CARVALHO, A.C. e CARVALHO, D.F. as Críticas de Marx e Keynes à Teoria Neoclássica

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  • AS CRTICAS DE KARL MARX E JOHN MAYNARD KEYNES TEORIA (NEO)CLSSICA

    Andr Cutrim CarvalhoDoutor em Desenvolvimento Econmico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestre em Economia pelo Programa de Ps Graduao em Cincia Econmica da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp). Professorpesquisador da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Par (Facecon/UFPA), economista e engenheiro de computao.E-mail: [email protected]

    David Ferreira CarvalhoDoutor e psdoutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestre em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido pelo Ncleo de Altos Estudos da Universidade Federal do Par (Ufpa). Professorpesquisador da Faculdade de Cincias Econmicas e do Mestrado em Economia do Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Par (Facecon/PPGE/Ufpa), economista e engenheiro agrnomo.E-mail: [email protected]

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    ResumoA Lei de Say nada mais do que um princpio ou axioma que at hoje serve de

    base para sustentar o arcabouo terico da economia neoclssica. A crtica de Key-nes contra esse princpio na Teoria Geral foi to contundente que acabou provo-cando uma diviso na cincia econmica: a economia clssica (sustentada pelo princpio de Say) e a economia de Keynes (sustentada pelo princpio da demanda efetiva). Nesse contexto, o presente artigo procura discutir a formulao original da Lei de Say, como o princpio bsico de sustentao da economia dos clssicos e neoclssicos, e sua ligao com a formulao da Lei de Walras, bem como apre-sentar as crticas que John Maynard Keynes e Karl Marx fizeram contra esse axioma.

    Palavras-chave: Lei de Say; Economia clssica; John Maynard Keynes e Karl Marx.

    1INTRODUO

    reconhecida a importncia da Lei de Say por sua representatividade co-mo um princpio ou axioma, no s para os economistas clssicos, neoclssi-cos e novos clssicos que dela se sustentam, mas tambm para os economistas velhos keynesianos, neokeynesianos e ps-keynesiansos que se amparam na crtica realizada por Keynes contra a Lei dos Mercados de Say, quando, na Teoria Geral (TG), apresenta o seu Princpio da Demanda Efetiva em oposi-o direta a esse axioma.

    Schumpeter (1964, p. 292) afirma que a Lei de Say no trivial e nem sem importncia para no merecer comentrios crticos. Apesar de no acei-tar a Lei de Say, Schumpeter (1964, p. 295) afirma que:

    Quaisquer que sejam as consequncias tericas para todo o sistema da teo-

    ria econmica que possa derivar disto, elas no justificam a rejeio pura e

    simples desta teoria ou a recusa em reconhecer que a mesma tem seu valor

    como um passo primitivo na anlise.

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    Entretanto, s depois da contundente crtica realizada por Keynes Lei de Say na TG que esse axioma passou a merecer uma ateno maior dos econo-mistas, a ponto de separar a economia, grosso modo, em duas: clssica e keynesiana. Da para frente, os manuais de macroeconomia passaram a apre-sentar, nos seus escritos, as duas escolas de pensamento econmico.

    Contudo, apesar de a Lei de Say ter sido incorporada nos velhos manuais de macroeconomia do imediato ps-guerra, os autores desses manuais limita-ram-se apenas a apresentar de forma resumida e sem anlise crtica conve-niente a formulao da Lei de Say (ACKLEY, 1978). Os novos manuais de macroeconomia contemporneos nem isso fazem hoje (BLANCHARD, 1999). rara, nos manuais modernos de macroeconomia, alguma referncia Lei de Say. Isso significa que os macroeconomistas neoclssicos contemporneos aceitam a Lei de Say sem questionar suas implicaes, pois, do contrrio, a teoria deles desmoronaria.

    Alm deste texto introdutrio, o presente artigo apresenta a formulao original da Lei de Say, as crticas desenvolvidas por Marx e Keynes contra a Lei de Say e as consideraes finais.

    2A FORMULAO DA LEI DE SAY

    A Lei dos Mercados de Say, ou simplesmente a Lei de Say, um princpio bsico que serviu e serve de suporte teoria econmica dos economistas clssicos e neoclssicos. Na verdade, como observa Marx (1980), a Lei dos Mercados foi originalmente formulada por James Stuart Mill, pai de John Stuart Mill1. Mesmo que a histria econmica tenha dado Lei dos Mercados o nome de Say, o enunciado do axioma deve tanto ou mais a James Mill (1808, p. 81-83) que a formulou, pela primeira vez, de forma clara e dogma-ticamente:

    1 Ver Marx (1980, p. 929-930). Schumpeter (1964, p. 292) no concorda que autoria da Lei dos Mercados seja de Mill, alegando que a obra de James Mill, Commerce defended (1808), na qual est a formulao do Princpio, posterior ao livro de Say, Tratado de economia poltica (1803). Ocorre que, nessa primeira edi-o do livro de Say, a Lei de Say ainda no tinha sido formulada. A verdade que o axioma de Say s aparece na segunda edio do livro de Say, em 1814. Portanto, h um equvoco de Schumpeter, e Marx est certo ao atribuir a James Mill a autoria da Lei dos Mercados. Ricardo, entretanto, sempre atribui a doutrina a Jean-Baptiste Say. Ver Dobb (1978, p. 36).

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    A produo de mercadorias a causa universal e nica que cria um mercado

    para as mercadorias produzidas. [...] A capacidade aquisitiva de uma nao

    medida exatamente por sua produo anual. Quando mais se aumenta a

    produo anual mais se aumentar, por esse motivo, o mercado anual. [...] A

    procura de uma nao sempre igual produo dessa nao2.

    Autores como Dobb (1978) e Possas e Baltar (1981) afirmam que a for-mulao da Lei dos Mercados de James S. Mill um trusmo (expressando a identidade contbil, ex post, entre produto, renda e despesas) que compa-tvel tanto com a Lei de Say quanto com o Princpio da Demanda Efetiva. verdade, porm essa observao no retira a autoria de James Mill quanto formulao original. A histria econmica deu o nome de Say Lei dos Mercados talvez pelo fato de Ricardo (1982) ter preferido, por alguma razo no esclarecida, a formulao de Say no seu livro, Princpios de economia po-ltica e tributao.

    Neste ponto, bom explicitar claramente a formulao da Lei Say a partir do prprio autor Jean-Baptiste Say (1983, p. 139):

    bom observar que um produto acabado oferece, a partir deste instante, um

    mercado para outros produtos equivalente a todo o montante de seu valor.

    Com efeito, quando o ltimo produtor acabou um produto, seu maior dese-

    jo vend-lo para que o valor desse produto no fique ocioso em suas mos.

    Por outro lado, porm, ele tem igual pressa em desfazer-se do dinheiro que

    sua venda lhe propicia, para que o valor do dinheiro tampouco fique ocioso.

    Ora, no possvel desfazer-se do dinheiro, seno comprando um produto

    qualquer. V-se, portanto, que s o fato da criao de um produto abre, a

    partir desse mesmo instante, um mercado para outros produtos.

