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P. A ntonino de C astellammart C apuchiho A Alma E ucharistica QUAL E A ALMA EUCHARISTICA COMO SE COHNESE A ALMA EUCHARISTICA COMO SE FORMA A ALMA EUCHARISTICA TRADUCÇÃO DE UMA FILHA DE MARIA Sociedade Editora São Francisco das Chagas, Limitada RUA MAJOR TACENDO, 155 CEARA — FORTALEZA 1929

CASTELLAMMART-A Alma Eucarística

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A Alma Eucarística. Qual é a alma eucarística. Como se conhese a alma eucarística. Como se forma a alma eucarística.Por el P. Antonino de Castellammart, Capuchino. Traducção de uma filha de María.Fortaleza - 1929

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P. A ntonino de Castellammart Capuchiho

A AlmaE ucharistica

QUAL E A ALMA EUCHARISTICACOMO SE COHNESE A ALMA EUCHARISTICACOMO SE FORMA A ALMA EUCHARISTICA

TRADUCÇÃO DE UMA FILHA DE MARIA

Sociedade Editora São Francisco das Chagas, Limitada RUA MAJOR TACENDO, 155 CEARA — FORTALEZA

1929

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Ex parte Ordinis nihil obstat quominus rcimprimatur.

Fr. Bernardinus a Fabaría

Min. Prov. lis.

Panormi die XX Octobris 1925

IMPRIMATUR

f Joseph Eps. Lagnmina — Vic. G. lis.

Protesto do Autor

l.m obediência aos decretos da s. m. de Urbano VIII declara-se exemplos referidos n'este livro só merecem fé pelas fontes de

tonim tirados, ficando tudo sujeito ao juizo da Santa Madre catholica, apostólica, romana.

Hca::n nccco

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O ’ MARIA, DOCE SEMHORA DO S. S. A l ( A l A// NU >. / / II Ê ESTE LIVRO QUL I M l 1 /»-1.V ALM AS E U C llA R t s I n l.s M lllIO

QUERIDAS POR l l l ACCEITA-O, A H L U { 0 \- 0 . R K O M .

M EN D A.O , Ó MAL I

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A o s Leik >\ '

Procurar para Jesus Sacramentado ou novos r.n:i\ò. -, mi novos palpi­tes, ou uma e outra cousa, ao m esm o tempo, tal c lim ntiu-o ilc-.lc llviinho.

Em epoca alguma se escreveu tanto sobre a l udiarisiia <-oino de meio século para cá. E, em nossos tempos, mestres abali .ado ., ou implicitamen­te, contando a vida de Jesus, ou explicitamente cm li alados i speeiaes, têm desenvolvido o suave thema de modo tão magnífico r lao completo a não recear competidores.

Não é, pois, obra de theologia ou de cultura eucliarislica esta minha.Longe disto! As aguias são raras, e muito difficil é segui-las. Pelo contra­rio, fácil é o officio da abelha, e facilimo imitá-la.

Ora, escrevendo o meu livro, parece-me cpic fi/ como a abelha—su- guei de outros livros, como de flor em flor. Em seguida, de vários ca­pítulos, fiz como favos de cêra, e nelles depositei ■ ■ mel eucharistico. Assim, de realmente meu, na presente obra, creio que só exisle o trabalho e umpouco de coração. Nada mais. Em suas paginas, as almas eucharisticasnão acharão mel novo, porém mel recolhido, pois de si mesmo é mel qual­quer pensamento eucharistico.

Instruindo e deleitando, me esforcei por ser coinpréhendido de todos, na humilde esperança de que meu pobre livro possa constituir, pelo m enos para as almas simples, como um pequeno manual de ascética eucharistica. O livro predilecto, pois, que me inspirou foi o livro do Senhor, a Biblia, cujas bei- lezas e doçtras são inexhauriveis.

Para me tornar mais util e mais agradavel, puz exem plos em todos os capítulos, exem plos tirados quase sempre da vida d os santos, sendo es­tes os m odelos mais perfeitos e mais seguros.

Também, de caso pensado e com frequência, confundo a alma dos santos com a alnn eucharistica, porque, pode haver alma mais eucharistica que a dos santos ?

E pode-se ser santo sem ser eucharistico?Dividi meu trabalho em três partes, ou, antes, em três pensamentos

geraes, como declara o titulo do frontespício.Na primeira, falarei da alma eucharistica em si mesma, nos seus re­

quisitos, nos seus gráos de perfeição, na sua vida quotidiana, na sua morte,

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v i ; i A ALMA EUCHARISTICA

it ir lir jr .ir .10 C eo ... F.’ a parte mais longa, porque é a principal e a mais in Icrrssnnlo.

Na segunda, indicarei as regras que fazem conhecer claramente uma alni.-i eiicli.iristica. E’ a parte mais breve, porque é a mais facil. r

Na terceira, finalmente, tratarei dos meios que, com o auxilio da gra­va ilivina, levam uma alma a se tornar eucliaristica. Parece-me que esta ter­rena parte é a mais fmetuosa, e, portanto, a mais util, a mais recommenda- vH aos leitores.

Desejo que meu humilde livrinho faça ás almas um pouco de bem ; desejo-o nrdentemente!

Compete ao Senhor abençoar estes meus desejos.Para isto colloco o meu livro aos pés do altar, pedindo a Jesus di-

gur-se acceital‘-o. Que suas foilias sirvam ao menos para acender o fogo dos tliuribulos materiaes... Disto tirarei vantagem de sobra!

■A presentando as outras e diçõ es

Para que um livio porr.a exercer com exito um apostolado, tem ne­cessidade <le certa apresentação.

Pois bem, a apresentação do meu livrinho foi feita pelos bons e que­ridos Padres da «Cirnltá Catholica», que, a 20 de A gosto de 1921, fizeram-lhe iiffeetuosa apreciação, mal foi elle posto á luz. Jnlgo util transcrevê-la aqui, ccrlo que por um lado revelará a intenção caridosa dos que a escreve­ram, e, por outro, redundará em gloria para Jesus Sacramentado, motivo por que foi cscripta.

■< - Não é este livro uma collecção de preces e de meditações sobre o S. S. Sacramento, como existem tantas; porém um ensinamento para rezar, para viver, para sentir e crescer no bem proprio e na operosidade em favor do proxinio, em união a Jesus Sacramentado, cuja vida eucharistica, feita de amor e de graça para o homem, deveria ser a alma da alma christã. O que seja, como se conheça, com o se forme a alma eucharistica—eis as três par­les do piedosíssimo volume, no qual, a cada pagina, o ardor seraphico do uiilor transborda em linguagem viva, ardente de amor a Jesus no seu sacra­mento, inflammando o leitor, envolvendo as considerações, os ensinamentos, os conselhos, os exem plos, os factos, as semelhanças, a historia dos santos c ilas almas piedosas, cm uma auréola de poesia e de cntbusiasmo eucha- ristico. Nem o arroubo do autor põe de lado a pratica e o rumor do mun­d o; porém, na vida de cada dia, indica o caminho para chegar á meta, á seriedade moral de consciência, que, no turbilhão dos affazeres domésticos e civis, é o segredo do espirito unido perennemente a Deus.

Aconselhamos este gracioso livrinho a quantos buscam instrucção e deleite em um manual de ascética eucharistica, e a quantos queiram apren­der o caminho da verdadeira e fervorosa devoção a Jesus Sacramentado».

Seja louvado Deus, e sua doce Mãe, N ossa Senhora do Santíssimo Sacramento!

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E R R A T AA.’ pag. 17, linha IS, onde se lê : «as obras primas são excluem*, leia-

se : aos obras primas não excluem-.A’ pag. 23, onde sc lê : Non horruisti Virginis uiterum ■, leia-se: • Non

lu rrn sli Virginis iitemiu .A’ pag. 24, 1.22. le f.v se : *E’ massa corrompida, alterada, fermentada -;

linhas 27 e 32, em ver. de incursit, Ipia-sc incurrit; linha 31, em vez de vinho fermentado», leia-se: <vinho alterado .

A’ pag. 23, onde está -Landa Sion-, leia-se: -Lauda Sion»; onde está -V os dii crilis», leia-se «Vos dii eritis .

A’ pag. 70, onde está -Lauda Sion Salvatornm* leia-se «Lauda Sion Salvatorein».

A ’ pag. 77, onde está — «amizade de Jesus e de David, dizendo: -A alma de Jesus*—leia-se : «amizade de Jowathas e de David, dizendo: «A al- ina de Jonathas*.

A’ pag. 79, onde está «corporea e consanguinea de Jesus- leia-se: -con- corporea e consagtiineá de Jesus».

A’ pag. 79, penúltima linha, em vez de tu acolhes em teu eucharistico seio*, leia-se «tu acolhes, eucharistico, cm teu seio*.

A’ pag. 36, onde está: «nobis datus, nobis d atu s-, leia-se: nobis da- lus. nobis natus».

A’ pag. 98, onde eslá com o suor da própria fonte», leia-se: ”eom o suor da própria fronte».

A’ pag. 99, onde tstá • e vos tornastes instrumentos de martyrio, bra­sões de mérito» leia-se: «e vos (ornastes, de instrumentos de martyrio, bra­sões de mérito».

A’ pag. 125, depois do titulo AINDA SOBRE O CALVARIO, leia-se o sub-tilulo: A Sepultura.

A’ pag. 136, onde se le: vou recolher a sentimentos delicados-, leia- se «vou recolher os seiilimeutos delicados..

A’ pag. 137, onde se lê: Domino, quo vadis?* leia-se: -Dom ine, quo vadis ?»

A’ pag. 154, 1;| linha, onde eslá Eu me lavarei- leia-se: ”Tií me lava-

A’ pag. 156, onde está: -Prece de amor, eu não resisto já», leia-se: • Preso de amor, eu não resisto já*.

A’ pag. 157, onde está «Amor, amor, e ti da morte espero», leia-se: -Amor, amor, de li a- morte espero*.

A’ pag. 159. onde sc lê «todas as santas abolições*, le ia -se : "todas as santas absolvições*; onde se lê «eslava prostrada, cingiu o cilicio-, leia-se: "eslava prostrada, depôs o cilicio”.

A’ pag. 161, onde se lê : "e que não sois donos de (1, Cor. VI, 19)”, leia-se: ”e que não sois donos de vós proprios? (I, Cor. VI, 19)”.

A’ pag. 161, onde está: "armado de acotes", leia-se: "armado de açoites”.

A’ pag. 195, onde se lê: "Pela nossa indignidade, nós som os as agnias da Igreja”, leia-se: "Pela nossa dignidade, nós som os as aguias da Igreja” .

A’ pag. 200, onde se lê: "Ei revelasti ca", leia-se: Et revelasti ea".A’ pag. 222, onde se lê: "ao dom do Redemptor, o ardor dos icdtizi-

dos”, le ia -se : "ao dom do Redemptor, o amor dos redimidos”.A’ pag. 236, onde se l ê : "a B. Angela de Foligno. Santa Catharina de

Senna", le ia -se: "a beata Angela de Foligno. S. Catharina de Gênova”.A’ pag. 273, onde sc l ê : "as potências da alma não habitadas”, leia-

se • "as potências da alma não habituadas”.A’ pag. 317, onde sc lê : "TEMO O LEITOR UM SO LIVRO”, leia-

se : "TEMO O LEITOR DE UM SO LIVRO".O nlrns erros ha, de m enos importância, qnc o leitor inlclligcnlc facil-

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APPROVAÇÃO

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PRIMEIRA PARTIA

Qual é a Alma Eucharisílca

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CAPITULO I

Que 6 a vida euctiarisllca

Quem quizesse dignamente tratar qualqun thcma mchnrís- tico, precisaria penna de anjo e coração de sciaphim.

Porém, se assim fosse, a belleza do tratado podería ser at- tribuida não á sublimidade intrínseca do assuinplo, mas A subli­midade extrinseca da penna.

Portanto, melhor ha de se falar sini/>/esmnt/c das al­mas eucharisticas, tal como o coração dieta, e tal como ao cora­ção dieta o Espirito de Deus.

E mesmo esta nossa impotência glorifica ao Senhor, peran­te o qual vale tanto uma estrophe da terra quanto o hymno de um anjo, perante o qual a penna de uma aguia é tão considera­da quanto a asa de um passarinho.

Assim, como me fôr possível, falarei de li, c das tuas almas eucharisticas, ó Jesus Sacramentado, confiado que em cada capi­tulo e em cada pagina tu serás luz á minha mente, melodia ao meu ouvido, mel á minha bocca, néctar ao meu coração.

De ontra fórma não poderia ser, pois a Egreja ensina:

Nil canitur suavius,Nil auditur iucundius,Nil cogitatur dulcius,Quam Jesus, Dei Filius

(Hymno do S.S. Home de Jesus)

Nada se canta tão suavemente Nada se escuta tão alegremente,Nada se pensa tão docemente Quanto Jesus, Filho de Deus.

E toda alma eucharistica pensa, ama e saboreia Jesus.

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12 ALMA EUCHARISTICA

I—Qual a alma eucharistica?

A alma eucliaristica é alma que vive vida eucharistica. Para comprchender esta é preciso comprehender aquella.

Racionalmente, pois, é necessário começar por explicar o que seja a vida eucharistica.

A vida eucharistica, considerada do ponto de vista moral, como eu a considero, significa enamora mento eucharistico: é própria das almas afortunadas que na terra vivem só para Jesus e Jesus Sacramentado.

Com mais determinação, a vida eucharistica é aquelle im­pulso interior, livre e sobrenatural que impelle habitualmente a alma justa para a santa Eucharistia, como para seu centro deli­cioso, seu aliinento quotidiano, sua santificação especial.

Explico as palavras da definição. Disse que a vida eucha- risiica é:

a) —um impulso interior, porque todo acto vital é por essencia impulso interior;

b) —livre, porque é acto intellectivo e meritorio;c) —sobrenatural, porque realizado com o auxilio da gra­

ça divina;A)—que impelle, porque a vida eucharistica é vida de amor.

e o amor importa essencialmente em tendencia e attracção parao objecto amado';

e) — habitualmente, porque um acto, um só acto unico, não fôrma vida; no conceito de vida entra a idéa de habito, isto é, de constância e de estabilidade;

f ) - a alma justa , porque a alma peccadora, tanto que seja tal, não pode ser alma eucharistica;

ç )—para a santa Eucharistia, porque a santa Eucha­ristia é o objecto proprio ao impulso e ternura habitual da alma justa, que só por isto se chama eucharistica;

hj—e a Eucharistia, não simplesmente considerada em si mesma (visto que assim qualquer christão é obrigado a consi- derá Ia) porém, considerada precisamente: como alimento quo­tidiano da alma eucharistica, que vive da Eucharistia;como cen­tro delicioso, porque vae para a Eucharistia, como santifica­ção especial, porque a Eucharistia fórma a physionomia espiri­tual ou é o caracter distinctivo da perfeição da alma eucharistica.

Não sei se a todos agradará esta minha definição. Todos, entretanto, assim espero, approvaráo que eu dê este sentido á vida eucharistica, considerada moralmente; que neste sentido delia fale no meu livro; que neste sentido convide os leitores a amá- la e procurá-la.

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>. ANTONINO DE CAS1I

II— Pela definição explicada, v ê -se u n e n e m imln cnltn á Eucharistia é vida; que nem Iod as a s alm as ilevuias <h> SS. Sn- cramenlo são almas eucharisticas M as, «inam ln e-.ie enll.> tor­nou-se uma verdadeira paixão, isto é. uma m . i -.-.nlade do cora ­ção, necessidade sentida e secundada, um e .imlu ai d en te , uma aspiração incessante, uma attracção habitual, (pia- uma inspira­ção, então somente o culto é verdadeira vida. e a alm a é v«-nla­deiramente eucliaristica.

E’ claro que também a vida eucliaristica admille pião-. dc perfeição, e quenella o superlativo nãoexclucn positivn. iiepois o estudaremos.

Todavia, qualquer que seja seu gráo de pnfriç.io, tenha­mos como certo que, quando o amante pode di/n a Jesus Sa­cramentado, com perfeita convicção de amor, estas lu-llas palavras da Imitação: <Deas meus, am or meus, tu lulus nirus et ego totus ÍUUS (Liv. III, c. V. ti. 5). -Deus meu. amoi meu, és todo meu. e eu sou todo teu — ou estas outras: « Só tu és meualimento e minha bebida; amor meu, alegria miulia, doçura mi­nha, e todo o meu bem. (Liv. IV—c XVI, n. 2) então unicamen­te vive vida eucharistica, então unicamente é verdadeira alma eu- charistica. No amor habitual e ardente a lesus Sacramentado está encerrada a essencia da vida eucliaristica. liste ponto não mais deve ser esquecido.

III— Bastaria o que ficou dito para fazer eomprehender os conceitos de vida e de alma eucharistica; entretanto, para expli­cá-lo melhor, vou accrescentar uma comparação.

Digo pois: o queé a terra, em relação ao sol, é a alma eucha- ristica em relação a Jesus Sacramentado. Isto quer dizer que Jesus Sacramentado é o sol da Egreja e das almas, as quaes, sem Elle. ficariam immersas como que em noite escura e peren- ne. Porém, particularmente, Jesus Sacramentado é o sol das al­mas eucharisticas, quç são seus planetas espirituaes.

A terra vive pelo sol, consistindo-lhe a vida em girar em torno deste centro luminoso de attracção. E, girando em torno do sol, delle recebe, como diz. S. João da Cruz, cinco grandes benefícios: luz, calor, vida, pureza, belleza, em resumo, tudo o que tem de bom e de precioso.

O mystico satellite que gira em torno de .Jesus Sacramen­tado é a alma eucharistica, que faz consistir sua vida em girar ao redor do S S. Sacramento, seu sol divino, seu centro, seu tudo.

Giram em torno do sacrario seus pensamentos, seus affe- ctos, suas occupações, giram suas tristezas e alegrias; seus dias e suas noites, suas horas e seus momentos; sempre e em toda

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EUCHARISTICA

parte permanece junto á Hóstia Divina, sem se perturbar e sem se fatigar, suavissimamente.

Não que a alma euchavistica não possa abrigar outros pen­samentos e outros amores. Isto não! Como em Belem, depois da S. Virgem e de S José, foram admittidos os pastores e os magos, assim, na alma eucharislica, lia lugar para tudo o que ó digno de Jesus. E é digno de Jesus tudo o que está conforme á sua vontade divina.

O que é indigno dc Jesus é o que a alma eucliaristica não pensa, não ama, não faz; só isto não pode girar em torno do S.S Sacramento; só isto é posto de lado, como os profanado- res foram expulsos do Templo de Jerusalem.

' Portanto, a alma eucliaristica pode pensar, amar e praticar tudo aquillo que é digno de Jesus. Fá-lo, porém, referindo-o sempre ao seu sol divino, tudo em torno de Jesus Sacramen­tado.

IV— Um dia, S. Mathilde, em uma visão, mereceu compre- hender o modo de vida da sua irmã Oertrudes. Viu Jesus Christo assentado, e Gertrudes girando em torno d’Elle. Suas mãos tra­balhavam, mas sua face estava fixa na face de Jesus Girava sem­pre, sem descansar, sem parar.

A terra em redor do sol, Gertrudes em redor de Jesus! Tal é a alma eucharistica em redor do S. S. Sacramento.

Como a terra tudo o que tem só o tem pelo sol, assim a al­ma eucharistica recebe do seu beMo sol, Jesus Sacramentado, o que é e o que possue.

Entre as plantas, é notável o girasol, que se volta sempre para o astro do dia.

No jardim espiritual existem verdadeiros girasóes, as almas eueharisticas, que só vivem do Sol eucharistico. Os seres todos quanto mais unidos ao seu principio, mais delle participam; por isto, a alma eucharistica, vivendo próxima ao Sol eucharistico. mais benefícios recebe.

Na Egreja e no mundo, as almas mais illuminadas e mais luminosas; são as almas eueharisticas porém toda essa luz vem do Tabemaculo. São as mais robustas e fortes; porém, toda essa força vem do Tabemaculo. São as mais delicadas e mais bellas; porém todo esse esplendor vem do Tabemaculo!...

V— A qualquer alma virtuosa pode-se dizer: pulchra es— és bella; somente á alma eucharistica deve-se dizer: tnta pul­chra es—es toda bella.

Toda bella, porque é a espiga mais cheia, é o cacho de uva mais saboroso, sendo mais exposta aos raios divinos.

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P. ANTON1NO DE CASTEI.I

Tota pulchra, porque é da belleza da I urhair.lin, santa da santidade da Eucharistia, fragrante da fragnuri.i da I nrltaiis tia. Na fronte da alma eucharistica reluz uma ralma divina; dosseus olhos desprendein-se olhares suaves e pums ........ os doNazareno; em seu rosto se reflecte seu espirito liim iim -.u <• sa n ­to; as palavras são-lhe como de mel e leite; os lalnn . - .riu p ir lhe sorriem... Sorriem, mesmo quando ella soffto e gcmr.

Toda bella, porque sua mente, por habito, inclina •.<• .t-iiipic para o coração onde reside seu amor, seu Amante e sen A m a do; porque suas conversas, seus costumes, sua altitude «• m m portamenlo, tudo nella, emfim, são perfumes da E u cb an siia

Se Isaac se lhe approximasse, diria o que d is se ao se u li Iho Jacob:—«Eis o odor do meu filho; é tal qual o od<n d e um campo florido, abençoado por Deus.» (Gen. XXVII, 27).

Mas, quem a attrae è o proprio Jesus Sacramentado, e Klle lhe murmura ao ouvido: «O perfume das tuas virtudes supera todos os perfumes; o aroma das tuas essencias é para mim como o aroma do incenso.» (Gant. IV, 10 11).

E o Esposo celeste não mente e não exagera, porque as verdadeiras almas eucharisticas, como Clara de Assis, Catharina de Senna, Thereza de Jesus, Magdalena de Pazzi, Verônica Julia­na, Theresa do Menino Jesus; as verdadeiras almas eucharisticas, como Paschoal de Baylon, Philippe Nery, Luiz dc Gonzaga, Aí- fonso de Liguori, Cura d’Ars Pedro Juliano Eymard, são aromas, são incenso, são flores da Eucharistia; são também transparência de Jesus Sacramentado.

VI— Eis porque, se todas as almas bôas se estimam, as eu­charisticas se amam; eis porque, se todas as almas bôas se pro­curam, as eucharisticas se presentem; também para os santos mais eucharisticos são attrahidas de modo especial.

E, se aos olhos do mundo ignorante e maligno, a alma es­colhida, que passa a vida a voejar como abelha em torno do Ta- bernaculo, semelhante á terra com respeito ao sol, se, digo, a alma escolhida parece mèsquinha, de belleza esmaecida e sem viço, ella pode bem repetir: «Não olheis minhas côres desfeitas, porque foi o Sol eucharistico quem me desmaiou.» (Cant. 1-3) porque as almas de Jesus são semelhantes ás flores que, deposi­tadas na Egreja, murcham e fenecem junto ao Tabernaculo bem amado.

Basta o que ficou dito para se ter uma idéa do que seja a vida da alma eucharistica.

Iremos saboreando-o pouco a pouco.

VII— Mas aqui urrt receio me vem assaltar, e é este: quem

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A ALMA EUCHARISTICA

sabe se depois, da leitura deste livro, alguma alma não fique an­tes temerosa que animada ? quem sabe se tal outra não comece a achar difficil a vida eucliaristira, não comece a considerá-la vi­da accessivel a poucos? quem sabe se não darei lugar a que se repita o dito dos habitanles de Cafarnaum: Durus est hicsermo et quis polest curn audire? (João. VI, 61) esta linguagem de vida eucharistica é elevada demais e por isso difficil em excesso. Quem poderá compreliendê-la? e, mais ainda, quem poderá realizá-la?

Eis,a razão que me leva a dirigir, antes de qualquer outra cousa, algumas palavras de conforto ás almas timidas e hesitan­tes que me venham a ler.

E’ certo, devo logo dizê-lo, que, sem uma graça particular de Deus, ninguém pode encetar a vida eucharistica, nem perseve- rar nella. È’ vida sobrenatural, é uma das formas mais nobres, mais sublimes, mais perfeitas da santidade christã.

Também ás almas eucharisticas Nosso Senhor repete o que disse um dia aos seus apostolos: «Não fostes vós que me es­colhestes, porém eu a vós.» (Giov. XV, 16).

A graça, pois, é indispensável; tanto melhor. Mas, como se pode duvidar que a graça falte, se é o proprio J. C- quem nos convida a segui-IO, a comer sua carne e beber seu sangue, a permanecer n’Elle. para que Elle permaneça em nós?

São taes os convites de Jesus, que impulsionam o piedoso Autor da Imitação, o qual, depois de citá-los, assim começa o quarto livro da obra, todo dedicado á Eucharistia: «O’ Christo,tterna Verdade, são tuas estas palavras, palavras que por mim devem ser recebidas alegremente e fielmente. São tuas porque as dissestes: são minhas, porque as dissestes para mim. Escuto-as de bôa vontade da tua bôcca divina, para que assim penetrem melhor em meu coração. (Liv. IV, c. In . 1'.

Ora, o convite de Jesus é uma graça; e é penhor de todas as graças necessárias ás almas eleitas que querem corresponder a este convite do melhor modo possível.

Portanto, se todas as almas christãs não se tornam almas eucharisticas, não é que lhes falte a graça, faltadhes, sim, a bôa vontade. A difficuldade não parte de quem convida, mas de quem é convidado.

VIII—E então, parece-me que para a vida eucharistica toda difficuldade se reduz a esta: — Tendes coração?... delle quereis fazer bom uso?...

Se tendes coração, se quereis empregá-lo bem, todas as dif- ficuldades estão removidas. Com a graça de Deus, que não nos faltará e com o vosso coração, podeis tomar-vos uma alma eu­charistica, mesmo uma grande alma. As difficuldades que possam

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P. ÀNTONINO DE CASII I l

ser encontradas na vida eucharistica nau -ao dilln iiM.iiIi vm das da mente, porém do coração.

Quem sabe amar possue o « e g iv m i da vida n u liai r.tua, já que a eucharistia é o amor feito sacramenln. I’<>ii.ml<>, l ia d a salu-r amar para se tornar eucharistico. T o d o o r es lo <■ m i im .la n o , lo d o o resto vem por si.

Quem tem mais coração, e quem mais sabe amai. mais apto é para a vida eucharistica.

E, por isto, quantas velhinhas humildes, simple-., iiipeuuas serão mais caras a Jesus Sacramentado que i:randr\ llicolnjio . !.. quantos discípulos serão mais eucharisticos qm- seus nir-.lii".!... quantas ovelhas mais que seu pastor!...

Tambeni, para ser alma eucharistica, não é pnri.n icualar se a uma Catharina de Senna, a uma Theresa de Jesus.

Oh! não! e, vós todos que me ledes, ficae tiamiuillos. Ca­tharina de Senna, Thereza de Jesus e as outras rrcaturas angéli­cas que veneramos sobre os altares são as obias-primas dos mo­delos eucliaristicos Mas, as obras primas são excluem os bons trabalhos.

Bem poucos monumentos de arte seriam taes, se somente de­vessem valer as obras primas. Estas, mesmo p or q u e obras primas, são muito raras. Da mesma fôrma, entre o s m em b r o s do corpo humano, a cabeça é uma só; mas nem por isto o s outros membros deixam de ter valor.

Quantas obras, comparadas a outras, perdem pelo confron­to, e, consideradas em si próprias, são verdadeiras obras primas!

A borboleta e a violeta—nada são junto a um anjo; em seu genero, porém, são pequenas obras primas.

O mesmo se dá com as almas eucharisticas. Pouco vale­ríam se devessem todas igualar uma Theresa de Jesus, uma Ve­rônica Juliana. Não! isto não é necessário. Como não ha taber- naculo que não tenha sua lampada material, também não ha ra- bernaculo que não se veja cercado de lampadas espirituaes Jesus em toda parte possue suas almas.

IX—Oh! quantos corações ardentes pulsam sob vestes hu­mildes! quantas lampadas de ouro esconde o véo de religiosa ou a túnica de frade! quantos ângulos de lares ou de conven­tos, quantos institutos, quantas penumbras de claustro ou de santuariò são perfumadas por fragrancias eucharisticas ! almas elei­tas, ignoradas do mundo e da própria Egreja, só conhecidas de Deus; almas que, sem extases e sem graças extraordinárias, vivem todavia da Eucharistia, como viveram Magdalena de Pazzi e Ca­tharina de Senna; almas dispostas a perder a vida antes que vo­luntariamente uma só communhão.

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18 ALMA EUCHARISTICA

Estes segredos nós só os saberemos no grande dia de jui- zo, quando todos cs mysterios forem revelados.

Portanto, basta ter coração e saber amar para ser alma eu- charistiea.

E, se faltassem outras bôas disposições, tanto melhor, a hu­mildade superaria a tudo. segundo a bella expressão de S. Ma- gdalena Sophia Barat: «Sè não puder ser uma grande santa, serei uma grande humilde »

Não esqueçamos que a humildade foi o segredo dos privi­légios e das grandezas de Maria; não esqueçamos que um car­pinteiro foi escolhido para pae putativo e custodio de J. C. Não esqueçamos que não foram os reis do Oriente, os Magos, po­rém pobres pastores os convidados em primeiro logar á lapinha de Belem. E pobres pescadores, que lançavam rêde ao mar. fo­ram chamados para a companhia do Salvador do mundo.

Oh! com um pouco de humildade e com um coração ge­neroso qualquer alma, querendo, pode-se tornar eucharistica.

X— Eu disse querendo, como se tudo dependesse somen­te de nós. Sim, disse-o bem, e não retiro a palavra. Depende de nós, e não mais d’Aquelle que disse: «Vinde todos a mim! Tomae e comei todos do meu corpo; tomae e bebei todos do meu sangue!» Ninguém é excluído, todos são convidados. I .scutae, vos peço, o cântico dulcissimo da Egreja: «O res mira- hilií! Manducat Dominum: pauper, servus et humilis! O’ ma­ravilha! Alimenta se do Senhor o pobre, o servo e o misero!» — (llyinno: Sacris solemniis da festa do Corfius Domini).

Não temais, pois, ó almas famintas da Divina Eucharistia. Ainae, amae sempre, amae muito, muito, a Jesus Sacramentado, e nn breve sereis sua corôa e suas delicias No estado em que a IVovidencia vos collocou, com os talentos, com as forças, com os meios ao vosso alcance, fazei o que podeis. Notae a palavra:

Jazei o que podeis—com firmeza e constância. De pressa vos tornareis almas verdadeiramente eucharisticas, Deus fará o resto.

XI— Quem mais pobre, quem mais necessitado que a B. An­ua Maria Taigi? Operaria, creada, mulher de creado, mãe de nu­merosa prole, obrigada a nutrir seus velhos paes, sua filha So- pliia, viuva muito moça e, com filhos pequenos, tendo, pois, a seu cargo, uma família grande, onde era preciso trabalhar cada dia para matar a fome de cada dia, quem, repito, m^is pobre, mais indigente que Mãe Taigi?... E, entretanto, quem mais do que ella enamorada do S.S. Sacramento do Altar? Quem mais do que ella faminta da carne e sedenta do sangue do Salvador? Houve

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P. Al

um dia, um dia só, em que volumlariamrnlc tivesse deixado a santa Communhão?

Houve um dia, um dia só, em que n a-» Iivcsm- visitado Je­sus nos seus adoraveis tabernaculos?

E, no amor ao S.S. Sacramento, cila a p n h ic lomana. não se fez emula das mais excelsas v ir g en s i la u s lia c s que ador­nam b Egreja? Não teve os mesmos a íía g n s cuchai is t ic o s que tiveram as mais sublimes almas euchai ist ica s ?

Na Egreja de S. Carlino, nas Q u atro I o n lc s . a sa g ia i la I'ar­ticula'voou um dia das mãos do celebrante e foi p o u sa i em seus lábios. Outra vez, na Egreja de S. Ign acio . um p a d ic neu- rasthenico, talvez para experimentar sua san tid ade , admiuislrou- Ihe uma partícula não consagrada. Apenas a ic c c b e ii, tudo com- prehendeu a pobrezinha, e foi chorar aos p é s do confessor. Ou­tro caso. Na Egreja da Senhora da Piedade, em Pinzza Colonna, durante a primeira Republica franceza, houve um começo de re­volta. Da Egreja fugiram todos, fugiu até o sacristão, que, de­pois de a ter chamado em voz alta, como cila não respondesse, quiz sahir mais depressa, e trancou-a dentro da Egreja. A B. Taigi estava immersa em profunda contemplação cm presença de Jesus Sacramentado, e nada ouvira, nada percebera!...

Attestam testemunhas insuspeitas, como o Cardeal Peda- cini e Monsenhor Natali, que a conheceram intimamente. que, es­tando a seu lado depois que commungava, ouviam-lhe rangir as costellas como se fossem arrebentar. E’ que não podia conter em si as chammas do celeste ardor.

