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Cidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão CEP: 65 085 - 580, São Luís, Maranhão, Brasil Fone(98) 3272-8666- 3272-8668 CARTOGRAFIA SOCIAL DA REGIÃO ECOLÓGICA DO BABAÇU: estratégias e interpretações dos processos sociais atinentes aos babaçuais. Jurandir Santos de Novaes 1 Alfredo Wagner Berno de Almeida 2 Helciane de Fátima Abreu Araújo 3 Poliana de Sousa Nascimento 4 RESUMO Pretende-se refletir sobre estratégias e interpretações adotadas por agentes sociais referidas à denominada “região ecológica” do babaçu; debater os resultados de pesquisa em andamento desde 2013, que atualizam e ampliam pesquisas anteriores e se estendem aos principais estados brasileiros de maior incidência dos babaçuais. Diferentes fontes de pesquisa são acionadas e evidenciam uma diversidade da produção relativamente ao tema do babaçu como elemento empírico, analítico, de intervenção estatal, privada e pelo movimento social. As fontes documentais, o trabalho de campo, a realização de encontros, oficinas e produção de uma cartografia social do babaçu têm apontado para a um farto arcabouço normativo originado em diversas instituições, apoiado em um repertório de ações e de concepções, retratadas nas propostas que incidem sobre as áreas dos babaçuais. Tal intervenção vem provocando desmatamento, restrição e impedimento de acesso aos babaçuais e da permanência nas terras historicamente sob controle e uso de povos e comunidades tradicionais, de pequenos produtores rurais decorrentes da apropriação com cercamentos, queimadas, expulsões e toda ordem de violência de agentes vinculados ao agronegócio, à pecuária, à mineração, à infraestrutura, com apoio e estímulo estatal. Identifica-se, ainda, ameaça às formas organizativas dos movimentos e às identidades coletivas Tais estratégias buscam eliminar os recursos físicos e culturais de reprodução destes povos e se, por um lado, fragiliza e obscurece a luta, contraditoriamente provoca novos arranjos atinentes à organização política aliada às alternativas de produção econômica pelo aproveitamento do babaçu e seus 1 Doutora. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected] 2 Doutor. Universidade do Estado do Amazonas (UEAM). 3 Doutora. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected] 4 Mestre. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

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CARTOGRAFIA SOCIAL DA REGIÃO ECOLÓGICA DO BABAÇU: estratégias e

interpretações dos processos sociais atinentes aos babaçuais.

Jurandir Santos de Novaes1

Alfredo Wagner Berno de Almeida2

Helciane de Fátima Abreu Araújo3

Poliana de Sousa Nascimento4

RESUMO

Pretende-se refletir sobre estratégias e interpretações adotadas por agentes sociais

referidas à denominada “região ecológica” do babaçu; debater os resultados de

pesquisa em andamento desde 2013, que atualizam e ampliam pesquisas anteriores e

se estendem aos principais estados brasileiros de maior incidência dos babaçuais.

Diferentes fontes de pesquisa são acionadas e evidenciam uma diversidade da

produção relativamente ao tema do babaçu como elemento empírico, analítico, de

intervenção estatal, privada e pelo movimento social. As fontes documentais, o

trabalho de campo, a realização de encontros, oficinas e produção de uma cartografia

social do babaçu têm apontado para a um farto arcabouço normativo originado em

diversas instituições, apoiado em um repertório de ações e de concepções, retratadas

nas propostas que incidem sobre as áreas dos babaçuais. Tal intervenção vem

provocando desmatamento, restrição e impedimento de acesso aos babaçuais e da

permanência nas terras historicamente sob controle e uso de povos e comunidades

tradicionais, de pequenos produtores rurais decorrentes da apropriação com

cercamentos, queimadas, expulsões e toda ordem de violência de agentes vinculados

ao agronegócio, à pecuária, à mineração, à infraestrutura, com apoio e estímulo

estatal. Identifica-se, ainda, ameaça às formas organizativas dos movimentos e às

identidades coletivas Tais estratégias buscam eliminar os recursos físicos e culturais

de reprodução destes povos e se, por um lado, fragiliza e obscurece a luta,

contraditoriamente provoca novos arranjos atinentes à organização política aliada às

alternativas de produção econômica pelo aproveitamento do babaçu e seus

1 Doutora. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected]

2 Doutor. Universidade do Estado do Amazonas (UEAM).

3 Doutora. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected]

4 Mestre. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

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subprodutos como resistência e preservação dos babaçuais. Há uma produção

cartográfica oficial que registra os babaçuais, mas em grande medida estas áreas são

classificadas como áreas “desmatadas”, “degradadas”, o que é reforçado pelos

agentes em conflito com estes povos e comunidades como busca de legitimação do

processo predatório que compõe uma dinâmica de devastação presenciada na região

dos babaçuais. Considera-se este como relevante para reflexão sobre o Brasil

contemporâneo e padrão de desenvolvimento que nega as formas de vida que não se

coadunam às práticas predatórias. As situações sociais apreendidas se articulam na

pesquisa onde são produzidas tais reflexões. Alfredo Wagner Berno de Almeida

(UFAM) abordará o babaçu pela análise de fontes documentais do Congresso

Nacional; Jurandir Santos de Novaes (UFPA/UEMA) reflete sobre processos

desmobilizatórios e de resistência evidenciados na região dos cocais com a instalação

de conglomerados econômicos ao lado de estruturas históricas de relações que

envolvem “donos” de terras e “moradores”; Helciane de Fátima Abreu Araújo (UEMA)

analisa efeitos das políticas públicas na pauta dos movimentos de quebradeiras de

coco; Benjamin Alvino de Mesquita (UFMA) analisa a luta pela posse da terra e

alternativas econômicas criadas no âmbito da pequena produção e do extrativismo;