    Keynes (1982) quis tambm simplificar a doutrina clssica na proposio de que a oferta cria a sua prpria procura, porque ela envolveria uma hip-tese especial a respeito da relao entre as funes de oferta e demanda. Sobre a Lei de Say, Keynes (1982) afirma que a teoria clssica supe que o preo da demanda agregada, D, sempre se ajusta ao preo da oferta agregada, Z, de tal

    2 Clower (1997, p. 42) sugere que esta formulao a mais aceitvel.

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    maneira que qualquer que seja o valor do volume de emprego, N, o preo da demanda agregada, D, adquire um valor igual ao preo da oferta agregada, Z, correspondente ao nvel do emprego, N. Isso significa que a demanda efetiva, em vez de ter um nico valor de equilbrio, comporta uma infinidade de va-lores, todos igualmente aceitveis, e que o nvel de emprego indeterminado, salvo quando a desutilidade marginal do trabalho lhe fixe um limite superior.

    A adoo da Lei de Say, segundo a qual o preo da demanda agregada da produo igual ao preo da oferta agregada para qualquer volume de produ-o, o mesmo que admitir que no h nenhum obstculo para o pleno em-prego3. Isso significa, de modo expressivo, que os custos de produo, ao se converterem em renda dos fatores, devem ser gastos por completo, direta ou indiretamente, na compra de bens e servios4.

    Afirmar que a oferta cria a sua prpria procura o mesmo que dizer que todo produtor que leva produtos ao mercado o faz somente para troc-los por outros produtos. Assim, pode-se concluir que toda oferta adicional deman-da adicional ou toda venda uma compra. primeira vista, esse argumento parece ser tautolgico e dogmtico. Contudo, a Lei dos Mercados de Say mais que uma tautologia, na medida em que se pretende estabelecer uma re-lao de determinao causal, no sentido de a oferta agregada determinar a demanda agregada, cuja implicao principal servir de descrio da socieda-de capitalista caracterizada por esse tipo de inter-relao, que explicaria a es-sncia do funcionamento de uma hipottica economia idealizada por Ricardo.

    H razes que podem explicar o domnio de a Lei de Say por to longo perodo: em primeiro lugar, o fato da Lei de Say expressar o interesse ideol-gico da classe capitalista, na medida em que afastada qualquer possibilidade de crise de superproduo geral; em segundo lugar, porque a Lei de Say faz o sistema capitalista aparecer um modo de produo eficiente, por ser capaz de uma plena utilizao dos recursos produtivos e por fazer as flutuaes cclicas se tornarem frices insignificantes; em terceiro lugar, a dominao da apolo-gtica da Lei de Say foi facilitada pela falsa transposio da experincia da economia individual economia como um todo. Por fim, pela forte acomo-

    3 Keynes (1982, p. 39) introduz outro critrio, equivalente ao de pleno emprego da mo de obra, de que o emprego agregado inelstico quando h um aumento da demanda efetiva relativamente ao nvel de em-prego correspondente ao nvel de pleno emprego.

    4 Keynes (1982, p. 39), referindo-se Lei de Say, no final da seo I do captulo 3, ressalva que, no sendo essa a verdadeira lei que relaciona a demanda agregada e as funes da oferta, ento faltaria escrever um captulo da teoria econmica de importncia vital, sem o qual intil qualquer discusso a respeito da de-terminao do volume de emprego agregado. Certamente, esse captulo novo da teoria econmica foi ela-borado por Keynes na Teoria Geral (princpio da demanda efetiva).

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    dao intelectual dos economistas neoclssicos que levou aceitao acrtica desse postulado, afirma Miglioli (1981, p. 11-12).

    Em uma economia mercantil simples na qual o dinheiro usado como meio de troca somente para reduzir os custos de transaes do comrcio , a produo adicional no s aumenta a oferta de bens e servios, pelo fato de a renda agregada ser gerada com o pagamento dos fatores produtivos, como tam-bm cria a demanda da compra desses bens e servios de valor equivalente. Logo, a anlise de Say foi desenvolvida em termos de trocas diretas de produtos por produtos, mas est implcito que, no caso das trocas indiretas vendas e compras de mercadorias mediadas por dinheiro como meio de troca, isso no a altera, a no ser que as trocas indiretas, mediadas por dinheiro, sejam mais eficientes que as trocas diretas. O dinheiro visto s como meio de troca di-nheiro neutro, isto , no exerce influncia alguma nos processos de produo e circulao de mercadorias. Assim, o fluxo monetrio das transaes comerciais visto como um simples reflexo do fluxo real que ocorre na troca entre os pro-dutos. No final, o processo basicamente o de troca de produtos por produtos.

    A discusso sobre a possibilidade ou impossibilidade da superproduo geral na economia de mercado foi a razo inicial do debate direto entre Ricar-do e Malthus. No desenrolar da discusso, entretanto, passou despercebido o contexto histrico da economia na qual se situa a posio de Ricardo quanto validade da Lei de Say. O contexto histrico de Ricardo o contexto hipot-tico de uma economia cooperativa (escambo) ou mesmo de uma economia mercantil simples com a moeda neutra, ou seja, teoricamente possvel que um produto particular possa ser produzido em excesso em relao aos demais produtos. Contudo, seria impossvel que todos os produtos dessas economias pudessem ser produzidos em excesso relativo. Em outras palavras, no pode-ria haver uma crise de superproduo geral ou de subproduo geral, j que seria uma impossibilidade lgica.

    preciso observar que uma superproduo generalizada deve ser relativa a algo, e, ao se falar de todos os bens e servios de uma economia sem men-cionar o dinheiro, corre-se o risco de excluir tudo aquilo que constitui o mar-co de referncia da possibilidade da superproduo geral o dinheiro. Portan-to, em uma economia cooperativa, ou em uma economia mercantil simples, no pode haver um excesso de produtos, pois isso significaria simplesmente que h uma demanda excedente de dinheiro, algo inaceitvel pelos economis-tas clssicos, j que a moeda s um meio de troca e os indivduos so sufi-cientemente racionais para no entesourar dinheiro, e sim para empreg-lo como poder de compra para satisfazer suas necessidades de consumo.

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    A Lei de Say, se tiver alguma validade lgica, restrita ao mundo irreal de Ricardo e dos (neo)clssicos, pois, caso se pretenda que ela seja aplicvel ao mundo real, ento se dever provar a impossibilidade de uma demanda exce-dente de dinheiro. Essa impossibilidade deve significar apenas que a deman-da de dinheiro no pode estar permanentemente em excesso, j que isso ca-racterizaria uma situao de desequilbrio do mercado monetrio. Mas, quando os economistas (neo)clssicos estendem a Lei de Say para o que Key-nes chamou de uma economia monetria da produo em que a moeda importa porque afeta as decises dos agentes na produo e na circulao , ento o velho axioma de Say se torna imprestvel.