E, a Jesus Sacramentado, que certa vez a attrahia a si com suaves carícias, disse:

—«Ide-vos embora, Jesus, que sou uma pobre mãe de fa­mília !»

Que grande santidade reluz em tal phrase!Se a B. Taigi foi uma grande alma eucharistica, quem, como

ella, não o poderá ser?E aqui me lembro da viuva do Evangelho.

XII- Se ha pagina nos Livros Santos que deva ser banhada de lagrimas é a que conta a scena passada junto ao erário do Templo, lugar onde se depositavam esmolas para o culto divino.

«Estando Jesus assentado junto do erário do Templo, no­tara que o povo ahi lançava seu dinheiro, e muitos ricos o lan­çavam em abundahcia. Depois viu chegar uma pobre viuva, que só depositou duas pequenas moedas.

Chamou, então, seus discípulos e lhes disse: Em verdade, em verdade, vos digo; esta pobre mulher deu mais que todos os

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20 A ALMA EUCH ARISTICA

outros. Elles deram o que lhes sobrava; ella, porém, deu do ne­cessário, deu tudo o que tinha, deu o seu sustento.» (Marcos— XII, 41, 42).

XIII—Almas que me estaes lendo, quem quer que sejaes, se quereis sinceramente pertencer á corôa escolhida das almas eu- charisticas, imitae a viuva do Evangelho: dac a Jesus o que ten­des, offertae o que podeis. O que possuis de melhor é vosso coração; lançae esta moeda no erário eucharistico. Jesus Sacra­mento a acceitará e a guardará em seu Coração santíssimo. Logo dirá: Esta alma é minh^ de agof&em deante: dando-me seu coração, deu-se toda a mim.

Se assim é, deixae que termine este capitulo sobre a vida eucharistica ' accessivel a todos, com as seguintes palavras da Egreja:

Jesum omnes agnoscite, amorem eius poscite:Jesum ardenter quaerite, quaerendo inardescite

(Hymno do 5. S. Nome de Jesus)

— Que todos vós conheçaes Jesus, que todos vós peçaes o seu amor; procurae-o ardentemente e este anhelo vos inflammará cada vez mais.

No entanto, é preciso notar que ainda que este enamora- inento pratico pela Eucharistia forme a verdadeira vida eucharis­tica, faz elle suppor na alma dotes indispensáveis, sem os quaes é impossível qualquer vida eucharistica’.

Ainda que já tenha falado sobre estes dotes na definição acima, devo agora explicá-los mais detalhadamente.

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P. ANTONINO DE

CAPITULO II

0 que exige a vida euoharisllca

I— A vida cucharistica é eminentemcnlr mu i-.i.ido dr pn • feição; exige, pois, na alma. três d is p o s iç õ e s im lr .p cu -.avn -. q u r são: esplendor da graça santificante, purc/a li:ilnlu.il .li- i .him i encia, pratica das virtudes chi islãs.

Ora, para tudo exprimir em uma s ó palavra, d ig o qu<- a vi da eucharistica exige em absoluto que a alm a seja um < m a c u lo espiritual. '.+

Vejamcl-o.Cousa admirave)! Aquelle Deus que para nascei coulculou

se com uma gruta, que para viver só quiz uma pobre oííicina, para instituir o S. S. Sacramento não se satisfez nem com uma gruta, nem com uma officina: exigiu um ceiiaculo. K que eena- culo!

Se empregássemos nossa vida inteira em meditar sobre a Eu- charistia, essa vida inteira seria insufficiente

Enchem-se os olhos de lagrimas, cáe a penna da mão, quan­do se quer falar da ultima ceia de Jesus... da mesma fórma que os grandes artistas deixavam tombar os pincéis, ao tentarem re­produzir os traços do Nazareno naquelle momento digníssimo de sua vida divina.

E’ certo que o Cenaculo foi a principal das preparações; istò é, foi o lugar escolhido para todas as outras preparações e para a própria instituição.

Lá realizaram-se os preparativos, pois lá fôra o lugar desi­gnado, e para lá se encaminharam os executores.

A escolha destes executores recaiu sobre Pedro e João. .o mais amante e o mais amado dos discípulos: o primeiro, sym - bolo da fé, o segundo, syinbolo do amor e da pureza.

A sala indicada foi uma sala grande, limpa, adornada, e Pe­dro e João a prepararam tal qual Jesus o determinara: «os discí­pulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Paschoa*. (Math. XXVI, 19).

II— Vê se que foi mesmo do Coração do Divino Pontifico que sahiram as determinações dos preparativos. E tinha conce­bido essas determinações proporcionadas ao anlielo nobilissimo que o fizera exclamar:

—«Desejei ardentemente comer comvosco esta paschoa, an­tes da minha paixão».—(Luc. XXII, 15).

Dispuzera os preparativos em proporção á obra prima (pie ia realizar, obra-prima do seu amor, desse amor final que devia

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11 EUCHARISTICA

em breve eclipsar lodo o seu outro amor de trinta e três annos de vida.

No Deus do Cenaculo quem ainda reconheceria o Deus do Presepio? -

Sem cenaculo, pois, sem sala espaçosa, limpa, enfeitada, não ha Eucharistia. A imagem de Jesus nas diversas épocas de sua vida mortal está unida a lugares determinados.

Jesus Menino em Belem; o Nazareno na Santa Casinha; o Transfigurado no Thabor; o Crucificado no Calvario. Mas a côrte do Deus da Eucharistia é o Cenaculo: o cenaculo é a casa, o templo, o throno de Jesus Sacramentado.

Como para achar o divino Infante é preciso trilhar o cami­nho de Belem, e para achar Jesus Crucificado é preciso seguir a estrada do Calvario, assim para quem quer encontrar Jesus Sa­cramentado, é necessário absolutamente bater á porta no Cenaculo.

A não ser no Cenaculo, a Eucharistia não está, e não pode ser encontrada.

III— Eis o que faz suppor o enamoraménto a Jesus Sacra­mentado, faz suppor que a alma seja cenaculo espiritual, isto é, mystica habitação, asseada e bella.

Sem isto seria estulticia, para não dizer mais, querer perten­cer ao grupo eleito das almas eucharisticas. A quem tentasse, Je­sus respondería como o rei do banquete evangélico ao seu con­vidado indigno: Como entraste aqui não tendo a veste nupcial?» (Math. XXII, 12).

IV— Quem ania o peccado mortal, como poderia amar a Eucharistia? «O homem animal, dizia S. Paulo, (I Cor. II, 14) não pode apreciar nem perceber as cousas do espirito».

Dahi a advertência do Divino Mestre: (Math., VII, 6.)—«Não queiraes dar aos cães as cousas santas, nem pérolas aos animaes immundos». Tomae uma mão cheia de moedas de ouro, appro- ximae-as de um jumento; elle as farejará, mas não as comerá: pelo contrario, fará festa a um mólho de capim.

Dá-se o mesmo com qualquer alma, cujo paladar esteja es­tragado pelas paixões e pelas culpas.

Como poderá saborear as doçuras da Eucharistia, doçuras todas espirituaes, e somente espirituaes?

Deveras de taes almas foi figura o povo hebreu, o qual, emquanto permaneceu fiel ao Senhor, saboreou com prazer o maná do Céo. Logo, porém, que se poz a murmurar e a se re- bellar perdeu o gosto do maná celestial, e de sua bocca sahiu a sacrílega queixa: (Num., XI, 5.)—«Causa-nos nausea este alimen­to tão leve».

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P. ANTONINO Dt

Então os pérfidos judeus lembr;u;mi m- «t.r. caim-s <l<> I gy pto e lamentaram sua privação: (Num., XI. I) i/uhil nobis ad vescendum carnes? Quem ims •l.u.i u m r pata ntimi?

E accrescentavam: (Eod. XXIV, 3.) -Umm.lM ims asscnlava- mos sobre cestos cheiros de carne.» InlHi/f, «nir- ciam! não só se recordavam das carnes do Egypto, ma. lamln-m tio-, peixes que comiam a fartar, e ainda das melancia-.. 11< >-. melne-., dos ai pos, das cebolas e do alho. (Num. XI. 5).

Custaríamos a acredital-o, se o p to p iio M ura'", de tu d o não fosse testemunha e historiador.

Oh! Deus! quanto se baixa uma alma d e g o s to depiavadn, uma alma que se torna indigna de apreciai a d o ç m a d o maná celestial !

Povo infiel e ingrato, tinha razão de se lamentai: (Num. XI; 6 )- «Nossa alma está languida; nossos olhos só enxergam maná !»• Tal deparação é o peccado mortal; tal veneno são as pai­xões. capazes de provocar nauseas para com o maná celeste, ca­pazes de fazer lhe sejam preferidos os melões, as melancias, os aipos, as cebolas, o alho do Egypto!

V Detestar o peccado, fugir delle com aborrecimento e com constância, tal é a condição indispensável para que a alma possa ser eucharistica. •

Isto, em outra forma, quer dizer que a alma enamorada da Eucharistia deve ser mystico cenaculo, sala immaculada e limpa- e adornada habitualmente da veste nupcial que é a graça santi, ficante; esta graça conserva perennemente a alma bella, transfor­mada, divinizada.

Pensar que ao mesmo tempo se possa viver vida de pec­cado e vida eucharistica é pensar o impossível; é até sacrílega temeridade.

O Apostolo levanta a voz e grita: (II Cor. V, 14, 15). «Que accordo pode haver entre Christo e Belial? entre a luz e as tre­vas?»

Todo santo e todo puro deve ser quem vae receber o Cor­po de Jesus Christo, o qual, nascendo, quiz uma Mãe Immaculada; morrendo, quiz ser envolto em lençol não usado, e deposto em sepulcro novo, onde outros cadaveres ainda não tinham estado.

Entretanto a Egreja no Te Deunt, falando da Incarnação, attonita, exclama: Non horruisti Virginis uiterutn—O' Verbo Eterno, não tiveste horror ao seio de uma Virgem!

Mesmo assim, o lençol não usado e o sepulcro novo, Elle os quiz somente para o seu cadaver. Se tanta exigencia para Jesus Christo morto, qúe não será necessário para Jesus Christo vivo ?.,

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A ALMA EUCHARISTICA24

Se. por um lado, vendo-O entrar em certas almas, limpas e purificadas, sim, no mòmenio da comimmlião, mas que já foram lençóes mal asseadissimos, depositos de peccados e viveiro de paixões, sejamos obrigados a admirar em silencio a bondade e a caridade dò nosso Salvador, por outro lado seria crime preten­der que a Vida eucharistica possa resultar da-mistura de commu- nliões e de peccados mortaes, e que possa ser eucharistica a alma que um dia abriga Jesus Cliristo e nò outro dia o <iemo- ■lio; que um dia dá\em Jesus o beijo de Magdalena, rio ou­tro dia o beijo de Judas

Não! não! é horrível pensr-lo; seria mais horrível prati­cá-lo.

Só o Cenaculo é o lugar da Eucharisfia; somente as al­mas cenaciãos espirituaes, isto é, que são justas e puras, po­dem ser verdadeiras almas eucharisticas.

VI—Alem de tudo, a própria matéria da Eucharistia nô-lo- diz.

O pão e o vinho é que lhe são a matéria; mas que maté­ria? Pão e vinho virgens

Não consagrou Jesus o pão fermentado, porém o pão azi- nio, quer dizer, sem fermento. Quem diz fermento, diz corrupção, li’ massa fermentada, segundo a palavra do Apostolo: (I Cor. V. ())—«Não sabeis que um pouco de fermento corrompe toda a massa?» O pão dos anjos, portanto, mesmo materialmentt, é- pão immaculado, ^podendo-se dizer da Eucharistia o que foi dito da Sapiência: (Sap. VII, 25).- *Nihil inquittatum in cam in- cnrsit — Nella cottsa alguma é impuro—mesmo antes da consa­gração

Por isto. se consagra o vinho e não o mosto ou o vina­gre. O mosto, não, porque estando cm 'ebulição, ainda não é vinho; o vinagre, não. porque já é vinho fermentado.

Nihil inquinatum in cam incursit— nada, nada de im­puro pode entrar nem mesmo na matéria da Eucharistia.

Como seria po-sivel que a corrupção estivesse nas almas eucharisticas, qire são verdadeiras hóstias vivas, verdadeiros ca­chos de uvas espirituaes na casa do Senhor?

Não basta que sejam cenaciãos; devem ser pão azimo, sem fermento; devem ser vinho puro, nem corrompido e nem contaminado. Se queres ser verdadeiramente eucharistica, ó alma piedosa, de ti, como canta a Egreja: (Hymno Matutino da festa do Corpits Domini) tudo o que é velho se afaste e tudo se renove: coração, palavras e actos.

VII—Omnia—Tudo! Assim comprehendo porque J. C. com

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P. ANTON1NO DE CASIII

um prodígio de humildade se preparava a mu pmdigio de amor, isto é, lavava os pés aos apostolos, ante'- «Ir instituir o sacra­mento do altar. Assim comprehendn pniquc o pohre S. Pe­dro, commovido, grilava: (João, XIII, 0. 8» St-nlmi, vc« me que- reis lavar os pés? Nunca m’o* lavareis!..» I S IVrlio tilftia ra7ão.

Omnia, tudo! Assim comprehemlo,atinai, porque. para que a alma seja eenaculo apropriado, uã<> hasta qm- liabitiialmcnte viva na graça de Deus. é preciso também que seja animada tle constante fervor e enriquecida de santas virtudes. () pnnu-iio eenaculo não foi somente uma sala limpa, fui d<> m e sm o m o d o uma sala adornada.

Por cçrto, uma sala vazia pode ser a mais asseada, *poi ém nunca será a mais bella, só será a mais bVlla, quando, alein da mais asseada, se tornar também a mais adornada

A graça santificante, sem duvida alguma, purifica e alma, • cancellando delia tudo o que é indigno de Deus, e dando-lhe belleza corno que direi geral. A belleza pailirulnr, varia, gradua­da, a alma a recebe das virtudes, sejam theologaes, cardeaes, ou moraes.

São as virtudes que completam o adorno da alma. já reple ta da graça santificante. Ora, é este enxoval de santas virtudes que se exige para que a alma possa ser vcrdndrirnmenle eucha- ristica. * ..... .' •; -

A graça santificante torna aalmíPfemplo v iv o de Deus. M^s, para que um edifício seja templo de Deus uao basta que tenha paredes e muralhas níias, sem mais outra emis.i. Muito é ainda necessário para que seja templo do Seulioi, medíocre embora! Uma alma, possuindo somente a graça sanlifieante, sem o ador­no das virtudes chrislãs, isto é, uma alma de pouca fé, de pouca esperança, de poUca caridade, uma alma sem fervor, distrahida, dissiparia, vencida pela tibieza; uma alma que foge do peccado mortal, mas que commette muitos peccados veniaes, mesmo de- .liberados, e mais e .mais.... essa alma, digo, será templo de Deus, porque, conserva a graça santificante, porém será um templo va­zio, será um templo em luto, ou, melhor, uma egreja em dia de sexta-feira santa. . :

A sexta-feira santa é o único dia não eucharistico, porque ê o unico dia em que rtão'se celebra a S. Missa, nem se consa­gra a Divina Eucharistia Ora.se a sexta-feira santa, entre os dias do anno, é o unico não eucharisico, como quereis que seja eucharistica uma alma sem o adorno das virtudes, quando é essa mesma nudez espiritual que a toma semelhantè á sexta- feira santa?

VIII—Possuindo apenas a graça santificante, a alma será, o

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26 A ALMA EUCHARISTICA

presepio de Belem, será a cabana de Nazareth, porém nunca será o cenaculo da Eucharistia.

Para que o seja, deve estar não somente limpa e asseada, mas também acesa em fervor, embellezada, embalsamada pelas virtudes christãs.

E, se, no capitulo antecedente, tive palavras de conforto e de animação para as almas timidas que, aliás, são as melhores, agora não posso deixar de recordar aos que conimungam todos os dias que, também, em sentido eucharistico se pode entender a sentença do Divino Mestre: (Luc. VIII, 5, 15) Multi sunt vo- cati. panei vero electi. Muitos são chamados ao banquete eucha­ristico, mas todos esses vivem vida eucharistica? Muitos sacer­dotes sobem quotidianamente ao altar do Senhor, mas sobem todos e sobem sempre como João, o discípulo predilecto?

Quantos religiosos, quantas irmãs, quantas virgens, em sum- ma, quantas almas fazem cada dia a santa communhão! porém como a fazem ellas? Com que preparação e com que agrade­cimento? Que fructos tiraram de annos e annos de communhões?

Receber cada dia a Eucharistia, e não conseguir nunca a perfeição eucharistica, que pena, meu Deus! e que contradicção!

Também em sentido eucharistico se pode entender a para- bola do semeador que saiu para semear o seu grão Deste grão, uma parte caiu na estrada e foi pisada e comida pelas aves do céo; outra parte caiu sobre pedras e secou; outra parte caiu entre espinhos, e os espinhos a suffocaram. Finalmente, um pou­co das sementes caiu em bom terreno, e produziu trinta, ses­senta e cento por um.

Assim acontece com o pão eucharistico, que é a santa Communhão. Cada um applique a si proprio o que ficou dito.

Nestes tempos verdadeiramente eucharisticos, não são mui­tos, não são bastante sufficientes as almas de sacerdotes, e de leigos, de religiosos e de seculares, de virgens e de casados, das quaes se possa affirmar que suas communhões caem. (Luc. VIII, 15) «em coração bom, perfeito, e produzem fructo pela paciência».

Pelo contrario, não faltam almas a respeito de quem se possa repetir o lamento de Jeremias: (Jer. XII, 13.) «Semearam trigo e recolheram espinho».»

Também a Communhão é trigo, trigo eucharistico, tr(go de eleitos: todavia, da Communhão se podem igualmente recolher espinhos, e que espinhos!

Não fiz estas reflexões para infundir temor nas almas, e para afastá-las da'mesa eucharistica. Pelo contrario! Se, commun- gando todos os dias, somos sempre frios e imperfeitos, que havía­mos de ser seraramer.te commungassemos? e, peorainda.se dei­xássemos de commungar?

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P. ANTON1NO DE CASTIII

Communguemos, pois, cada dia, porém, cada dia com o temor e o tremor dos santos, e assim com a bóa vontade dos santos!

IX — Mas, já é tempo de falar d o s d iv r is o s giáos d e per­feição eucharistica.

Sabemos que a paixão por Jesus Sacramentado lórma a vida eucharistica; sabemos também que a alma enamorada d ev e ser cenaculo espiritual limpo, perfumado, b e llo : Indo isin é in­dispensável.

Porém, nem todas as almas e u ch ar istica s sa o igualim -u tc perfeitas.

Parece-me que não andarei afastado da verdade, icdii/iiulo a três principaes os gráos de perfeição eucharistica, e também a três as principaes categorias dé almas eucharisticas:

1— Os discípulos eucharisticos.2— Os cervos eucharisticos.3— As Magdalenas eucharisticas.

A vida dos primeiros pode ser expressa nesta palavra dos# Actos dos Apostolos: (Act. II)— «Perseveravam na fracção com- mum do pão, isto é, da S. Communhão*.

A vida dos segundos é synthetisada pelo primeiro versícu­lo do psalmo XLI: — «Como o cervo deseja a fonte das aguas, assim minha alma te deseja, Senhor».

Dos terceiros, a vida inteira fica compendiada no grito su­blime do apostolo S. Paulo: (Oal.II, 18.) «Já não sou que vivo, é Christo que vive em mim».—E neste outro :— Phil. 1-2.)—«A' minha vida é o Christo».

Falemos disto distincta e expressamente.

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28 A ALMA EUCHAPISTICA

CAPITULO III

Gráos de perfeição eucharisflca

PRIMEIRO GR AO

Os discípulos eucfiarlsUcos, Isto é, a Communh&o quotidiana

I— A santa Communhão!... Em pensar nella, a mente se íllumina; em desejá-la, o coração se refresca; em nomeá-la, a boc- ca se perfuma!...

O’ santa Communhão, sem ti, que seria a terra senão um deserto sem agua, uma cidade sem pão, um hospital sem medi­cina?

Sem ti, que equilíbrio haveria entre a vida do meu corpo e da minha alma? Aquelle teria a seu gosto o pão de cada dia, e esta para sempre havia de ficar em jejum?

Aquelle facilmente havia de achar tonico para sua debilida­de, remedio para suas moléstias, balsamo para suas feridas. Mi-

#nha alma, pelo contrario, ficaria abandonada ás necessidades, sem allivio, sem conforto, sem auxilio.

A terra possuiría o seu sol bellissimo, e- a tgreja havia de permanecer em noite perpetua? O paraiso da terra teria visto crescer a arvore da vida, e o paraiso da graça, desta arvore se veria privado?...

Não! O’ santa Communhão, tu és nosso paraiso, e, portan­to, nossa arvore vital, nossa agua, nossa medicina, nosso tonico espiritual; és luz, força, alegria das almas. Especialmente, dellas tu és o pão quotidiano.

Ecce punis angelom m , fa c tn s cibus viatorum / (Se­quência: L anda Sion).

Santos anjos, não invejo vossa sorte; o meu pão em subs­tancia é o mesmo pão vosso, mas foi por mim que se encerrou no tabernaculo sagrado.

Vós, não; eu somente é que posso fazer a santa Commu- nhâo, e-fazê-la todos os dias.

II— A communhão, cada dia, é a partilha mais sublime da humanidade: parece-me que seja a desforra do engano que a serpente infernal infligiu a Eva, convidando-a a comer do fru- cto prohibido. (Gen. líl, 5.) *Vos dii m7Ls.—Comei deste frueto; não morrereis, sereis igual a Deus».

Tal engano é hoje uma realidade. O alimento torna-nos Deus, porque Deus mesmo é este alimento.

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P. ANTONINO DE CAS t l l l I A lí I

• Fm tempos idos a Communhão <|iioli<li.in.i era o ideal dos santos unicamente; hoje pode sê -lo di- <pi;il<|iu-i alma, sem dis- tineção alguma; deve ser o ideal de to d a s as a lm as ciidinristicas.

Hoje nenhuma alma pode ser eudiarislica, se mio faz cada dia a santa Communhão, pelo menos (iiian d o o p o s sa commo- damente.

Ao dizer-se alma eucharistica, diz-se alma de perfeição; mas a verdadeira perfeição consiste em alegrar o eoração de Deus e da Egreja. São as filhas escolhidas, as filhas de predilecção, as almas eucharislicas; como taes devem voai acima do commimi das almas, bôas simplesmente.

Ora, um filho de coração nobre e delicado não e sp e ia or­dens formaes dos progenitores para obedecer; as ordens foram feitas para os creados, não para os filhos. Para um f ilh o é glo­ria satisfazer os desejos do pae*e da mãe, espccialmente se es­tes desejos são santos'e ardentts, e se os pnes são pessoas respeitáveis e irreprehénsiveis.

Mas, hoje, a Egreja falou, falou nossa santa- Mãe. e no seu desejo expriipiu o do seu Esposo Divino, nosso Pae, Jesus Cliristd.

Desejam ambos que todos os filhos, de qualquer classe ou condição a que pertençam, recebam a sagrada Communhão todos* os dias.

Ficará immortai o decreto da sagrada Congregação do Con­cilio, com data de .20 de Dezembro de 1005, o qual solemne- mente manifesta esfe ardentíssimo desejo de .Jesus Chrlsto e da Egreja; cancella as difficuldades, facilita os meios, aplaina os ca­minhos.

Se as almas eucharisticas são as mais perfeitas, (e portanto as mais obedientes) como poderão ficar indrfffrentes, surdas, in­sensíveis, aos convites de Jesus Christo no S/SA. Sacramento, ás insistências da Egreja, que desejaria ver saciada a tome do divi­no Esposo?

São inúteis as escusas: hoje a communhão quotidiana é como o A, B, Qfa condição indispensável „ da vida eucharistica.

Ou contentar o coração de Jesus e da Egreja, ou renunciar á gloria de pertencer ás almas que formam a corôa e a alegria de Jesus no S. S. Sacramento.

111—Ah ! - seja abençoada a memória do dulcissimo santo Pa­dre, Pio X! \

Nos annaes da Eucharistia, o nome do venéràhdo Pontífice ficará escripto em caracteres de ouro. 'V-

A tão grande Papa se deve o impulso da era eucharistica contemporânea, que tanto alegra a Egreja, e tanto alegra o cora­ção santíssimo de Jeàus Sacramentado.

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A ALM A EUCHARISTICAÜO

Duas graves questões theologicas conservavam ainda hesi- l.uite o impulso eucharistico:

1) que condições, em resumo, fossem exigidas para fazer a santa Commimlião, e mais ainda para fazê-la todos os dias.

2) em que idade fixar a obrigação de fazer a primeira Com- iminhão.

O grande coração do Pontífice da Eucharistia decidiu prom- ptamente as duas quastões; com ó citado decreto de 20 de De­zembro de 1Ç05 reduziu a duas somente as disposições para fa­zer mesmo todos os dias a santa Communhão, e são o estado (tf graça e a recta intenção. Depois, com outro decreto de 8 de Dezembro de 1910, destruindo velhos abusos, e condemnando inveterados hábitos, determinou que a idade para a Ia Commu- nlião fosse a do discernimento das creanças.

Rotos os laços, resolvidas as duvidas, multidões de almas e de creanças começaram a cercar, a approximar-se da Mesa do Senhor. De vinte aunos a esta data, é uma floração, uma pri­mavera, uma verdadeira embriaguez eucharistica!

O’ Jesus Sacramentado, como vosso Vigário Pio X vos deu ás almas e ás creanças, depressa no-lo dae tambenrt envolto no nimbo dos santos, erguido á gloria dos altares.

IV—Assim, em nossos tempos, que escusas poderiamos apresentar para nos afastarmos da communhão quotidiana? Dei­xando de lado as frívolas, procedentes da má vontade, todas as outras se podem reduzir ao sentimento da própria digni­dade. ,

Entretanto se ha uma razão que deva presuadir a alma a oomimmgar todos os dias, é esta—a própria indignidade.

Então, porque estou doente, recusarei o medico e o remé­dio? potque necessitado, recusarei o soccorro? porque frio, afas­tar me-ei do fogo?

Não seria isto falta de senso ?Fazer a communhão sendo indigno não é mal; mal é fa­

zê-la indignamente.Alé a Virgem Santissima seria indigna de fazer uma só vez

na vida urria unica communhão.Quem hoje é indigno, amanhã o será, toda a vida o será,

por toda eternidade o será. Nosso Senhor teria feito um sacra­mento inútil; e melhor seria não o ter instituído, se sópara os di­gnos o destinasse. Entretanto, quem o instituiu foi o mesmo que de barro fez o homem. Melhor que nós, sabia que éramos barro, e barro peccaminoso; melhor que nós, conhecia nossa indignidade. Se, não obstante, instituiu o S. S. Sacramento, e todos os dias

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P. ANTONINO Dt CASII I

quer descer aos nossos corações, isto significa que* mais do que nós ha de pensar na nossa indignidade.

Islo significa que, semelhante a o rei q u e. d e se ja n d o hospe­dar-se na cabana de um pobre, ha de con ten ta i s e c o m e s s a cabana como é, ou ha de melhorá-la elle proprio. a ss im n o s s o divino Monarcha, logo que deseja vir aos n o s s o s c o ia ç õ e s , e vir todos os dias (como ensina a Egreja) deve Elle lam bem c o n ie n ta r -se cada dia com a nossa indigencia, ou en tã o d e v e procurar adornar nossos miseráveis corações.

Seria vil a conducta do pobre que sõ por ser pobre re­cusasse hospedar seu rei; da mesma fórma, malícia espiritual, soberba pharisaica seria o agir do cliristão que recusasse hospe­dar seu Monarcha todos os dias (Elle que todos os dias o de­seja) só por causa da própria indignidade.

E’ no coração, somente no coração do I lospede divino que devemos achar o segredo, a força, e também as escusas ás nos­sas preparações. Quem é indigno de commimgar todos os dias também é indigno de commungar uma vez por anno. Mais indi­gno entáo se tornará.

V—Queremos nós devéras remediar nossa indignidade? Humildemente, e como melhor pudermos, façamos cada dia á santa communhào; e assim cada dia, menos indignos nos tornaremos de fazê-la. Cada comnumhão nos eleva, nos. trans­forma, nos diviniza. Portanto, a communhào de hoje nos pre­para melhor á communhào de amanhã, como o remedio de hoje nos prepara melhor á saúde de amanhã. •

Por motivo contrario, quanto menos commungamos, mais in­dignos nos tornamos de commungar. Sobre isto. dizia muito bem aquella religiosa, de quem fala S. Affonso:- «Eu, porque, me reconheço indigna, desejaria commungar três vezes por dia. visto que, commungando mais vezes, teria esperança de me tornar me­nos indigna».

Portanto, poderá haver alma eueharistica que como base de ' sua perfeição não ponha a communhào quotidiana, quando pos­sa fazê-la?

Sim, verdadeira alma eueharistica é aquella que não consi­dera a communhào como mercê ou prêmio ú própria virtude (palavras do citado decreto) porém a considera sempre como pão, tonico, medicina do espirito. Todos os dias tem-se neces­sidade delia; todos os dias, humilissimamente, como melhor se pode, faz-se a santa Communhào.

Notae, entretanto, que, mesmo se nosso espirito da Com- munhão não tivesse necessidade, devíamos büscá-la todos os dias, porque, além da razão das necessidades próprias, ha uma

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ALMA EUCH ARISTICA

razão mais decisiva, mais peremptória — o desejo de Jesus e da Egreja.

A alma eucharistica não faria uma só, porém cem commu- nliões por dia, comtanto que ficasse satisfeito o coração dos seus dois amados progenitores—Jesus e a Egreja.

Sim, Jesus meu, cada dia me approximarei de tua mesa santíssima, e cada dia, como preparação, repelirei as palavras tão doces do piedoso autor da Imitação:

— «Senhor confiado em tua bondade e misericórdia venho a ti como enfermo ao Salvador; como faminto e sedento á fonte da vida; como pobre mendigo ao Rei do Céo: como servo ao seu Senhor; como creatura ao Creador; como abandonado ao meu bondoso Consolador.

Mas,.o que fiz, e o que sou, para que te dignes vir a mim? Como ousará o peccador apresentar-se em tua divina presença?.. E’ só por isto, porque te agrada e porque assim ordenaste, que também me agrada, comtanto que não te desagrade. iLiv. IV, c. II, n. 1).

VI—Também para a alma eleita de S. Boaventura deviam chegar os dias de prova. Certa vez, o sentimento excessivo da própria indignidade o penetra, o desanima, o afasta da mesa do Senhor.

Que lucta e que agonia para uma alma como a de Boaven- tura! Assistia, um dia, de longe, á santa Missa. A posição e as lagrimas, faziam-n’o parecer um publicano; seu coração enlangue- cia e se^anniquilava.

Porém, outro coração enlanguecia ainda mais — o Coração de Jesus Sacramentado.

No momento da communhão, uma partícula vôa das mãos do sacerdote, e vae pousar sobre os lábios de' Boaventura.

A prova estava finda, a vontade de Deus se tinha manifes­tado. Daquelle dia em deante, nunca mais o santo deixou a sa­grada Communhão.

.VII—A communhão quotidiana é, pois, o primeiro gráo de vida eucharistica, e isto, com certeza, não é pouca .cousa, especi- almeiite para pobres seculares, constrangidos a viver no mundo moderno, não somente corrompido e corruptor, como também incrédulo e pliarisaico.

Não é pouca cousa, certamente, em tempo de tanta indiffe- renca religiosa e de tanto respeito humano, fazer todos os dias a sagrada Communhão. Não é pouca ccusa, em meio dos traba­lhos domésticos, resistir a tantas difficuldades, superar tantos im-

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P. ANTONIKO Dl!

pecillios, vencer tantos obstáculos, p.-ua cada manhã achar tem­po e conseguir fazer a sagrada Commimhao.

Sim, é muito fazê-la todos o s dias, poi entre penas, perse­guições e sacrifícios.

Depois, como consequência, devei evitai conslantcmente o peccado mortal, luctar contra as tentações, fugir dos perigos, cumprir o- proprios deveres, exercitar-se na pialiea das virtudes christãs. Oh! com effeito, de grande valoi sá o Io d o s esses es­forços. realizados para não profanar o piopiio coração, para eon- servá-lo habitualmente puro e preparado, e assim não perder com facilidade a sagrada Communhão.

VIII -Todavia, por entre trigo tão bom, lia sempre alguma palha. Para melhor santificar esta alma, o Senhor permittirá que de vez,em quando ella sinta o peso da fragilidade humana, que commetta alguns erros, ceda a movimentos de cólera, a murmu- ração advertida, a olhar não mortificado, a antipathia não repri­mida, a dias de tedio, ou de ináo humor voluntário, a divagações excessivas, a distracções inúteis c prolongadas, a pequenas intem- peranças, a vaidades e complacencias mundanas, a tantas e tan­tas leves infidelidades... Nada, entretanto, é diminuto, aos olhos puríssimos do Deus, que cada manhã se deve receber na sagra­da Communhlo.