Poliana Nascimento (UEMA/UFPI) apresentará interpretação dos babaçuais por

diferentes agentes expressa em uma base cartográfica que redefine mapas anteriores

e os atualiza mediante a representação de povos e comunidades tradicionais.

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CARTOGRAFIA SOCIAL DA REGIÃO ECOLÓGICA DO BABAÇU:

estratégias e interpretações dos processos sociais atinentes aos babaçuais

Helciane de Fátima Abreu Araújo5

RESUMO

Neste texto, destaco situações vivenciadas por famílias de

quebradeiras de coco babaçu contactadas em pesquisas de campo de

três projetos de pesquisa em andamento, nos municípios de Codó,

Timbiras e Coroatá e no eixo Santa Inês - Imperatriz. Identifica-se, nas

duas áreas recortadas, que o crescimento de investimentos

econômicos oriundos da iniciativa privada, com o apoio estatal, tem

afetado diretamente as diferentes práticas do extrativismo do coco

babaçu, bem como as formas organizativas econômicas e políticas

das agentes sociais que predominantemente assumem esse tipo de

economia. O artigo faz uma reflexão sobre a concepção de

desenvolvimento, seus efeitos sobre os modos de vida de povos e

comunidades tradicionais e as formas de resistência.

PALAVRAS-CHAVE: investimentos, quebradeiras, lutas sociais.

ABSTRACT

In this text, I highlight situations experienced by families of babassu

coconut breakers contacted in three field research projects in progress

in the cities of Codó, Timbiras and Coroatá and axis Santa Ines -

Imperatriz. It is identified in the two areas cropped, that the growth of

economic investments from the private sector, with government

support, has directly affected the different practices of extraction of

babassu coconut, as well as the economic and political organizational

forms of social agents that predominantly take this kind of economy.

The article is a reflection on the concept of development, its effects on

the lifestyles of traditional peoples and communities and forms of

resistance .

5 Doutora. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Proponho, neste texto, contribuir para a reflexão sobre as estratégias e

interpretações adotadas por agentes sociais referidas à denominada “região ecológica”

do babaçu6, com especial atenção para as políticas públicas na pauta dos movimentos

de quebradeiras de coco, a partir da interpretação dos resultados de pesquisas em

andamento desde 2011, em duas áreas de maior incidência dos babaçuais, no estado

do Maranhão: o oeste de Imperatriz e a denominada região dos cocais.

As duas áreas priorizadas para efeito desta reflexão, nas últimas quatro

décadas, vivenciam diferentes formas de intervenção, seja de empreendimentos

econômicos privados, seja de empreendimentos de infraestrutura financiados por

recursos públicos, que resultam em desmatamento, restrição e impedimento de

acesso aos babaçuais e da permanência nas terras historicamente sob controle e uso

de povos e comunidades tradicionais e grupos de trabalhadores rurais.

Para efeito desta exposição, destacarei situações vivenciadas por famílias

de quebradeiras de coco babaçu contactadas em pesquisas de campo de três projetos

de pesquisa em andamento7, nos municípios de Codó, Timbiras e Coroatá e no eixo

Santa Inês - Imperatriz. Identifica-se, nas duas áreas recortadas, que o crescimento de

investimentos econômicos oriundos da iniciativa privada, com o apoio estatal, tem

afetado diretamente as diferentes práticas do extrativismo do coco babaçu, bem como

6 As situações aqui elencadas expressam experiências de mulheres autodenominadas

“quebradeiras de coco” nos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí. Em termos de delimitação da territorialidade das quebradeiras de coco babaçu a principal referência oficial que se tem concerne à última pesquisa sobre a extensão das regiões de ocorrência de babaçuais, realizada em 1982, pelo Ministério da Indústria e do Comércio – Secretaria de Tecnologia Industrial (MIC/SIT, 1982). Os resultados deste mapeamento informam que os babaçuais ocupam uma área de aproximadamente 18,5 milhões de hectares nos estados do Maranhão, Pará, Piauí, Tocantins, Goiás e Mato Grosso, sendo que, desse total, 10,3 milhões de hectares estão concentrados no Maranhão. Mapeamentos posteriores discutiram uma caracterização sociológica desta região denominada “ecológica do babaçu” (ALMEIDA, 1995). 7 MEMÓRIA EM MOVIMENTO: trajetórias e percursos nas lutas sociais da Amazônia

Maranhense, desenvolvido por um grupo de professores e alunos do Departamento de Letras, Pedagogia e Enfermagem do Centro de Estudos Superiores de Santa Inês (UEMA/CESSIN), integrantes do Grupo de Estudos Educação, Saúde e Sociedade (GEESS); MAPEAMENTO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL CONTRA O DESMATAMENTO E A DEVASTAÇÃO: Processos de Capacitação de Povos e Comunidades Tradicionais, financiado pelo Fundo Amazônia, desenvolvido no âmbito do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA); e, mais recentemente, o Projeto Cartografia Social dos Babaçuais: mapeamento social da região ecológica do babaçu, financiado pela Fundação Ford, em parceria com o PPGCSPA

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as formas organizativas econômicas e políticas das agentes sociais que

predominantemente assumem esse tipo de economia.