    *2.1 A equao formal representativa da Lei de SayTendo-se formulado a Lei de Say, deve-se estabelecer, agora, a noo de

    equilbrio do mercado monetrio. Say chegou a reconhecer a possibilidade de um excesso de determinados produtos em relao a sua demanda. Ele admitiu que a superproduo temporria de bens e servios especiais poderia ocorrer, e ocorre mesmo, em razo de a demanda de alguns bens e servios poder ser transferida para outros bens e servios. Contudo, essa mesma transferncia criaria escassez nos setores para os quais se deslocara a tendncia dos gastos e excesso nos setores nos quais a demanda aumentasse. Na economia como um todo, entretanto, a escassez em um setor produtivo e o excesso em outro so mutuamente cancelados, de maneira que a procura global acaba sendo igual oferta global, e assim no poderia haver uma superproduo geral. A Lei de Say pode ser formalmente expressa da seguinte forma:

    (1)

    em que S e D representam a oferta e a demanda, respectivamente, da identi-dade; h n bens e servios na economia com i atividades. Em uma economia de trocas dessa natureza, a superproduo geral impossvel, e a Lei de Say uma identidade que reproduz o fato de que toda compra equivale a uma ven-da. A Lei de Say vlida tambm em um mundo em que a moeda usada com meio de troca e unidade de conta o numerrio. Nessa economia, ningum retm essa espcie de moeda como dinheiro e ningum deseja ret-la, pois se trata simplesmente de moeda contbil.

    = =

    S Dii

    n

    ii

    n

    1 1

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    Na verdade, sabe-se que o poder de compra s pode ser criado pela produ-o, e seu valor no pode ser superior ao valor da produo. Assim, depois de criado, o poder de compra no pode ser reduzido. Para que o poder de com-pra fosse reduzido, o indivduo deveria deixar de gastar o dinheiro ganho no processo de produo. Mas isso, segundo a Lei de Say, no ocorreria, pois, de uma forma ou de outra, esse indivduo gasta o poder de compra do seu di-nheiro comprando uma ou outra mercadoria, e, se no gastar comprando mercadorias, emprestar a outro indivduo que gastar por ele. Essa lgica reproduzida por Marshall (apud KEYNES, 1982, p. 35):

    A renda total de cada pessoa inteiramente gasta na compra de mercado-

    rias e servios. Diz-se, mesmo, que um homem gasta uma parte de sua renda

    e economiza outra. Porm um axioma econmico muito conhecido que um

    homem compra trabalho e mercadorias com a parte da renda poupada, do

    mesmo modo que com a parte despendida. Quando algum procura obter

    uma satisfao imediata por meio de servios e mercadorias que compra,

    diz-se que gasta. Quando faz com que trabalho e as mercadorias que com-

    pra contribuam para a produo de riqueza da qual espera tirar meios de

    satisfao no futuro, diz-se que poupa.

    Tudo indica, por essa citao e no h nenhum outro comentrio em suas obras posteriores sobre a Lei de Say , que Marshall aceitava a Lei dos Mercados de Say como o axioma econmico essencial da cincia econmica neoclssica. A doutrina de Say no , hoje, exposta de forma to original. Mas nem por isso deixa de ser a base da economia contempornea, e sem ela a teoria neoclssica no se sustenta. Podem -se considerar razoveis as seguintes afirmaes: no h compra sem venda ou os custos de produo so sempre iguais ao produto das vendas resultantes da demanda.

    De fato, a renda total obtida por todos os indivduos de uma comunidade, que participam de uma atividade econmica, tem um valor exatamente igual ao valor da produo. Igualmente, a soma dos investimentos lquidos da riqueza dos in-divduos de uma sociedade deve ser igual poupana lquida agregada da rique-za dessa sociedade. Mas preciso ressaltar que as atividades de investir e poupar so basicamente diferentes, ou seja, no h nenhum nexo unindo as decises de abster-se de um consumo no presente e de prover um consumo no futuro.

    Portanto, se no h uma relao simples entre os motivos que determinam os investimentos e os que determinam a poupana, a Lei de Say que oferece

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    a hiptese de que o preo da procura da produo global e o preo da oferta que deve ser considerada como o axioma das paralelas da teoria clssica, ressalta Keynes (1982, p. 36). Admitida essa hiptese limitada, anloga ao axio-ma das paralelas da geometria de Euclides, todas as teorias da economia clssi-ca da poupana individual e nacional, dos juros, do desemprego, quantitativa da moeda, das finanas e comrcio exterior so naturalmente deduzidas.

    *2.2 O equilbrio walrasiano e a Lei de SayEm uma economia de trocas em que a moeda neutra, pois desprezada

    a sua funo social de reserva de valor, o valor total de todos os bens e servios produzidos e vendidos sempre igual ao valor total de todos os bens e servi-os demandados e comprados no mercado, e pode ser expresso por meio da seguinte identidade designada de Lei de Walras:

    (2)

    A expresso matemtica (2) nada mais do que a Lei de Say, a qual afirma que impossvel uma crise de superproduo generalizada. Walras (1954) buscou expressar matematicamente como os vrios mercados se equilibravam na economia tal qual pensada por Adam Smith. A ideia bsica era analisar o comportamento maximizador de cada indivduo e de cada empresa, e, depois, juntar todos os elementos em um sistema de equaes. Os indivduos vo ao mercado com certa dotao de bens e servios para vend-los a outros indiv-duos ou empresas. As empresas produzem bens e servios e vo ao mercado para vend-los a outras empresas ou indivduos.

    De acordo com Simonsen e Cysne (1995), nessa economia de mercado haveria bens e servios cujos preos eram p p p, , n1 2 . Ento a oferta do i-simo bem ou servio seria uma funo ( )S p p p, , n1 2 desses preos. A demanda desse mesmo bem ou servio seria outra funo ( )D p p, , n1 2 desses mesmos preos. No equilbrio geral, a oferta e a procura se igualariam em todos os mercados ou, de forma equivalente, a demanda excedente do i-simo bem ou servio ( )Z p p p, ,i n1 2 seria dada por:

    (3)

    = =

    p D p Si ii

    n

    i ii

    n

    1 1

    ( ) ( ) ( )=Z p p p D p p p S p p p, , , , , ,i n i n i n1 2 1 2 1 2

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    Nessa condio, certo que o equilbrio geral dos mercados ocorreria quando todas as demandas excedentes fossem iguais a zero, isto , quando o equilbrio dos preos fosse determinado a partir das seguintes equaes:

    ( ) = 0Z p p p, , n1 1 2 | ( ) = 0Z p p p, , n2 1 2 | ( ) = 0Z p p p, ,n n1 2 .No entanto, um sistema de n equaes com n incgnitas como esse pode

    ser determinado, indeterminado ou mesmo impossvel. Porm, Walras (1954) percebeu que a soma algbrica dos valores das demandas excedentes deveria ser tambm nula, tal que:

    (4)

    A Equao (4) resulta da identificao da restrio oramentria dos indi-vduos e da hiptese de racionalidade dos agentes econmicos de que no rasgam dinheiro e aplicam todo o seu dinheiro na compra de mercadorias ou ttulos. Ocorre que a renda agregada de uma dada economia igual ao valor da produo de todos os bens e servios ofertados no mercado. Nessa condi-o, o sistema de equaes de Walras no capaz de determinar o vetor de preos do sistema p p p( , , )n1 2 , j que uma das equaes redundante.