Permittirá, pois, o mesmo piedoso Senhor, que as commu- nljões fervorosas desta alma se alternem com communhofes frias e Ianguidas; que sua preparação se assemelhe ora ao fogo dos seraphins, ora ao das almas do purgatório; que sua íicção de graças seja agora de lagrimas dulcissimas, depois de orações forçadas. Por vezes, ficaria dias inteiros perimte o S. S. Sacra­mento; mais tarde st põe a contar os quartos de hora e os mi­nutos...

Entretanto, é sempre alma eucharistica, porque é fiel a Jesus sacramentado: todas as manhãs está ali, á mesa do Senhor, fria ou fervorosa, dissipada ou recolhida, serena ou inquieta, não tem coragem de deixar a sagrada Communhão; ficar-lhe-ia um vacuo no coração, e não se resignaria com facilidade a esta pri­vação.

Tambeni não se ha de suppôr que suas communhões sejam um habito, uma familiaridade. Oh! isto não, pobre alma.

Da. mesma fôrma que come materialmente cada dia, não por habito, mas por verdadeira necessidade, também por verdadeira necessidade faz todas as manhãs a sagrada Communhão; é a força do amor eucharistico que a transporta a Jesus; é a neces­sidade de Deus que lhe attráe o coração. Tem verdadeira fome e verdadeira sêde da divina Eucharistia.

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34 A ALMA EUCHARISTICA

Sente bem que muitas vezes suas comrminhões deixam a desejar, não são sempre taes quaes deviam ser; mas. se as dei­xasse, não seria peor? Se cáe em imperfeições comniungando cada manhã, onde chegaria.se só raramente commungasse?

IX—E’ uma alma sinceramente humilde a alma eucliaristica ; e, por isto, quanto mais conhece sua miséria e fraqueza, maior numero de comtnunhões querería fazer.

Sente que tem necessidade de commungar diariamente, não porque seja sã e perfeita de espirito, mas para tornar-se tal, para adquirir o que lhe falta, para não perder o pouco que tem. E’ este pouco que todas as manhãs offerece a Jesus Sacramentado. Comtanto.que o receba!...

Contenta-se em recebê-lo sempre como medicina, já que não pode recebê-lo mais dignamente, isto é, como alimento de anjos.

Neste primeiro gráo eucharistico é de notar que os ardo­res desta alma limitam-se mais ou menos ao recinto da egreja, ao acto isolado da communhão.

Voltando á casa, as occupações lhe fazem um pouco per­der de vista a Jesus. N’Elle não pensará bastante; pensará so­mente 11a manhã seguinte, indo ao seu templo novamente, para commungar outra vez.

Não querendo privar-se desta felicidade, desejando realizar o acto santo do melhor modo possivel, muitas vezes procurará purificar-;e nas aguas da confissão.

Assim, ainda que não saiba se resignar a passar um só dia sem o alimento divino, algumas vezes, raras, entretanto, chegará a ficar privada delle.

E, então, uma duvida, um remorso a aff|ige: quem sabe se fez todos os esforços para não perder tal cortimunhão?

Sente tristeza... mas esta não será. talvez, tão grande quan­to a de uma alma eucharistica mais perfeita; não será tão gran­de, especialmente, quanto a que teria sentido o coração de um santo.

. X—Um dia S. Affopso de Liguori, andando pejas ruas de Nápoles, sentiu tão fortes cólicas que quase o impediam de con­tinuar o caminho.,O companheiro quiz levá-lo a um café proxi- 1110, para que lhe fossem ministrados lenitivos e .conforto. ;

Mas não era no soffrimento que pensava S. Affonso; pen­sava na santa Missa que ainda não tinha celebrado, e que por nada no mundo queria deixar.

Assim, ao companheiro piedoso, disse, como que movido por uma mola: <Meu caro, caminharei dez milhas para nãoperder a santa Missa».

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P. ANTONIMO DE CASIUI :I5

Não conseguiram fazê-lo quebrar o jejum.Pouco a pouco foi melhorando, e pomlc d e p o is satisfazer

sua devoção.S. Affonso feria caminhado dez milhas.. m as um outro san­

to, Lourenço de Brindisi, capuchinho, achnmlo m - em pai/ heré­tico, andou certa vez, quarenta m ilhas a /»#■' paia chegar a uma egreja’ catholica e, no dia seguinte, poder celebrai a santa Missa

Oh! quantas almas eucharisticas não teriam feito nem mes­mo em trem aquellas quarenta milhas para não perder a Com munhão! Mas, já se sabe, os santos .são santos, c, falando del- les, é preciso usar outras regras e outras medidas

Assim, S. Theresa a grande S. Theresa de Jesus, para coin- mungar, affrontava tempestade, arriscava se a recahir em grave moléstia, e dizia aos que lhe recommendavam ptudeucia: «Dei-xae-me, deixaeme commungar! não posso viver sem Jesus».

Com effeito, que não fizeram, e que não soffreram os san­tos, para não perderem uma só communhão! quantas dôres ca­laram ou attenuaram: que ainaveis astúcias não empregaram para evitar qualquer perigo!

E, nas enfermidades patentes, quantos pedidos, quantas la­grimas derramaram para não serem privados da communhão!

Q diá mais comprido para os santos era a sexta-feira santa.'

E foi notado, mesmo, na vida de S. Affonso, que, nos seus últimos annos, não podendo mais celebrar, na sexta-feira da pai­xão devia fazer-se sangrar, tão vehemente era a tristeza que sen­tia por nãp poder commungar.

XI—Não foi assim com S. Magdalena de Pazzi.Era ainda noviça, quando, um dia, preparando-se para o ban­

quete eucharistico, aconteceu demorar o padre capellão; peor ain­da; ouve dizer que não vem, que as irmãs iam ficar privadas da communhão.

Precisaria ser Magdalena dé Pazzi para comprehender o que, a tal noticia, seu coração sentiu. Se uma flecha o traspassasse de lado a lado, teria soffrido menos que com tal boato. Entretan­to, faz-se tarde Que esperar ainda? As religiosas, uma depois da outra, se resignam, e pensam na refeição matutina.

A refeição!... só esta idéa é fogo accrescentado a fogo para sua alma angustiada: <Oh!. Deus, come: ? E se depois chegasse o padre para a communhão?» A mestra entretanto convida-a a tomar alguma cousa. Magdalena se escusa, pede que espere ain­da um pouco, e é attendida Mas, depois, a mestra se impõe, e Magdalena obedece. Toma um pedacinho de pão, e o engole de

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lima vez, como se fosse veneno. E foi mesmo veneno para Ma­gdalena aquelle pedaço de pão.

Apenas o tinha comido, eis que o sino annunçia a chega­da do capellão, e chama as irmãs para a communhão...

Até eu, ainda que peccador, sinlo a alma commovida ao pen­sar na dôr daquelle saraphim. Chorou tanto que a mestra, ven­do-a em tal estado, se pôs a chorar também, e lhe pediu perdão.

O’ almas eucharisticas, eis como os santos amavam a com- munhão, e como sentiam deixá Ia, mesmo que não o fizessem por culpa.

XII— Por isto, a mesma Magdalena de Pazzi, quando sabia que alguma das religiosas voluntariamente deixara de commun- gar, sentia tamanha tristeza que muitas vezes foi vista derramar lagrimas; e, se era possível, ia procurar logo aquella alma, mos­trava-lhe seu erro, o bem de que se privara, afastando-se da communhão.

Certa manhã, duas monjas não commungaram. Magdalena, que estava arrebatada de extase, tudo percebe por luz interna, volta aos sentidos, corre ao Padre Espiritual que já se ia embo­ra e pede-lhe que dê a communhão ás duas pobrezinhas. Em seguida, de novo volta ao extase.

Em outra circumstancia, uma visão mostrou-lhe uma pessoa defunta soffrendo no purgatório, pois por desleixo deixara uma communhão.

E a santa instantemente pedia a Deus conservasse em seu mosteiro até o fim do mundo a frequência ao S. Sacramento e que, para isso, desse ás suas religiosas directores espirituaes ze­losos em manter e promover o uso da communhão diaria.

A Santa repetia sempre: «Quizera antes morrer que perder uma só communhão a mim ordenada pela obediência».

Expressão digna de um anjo!

XIII— Expressão digna de um anjo, a dé S. Catharina de Gênova: «O’ Esposo predilecto, desejo tanto gozar-vos que, se estivesse morta, assim me parece, resuscitaria para receber-vos na communhão».

Expressão digna de um anjo, a de S. Margarida Maria Ala- coque:—«Tenho tanto desejo da communhão que, se fosse pre­ciso, caminharia com pés descalços em uma estrada de fogo, e isto seria nada comparado á privação de um bem tão grande; porque cousa alguma me d., tanta alegria quanto me alimentar com este pão dt amor».

Expressão digna de um anjo, a de S. Magdalena Sophia Barat, quando, falando ás suas religiosas, lhes dizia:—«O’ minhas

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P. ANTONINO HE OAS

bôas filhas, se comprchendessemos o t|iic M-ja <> amor ile Nos­so Senhor, atravessaríamos um oieami <lr Ingii para possuil-o. Este amor é o paraíso na terra!» f;. dr onlia v r / : «Uma com-immhão! uma communhão! não c fila inlimf.imriilc mais precio­sa que o universo inteiro?»

Expressão digna de um anjo, a di S Mana Mngdaleiia Postei, que, por oitenta annos seguidos, í<v, cada dia, a sagrada Communhão (ce ca de trinta mil commimhovs) r com acconto inflammádo isto recomniendava ás suas irmas: «I ilhas minhas,nunca sem necessidade vos priveis da sagin.ln Cnmmmilian Sc peccastes, sêde bastante humildes para pcdii confissão. Mas. por favor, nunca fiqueis afastadas da mesa santa».

XIV—Entretanto, estas almas todas ciam claustraes, consa­gradas a Deus; pelo contrario, a Beata Maria Miguelinn do Sa­cramento vivia ainda no mundo, era ainda a nohilissima donzella Maria Adolorata -Miguelina Desmaisières l.opcz ile Dicastillo, vis­condessa de loibalan, e já era um verdadeiro scraphim da Eucha- ristia.

Como, mais tarde, religiosa, chamou-se Irmã e depois Ma­dre Sacramento, assim, secular, teria podido chamar-se Senhorita Sacramento, de tal modo a Eucharistia eia-lhc In/, pão, ar que a fazia viver e respirar.

Obrigada, por sua elevada posição social c* como orphã que era, obrigada a acompanhar o conde Dingo, seu irmão, embaixa­dor junto ás cortes da Europa, e assim a tomar parte em janta­res de gala, theatros, saráus, e toda sorte de espectáculos, é ina­creditável o heroísmo que devia exercitar dia por dia, momento por momento, para conservar-se illesa entre aquellas chammas, pura e irmocente entre aquella lama coberta de oure. e assim não perder nunca, nunca, uma só communhão que fosse.

Por exemplo, indo ao theatro, além de usar cilicin, enfim a çava as lentes do binoculo, e assim nada via. ficava no escuro. Tratando-se de representações não somente immoraeè, mas até r-esmo equivocas, não comparecia, e persuadia outros de que fi­zessem o mesmo.

Ella própria escreveu«Pedi ao Senhor que. indo a bailes e espectáculos, nada ine deixasse ver que me fizesse offendê IO, mesmo venialmenie. Fui ouvida a ponto de voltar pa<a ca: a sem ter perdido um só instante a presença de Deus...»

Parecería impossível, n as os santos não mentem!Quando depois, pelo fins de 1848, devendo acompanhar

sua cunhada doente, em liteira, e com pequenas paradas, foi de Bruxellas a Madrid, Jesus lhe tinha dito; Se não deixares

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de fa ze r o possível para me achar, Eu não tc fa ltarei jamais.

A viagem durou quatro meses, e. nestes quatro meses, qua­se todas as manhãs, um duplo milagre se dava: milagre de Mi- guelina, que conseguia commungar custasse o que custasse, mi­lagre de Jesus que com isto a favorecia.

Mais tarde, já religiosa, o Pe. Gimenez assegurou que. quan­do nos lábios lhe depunha a sagrada Hóstia, devia retirar os dedos immediatamente, porque seu hálito queimava...

Ah! meu Déus, que somos nós comparados aos santos ?...

XV—Parece-me, portanto, que a communhão quotidiana é a base da.perfeição eucharistica

Hoje, especialmente, depois que a santa Egreja manifestou suas maternas intenções a respeito, não sei como considerar apaixonada pelo S. S. Sacramento uma alma que, podendo, não faz a communhão todos os dias.

Os bons christãos que a fazem merecem Certamente o elo­gio feito aos seus irmãos dos primeiros tempos, podendo tam­bém ser chamados: perseverantes in communicatione fra - ctionis panis — perseverantes na communhão do pão eucha- ristico.

Mas, falemos dos mysticos cervos, que são ainda mais per­feitos.

Neste capitulo citei exemplos de grandes santos, não que estes per­tençam a esta categoria primeira de almas eucharisticas, mas para que seu exemplo sirva de censura e de conforto ás almas eucharisticas de perfeição ordinaria.

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P. ANTONINO nr. C,

C A P IT U L O IV

Segundo gráo—os cervos eiiclinrlNlkcos

I—Meditando nas S. Escriptnras, s<>|> ;i dm c çao d o s I'a d ies e dos interpretes, achamos que o corvo ó uma das c ir a lm a \ m ais queridas do Espirito Santo, escolhida paia sy m h n li/a i v i i lu d r . grandes e delicadas.

Recolhamos as idéas principaes.Antes de tudo, no psalmo XXVIII, se allimia >.n a vo/ d<>

Senhor que prepara os cervos: rn.x Itinnini /•nr/u inw lis cewos.

No segundo livro dos Reis, David assim can ta : U ap. XXII, 32 -34 .) — *E ’ Deus que me veste de fortal-./a, r aplaina porfoita- mente a estrada em minha presença I o/ m eu s p ós semelhantes aos dos cervos, e em lugar sublime m c co llo cm i» .

O mesmo pensamento, e quase sob a mesma fôrma, se re­pete cm outro psalmo. (Psalmo XVII, 32. TI).

Nem menos bellas. nem menos expressivas silo as palavras com que o propheta Habacuc sella seus vaiioinios: (Habac. III 18, 19). — «Alegrar-me-ei no Senhor, c exultarei em Deus, meu Salvador. O Senhor Deus é minha fortale/a; dar me á pés seme lhantes aos de cervos; e elles, venceoores. < lovai-me ão a lugares excelsos, onde cantarei psalmos*.

No Cântico dos Cânticos, depois, no cap II, 9, é o proprio Jesus Christo comparado ao cervo; e mais em baixo lê-se: (Cant. II, 16, 17,.—«A mim o meu Dileclo, e eu a elle. elle que se apas­centa entre lyrios. Até que o dia desponte, e as sombras decli­nem. Volta; sê semelhante, ó meu Dileclo, ao cabritinho e ao pequeno cervo dos montes».

Finalmente, todas as almas enamoradas de Deus, nunca acabarão de repelir aquelle psalmo suavíssimo, que começa por um grande suspiro de amor: (Psalmo XL1, 1). «Como o cervo deseja a fome das aguas, assim minha alma te deséja, ó meus Deus... *

Ora, ponde na bocca de uma alma eucharistica as expres­sões de David, de Habacuc, de Salomão, e que estas expressões sejam sinceras, e teremos a segunda categoria das almas eucha- risticas.

As primeiras, de que temos falado no capitulo antecedente, vão ao tabernaculo com seus proprios passos; as segundas vão com pés de veado. As primeiras vão a Jesus devagar; as segun­das com pressa.

As primeiras não se afastam da planície e do vallo, isto ó,

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fie uma perfeição ordinária; as segundas attingem os cimos dos montes.

Aquellas são simplesmente desejosas da divina Eucharislia; estas são sequiosas.

A’quellas, Jesus diz apenas: (Matli XI. 28.) *Vcinte ad me et ego reficiam vos—Vinde a Mim. e Eu vos alliviarei». A estas. Jesus accrescenta: — <Si quis sitit, veniat ad me et bibat — Quem tem sêde, venha a Mim e beba». ()oão. XII, 37).

Na communhão quotidiana, as almas eucharisticas do se­gundo gráo adiantam-se com impulsos de cervos.

II—Almas afortunadas! Talvez sejam seguidoras de Maria de Nazarelh Talvez pertençam ao numero dás poucas alirias que. repletas dé bênçãos celestes, conservaram intacto o thesouro da innocencia, e sempre branca a veste baptisma): nenhuma man­cha as ennodoou, nenhum verme as corroeu, nçnhuma faisca as requeimou.

Cresceram em annos como as palmeiras do deserto, em cuja sombra serpente alguma jamais achou asylo; ou como os lyrios do valle, enl cujo cálice nunca depôs a maíicia qualquer germen de vicio. Educadas no meio do mundo, em tempo lhe conhece­ram a maldade, evitaram-lhe os perigos, descobriram-lhe as insi- dias e venceram-lhe as seducções.

Quando o mundo as queria dominar com seus encantos sugestivos,- gritaram com Iguês de Romã: *Discede a me, pa- bulum m ortis—Para trás! Ó ajíménto de morte!» E ao demonio que lhes representava o peccado mortal como frueto bello e de- leitoso, souberam responder como o pequeno martyr Pelagio Tolla.e, putide canis — Arreda-te do meio, immundo animal.

Almas afortunadas! são ás mais ágeis, porque as mais in- nocentes: a innocencia é a suprema agilidade do espirito. Mais que nunca são almas cinzeladas com o buril do amor e do sa­crifício. O Esculptor Divino as esculpiu a ponta de escalpello, e o escalpello é a santa Cruz.

III —■Almas afortunadas I Serão, quem sabe, irmãs de Maria Magdálena Ah!.. em sua vida houve uma hora, um momento em que seus corações se abriram a um sopro profanador, e pre­maturamente cahiram as flores, enlangueceram os lyrios, evapó- rou-se a innocencia.. As incautas filhas de Eva sorriram á ser­pente, e a serpente depressa as envenenou; sorriram ao mundo, e o mundo, primeiro, as deslumbrou, depois, as desprezou, e por fim, as abandonou.

Foi então que seus olhos se abriram e se encontraram com

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P. AMTONINO D£ i'AM

os olhos do Salvador... ella> lhe ealiii.-mi .ms púv arrebatadas de amor divino, traspassadas de dor, viotimas <l<- penitencia.

A penitencia é irmã da imioccnna. p«h istn, se n imiocen- cia é a suprema agilidade do espiiito. a peintein-ia, eliamada tam­bém baptismo, não deixa de ter suas asas A .sim, a penitencia, do mesmo modo, dá grande agilidade ao r.piulu; piincipalmcnte quando este baptismo de dôr é qual um banlm i|ii<itntí.iuo, um lavacro perenne.

IV—Eis. portanto, estas almas agilissimas, <m iuimccnlrs ou penitentes; eil-os, estes cervos sequiosos, iluminados pelo amor á Divina Eucharistia. A vida inteira é paia Hl.is uma lemleucia em busca do Tabernaculo, um suspiro pela ( nmimmhao, um de­sejo de Jesus Sacramentado.

Estas almas afortunadas, logo no despertai da manhã, per­cebem que lhes murmuram ao ouvido: (< .anl. X. 2 ) • «Abre-me, ó minha irmã, minha amiga, minha pombi»

A’ voz de Jesus que as desperta, deixam o leito para abtir ao Bem Amado: (—1b. V. 5) — S u n r x i nl n/x-rirciu Dilecto meo — Começam o dia com uma primeira vicloria sobre a pre­guiça. Bemdicto dia iniciado por uma primeira vicloria matu­tina !

Apenas erguidas, seu primeiro pensamento é saudar a sa- crosanta Partícula que as espera encenada na sagrada pixide...

A Deus já offertaram as primicias dos seus palpites, dos seus suspiros, dos seus momentos.

Se fossem livres, se deveres graves não as retivessem, estas almas eucharisticns, apenas levantadas, precipitar se-iant para a egreja, voariam a Jesus. • Mas. têm obrigações, e sabem que o exacto cumprimento destas é a melhor preparação para a com- mtinhão.

Se as observaes, notareis que tudo fazem com certa pres­teza.- Não se precipitam, isto não Mas »ê.n uma tal ou qual pressa, uma tal ou .qual impaciência, um tal ou qual amavel nervosismo— a sêde de Jesus. . . / .

. Procuram, se.despachar, depressa: adiando para depois da volta da egreja o que póde ser adiado. Se algum obstáculo'im­previsto as retem, soffrem bastante internamente, mas ficam cal­mas, vendo em cada obstáculo, a vontade de Deus, em cada im- pecilbo um passatempo, do divino amor.

Finalmente, ellas saem para ir á egreja.■Se o decoro e a ^conveniência não o impedissem, haviam

de correr., mas vão ligeiras, muito ligeiras, como a Virgem de Nazareth foi á casavde Isabél..-.-

Entretanto, nesta alnta-eucharistica què se apressa por che­

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gar á egreja, ha uma cousa que corre devéras, e que nada pode reter—d coração.

Pedro e João, á nova o a resurneição de Jesus, sairam jun­tos do cenaculo, mas João chegou antes de Pedro. Assim o cor­po e o coração desta alma faminta saem de casa ao mesmo tem­po, em busca da egreja; mas o coração chega primeiro que o corpo.

E, ao entrar no templo, cáe de joelhos junto á fonte eucha- ristica, e grita como Sansão (Indie. XV, 18.) E n siti morior— De sêde eu morro. Senho-,

Repete com David: — «Como o cervo sequioso deseja á fonte das aguas, assim minha alma te deseja, ó Senhor».

O h ! que momentos longos os que separam da commu- nlião! Que tristeza, se a santa Missa tarda, se o sacerdote de­mora, e não sóbe ainda!..

Ei Io, emfim, eis que vem o Senhor!...Os lábios se lhe avizinham, a agua eucharistiea lhe desce

ao coração, escorre até o peito. Que frescura de par.iiso! As potências todas se recolhem, as ansias se acalmam.

Bebeu o Senhor, comeu o Senhor,..Oh ! portento! Oh ! espanto !...

V—De Esaú foi dito quando vendeu seu direito de primo- genitura: comedit. bibit et abüt -comeu, bebeu, e seguiu ade- ante. (Gen. XXV, 34) Como são bellas estas três palavras, ap- plicadas á alma eucharistiea de que falamos! Comeu a carne do Salvador, bebeu seu sangue divino; agora, só lhe resta sair da egreja, voltar aos seus trabalhos, aos seus deveres.

Esta alma eucharistiea começa a acção de graças na egreja para sempre acabá-la em casa; começa-a pela manhã para sempre terminá-la á noite.

E’ um cervo? Então deve praticar assim.Nos livros santos se encontra que dos cervos é proprio o

saltar. «Escreveu Isaias: (Is. XXV, 4, 6.) «Dizei aos pusillanimes: Tende coragem, e não temaes; Deus virá.

Elle proprio, e vos salvará. Então o coxo saltará como um cervo...»

Também Jesus Christo, no Cântico dos Cânticos, é chama­do: (Cant. II. 8) saliens in montibus, transiliens colles: — aquelle que vem saltando pelos montes, e atravessando as col- linas.

Ora, estas duas palavras exprimem precisamente o caracter da alma eucharistiea, de que nos occupamos. O seu amor a Je­sus é um amor saliens et transiliens—amor que vive de ím­petos, de arroubos, de elevações. No fundo do coração, elfa tem

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a fonte da vida. Por entre suas occupaçórs r lad ign s , a p r id r iá ile vista, mas não habitualmente; esqiim-i.i mmi.r. vr/r>. o Se nlior, porém mais vezes O recordará, c iia rumo •.allilaiitln-llie ao redor, com impulsos do coração, por n i h r • ii'-|nm', i- jaciila torias.

VI— De S. Maria Magdalenn de P a z /i se conta qu e, fin an d o pequena, nos dias em que a máe co m m u u g a v a , m m la-, v r / r , lhe subia ao collo, dava-lhe pancadinhas n o pe ito , pu nh a - .ey i i- .ru tar para ouvir o que Jesus respondia, ou o q u e la /u im - .n o materno.

Assim faz a alma verdadeiramente eucharislica ilmante as horas do dia, com Jesus no coração.

E, do tabernaculo do peito, vôa pelo desejo e muitas vezes aos tabernaculos das egrejas, adora-Ó de longe, de longe lhe sorri, e faz a communhão espiritual.

Tanto quanto seus deveres o permitiam, retira-se a um an­gulo da casa. fecha-se no proprio coração e, ou fala a Jesus, re­zando, ou O escuta, lendo iivros espirituaes.

Depois, aaliens et transiliens — seu espirito faz a volta do mundo ee.charistico, adorando-O onde está mais abandonado, onde é menos reverenciado, onde deseja ser mais visitado. Peito isto, volta ás suas fadigas, aos seus trabalhos, aos seus sacrifí­cios, os quaes recamam, enfloram, marchelam sua vida.

E assim, até que o sol se occulte e a noite chegue.Então somente termina sua aeção de graças; mas termina

para que comece nova preparação. E’ outra sede eucliaristica, que vae ainda uma vez contar as horas até a commuuhno do dia seguinte. Já se sabe, o relogio de uma alma sedenta de Jesus anda sempre devagar.

VII— Oh! a sêde dos santos pela divina Eucharistia!Também de S. Magdalena de Pazzi se diz que durante o

dia contava muitas vezes as horas que a separavam da commu­nhão. E, chegado esse bendito momento, devendo as irmãs se­guir por ordem de antiguidade, ella. sem que o reparasse, sahia por ultimo do seu lugar, e chegava primeiro que as outras, ás vezes, até primeiro que a superiora.

Cerva eucharistica, desde pequenina, foi igualmente S. Verô­nica Juliana.

Tinha somente três annos, e já ardia em desejo de commun- gar. Com esta idade, estando na egreja, e vendo outros chega­rem-se á mesa santa, era necessário que a agarrassem á foiça, pois de. outra fórma ia commimgar também.

Quando sua mãe recebeu o santo viatico, tentou arrancar

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A ALMA ÉlICHARISTICA

a hoslia das mãos do sacerdote; não o conseguindo, pulou so­bre a cama. e começou a beijar a bocca da mãe, dizendo:-«Oh ! que cheiro! oh! que cheiro! Que bella cousa recebeste mamãe! Quero-a eu também ! Quero-a eu também !»

VII! 5 Philippe Ne.y, mesmo quando doente, communga- va infallive:mente todos os dias, e o fazia pela madrugada, logo depois de Matinas. Nos. seus ulnmos annos obtivera do Papa conservar o S. S. Sacramento em um pequeno oratorio. junto ao do seu quarto, e assim O recebia mais commodamente. Quando os padres, por qualquer motivo, na hora Certa não lhe podiam levar a sagrada Communhão, elle não pregava olhos até que ti­vesse recebido o seu Senhor.

Uma noite, estando gravemente doente, e como não o ii- vessem visto dormir um só instante, quizeram diferir-lhe a com- munhão para a manhã seguinte. O Santo, notando a demora, dis­se, ao padre assistente:

— «Fica sabendo, meu filho, que não posso repousar, pelo desejo que sinto da communhão; dá-m’a depressa, e verás que logo adormecerei».

Assim aconteceu. Tendo commungado,adormeceu immedia- tamente, e começou a melhorar.

Uma oulra noite, dando-lhe a communhão o Pe. Antonio Gallonio, e sendo este um tanto lente e demorado, S. Philippe gritou-lhe:— Antonio, ainda tens em tuas mãos o meu Senhor? Porque não m’0 dás? porque?...

Dá-m'o depressa! depressa!...»

IX— O mesmo acontecia com S^Affonso. Já avançado em idade, e não podendo mais celebrar o divino sacrifício, quando tardavam em levar lhe a communhão. se punha a gritai :-«Dae- me o meu Jesus Cltristo! Dae-me o meu Jesus Christo!

E quando seu servo Aleixo. da melhor fôrma que podia, o arrastava até o côro. ainda que o santo mal pudesse articular as palavras, ouviam-n’o exclamar: — Aqui está o S.S. Sacramento; aqui se faz a sagrada communhão .. Não é em toda parte que está o Sacramento... O h! que bella cousa! Duas lampadas ardem sempre deante do S.S. Sacramento... Aleixo! Aleixo! Quanto de­sejamos ficar em presença do S.S. Sacramento! Quando o visi­taremos de novo, o S.S. Sacramento?..

Urna vez, o servo, não podendo levá-lo á egreja, e exhor- tando-o a adorar o Senhor do seu quarto, bem vizinho á capella, S. Affonso exclamou: — «Sim, mas não está no meu quarto o S. S. Sacramento». :

Outra vez, nãò o levaram por causa do grande calor que

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fazia, e elle começou a grilar: - «Ah! mm Jesus Cliristo não procura os lugares frescos!...»

X— Não inferior ao de S. Affmiso í<;i n anlor eucharistico de um seu patrício e filho espiriiual, S (ieranlu Majella, alma profundamente eucharistica. e ainda pouco conhecida.

Desde pequenino, Oerardo era um p e q u e n o rei v o euch ar is- tico. A prova é que de nenhum sa n to le io tp e lo m e n o s n a o o sei) que tenha feiio duas primeiras c o m m u n ltò e s , um a pela m ão dos anjos, outra pela mão dos h o m e n s .

Um dia, contava oito annos, e s la m lo na egreja e vendo ou­tros commungarem, sentiu tal anhelo que foi elle lambem até a mesa sagrada. Mas afastaram-n’o os cireumslanles.

Pôs-se a chorar o anjinho de D e u s , e lauto chorou que na noite seguinte veio S. Miguel consolá-lo, e deu-lhe elle proprio a communhâo. No dia seguinte, o menino privilegiado tudo referiu innócentemente, e, na.hora da morte, ainda o confirmou ao seu confessor.

Com oito annos fez a primeira communhâo pela mão dos anjos; com dez a fez pela mão dos sacerdotes.

De duplo fogo, duplo incêndio.Com effeito, ainda secular’ conseguiu obter do sacristão,

seu parente, a chave da cathedral de Lacedonia, e lá passava a noite, em presença do Tabernaculo. Foi em uma dessas aben­çoadas noites que Jesus Christo falou lhe do sacrario, e lhe dis­se:-— Doidinho !—E Oerardo de prompto respondeu:—«Mais doi­do sois vós que, por meu amor, ahi estaes prisioneiro».

Se como secular era assim louco, que será como religioso ?Almas eucharisticas, eis o que são os santos.

XI- -Agora vou falar da terceira categoria das almas eucha- rislicas; e, porque são as mais dignas de Jesus Christo no S. S. Sacramento, sinto a necessidade de falar dellas mais explicita­mente, primeiro dando-lhes uma vista de olhos geral, depois, em particular, estudando-as sob vários litulos.

Ao Deus.de amor supplico não que o possa fazer digna­mente (isto seria pedir demais) porém que o faça o mais digna­mente possível. _ , . (

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A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO V

Tçrcelro gráo— As Magdalenas eucharisficas

I— Não sem intima trepidação entro no mystico santuario destas almas b^mditas. cuja única vida é Jesus Sacramentado: Mihi vivere th r is tu s est — que já não vivem, mas é Cliristo que vive nellas: Vivo ego, iam non ego; vivit vero in me Christus !

Houve um momento solemne na vida de Magdalena, foi o momento em que ouviu do divino Mestre o elogio que a tornou incomparável e invejável para todos os santos, o elogio de ter escolhido a melhor parte: optimam partem elegit sibi Maria.

O optimo não admitte gráo superior. Meditemos um pouco sob-e as circumstancias que á Magdalena mereceram aquelle elo gio. e acharemos nem mais nem menos que a imagem da alma eucharistica, de quem queremos falar neste capitulo. Por isto o intitulamos:—as Magdalenas eucharisticas.

A arte christã tem se esforçado por reproduzir a scena de páraiso: Magdalena sentada, perdida suavemente em extase de amor; muda, silenciosa, arrebatada encantada pela belleza e do­çura do Christo que lhe fala.

Assim, pois, a Magdalena: 1. está sentada; 2. em extase de amor; 3. com o olhar brilhante, fixo no rosto adoravel de Jesus; 4. muda e silenciosa; 5. não esqueçamos que toda essa scena se passa em certo castello, que era precisamente o castello de Mar- tha e Maria, (scena referida por S. Lucas: cap. X, 38, 42).

II— 1. A m or estável e ferenne. Já não é um simples ccrvo a saltar e correr; já não se agita e afadiga como Martha.