A partir da reflexão sobre as situações observadas, reflito sobre os

processos de devastação identificados e seus efeitos nos processos mobilizatórios dos

grupos de quebradeiras de coco na denominada região ecológica dos babaçuais.

Procuro destacar as estratégias empresariais e as pressões sobre as formas

organizativas políticas das agentes sociais afetadas por esses empreendimentos

econômicos. Outro aspecto considerado é a ampliação das lutas das quebradeiras,

para além dos confrontos com interlocutores diretos responsáveis pela devastação ou

pela privação dos cocais, uma luta que se manifesta dentro do Estado, pela garantia

de direitos sociais, econômicos e ambientais, como forma de preservar suas

identidades coletivas.

2. Conglomerados de negócios, programas governamentais e

mobilização política.

Os estudos realizados no oeste do Maranhão e na região dos cocais

identificaram diferentes situações em que as famílias que vivem do extrativismo do

babaçu se vêem confrontadas com a expansão de conglomerados de negócios, com

ênfase para o comércio e com investimentos no agronegócio, na pecuária, na

mineração, na infraestrutura como duplicação de estradas e ferrovias, construção de

hidrelétricas, produção de carvão para siderúrgicas, plantio de monoculturas de

eucalipto para a produção de celulose e de cana de açúcar.

A implantação desses negócios implica o acirramento de questões

fundiárias antigas e a disputa por recursos naturais necessários à existência dos

povos e comunidades tradicionais e de grupos camponeses que habitam essas

regiões. Os conflitos com cercamentos, queimadas, derrubadas de palmeiras e

deslocamentos de famílias que ora se configuram envolvem a luta por outros direitos

também ameaçados, como a saúde, tendo em vista que as técnicas agrícolas de

monoculturas como a de eucalipto, implicam aplicação de agrotóxicos por avião,

poluindo rios e córregos de toda a região. O processo de “degradação” que dessas

práticas resulta tem apresentado efeitos sobre modos de vida seculares.

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Em suas reflexões sobre o termo “degradação”, Almeida (2008, p.20)

relativiza a ideia de “natureza” ou de “quadro físico” implícito no termo e alerta para a

necessidade de se pensa-lo enquanto construção social, observando-se o campo de

disputa que o envolve, bem como os sujeitos da ação ambiental. O autor aponta,

também, para um mapeamento das ações e dos agentes sociais que provocam a

devastação, bem como daqueles que, apesar das condições adversas, preservam o

ambiente, atraindo para si novos campos de disputa pelos recursos ainda disponíveis.

Na denominada região dos cocais, há uma diversidade no formato das

organizações que disputam não somente o acesso aos babaçuais, como também o

acesso aos programas governamentais que têm como público extrativistas e

agricultores familiares. As diferentes formas organizativas econômicas e políticas são

imbricadas e estão associadas às redes de relações estabelecidas pelas

quebradeiras.

Na disputa pelo acesso ao recurso natural, as mulheres enfrentam

situações de venda de coco inteiro, cujo preço, na região dos cocais chega a R$ 2,00

por 10 kg de coco inteiro. Outras situações as mulheres pegam coco inteiro para

vender para as empresas, trocando a profissão de quebradeiras para a de catadeiras.

As empresas que compram - FC Oliveira, NASSAU, Maratá - pegam o coco para torrar

para fazer o carvão e usar nos fornos. Eles estão desmatando, derrubando as

palmeiras. As mulheres estão com medo de ficar sem o babaçu. Os grandes projetos

estão desmatando para plantar capim e eucalipto.

As quebradeiras de coco entram, também, em outro campo de disputa

para ter acesso às políticas públicas relativas ao extrativismo do babaçu e concorrem,

entre si, o acesso aos programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa

Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Na relação que se estabelece com o

Estado para se inserirem como beneficiárias dos programas governamentais,

as quebradeiras alteram o modo de atuar politicamente. Ampliam-se as formas

organizativas formais perante a burocracia estatal, mas fragiliza-se o poder

mobilizatório e de pressão dessas organizações.

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3. Oeste do Maranhão: estratégias empresariais e devastação

No oeste do Maranhão, os problemas sociais e ambientais se agravam

com a intensificação do processo de transferência de terras devolutas para

corporações empresariais, mínero siderúrgicos, vinculados ao Programa Grande

Carajás8 viabilizado através de incentivos oficiais e creditícios aos grandes projetos

agropecuários e agroexportadores centrados na monocultura, com implementos

agrícolas da mais alta tecnologia

Os investimentos implicam a devastação de grandes áreas, a

contaminação das bacias dos principais rios do Estado, com o uso de agrotóxicos

(pesticidas e inseticidas) e de adubos químicos e a consequente desertificação dos

solos, causando o que Almeida (2005, p. 27) chama de processo predatório,

caracterizado por relações sociais e conflitos, que compõem o processo de

devastação (idem), particularmente na região dos babaçuais9.