    Elegendo dentre os n bens e servios um para servir de numerrio e fazen-do o seu preo igual a um, haver n 1 razes de trocas ou preos relativos que devem ser determinados. Assim, pode-se concluir que o sistema de Wal-ras no tem n equaes, mas sim n 1 equaes independentes para determi-nar n incgnitas. Mas esse sistema de equaes s pode ser resolvido quando se aceita a hiptese de indeterminao e se recorre ao artifcio matemtico de que a indeterminao pode ser levantada elegendo uma mercadoria como numerrio.

    No obstante, enquanto esse bem escolhido para servir como moeda atue no s como meio de troca, mas tambm como unidade de conta, o valor total da quantidade demandada dos n 1 bens e servios ser igual ao valor total dos n 1 bens e servios ofertados somente se a demanda de moeda for igual oferta de moeda. O equilbrio monetrio dado por:

    (5)

    + ++ =p Z p p p p Z p p p p Z p p p( , , , ) ( , , , ) ( , , , ) 0n n n n n1 1 1 2 2 2 1 2 1 2

    == =

    p D p Si ii

    n

    i ii

    n

    1

    1

    1

    1

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    Se e somente se =D Sn n . Essa igualdade segue do fato de que a demanda total por dinheiro igual ao valor total de todos os bens e servios ofertados em troca de dinheiro, tal que: = + + + =

    =

    D p S p S p S p S........n n n i ii

    n

    1 1 2 2 1 11

    .

    E a oferta total de dinheiro igual ao valor total de todos os bens e servios demandados em troca de dinheiro. Assim, durante um perodo de tempo es-pecificado, toda a diferena em valor entre a demanda e a oferta de bens e servios deve revelar-se em um fluxo de demanda por dinheiro excedente em termos positivo >D S( )n n ou negativo

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    possvel. Don Patinkin (1965) foi um dos economistas da poca que argu-mentaram que a teoria clssica, tentando incluir as duas, cometeu um erro de lgica. Segundo Patinkin (1965), a Lei de Say depende da hiptese de que produtos so produzidos para trocar por produtos, isto , que a oferta e a procura de cada mercadoria real dependem apenas dos preos relativos o que cada produto comprar de cada outro produto.

    Em linguagem matemtica, essa proposio pode ser expressa assim: as equaes de oferta e demanda dos bens e servios so homogneas de grau zero em preos absolutos. Isso significa que todos os preos absolutos po-dem ser multiplicados ou divididos por qualquer constante, sem alterar o comportamento dos vendedores ou compradores em relao produo ou ao consumo de qualquer mercadoria real. Ocorre que, se os produtos devem ser trocados por moeda, a funo oferta de cada produto uma fun-o demanda de moeda, e uma funo demanda por cada produto uma funo de oferta de moeda.

    Nessas condies, entretanto, se for vlida a Lei de Say, as funes de oferta e demanda para cada mercadoria devero ser independentes dos preos absolutos, dependendo apenas dos preos relativos. A TQM, entre-tanto, parece sugerir uma segunda funo de demanda por moeda, que faz com que a procura monetria dependa no dos preos relativos, mas dos preos absolutos, o que torna as duas teorias inconsistentes. Patinkin (1965), para provar a sua tese da inconsistncia das duas teorias, desenvol-ve a ideia da dicotomia do sistema de preos da economia de mercado no sentido de que os preos relativos so determinados nos mercados de bens e servios e os preos absolutos so determinados no mercado monet-rio, o que implica que o saldo de moeda nas mos do pblico deve per-manecer constante, independentemente dos preos. claro que a procura monetria, decorrente da procura e da oferta por bens individuais na Lei de Say, uma varivel fluxo, enquanto a procura monetria na TQM uma varivel estoque, e a j existe uma dificuldade de compatibilizao.

    No obstante, na sua crtica, Patinkin (1965) deixa de distinguir as duas funes da moeda, como unidade contbil e meio de troca. Se a moeda fosse apenas uma unidade contbil e no tivesse de circular como meio de troca nas transaes, argumentam os neoclssicos, ento a quantidade de moeda no faria muita diferena, porque a velocidade de circulao da mo-eda poderia compensar a necessidade do aumento da quantidade de moeda demandada. Os neoclssicos defensores da Lei de Say e da TQM como o seu corolrio se defendem dizendo que

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    [...] reconhecer que a moeda deve circular e, assim, (dados os fatores estrutu-

    rais e institucionais que limitam sua velocidade) reconhecer que sua quanti-

    dade relacionada ao nvel de preos, no consiste em violar a hiptese de

    que a moeda no seja desejada por si mesma (ACKLEY, 1978, p. 125).

    Em sntese, a Lei de Say seria consistente com a TQM, em qualquer nvel de preos absolutos, desde que todo agente econmico tenha um ativo mnimo igual a zero. Assim, em lugar de inconsistentes e invlidas, como supem os crticos, ambas as teorias seriam consistentes, vlidas e complementares. Dessa forma, se os indivduos tm uma demanda nomi-nal por dinheiro porque os fluxos de pagamentos e recebimentos no po-dem ser sincronizados perfeitamente por isso retm dinheiro pelo moti-vo transaes ou em virtude da incerteza em relao ao futuro por isso mantm dinheiro pelos motivos de precauo e de especulao , ento a demanda por dinheiro variar a cada mudana no valor do di-nheiro ou do nvel geral dos preos. Tem-se assim uma demanda de sal-dos reais.

    Pela teoria da flexibilidade dos preos e dos juros, uma crise de su-perproduo geral no pode ser permanente porque logo a oferta cria sua prpria procura tanto em nvel microeconmico quanto macroeco-nmico, por meio das variaes automticas dos preos e das taxas de juros. Essa proposio tem sido chamada de igualdade de Say porque afirma que uma oferta excedente de bens e servios ou uma demanda excedente de dinheiro tende a corrigir-se por si s. Se a demanda insu-ficiente para que todos os bens e servios sejam vendidos a preos tais que cubram os custos de produo, inclusive a taxa de lucro vigente, ento os preos devem baixar. Como efeito da queda dos preos, haveria um aumento do poder de compra dos saldos monetrios nominais, e isso elevaria os saldos monetrios reais e haveria uma demanda excedente de dinheiro. No esforo para reduzir o nvel dos saldos monetrios indivi-duais, a demanda por bens e servios aumentaria at que fosse eliminado todo o seu excesso.