Esta alma eucharistica permanece em estado de calma divi­na, e, por isto, como a Magdalena, permanece sentada Estar sentada equivale a um estado; mysticamente significa uma quie- tação estável, firme, habitual.

Assim, de Christo se diz que está sentado na barca de Pe­dro, <|ue é sua egreja; que está sentado no Céo, á mão direita de Deuà Padte Todo Poderoso.

O repouso vem depois da fadiga, a tranquilidade depois da procella, a paz depois da guerra.

Ora, a alma eucharistica de quem falamos dominou todas as agitações, superou todas as tempestades; venceu todas as guerras do espirito. E, depois, como a Magdalena. permanece sen­tada, aos pés de Christo.

Seu amor está sentado, porque ella se conserva em pleno dominio de si mesma, na plena possessão do seu amado Bem;

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seu amor está sentado, porque já não <lá pulos «• arrancos, já não é variavel, já não soffre oscillações pmfmnlas do frio, de humi­dade, de nuvens, isto é, circumstancin* do inp.i alidáo o dc fraque­za. Suas variações são somente eni grãos do maior ou de menor fervor, e, nos mysterios, ora de alegria ora do liisto/a, mas sem­pre dirme, sempre ardente, e, por isto, espiiiliialmenlc, sempre sentada aos pés do seu adorado Mestre.

A este estado, humanamente angélico, nao chegou de uma vez só, porém pouco a pouco, com a «raça de Deus, e com a própria bôa vontade, luctando e vencendo, re/ando c soffreudo sobretudo, alimentando-se cada dia com o pao dos fortes, teme­rosa de si própria e confiante em Deus, feliz, em sua fraqueza e, segura n’Aquelle que a conforta. Depois de auuos e amios de firmeza e de violência, o amor eucharislico pouco a pouco a pe­netrou; penetrando-a, a purificou; purificando-a, a assimilou; assi­milando-a. a transformou, de modo que cila já não vive, é Christo, sua vida, que vive nella.

Por isto, esta alma, como a Magdalena, está sentada... E sentada quase em um extase de amor.

III—2 Extase da alma euc/iarisiica. -O h ! meu Deus, se é tão doce chorar por ti, quão doce não será gozar de ti! A Egre- ja, arrebatada, canta: (hymno das Vesperas)

Jesu, spes poenitentibus Quam pius es petentibus!Quam bônus te quaerentibus Sed quid ihvenientibus!

O’ Jesus, esperança dos penitentesQuão pio tu és para os que te querem!Quão bondoso para os que te buscam!E o que serás para os que te acham!

E a alma eucharistica sempre quiz a Jesus, sempre buscou a Jesus, e finalmente O achou, O achou .para permanecer nq seu amor, para não mais deixá-IO arrebatar, pa a não peidê IO nunca!

E este reencontro feliz, esta posse tranquilla de Jesus no seu coração, esta segurança de amá-IO e de ser d’Elle amada, este gozo ineffavel, porém habitual e perenne, ainda nas agonias maio­res do espirito e da vida, tudo isto fó-ma o extase da alma eu­charistica,!

E’ mesmo- o extase da Magdalena. que só uma palavra sabe dizer a Jesus: Rabboni! e lhe diz tudo.

E’ o extase de Ignês: - «Sou de Christo, a quem amando

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A ALMA EUCHARISTICA

sou casta, a quem tocando sou pura, a quem acolhendo sou virgem».

E’ este o extase de Cecilia, apertando ao peito o Evange­lho de Christo, acompanhada por orgam e que canta: —«Fazei, Senhor, que meu coração e meu corpo fiquem sempre immacu- lados, para que vossa serva nunca se cubra de confusão I»

E’ o extase de Gertrudes. que sente seu coração tornar-se deliciosa morada de Jesus Christo, ouvindo-o dizer assim:— «Achar-me-eis no Tabemaculo ou no coração de Gertrudes».

E’ o extase de Catharina de Senna, de Catharina que vive só da Eucharistia, que sente-lhe o odor, e conhece-lhe a presen­ça, distinguindo-a miraculosamente das partículas não consagra­das, de Catharina que ouve repetir estas dulcissimas palavras :— —«Pensa em mim, e eu pensarei em ti».

E’ o extase de Rosa de Lima, que pertence de tal fórma a Jesus até ouvi-IO assegurar um dia:—«Rosa do meu coração, se­rás minha esposa*.

E’ o extase de Elisabeth de Hungria, quando chamada a permanecer sempre junto de Jesus, que dizia: «Se queres estar commigo, eu quero sempre estar comtigo. De ti nunca quererei separar-me».

E’ o extase de Magdalena de Pazzi, a qual, não sabendo como dar desabafo aos ardores do coração, á noite toca a sineta, acorda as. religiosas que dormem, e quando vê-las entrar no côro, se põe a gritar-lhes:—«Vinde amar o Amor! o amor não é co­nhecido! Vinde amar o Amor».

E’ o extase de Verônica Juliana, que, fóra de si, arrebatada dos sentidos, corre pelo jardim, sóbe ás arvores, e exclama: — «Jesus meu! Jesus meu!... Amor! amor! ponde fogo ao meu co­ração».

E, para acabar, é o extase de Theresa de Jesus... Ah! o proprio Cura d’Ars chorava de commoção ao pensar ou referir as palavras de Jesus a Theresa:—«O'Theresa, quando os homens não mais quizerem saber de mim, virei esconder-me em teu co­ração».

E estas outras:—«O’ Theresa, espero o dia do juizo, para mostrar aos homens quanto me tens amado».

IV—3. Só Jesus. Para taes almas Jesus é tudo. Outra belleza não existe para seus olhos além da belleza do Filho de Maria. Todas as outras cousas as interessam, somente emquanto possuem Jesus, d’Elle participam, e falam, e O reflectem em si.

E’ uma alma transfigurada pelo amor a alma eucharistica. Ora, os olhos de uma alma assim transfigurada só sabem ver a Jesus.

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Quando no Tabor, á voz de Deus P.-nlir, cai ram por terra os tiês apostolos predilectos, Jesus sr appmximoii delles, e lhes disse: «Levantae-vos. e não leniaes-,

O niysterio da transfiguração sr tiulia realizado, a luz do Tabor divinamente deslumbrara aquHU-s o lh o s moi taes (.) toque, a ordem de Jesus fizera tudo. Então se rigiu-m, inoeuram... po­rém. nada mais vêm, vêm só Jesus. iMatli XVII, (>.) Levantes autem oculos neminem vidcnuit, u/si sidnni Jrstmi.

La, isto succedeu materinlmeim ; nas almas smvede espiri tualmente. Quando a luz do Tabor illuminoii os olhos de uma alma, quando esta alma foi tocada, ciguida, rcaniinada por Jesus, quando nella se cumpriu o grande myslnio da transfiguração, suas pupillas divinamente esclarecidas nada mais vêm além de Jesus. Não que sejam cegas, isto não Os olhos lhes ficam abertos, e agem no meio do mundo, vivem em suas casas, em seus conventos, conversam com todos, são exadissimas no cum­primento dos proprios deveres, ponto em que outras difficilmen- te as superam... Entretanto, têm os olhos abertos e não vêm nada da terra. Espiritualmeute succede a estas almas o que sensivelmente succedeu a S. Paulo no caminho de Damasco.

Quando cahiu do cavallo, potente voz de Cliristo, seus olhos ficaram abertos, porém nada mais via (Actos, IX, 8) Aper- tis oculis, nihil vidcbat.

Nada mais via materialmente; espirilualmente, porém, á luz que de repente se lhe irradiou do céo, viu tudo tão bem que no mesmo instante se abandonou todo inteiro nas mãos do Se­nhor, dizendo:—«Senhor, que quereis que eu faça?» E, com este abandono, S. Paulo iniciou sua carreira de santidade onde os outros a terminam.

V—E’ este o duplo effeito que, em sentido contrario, pro­duz a luz divina: cega, por um lado, e illumina por outro. Eis por que as grandes almas eucharisticas vivem no mundo como se fossem cegas. Só sabem ver Jesus em todas as cousas, e to­das as cousas em Jesus: para todo o resto, apertis oculis, n i­hil vident—têm os olhos abertos e cousa alguma veem. Nada as interessa, nada as impressiona, nada as attráe. São outras Ger- trudes, a trabalharem com as mãos, emquanto giram continua­mente em torno de Jesus, sem jamais deixá-IO, sem jamais per- dê-10 de vista.

Assim se explica o admiravel equilíbrio de espirito, e o pro­fundo recolhimento que os santos conservavam entre os affaze- res mais variados, no meio das agitações mais tempestuosas. Verdadeiras bússolas, verdadeiras agulhas magnéticas voltadas sempre para o pólo divino! .

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50 A ALMA EUCH AUISTICA ■

Assim podemos comprehender a resposta dada por S. Fran­cisco de Salles a S. Chantal, que indagava se elle se tinha dis- trahido durante aquelle diá: — «Quando muito uni quarto de hora».

E S.' Luiz de Gonzaga, verdadeiro anjo da Eucharistia, no espaço dc seis mezes (parece quase incrível) só se distrahiu o qnanlo se gasta para rezar uma Ave Maria...

Assim, finalmente, se comprehende porque o amor da Ma- gdalena, como o amor de todas as grandes almas eucharisticas, é um ainor mudo, silencioso, concentrado.

VI— A m or mudo e silencioso—Em torno da pessôa san­ta esvoaça um silencio divino.

Quem niuito fala, quem muito tagarella, nunca será uma al­ma de perfeição, e muito menos um a alma eucharistica.

A razão é que os grandes amores, como as grandes dôres, necessariamente são mudos e silenciosos. Quanto mais silencio­sos são os rios tanto mais profundas são suas aguas. Quem fala muito, tem o coração vazio: E’ como uma torrente que só faz barulho.

Pelo contrario, um coração repleto é coração profundo; por isto fala pouco, sempre por necessidade e sempre com rectidão.

Gosta mais de escutar que de falar, como a Magdalena, que audiebat verbus illius—muda, absorvida pelo amor divi­no, escutava a palavra de Jesus.

O silencio é uma fôrma pudicadoamor; quanto mais c amor é casto e delicado, tanto mais é secreto e silencioso.

A palavra é quase uma evaporação de amor; e, alma casta e enamorada cala-se, pois teme que, falando, se evapore e se dis­sipe o seu amor; assim, qual aroma precioso, conserva-o fecha­do, segregado no proprio peito.

O amor casto é o grão de trigo que morre nas entranhas da terra; é a raiz escondida que alimenta a grande arvore; é a pérola occulta nas profundezas do mar: é a abelha industriosa que fabrica seu mel nos esconderijos da colmeia.

Dito profundo é este:—«A palavra é de prata, o silencio é de ouro; falar é proprio dos homens, calar dos anjos; a loquacida­de é do tempo, o silencio é da eternidade».

VII— E todas as grandes almas foram almas silenciosas.Quem maior que JeSus, Maria e José?Jesus calou-se durante trinta annos.Que fez nos trinta primeiros annos de sua vida Aquelle que

era Verbo de Deus, Palavra substancial do divino Padre? Ta- ccbat— calava-se.

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ANTONINO Dl.

E também ca!ava-se sua Mãe.A Igreja canta castissimamcntc <■ raM k-.iim i m y slc r in da In-

carnação: Casiae Parentis vise cm ene/e^/is in /m t g ratia: ■ 7.'cnter Puellae baiulat—secreta </aae mm imvrral: A

graça celeste penetrou nas en lran lia s da ra-.ia M ae, o si-io da Jovem encerrou secretos e d e s c o n h e c id o s an -a im v (I Ivn m o d o Natal).

Por isto. nenhuma crealura liimiana o u v iu dos lábios de Maria a narração do mysterio que nella m- irali/aia Neuluima!

Nem mesmo S. José, a quem a Sculioia via em eouslema ção extrema, e que pudera serenar com uma palavia.

Não! ella não fala. Tem um segredo de Deus, e os -.cgic dos de Deus -6 Elle os ha de revelar.

Fica muda em Betem... E como poderá falar, se seu cora­ção está immerso como que em um oceano de gozo?...

Ficará muda no Colgota... quando seu coração se abysma- rá em um mar de tristezas...

O’ santo Evangelista, a Virgem não fala ..mas vós nos dis sestes tudo quando delia escrevestes que uo coração conservava cuidadosamente o que via e ouvia de Jesus, meditando-o, apro­fundando-o?

M ana autem conscnmbat ont/iia verba hacc confe- rens in corde suo (Luc. II. 15).

Eis a occupação, eis a vida interior de Maria, que, com cer­teza, foi a alma eucharistica por excellencin.

Todavia, algumas vezes falou, como por três annos pregou o seu Filho divino.

Por isto, commove-me mais ainda o silencio de S. José.Oh! Deus! de todos os santos sabemos uma sentença, um

lemma que seja, a recordá-los, a lhes revelar a vida.Somente sobre um santo reina absoluto silencio—S. José.

Os Evangelistas uma só palavra, um só dito não nos transmitti- ram de S. José. Todos os santos falaram; S. José, unicamente, não falou— siluit.

E não ha que nos admirarmos. Assim devia ser.

VIII—S. João da Cruz nos ensina que o silencio é um dos actos de suprema adoração. Sim, é adoração suprema, o silencio, quer para os anjos quer para os homens, quando, opprimidos sob duplo peso. o peso do proprio nada e o peso da infinita magestade de Deus, ficam como que anniquilados e mudos na divina presença.

Mesmo humanamente, em face de um grande pefsonagem, não se pode falar.

E nosso silencio, em tal caso, é mais respeitoso que a pa­

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S2 A ALMA EUCH ARISTICA

lavra. E’ lambem mais eloquente. E’ mais eloquente, porque a palavra tem um significado só. e, pelo contrario, o silencio tem muitos, tem infinitos signiiicados

Uma phrase admiravel do Livro dos Machabcns nos diz que, á passagem de Alexandre Magno, conquistador do mundo antigo, a terra calou e ficou muda. (I. Mach. I, 3). Siluit terra in conspectu eiuc,.

Quanto mais na presença de Deus !..De facto, o Espirito Santo mesmo, pela bocca do propheta

Sophonias,nos manda guardar silencio deante do Altíssimo: (Sopli. 1, 71. Silcte a fa d e Üomini.

Por isso, S. José, que continuamente viveu em presença de Jesus Christo Deus (mais que na simples presença!) foi sempre mudo e silencioso. Portanto, silencioso elle, silenciosa a Virgem, silenciosos os pastores de Belem, silenciosos os Magos do Ori­ente, silenciosa a Magdalena, que tem lagrimas em abundancia, |em beijos, tem balsamo, mas não tem palavras, e não faz dis­curso algum ao seu Jesus.

Assim, são silenciosas todas as grandes almas eucharisticas, visto que cheias da presença de Deus, do sèu pensamento, do seu amor, da sua ternura. E isto para escutá-IO é saboreá-10 melhor, pois somente na solidão Deus se faz ouvir e faz apre­ciar com mais intimidade.

Esta também é a razão pela qual a scena de Magdalena se passa em um castello. (Applicação minha espiritual, comprehen- de-se).

IX—Mystico castello interior da alma eucharisiica.— Quando a alma, com o trabalho da graça, da vontade e do tem­po, chegou a este gráo que vamos descrevendo, então já se tor­nou um mystico castello. E um castello deve ser a alma. para que possa merecer o elogio de Jesus á Magdalena: optimam partem sibi elegit Maria.

Castello interior pela solidez da virtude, pela firmeza dos propositos, pela constância no bem. pela coragem nas provas, pelo heroísmo nos sacrifícios.

Um castello bem municiado e fortificado, vigilante contra as trahições dos inimigos internos. Castello onde as almas sen­tirão talvez demais as tempestades do século, os apegos do mun­do, os assaltos do inferno; mas onde possuem Deus no seu sa­cramento e estão firmes.

Como um dia, a grande Clara de Assis, vendo seu mos­teiro assaltado pelos sarracenos, apertou ao peito, t ergueu ás alturas o Deus das virgens sacramentado, gritando-lhe: «O’ Je­

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P. ANTONINO Dt C I I I AMMARI

sus, não deixeis cair entre as presas desses animaes ferozes as almas que confiam em vós; guardai* as sei vas <|iie remistes com vosso sangue precioso»—assim grita » em farc do perigo todas as almas eucharisticas. Confiam como ('.laia, e como ('Iara sáem vencedoras invictas, pois o Deus das virtudes se transforma em Deus das vinganças, e sua palavra tram|nili/adora eclioa imme- diatamente: *Ego vos semper aislntliani. Serei sempre vos­so guarda»—como respondeu á Virgem de Assis.

X—Seguras, portanto, da assistência de Jesus, a quem per tencem, e pelo qual vivem, estas grandes almas eucharisticas con­servam-se imperturbáveis entre os perigos da familia, da socie­dade e do mundo; nos hospitaes, nos cárceres, nos campos de batalha, no meio dos selvagens, nas stepes barbaras, nos conti­nentes longínquos. Toda a coragem lhes vem do Tabernaculo; toda a sua força é a divina Eucharistia /rstis //ws basta! e, cada dia, confortadas pelo Pão dos fortes, pelo Pão que formou os santos, os martyres, os heróes, ellas exclamam com S. Paulo: —«Quem me separará da caridade de Christo? talvez a tribula* ção? talvez as angustias? talvez a fome? talvez a nudez? talvez o perigo? talvez a perseguição? talvez a espada?.... Mas, de tu­do isso, nós somos vencedores por Aquelle que nos amou. Pois estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os Anjos, nem os Principados, nem as Virtudes; nem o que existiu, nem o que ha de existir; nem a força, nem a altura, nem a profundidade, nem covtsa alguma poderá jamais separar-me da caridade de Deus, que está em Christo, Senhor Nosso. (Rom. VIII, 30. 39).

Eis o quadro geral das almas eucharisticas de mais alta per­feição.

Agrada-me, todavia, apresentá-las ainda em outros quadros particulares, mais detalhados.

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54 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO VI Langor eucltarislico

(Quadro particu lar) t

I— O amor em gráo intenso torna-se febre moral, febre len­ta, secreta, gostosíssima. Ninguém enlanguece tanto como aquelle que tem febre continua; pode-se bem dizer que é consumido pela febre. Por isto mesmo, quando o amor tornou-se febre, de quem assim ama, se costuma dizer: enlanguesce de am or—é consumido pelo amor.

O evangelista S. João, falando do irmão de Martha e Ma­ria, diz: erat quidam langiicns L a za m s, a Bethania (João, XI, 1.)—era Lazaro da Bethania, que enlanguecia. Com certeza tratava-se de doença pliysica; entretanto, talvez nisto entrasse o ainor. Com effeito, as duas irmãs, com uma delicadeza finíssi­ma, ao Mestre mandam um mensageiro, para que lhe diga sim­plesmente, sem nomear o enfermo:—«Senhor, aquelle que amas está doente (João, XI, 3.i» Prendem Jesus directamente, pelo ca­minho dof.coração, que é o mais breve e o mais seguro.

■ Basta que Elle saiba que o enfermo é um seu amado e, portanto, um seu amante. Nada mais é preciso accrescentar.

II— Ora, que é um coração iutensamente enamorado de Je­sus na Eucharistia? Se eu devesse dar-lhe um titulo, a esse apai­xonado eucharistico, chamá-lo-ia: quidam languens a Betha­n ia— um enfermo, um lânguido de Bethania. isto é, pertence a Bethania. que é a casa do amor, pertence á familia dos discípu­los amados e predüectos. Está doente de amor, mas Jesus o sa­be, e conhece bem a doença.

Se, porém, quereis recordá Io a Jesus, só deveis usar as pa­lavras ditas a respeito-de Lazaro: — «Senhor, aquellé que amas está doente».—Basta assim; nada se deve accrescentar para Aquel­le que sabe tudo. que tein coração de pae, de irmão, de amigo, que tem, sobretudo, coração de Deus.

III— Mesmo nos livros santos, encontro outra alma caríssima que tem expressão mais forte, mais pessoal, para fazer-se compre- • liender pelo seu Dilecto. E’ ella própria a enferma, é cila própria que enlanguesce. e é a mais teírivel das febres, a febre do amor divino que a consome e anmquila. Por isto, não podendo mais icsistir, grita:— (Cant. V, 8.)—O’ filhas de Jerusalem, eu vos peço que, se encontrardes o meu Dilecto. lhe digaes que eu enlangues- ço de amor».—Amorc lansrueo! Oh! grito arcano a resoar nos lábios de todas as grandes almas eucharisticas! Am ore lan-

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P. ANTONINO Of (ASM

gueo! Oh ! grito ineffavel, repetido pelas < intitules, pelas “Ca- iharinas, pelas Theresas, pelas Verônicas!

Atnore langueo! Grilo dulcissiiuo, t|ii<- cem c cem vezes por dia fazem chegar a Jesus as almas pm I lie apaixonadas! e fazem chegar também ás creatmas, piocmamlo auxiiio*c confor­to, convidando-as a sustentá-las com flores /n leite me flori-bus—a alentá-las com fructos - s/i/ut/e me nmlis porque en- laugue-cem de amor!... «e- enlanguescem dc amor, porque Jesus as introduziu na adega e, junto a esta adega, pós a caridade como guarda . » (Cant. II, 4, 5?.'

IV— A more langueo! Perguntae-o a S. Anlonio de Padua, o que significa langor eucharistico, a S. Antonio que, um dia, achan­do se no Mosteiro de S. Cruz em Coimbra e sabendo que, na egreja, para onde não podia ir. porque impedido, se celebrava a santa Missa, abrazava-se e enlangucscia de desejo immenso... E eis que no momento da consagração abrem-se as paredes e, do lugar onde se acha, o santo vê e adora a tlostia Santíssima er­guida nas mãos do celebrante !

Am ore langueo ! Perguntae-o ao jovem Paschoel Baylon, que, todas as vezes que, dos campos vizinhos, ouvia tocar a santa Missa, não podendo deixar seu rebanho, ajoelhava-se deante de uma cruz e assistia em espirito ao divino sacrifício, abafando- la­grimas e suspiros. Foi em um desses amorosos deliquios que lhe appareceu um grupo de anjos apresentando-lhe em nimbo de ouro um resplandescente Ostensorio, para que Paschoal con­templasse e adorasse o S. S. Sacramento.

—E a Catharina de Senna. que ternamente nos diz:—«Quan­do não posso receber o Senhor, vou á egreja, olho-O tanto, tan­to... e isto me sacia...»

— E a S. Jacintha Mariscotti, que padece verdadeiro marty- rio quando deve afastar-sè" do Tabernaculo, e que costuma dizer:— «No mundo não conheço maior tristeza que a de não amar a Deus».

—E a S. Catharina de Genoveva, que enlanguece e excla­ma:—«Já não tenho alma nem coração, porém minha alma ê meu coração são os do meu doce Amor».

V— Amore langueo! Perguntae-o a S. Margarida;Maria Alacoque. a grande discípula do divino Coração, que, ‘n í :festa solemnissima do Amor, isto é, em uma quinta-feira santa, chegou a ficar quatorze horas seguidas de joelhos, a extasiar-se suave­mente deante de Jesus Sacramentado.

—E á Condessa de Feria, qüe, tornando-se religiosa de- S. Clara, porque passava longo tempo deante do Ciborio, era cha­mada a Esposa do Sacramento.

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A ALMA EUCHARISTICA56

• E á serva de Deus Maria Diaz, que teve licença do bispo de Avila para habitar em uma tribuna da egreja, onde" quase de continue permanecia em face do S. Sacramento e O chamava seu vizinho. De lá só saliia para se confessar e commungar.

Am ore languco / Pergumae-o a Maria Eustella, que, por passar a vida em face do Sacramento, mereceu ser chamada Anjo da Eucharistia, e costumava dizer: — «O’ santa Eucharistia! tu contens tudo o que amo e tudo o que quero amar».

E, em tempos mais proximos, perguntae-o á serva de Deus Oemma Galgani, que, indo para a egreja, exclamava: — «Vou a Jesus.—Vamos a Jesus!.. Elle está só, sozinho... Ninguém pensa n’Elle... Pobre Jesus!»

E de outra vez: - «O h! não sei como tantos que vivem perto de Jésus se não incineram de todo. Quanto a mim, só por estar um quarto de hora em sua presença parece-me dever tor­nar-me um punhado de ciriza..»

VI—Mas, fala.tu, agora, ó Luiz de Gonzaga, fala, e nos re­vela o alto sentido deste grito: amore langueo!

Quem melhor que tu, ó Luiz, pode expliçar-nos o que seja langor eucharistico, febre eucharistica?

Sim, alma querida, o angélico jovem vos dirá ó que signifi­ca viver consumido de amor eucharistico, e consumido até mor­rer Elle vo-lo dúá, elle a quem a extatica Magdalena dePazzi contemplava entre os seraphins do Céo, e chamava martyr de amor na terra.

Também a própria Egreja o chama: charitate martyrem incognitum—martyr desconhecido de caridade.

Pobre Luiz! E’ inútil afastá-lo do Tabernaculo! é inútil im- •por-lhe que se distraia, que não pense demais no seu Dilecto. Quanto mais se afasta, mais lhe está vizinho; quanto menos quer pensar n’Elle, mais. O recorda; tenta fugir-lhe, e melhor ..O encon­

tra, O abraça, fica-lhe unido...♦ Pobre Luiz! Um dia deve resolver um negocio; porém, para

fazer isto com mais facilidade, precisa passar em frente da egreja. •E como passar por ahi depressa e sem demorar? Como passar sem permknecer um instante, um instante sequer deante do S.S. Sacramento ?...

’/*E-; ‘se passando, se immobilizasse? Se não se pudesse er­guer.?... Pobre Luiz! Desta vez, a passagem por perto de seu Ama-

. do é-lhe penosa e não agradavel.Cheio destes pensamentos, confuso, tremulo entra na egre­

ja...- apréissa os passos, eis o Tabernaculo!... oh! Deus! cáe de joelhps1 em fâee do seu Deus, dizendo-lhe logo que não pode de­morar,' que deve ir embora.—Adeus, diz„adeus!

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P. ANTONINO DE CASUI.I., .17

Quer levantar-se, mas não pode...Uma mão invrsivel o segura, uma força aicana o prende...

Seu coração 6e agita, seus sentidos desfalleecm, seu espirito cáe em extase... Já não é Luiz que não quer silm, c Jesus que o en­canta, Jesus que o encadeia.

Em'tal momento beatifico, o filho de Ignario desapparece.. resta só o filho de Deus, o enamorado de Jesus.. o anjo, o se- raphim da divina Eucharistia...

VII A mesma difficuldade que sentia S. I.uiz de üonzaga,,a^ passar deante do S. S. Sacramento, sentia também o nngdicoliguo- riano S. Geraldo Majella. Era sacristão e este officio o entlnisi- asmava scraphicamente, porque fazia-o permanecer vizinho, junto ao seu amado Bem.

Uma vez tinha pressa Fr. Geraldo, devia obedecer e sem demora. Mas, tinha que passar deante do S.S. Sacramento... Oh! ahi estava a difficuldade...

Ajoelha-se. adora, vae-se erguer... Mas que? está como magnetisado... E então 'com grande susto, começa a murmurar: —«Jesus meu, tenho que" fazer... deixac-me ir, por caridade! Dci- xae-me ir, Jesus meu...»

E por aquella vez deixou-o ir o Jesus seu...Devido a isto, muitas vezes o eucharistico sacristão passa­

va de corrida pelo santo Tabernaculo.Notou-o, o medico da casa, dr. Santarelli, e um dia Ihd

perguntou o motivo:—Que hei de fazer? respondeu Fr. Geral­do, mais de uma vez este Gentilhomcm (Jesus Sacramentado) me tem lançado faiscas.

E’ preciso que, fuja, temendo me pregue alguma peça.E com effeito, uma peça pregou lhe logo o Gentilhomcm...

Emquanto passava ligeiro deante do seu amado Clborio, e que­ria depressa sair, de repente cáe por terra. Estava presehte o ci­tado dr. Santarelli, que lhe perguntou o que tinha acontecido:— Não lhe disse que com Este flão se brinca?

Mas, que maravilha, que Fr. Geraldo caisse por terra, deante de Jesus vivo e verdadeiro, quando bastava sua imagem para af: rebatá-lo em extase? . Succedeu isto no refeitório do Dilecto, onde, em presença de uma intagem do Ecce-Homo, o santo te­ve um extase, foi erguido da Jprra, com um garfo na mão, e um guardanapo na outtaj .

O’ Luiz de Gonzaga, ó Geraldo Majella, que confusão o vos­so exemplo me dá, pensando que tantas vezes passo e torno. <á passar deante de Jesus, sem saudá-lO, talvez mesmcsem ti’Ellè

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CAPITULO VII

Ferida eucharistica (Q uadro particu lar)

í — O amor, na sua intensidade maxinia, não é somente fetve. é também ferida. Um poeta pagão, falando do amor profano clia- ma-o ferida: (Virgílio, Eneida, liv. IV.) Vulnus alit venis—ferida occulta nas veias.

Mas não temos necessidade de poeta pagão para nos per suadirmos de que o amor seja uma ferida profunda. Se assim não fosse, eu não podería jamais comprehender as imagens sagradas dos Corações dulcissimos de Jesus e de Maria: aquellas abertu­ras sangrentas, as chammas que delles sáem seriam inexplicáveis para mim... Inexplicáveis haviam de ser Francisco de Assis, o Crucificado do Avernis, Theresa de Jesus lanceada no coração, Catharina dc Senna e Verônica Juliana estigmatizadas.

II— Ora, toda alma eucharistica tem uma ferida no coração —a ferida do amor—pela qual também fica estigmatizada. Não é ferida ou estigma sensivel, não; entretanto, por causa de tal feri­da, a alma não cessa de ser victima do amor de Jesus no Sacra­mento.

Seu coração physicamente está sadio, mas, espiritualmente, torna-se ferido e chagado.

E, se a alma enamorada procurasse uma palavra para reve­lar seu intimo, escolhería a palavra do proprio Esposo celeste, e lhe diría: (Cant. IV, 9.) Vtilnerasti cor meum. — Feriste meu coração! meu coração está ferido, ó dilecto Jesus! Vulnerasti cor meum. Quantas cousas diz esta amorosa affirmação da alma!

III— Quando se recebeu uma ferida e esta tornou-se chaga, quando esta chaga está sempre aberta, e nunca sarada, poderá haver um momento, um momento sequer, em que o paciente es­queça sua ferida? poderá haver um logar, uma circumstancia, em que não sinta a dôr de sua chaga?

Seria o caso de repetir com o poeta: vulnus alit venis... alimenta uma chaga, uma ferida nas veias. Assim, já que o chrís- tianisino baptisou não somente pessoas, mas também vocábulos pagãos, e os consagrou á religião de Jesus, eu, a esta phrase de Virgílio,—poeta, aliás, o mais pudico dos poetas antigos—quero Ijbertá-la do seu significado profano, e quero torná Ia uma phra­se eucharistica. Virgílio dizia: vulnus alit venis. A caecn car- p itu r igni—alimenta ferida nas veias, e por cego amor é domi*

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P. ANTONINO DE CASI

nada. Eu, purificando e san tificn n d o <, n m c c iln , d iio i luilnua alit vettis et sancto carpitur i”ui ;iliiiu-nl;i ferida nas ve ia s, e fogo.de santo amor a abwiza.

Desta fôrma o verso pagão lo r n a -se v.-imi e vcnhule cu- charistica.

Dae-nie uma alma amante, d iz S. A g o st in h o , r cila compre- henderá muito bem o que digo. la m b e m cab e m e rep licar: I)ae- me uma alma verdadeiramente e iich a iis lic a . i sentirá lo g o (pião verdadeiro seja que o amor alim enta n as ve ias um a ferida.

IV - Vulnus alit vettis ! O h ! c o m o esta ferida a b s ó iv in a alma de Mrgdalenà de Pazzi! Uma manhã cila que tanto traba­lhava quanto orava — estava fabricando pão. Manipulava o pão material, mas seu coração inflannuava-sc pelo desejo de um ou­tro pão—o Pão dos Anjos. Suspirava, anhelava. enlanguecia de amor... Eis que a campainha toca e chama as irmãs para a com- munhão—Magdalena vôa...

Mas. a tal ponto está enlevada no seu Jesus que se apre­senta á portinhola e faz a santa Communhão de mangas arregaça­das, e com bocadcs de massa nas duas mãos. sem consciência disto..

Meu Deus, são factos que parecem inacreditáveis, e que, entretanto, são verídicos!

V— Vulnus alit venis!— Verônica Juliana, cujo coração é ferido physicamente e espiritualmente, sente goso de paraiso, quando Jesus Sacramentado deve entrar no seu mosteiro para dar-se ás religiosas doentes.