O eixo que compreende os municípios de Monção, Santa Inês, Pindaré,

Bom Jardim, Açailândia, João Lisboa, Cidelândia e Imperatriz, configura-se como um

corredor impactado pelos grandes empreendimentos que formam o conglomerado de

negócios do Projeto Grande Carajás. O conglomerado de negócios que compreende

projetos agrícolas, agroindustriais e de infraestrutura (transporte e energia elétrica),

para o processamento de minérios, agropecuária, exploração madeireira e

monoculturas de cana de açúcar, de soja e de eucalipto para a produção de celulose

pressionam os recursos naturais preservados por povos e comunidades tradicionais

que habitam a região, entre eles: quilombolas, pescadores, quebradeiras de coco

babaçu, trabalhadores rurais, agricultores e povos indígenas.

8 O Programa Grande Carajás, iniciado em 1986, arregimentou um grande volume de

investimentos na Amazônia Oriental, para projetos agrícolas, agroindustriais (eucalipto e soja) e implantação de infraestrutura (transporte e energia) para o processamento de minérios, agropecuária e exploração madeireira, Ver Nóbrega (2013); Sobre outros grandes empreendimentos, como Consórcio Alumar, Base Aérea de Alcântara Ver Arcangeli (1987) e Pereira Jr (2009) 9 O babaçu é uma palmácea que predomina em zonas de várzeas, próximas dos vales dos rios

e em pequenas colinas ou elevações, associado a outros tipos de vegetação como capoeira, caatinga, mata aluvial, cerrado... (MIC/SIT, 1982, p.21). Tal região, denominada por Almeida et al (2005, p. 41) “região ecológica do babaçu” engloba, no Maranhão, as regiões do cerrado, cocais, baixada e chapadões; no Piauí, no curso médio e baixo curso do rio Parnaíba; e no Tocantins, baixadas e vales úmidos, às margens dos rios Tocantins e Araguaia.

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No caso específico da microrregião de Imperatriz as comunidades da

Estrada do Arroz10, até o município de Cidelândia, a implantação do empreendimento

da Suzano S.A11 resulta em imobilização da força de trabalho dos agricultores e das

mulheres quebradeiras de coco babaçu, atualmente sujeitos a acordos, com a

empresa, que limitam, cada vez mais, o acesso aos recursos naturais ainda

disponíveis.

A dinâmica econômica imposta aos moradores desse corredor resulta em

questões ambientais associadas aos projetos agroindustriais e suas ramificações de

comércio - polo siderúrgico (carvoarias, guzeiras), mineração, plantações homogêneas

com fins industriais (soja e eucalipto) - e outros ligados mais às questões urbanas, a

exemplo dos lixões12. As áreas de incidência de babaçuais evidenciadas têm sido

apreendidas como “áreas desmatadas” e “degradadas”, resultado de uma economia

política do babaçu que se desenvolve na região num conflito permanente entre

empresas e comunidades tradicionais que fazem do uso dos babaçuais o seu meio de

vida.

Todos esses investimentos implicam devastação de grandes áreas, na

derrubada de babaçuais, nos desmatamentos das florestas ombrófilas e na

contaminação das bacias dos principais rios do estado, com o uso de agrotóxicos

10

Assim denominada, em função de um fenômeno apresentado na década de 1960, quando Imperatriz consolida-se como polo econômico regional, sobretudo, na produção do arroz. A denominada “estrada do arroz”, ocupada por nordestinos desde os anos 1950, facilitava o escoamento da produção de Imperatriz para outras regiões. Ver FRANKLIN (2008, p. 132).

11 Um investimento de R$ 6 bilhões, com capacidade de produção de 1,5 milhão de toneladas

de celulose por ano para exportação, a fábrica tem por meta alcançar uma área de 167 mil hectares no estado do Maranhão, para o plantio de eucalipto. Toda a produção é escoada via ferrovias Norte-Sul e Carajás

11 para o Porto de Itaqui, em São Luís, capital do Maranhão, de

onde segue para os Estados Unidos e Europa. Instalada em uma vicinal a 2 km da Estrada do Arroz, a fábrica vem causando impactos diretos e indiretos nos modos de vida das famílias que residem nos povoados situados ao longo da rodovia MA 125, quais sejam: Esperantina 1, Esperantina 2, Nova Bacaba, São José da Matança, São Francisco do Açaizal, Altamira, Olho D’agua dos Martins, Coquelândia, São Félix e Petrolina, além dos acampamentos Viva Deus e Eldorado. Os mais afetados são as famílias que não têm terra e que moram às margens da Rodovia, entre as cercas de arame que demarcam as propriedades das empresas/fazendas e a estrada. Para a instalação da fábrica de celulose, o governo brasileiro garantiu a infraestrutura, financiando a construção da estrada ligando a BR 010 à fábrica de celulose e ampliando a linha de ferro também interligando a fábrica.

12 Caderno Nova Cartografia Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial

contra o Desmatamento e a Devastação: processo de capacitação de povos e comunidades tradicionais. Nº 4 (julho, 2014) – Manaus: UEA Edições, 2014.

