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Caso de estudo. O paciente antiético. Abordagem procedimental.
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BIOÉTICA CLÍNICA – REFLEXÕES E DISCUSSÕES SOBRE CASOS SELECIONADOS
Resumo do casoPaciente internado em hospital público tem por “hábito” roubarpeças do banheiro instalado na enfermaria, além de objetos dei-
xados pela enfermagem. Ainda que não seja o momento adequado, deve-se dar alta, pensando na preservação do patrimônio?
Exposição dos detalhesHomem de 50 anos internado em enfermaria de hospital públi-co há vários meses (por conta de doença infecciosa indefinida
que exige tratamento com antibiótico intravenoso), apresenta particulari-dade em relação aos demais doentes: o costume de roubar peças do ba-nheiro, como torneira e registro, e/ou qualquer material deixado momen-taneamente pela enfermagem, como gaze e seringas.
Ao se darem conta do problema, funcionárias da ala informam-no aomédico assistente, que pede intervenção dos colegas psiquiatras que,depois dos exames necessários, não identificam qualquer sinal de senili-dade precoce ou doença mental no paciente.
Preocupado com o bem-estar dos outros internados, que passam areclamar das atitudes do “companheiro de quarto”, o médico decide con-versar com o mesmo – e, posteriormente, com sua família –, solicitandoque não se aproprie mais dos objetos, para não prejudicar a rotina dohospital. O pedido é reiterado várias vezes, com a ajuda de assistentesocial da instituição, sem, contudo, ser atendido.
CASO 21
Paciente Antiético
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Pressionado pela direção técnica do hospital, médico fica em dúvi-da, mas aceita dar alta ao paciente, considerando que sua decisão “visaao bem comum”.
Com base neste caso, pergunta-se: é lícito dar alta por motivos admi-nistrativos? Pode-se dar alta perante o argumento de que se o homem formantido internado, os outros pacientes poderão alegar contratempos maisou menos sérios?
Eixo CentralInterrupção precoce de tratamentoPerguntas-base: Em determinadas situações especiais, é lícito libe-rar paciente por motivos alheios à sua doença? Em caso de roubo,o médico deve avisar à polícia?
Argumentos■ O Código de Ética Médica, no Art. 1º de seus princípios fun-damentais, determina que “A Medicina é uma profissão a servi-
ço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida semdiscriminação de qualquer natureza”. O Art. 47 proíbe ao profissional“discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”.
■ Porém, o Art. 23, estabelece como direito do médico “recusar-se aexercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condi-ções de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente”. (nocaso, os outros internados).
■ O Art. 7º estabelece: o médico deve exercer a profissão com am-pla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quemele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de urgên-cia, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente
■ No Parecer Consulta 3.479/98 do Cremesp que questiona “dequem é a responsabilidade pela liberação de pacientes sem atendimen-to”? o relator explica que a responsabilidade médica de tais dispensasfica por conta do responsável técnico pelo serviço, visto que respondesolidariamente pelos atos de seus subordinados.
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■ A Lei 10.241/99 (Lei Covas), em seu Art. 4°, garante ao doente“ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais, através da manu-tenção do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceirosou a saúde pública”.
Eixos Secundários● Relação médico–paciente e médico–familiares● Alta a pedido
● Quebra de sigilo
Situações que poderão ser levantadas◆ O médico é obrigado a atender paciente que não deseja?◆ Como resolver questões em que o médico sofre coação de
ordem administrativa, de forma a limitar sua liberdade no atendimento?
Comissão de Ética MédicaEm caso de coação por parte da administração como este em voga, um
recurso para a resolução de um conflito ético é apelar à Comissão de
Ética (ou de Bioética) do Hospital. Ou seja, é inadequado que o médico
tente resolver sozinho, questões delicadas como as deste tipo.
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DiscussãoPor Airton GomesOs Arts. 1º e 2º do Código de Ética Médica explicitam que “a
Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coleti-vidade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza” eque “o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, embenefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de suacapacidade profissional”.
A partir do Código, apreende-se que o médico não deverá iniciar ouinterromper procedimentos atendendo eventuais pressões exercidas pelaadministração do hospital, ou por conta de problemas que não sejamestritamente de ordem médica, mas capazes de ocasionar possíveis re-percussões no tratamento do paciente.
Portanto, a alta não deve, em hipótese nenhuma, ser motivada porfurto ou outras ocorrências que, apesar de desastrosas, não correspondemà natureza médica. A alta é norteada apenas e tão somente por motivosde ordem médica e em benefício do paciente.
O profissional tem a autonomia para indicar a melhor conduta que enten-der que for a adequada para o tratamento, zelando e trabalhando pelo perfeitodesempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão.
Não é esperado que tente resolver sozinho questões relativas a situa-ções diversas das que envolvam o tratamento médico, podendo recorrer aoutros profissionais, e, em casos que se façam necessários, encaminhar adiscussão à Comissão de Ética Médica ou de Bioética da instituição.
Quando se sentir coagido a adotar condutas indesejadas – na situa-ção descrita, dar alta, mesmo que o paciente ainda não esteja são – ocolega tem o direito de denunciar o fato à Comissão de Ética Médica dohospital ou ao Cremesp, para as devidas apurações e providências. Ave-riguado exagero por parte da instituição, seus diretores clínicos e técni-cos – como médicos – estarão sujeitos às regulamentações que discipli-nam a sua atividade profissional.
Por sua vez, a direção do hospital pode denunciar às autoridadespoliciais o furto ocorrido dentro de seu hospital, para a apuração e
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Bibliografia
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São Paulo (Estado). Lei nº 10.241, de março de 1999 - Dispõe sobre direitos dosusuários de serviços de saúde. [on-line]. [Acessado em: 16 abril 2008].
responsabilização pelo ocorrido, bem como, requerer a reparação pelodano financeiro, causado ao serviço.
É evidente que o fato de um hospital disponibilizar o seu espaçofísico ao atendimento dos pacientes não implica que deverá arcar com ocusto de prejuízo intencionalmente causado ou por furtos que um deter-minado atendido lhe cause.
Sendo possível, cabe à direção acautelar-se para que tais fatos nãoocorram, sempre tomando o cuidado de salvaguardar o respeito ao sigiloe à boa prática médica.
Porém, insistimos: tais medidas são de caráter administrativo e nãopodem implicar em prejuízo para o paciente ou para o seu tratamento.