Pensa nisto toda a vespera, toda a noite, todos os dias se­guintes. Quando chega o sacerdote com o Divinissimo, Verô­nica não se contem mais, seu coração exulta e estremece; arde mais ainda que a vela que tem na mão. Acompanhando o Santo dos Santos, por humildade desejara ser a ultima do cortejo; en­tretanto é a.que mais se approxirna do sacerdote, tão próxima fica que uma vez (Verônica, que fazes tu?) consegue dar um beijo rapidíssimo na sagrada pixide. Ah! não accuseis de irreve­rência a minha santa irmã capuchinha.., Nem ella mesma s?be o que fez! Na noite seguinte á communhão da enferma, subia de joelhos as quatro escadas do mostciio, que conduzia á enferma­ria, em homenagem: ao Santissimo que por ali passava. Em cada degráo fazia uma cruz com a lingua.eseu fervor era tal que muitas vezes nelle deixava signaes de sangue; Este jjiedoso e edificante costume conservou mesmo depois de se tornar abadessa e ainda que muito debilitada pelos annos, e mais ainda pelas doenças.

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• VI— Vulnus alit venis! Eis uma outra grande alma eu- charistica ferida também sensivelmenie e espiritualmente nc cora­ção—é S. Maria Francisca das Cinco Chagas, terceira franciscana de Nápoles.

Todas as Missas eram longas de mais para ella, pois pare­cia-lhe sempre que nunca mais chegava o momento da Commu- nhão. Meu Deus, os grandes milagres operados pelos santos fo­ram com certeza os milagres do seu amor.

Um dia Francisca assistia á Missa do confessor, D. Anto- nio Avellino, que reservara para ella uma partícula.

No momento da cominunhão o bom padre fica atrapalhado, não vendo a partícula, consagrada. Cheio de susto, procura-a so­bre o altar, procura-a por terra... emquanto Maria Francisca faz- lhe signal de que já a tinha recebido! Tinha-se commungado! Commungara por si mesma, antes que o padre o fizesse !...

Uma outra vez, Maria Francisca devia fazer a communhão na egreja dos Florentinos, onde pela circumstancia de uma fes­ta, acha multidão de povo que se aperta no recinto. Que fazer? Esperar ou sair para outra egreja? Seu coração não se resigna nem a uma nem a outra cousa. O coração dos santos tem um segredo, isto é, o coração dos santos é um iman eucharistico; mesmo de longe sabe attrahir as partículas consagradas. De fa- cto, ajoelha-se entre o povo... uma hóstia vôa da sagrada pixide, e vae pousar em sua lingua.

Mais estupendo ainda é o caso succedido um dia, durante a Missa de um outro confessor, o Venerável Saverio Bianchi, em um oratorio privado. Um santo dizia Missa, uma santa a assistia; scena própria dos santos havia de se passar. Com effeito, quan­do o celebrante foi levar o calix aos lábios, notou que a quanti­dade de vinho consagrado e a parcella da hóstia ahi depositada estavam diminuadas a tal ponto que mal se faziam sentir ao pa­ladar. Termina consternado a Missa o santo homem, e depois conta áquella alma privilegiada o que se passara. Ella se ajoelha a seus pés e exclam a«Perdoae, meu pae... teria bebido todo o calix se o archanjo S. Miguel não me advertisse de que o sr. devia terminar o santo Sacrifício!...»

VII—Porém não são somente estas aguias sublimes as úni­cas feridas pelo amor eucharistico.

Em epoca mais approximada de nós, e em proporção mais imitavel, tivemos outro anjo da Eucharistia: o servo de Deus José Maria de Palermo, clerico noviço capuchinho, morto nas primeiras horas do anno de 1886, e cuja causa de beatificação já está iniciada.

Era ainda alumno do seminário archiepiscopal da terra do

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P. ANTON1NO Dt CA!

berço, da qual será sempre ornamento c j;I«>h.i r já ;n /nns alit em suas veias lavrava a fciiil.i -.ii:ivi'.'iin.i «Io amoreucharistico.

Querería ser elle a lampada «Ia «\ip.lln. ou pelo imiios o companheiro dessa lampada euchaiislic.i. A-, po missões qne consegue do reitor para permanecer ilcnnlc do S S. Sari.nnento são sempre poucas, breves, insuíficicnlcs.

Foi peor ainda quando o reitor. ou para prová Io. oti para que não abusasse, e para que não se tornasse singulai, letiiou- Ihe todas as licenças, e o reduziu ao homtii- couuuuui «Io semi- nario.

Pobre Vicentino Diliberto! Tem <» c o ração Ira? passado. F que fazer? Como. sen; ver Jesus, passar as lo n g a s h oras «Io dia? como viver assim longe do tabernacnlo? Dupla ferida mina-lhe o peito: necessidade de obedecer, e necessidade de estar vizi­nho a Jesus.

O reitor prohibiu lhe permanecer na capclla parn não se tornar singular. Mas, se elle pudesse lá estar sem ser visto ?

Seria então não homem visivcl,porém anjo invisível.. Mas como conseguir isto ? O maior inventor não é a iutelligeucia, é o amor.

O amor do seminarista Vicentino Diliberto vae de invenção em invenção.

VIII—Primeira invenção; rião podendo estar dcanle do S. S. Sacramento na capella, fica sempre o mais perto possí­vel. Acha depressa o lugar: len bra-se de que noprimeito andar do Seminário existe um quarto isolado onde se guardam inslru- menlos de physica. E’ o lugar mais invisível e mais proximo da capella do Sacramento. Estar, pois; muitas vezes mettido naquel- ie esconderijo é estar muitas e muitas vezes vizinho, bem vizi­nho a Jesus Sacramentado. O h! que bella idéa! Realiza Ia é fá­cil, porque o reitor e todos sabem que Diliberto gosta da me- chanica. Os instrumentos de physica servem-lhe de pretexto. Quando muito poderíam suppôr que o padre Diliberto (assim o chamam os companheiros) vae encerrar-se naquelle gabinete de physica para fazer penintencia. Deixem-n’os falar, comtanto que o deixem fazer!... E o jovem, em todas as horas livres, com li­cença dos superiores, vae fechar-se no gabinete, entre os instru­mentos de physica, mas é victima de um instrumento divino, vi- ctima do amor: vnlnus alit venis.

Segunda invenção:^-Um dia, uma esperança lhe perpas­sa na mente: no fundo daquelle recinto, mesmo do lado da ca­pella, ha um pequeno vão, e neste vão ha talvez uma abertura...

O h! Deus! e se esta abertura désse para uma janella da capella?...

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62 A ALMA EUCHARISTICA

Só em pensar nisto estremece de júbilo.Que sentiu quando, forçado o vão, achou se com eífeito

em face de uma janella da capella ? O h ! Jesus dilecto, já não é um muro que o separa de Ti, é uma simples vidraça. E por esta vidraça não poderia ver o Tabernaculo bemdictoV Olha á direita.. (oh! momento de ancia!...) o Tabernaculo se divisa... E não o enxergaria melhor se tirasse um dos vidros da janella? Com mão tremula o tira... commovido e convulso adianta a cabeça.. Eil-o! o altar, o Tabernaculo, o S. S. Sacramento... Instante de paraíso! Já não é o homem visivel que adora o S. S. Sacramen­to; é a andorinha peregrina que se mostra no alto da capella; é o passaro solitário que assoma em uma abertura da casa de Deus. Oh! invenção dos santos!

Eis -que uma nuvem perturba a alegria daquelle coração angélico. Como ficar naquella posição incommoda tão longas ho­ras, com a cabeça a sair da janella? E. depois, havia sido posto fóra da porta (da capella) para não ser observado e tomado por sin­gular; e agora entra pela janella... Ah ! se fosse visto! Isto é que seria singularidade de escandalisar. Porém a mystica pomba já achou seu ninho, e não quer tão depressa abandoná-lo. E vem uma nova invenção: procura um espelho, pendura o na janella, do lado que faz face ao altar-mór, de modo que o Tabernaculo se reflicta no espelho. Obtido isto, obteve tudo. Sem ser visto e sem dar motivo a tagarellices, vae recolher-se nos tempos livres ao pequeno recanto, e ali, genuflexo, fica longas horas, arrebata­do de amor, com os olhos fixos e immoveis no espelho, ou. an­tes, no Tabernaculo que o espelho reflecte.

Bemaventurado irmão! é certo que és um anjo a viver da contemplação de Jesus Sacramentado, Porém, como és um anjo da terra, não O podes ver face a face; só O podes ver per spe- culum, in enigmate — através um espelho, no enigma do teu amor secreto e escondido.

Bemaventurado irmão, só assim achas balsamo e refrigerio áquella chaga que te queima o peito, e que te levou a tantas invenções.

IX—O’ Jesus dulcissimo, que a Egreja invoca medicina para nossas chagas —Jesu, medeia vu lnen im —Vos só conheceis o segredo para suavisar as feridas eucharisticas, porque só de Vós, meu Deus, dizia Jacob: (Jacob, V, 18.) Ipse est qui vulnerat et m edetur—E' Elle quem fére e que cura a ferida.

Com effeilo, não sois o bom Samaritano, que, tendo encon trado um homem ferido, move 8e de compaixão, approxima-se, cura-lhe as chagas, nellas derramando vinho e azeite? (Luc. X, 33. 34).

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P. ANTONINO DT CASI1I

O’ Santíssimo oleo e vinho eucharislico, ó nrnc e sangue de Jesus no Sacramento, vós, somente-, pode is icficscar e embal­samar as chagas das almas feridas pelo vosso amor. fim vós, unicamente acham o unguento, o aroma piecioso, unicamente na mesa eucharistica encontram allivio, unicamente a sombra do Ta- bernaculo se acalma a dôr de suas chagas, o amor de suas fe­ridas.

Longe dali só sentem vossos dardos, ó Jesus, só recebem vossas settas, e só podem dizer cpie « feristes meu coração, ó flecheiro divino — cor meum vulncnisli, rnlucrusli cor m eum .»

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64 A ALMA E U C H A R ISriC A

CAPITULO VIII

Fogo eucharistíco sensivel (*)

I—Mais que tudo, o amor é fogo; e que fogo é o amor Com- passivamente admiro o hcroico levita S. Lourenço, que arde sobre o fogo, como hóstia puríssima; porém, com maior maravilha, ad­miro o angélico Es*anislau Kostka. que. depois da Communhão, sente no peito tal ardor a ponto de obrigar os seus a envolvê-lo em pannos ensopados de agua. Admiro Pedro de Alcantara, que, em tempo de inverno, depois da santa Missa, vae lançar-se em tanques gelados e os aquece, tão grande e vehemente é o fogo que c abraza. E Catharina de Senna que, tranquilla, péga no fo­go natural, pois este lhe parece frio, comparado ao interior. E S. Venceslau, rei da Bohemia.que.de noite, no rigor do inverno, sáe de casa para visitar o S. S Sacramento, e de sua alma tanto fogo se communica ao corpo que, tocando a neve, a faz derreter-se. De fórma que ao servo que o acompanhava, para não sentir frio, bastava collocar os pés sobre as pegádas do seu santo patrão.

Admiro S. Francisco de Paula, e o B. Felix de Nicosia, lei­go capuchinho, que, um dia, achando apagada a lampada do S.S. Sacramento, accenderam-n’a no mesmo instante, tocando-a sim­plesmente com o dedo. Tão grande ardor divino lhes corria nas veias!

E como não me commover ao grito abrazado que meu se- raphico Pae fazia resoar por montes e vales:

—Em fogo me pôs o amor!... E m fogo me pôs o amor!... Em fogo me pôs o amor!...

II—Também a S. José de Cupertino ardia o coração de mo­do sensivel; dizia sempre que tinha no peito uma chaga viva.

—S. Francisco de Regis foi visto mais de uma vez pôr a ca­beça debaixo das goteiras, para alliviar a amorosa chamma que do intimo se lhe communicava ao corpo.

Perguntae ao peito de S. Philippe Nery o que queira dizer impeto de amor de Deus...

S. Rosa de Lima algumas vezes parecia receber na commu- nhão um sol divino, taes os raios que-desprendia em redor de si.

S. Paulo da Ctuz exclamava: — Sinto as entranhas abraza- das; tenho sêde e quizera beber. Mas. para extinguir este ardor, eu quizera beber torrentes de fogo — «E este fogo não queimava mesmo materialmente o coração da filha espiritual de sua ordem,

(*) Falo neste capitulo do amor encharistico como fogo sensivel; sen* sivel, 6 claro, não naturalmente, poi ém por virtude extraordinária.

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P. ANTONINO DE CASTI I I a MKIa Ií E

de Oemma Galgani? Foram lhe obscv.ulas as raim-s próximas no coração, e que estavam queimadas ícalmiiiir. I lia i-xilaamava; —«Sinto no coração um fogo mysterinso. Tnn ni-sciilo tanto que necessitaria de gelo para extingui-lo. »

Não é. pois, maravilha que um dia S. < alliarina de Senna, nas mãos do sacerdote que lhe dava a imnmiiuhán. teulia visto uma fornalha ardente, da qual sabiam chammas vivissimas!...

III— Moysés e S. Paulo, falando de Deus, dão uma defini­ção sublime, e com palavras idênticas, di/em: (I)eut. IV, 24 —Hebr. XII, 2Q.)—O Senhor Deus nosso é fogo dcvoradm l)o- m inus Deus nostet, ignis cottstiinrns rs/.

Ora, se o fogo creado e material tem fo iça para tudo quei­mar e tudo reduzir a cinza; se o proprio ferro no fogo se lique­faz e se torna fogo também, como se poderá negar a Deus. fo­go increado e infinitamente consumidor, a virtude de inflammar as almas que de modo digno se lhe avizinham, e sobretudo as almas que em santidade O recebem no proprio peito? Se os dois discípulos de Emmaús, quando se lhes abriram os olhos e O reconheceram á fracção do pão, ex c lam aram A h ! não nos ardia o coração no peito emquanto Elle nos falava e nos expli­cava as Escripturas?»—se Jesus peregrino, que fala externamente, faz arder os corações, como não os fará arder Jesus Eucharistia, que não só fala internamente, porém se communica á alma cò- mo o fogo se communica ao ferro e o encandece!

IV— David reflecte, medita e sente o coração se lhe abrazar em suas cogitações; se o Verbo de Deus, apenas meditado, abra- za e inflamma, que não fará o Verbo de Deus, não feito nossa meditação, porém nosso alimento, nossa comida e bebida?

Eis por que os santos acima indicados, depois da commu- nhão, sentiam a necessidade de se refrigerar mesmo materialmen­te, pois que também de modo sensível experimentavavam os ar­dores do fogo divino.

V— E, vendo-os assim, ardendo sem se consumir semelhan­tes os julgo áquella mysteriosa sarça (vista por Moysés no de­serto) que ardia e não se consumia.

Deus mostrava-se e falava do meio daquelle fogo, e Moy­sés exclamava:—«Irei observar esta grande visão, como esta sar­ça não se destróe nunca*.

E, como Estanislau Kostha, Pedro de Alcantara, Catharina de Senna, Venceslau de Bohemia, Felix de Nicosia, Francisco de Paula e de Assis ardem sempre e não se consomem? Se mor­ressem de amor, seria um milagre. Porém é também milagre

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66 ALMA EUCHARISTICA

que assim se abrazem e não morrani!... Estas são, com effeito. visões altíssimas da Divindade; são manifestações portentosas da graça; são lições muito profundas do Coração Divino.

VI— Também Verônica Juliana, quando ainda era a pequena Ursulina, no dia de paraíso em que, depois de annos de orações e de lagrimas, foi admittida a primeira communhão, sentiu tal ar­dor no peito que, de volta á casa. suppondo que todos sentis­sem o mesmo, disse para suas irmãs:—«Por favor, irmãs minhas, quanto tempo dura este fogo depois da communhão?...» Tão fervorosa ella foi no dia da primeira communhão, ainda em ter­na idade! Ora, que incêndio lavrará naquella alma, quando de Ursulina se tornar a Irmã Verônica, a estigmatizada, a favorita de todo dom do Espirito Santo?

VII— Entretanto, dos ardores da primeira communhão, Ur­sulina saiu com vida, pelo menos; uma outra santa menina per­deu-a - a B. Imelda Lambertini.

Contava doze annos e, segundo a disciplina de então, não podiam admittil Ia ao banquete eucharistico. (Ah ! entre tantas gra­ças assignaladas que Deus nos fez, incluamos esta, a de vivermos em tempos verdadeiramente eucharisticos !

Imelda era oblata entre as irmãs dominicanas de um mos­teiro de Bolonha.

% A 12 de Maio de 1333 todas as religiosas fazem a commu- nhão; só Imelda não a faz, ella que é a mais digna...

Mas, desta vez, o Céo se commove ás suas lagrimas, aos seus suspiros, e, oh! milagre da bondade de Deus! uma partí­cula consagrada vôa das mãos do celebrante e vae pairar no ar, por sobre o rosto de Imelda. A menina abre logo a boquinha e a recebe extatica. E eis outro milagre operado por Deus, sem­pre admiravel nos seus santos. A angélica creança suffocada por aquella embriaguez de paraiso, cruza as mãos sobre o peito, in­clina a cabeça, recolhe-se... e morre.

A primeira communhão foi também seu viatico, a aurora serviu-lhe de pôr do sol eucharistico. Sua vida toda encerra uma só pagina, uma pagina eucharistica — A historia de um a pri­meira Communhão.

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P. ANTONINO DT. CASTI

CAPITULO IX

Fogo eucharislíco espiritual(Quadro parücular)

I— O fogo divinamente sensível cmisliliir um portento, e por isto não foi concedido a todos os santos.

A todos os santos, porém, foi concedido o fogo encliaris- tico espiritual, e todos os santos sc podiam chamar filhos do fogo, como a si própria, graciosamcnlc, chamava S. Mag-.hilcna Sophia Barat. porque nascera durante um incêndio que sc desen­volvera vizinho á sua casa.

Sim, todos os santos são filhos do fogo divino, c filhas do fogo divino são todas as almas enamoradas do S. S. Sacramento.

Com quanto prazer sobre este ponto recordo as doces pa­lavras da Im itação: — «Quanto é grande, ó Senhor, a doçura «que reservaste para os que te amam! Quando me lembro de «alguns devotos teus que ao teu Sacramento vieram com grande «amor, envergonho me de chegar ao teu altar c á mesa da sa- «grada Communhão tão frio, tão arido, (Ao sem devoção.

« Envergonho-me de não me abrasar no teu amor, como « muitos fieis que, pelo grande desejo da communhão, não po- « diam conter soluços e lagrimas, desejaudo-te de todo o cora- * ção e recebendo-te com grande alegria.

« E ainda que meu coração nãc arda por tão especial de- « voção, desejo, entretanto, pela tua graça, aquella ardente devo- «ção, implorando que me tornes participante dos méritos dos «teus fervorosos amantes, e incluído cm sua santa companhia*. (Liv. IV, c. XIV).

II— Como milhares de martyres soffreram a pena do fogo, mas nem todos morreram queimados, nem todos tiveram o fim de S. Lourenço; assim, como disse, atrás, poucos foram os san­tos que sensivelmente arderam pelo fogo eucharistico; as almas, entretanto, que espiritualmente sentiram este fogo, ah l o numero dellas só de Deus é conhecido.

Almas bemaventuradas, quão digna de inveja é vossa sorte! No Antigo Testamento, Deus ordenara que no altar dos incen- sos o fogo sagrado ardesse sempre, nunca faltasse, fosse um fogo perpetuo sobre o altar do Senhor (Lev. VI, 12, 13).

Demais, Deus disséra a Moysés: — (Ex. em todo o cap. XXV.)—«Farás sete lucernas e as depositarás em cima do cande­labro, para que esclareçam tudo o que estiver defronte. E o cande­labro estará sempre com suas lucernas! E todas estas cousas fa­

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A ALMA EUCHARISTICA

rás de ouro puríssimo, trabalhado a martello». E Deus accres- centa: (Id. XXVII, 2<>.) — «Prepara oleo para as lucernas; manda aos filhos de Israel que tragam azeite de oliveira o mais puro. e esprimido em um gral: n t liicema luccai semper (Id. XXVII. 20)' para que arda sempre o candieiro». Não basta: — «Fará» os thuribulos -de ouro puríssimo (Id. XXV, 19) e me offerecerás in­censo de suavíssimo odor, sobre o altar dos perfumes, feito so­mente para este fim. Para fazer o perfume tomarás estes aromas, estoraque, e onyque, galbano de bom cheiro e incenso o mais transparente, e todos elles serão de igual peso. E farás um per­fume composto segundo a arte de perfumador, sahindo a mistu­ra tão bem feita e tão pura que seja digníssima de ser offereci- da. E, depois de tudo muito bem pisado e moido até ser reduzi­do a um pó fino, pô-lo-ás deante do tabernaculo do testemunho, no qual lugar te apparecerei. Este perfume será para vós san­tíssimo.

Não fareis composição semelhante pata vosso uso, porque é cousa consagrada ao Senhor. Todo homem que tal composi­ção fizer para gozar do seu cheiro, perecerá no meio do seu povo. (Id. XXX, 34, 38.)

«E Aarão, dia e noite, queimará o incenso no altar dos per­fumes, emquanto concertar as lanipadas», (Ex. XXX, 7. 7).

III—Quiz transcrever tudo com minudencia, para fazê-lo apreciar pelas almas dos leitores, de modo especial pelas almas eucharisticas, que melhor a comprehenderão, esta pagina particu- larizada dos Livros Santos

S. Paulo, falando do antigo Testamento, e dos antigos he- breus, comparando os a nós, diz: (I. Cor. X, II)—«Ora, todas es­tas cousas lhes acontecia em figura, e foram escriptas para nos­so aproveitamento».

Em outra passagem, mais expressamente, ensina que: (Rom. XV, 4.)—«Toda? as cousas que foram escriptas foram escriptas para nosso proveito». E, escrevendo aos fieis da Galicia. chama os antigos ritos e cerimônias: (Gal. IV, 7) infirm a et egencí clementa—elementos debeis e pobres.

Se estes elementos debeis, pobres e vazios em si proprios, não fossem elevados pela intenção de Deus, e não tivessem re­cebido força, nobreza e significação por aquillo que figuravam, e pelos altos ensinamentos que deviam dar na plenitude dos tem­pos, não nos parecería indigno da majestade de Deus vê-IO .oc- cupado em dar leis e preceitos, regras e medidas a respeito de ritos tão insignificantes em si? acerca de pinças, tfinchantes, fo- gareiros, grelhas, aparadores, e mais cousas semelhantes ?

Porém, quando todas essas cousas, segundo o dizer do

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P. ANTO NIN O Dr CAS1I I I AMMAKI

Apostolo, não se consideram no que ciam, mas no qur repre­sentavam; quando a alma cliristã medita os altos ensinamentos e os profundos significados que o antigo Testamento encerra, en­tão já não se traia de elementos debeis e pobres, então compre- hende se porque a Sabedoria inerranda se oeeupasse de tudo tão minuciosamente e tão cuidadosamenle.

IV— E agora, ó almas eucliaristieas, com este intuito dc* fé, tornae a ler attentamente aquelles ritos antigos que descievi ha pouco. Meditae aquella pagina, palavra por palavra: cada pensa­mento applicae-o a vós, applicae-o á divina Kuchnristin.

O h ! na verdade, aquellas palavras do antigo Testamento são também palavras de vida eterna. Que vos dirá aquclle fogo sagrado e inextinguivel; aquelle candieiro e aquellas lueernas de ouro puríssimo; e aquelle incenso e aquelle perfumei...

Meditae, meditae, almas eucliaristieas.O’ Jesus Sacramentado, não sois vós o fogo sagrado que

arderá em nossos altares até a consumação dos séculos? As al­mas eucliaristieas são victimas de amor, porém, como o fogo que antigamente queimava as victimas, só devia ser tirado do fo­go do altar (Lev. VI, 9 ignis eodetn altari crit) assim, as al­mas eucharisticas não são abrasadas lambem por este fogo que se accende continuamente na santa Missa, e que continuamente se conser.va em nossos dilectos tabernaeulos?

Se, pois, reflectimos sobre a expressão de S. Oregorio Ma­gno, que ao nosso coração chama altar de Deus — altare Dei cor nostrum est—não são as almas eucharisticas que formam o fogo sagrado e perpetuo nos mysticos altares do Senhor?

V— Não, ó Jesus, nunca faltará o fogo do amor em vossos altares espirituaes. Não haverá um altar, pobre embora, que não tenha um candieiro não haverá um tabernaculo, por mais despro­vido que não seja illuminado pela fraca luz de uma lampada.

Mas, ó Deus das virtudes, os candieiros e as lampadas ma- teriaes são somente symbolo e figura de outras lampadas melho­res ! As grandes almas eucharisticas é que são os verdadeiros candieiros dos vossos altares; são ellas as verdadeiras lampadas dos vossos Tabernaeulos. e Vós o sabeis, ó Divino Ourives, são feitas de ouro puríssimo, de ouro trabalhado a golpes de martello.

Almas enamoradas de Jesus Sacramentado, de vós se po­dería cantar o que a Egreja canta no Exulte t do Sabbado San­to, falando do fogo do cirio paschoal:—tAlimenta-se de liquida cera que a abelha mestra produz para esta lampada preciosa».

Não são lampadas ordinárias as grandes almas eucharisti­cas; são lampades ignis atque f la m m a m m —lampadas de

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70 A ALMA EUCHARISTICA

fogo e de chamma—pois que o seu amor é forte como a morte; (Cant VIII, 6, 7) as muitas aguas não o poderão extinguir, nem os rios terão força para o afogar, affirma o Cântico dos ( an- ticos.

Ah! e são lambem thuribulos, são incenso liquido e odo- roso as almas eucliaristicas. Os pensamentos, os palpites, as ora­ções, toda. a vida de uma alma eucharistica, é uma exhalação de amor; os perfumes.e os aromas estão naquelle coração, e de to­dos estes aromas e de todos estes perfumes Jesus no seu Ta- bernaculo e Deus no seu throno recebem a fragrancia!

No Cântico dos Cânticos (III, 6) o Espirito Santo pergun­ta 'Quem é aquella que sóbe pelo deserto como uma coluni- na de fumo. composta de aroma, de myrrha, de incenso, e de toda sorte de polvilhos odoriferos ?»

Quem seja aquella vós o sabeis, meu Deus; mas se deve­ras querçis que Vol o digamos, responderei com humilde preste­za—é especialmente a perfeita alma eucharistica!

VI— Que livro divino seria aquelle que encerrasse todas as expressões dos santos para com Jesus, e todas as expressões de Jesus Sacramentado para com os santos! Seria o verdadei­ro livro eucharistico, e nelle os pensamentos, os sentimentos, os anhelos dos santos haviam de ser centelhas de fogo e ao mes­mo tempo grãos de purissimo incenso.

Nas mãos sapientes de Thomaz de Aquino a lyra eucha­ristica canta; Lauda Sion Salvatoium... Louva, Sião. o Salva­dor, o Guia, o Pastor, com liymnos e com cânticos!... (Sequên­cia da Missa do Corpus Domini).

Emquanto o angélico Thomaz canta, seu seraphico amigo Boaventura se transforma em seraphim, e exclama;—Transpassa, ó dulcissimo Senhor meu, Jesus Christo, a medula e as entra­nhas da minha alma com a suavíssima e saiuberrima ferida do teu amor, para que e!la enlanguesça e se liquefaça sempre e so­mente pelo desejo de te possuir. Suspire por ti, desfalleça de amor nos átrios dos teus templos, livre-se dos seus laços mor- taes e vá a ti... ( A oração que começa «Transfige» acha-se na acção de graças para os sacei~dotes).

VII— Escutemos só esta pequena pagina de S. Francisco de Salles: — «O querido Salvador, como amante muito apaixo­nado de nossas almas, não podia. ficar satisfeito com o que já fizera, se a ellas não se unisse de modo actual.

Para este fim inventou o augustissimo. Sacramento do Al­tar, para abraçar-se e aconchegar-se tão fortemente ás almas, que estas almas só se o quizessem, d’Elle se veriam separadas. Que

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P. ANTONINO Dí CASTIII i a r r

mais podemos desejar? Se somos dehcis, Aqm-IU- qm- ;i nós se chega, é a força do céo e da terra; se somos famintos, filie é o trigo dos eleitos; se impuros, é o vinho (|iie j;era as virgens; se ignorarltes, é a própria perfeição. O’ Sacramento de união e de amor, eu vos adoro. O’ vinculo e laço de oerfeição, entrego-me como escravo vosso. O’ dom inconmainvel. no qual está còtn- pendiado todo o amor que Deus nos manifestará distincta- mente!

E porque lânguidos permanecemos em nossas misérias e fraquezas, se no Altar divisamos liosso Keparador que as vem destruir, transformando nos n’Elle, e filie em nós, se o queremos? (Exercícios espirituaes, parte III, consid II, aff. II).

VIII —S. João Baptista Vianney, cura d’Ars, com os olhos cheios de lagrimas, exclama: -« O ’ Jesus, conhecer-vos é o n<es­mo que amar-vos...

Se soubéssemos como Nosso Senhor nos ama i Havíamos de morrer de gozo. Não creio que tenhamos coração tão duro para não amá IO, vendo quanto nos ama. E’ tão bella a carida­de! E’ uma emanação do Coração de Jesus que é todo amor. O único bem que temos sobre a terra é amar a Deus e saber que Deus nos ama.

Não é necessário falar muito para rezar bem. Sabemos que Deus esta ahi, no saritoTabernaculo. AbramosTlhe nosso coração, alegremo-nos em sua divina presença: esta é a melhor oração»,

O Ven. Ollier exclam ava«M eu Deus, porque botaste san­gue e não oleo em minhas veias?... Ah! se em minhas veias eu tivesse oleo e não sangue, deitá-lo-ia gotta a gotta nas lampadas que ardem deante do S.S. Sacramento!»

E o B. Eymard todos os seus amores, e toda a sua vida compendiara em uma palavra sublime: — «Um tabernaculo!... e basta, Jesus está ahi... portanto, tudo para Elle!

IX—Porém, se ha um santo que mais que os outros mere­ça o titulo de Enamorado do S. S. Sacramento, é com certeza S. Affonso Maria de Liguori,

Bastaria lermos as Visitas ao S. S. Sacramento para ficar­mos persuadidos que só um santo, e um santo como S. Affon­so, tenha podido se exprimir daquella maneira.

Entre outras, ha uma poesia — «yf Jesus encerrado na sagrada custodia*—que para mim éa obra prima dos"seus ím­petos eucharisticos.

Parecer-me-ia falta de respeito ao santo Doutor, e também de zelo para com o proprio S. S. Sacramento, se não transcre­vesse aqui este verdadeiro cântico do eucharistico seraphim.

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72 A ALMA EUCHARISTICA

Fá-lo-ei de tão melhor vontade que esta poesia é pouco conhecida. Merece, entretanto que toda alma eucharistica a apren­da e recite muitas vezes em face do tabernaculo de Jesus.

São cinco oitavas, das quaes as três primeiras são apostro- phes de inveja ás flores que estão junto de Jesus Sacramentado, ás velas que ardem em sua honra, á pixide sagrada que o es­conde.

A quarta é um volver a si mesmo, e um grito de nobilis- simo desdem pelas flores das relvas, pela pixide, que se tornam bem pouca cousa comparadas á alma que communga.

A quinta oitava é o ultimo vôo, o ímpeto final da alma para o Tabernaculo e para a Communhão.

Começa pela apostrophe ás flores, e diz:

— Flores, felizes vós. que noite e dia Ao pé do throno de Jesus estaes;E no seu templo com santa alegria Por Elle só vossa vida exhalaes.Pudesse eu ter sorte assim tão pia,Firmar aqui lugar de doce paz!...Junto á minha Vida, que sois vós, Jesus,Findar a vida... Oh! que idéal de luz!

Segue a apostrophe ás velas que ardem deante do Sacra­mento :

—Fachos brilhantes, ardendo, sempre ardendo,Em honra ao vosso, e também meu Senhor,Ditosos sois. A inveja não estaes vendo Que despertaes no meu zelo e fervor?Ah! como vós quizera ir desfazendo O meu ser todo inteiro em santo amor.Trocar meu triste, meu infeliz destino Pelo vosso que é alto, que é divino.

Agora é a vez do vaso sagrado, isto é a sagrada Pixide:

—Sagrada Pixide, tu és bemdicta e santa,Porque teu seio o meu Dilecto encerra;Quem mais nobre que tu a voz levanta,Se asylo dás ao Rei do Céo, da terra?Doce partilha que a minha alma encanta,Cuja lembrança o seu pezar desterra!Fogo e amor seria o coraçãoDo fogo e Amor ao se tornar mansão...

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P. ANTONINO DE CASTM.I IAPT 7:1

Aqui o enamorado poeta entra em si mesmo, compara-se ás flores, ás velas, a pixide, e nobmnciitc tlc ttulò se compa­dece;

—Ah! ó flores, ó chammas, vaso íiio. Mais feliz do que vós, por certo eu sou, Quando me vem o Amado, manso e pj()> Quando no peito um abrigo eu lhe dou. Mesquinho verme, é a mim que allio, Naquelle Pão, meu Deus e meu Senhor?.. E porque não me sinto anniquilado Ao possuir o meu Thesouro amado?