    Portanto, uma demanda por dinheiro excedente igual a zero uma condio de equilbrio, porque os preos e a taxa de juros iro reagir bai-xando, embora haja um excesso de demanda por dinheiro. Esse mesmo argumento dos neoclssicos, a exemplo de Pigou, aplicado quando h um aumento dos preos devido a um excedente positivo da demanda

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    por bens e servios. Assim, a oferta cria a sua prpria procura no apesar do comportamento dos preos, mas sim por causa de tal comportamen-to. Por esse argumento, os preos absolutos seriam determinados pelas mesmas foras que determinam os preos relativos: para cada conjunto de preos relativos, h um nvel absoluto e nico de preos no qual o mercado monetrio est em equilbrio.

    Em uma economia mercantil simples na qual os bens e servios so produzidos, consumidos e investidos, e na qual o trigo ou qualquer ou-tra mercadoria livremente produzida serve como moeda-mercadoria usada como meio de troca, mas sem nenhum controle do governo , a Lei de Say aplicvel porque toda a renda gerada conduz procura por bens e servios de mesma magnitude. Porm, desde que haja em circula-o uma moeda em que os indivduos queiram reter em uma economia monetria real, porque serve como meio de pagamento, reserva de valor e unidade de conta, a formulao da Lei de Say no tem mais como ex-plicar a impossibilidade de uma crise de superproduo geral.

    3A CRTICA DE KARL MARX A DAVID RICARDO SOBRE A CRISE DE SUPERPRODUO GERAL

    preciso fazer justia a Marx (1980) no s pela poderosa crtica que faz a Lei de Say nos termos de Ricardo (1983), em algumas passagens dos Princ-pios, mas tambm por ter formulado, em seus termos, uma explicao das crises gerais no capitalismo industrial e as suas consequncias sobre a destrui-o do capital real (em virtude da ociosidade do capital fixo e circulante) e na destruio do capital financeiro (depreciao de valores). Marx (1980, p. 932-935), ao contrrio de Keynes, foi um admirador do pensamento lgico de Ricardo e, talvez por isso, ressalva:

    Ricardo, quando tem conhecimento real, sempre coerente. Assim, para

    ele, a proposio de ser impossvel superproduo permanente (de merca-

    dorias) idntica proposio de ser impossvel a pletora ou superabun-

    dncia de capital.

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    Para Ricardo (1983, p. 91-97), curioso que a enunciao da Lei dos mercados de Say aparea pela primeira vez nos Princpios no s como uma premissa bsica da sua teoria da distribuio da renda, mas tambm para ex-por a sua teoria de que a crescente dificuldade da obteno de alimentos no meio rural para um nmero crescente de trabalhadores no ambiente urbano seria a principal causa de uma reduo do lucro que opera permanentemente. Ricardo (1983, p. 97) afirma:

    A tendncia natural dos lucros, portanto, diminuir, pois, com o desenvolvi-

    mento da sociedade e da riqueza, a quantidade adicional de alimentos reque-

    rida se obtm com sacrifcio de mais e mais trabalho. Essa tendncia, como se

    os lucros obedecessem lei da gravidade, felizmente contida, a intervalos

    que se repetem, pelos aperfeioamentos das maquinarias usadas na produo

    de gneros de primeira necessidade, assim como pelas descobertas da cincia

    da agricultura, que nos permitem rescindir de uma parcela do trabalho antes

    necessrio, e, portanto, reduzir para o trabalhador o preo daqueles bens.

    Ricardo (1983, p. 197) procura compatibilizar a sua teoria da tendncia geral da queda da taxa de lucro com a Lei de Say. Ele tambm observa que Adam Smith atribui constantemente a diminuio dos lucros acumulao de capital e concorrncia dela resultante, sem jamais atentar para a crescente dificulda-de de obteno de alimentos para o nmero adicional de trabalhadores empre-gados pelo capital.

    Marx (1980, p. 929) j tinha observado que esse ponto de vista de Ricardo to-mado emprestado de Say de ser impossvel a superproduo de mercadorias ou pelo menos pletora geral do mercado, com base na proposio de que se trocam produtos por produtos levou ao fato de o axioma da procura ser determinado apenas pela produo ou de ser idntica oferta. Essa mesma ideia, contra Adam Smith, transparece na afirmao de Ricardo de ser possvel em qualquer pas o emprego produtivo de qualquer montante de capital. No plano terico, observa Marx (1980, p. 902), David Ricardo sem dvida tem razo ao sustentar contra Smith que a acumulao dos capitais no altera a determinao do valor das mer-cadorias, mas Ricardo comete um grave erro quando procura contestar Adam Smi-th, sustentando ser impossvel superproduo em um pas. Ricardo nega a pletora de capital, que depois dele se tornou axioma permanente da economia inglesa.

    Marx (1980, p. 903) faz duas observaes sobre isso: 1. Ricardo no repara que, em uma formao social capitalista na qual, em razo da concorrncia, se enfren-

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    tam capitalistas, trabalhadores, proprietrios de terras, banqueiros, rentistas do Es-tado e outros mais, e no apenas capitalistas e trabalhadores, a queda dos preos das mercadorias que prejudica tanto os capitalistas industriais quanto os trabalha-dores beneficia as demais classes; 2. Ricardo no nota que a produo capitalista no opera em uma escala arbitrria, mas sim quanto maior for a produo de mercado-rias, mais ela ser forada a produzir em uma escala crescente que nada tem a ver com a procura imediata e que depende da produo constante do mercado mundial.

    No tomando a macroeconomia inglesa em uma perspectiva aberta, Ricar-do recorre ao absurdo postulado de Say, como se o capitalista no produzisse diretamente para o lucro, para a mais-valia, mas sim para o consumo, o valor de uso para o seu prprio consumo. Ricardo no se d conta de que a mer-cadoria tem de se converter em dinheiro para que o capitalista possa reiniciar o processo de acumulao de capital em escala ampliada. Para isso, s a pro-cura dos trabalhadores por bens de consumo no basta, tampouco a procura por bens de investimento dos capitalistas entre si.

    Na verdade, Marx (1980, p. 904) lembra que a superproduo provm justamente da massa do povo nunca poder consumir mais que a quantidade mdia dos bens vitalmente necessrios, no crescendo, portanto seu consumo em correspondncia com a produtividade do trabalho. Alm disso, a super-produo de mercadorias no gera baixa permanente do lucro, mas permane-ce como ocorrncia peridica, j que considerava um avano a transio do uso da expresso superproduo de mercadorias pela expresso pletora (supe-rabundncia) de capital, uma vez que os produtores se confrontam no como meros produtores de mercadorias, mas sim como capitalistas.

    A afirmativa de Ricardo da impossibilidade de uma crise de superprodu-o de mercadorias, sustentada apenas no axioma de Say, confirma o des-conhecimento dos fatos sobre as crises gerais no capitalismo. Marx (1980, p.933) demonstra, no Livro 4 de O capital, que Ricardo, a bem dizer, nada conhecia de crises, de crises gerais do mercado mundial oriundas do prprio processo de produo, pois se soubesse no insistiria na ideia absurda da impossibilidade de uma crise de superproduo de bens e servios no sistema capitalista.

