: Fortress Press, 1985.

Carta de Paulo a Filemon

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Carta a Filemon

Citation preview

Page 1: Carta de Paulo a Filemon

Carta de Paulo a Filemon: Estudo e comentário

- O argumento.

A estratégia argumentativa da epístola consiste em opor, umas às outras, três hierarquias que presidem as relações entre Filêmon, Paulo e Onésimo.

Segundo a ordem jurídica, Onésimo não somente é escravo de Filêmon, mas igualmente seu devedor pelo tempo passado junto de Paulo. Quanto a Paulo, ele é, em princípio, o igual de Filêmon, mas é corresponsável pela ausência de Onésimo (Fm 18).

Segundo a ordem eclesiástica, Paulo gerou Onésimo na prisão (Fm 10); mas Filêmon lhe deve, também, a fé (Fm 9b). Isto possibilita a Paulo ter autoridade sobre o senhor (Fm 8) assim como sobre o escravo, que são seus filhos (Fm 9).

Segundo a ordem cristológica, Paulo e Filêmon (Fm 17.20) são irmãos, tanto quanto Paulo e Onésimo, bem como Filêmon e Onésimo (Fm 16).

A argumentação da epístola funciona em diversos níveis. Por um lado, dá a compreender a Filêmon que que Paulo está pronto, se necessário, a pagar-lhe o que ele e Onésimo lhe devem (Fm 18-19a). Por outro lado, empreende uma dupla reestruturação de valores. De um lado, Paulo sugere a Filêmon que, em razão de sua autoridade de apóstolo, poderia lhe ordenar que deixasse Onésimo a seu serviço (Fm 8.13-14); assim ele opõe a hierarquia eclesiástica à ordem jurídica, e em nome da primeira suspende a segunda. De outro lado, Paulo se apresenta como irmão de Filêmon e, como tal, renuncia à sua autoridade apostólica (Fm 8-9) para lhe pedir que receba Onésimo, convertido nesse ínterim, como irmão e não mais como escravo (Fm 16-17). Paulo, com efeito, opõe à hierarquia eclesiástica uma outra hierarquia, que a fundamenta, segundo a qual tanto Paulo e Filêmon como Onésimo são os servidores de Cristo. Nesta hierarquia, a única relação possível entre ambos é a de irmãos1.

VOUGA, François. “A epístola a Filêmon”, in MARGUERAT, Daniel (org.). Novo Testamento. História, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2009, p. 329-336.

Referências bibliográficas.

ALETTI, Jean-Noel. Epître aux Colossiens. Ébib. Paris: Gabalda, 1993.

ARZT-GRABNER, Peter. Philemon. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2003.

BARTH, Markus, and Helmut Blanke. The Letter to Philemon: A New Translation with Notes and Commentary. Eerdmans Critical Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 2000.

1 Cf. Norman R. PETERSON. Redisvering Paul. Philemon and the Sociology of Paul’s Narrative World. Philadelphia: Fortress Press, 1985.

Page 2: Carta de Paulo a Filemon

________. Colossians: A New Translation with Introduction and Commentary. AB 34B. New York: Doubleday, 1994.

BRUCE, F. F. The Epistles to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians. NICNT. Grand Rapids: Eerdmans, 1984.

COLEMAN-NORTON, P. R. “The Apostle Paul and the Roman Law of Slavery”, in Studies in Roman Economic and Social History [Fest. A. C. Johnso n; Princeton, 1951], p. 155-77.

DUNN, James D. G. The Epistles to the Colossians and to Philemon. NIGTC. Grand Rapids: Eerdmans, 1996.

FITZMYER, Joseph. The Letter to Philemon: A New Translation with Introduction and Commentary. AB 34C. New York: Doubleday, 2000.

GARLAND, David E. Colossians and Philemon. NIVAC. Grand Rapids: Zondervan, 1998.

GNILKA, Joachim. Der Kolosserbrief. HTKNT 10.1. Freiburg: Herder, 1980.

________. Der Philemonbrief. HTKNT 10.4. Freiburg: Herder, 1982.

HARRIS, Murray, J. Colossians and Philemon. Exegetical Guide to the Greek New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1991.

HÜBNER, Hans. An Philemon, an die Kolosser, an die Epheser. Tubingen: Mohr Siebeck, 1997.

LINCOLN, Andrew T. “The Letter to the Colossians,” The New Interpreter’s Bible. Nashville: Abingdon, 2000.

LINDEMANN, Andreas. Der Kolosserbrief. ZBK 10. Zurich: Theologischer Verlag, 1983.

LOHSE, Eduard. Colossians and Philemon. Hermeneia. Philadelphia: Fortress, 1971.

MACDONALD, Margaret Y. Colossians, Ephesians. SacPag 17. Collegeville, Minn.: Liturgical Press, 2000.

MOO, Douglas J. The Letters to the Colossians and to Philemon. PNTC. Grand Rapids: Eerdmans, 2008.

O’BRIEN, Peter T. Colossians, Philemon. WBC 44. Waco, Tex.: Word, 1982.

PAO, David, Colossians and Philemon. ECNT 12. Grand Rapids: Zondervan, 2012.

POKORNÝ, Petr. Der Brief an die Kolosser. THHNT 10.1. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1990.

PREISS, T. Life in Christ [SBT 13. London, 1954], p. 32-42.

REINMUTH, Eckart. Der Brief des Paulus an Philemon. THKNT 11.2. Leipzig: Evangelische Verlagsanstalt, 2006.

ROLLINS, W. G. “Slavery in the NT”, in IDBSup, p. 830-32.

STUHLMACHER, Peter. Der Brief an Philemon. 4th ed. EKKNT 18. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener and Düsseldorf: Benziger, 2004.

SUMNEY, Jerry L. Colossians: A Commentary. NTL. Louisville: Westminster John Knox, 2008.

Page 3: Carta de Paulo a Filemon

TOLMIE, D. Francois. Philemon in Perspective: Interpreting a Pauline Letter, Volume 23. Göttingen: Walter de Gruyter, 2010.

WESTERMANN, W. L. The Slave Systems of Greek and Roman Antiquity. Philadelphia: American Philological Society, 1955, p. 150.

WILSON, R. McL. A Critical and Exegetical Commentary on Colossians and Philemon (ICC). Edinburgh: T&T Clark, 2005.

WITHERINGTON III, Ben. The Letters to Philemon, the Colossians, and the Ephesians: A Socio-Rhetorical Commentary on the Captivity Epistles. Grand Rapids: Eerdmans, 2007.

WOLTER, Michael. Der Brief an die Kolosser. Der Brief an Philemon. OTK 12. Gütersloh: Gerd Mohn, 1993.

WRIGHT, N. T. Colossians and Philemon. TNTC 12. Downers Grove, Ill.: Intervarsity Press, 1986.