—Finalmente sua alma se liberta de qualquer reflexão, e sóbe em arranco de amor ao Sacramento c á Coinmunhâo:

—Alma minha, procura a excelsa Luz Qual borboleta, e quéda aos raios seus. Na fé e no amor te retempera a flux. Arde e suspira á vista do teu Deus.E no soar da hora que conduz A’quelle que está já nos braços leus, Aperta-O mais com filial ardor.Diz-lhe somente:—Amor! amor! amor!...

Assim se abrazam e assim falam os seraphins da Encha-ristia.

X—Mas, do seraphico S. Affonso de Liguori não posso se­parar o mais seraphico filho, S. Oerardo Majella.

Gerardo foi um verdadeiro seraphim da Eucharistia; o amor á divina Eucharistia o alimentava, o consumia ineffavelmente, pe- rennemente. Seus impetos, seus suspiros na egreja, sobretudo pelo fim da vida,' cresceram de modo tal a obrigarem os supe­riores a Ih’os prohibir, principalmente emquanto ajudava a missa.

Uma vez, o Padre Caione e c dr. Santorelli pondo-lhe a mão sobre o peito, sentiram o coração que lhe batia a saltar.

E disse ao dr.: Se estivesse em uma montanha, desejaria com meus suspiros incendiar o mundo inteiro.

Porém o momento em que se transfigurava devéras era o momento da communhão!

Então, com os braços apertados ao peito, dizia a Jesus:-

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74 ALMA EUCHARISTICA

«O’ Jesus dulcissimo, não me deixes mais. Meu Deus, tu me chamas louco, mas, que queres que eu faça. se tu mesmo me en­sinaste a ser louco? Tu, meu Deus, por mim estás encerrado em uma custodia... Ah! porque não posso enlouquecer mil ve­zes por ti? Que ganhas tu com uma miserável creatura? Eu, porém, ganho tudo comtigo. meu Redemptor».

O Pe. Caione uma vez reparou que Fr. Gerardo ria passan­do deante do Tabernnculo.

Perguntou-lhe o motivo, e o amavel leigozinho respondeu: —«Jesus me disse que eu sou um doido, e eu lhe repliquei:— —Mais doido és Tu, que endoudeceste por mim».

O’ santa loucura dos amantes e do Amado, porque não te fazes contagiosa também para nós?

Destas almas sublimes quero esboçar ainda um ultimo quadro. •

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>. ANTONINO L>t CAS I l l l AMM,

CAPITUI.O X

Transformação euchartallca(Quadro particu lar)

1—Finalmente, o amor, por sua nalurc/a, impoi t:i nn um mysterio de transformação, suppondo ou puxlu/imlo -.rim-lliau ça entre os amantes; completando-a e apci feiço.imIo a ••empic.

Não sei se seja verdade o que diz o amavel S. I i jnci-.cn de Salles; basta-nos a nós, porém, o espirito de sua ,T.-.cn,áo. Affirma elle que, nos altos montes cobertos de neve, as |mines lebres, não tendo o que comer, comem neve. F, á foiça de infe­rirem neve branca, tornam-se brancas tainhcm. O santo doutor applicava este facto ao amor cucharistico e di/ia: Assim as al­mas, alimentando-se muitas vezes das brancas hóstias, loruam-sc brancas. Quem come cada dia o Pão dos Anjos, torna-se anjo cada vez mais.

E. na verdade, nenhum elemento a nós se assimila tanto quanto a comida e bebida, que se mudam cm nosso corpo, em nosso sangue, em nós proprios.

Por isto tanto cuidado na escolha dos alimentos; devem ser sãos e nutritivos, pois podem ser causa de saúde ou de moléstia, e, mesmo, frequentemente, de vida ou de moiio.

II —Eis por que o divino Salvador quiz ficar na Fucharislin sob a fôrma de comida e bebida, essencialmente. Seu amm não pôdia ir mais longe. Querendo transformar-se em nós, e nos transformar n’Elle, recorrei suprema das transformações do mun­do sensivel, isto é, á alimentação - sacramentou se em alimculo eucharistico.

O adoravel Salvador o ensinari: — « Quem come a minha carne e bebe'o meu sangue está em mim, e eu nelle».

E accrescentara: — «Assim como meu Pae vive em mim e eu vivo pelo Pae, assim aquelle que me come viverá por mim». (João, VI, 56, 58).

Tudo isto em virtude da alimentação eucharistica. Por isto, um momento antes. Nosso Senhor insistira solemnemente em nos assegurar que «sua carne é verdadeira comida e seu sangue ver­dadeira bebida».

III—Os padres da Egreja, por mil modos e figuras, se têm esforçado por explicar a assimilação eucharistica de nossa alma com Jesus Sacramentado.

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76 ALMA F.UCHARISTICA

S. João Chrysostomo diz:—«Jesus nos dá o seu corpo sob as especies de pão u t unw n quid sim us — (Homil. 61)—para que assim nos tornemos uma só cousa com Elle.

E S. Gregorio N iceno«A quelle que é eternamente dá-se a comer a si proprio afim de que, tendo-0 recebido, nos torne­mos o que elle é». (Hom 8, no Ecclesiast).

S. Cyrilló de Alexandria, depois ensina que:— «Aquelle que communga une-se a Jesus Cliristo como se unem duas cêras fundidas, de modo a formarem um só todo». (Liv. 10. em João, cap. 13).

O proprio Espirito Santo, em phrase esculptural. chamava os christãos que tinham commungado— concorporeoa e consau- guineos—de Christo Os padres da Egreja notam somente esta differença entre a alimentação material e a alimentação eucharis- tica:—na primeira é a comida que se transforma em nós, na se­gunda somos nós que nos transformamos em Jesus Sacramenta­do, e isto em virtude daquella lei pela qual um vivente mais no­bre assimila a si um vivente menos nobre. Roberto, abbade, faz dizer a Jesus Christo:—«Comei-me, e, pela minha graça, sereis o que sou por natureza». (No Exod. liv, 3, cap. 12).

Esta verdade Jesus mesmo a exprimiu a S. Agostinho, di­zendo-lhe:—«Sou o pão dos fortes, alimemta-te de Mim. Não se­rei eu que me mudarei em ti; serás tu quem se mudará em Mim».

IV—Ora, quanto mais sadio e forte é o estomago, tanto melhor assimila os alimentos. Da mesma fórma, quanto mais sã e robusta é uma alma, tanto melhor assimila ou se assimila á divina Eucharistia.

E isto não só, como já dissemos, pela própria razão da alimentação eucharistica, mas também pela razão do amor eucha- ristico.

Dissemos que o amor é o fogo: ora, quanto mais forte é o fogo, tanto mais depressa c mais intimamente encandece o ferro, o liquefaz, e assimila.

Por ser um grande amor, o fogo eucharistico é grandemen­te assimilador e transformador, não só em virtude da santa Com- munhão. que é verdadeira alimentação sacramental, mas pela vir­tude assimilativa intrínseca e essencial do proprio amor.

Recordemo-nos aqui das lebres, citadas por S. Francisco de Salles, que, á força de comer neve, tornam-se brancas ellas pró­prias.

Se um só beijo dado por Jesus no rosto de S. Catharina de Bolonha imprimiu nelle um signal branco e luminoso por tanto tempo (parece mesmo que ainda se nota depois de tantos

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>. AMTONINO Dl

séculos que a santa morreu) oli! que camlui ,|m- li.ui-.|i.ucn cia a alma eucharistica não recebei á de Je-.u-, San.imini.idi>, cila que cada dia O recebe como um anjo <• <|u< .1 , .1,1.1 iiiium-uio O ama como um seraphini?

O coração, com certeza, é a fonte «Ia vida e do amoi ( »ia. algumas almas eleitas como Calhai ii.a de Seuua. MagiL-ilma de Pazzi, e outras, entre os assigualados (avoo-. let-clmlu-. do < .eo. contam também este—a troca dos corações |) t- J<-mis m-i eheinm o Coração Divino, e a Jesus deram o propim coiaeao (.lumido os corações foram assim trocados, pode havei liaii-.lnimni.rin mais perfeita? Que se ha de esperar ainda <|unmlo -.<■ , lu-gà a viver, a amar, a palpitar com o Coraçao de Jesus i'

V— E, todavia, nos casos citados, os ei nações do (.u-adoi e da creatuia foram trocados, mas continuam a sei dois. IVIo contrario, houve um dia em que a Verônica juliana o Salvadoi tirou o coração do peito, o pôs dentro do seu divino Coração, quase como em um vaso luminosíssimo c transparente, e assim o entregou a Verônica. O’ meu Deus, quando de dois coiaçóes se fez um, um só de dois, pode haver, pergunto, tiansfoiniaçao mais amorosa, mais intima, mais eucharistica? K digo nuns eucharistica—porque, se, ordinariamente, é entre as delicias da sagrada Communhão que as almas recebem tão assigualados Ia vores, esta graça portentosa (que as almas privilegiadas iccebem sensivelmente muitas vezes) todas, as almas enamoiadas de |csm. Sacramentado a recebem espiritualmeute e invisivelmente, poiém devéras e em realidade.

E’ a transformação completa produzida por uma dupla cau­sa—pela alimentação eucharistica e pelo eucharistico am or uma é outro em grão perfeito.

Bello é o elogio que a Sagrada Esrriplura faz da amizade de Jesus e de David, dizendo: — «A alma de Jesus era eslieita mente unida á alma de David».

Se este elogio se repetisse a respeito da amizade entre Jesus e a alma eucharistica, dir-se-ia a verdade.

Sublimes são as palavras ditas por S. Ignês no cxlasc do seu martyrio:—Te confiteor lahiis, Tc cnrtlc, Tc totis r/sr c j ib u s concupisco—«0' Jesus, confesso-te com os lábios, com o .coração; com as entranhas a ti clamo».

E mais sublimes são estas outras: — «Seu corpo jrí está identificado ao meu corpo; seu sangue já ornou minha face».

Se também a minha alma eucharistica modulasse este cân­tico da heroina de Christo. esta melodia seria dulcissima.

VI— Sim, para exprimir a identificação sacramental da Com-

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7S A ALMA EUCH ARISTICA

munhão, e a identificação moral do eucharistico amor, que desta identificação dimana, farei minhas as expressões mais que divinas do Cântico dos Cânticos: 'Cant. II, 16.) «A mim o meu Dilecto e eu a Elle, que se apascenta entre lyrios—affirmação tantas ve­zes repetida e sempre ardentemente por aquellc livro inspirado, que parece tenha sido escripto para ser propriamente o livro dos amores eücharisticos.

O’ meu Jesus, quando na santa Communhão nos tornamos concorporei et consanguinei, quando tenho a felicidade de apertar-te ao meu peito, permitte que repita eu também o grito do Apostolo: (Galat. II, 18.)—«Vivo, mas já não vivo eu, vive eni mim o Christo»,

Permitte ainda que eu cante com a Egreja:

Jesu, dulcedo cordium Fons vivus, lumen mentium,Excedens omne gaudium,Et omne desiderium.

Qui Te gustant, esuriunt; Qui bibunt, adhuc sitiunt: Desiderare nesciunt Nisi Jesutn, quem diligunt.

—Jesus, doçura dos corações,Fonte viva, luz das mentes,Que ultrapassas todo gozo E todo desejo.

Quem te prova não mais tem fome,Quem te bebe não mais tem sêde,Sabe somente aspirar A Jesus, a quem só ama,

VI—Que agora, depois da communhão, cante eu com d po­eta dos hymnos sagrados: (Manzoni—Estrophes depois da com­munhão).

E's meu. comtigo respiro, Vivo de Ti, grande Deus;E com os affectos meus Offerto o teu proprio amor.

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P. ANTONINO Dl CASTIII.AMI

Contenta tudo o que aspim; Fala, tudo bem entende...Dá, pois de ti tudo atk-udc A alma que te hospedou.

O’ santa fé! Se a Egreja, ao admirar somente, na gruta de Belern, dois animaes, em torno ao divino Infante do presépio, exclama extatica: (IV Respons. do Malul de Natal.) O rnagnum mysterium et a (I m i rabie sacramentam ! O’ grande mysterio e admiravel segredo!—como não ficará enlevada a minha fé, ven do a carne de Jesus feita meu alimento, e o sangue de Jesus minha bebida? Com quanto mais ra/ão não devo eu cantar o— O rnagnum m ysterium et admirabite sacram entam / ao ad­mirar identificados eucharisticamcnle o sei vo e o Patrão, a ove­lha e o Pastor, a creatura e o Creador?

Mais ainda:—feitos uma só cousa o enfermo e o Medico, o lobo e o Cordeiro, o crucificador e o Crucificado?...

O rnagnum mysterium et admirabi/e sacramentum ! Que vale a sorte dos animaes de Belem comparada á minha sor­te? Que ficam sendo o proprio madeiro da Cruz, os instrumentos da paixão, apenas ensopados pelo sangue de Jesus, em confron­tação ao meu corpo e á minha alma, ensopados de facto pelo sangue do Redemptor? E os altares, os ciborios, as pixides, os cálices, os corporaes, que são, ao lado de uma alma verdadeira­mente eucharistica?

0 rnagnum mysterium et admirabi/e sacram entum ! 6 alma eucharistica, ó amiga, ó irmã, ó esposa, ó delicia de Jesus Sacramentado! corporea e consanguinea de Jesus, seu galho, sua flor, sua fragrancia!

VIII—Alma transformada em Jesus pela Communhão, e pelo amor, só ha uma creatura que te comprehenda, que seja superior — esta única creatura é Maria Samissima.

O elogio mais digno e mais proprio que se possa fazer de uma alma eucharistica é o que se fez e se fará eternamente da Mãe de Jesus: «Beata viscera, quee portaverunt aetem i Patris Filiiim—Beaventuradas as entranhas que acolheram o Filho do Eterno Genitor». Alma afortunada, possa dizer se de ti o que a Egreja diz da augusta Mãe de Deus: — «Aquelle que o proprio Céo não pode conter, tu acolhes em teu eucharistico seio».

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80 ALMA EUCHARISTICA

IX—Approximando Maria Santíssima da alma eucharislica, a Mãe da filha, a Mestra da discípula, o original da copia, mais luz e mais alegria terá o nosso thema.

De bôa vontade o faremos no capitulo seguinte, certos de agradar a todas- as almas dignas filhas de tão grande Mãe.

Anles„ porém, de proseguirmos, para tudo resumir, é bom recordar que os discípulos eucharisticos, os cervos eucharisticos e as Magdalenas eucharisticas formam os principaes gráos de perfeição eucharistica; e que a febre, a ferida, o fogo sensível, o fogo espiritual, a transformação eucharistica são, na historia das almas santas, as mais solemnes manifestações do grande amor a Jesus Sacramentado—idéal, aspiração, centro de todas elias.

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5. ANTO NIN O DE CA S TP

CAPITULO XI

A Virgem, o Sacramento e a Alma Eucharlstlca

I— «O pão de M amãe» - Sob este titulo, os jornaes, ao narrarem os acontecimentos dolorosos que puseram termo á ul­tima guerra européa, citam um facto commovedor.

Um pobre prisioneiro, ao mesmo tempo que a liberdade, perdera também a saúde, c esta peor que aquella.

Arruinado, exanime, consumido pela moléstia, o infeliz, ine­xoravelmente se.approximava do fim.

Nesse interim, o armistício se celebrou, a paz se concluiu, os prisioneiros começaram a voltar á patria. Entre estes também o nosso enfermo.

Mas, se não foi impossível fazê-lo cliegar aos confins da Italia, impossível foi conduzi-lo até sua casa. Então, o comman- dante militar telegraphou á familia, avisando-a do estado gravís­simo do filho.

O pae acorre só, sozinho, mas em seu coração de pae trás também o coração da mãe.

Depois de abraçar o filho, de cobri-lo de beijos, o bom do homem de um pequeno sacco tira um pedaço de pão, e, lh’o apresentando:—«Vê, disse, o pão de M amãe.. Prova, prova um pouco, filho meu...

— Oh! o pão de Mamãe!., o pão de Mamãe!.,., repetiu o enfermo. E começou a mastigar o pedacinho que o pae lhe pu­sera na bocca.

Mastigava-o, saboreava-o. apreciava-o e se commovia..— Como é bom, exclamou, como é bom o pão de Mamãe!..

Os olhos do pae e do filho estavam cheios de lagrimas. Depois, foi um segundo pedacinho, um terceiro. E basta Mais tarde, outra vez, alternando pedaços de pão e — «Como é bom o pão de Mamãe, papae!»

Desde então começou a melhorar, a refazer-se, a curar-se. Depressa o pão de Mamãe o levou aos braços, aos amplexos de Mamãe.

II— Ora, queridos meus, que é a Eucharistia senão o pão de Mamãe, da Mamãe bôa, da Mamãe celeste?

Pensar na Eucharistia e não pensar em Nossa Senhora é impossível; pensar em Nossa Senhora e recordar a alma eucha- ristica é indispensável.

Se ha uma verdade que alente e conforte nossos corações é a que S. Agostinho expressa por estas palavras: — «A Carne

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82 A ALMA EUCHARISTICA

de Christo é a carne de Maria, e a própria carne de Maria nos é dada em alimento para nossa salvação».

A Egreja recorda isto nos hymnos eucharisticos: no bis datus, nobis na tu s—ex intacta Virgine —foi nos dado nas­cido para nós da intacta Virgem.

—Eu te saúdp, verdadeiro corpo nascido dé Maria Virgem... O’ Jesus pio... O’ íesus filho de Maria.. O Jesn, f i l i Maria’...

Na mesa eucharistica saboreamos o «Fructo do seio gene­roso de Maria» fru c tu s ventris generosi.

Em resumo, saboreamos o Pão de Mamãe.

III— Maria é o throno, Jesus é o Rei: a alma O hospeda e O adora.

Maria é o altar, Jesus é a victiína; a alma O offerece e O consome.

Maria é a ovelha, Jesus é o Cordeiro de Deus: a alma O acaricia e O aperta ao coração.

Maria é a fonte, Jesus é a água: a alma a beber e se sacia.Maria é c favo, Jesus é o mel: a alma o dissolve na bocca

e o saboreia.Maria é a videira, Jesus é o cacho de uvas que espremido

è consagrado nos é dado por bebida.Maria é a espiga, Jesus é o pão, que sacramentado sobre o

altar rios é dado por alimento.■ Maria é o paraiso de Jesus; Jesus é o paraiso de Maria; a

alma é o paraiso da Mãe e do Filho.Com effeito, quanta intimidade e que relações ligam, entre

si e a Virgem, o Sacramento e a alma eucharistica!

IV— Estimar-me-ei feliz se conseguir aprofundar mais o ar­gumento, e approximar melhor a Virgem e a alma.

Quanta luz rèceberia a eucharistica copia do materno origi­nal! quanta força a filba obteria da Mãe! quanta perfeição a dis­cípula aprendería da Mestra!

Experimentarei fazê-lo.Toda a vida de Maria podemos resumir em um tríplice mo­

mento: antes da Incamação, na Incam ação, depois da In - camação.

Em um tríplice momento também a vida da alma eucharis­tica: antes da Comnnmhão, na Communhão, .depois da Communhão.

Tal qual uma planta antes que produza a flôr e amadureça n fructo, assim foi a Virgem antes da Incafnação. A Virgem é o prefacio ou o exordio de Jesus. A vida, pois, da menina de Na- zareth foi toda inteira uma preparação a Christo. Preparava-a

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P. ANTONINO DE CASII II

Deus, enriquecendo-a de praças, de favores. de piivilegm*., «■ ella. sem o saber, se preparava á divina maternidade. conpciaiidn fi­elmente aos dons e aos desígnios de Deus.

E’ immaculada: toda pura, toda holla, toda santa; e, entre­tanto, ninguém mais do que ella cerca-se «te tantas piecauçocs, de tanta modéstia, de tanto pudor. Ninguém mais di> (|in ella foge da mesma sombra do perigo; ninguém mais do que ••Ha teme, ninguém mais do que e>la se esconde. Iodas as viitmles habitam em seu coração, ou, melhor, seu cotação é a lónua de todas as virtudes. Entretanto, ninguém mais do que ella c soli cita em fazer fructificar todas as virtudes, em negociai <<•. dmis do Céo, em lhes corresponder e ganhar meiitos.

Sua belleza era a pureza; sua força, a humildade; sua vida, a caridade.

A virgindade, portanto, n ão só c o m o c o n d iç ã o de iialme/a pela sua idade, mas de modo especial como estado dc eleição, a virgindade, digo, communicava á sua carne a lei e a tran sparên cia do espirito.

Por isto, a jovem nazarena, mesmo exteriormente, parecia mais divina que humana, mais celeste que terrena.

O Espirito Santo a contempla, se envaidece c exclama: (Cant. IV, \.)—*Quam pulchra es, am ua nica, quant fml- chra es»!

Quanto és bella! ó Dilecta minha, quanto és bella!» E. »ao contente com este primeiro elogio, accrescenta logo 'Cant. IV. 7) < Toda pulchra es, amica meu. ei macula tion rs/ in le «E’s bella; Dilecta minha, e mancha alguma ha em Ti». Como não ser bella quem estava destinada para Mãe de D eu s . bcllo/a increada e fonte de toda belleza? quem dc sua belleza devia iin­vestir o mais bello dos filhos dos homens ? Como suppor man­cha n’Aquella que por privilegio havia de ser a segunda Virgem, pois a Trindade Santa é a primeira Virgem por natureza? E isto segundo a sentença divina de Oregorio Nazianzeno: (Cneg. dc Valença, Tom. 4, pag. 3. Disp. 29.)—*Prima Virão Trios esl; secunda Virgo Maria est*. Mancha naquella alma destinada a ser o espelho da luz increada? Imperfeição em Maria, obra pri­ma de Deus entre as mais santas creaturas ? em Marin. na qual, segundo a famosa regra de um theologo a medida dos privilé­gios é a própria omnipotencia de Deus ?»

Ah! não! não! tem razão S. Boavemtura quando diz: (S. Boav. p. Dist. 14.)—«Deus poderia fazer um mundo mais hcllo e mais maravilhoso; porém não poderia crear uma Mãe superior a Maria».

V—Dirijo-me agora a ti, ó alma eucharistica; não te per­

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84 ALMA EUCHARISTICA

turbes. Se és verdadeiramente eucharistica, como.já explicámos nos capítulos precedentes, tua vida considerada no primeiro momen­to, isto é, antes da communhão, deve ser toda inteira uma prepa­ração á mesma communhão, tal qual uma preparação á Incarna- ção foi a vida toda da Donzella de Nazareth. Uma preparação de fidelidade, de correspondência, de precaução! Uma prepara­ção de humildade, de pureza, de santidade!

Também tu, ó alma eucharistica, sê planta de Jesus. Como a planta progride cada dia, cada hora, cada momento, para dar suas flores e amadurecer seus fructos. assim a planta eucharisti­ca, com a graça de Deus, progride continuamente para tornar sempre mais bellas as suas flores, que são as santas communhões, e para amadurecer melhor as suas fructas, que são as bôas obras, consequência das communhões.

Alma- querida, não me estenderei mais. Relê quanto escrevi sobre a Virgem Nazarena, medita-o palavra por palavra, applica-o a ti mesma! Não esqueças que o Jesus da tua communhão é o mesmo Jesus da Incarnação: somente uma preparação a esta foi a vida de Maria; somente iima preparação áquella deve ser tua vida.

Da filha e da discípula também se deveria dizer — quam pulchra es !

Também da copia eucharistica sc deveria affirmar: — «E’s bella como o materno original; em ti não ha mancha: Macula non est in te! (Tanto quanto possível, bem se entende, pobre creatura).

VI—Que dizer agora de Nossa Senhora no segundo mo­mento de sua vida, no período da Incarnação?

Intendat mens humana, contempletur et stupeat—gri­ta S. João Damasceno—Ouça a mente humana, contemple e se espante!

Tudo o que da Virgem se pode dizer e escogitar está en­cerrado nesta unica palavra — Maria, de qua natus est Jesus —Maria de quem nasceu Jesus. Nesta proposição está todo o poema de Maria.

Quando ella pronunciou o seu f ia t portentoso, os céos se abriram, et Verbum caro factum est—o Verbo se fez carne, e se fez carne no seio immaculado de Maria.

Ah! bemdicta és Tu entre as mulheres e bemdicto o fructo do teu ventre.

Somente a sua língua é digna de cantar o extase de suaalma.

E essa lingua o cantou, nas montanhas de Hebron, na casa de Israel; M agnificat anima mea Dominum. — «Minha alma exalta a grandeza do Senhor, e meu espirito se alegra em Deus;

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P. ANTONINO DE CASTri.l. AMNIARI

porque lançou seu olhar sobre a humildade «k* sua seiva; por isto todas as idades me chamarão bcmavciiturniln. Cirandes cousas fez em mim Aquelle que é omnipotente, e cujo nome í* santo...>

O que tenha ella sentido nos nove meses que abrigou no seio o Verbo feito carne é melhor não aprofundar... seria tentar o impossível... Chegaria á irreverencia!

Antes repetir com a Egreja, no IV responsio de Natal: Bem- aventurado seio que mereceu asylar o C-Inisto Senhor; c no VI: —O’ santa e immaculada Virgindade, não sei como deva louvar- te, em teu seio encerraste Aquelle que os Céos não podem conter».

Sobre o parto bemdicto é melhor cantar os versos delica­díssimos do poeta sagrado: (Manzoni:- O Natal).

—Envolve a Mãe com amor pio Em pobres faixas o Filho,E no presepio tão frio Suave O depõe sem brilho.Depois o adora; enlevada.Ante o Deus fica prostrada O Deus que o seio lhe abriu.

Assim Jesus Christo na virgindade de Maria foi formado, pela virgindade foi dado á luz, da virgindade foi adorado pela primeira vez.

Os olhos de Maria foram os primeiros que O contempla­ram, suas mãos as primeiras que O tocaram; seus lábios os pri­meiros que O beijaram.

Também sua mente e seu coração foram os primeiros a re- conhecê-IO, e adorá-IO.

Belem foi o primeiro templo catholico; o presepio o pri­meiro altar: a Virgem foi como o primeiro sacerdote, o primeiro incenso, o primeiro thuribulo.

VII—O’ alma eucharistiea, a Incarnação foi a primeira e so- lemnissima communhâo feita por Deus á humanidade, e nossas communhões, em forma diversa, são a repetição daquella pri­meira communhâo, cuja cerimônia augusta se realizou no pri­meiro vinte e cinco de Março, na casinha de Nazareth, no seio de Maria.

Parece-me, pois, que nenhuma preparação á communhâo e nenhum agradecimento podem ser tão dignos e tão agradaveis a Deus quanto a consideração e applicação de mysterio tão suave.

Se, em todas as communhões da nossa vida, nos esforçás­semos dia a dia, gota a gota, por saborear a doçura de tal mys

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86 A ALMA EUCHAR1STICA

lerio, não o exgotariamos jamais. E se quizessemos enconlrar um livro repleto de preparações e agradecimentos dignos de Deus, um livro que por excellencia fosse livro eucharistico, só poderia ser este o Coração de Maria.

Alma de Jesus, eu te peço, no instante bemdilo em que tua bocca se abre e teu coração recebe o Filho de Maria no seu sacramento, naquelle instante de Paraiso. não, não penses em nada, esquece tudo. Uma palavra, uma palavra, só, perfuma tua mente, tua bocca, teu coração; uma palavra só, tudo diga a Jesus, e esta palavra seja a palavra de Maria: Ecce ancilla Domini, f ia i m ihi secundam verbum timm.

Quando a tiveres dito como a disse Maria, inclina a cabeça, cruza os braços sobre o peito, cala profundamente, e adora em leu seio o Filho de Maria como O adorou sua Mãe.

E qiiando despertares deste silencio amoroso, quando teu coração sentir necessidade de expansão, ó alma, eu te peço, não recites uma prece qualquer, não injuries o livro de ouro que é o coração immaculado de Maria. Em companhia da celeste Mãe canta o: M agnificat anima mea Dominam...

Eis o cântico da Incarnação, o cântico da Communhão... Repete-o o mais que puderes. Cada vez encontrarás novas do-, çuras; cada vez uma nova chainma se accenderá em teu espi­rito.

VIII— Assim, alma eucharistica, quando acolhes em ti o Fi­lho do Pae Eterno, sobretudo naquelles momentos preciosos em que as especies sacramentaes ainda não foram consumidas em teu coração, vendo em ti o Autor e a fonte da graça, quem me impe­dirá de saudar-te com o Archanjo Gabriel :—Ave, gratia plena, Dominas tecurn ?...

Quem me impedirá de repetir:—«Bemaventtiradas as entra­nhas que abrigam o Filho do Eterno Pae? Aquellc que os céos não podem conter, tu encerras e contens, ó alma feliz!»

E porque em teu peito não verei a gruta de Belem, e em teu coração o berço de Jesus Creança—Eucharistia? de Jesus nobis datas, nobis datus ex intacta Virginc? Sim, sim, em face desle berço pessoal e vivo quero repetir pela ultima vez: ()' grande mysferio e adm iravel sacramento ! O m agnum m ysteiium et admirabile sacramentam !...

IX— Finalmente, que direi da Mãe Santíssima considerada no ultimo periodo de sua vida, isto é, depois da Incarnação? Se no primeiro foi toda para Jesus, no segundo foi toda em Jesus, no terceiro foi sempre com Jesus—sempre e cm toda parte.

Em Belem e em Nazareth, no Egypto e em Jerusalem, na

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P. ANTONINO DF. CASTIII.,

Oaliléa e na Judéa—sempre c cm toda fxirte. Quando jovem e quando homem feito, na vida occulta c na vida publica, como Filho e como Redemptor, como homem e como Deus sempre e em toda parte . O segue. Segue-O, lendo o coração atravessado por aquella espada cruel predita pelo velho Simão. Em dois loga- res somente, em duas únicas circumstancins, Maria não esteve com Jesus—no alto do Tabor e na entrada triumphal em Jerusalem. Ah! os mysterios de gloria nesta terra não foram para a Mãe de Jesus!...

Mas aquella que falta no Tabor, que não assiste á entrada triumphal de Jesus, èi-la no Calvario, ei-la junto á cruz do Filho Crucificado, ei-la no seu posto de Mãe e de Filha, no seu posto de Coredemptora do genero humano.

O Calvario ! é este é este, o verdadeiro altar de Maria!., (João, XIX, 25): Stabat ju x ta Crucern fesu, Matcr eius.

X— Aqui termino, ó alma enartiorada de Jesus. Por ti pró­pria comprehenderás qual o laço que como corrente de ouro te prende á Mãe Celeste.

E’ isto—«antes da Communhâo ser toda para Jesus; na Communhão ser toda em Jesus; depois da Communhâo ser sem­pre e em toda parte com Jesus». Tal é o frueto mais natural e mais precioso de tantas communhões; a consequência mais ver­dadeira e mais immediata de tanto amor eucharistico:—ser sem­pre e em toda parte com Jesus junto á celeste Mãe, isto é, nos mysterios de luz e de trevas; de alegria e de dôr; nas persegui­ções de Herodes e na penúria do Egypto, quando se perde em Jerusalem e quando é encontrado no templo; na vida escondida e 11a vida publica; na familia e na sociedade; sempre e em toda parte a alma eucharistica esteja em companhia de Jesus.

Só não O siga onde Maria não O seguiu!Mas, especialmente, seja o Calvario o santuario predilecto

da alma eucharistica; seja lá em cima o seu tabemaculo, o seu posto, o .seu ninho. Tanto quanto possível, seja no alto do Gol- gatha seu paraíso na terra., junto com todas as grandes almas... com todos os heróes.. também junto com a Mãe, Mãe Dolorosa:., junto com Jesus Crucificado...

Junto com elles somente?...

XI— Não, alegra-te, ó alma, lá em cima, junto á cruz e en­tre Maria e Jesus, acharás a maior das almas eucharisticas do Christianismo. Ella te dirá qual a sorte, a felicidade, a gloria de qualquer alma eucharistica. dirá quaes os laços que te prendem aos corações dulcissimos de Jesus e de Maria.

Olha, é S. João Evangelista, o discípulo predilecto. Na noite

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A ALMA EUCHARISTICA

da vespera, na ultima ceia, na instituição do S. S. Sacramento, só elle mereceu repousar a cabeça no peito divino de Jesus, agora só elle ouve o testamento de Jesus moribundo, só elle ouve-o dizer:—João, eis tua Mãe.

O’ revelação dulcissima! João, o discipulo eucharistico tor­na-se filho de Maria, novo Jesus de tão excelsa Mãe.