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(pesticidas e inseticidas) e de adubos químicos, e a consequente desertificação dos

solos, causando o que Almeida (2005, p. 27) chama de processo predatório13,

caracterizado por relações sociais e conflitos, que compõem o processo de

devastação ambiental, particularmente na região dos babaçuais.

A devastação se materializa por meio das derrubadas das palmeiras

adultas com o uso de tratores, envenenamento das pindovas, aplicação de agrotóxicos

com o uso de aviões e queimadas. Como consequência dessas práticas as áreas de

coletas estão cada vez mais distantes dos locais de moradia. As mulheres se sentem

inseguras no exercício da atividade, porque a distância as colocam em situação de

vulnerabilidade, sujeitas a diferentes tipos de violência. Quando têm acesso ao coco e

conseguem beneficiá-lo enfrentam dificuldades em manter uma rede de

comercialização dos subprodutos extraídos do babaçu, como: azeite, óleo, farinha do

mesocarpo, sabonete e artesanato.

Nessa dinâmica, os investimentos econômicos vêm pressionando, de

forma sistemática e acelerada, grupos que fazem uso comum dos recursos naturais e

vivem da agricultura, extrativismo e da pesca, com base na produção familiar. Eles

disputam os recursos naturais ainda preservados por grupos camponeses, povos e

comunidades tradicionais que secularmente habitam a região, entre eles: quilombolas,

pescadores, quebradeiras de coco babaçu, povos indígenas.

Essa perspectiva de desenvolvimento relacionado a esse conglomerado de

grandes negócios alterou de maneira significativa a vida desses povos, inclusive suas

formas de se relacionar com a natureza, seus ritos, suas atividades produtivas, festas

e muito fortemente suas terapias holísticas e práticas medicinais tradicionais, como a

confecção de chás de ervas e outros preparados terapêuticos.

13

Em Economia do Babaçu e em Guerra Ecológica nos Babaçuais, Almeida et al (2005) apresentam uma cartografia social do processo de devastação da região ecológica dos babaçuais, mapeando as tensões e os conflitos sociais, configurados no processo de destruição desse ecossistema, mostrando os diferentes agentes sociais envolvidos, bem como

as especificidades das formas organizativas emergentes.

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CONCLUSÃO

O mapeamento social que esses estudos vêm realizando na região

ecológica dos babaçuais revela uma dinâmica, qualificada por estudiosos como

“guerra”, na chamada região dos babaçuais, nem sempre “percebida” pelo

planejamento público e muito distante do reconhecimento destas áreas como

preservadas ou como “floresta de babaçuais”.

Apesar de toda a pressão pela disputa dos recursos naturais, o território

denominado “região dos babaçuais” tem seus focos de preservação nas áreas que

estão sob o controle das unidades familiares que vivem da agricultura, da pesca, da

caça e do extrativismo.

As pesquisas realizadas nos anos 2000 dão visibilidade às formas de vida

que têm sido objeto sistemático de tentativa de destruição, que, contudo as

quebradeiras resistem (SCOTT, 2004) assim como o babaçu desde que a ação se

fazia como cotidiano, antes mesmo da constituição da identidade coletiva objetivada

em movimento social (ALMEIDA, 1995), que neste caso são associações e grupo de

mulheres, e o MIQCB com movimento aglutinador das mulheres quebradeiras de coco

babaçu.

Uma das formas de manifestação de resistência das quebradeiras de coco

tem sido as campanhas pela aprovação das “Leis Babaçu Livre”, leis municipais que

proíbem a derrubada de palmeiras, queimada dos babaçuais e envenenamento das

pindovas. As mulheres já conseguiram aprová-las nos municípios de Lago do Junco,

Lago dos Rodrigues, Esperantinópolis, Capinzal do Norte, Imperatriz, Cidelândia, Vila

Nova dos Martírios e Pedreiras (Maranhão); São Domingos do Araguaia (Pará); São

Miguel, Buriti, Praia Norte e Axixá (Tocantins). Em Tocantins foi aprovada a Lei

Estadual Babaçu Livre.

Em seus encontros interestaduais, as quebradeiras elaboram cartas aos

órgãos governamentais, nas quais reivindicam, dentre outras coisas: desenvolvimento

de tecnologias adequadas para a utilização integral do coco babaçu; o acesso das

quebradeiras a programas governamentais que lidam com a saúde da mulher; efetiva

implantação das reservas extrativistas; garantia do livre aceso aos babaçuais, punição

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para aqueles que cometem crimes ambientais, devastação dos babaçuais, castanhais

e seringais; desapropriação imediata das áreas de conflito que envolve a quebradeira

de coco.

Quanto às estratégias das empresas nesse confronto, Acselrad (2012;

2014) avalia que os procedimentos em curso dos grandes empreendimentos

econômicos são muito inspirados em lógicas de operação semelhantes ao

pensamento militar do período de exceção. Ações denominadas de “inteligência

corporativa” visando à obtenção de informações sobre comunidades, movimentos

sociais e lideranças locais incluem atos de espionagem, estudos denominados de

“riscos sociais”, contratação de cientistas sociais e comunicadores para “estudar” os

movimentos sociais e contratação de técnicos vinculados aos movimentos sociais para

a aplicação das ditas ações de “responsabilidade social empresarial”.