    Em sua crtica a Ricardo, Marx observa que nenhum capitalista produz para consumir o seu prprio produto, mesmo quando emprega partes dele no consumo industrial. A afirmao de Ricardo de que nenhum produtor capita-lista continuar produzindo uma mercadoria para a qual no exista demanda to bvia que ningum discute, com observa Marx (1980, p. 939), essa hi-ptese to banal. Ricardo esqueceu que o objetivo da produo capitalista

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    no apossar-se de outros bens, e sim apropriar-se de valor, de dinheiro, de riqueza abstrata (MARX, 1980, p. 939).

    No capitalismo industrial, o produto mercadoria, e a produo capitalis-ta s ocorre com o propsito de obteno de lucro. Em outra passagem, Ricar-do (1982, p. 182) volta a expressar a Lei de Say:

    Os produtos sempre so comprados com outros produtos ou com servios.

    O dinheiro apenas o meio pelo qual se efetua a troca. Determinada merca-

    doria pode ser produzida em excesso e pode haver tal superabundncia de-

    la no mercado que no chegue a remunerar o capital nela aplicado. Mas isso

    no pode ocorrer com todas as mercadorias.

    Marx (1980, p. 936-938) vai alm quando observa que Ricardo esquece at que algum pode vender para pagar, e que essas vendas foradas desempenham nas crises gerais papel de importncia considervel. Ao contrrio de um produ-tor campons, um produtor capitalista que produz mercadorias no tem opo de querer ou no vender, simplesmente tem de vender, caso contrrio ele desa-parece como produtor de mercadorias para o mercado. Nas crises capitalistas, entra a circunstncia de o produtor capitalista no poder vender sua produo ou parte dela quando h insuficincia de demanda efetiva ou de ter de vender a um preo de mercado abaixo do custo de produo ou mesmo com prejuzo.

    Foi um expediente infeliz de Ricardo afirmar que s mercadorias isoladas e no todas as mercadorias podem apresentar superproduo no mercado. Nada impede que todas as mercadorias sejam abundantes e todas sejam cotadas abai-xo do respectivo preo de mercado. Na verdade, isso implica a razo da crise, isto , da possibilidade de haver abundncia de mercadorias com exceo do dinheiro. Para Marx (1980, p. 940):

    Existir, para a mercadoria, a necessidade de se metamoforsear em dinheiro sig-

    nifica apenas a existncia dessa necessidade para todas as mercadorias. E a difi-

    culdades de passar por essa metamorfose, se existe para uma mercadoria isola-

    da, pode existir para todas. A natureza geral da metamoforse das mercadorias,

    a qual abrange tanto a dissociao quanto a unidade de compra e venda, em vez

    de excluir, ao contrrio, encerra a possibilidade de uma oferta excessiva geral.

    Eis a uma explicao de Marx sobre a possibilidade de uma crise geral de super-produo de mercadorias por insuficincia de demanda efetiva. Marx (1980, p. 940)

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    observa que no s na relao individual entre comprador (possuidor do dinheiro) e vendedor (possuidor da mercadoria) est presente essa dificuldade da transfigu-rao, como tambm na relao entre oferta e demanda do mercado, a qual deve ser tratada no mbito da concorrncia entre os capitais plurais. Entendida dessa maneira mais ampla, a relao entre oferta e demanda global abrange a relao entre produo e consumo. Assim teria de ser sustentada se a unidade desses dois fatores, subsistente em si e precisamente na crise impondo-se fora contra a dissociao e a oposio que tambm existem entre produtores e consumidores e que ainda uma caracterstica da civilizao burguesa.

    Portanto, o poder de compra universal da moeda em mos dos compradores se impe como valor de troca sobre o limitado poder de venda das mercadorias em mos dos vendedores que tudo fazem para realizar o valor de uso de suas mercadorias em troca de dinheiro. O dinheiro tanto na forma geral diferente da forma particular da mercadoria quanto na forma de meio de pagamento encerra a possibilidade de crises; e o capital em geral e as formas que assumem os capi-tais plurais na concorrncia evidenciam mais ainda a possibilidade de crises gerais. Quando se fala em destruio de capital por crises, h que se distinguir a destruio real pelo no uso do capital constante e, portanto, do capital varivel correspondente da destruio do capital dinheiro pela depreciao do seu valor.

    Em uma primeira forma, a crise a metamorfose na prpria mercadoria, a qual para ocorrer precisa que a mercadoria seja vendida para assumir a forma dinheiro. A dificuldade de transformar a mercadoria em dinheiro, de vender, provm apenas do fato de a mercadoria ter de se transformar em dinheiro, sem que o dinheiro precise, de pronto, se converter em mercadoria, e de que compra e venda poderem ser dissociadas. Essa primeira forma abrange a possibilidade de crise. Na segunda forma, a crise uma funo do dinheiro como meio de pagamento, e a o capital j se revela fundamento muito mais real para a efetiva-o da possibilidade da crise.

    Nessa perspectiva, a possibilidade das crises gerais se estabelece no prprio processo de metamorfose do capital e de dois modos: no tocante ao dinheiro na funo de meio de circulao, compra e venda podem ser dissociadas; no tocan-te ao dinheiro como meio de pagamento, o dinheiro figura em duas fases dife-rentes na compra de meios de produo e fora de trabalho para produo de mercadorias e na compra das prprias mercadorias produzidas e em dois papis distintos: o de medida de valor e de realizao do valor. Esses dois papis do dinheiro podem romper a conjugao que os liga. H ainda a possibilidade da funo de reserva de valor do dinheiro de faz-lo migrar da forma de capital produtivo forma de capital fictcio, criando assim as condies objetivas para

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    a especulao dos rentistas no mercado de ttulos e aes, que pode acabar em uma crise financeira.

    Essas so as possibilidades formais da crise em decorrncia da insuficincia da demanda efetiva. A primeira crise possvel sem a ltima isto , crises so possveis sem crdito, sem o dinheiro funcionar como meio de pagamento. Mas a segunda crise no possvel sem a primeira, isto , sem compra e venda se dissociarem. Essa crise decorre da impossibilidade de se vender a mercadoria e da no realizao de toda uma cadeia de pagamentos que se sustenta na venda dessa mercadoria em um prazo determinado.

    Todo o argumento de Ricardo contra a superproduo geral consiste simples-mente em considerar a economia capitalista como se fosse uma hipottica eco-nomia cooperativa (escambo) em que no existe diferena entre os atos de com-pra e venda pois a troca direta apenas produto por produto ou em uma tambm hipottica economia mercantil simples na qual as mercadorias j so mediadas pela moeda, porm na neutra funo de meio de troca ou ainda como uma economia socialista, na qual h um Estado planejado, que distribui, de acordo com um plano, os meios de produo e as foras produtivas no nvel e na medida do requerido para satisfazer suas diferentes necessidades, e assim se desloca para cada ramo de produo a cota exigida do capital social para satisfa-zer a necessidade a que ele corresponde.