Do peito de Jesus passa para o seio de Maria; e Maria do lado de Jesus passa para o lado de João! Nova maternidade, nova filiação, novo parentesco: o parentesco da Virgindade com a Eucharistia e com Nossa Senhora.

O’ alma eucharistica irmã de João, que desejas ainda?... Agora conhece tua sorte, tua felicidade, tua alegria !...

Mas ao Calvario devemos voltar mais tarde. Depois de ter falado das relações que ligam a Virgem, o Sacramento e a alma eucharistica, é opportuno considerar a alma na sua vida intima.

Vamos em seguida acompanhá-la no seu occaso, na sua ultima communhão. na sua partida para o Céo.

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P. ANTONINO DE CASTril. , 80

CAPITULO XII

0 Dia Eucharislico

I—Os autores da vida do Cura d’Ars notaram nelle uma especie de monotonia d iv in a : todos os dias pareciam o mes­mo dia. Indicio este da ordem admiravcl que reinava naquella alma perfeita. Fazer tudo com ordem é proprio de Deus, «o qual, como diz a Sapiência, vae de uma extremidade á outra com po­tência, e todas as cousas dispõe com suavidade (Sap. VIII, 1).

O que é desordenado não vem de Deus. A ordem faz o Céo; a desordem faz o inferno, que por Joh é definido: (Job.X, 22) «terra de miséria e de escravidão, onde não reina ordem al­guma, porém sempiterno horror».

Ora, a alma eucharistica é uma alma de Deus e do Céo, e portanto uma alma ordenadissima. Sua vida é uma monotonia divina. Ella sabe que a vida é a repetição do dia, e assim san­tificar o dia quer dizer santificar a vida inteira.

E santifica o dia por três modos: com a oração, com o trabalho, com o sacrifício.

l .o ORAÇÃO

II—Antes de tudo a alma eucharistica é uma alma dc ora­ção.

A oração é sua principal occupação, seu estribilho, seu attractivo.

Que fazem os anjos no Céo? Cantam. (Hymos. dedicac. das Egr.) Illa sedes coelitum, semper resultad laudibus— Sempre resoam louvores na celeste Sião.

E os anjos de carne, os anjos da santa Eucharistia, que fa­zem na terra? Rezam.

O louvor é o cântico do amor bemaventurado; a oração é o cântico do amor que geme, isto é, o cântico da esperança.

E como no Céo é esta a unica e incessante occupação dos anjos—louvar ao Senhor, agitando perennemente as harpas lumi­nosas—assim, na terra, a oração é a principal occupação das al­mas eucharisticas. Disse a principal, mas deveria ter dito a unica.

Porque, como explicarei no capitulo seguinte, o trabalho com que alternam a oração é feito com tal perfeição que se torna também oração.

De modo que para' ellas a oração é trabalho, e o trabalho é oração: trabalham rezando, e rezam trabalhando, assim rezam sempre.

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90 A ALMA EUCHARISTICA

Quanto affirmamos é realidade, não é exagero. Jesus Christo disse (Luc. XVII, 1).—«E’ preciso orar sempre, e nunca jamais deixar de orar».

As três palavras — E ' preciso — nunca —ja m a is—fazem deste preceito um dos mais solemnes que tenha promulgado o Nazareno.

Entretanto, torna-se necessário entendê Io bem, para que não exija impossiJbilidade nem leve á desesperação.

III— A palavra orar, de que trata o Salvador no seu manda­mento, pode ser tomada em sentido estreito 6u amplo.

Tomada em sentido estreito, por oração propriamente dita, ou elevação affectiva da mente a Deus, o sempre e o ja m a is significam continuidade moral e não physica. Como quem estu­da muitas vezes se diz que estuda sempre, e quem é assiduo ao trabalho se diz que nunca descansa, assim de quem no cor­rer do dia Feza de coração e frequentemente se diz que reza sempre; sempre m oralmente falando.

IV— Portanto, se por oração se entendem todos os actos que nos põem em relação com Deus e procuram sua gloria, en­tão a palavra oiação tem um sentido mais amplo, mais nobre, porém não menos verdadeiro que o primeiro.

Reza pouco quem só reza com a bocca, ou quando está de joelhos; a oração vocal é, sem duvida, uma preciosa moeda, necessária ao culto externo, indispensável ao culto social. Mas existem out'as moedaS, isto é, outras orações, bem mais preciosas que as orações unicamente vocaes.

A meditação, o santo recolhimento, a presença habitual de Deus, o agir sempre sob seu olhar e seu sorriso, são orações sublimes. Oração sublime é fazer a vontade do Pae Celeste, e fazê-la sempre, sicut in ccelo et in terra, isto é, com a alegria, a promptidão e a perfeição com que os anjos a fazem .no Céo.

Oração sublime é cumprir exactamente os proprios deve­res, quaesquer que sejam; procurar sempre a própria santifica­ção e a santificação dos outros; ter sempre pureza de intenção e desejo generoso de agradar só a Deus. Toda oração possível e imaginável resumia S. Ignacio no seu lentma: — Omnia ad m ajorem Dei gloriam — Tudo, tudo para a maior gloria de Deus.

E com esta vantagem: nem sempre nós podemos estar na egreja ou com o rosário na mão; cem justos motivos o impe­dem, e alguns dispensam por completo da oração vocal, mesmo daquellas a que somos obrigados. Mas, que nos dispensará, de fazer a vontade de Deus, de pensar n’Elle, de amá-IO sem in-

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P. ANTONINO DE CASTTI LAMMAR!

ternipção? Que razões nos impedirão de cumprir cxaclamcnte- nossos deveres, de agradar sempre ao Senhor, de procurar em tudo sua divina gloria?

E, então, tomando a oração neste sentido, tão nobre e tão verdadeiro, as duas palavras de Jesus Quisto n u m a ja m a is

podem, ou, antes, devem importar em pereunidade piiysica e real. Sem pre devemos agradar ao Senhor e m im a desagradar- lhe. De modo que reza sempre e mim a deixa de rezar a alma que se esforça por viver de Deus c para Deus

V —Eis a alma cacharistica! Não ha mais necessidade de repeti-lo, já o dissemos antes: o alimento e a vida da alma da Mãe de Jesus, em Nazareth, ora conservar no coração tudo o que via e ouvia de Jesus. _ meditando-o, imitando-o, suave­mente se identificando com o Filho. Quem pode duvidar de que tenha feito a Virgem Santa cem outras acções naquclle período intimo de sua vida?

Entretanto, só esta vem indicada pelo evangelista S. Lucas. Melhor, no mesmo capitulo do seu Evangelho affirma duas vezes: E m Belem e em Nazareth a Virgem conservava tudo o que se referia a Jesus, meditando-o em seu coração. (Luc. II, 19, 51).

Vê se no santo evangelista o empenho de fazer notar que foi esta a vida de Nossa Senhora, esta a sua occupação, se não única, pelo menos principal.

Ora, a alma eucharistica é flor, é filha, 6 continuação de Ma­ria. Se é verdadeiramente eucharistica, se é verdadeiramente uma daquellas almas felizes que descrevemos nos capítulos antece­dentes, então, com as devidas proporções, repetindo da filha o que foi dito da Mãe, tem-se a vida quotidiana da alma eucharis­tica, tem-se a sua occupação principal; dia por dia, conservai om nia verba haec conferens in corde suo. Também ella é de Jesus, está com Jesus, vive para Jesus. Também ella se reco­lhe e concentra em seu coração; também ella medita e se identi­fica suavissimamente.

Este esforço é a sua occupação e sua fadiga; é, ao mesmo tempo, sua oração, seu extase, seu paraiso na terra.

Assim, de um e outro modo, a alma eucharistica cumpre o preceito de orar sempre, dado por Jesus Christo.

Quem pode contar quantas vezes, desde o primeiro desper­tar da manhã até o recolher da noite, aquelles lábios bemditos se abrem á prece? quantas vezes louva o Senhor, O adora, ren­de lhe graças, O comn.ove, O applaca, o saúda, O invoca, duran­te as horas do dia?

Quem pode contar os palpites, os gemidos daquelle cora­

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92 A ALMA EUCHARISTICA

ção enamorado? os impulsos, as aspirações, os colloquios da- quella alma, que só vive para ir a Jesus, para voltar a Jesus, ou para estar com Jesus?

E, se a tudo isto se accrescenta a santificação de suas ac­ções e o cuidado que põe em agradar au Senhor, em fazer per- feitamente a sua vontade, em aspirar sempre a sua gloria, si se considera esSe complexo de acções e de intenções, não se deve dizer que a alma eucharistica reza sempre e nunca deixa de rezar?

VI— As almas de Deus, como as pérolas e as flores, têm analogias e semelhanças entre si. Observemos a gloriosa e angé­lica virgem romana S. Cecilia. Cito do Breviario as palavras pre­ciosas que a elogiam e que nella retratam qualquer alma eucha­ristica.

—«A virgem gloriosa levava sempre comsigo o Evangelho de Christo, e nem de dia nem de noite interrompia seus collo­quios divinos e suas orações. Implorava a Deus com gemidos, e com os braços abertos orava, ardendo seu coração em celeste fogo.

No seu quarto encontravam-na arrebatada em prece, sobre as asas dos anjos. Soavam os orgãos, mas ao som destes or- gãos, Cecilia, em seu coração, a Deus elevava hymnos, e dizia —«O 'Senhor, fazei que meu coração e meu corpo sejam sempre immaculados e nunca se cubram de confusão. O’ Christo Jesus, Pastor boníssimo, semeador de castos conselhos, Cecilia, tua ser­va, servido tem a Ti, como abelha industriosa».

Assim decorre toda a vida da heroina; falta apenas a neta final, escripta em caracteres de sangue: mas esta nota é intensa.

Toda idéa é um traço de pincel, toda palavra um panegy- rico. O conjuncto é o poema de Cecilia.

Cecilia é modelo altíssimo das almas enamoradas de Jesus; porém sua luz celestial se projecta sobre todas as almas, victi- mas, como ella, do mesmo amor.

VII— Com effeito, também a alma eucharistica trás sempre Jesus, não só sobre o peito, como o Evangelho de Cecilia, mas dentro do peito, qual pixide espiritual, e ciborio vivo do augus­to Sacramento. Conserva-o como Deus em seu templo, como Rei em seu throno, como chefe de familia em sua casa, como victima sobre o altar, como esposo em sua camara nupcial.

Também a alma eucharistica é pomba que geme, toutinegra que suspira. A aurora de cada dia a encontra prompta para bus­car o Esposo; as sombras de cada noite a contemplam prostra­da em face do seu Deus.

Tocava e cantava a virgem Cecilia; mas a alma eucharistica não é também um psalterio divino ? não são cordas sonoras e

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P. ANTON1NO DE CASTfI I AMMA15T 03

delicadas teclas as fibras do se» coração e <k* suas paixões? A alma eucharistica, considerada espiritualmente, 0 como um orgam lithurgico, isto é, como um daquellcs iiislniiucutos bemditos destinados somente a dar gloria a Deus.

Sua vida é uma continua elevação, é melodia, 6 liymno a Deus. Também ella é amiga e companheira dos anjos, com os quaes louva, adora, bemdiz e rende graças ao Senhor de modo perenne. Junto aos sacerdotes que são as almas eucharisticas por excellencia, todos os corações enamorados de Deus podem sup- plicar o Omnipotente, porque as vozes humildes do homem se confundem, em um só côro, com as vozes ineffaveis dos Anjos: Citm quibus et nostrcis voces ut adniitti jubeas depreea- m u r ! como rezamos no Prefacio.

E assim, se o amor é fogo, e a oração é incenso; se um coração abrasado no amor de Deus é verdadeiro thuribulo de ouro, também da alma eucharistica, como da angélica Cecilia, se deverá dizer: cor eius igne coe/es ti ardebat—arde sempre em seu coração celeste fogo! E, se a oração é a occupação mais no­bre e mais santa do homem sobre a terra, também a alma eucha­ristica que reza sempre e que reza em toda parte merece ser chamada, como Cecilia, abelha laboriosa, fiel ao serviço do Chris- to, Pastor boníssimo, semeador de castos conselhos.

VIII—Da mesma fórma que o soldado na sua arma encon­tra a defesa; o marinheiro na sua ancora vê a esperança; o ope­rário do seu trabalho espera o alimento e o enfermo na medi­cina busca saúde, assim acontece com a alma eucharistica.

A oração não é somente sua occupação; é sua defesa, sua esperança, seu pão, seu conforto.

Felizes vós, ó almas bemditas!Se não tivéssemos outras razões para nos apaixonarmos por

Jesus Sacramentado, bastaria esta: o amor eucharistico nos faz caros ao Deus das victorias, ao Deus que disse: (João XII, 31). — «Agora este mundo será julgado! Agora o príncipe deste mundo será lançado fóra!*—João XVI, 33.)—«No mundo sereis perseguidos; porém, tende confiança, Eu venci o mundo».

O’ Jesus Sacramentado, tu és o escudo, a arma das almas eucharisticas. Santo Tabernaculo, és torre de David, és rochedo inexpugnável. Para ti voam, e em ti se refugiam as almas perse­guidas e, escondendo-se nas anfractuosidades de tuas pedras, ouvem Jesus Christo repetir suavemente: (Marc VI, 50.)— «Cow- fid ite , Ego sw n ; nçlite timere /» — Coragem! sou Eu! Não temaes! .

De quantos sustos, de quantas quedas nos salva o recorrer ao Amigo Sacramentado!

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04 A ALMA EUCHARISTICA

E de quantas tempestades ! O’ Christo Deus, para meus olhos tu és sempre bello e sempre grande. Porém, quando te vejo firme e sereno, na barca em perigo do mar de Genezareth, quando diviso o teu gesto, amplo e majestoso, que diz: alto lá: ao vento e á procella; quando percebo que elles se põem a si­lenciar no mesmo instante e, depois, acariciadores, curvam-se a teus pés, e vejo a calma sair da tempestade., eu fico mudo, Senhor.

E fico mudo, pensando que tu és o mesmo Jesus de então, que vem dormir sacramentado na pobre barquinha da minha alma. E que, quando os ventos sopram e as procellas se levantam, um só grito meu: p e r im u s /—basta para Te despertar. Oh! fe­licidade da santa Communhão! o h ! força da oração e da confi­ança eucharistica!

Talvez a nós também diga o Thaumaturgo divino: Quid thnidi estis, modicae f id e i? (Math. VIII, 24, 27.) Por que te­meis, ó homens de pouca fé?

Censura bem merecida !Quando, depois, leio na narração evangélica aquelle Ipse

dormiebat — Elle dormia—dormia no enfurecer da tempestade, dormia em uma barca já coberta de ondas; prestes a sossobrar, c dormia profundamente, Ipse vero dormiebat— quando leio que os apostolos se aproximaram d'Elle, O sacudiram, O despertaram e foram salvos, quando reflicto que é Elle, Elle mesmo que vem a nós na santa Communhão, persuado-me de que em nossa vida não ha tempestade que a Communhão não acalme, embora seja pouco a pouco.

E, se, não obstante as Communhões, as tempestades duram ea calma não vem apparecendo, signal é de que Jesus dorme ainda em nós. Não soubemos rezar e, por isto, não O soubemos des­pertar.

IX—Bemaventurada, pois, a alma eucharistica, barquinha de Jesus Christo, tão querida por Elle quanto a de Pedro e João, tão protegida quanto a do mar tempestuoso de Genezareth.

Bemaventurada ella, que, na oração acha sua defesa, seu re­fugio, sua salvação; acha, em summa, toda a sua santificação.

Sim, acha toda a sua santificação, porque é fóra de duvida que quanto mais se tem, de graça santificante, tanto mais se possue igualmente de santidade.

E’ certo ainda que o meio ordinário para se obter graça é a oração, segundo o oráculo divino: (Math. VII, 78.)—«Pedi e recebereis: buscae e achareis, batei e vos será aberto. Porque quem pede recebe, quem procura acha; e será aberto a quem bate á porta».

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P. ANTONINO DE CASTF 1.1.AMMARI'

Por isto quem mais reza é mais santo, visto que recebe mais, das graças que formam os santos.

Disse S. Agostinho: «Recta tiovil ivvrrr qni rct tc ttovit orarc» — Sabe bem viver quem sabe hem orar.

A oração é como um conductor de agua sabido do paraiso, e a alma de oração, como é a alma eucliarislica, é qual uma ro­seira plantada á margem dos rios.

Assim, serei mais preciso, se disser que a própria alma, pelo espirito de oração, torna-se como um jorro de vida eterna.

X—O’ alma bemdita que, vives de communhões! eucharis- tica Samaritana, como bem se applicarn a ti e em ti se realizam as solemnes palavras ditas por Jesus no poço de Jacob! (João, IV, 7.) Jesus Sacramentado, todas as manhãs, te diz: Da m ihi bibere Dá-me de beber. Acolhendo o em teu coração, tu lhe rer frescas o Coração e lhe sacias a sêde. Mas si scires donunt Dei!— Se soubesses que mercê de Deus é a santa Communhão! Se soubesses quem seja Aquelle que, entrando em ti pede de beber!

Elle é fonte de agua viva, fonte que vem cada manhã brotar em teu coração, e nelle produz e alimenta o jorro da oração, jorro que te refresca, ó alma eucharistica, te fortifica, te «alenta o espirito, momento por momento; jorro que nunca tolha, receben­do cada manhã nova agua, nova força, novo impulso. Cessará com a ultima communhão, e com o ultimo palpite da oração, quando ao jorro de oração, no tempo, succeder o jorro de glo­ria, na eternidade.

Porém, visto que o dia eucharistico não consta somente de oração, e, sim, também, de trabalho, o capitulo sobre a primeira exige logo o Capitulo sobre o segundo—Oração e trabalho— se esclarecem mutuamente, e se completam. São como duas asas, com o auxilio das quaes a alma eucharistica vôa continua­mente em redor do tabemaculo e para o Céo.

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CAPITULO XIII

O Dia Eucharistíco

2.0 - TRABALHO — PORQUE 7

I -Quem ama a oração, ama o trabalho. O homem de oração é homem de trabalho; quanto mais se recolhe tanto mais é labo­rioso. O ocio e a inactividade nunca fizeram santos.

Eis p or que a alma eucharistica, consagrando seu dia á ora­ção, consagra-o também ao trabalho.

O h! a importância, a efficacia, a preciosidade do trabalho santificado pela fé e pela graça.

Se existem almas de perfeição são com certeza as almas eucharisticas.

Mas perfeição quer dizer fidelidade a todos os deveres. A todos os direitos renunciaram os santos, quando o exigiam a gloria de Deus e a salvação das almas, até mesmo renunciaram ao direito á vida. Só a uma cousa nunca souberam renunciar— aos proprios deveres.

E’ alma de todos os deveres a alma eucharistica; por isto é victima do trabalho como é victima da oração

II—Antes de tudo, o nosso principal dever é o da expia- ção: todos peccamos, todos temos dividas para com Deus; e to­dos (mesmo as almas eucharisticas mais perfeitas) devem bater no peito e dizer:—ü im itte nobis debita nostra.

Ora, trabalho quer dizer principalmente expiação. Por causa do peccado de Adão, a terra foi amaldiçoada.

O primeiro homem peccador ouviu dizer: (Gen. III, 17, 19) «Da terra com grande fadiga tirarás o sustento para cada dia de tua vida. Para ti essa terra produzirá cardos e espinhos, e lhe comerás a herva. Com o suor de tua fronte comerás o pão, até que voltes ao pó, de que foste formado».

O suor, portanto, e as outras fadigas da vida foram as pri- micias do peccado; soffridos com resignação tornam-se desconto para as penas devidas pelo mesmo peccado. Trabalhar quer dizer satisfazer á Divina Justiça.

Uma gotta de suor tem força meritória e expiatória como uma lagrima de dôr.

Eis por que os santos trabalharam todos e trabalharamtanto.

III—Não basta isto: temos necessidade de precaução.Ai de um jardim não murado! ai de um lyrio não circum-

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P. ANTONINO DF. CASII I I AMMAlil.

dado de espinhos! ai de um rebanho não guaidado poi pasto­res ! Pobre tliesouro não conservado com a segurança ilc )»ôas chaves! pobre fortaleza desprovida de senlinclla !

E, depois, quanta cautela no manejai matei ias eombu tiveis e explosivas!

Mas nós somos um mixto de extremos opposlos: grande­za e fraqueza, nobreza e miséria, coragem c cobardia.

Conduzimos thesouros preciosos, taes como a alma e a graça, em vasos de barro e, muitas vezes, de barro crú: sempre livres e sempre em perigo, entre cem adversários conspiradores acerrimos.

O peor é que nós proprios somos a matéria combustível, e que m atéria com bustível!

Da mesma forma que basta simples faisca para incendiar uma egreja, um templo santo de Deus, assim também uma só faisca é capaz de incendiar uma alma e de reduzi-la a cinza... mesmo que seja a alma de Sansão ou de Salomão, a alma de David ou de Pedro; mesmo que seja a alma de Adão e Eva in- nocentes.

Por isto os santos, ainda que santos, cercaram-se de cau­tela e de precauções. .A própria Rainha de Todos os Santos, ainda que immaculada e cheia de graça, rodeou-se de retiro, de modéstia e de pudor, como já dissemos atrás.

O trabalho não é somente expiação, é também preservação de todos os perigos espirituaes, antes que se apresentem estes perigos; depois de apresentados elles, o trabalho é recurso, é rèpàração, é salvação.

Dahi a celebre regra dada por S. Jeronymo á sua discipula Eustochia:—Diabolus te sem per inveniat occupatam—O de- monio te encontre sempre occupada.

E esta outra imposta á virgem Demetriade: Habcto lanam semper in manibus. - Conservae sempre nas mãos um trabalho de lã.

Não tem tempo de peccar quem não tem tempo para perder.

Oh! se no paraiso terrestre nossa primeira mãe tivesse es­tado occupada! o h ! se não houvesse sido livre para conversar com o demonio!

IV—O trabalho é ainda lei de progresso. Que sciencia, que coinmercio, que arte podem progredir sem estudo, sem es­forço, sem fadiga? Não compete a nós o dever de fazer fruetifi- car os talentos e as forças que o Senhor nos concedeu ? Não disse Deus:—«Que o justo se justifique mais, e que o santo mais se santifique?» (Apoc.XXII, 11). O Salvador não disse:. (Luc. XIX,

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98 A ALMA EUCHARISTICA

13.) Negotiam ini dum venio—Panàe a juros os meus talentos até que eu volte? Não disse ainda que é preciso fazê-los fructi- ficar—donec dies cst — emquanto é dia, porque vae chegar a noite em que não se pode n-ais trabalhar? (João, IX, 4.) Não castigou Elle o servo infiel e a figueira esteril? Põr outro lado, não é preciso fazer fructificar a alma e o corpo, e as forças deste e as forças daquella. e os bens da natureza e os bens da graça, segundo a vontade do celeste Patrão?

Principalmente, o tempo não é o mais precioso dom de Deus? dom que vale tanto quanto vale o proprio Deus? Oh! a estima que os santos fizeram do tempo! Com que zelo santifi­caram cada hora, cada momento, conforme o oráculo divino: (Ecles. XVI, 14.)—Não te prives de um bom dia. e de um bom presente não percas parcella alguma.

Ha uma sentença de ouro, esculpida em antigo relogio, de que os batidos deste pereunt et im pu tan tur— perecem todos, mas nos serão imputados como mérito ou demerito.

Ora, o trabalho, as santas occupações, a actividadê é que negociam o tempo, e todos os outros dons de Deus; negocia­dos bem e corajosamente fazem gloriosamente progredir nessa vida, nosso espirito, nossa virtude.

V—Disse gloriosamente, porque o trabalho, além de ser expiação, precaução, progresso, é também gloria do hom em , c sobretudo, do christão. O pão ganho é mais precioso que o pão presenteado. E’ mais nobre, mais gostoso, quando banhado com o suor da própria fonte. Eis por que Adão, mesmo innocen- te, creado fóra do paraiso, nelle foi posto u t operai ctur et cus­to d ie i illud—pava que o cultivasse e o guardasse. (*) O tra­balho é nobre condição, ou, melhor, nobre dever de creação. Deus rião podia destinar a humanidade innocente a molle e eterna ociosidade. Além disto, trabalhar quer dizer fazer, operar — só isto. Fazer com esforço, operar com fadiga é que é a conse­quência do peccado, mas não entra no conceito de trabalho, como a doença não entra no conceito de saúde.

Portanto, se trabalhar quer dizer operar, todo ser que existe trabalha, porque todo ser que existe opera. O operar segue o existir por necessidade de natureza, e o trabalho segue o homem por necessidade de creação. O homem laborioso é mais homem que o preguiçoso, e accrescento—é m ais divino e m ais snnto.

(*) Portanto o trabalho em si não foi consequência do peccado, e, sim, o trabalho difficultoso e angustiado.

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P. ANTONINO DE C AS 11! 1.1. AM M ARI <)<)

VI —E digo a verdade, porque o operar segue o existir. Deus é ser por essencia, portanto é também operador por essen- cia - prim eiro S er e primeiro Operador Meu Deus. Padre, Filho, Espirito Santo, Vós sois pessoas etemamente operosas. O Padre etemamente gera; o Filho etemamente é gerado; o Es pirito Santo etemamente procede do Padre e do Filho, e. por sua vez. procedendo etemamente, etemamente ama. E as três divi­nas Pessoas regem todo o universo, visível e invisível, angélico e humano, no tríplice reino da natureza, da graça e da gloria, o que importa operação ou trabalho perenne, porém sempre calmo, tranquillo, bemaventurado.

Eis a razão que toma mais divino o homem laborioso. Quanto mais trabalha mais se toma semelhante ao seu Creador. e tanto mais participa á actividade e da actividade de Deus, pri­meiro Ser, e primeiro Operador.

VII -E’ também o mais santo, porque a santidade consiste na conformidade com Jesus Christo, primogênito dos Santos.

Mestre adorado! todos os vossos titulos gloriosos vêm fa­cilmente á nossa memória; porém, ha um tão bello quão humil­de que devemos recordar ainda mais vezes. Devemos recordá-lo quando nos pomos a trabalhar, sobretudo quando o trabalho nos cansa.

* Nonne hic est faber, f il iu s Aiaritv? Jesus não é o operário, filho de Maria?» (Marc. VI. 3).

Ah! o meu Salvador até os trinta annos foi conhecido e chamado operário, e operário era com effeito. O’ instrumentos de trabalho, desde o momento em que fostes tocados pelas mãos de Jesus, ficastes santificados, elevados e vos tornastes instrumentos de martyrio, brasões de mérito; tropheus de gloria.

E para o immortal Filho de Maria ser chamado Carpin­teiro e Operário é tão glorioso como ser chamado aeternus Deus, aeternique Patris F ilius—Deus Eterno, Filho do Eter­no Genitor.

VIII Eis» repito, por que todos os santos trabalharam: quan­to mais santos, mais laboriosos. E nós não podemos lèr as do­ces palavras do apustolo S. Paulo sem viva com moção do nos­so espirito:—«Jamais desejei ouro ou prata, ou roupa de alguém, conforme sabeis, pois ás necessidades minhas e dos meus ser­viram estas mãos. (Act. XX, 33, 34).

E aos fieis de Corintho escrevia: L aboram us operantes m anibus nostris—Trabalhamos com nossas mãos» (I, Cor., IV, 12.) E aos de Thessalonica:—«Recordae-vos, irmãos, das nossas fadigas e cansaços, visto que, trabalhando de dia e de noite, para

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não dar incommodo a ninguém, pregamos entre vós o Evange­lho de Deus».

Na segunda carta aos m esm o s« N ão comemos de esmola o pão de ninguém, porém com fadiga e cansaço, trabalhando de dia e de noite, para não servir de peso a nenhum». (Tess. 1,11.9).

E protesta ter agido assim para servir de exemplo. Con- clue com esta-energica sentença:—«5/ quis non v u lt opera ri, nec m anducei— Quem não quer trabalhar, não deve comer» — (Tess. Ilí, 7, 10.) O proprio incrédulo Proudhon escreveu: «O bais bello tratado da vida de S. Paulo é dizer elle que tecia es­teiras para não ser pesado aos fieis».

Portanto, o homem mais laborioso é o mais santo, porque mais conforme ao Operário divino e a todos os Santos do Evan­gelho e do Christianismo.

IX—Porém, se ainda fossem necessárias razões para nos persuadirmos da preciosidade do trabalho, bastaria o unico ensi­namento da fé, que diz. — O justo, em toda obra bôa que faz, ainda que seja minima, merece em proporção e rigorosamente um gráo de graça na vida e um grão de gloria no Céo.

O’ santa fé, como são doces teus ensinos! Não somente cada oração, mas cada fadiga, cada trabalhosinho, bem feito, lor- nam-se flores e pedras preciosas, e, todos juntos, grinalda e corôa.

Sem fazer obra extraordinária, mas unicamente fazendo bem o que temos que fazer, segundo o proprio estado, o h ! que the- souros, sem que dê por isso, encontrará a alma na hora da morte!

Eis as razões altíssimas que da alma eucharistica fazem uma alma de trabalho. Trabalha porque Deus o quer, e Deus o quer em expiação das culpas, como precaução contra as fraque­zas, para proveito dos talentos recebidos. Trabalha porque a fa­diga é gloriosa; doce e nobre o pão ganho com o proprio suor. Trabalha para enriquecer, porque trabalharam os santos, traba­lham os Anjos, trabalha o proprio Deus.

X—Entre as fundadoras de ordens nenhuma estimou tanto o trabalho e tanto o recommendou ás suas filhas como S. Maria Magdalena Postei, fundadora das Irmãs das Escolas Christãs da Misericórdia.

Aos superiores ecclesiasticos e civis, quando perguntavam quaes suas fontes de receita, respondia mostrando os dedos: «Ei-las, estão na Providencia Divina e em nossos dedos».

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P. ANTONINO DF. CASTTI I IMAPr. ÍOI

Costumava dizer Prefiro de/ francos ganhos com meu suor, a mil recebidos por caridade, e que seriam arrancados por certo a outros pobres».

E, cantarolando,accrescentava; «Trabalhar é rezar. Na casa do Senhor, não fiquemos ociosas, filhas minhas; trabalhar é rezar».

Na hora da morte, já não podendo falar, abriu seu livro, folheou-o. achou sua sentença predilecta e a apontou ás suas fi­lhas Era a phrase de S. Bernardo: —«O religioso que não traba­lha não é digno de ser religioso».

Que sentença foi seu testamento!Todos os santos, pois, trabalharam.Porém como trabalha a alma cucharistica?Nisto está seu segredo.

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CAPITULO XIV

Como trabalha a alma eucharislica

I —Na sagrada Canção, o celeste Esposo, instruindo a alma, lhe diz: —«Põe-me como um sello em teu coração, como um sello em teu braço»'. (Cant. VIII. 6). Nosso braço é querido a Jesus, como lhe é querido nosso coração, e devemos dizer que Elle é ciumento do nosso trabalho, da mesma fôrma que é ciumento do nosso amor, visto que Elle proprio como sello quer ser posto sobre um e sobre outro.

Braço e coração, portanto, estão e devem estar em perfeita harmonia, em perfeita relação.

E assim se conservam para a alma eucharistica. Trabalha como ama, e ama como trabalha Com aquelle impulso suave com que seu coração se põe em oração, seus braços se põem ao trabalho. Com aquelle recolhimento e com aquella pureza de intenção com que abre o livro de preces, com as mesmas santas disposições inicia seu trabalho. Reza para agradar a Deus, e trabalha para agradar a Deus.

Quão infeliz seria a alma eucharistica, se Jesus Christo não tivesse trabalhado ! Mas Elle trabalhou tambein, suou, fatigou-se, e a alma é feliz com este pensamento.

Trabalhar, pois, sob o olhar e o sorriso de Jesus, trabalhar como Jesus, trabalhar ao lado de Jesus, um e outro juntos, Jesus no interior e ella no exterior, eis, eis precisamente o trabalho da alma eucharistica.

II—Repleta do pensamento da presença de Deus e da pre­sença do seu Dilecto, com o qual palpita, respira e vive, mostra, sobretudo, quando trabalha, sua attitude digna.

Não somente o coração, mas também o corpo reza. A compostura é a oração do corpo. E não é somente oração cor­poral: a compostura é a mortificação mais nobre e mais santa do proprio corpo, é a mortificação mesma de Christo, que pene­tra nossa carne, se diffunde em iodo o corpo, fazendo nelle transparecer a vida intima.

Junto a uma alma recolhida e modesta, respira-se o perfu­me e sente-se a presença de Jesus Christo.

A nenhuma alma que tenha o habito do recolhimento e da modéstia se applicam melhor que á alma eucharistica as admirá­veis palavras do apostolo S. Paulo: — «Tenhamos sempre em nosso corpo a mortificação de Jesus Christo, para que também a vida de Jesus Christo se manifeste em nosso corpo». (Cor. IV, 10).