Entre as estratégias adotadas pela Suzano S.A. com vistas à instalação do

seu parque industrial, a empresa compra terras ao redor das comunidades,

interferindo nas relações de trabalho que as famílias mantinham com os antigos

proprietários das fazendas; contrata empresa e profissionais liberais formados na

militância junto aos movimentos sociais para realizar estudos sociais (ACSELRAD,

2014) e “facilitar” na mediação na relação empresa/comunidade; além de dissimular

um tipo de negociação com as comunidades deslocadas compulsoriamente, sem

oferecer condições de opção para os moradores.

Para Acselrad (2014), tratam-se de confluências autoritárias entre

estratégias empresariais e militares de controle de território. Tal confluência vem

exigindo dos movimentos sociais uma reinvenção de suas formas de resistências e,

em situações específicas, um deslocamento de suas lutas, atualmente, configuradas

dentro e fora do Estado, um importante agente gerador desses conflitos

socioambientais. A situação aqui recortada, o caso específico das quebradeiras de

coco babaçu, é emblemática porque articula diferentes dimensões desses conflitos,

que nos leva a pensar como as mulheres nos seus processos políticos combinam

diferentes dimensões, como a econômica, a social, a cultural e a política.

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REFERÊNCIAS

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CARTOGRAFIA DOS BABAÇUAIS – A PALMEIRA DOS MAPAS14.

Poliana de Sousa Nascimento 15

Luis Augusto Pereira Lima16

1.INTRODUÇÃO

Com a intenção de expressar conhecimentos tradicionais e formas de uso dos

recursos naturais a partir de representação dos mapas, esse artigo busca para, além

disso, demonstrar técnicas de elaboração dos mapas e análise da cartografia social

interpretada pelos agentes sociais em trabalhos de campo, realizados em

comunidades tradicionais no âmbito do projeto Cartografia Social dos Babaçuais:

Mapeamento Social da Região ecológica do Babaçu .

A maneira como os agentes se apropriam desse mecanismo para reivindicar

seus direitos e se colocarem contra situações adversas em seus territórios, constitui

parte de um processo de relações que estabelecem entre si e entre seus pares diante

de contextos de mobilizações que permeiam a luta das mulheres quebradeiras de

coco nos locais de ocorrência do babaçu.

De forma que, o olhar do sujeito pesquisado que interpreta o seu lugar,

transparece nas representações daquilo que é considerado relevante e que seus olhos

ressaltam. Os mapas produzidos pelos agentes sociais nas oficinas são reflexos do

conhecimento tradicional objetivado pelos agentes sociais (FARIAS JUNIOR, 2013).Os

símbolos atribuídos aos itens desenhados, são espelhos da importância oferecida aos

lugares considerados relevantes, cujos elementos contemplam conhecimentos sobre o

território que permitem situá-los quanto a forma de organização social e política do

território. Como ressalta Bourdieu (1997) o espaço social se retraduz no espaço físico.

14

Artigo produzido a partir de experiências na elaboração de cartografias sociais e pesquisas de campo realizadas no âmbito do projeto Cartografia Social dos Babaçuais: Mapeamento Social da Região Ecológica do Babaçu. 15

Mestre. Pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA/GESEA) 16

Mestrando. Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Pesquisador do projeto Nova

Cartografia Social da Amazônia (PNCSA)

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CARTOGRAFIA SOCIAL DOS BABAÇUAIS E SUA TÉCNICA DE ELABORAÇÃO.

As percepções iniciais constituem a “palmeira dos mapas”, os primeiros

mapas dos babaçuais. Um desenho, uma aventura, que vai se conectando aos pontos,

às curvas das linhas de áreas, de caminhos que tornam visíveis mulheres que

quebram coco. Suas vidas, suas lutas pela vida, pela palmeira dos mapas, o babaçu.

Essas percepções se dão, também, pelo processo de elaboração das

informações cartográficas. Estas, conciliadas com as informações de bancos de dados

e com as experiências de pesquisa em campo. Situações localizadas que podemos

discorrer sobre os procedimentos e métodos de pesquisa e as técnicas de laboratório

de cartografia social.

Sobre estas técnicas podemos considerar inicialmente o levantamento de

dados sobre as bases cartográficas já existentes. Os mapas que foram elaborados por

diferentes fontes, constituem a base fonte a princípio. As fontes, neste momento,

apresentam realidades que podem compor um diálogo preliminar. Seja como fonte

temporal e como fonte de constatação, por interesses comerciais ou industriais e

sociais pelos povos e comunidades tradicionais.

De imediato, as fontes até o momento são físicas, mapas antigos impressos.

Considerando assim, cinco mapas que constituem as fontes cartográficas para

iniciarmos o levantamento de dados técnicos digitais sobre os mapas. No entanto,

apenas um desses, detínhamos os dados técnicos digitais em formato de base

cartográfica, nos referimos ao mapa Guerra do Carvão. Sobre os outros mapas, até o

momento não havia dados digitais em linguagem para Sistema de Informações

Geográficas (SIG), que pudéssemos “alimentar” o banco de dados, elaborar novos e

reelaborar os mesmos mapas. Para isto, recriar as bases cartográficas dos mapas

impressos, físicos, seria necessário usar técnicas cartográficas sociais aliadas a

conhecimentos de cartografia e tecnológicos de SIG avançados.