    Enfim, percebe-se que Ricardo e os economistas neoclssicos sucessores dos clssicos, para demonstrarem a validade da Lei de Say de que a produo capi-talista no pode conduzir a crises gerais, negaram todas as condies e formas distintas de outros modos de produo, todos os princpios e especificidades da produo capitalista, quando comparadas com a produo cooperativa (escam-bo) e mesmo com a produo mercantil simples, em suma, negaram a prpria produo capitalista apenas para demonstrar que, se o modo de produo espe-cificamente capitalista pudesse ser reduzido a algum modo de produo anterior de uma economia cooperativa ou de uma economia mercantil simples no existiram conflitos e contradies que caracterizam o dominante modo de pro-duo social especificamente capitalista e nem, portanto, a ecloso de suas crises gerais e parciais, com a manifestao de desemprego e de inflao.

    Por certo que a crtica de Marx, quando se ope incisivamente contra o pos-tulado de Say adotado por Ricardo, no foi s demonstrar teoricamente a possi-bilidade de crises gerais no capitalismo por insuficincia de demanda efetiva, mas tambm os seus argumentos lgicos e os fatos histricos, que relata das grandes crises mundiais, os quais servem para mostrar a importncia da moeda (em suas funes de unidade de conta, meio de troca, meio de pagamento, reserva de

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    valor e moeda universal) e do capital dinheiro, na efetivao das crises gerais no capitalismo industrial. Logo, preciso reconhecer que Marx no s refutou a Lei de Say com argumentos lgicos em seus prprios termos, mas tambm demons-trou a possibilidade de uma crise geral de demanda efetiva e a validade desta em uma economia capitalista.

    *3.1 A crtica de Keynes Lei de SayOs economistas (neo)clssicos, desde os tempos de Jean-Baptiste Say e de

    David Ricardo at os de Milton Friedman e de Robert Lucas, sempre tiveram a Lei dos Mercados Say como o alicerce de sustentao de sua construo terica. Keynes (1982) comea a sua crtica Lei de Say citando John Stuart Mill, que considerado por alguns como o elo entre os economistas clssicos e os neoclssi-cos. Mill (1983) argumenta que, quando aqueles economistas, defensores da funo agregada da demanda, afirmam que a oferta de mercadorias supera a procura, no fica claro a qual dos dois elementos da procura se referem: o desejo de possuir (demanda potencial) ou os recursos para comprar (demanda efetiva).

    Para Mill (1983, p. 105), impossvel haver oferta excessiva de todas as mer-cadorias (superproduo geral), alm da procura, na medida em que as merca-dorias so meios de pagamentos. Mas ele admite a possibilidade de uma super-produo parcial. Dessa doutrina dos clssicos derivou o corolrio de que qualquer ato individual de absteno de consumir (poupana) necessariamente leva e equi-vale a um investimento na produo de riqueza sob a forma de capital, pois o dinheiro no teria outra funo a no ser a de facilitar as trocas. Logo, a doutrina de Mill, Say e Ricardo est hoje incorporada aos modelos macroeconmicos con-temporneos de uma forma no mais to rudimentar, como antecipou Keynes.

    Keynes valoriza e resgata Malthus, considerado por Karl Marx um economis-ta vulgar, como o principal opositor da doutrina de Ricardo de que era impos-svel haver uma insuficincia de demanda efetiva. Mas ele reconhece que Malthus no conseguiu explicar com clareza, a no ser por referncias a fatos observados na prtica, como e por que a demanda efetiva poderia ser deficiente ou excessiva.

    *3.2 A crtica de Keynes aos axiomas da economia clssicaKeynes repudia a Lei de Say respaldada por Ricardo e aceita por Marshall,

    Edgeworth e Pigou sem questionamentos de que a funo da oferta agregada era que importava, e que a funo da demanda agregada poderia ser deixada

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    de lado. A principal diferena entre a anlise da Lei de Say dos clssicos e a anlise do Princpio da Demanda Efetiva da Teoria Geral de Keynes pode ser geometricamente mostrada pela forma e posio da funo da demanda agre-gada vis--vis funo da oferta agregada.

    A Lei de Say especifica que o gasto total (demanda agregada) desembolsa-do na aquisio das mercadorias na economia como um todo sempre exata-mente igual ao custo total do produto agregado, incluindo as rendas e os lu-cros brutos (oferta agregada). Isso implica dizer que a curva da demanda agregada deve ser coincidente com a curva da oferta agregada como esboada no Grfico 1. Nota-se que a curva da demanda agregada meramente super-posta sobre a curva da oferta agregada, ou seja, isso significa dizer que todos os bens e servios ofertados so demandados.

    Se um produtor qualquer espera uma receita das vendas dos seus produ-tos, $z, ento ele ir empregar n trabalhadores. No dia do mercado, o pro-dutor espera que os compradores dos seus produtos gastem exatamente $d (= $z). As expectativas dos empresrios sero exatamente encontradas. Alter-nativamente, se esse produtor espera uma receita das vendas de seus produ-tos, $z ( = $d), ento empregar n trabalhadores. Novamente, segundo a Lei de Say, as vendas e compras esperadas sero iguais.

    Grfico 1

    Oferta e demanda agregadas na economia clssica da Lei de Say

    Z = receitas esperadas das vendas das mercadorias; D = gastos planejados; N = emprego

    efetivo.

    Fonte: Elaborado pelos autores.

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    No regime da Lei de Say, a demanda efetiva, em vez de ter um nico valor de equilbrio, tem um infinito nmero de valores, todos igualmente admissveis; e a quantidade de emprego indeterminado, exceto e na me-dida em que o nvel do pleno emprego nk fixa um limite superior, observa Davidson (1994, p. 23). Nesse mundo clssico, regido pela Lei de Say, no h nenhum obstculo endgeno ao sistema de livre concorrncia que pos-sa impedir que uma economia de mercado alcance o pleno emprego pelo menos enquanto todos os empresrios estiverem dispostos a empregar to-dos os trabalhadores que queiram trabalhar.

    Para atingir a fortificada cidadela do mundo clssico, apoiada no postu-lado de Say, Keynes teve de fazer um grande esforo intelectual de no s fugir desse mundo irreal, como tambm teve de criar uma nova taxono-mia, e com ela o Princpio da Demanda Efetiva, para atacar a Lei de Say. De fato, a crtica feita por Keynes a Ricardo e seus seguidores pela defesa da Lei de Say abalou os alicerces da completa dominao do paradigma ricar-diano.

    Contudo, no correto dizer que, se Ricardo no tivesse defendido a Lei de Say, a cincia econmica teria resolvido o enigma da demanda efeti-va com a emergncia dos neoclssicos. Os que assim pensam esto sendo muito severos com um economista clssico importante que legou outras grandes contribuies para a cincia econmica, e que recentemente sua busca por uma medida invarivel de valor, considerada uma loucura por alguns, foi resgatada por Pierro Srafa no seu livro Produo de mercadorias por meio de mercadorias, segundo Blaug (1985, p. 184-191). Ademais, Key-nes (1982, p. 43), de certo modo, no fez crticas severas aos seus profes-sores Marshall, Edgeworth e Pigou que lhe passaram os mesmo ensina-mentos da economia ricardiana sem questionarem a Lei de Say , apenas observa que quanto ao grande enigma da demanda efetiva no h qual-quer meno, uma vez sequer, em toda a obra de Marshall, Edgeworth e Pigou que deram teoria clssica a sua forma mais definitiva.