Diante desta análise, iniciou-se o procedimento de consulta de dados

geográficos nas fontes de bases cartográficas levantadas disponíveis como: IBGE,

ANA, MINISTÉRIOS DOS TRANSPORTES, ICMBIO, IBAMA, FUNAI, IMAGENS DE

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SATÉLITE e os próprios mapas como bases de referência. Para isto, considerando as

referências de Sistemas de Informações Geográficas, o SIRGAS 2000.

Os mapas referidos como fontes temporais ou de constatação para este

projeto de pesquisa, como informações técnicas para o laboratório de cartografia

social temos: i - (1911) - Mapa Mattas e Campos no Brasil. Esboço organizado pelo

Serviço Geológico e Mineralógico por determinação do Ministro da Agricultura,

Indústria e Comércio. Ministério de Agricultura, Indústria e Comércio - Serviço de

Informações – 1925. Reprodução do mapa da primeira edição deste trabalho. ii –

(1983) - Mapeamento e Levantamento do Potencial das Ocorrências de Babaçuais

1983. Ministérios do Exército – Diretoria de Serviço Geográfico. Ministério da Indústria

e do Comércio – Secretaria de Tecnologia Industrial. Escala 1:1.000.000. iii – (1993) -

Guerra dos Mapas – Programa Grande Carajás: áreas reservadas, uso e ocupação do

solo, conflitos sociais e recursos naturais. Mapa elaborado para o seminário/consulta:

“Carajás: Desenvolvimento ou Destruição”. Promovido pelo GTA/Carajás e pelo

GTA/Babaçu. Escala 1:1.300.000. iv – (2005) - Guerra Ecológica nos Babaçuais -

Conflitos Socioambientais. Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco

Babaçu (MIQCB).

Projetos “Campanha contra o desmatamento e a coleta de coco inteiro”, “Lei

do Babaçu Livre” e “Coleção Nova Cartografia Social da Amazônia”. Escala

1:1.000.000. v – (2014) - Mapeamento Social como instrumento de gestão territorial

contra o desmatamento e a devastação: processo de capacitação de povos e

comunidades tradicionais – Guerra do Carvão. Projeto Nova Cartografia Social da

Amazônia (PNCSA). Escala 1:1.300.000.

Após consulta às bases cartográficas fontes e aos mapas fontes impressos,

iniciou-se o processo de reelaboração das bases cartográficas a partir dos mapas

impressos, com exceção do quinto mapa, o Guerra do Carvão, do qual já detemos as

informações e bases cartográficas...

Sob as técnicas de cartografia social. Primeiro identificamos as legendas com

organizações e dados relevantes existentes nos mapas. Este procedimento ocorreu

em alguns encontros e reuniões com a equipe de pesquisa e a equipe do laboratório

de cartografia social. No decorrer, houve algumas seções com a equipe toda, onde

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foram discutidas algumas abordagens. Nestas abordagens foram evidenciados os

relatos dos agentes sociais, as organizações, os encontros com as lideranças. Os

mapas impressos foram analisados, digitalizados, scanneados e fotografados para que

pudéssemos inseri-los na interface do software SIG.

A equipe de laboratório de cartografia social, a partir do software SIG ArcGIS

ArcInfo Advanced 10.2.2 instalado em uma mesa digitalizadora de alta resolução

iniciou os procedimentos. E após consultas às equipes fizemos os procedimentos de

separação das bases cartográficas dos mapas impressos. Esta separação deu-se pela

identificação e georreferenciamento de informações geográficas em todos os mapas,

os quatros primeiros citados com exceção do ano de 2014. Este procedimento de

georreferenciamento gerou informações distintas de todos os mapas. Usamos

ferramentas tecnológicas de precisão como: georreferenciamento, conversão

geográfica, análise espacial, seleção automática, seleção por atributos, conexão de

tabelas, edição de vértices, edição gráfica.

Os mapas agora existem, como bases geográficas, de forma digital, em

formato Shapefile (SHP). Formato de arquivo que é permitido leitura no software SIG –

ArcGIS 10.2.2. Estas informações podem, agora, ser manipuladas de maneira a

elaborarmos novos mapas com considerável acurácia. Sejam para identificar as

manchas de babaçuais, organizações, associações, elementos físicos e geográficos

que estão presentes nos diferentes mapas, assim como agregar informações atuais.

Esta etapa proporcionou uma gama de informações que poderão ser usadas

nos trabalhos de campo o andamento da pesquisa. Isto organizou outros mapas

situacionais para o campo como o mapa dos cocais, o mapa da baixada, o mapa do

bico, o mapa das organizações, o mapa das áreas de babaçuais, castanhais, soja,

dendê, unidades de conservação e outros dados cartográficos.

Estes mapas estarão somando para a disseminação das informações

previstas para o desdobramento do projeto. Tais informações estarão disponíveis em

banco de dados, conectadas para acesso dos agentes sociais e instalação dos

minilaboratórios. Com a instalação dos minilaboratórios os dados levantados a partir

dos mapas impressos e dos trabalhos de campo formarão uma nova base cartográfica

para acesso em rede.

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Os dados a serem coletados no desdobramento da pesquisa proporcionarão

uma gestão territorial, dos eventos localizados, ainda não evidenciados pelos agentes

sociais com tecnologia embarcada em rede. A inserção das informações agilizará uma

eventual tomada de decisão pelas organizações sociais diante das políticas

governamentais. Esta gestão conectará agentes sociais e pesquisadores a partir das

informações cartografadas.

Para esta inserção ocorrer completamente, serão proporcionados cursos e

treinamentos para a operação dos minilaboratórios. Cursos de legislação, ambiental e

territorial, de Convenção 169, noções básicas de manuseio com GPS, software SIG,

instalação e operação de programas em computadores e treinamentos para a

continuidade das atribuições operacionais e manutenção.

CAMINHOS PERCORRIDOS PARA DELINEAR “O MAPA DAS PALMEIRAS”

A forma como essas informações serão inseridas na cartografia social dos

babaçuais estarão versadas por uma gama de informações que são estabelecidas

pelos agentes sociais de maneira pertinente por se tratar de um contexto de luta e de

conflitos frente a diferentes contextos de atuação, seja por grandes empreendimentos

econômicos, seja por fazendeiros ou empresas de pequenos portes.

Entretanto, cabe aqui enfatizar que os recursos naturais, sintetizados então

na ideia de “terra” e as mobilizações no sentido de sua conservação, servem de

reforço à reivindicação da identidade coletiva de mulheres quebradeiras de coco

(AlMEIDA,2008) . Essa especificidade faz parte de uma interpretação que não pode

ser dissociada das mobilizações existentes nas áreas de ocorrência do babaçu. São

essas mobilizações que passam a compor parte de um conjunto considerado para a

reprodução física e social de comunidades inteiras que habitam essas regiões. Essa

identidade é reforçada, fortalecendo também os laços de solidariedade que são

criados face à ocorrências dos antagonistas sociais.

Essas mulheres reconhecidas como quebradeiras de coco babaçu

apresentam necessidades que lhe são particulares em decorrência de suas práticas e

relações sociais com os recursos naturais. Elas arquitetaram formas de organizações

especificas, de relações de trabalho com os recursos naturais que lhes permitem

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reivindicar direitos que lhes assegure o livre acesso a esses recursos. São as

palmeiras de babaçu que asseguram a essas mulheres importância na reprodução

física, social e cultural. Como ressalta Almeida (2006) “a palmeira não representa um

mero acessório do solo, ela é da construção social e política das organizações das

quebradeiras de coco”.

No âmbito do projeto “Cartografia Social dos Babaçuais: Mapeamento Social

da Região Ecológica do Babaçu”, para elaboração do mapa nos baseamos nas

informações que foram sendo mais evidentes durante o período dos trabalhos de

campo, onde a ênfase dada às formas organizativas no mapa que apresentam relação

direta ou indireta com as mulheres quebradeiras é parte de um contexto de

informações fornecidas pelos agentes sociais. É possível ainda identificar áreas com

maior ou menor incidência de palmeirais, áreas com verdadeiras florestas

homogêneas e outras se demonstram bem espaçadas, sendo, portanto, permeadas

por essas formas organizativas e movimentos sociais relacionados.

Esse espaçamento das palmeiras identificado em muitas áreas pode ser

explicado pelas extensas áreas de pastagens que permeiam as áreas de babaçuais,

mas pode também significar mecanismos de manejo do babaçu. Na região dos cocais

maranhense, a existência de florestas homogêneas de babaçu nem sempre significa

grande produtividade da palmeira, exigindo assim, praticas de derrubadas de algumas

palmeiras para o aumento da produtividade da palmeira. Alguns desses pastos

apresentam palmeiras espaçadas e algumas pindovas, entretanto, essas pindovas são

por vez, são envenenadas para não prejudicarem o gado.

São essas demandas que tornam os mapas em questão situacionais,

evidenciando os aspectos sociais dos lugares, pois ao produzir tais mapas os agentes

sociais reproduzem aquilo que julgam necessário enfatizar para retratar sua própria

realidade. Ao analisar o mapa, os pontos evidenciados como referências são

compatíveis com os discursos de apropriação de lugar construído pelos agentes

sociais.

Os mapas elaborados evidenciarão de fato, as características pertinentes nos

discursos dos agentes, dando ênfase aos fatores religiosos, aos usos dos recursos

naturais e à organização social em torno do território, permitindo compreender a

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realidade dos agentes sociais. A informação obtida no mapa retrata maneiras de

interpretações que não está naturalizada nas produções dadas “oficialmente”, pelo

contrário, são parte de um processo de apropriação do saber construído pelos agentes

sociais ligadas aos seus interesses comuns, pois trata-se de uma construção coletiva.

CONCLUSÃO

Enfim, parte do processo de elaboração dos mapas é fazer entender que as

cartografias sociais produzidas são resultado das ações e da participação dos agentes

sociais envolvidos. São cartografias que refletem suas lutas, conflitos, crenças e

formas de mobilizações que compõem parte daquilo que interessa para saber como

vivem, tornando possível o uso desses instrumentos atuantes no processo de

construção social dos mapas. Transformando tais cartografias sociais em objeto de

ação política, revelando-se ferramentas uteis para mobilizar comunidades e gerar

debates locais sobre situações adversas que acometem seus territórios.

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