    Por isso, e talvez por razes ideolgicas, Keynes escolhe Malthus como o principal pioneiro que formulou um ataque ao Princpio da Oferta Agregada de Say. Malthus se ope frontalmente teoria de Ricardo sus-tentada na Lei de Say de que o crescimento econmico de um pas de-penderia somente do aumento da capacidade produtiva, e que seria im-possvel em uma economia de mercado haver uma superproduo geral, com base no pressuposto de que tudo que fosse produzido em um pas seria vendido. Malthus (1983, p. 221) afirma:

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    Vimos que apenas a capacidade produtiva, qualquer que seja sua grandeza,

    no suficiente para assegurar a criao de uma quantidade correspondente

    de riqueza. Parece que algo mais necessrio para levar essa capacidade

    sua plena utilizao; e esse algo mais tal distribuio da produo s neces-

    sidades de seus consumidores de forma a aumentar constantemente. Em casos

    individuais, a capacidade de produzir certas mercadorias utilizada na propor-

    o da demanda efetiva; e o maior estmulo sua produo um alto preo

    de mercado ou um aumento no seu valor de troca de todas elas em conjunto,

    anterior ao emprego de mais trabalho e de mais capital em sua produo.

    No cabe aqui repassar a total discordncia de Ricardo, contida nas cartas que trocou com Malthus sobre a tese de que o crescimento contnuo da riqueza s poderia ser mantido com o aumento permanente da demanda de mercadorias.

    De qualquer maneira, por no ter explicado com a devida clareza a impossibili-dade de uma crise de superproduo geral, Malthus, no embate mantido com Ricardo, no forneceu uma estrutura terica consistente contra a tese que atacava.

    O enigma da demanda efetiva foi posto no armazm do esquecimento. A iluso e a inconsequente crena de economistas e estadistas de que a economia capitalista, denominada por Keynes de economia monetria da produo, funcio-na de acordo com os postulados clssicos vale dizer no pleno emprego foram responsveis pela demora da aplicao de uma poltica econmica de combate ao desemprego causado pela grande depresso dos anos 1930. Pode muito bem ser que a teoria clssica represente o caminho que a nossa economia, segundo o nosso desejo, deveria seguir, mas supor que, na realidade, ela assim se comporta pre-sumir que todas as dificuldades estejam removidas, atenta Keynes (1982, p. 44).

    4CONCLUSO

    Quando a Lei de Say afirma que a oferta cria a sua prpria demanda, est em jogo no o fato de que toda a venda corresponde a uma compra, mas o sentido da causalidade para que o ato mercantil ocorra. Nesse sentido, pode-se dizer que, em uma economia de escambo ou mesmo em uma economia mer-cantil simples, na qual a moeda tem apenas a funo de meio de troca, a Lei de Say poderia at servir para explicar que a oferta cria sua demanda, mas no em

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    uma economia monetria da produo. Portanto, o sentido da causalidade de quem determina o ato mercantil s pode ser desvendado em uma economia mercantil-monetria, na qual possvel identificar os dois principais agentes mercantis: o comprador e vendedor.

    H dois modelos de economia mercantil-monetria: a economia mercantil simples (M-D-M) e a economia capitalista (D-M-D). A justificativa quanto opo para conceituar o princpio da demanda efetiva em um contexto de uma economia mercantil-monetria simples, no sentido de em geral por incluir os dois modelos, tal como em Marx, porque se deseja pontuar apenas as carac-tersticas gerais mercantis sem recorrer s caractersticas especificamente capi-talistas, tais como suas relaes sociais de produo, as classes sociais e o pr-prio capital.

    De qualquer maneira, o importante a registrar que a produo privada de mercadorias para o mercado e o dinheiro, em suas funes mercantis, sufi-ciente para a formulao do princpio da demanda efetiva. De fato, para o es-tabelecimento do princpio da demanda efetiva, no necessrio que o dinhei-ro assuma a forma de capital e nem que se passe da forma de uma economia mercantil simples, M-D-M, para uma economia capitalista, D-M-D`. Para tanto, basta somente a presena do dinheiro com todas as suas funes sociais uni-dade de conta, meio de troca, meio de pagamento e reserva de valor para que o princpio da demanda efetiva seja demonstrado e a Lei de Say seja refutada.

    Fica claro que a crtica contundente feita Lei de Say por John Maynard Keynes foi dirigida com muito mais veemncia a David Ricardo do que a Jean--Baptiste Say. O forte ataque desferido por Keynes a Ricardo deve-se ao fato de Ricardo, como o mais prestigiado economista clssico da sua gerao, ter cedi-do o seu prestgio para validar e incorporar o axioma da Lei dos Mercados de Say na economia poltica clssica que serviu de base construo da economia neoclssica inglesa dos seus mestres, Marshall, Edgeworth e Pigou.

    Apesar da definitiva crtica de Keynes Lei de Say, importante ressaltar que a oposio contra esse axioma comeou bem antes do ataque fulminante desferido por Keynes, na Teoria Geral, e contou com uma legio de economis-tas herticos com grande destaque para Mandeville, Malthus, Hobson e Marx que, segundo Keynes (1982), preferiram aceitar a verdade de forma obscu-ra e imperfeita do que sustentar um erro, baseado, sem dvida, em uma lgica simples, clara e consistente, mas alicerada.

    Porm, desses economistas heterodoxos, as honras so mais atribudas por Keynes a Malthus e Hobson. Keynes pouco valorizou a contundente crtica que

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    Karl Marx desfere contra Ricardo e a Lei de Say que sustentou chamada por Keynes de o axioma das paralelas da economia clssica na verdade, origi-nalmente formulada por James Stuart Mill, posteriormente reproduzida por Jean -Baptiste Say e tomada emprestada deste por Ricardo.

    THE CRITICS OF KARL MARX AND JOHN MAYNARD KEYNESS THEORY (NEO)CLASSICAL

    Abstract Says Law is nothing more than a principle or axiom that today serves as a

    basis to support the theoretical framework of neoclassical economics. The criti-cism against this principle in Keyness General Theory was so overwhelming that eventually causing a division in economics: classical economics (sustained by the principle Say) and saving Keynes (underpinned by the principle of effective de-mand). In this context, this paper discusses the original formulation of Says Law, as the basic principle of sustaining the economy of the classical and neoclassical, and its connection with the formulation of the Law of Walras, as well as present-ing the criticism that John M. Keynes and Karl Marx did to this axiom.

    Keywords: Says Law; Classical economics; John Maynard Keynes and Karl Marx.

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