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P. ANTONINO PE CASII I.I.AMMAI

Que profunda meditação Apostolo!

exibem estas palavras do grande

III—Imaginae, agora, se o conseguirdes, o modo por que Maria Santíssima trabalhava, naquelles nove sagrados meses em que encerrou no seio o Verbo de Deus feito homem.

Imaginae como deveria trabalhar depois, quando Jesus era pequenino, quando se tornou adulto.

Mysterios adoraveis que sempre formaram as delicias das almas comtemplativas!

A Virgem com um braço apertava ao peito a Creança divi­na, e com o outro braço trabalhava. Ou, então, sobre os joelhos conservava o seu amor e com as mãos trabalhava.

Quando o trabalho isto impedia, ella acommodava o Deus Menino em seu berço, se ainda muilo tenro, ou em uma cadeirinha, se um pouco mais crescido, e, assim, ajoelhada, ou assentada junto d’Elle, a Mãe bemaventurada trabalhava.

Trabalhava junto d’Elle, quando jovem bellissimo, que, se­melhante á palmeira virgem, na presença da Mãe, crescia em edade, sabedoria e graça.

Trabalhava deante d’Elle, adulto já e feito seu súbdito.A Mãe trabalhava ao lado do Filho, e o Filho trabalhava

ao lado da Mãe.Quantas vezes occuparam-se juntos do mesmo trabalho!

Quantas vezes se auxiliaram mutuamente! E depois iam sentar-se juntos á mesma mesa; comer juntos o mesmo pão!

Mãe feliz! e também felizes as perfeitas almas eucharisti- cas, filhas as mais bellas e mais semelhantes a esta Mãe tão santa; irmãs mais dignas e mais enamoradas do Nazareno.

Bemaventuradas são ellas! Também trabalham sob o olhar e o sorriso de Jesus; trabalham com a certeza de que Jesus, do intimo dos seus proprios corações, as contempla, lhes assiste, as abençoa.

Na sagrada Canção está escripto: (Cantic. II, 9.)—«Eis que Elle, o meu Dilecto, está atrás das paredes, olhando pela janella, e observando pelas vidraças venezianas.

A h! é o proprio corpo a parede de carne que impede em nós a presença de Jesus. Nosso peito é a veneziana, nosso co­ração é a janella do Dilecto nosso.

E alma eucharistica, em todas as suas occupações. em to­dos os seus trabalhos, em todos os seus passos, leva Jesus com- sigo... Sente-O, sim, sente que Jesus a contempla da janella do Coração seu divino, e lhe sorri através da veneziana do peito seu sacratissimo.

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IV—Quando a B. Angela de Foligno, fazendo o signal da Cruz e levando a mão ao peito, dizia : - « e do Filho»—exclama­va:—«Estás, ó Filho Divino, sob a minha mão, sob a ponta dos meus dedos, no peito meu !...

Para conservar mais viva esta idéa, a alma eucharistica se esforça para trabalhar como trabalhava Jesus, o qual, segundo at- testa o Evangelista: «tudo fazia bem».

Fazer tudo bem feito paia agradar a Jesus., que nobreza, e que delicadeza nesta aspiração!

Quando, pois, nos seus trabalhos, quer sejam espirituaes. quer materiaes, apresentam-se diíficuldades, levantam-se obstacu los; quando surgem confusões, desanimos, cansaços; quando cáem em enganos, e o trabalho, não agradando ás creaturas, é censurado e desapprovado.. em todas estas circumstancias, a alma volta-se para Jesus e, gemendo, pede seu auxilio e sua for­ça:—«Acorre ó Deus. em soccorro! Senhor, dá-me o teu ampa­ro!» (Psalm, LXIX, 1)

E sente que Jesus lhe dá a mão e lhe serve de Cyrineu. E as diíficuldades desapparecem, os obstáculos se desvanecem, a coragem volta e o trabalho prosegue. Prosegue sereno e bello, porque feito sob o olhar de Jesus, e com o auxilio do proprio Jesus. E, também, porque, quando terminado, sen. offerccido a Jesus. Quanta força infunde este pensamento:—«Meus trabalhos, minhas fadigas, meus cansaços, eu os offerecerei a Jesus».

Poderei offcrecer ao meu Senhor obras imperfeitas como as dc Caim? Não; com a graça de Deus todas as minhas obras, todos os meus trabalhos, todas as minhas fadigas serão como as primicias de Abel. Serão perfume; serão pelo menos grãos de incenso—«Tudo bem! com Jesus e por Jesus».—

Por alguns dias, a B. Isabel de França trabalhou afincada- mente em um pequeno barrete. Era o primeiro que fazia, e em­pregou tanta attenção que não podería ter mais, se fizesse para­mentos sagrados.

Aproxima-se seu irmão, S. Luis IX, rei de França, e. sa­bendo quanto ella o amava, diz:—Isabel, com certeza este bar­rete é para mim!—Não, Luis, responde a angélica princesa, este é para um pobre; o segundo será para ti.

No pobre, Isabel de França via Jesus Christo, e fazia o barrete com tanta perfeição, como se o fosse usar Jesus Christo em pessoa.

V—Mesmo o repouso, mesmo as recreações servem ás al­mas de Deus para elevá as e santificá-las.

Conta-se de S. João Berchmans, que um dia, jogando a péla,

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approximou-sc o Mestre e lhe disse: Frei João, se neste mo­mento chegasse a morte, que farias?

—Padre, continuaria o jogo. Como? querias morrer brin­cando ?

—Porque não, Padre? Jogo porventura para fazer minha vontade? Não jogo por causa da obediência, que mc manda brincar?

E pode-se morrer melhor que obedecendo?E a alma enamorada de Jesus, nas rcci cações não somente

não perde o mérito do allivio, como também não perde de vista o seu Dilccto, pelo qual trabalhou e pelo qual acceila os mo­mentos de folga. *

Obedecia a pequena Elisabeth de Hungria, quando a man­davam brincar com outras meninas no palacio real. Vendo-a as­sim, parecia só feita para o jogo.

Brincando, porém, um só pensamento a dominava; não o deixava perceber, mas só a elle seu brinquedo servia. Brincan­do trocava de lugar com as companheiras, e, chegada por ulti­mo, afastava-se um instante, aproximava se da fechadura da ca- pella real, onde estava o S. S. Sacramento, e pelo buraquinho di­zia: Jesus meu, Lisetta brinca, mas não vos esquece, abençôae vossa servazinha»--Voltava ao brinquedo, mudava outra vez de lugar, ia á fechadura da capella para falar ao seu Dilccto...

Passa assim o dia para a alma eucharistica — trabalhando ao jugo da lei do amor—que a leva a trabalhar o mais e o me­lhor que pode, sem, entretanto, fazê-la esquecer o seu Bcm-amado.

Recordae-vos de S. Gertrudes, que vivia girando em torno de Jesus, contemplando-O sempre, e sempre com as mãos occu- padas.

VI—O caracter da alma eucharistica, trabalhado pela graça, pouco a pouco se torna flexível, condescendente, dobradiço. As­sim se presta facilmente a todas as exigências da caridade, a ajudar, a soceorrer, tanto quanto suas forças e condições o per- mittam.

Podendo, nãò sabe negar, não sabe dizer não; diz sempresim.

O não absoluto é só para a tentação, para o demonio, para o peccado.

Cada uma destas almas é o anjo de sua familia; se é reli­giosa, é o anjo do seu convento, ou do seu mosteiro.

Pensa em tudo, e para tudo se presta; prevê tudo, e a tudo provê.

Como a Mãe Divina» Maria Santíssima, que corre pressuro- sa á casa de Isabel, apenas sabe que do seu auxilio tem neces­

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sidade, e passa lá três meses a servi-la; depois, nas bodas de Caná, seu olhar materno logo notou a falta do vinho e fez que o Filho operasse o primeiro milagres, assim é alma eucha- ristica.

Seu braço é todo actividade, como é todo actividade seu coração. Solicita como Martha, recolhida como Maria; como Martha, sem merecer cénsura; como Maria, sem negligenciar os proprios deveres. E’ este o grande segredo das almas eucharisticas. viver como Martha e como Maria, simultaneamente, constantemente.

VII—Não é singular nas suas acções, mas é singular na perfeição com que as cumpre. Seus trabalhos são trabalhos de creatura, porém executados por anjos. O elogio explicito que foi feito de S Bernardo, pelo autor de sua vida. pode ser feito implicitamente de qualquer alma eucharistica. Sobre o santo foi escripto: E rat in ordinariis non ordinarins. — Nas acções ordinárias era extraordinário—tão grande era a perfeição com que as fazia.

E ainda:—Totus exterius laborabcit, et totus ínterins Deo vacabat.—ho mesmo tempo, estava todo occupado no ex­terior, e todo recolhido em Deus no interior.

O lugar onde trabalha a alma eucharistica, não se sabe se seja officina ou oratorio, tanta calma ahi reina, tanto silencio, tanta paz divina. Sua posição predilecta é a que lhe conserva a face voltada para uma egreja. para um tabernaculo.

Dir-se-ia que, entre ella e aquelle Tabernaculo, ou, antes, en­tre ella e todos os Tabernaculos, ha um entendimento conven­cional. um fio conductor, uma corrente mysteriosa.

Se a alma eucharistica trabalhasse na egreja, deante do S.S. Sacramento exposto, não podería trabalhar nem mais, nem me­lhor do que o faz em sua casa, onde Deus a quer.

Pelos instrumentos do seu trabalho tem o mesmo respeito que pelos instrumentos da paixão do Salvador. Beija-os muitas vezes no dia, porque são elles também os instrumentos do seu martyrio amoroso. ■

VIU—Afinal, o scl descamba e a noite chega... Chega a noite, esta hora querida e solemne da vida humana. Da pomba que pela manhã Noé soltou uma segunda vez, ficou escripto que voltou á noite, trazendo no bico um ramo de oliveira, com ver­des folhas (Gen. VII, 11).

Como é bella esta pomba que, depois de ter procurado o alimento do dia, ao cair da noite volta ao seu ninho e ao seu senhor.

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E como é amavel este Noé que a espera, abre-lhe a janclla, toma-a entre as mãos e a põe dentro da Arca.

Mysterios e symbolos dulcissimos da religião nossa santis- ma! E’ a alma eucharistica que, depois de ler passado o dia no trabalho, ao descer do sol e chegar a noite: (I)ante, Inf. V, 82).

Qual alva pomba, da vontade ao mando,O doce ninho busca, asas erguidas,Toda ansiosa, pelo céo voando...

E Jesus Christo a espera, a toma nas mãos, e a introduz na arca santíssima do seu lado divino.

Depois de um dia de trabalho, o h ! como refresca a oração da noite, esta oração que completa e coma o dia decorrido! A’ noite, á alma fatigada, o h ! como é bom abandonar-se nos bra­ços do seu Deus. seu Pae, seu centro, seu fim, sua recompensa!

A' noite, quando tudo cala, e tudo fala; quando tudo dor­me e tudo vela; tudo parece morto, e tudo vive! A noite foi sempre um problema para as almas santas. Passar na cama qua­se a terça parte do dia, isto é, auasi a terça parte da vida, oh! tormento para as almas de Deus!

IX—Não teniaes, porem: o amor tem suas saidas e suas in­venções.

Se não pode subtrahir-se á lei do repouso noturno, saberá utilizar e santificar este repouso: descansará não como simples homem, muito menos como animal, descansará como christão e como anjo.

E’ este o repouso da alma eucharistica. Fez um oratorio da sua sala de trabalho, fará um oratorio do seu quarto de dormir.

Altar de sacrifício foi sua mesa de trabalho; altar de repou­se será seu leito, de repouso e de oração. Disse-o S. Jeronymo: «Para as almas santas o proprio somno é oração».

O h ! alma eucharistica, como, em tua bocca, serão expressi­vas as palavras do Psalmista: (Psalm. IV, 8.) — « Em paz, junto com Elle, dormirei e repousarei».

O templo santo que queria erguer ao Senhor, o tabernaculo que queria formar ao Deus de Jacob era seu ultimo pensamen­to, seu sonho, e elle dizia: (Psalm. CXXXI, 3, 5.)— «Se subir ao meu leito para repousar, não darei somno aos meus olhos, so- cego ás minhas pupillas, descanso ás minhas faces—até que ache um lugar para o Senhor, um tabernaculo para o Deus de Jacob».

Quanto mais tu, que, cada manhã, deves preparar um lugar ao Senhor, teu peito a Jesus Sacramentado, não deverás repetir estas mesmas palavras de David!

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E como em tua bocca serão doces os accentos da sagrada alma dos Cânticos; (Cant. VIII, 1)-«Todas as noites em meu po­bre leito procuro o Senhor, Elle que é o amor da rninlia alma».

Ego dorinio, el cor m eum vigilat. (Cant. V, 2.) - Eu durmo, porém meu coração véla.

X— Dormir com o corpo e velar com o coração eis o som- no dos santos, o sonino meritório, o somno que ao mesmo tem­po é trabalho e repouso, repouso e oração.

A S. Ge:trudes disse, um dia Jesus Christo;— «Descansa­rás em honra do repouso que tomo no seio do Pae Eterno, que tomei no seio de minha Mãe». E, de outra vez, convidando a:— «Vem, minha filha, dorme e repousa sobre meu coração».

—«Estarei em meu leito dizia S. Francisco de Salles, como se Jesus Christo estivesse assentado junto de mini».

Pelo rosto de S. Vicente de Paulo adormecido, foi visto al­gumas vezes diífundir-se serenamente uma luz muito suave.

Todos os santos, recolhendo-se ao leito, tiveram um pen­samento que lhes era proprio.

S. Luis Bertrando ia deitar-se como se fosse morrer, e com esta intenção rezava a oração: In m anus tuas, Domine, com- meudo spiritum meum.

S. Pedro de Alcantara. pelo contrario, fingia-se já morto, acommodava se como em um caixão mortuário, tomava posição de cadaver e recitava um De P rofundis pela própria alma.

S. Philippe Nery se deitava chorando e repetindo:—«Meu Deus em uma ctuz, e eu em um leito macio!»

Porém todos estes são simples santos.Ah! se pudéssemos penetrar na casa de Nazareth durante

a noite, e ahi contemplar por um momento só o somno da Vir­gem... o somno de Jesus !...

Que visões de paraiso seriam, que scenas do Céo!Santa Communhão, para ti poderá haver melhor preparação

que dormir velando, e velar dormindo, sob o olhar de Deus, da Mãe Celeste, e sob as asas dos Anjos Custodios ?

XI— No quarto onde repousa uma alma eucharistica, só duas cousas batem e se fazem ouvir: seu coração e seu relogio. Batem unisonos, dir-se-ia que se comprehendem, que um é o complemento do outro: o coração marca os palpites daquella hora; o relogio marca os momentos daquelle amor.

Sim, sim, os palpites são os momentos, os momentos são os palpites para uma alma que vae dormir suspirando pela com- inimhão, que adormece pensando na communhão, que dorme

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sonhando com a communhão. E o sonho mais Icnivel que a amedronta é não mais poder fazer a comimmháo.

XI--Uma das consolações mais puras que o Senhor conce­deu ao grande apostolo capuchinho, depois cardeal Juliano Mas- saia, foi o seu caro neophyto Gabriel, que na sua obra immor- tal chama «um anjo de pureza e de innocencia, uma pérola de virtude, uma daquellas almas privilegiadas que o Senhor crea, manda ao mundo por um momento, e depois chama a si, quase que invejoso que outros a possuam». (Mr/is trinla c cinco annos—vo\. IV, pag. 202, n. 2).

—«Desde o momento em que sua alma foi lavada nas aguas baptismaes e se uniu ao Celeste Esposo, por meio da Communhão, começou para elle já não digo a vida da graça, mas a da gloria, porque naquelle acto mesmo o Senhor o fez digno de celestes visões, que, repetindo-se todas as vezes que recebia o Sacramento do altar, o tornaram uma creatura privile­giada do Céo. iVol. cit. pag 203. n. 3).

— «Seria preciso ver que ar celeste tomava seu rosto de­pois da communhão, que inflammados accentos sahiam de sua bocca, qúe fervor animava todas as suas acções.

Recordo me de que uma vez, tendo celebrado a missa depois de meia noite e tendo dado a communhão aos alumnos, fomos nos deitar, e também comnosco Gabriel; porém se, seu corpo dormia, velava seu espirito, unido já intimamente a Deus, desa­fogando no somno seus affectos, ou com jaculatorias, ou com exhortações aos neophytos e companheiros. Entre outras me re­cordo que, sonhando, proferiu estas pa lav ras«N osso Pae nos diz que devemos invejár os Anjos, porque vêm de continuo a bella face do Senhor. Porém, depois da Communhão são os an­jos que nos devem invejar, porque possuímos o Senhor dentro do nosso proprio coração. Oh ! que prazer!... O h ! que prazer!... (Vol. cit. pag. 214, n. 17).

E’ isto somno de homem ou somno de anjo? São estas palavras de pequeno selvagem ou de seraphim?

Tanto pode a graça do Espirito Santo em qualquer alma! Elle age onde quer e como quer, sempre magnífico em seus santos.

Entretanto, não são somente oração e trabalho que for­mam o dia da alma eucharistica; falta a nota mais divina, que é o sacrifício.

Consideremos, pois, a alma á luz do Calvario: a alma mais amada é a mais sacrificada.

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ÍÍO ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO XV

0 Dia Eucharistfco

3.0—SACRIFÍCIO

I— Dizia S. João da C r u z « E ' importante em stirnmo gráo que a alma se exercite no amor. para que, consumindo se rapi­damente, não fique limitada a esta terra, mas se esforce por con­templar a face do seu Deus».

Porém a angélica irmã do Santo Therczinha do Menino Je­sus, accrescenta:—«Offerecer-se ao Amor como victima não quer dizer offerecer-se ás rioçuras, ás consolações; pelo contrario, é offerecer-se ás angustias e a todas as amarguras, porque o Amor só vive pelos sacrifícios... Quanto mais queremos nos abandonar ao Amor,-tanto mais devemos nos abandonar á Dor..» (H isto­ria de um a a lm a—cap. XII).

Que sabedoria nas palavras do Mestre! que exposição ad­mirável nas palavras da discípula !

Eis por que a alma eucharistica, filha privilegiada do amor, também é (e por força) filha privilegiada da dôr. Tardamos já em dizê-lo: a Eucharistia não é somente sacramento do amor, é tam­bém sacramento da dôr. Jesus Sacramentado é o Deus da dôr; seu amor por nós é o amor da dôr.

II— Hoje um só sacrifício existe na nossa religião, é a santa Missa, que é essencialmente o sacrifício do Calvario. Do sacrifí­cio -do Calvario se distingue como o rio da fonte: ao sacrifício do Calvario nada accrescenta, da mesma fórma que, no exemplo citado, o rio nada accrescenta á fonte de onde brotou.

No universo, que é o grande templo de Deus, o Calvario foi o verdadeiro primeiro altar; depois, cada altar tornou se Cal­vario. Sem Cruz, hoje não haveria Eucharistia, não haveria sacri­fício. A Cruz e a l lo s tia ! O’ palavras santas que resumem um unico mysterio de dôr e de amor!

Não se pode achar a Cruz, viva e verdadeira, senão na ho:-»ia; e não pode haver hóstia sem cruz.

Na Eucharistia, pois, ou na santa Missa, o conceito da dôr entra por três modos: como sacrifício em genero; como sacrifí­cio da cruz; e, por fim, como sacrifício eucharistico.

III— Qualquer sacrifício não importa somente em dôr, mas em dôr suprema, porque, em qualquer sacrifício, para que seja perfeito, é indispensável que a victima, realmente, ou, pelo menos mysticamente, se itnmole e se consuma. Portanto onde não ha

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immolação ou consumação não lia sacrifício. F. vicc-vcrsa, quan­to mais a victima é immolada e consumida, lanlo mais o holo­causto é perfeito.

Assim, a perfeição do sacrifício se mede pela perfeição da immolação e da consumiçâo.

Até quando a ovelhinha se debate e cstrehuclia. até quan­do bála e se lamenta, recebeu o golpe, mas ainda não morreu. Já é victima, já seu sangue corre aos borbotões.

Mas, somente quando não se lamentar mais, somente quan­do não balar mais, somente quando estiver perfeitamente morta ha de ser perfeita victima, porque, então unicamente (consitnrnia- tum estf) ha de ser perfeitamente immolada e destruída.

Tudo isto é indispensável a qualquer sacrifício, visto que delle constitue a essencia; tudo isto é indispensável á santa Mis­sa, mesmo considerada simplesmente como sacrilicio em genero.

IV— Muito mais ainda se fôr considerada como sacrifício da Cruz.

Toda a vida de Jesus já íôra uma immolação, iniciada no momento em que, fazendo-se homem, não desdenhou o seio de uma virgem.

Desde aquelle instante, sua immolação cresceu e progrediu ao mesmo tempo que os annos de sua idade

Sua existência inteira foi uma Missa unica, posso dizer as­sim : em Belem estava no Gloria; o santo velho Simeão, aper- tando-O nos braços, recitou o Offertorio. A entrada triumphal em Jerusalem foi o Prefacio... Po ém o momento solemnissimo daquella Missa de trinta e três annos foi sobre o Calvario, quan­do a augusta Victima, inclinando a cabeça, entregou o espi­rito . . ,

Christo foi sempre victima em toda a sua vida; mas só quando n'Elle tudo ficou consumado tornou-se victima perfeita E tudo n’Elle ficou consumado quando se realizaram aquellas palavras a um tempo terríveis e amaveis, que para sempre ale­grarão e farão chorar a humanidade: crucifixus, m ortuus esi sepultas e s t!

V— Não menos commovente é a santa Missa como sacrifí­cio eucharistico.

Como já foi dito, ella é idêntica ao sacrifício do Calvario, quanto ao sacerdote, e quanto á victima. Na verdade falta a morte real; porém o anniquilamento eucharistico é de facto uma morte, mystica e incruenta, sim, mas ineffavel e unica possível a Deus.

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A ALMA EUCHARISTICA112

S. Paulo, medindo o abysmo da incarnação, diz que o Fi­lho de Deus exinan ivit sem etipsum —fazendo-se homem, an- niquilou-se a si proprio». (Philipp. II, 7).

Expressão esta digna do grande Apostolo íOra, a Eucharistia, se é licito falar assim, é um passo ade-

ante, é o ultimo passo da Incarnação.Na Incarnação, o Filho de Deus tomou a fórma de servo;

na Eucharistia, pelo contrario, tomou uma fórma ainda mais hu­milde, a fórma de comida e bebida. Na Cruz, só estava escon­dida a divindade; na Eucharistia também o está a humanidade. Por isto podemos dizer que a Eucharistia é um passo mais ade- ante, o ultimo passo da Incarnação. Santo e divino mysterio nun­ca estudado sufficientemente!

Já o proprio acto da consagração, considerado em si mes­mo, é terrível, porque reduz Jesus Christo a este estado de a n i ­quilamento, A língua do sacerdote, quando pronuncia as palavras sublimes da consagração, é como uma espada de dois gumes, a fazer morrer moralmente o Christo; separa-lhe o corpo do san­gue, e o sangue do corpo, consagrando em separado as duas especies.

VI— Resumindo, temos que a santa Missa é o unico sacrifí­cio propriamente dito da religião nossa; é o sacrifício da Cruz; é o sacrifício eucharistico. São três as razões ou motivos que. na santa Missa, encerram o conceito essencial da dor, antes da dôr suprema que é a immolação e a consumação mystica ou real da victima.

Eis por que a sagrada Eucharistia não é só o Sacramento do amor, mas também é essencialmente o Sacramento da dôr.

E Jesus, que é o nosso Jesus.no seu adoravel Sacramento? E’ essencialmente victima, e, portanto, essencialmente o Deus da dôr.

Não é preciso provar isto, sendo corollario e consequência de tudo o que dissemos até aqui.

No conceito geral de sacrifício, Jesus entra como unico Cordeiro que rigorosamente possa aplacar, agradecer, glorificar o Pae Celeste, e obter graça para todos.

No sacrifício do Calvario, Elle entra como Protagonista cru­cificado, no sacrifício eucharistico entra como Hóstia Santíssima, Cordeiro, Crucificado, Hóstia, eis o Deus da dôr.

VII— Cousa admiravel, com effeito, todos os deuses do pa­ganismo se rodearam de flores, de prazeres, de alegrias. Só um Deus se coroou de espinhos e de humilhações, o Deus do Cal­vario, o Crucificado.

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P. ANTONINO DT C AS M I I AMMAlíl.

Tirando te a dôr, que te resla. adorado Jcmis? Que lc resta de bello, de amavel, de grande, se nàe és mais Cordeiro. Cruci­ficado, Hóstia?

Que serias tu sem feridas, sem coroa de espinhos, sem cruzV Que seriam tuas mãos e teus pés sem pregos, teu coração sem aquella abertura que formou o go/o dos santos?

Dirão que sem a dôr te restaria o amor. Ali! mas sem a dôr, que é o proprio amor senão um fogo faluo, uma moeda des- valorisada, um dom vão? Não é a dôr que fôrma o brilho, a força, a vida do amor?

Não é a dôr que eleva o amor, c o faz grande, nobre, di­vino? Emfim não é a dôr que torna mais bella a belleza, mais santa a santidade, mais innocentc a inuocencia, mesmo?

Não me digas, pois, ó Dilectissimo meu, que sem a dôr te restaria o amor, quando é principalmente a dôr que le faz bello, que te faz querido e amavel. Por isto, a dôr te precede, te acom­panha, te segue, por isto és o Vir iio lorum —*o Homem das dôres» por isto és o Deus do amor, do qual a dôr é a prova, a vida e a corôa!

VIII—Se assim não fosse, Tu, ao saires tio sepulcro, assim como deixaste o sudafio e as faixas, terias deixado lambem o signal das tuas chagas.

Mas, não! Resurgiste com todos os estigmas, para seres comprehendido em tua belleza. Sim, ó Jesus, são os signaes da dôr, que fazem bellissima para sempre tua humanidade deificada, já que as chagas ficaram em tua carne como rubins preciosíssi­mos em corôa de ouro.

O mesmo que os sellos no chirographo ou nos decretos do rei, tal são tuas chagas, sellos de tua paixão. Sem as cinco chagas, sem aquelles divinos sellos, não serias hoje um Jesus timbrado, isto é, um Jesus authentico; nem authentica seria tua lei; nem authentica tua religião e tua egreja.

Sem os signaes de tua dôr, não terias commovido, conver­tido e attrahido a ti a humanidade inteira, porque tu. sem aquel­les signaes, não terias sido tão grande, tão nobre, tão magnífico como és. Não terias sido o Salvador, o Redemptor do mundo.

Nem mesmo terias sido um simples heróe. Que são os he- tóes senão grandes desventurados? e não são somente os heróes da historia, porém mesmo os heróes da fabula...

Assim, agora comprehendo porque, quando o Divino Re- suscitado, pela primeira vez, se apresentou a seus apostolos, seus irmãos, reunidos no cenaculo, sentiu a necessidade de acompa­nhar com um gesto divino a divina saudação da resurreição.

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114 ALMA EUCH ARISTICA

A saudação da resurreição foi es!a: «P a x rwô/s» —«A paz seja comvosco!» e o gesto do Resuscitado foi. emquanto sauda­va, apresentar-lhe as mãos e o lado: E t cum hoc (fíxisset o s tm d it eis m am is et latus (João, XX, 2°).

O’ Deus da dôr, prostro-me aos vossos pés e supplico perdão, de tanta cousa que disse sobre o soffrimento e sobre o sacrifício, quando bastava citar unicamente esta scena evangéli­ca. Bastava só o vosso gesto, ó resuscitado Senhor.

Se Vós proprio apresentastes vossas mãos, se Vós proprio mostrastes vosso lado, que posso dizer ainda, que posso exco- gitar de mais para fazer ccmprehender a força, a grandeza, a di­vindade da dôr?

Ah! basta, já não falo mais; emmudeço, Senhor. Para sem­pre resôe em vossos lábios a saudação: «A paz seja comvosco!» E para sempre fiquem-nos presentes vossas mãos e vosso lado: Salvete, Christi vnlnera, im m ensi amoris p ignora—Q' chagas de Christo, penhor de eterno amor, eu vos saúdo». (Hym- no de louvor na festa do preciosíssimo sangue). -- «O* Coração, de amor, inclita fonte de agua limpida, vem; ó Coração, delicia dos celestes, e esperança dos mortaes. attrahidos por teus con­vites, vamos a Ti supplicantes. Hymno da festa do S. Coração de Jesus).

IX—Avante, ó almas eucharisticas, vossa hora já chegou; chegou o momento de vossa acção sobre a terra. Quantas lagri mas caíram já, nas chagas de Jesus! quantos beijos lhes foram dados! quanto halsamo nellas derramado!

A consideração destas chagas bemditas e o amor para com ellas formou os santos, istò é, formou almas de immolação e de sacrifício, filhas privilegiadas da dôr, as victimas, os crucificados, as hóstias da Egreja

E formou-as pela virtude da Eucharistia.Os dons de Deus como todas as suas obras não podem

ser espedaçadas nem deformadas.Assim, não se pode deformar nem espedaçar a Eucharistia.

Tentar isto seria destrui-la, como seria destruir o Crucificado ousar modificá Io ou corrigi-lo. Destruiram-no de facto em sua verdadeira imagem todos os infelizes incrédulos que ousaram commetter tão sacrílego attentado. Jesus Christo ou se acceita todo inteiro ou d’Elle nada se acceita. Dá-se o mesmo com suas obras e com seus dons. dá se o mesmo com sua obra prima que é a Eucharistia. Como é essencialmente sacramento, é essen­cialmente sacrifício, a divina Eucharistia; antes é sacrifício, e de­pois é sacramento.

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P. ANTONINO DF. CAS1 LI I AMMAkM.

Mas, onde está o sacrifício, a immolnção, está a dôr, mes­mo a dôr suprema. Uma Eucharistia que não admitte inanela- ção. não é mais sacrifício, e, senão é mais incrificio, é falsa Eu- cliarislia. Como falso seria o Cliristo que não fosse Victima, Crucificado, Hóstia. Um Christo que não é o Deus da dôr, já não é verdadeiro Cliristo, já não é vçidadeiro Deus. Seria um Deus do paganismo.

X— Tirando a consequência,devemos immediatamcute con­cluir que é falsa alma eucharistiea a alma que só acceita a Eu­charistia como sacramento, e não como sacrifício, que na Eucha­ristia só busca o amor e não a dôr; que delia aprecia o gozo e recusa a pena. Falsa é a alma eucharistiea que em Jesus Sacra­mentado procura o Esposo dilecto e não o Esposo crucificado, que se agrada das caricias e não das provas; das flores e não dos espinhos; dos so1 risos e não das cruzes. Estaria no engano uma tal alma, se se julgasse alma eucharistiea, ainda que f iz e s ­se a santa Communhão todos os dias O h ! quantas vezes se é obrigado a fazer a sagrada Communhão todos os dias, mas isto quando se é livre, e se ama as flores e os prazeres, e se aborrece a dôr. a mortificação, a cruz! Neste caso, ficae certos, não durará muito a communhão quotidiana.

A alma verdadeiramente eucharistiea é 'a que faz cada dia a santa Communhão, mas cada dia aspira ao sacrifício, á crucifi­cação. á immolação; e aspira a isto por virtude, e como fruto da mesma Eucharistia que cada manhã recebe.

Esta alma, quanto mais é sacrificada, immolada, crucificada, tanto mais é eucharistiea, e vice-versa.

Entre uma e outra cousa ha connexão de causa c de effei- to, de premissa e consequência, tanto que sem medo de errar pode-se dizer: — «E’ alma verdadeiramente eucharistiea? Então será uma alma verdadeiramente immolada. E’ uma alma immola­da? Só pode ser uma alma eucharistiea».

XI— O’ almas afflictas, attribuladas, infelizes, falta-vos a re­signação, a força, a calma? arrastaes-vos sob o peso da cruz, levando-a á força e, talvez, em desespero, como os dois ladrões ? E porque?

Ou não fazeis a santa communhão, ou a fazeis ráramente, ou a fazeis mal. A divina Eucharistia possue e dá a força da im­molação e do sacrifício. Se fazeis a santa Communhão cada dia, e cada dia com empenho, oh! também vós adquirireis a calma na dôr, a força na desventura, o conforto na cruz. Também vós em breve vos tornareis uma victima digna de Deus.

Oh! se o mundo comprehendesse esta verdade!

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: i6 ALMA EUCH AR1STICA

Quantos desesperados de menos elie teria, se mais e melhor fosse frequentada a santa Communlião, que possue como virtu­de própria a força de tornar grandes as almas, conforme a ne­cessidade que têm.

O’ vós que soffreis indizivelmente ou no corpo ou 11a al­ma, ou em um e outro ao mesmo tempo; ou na pessoa cu na família, e na substancia, mas que soffreis com o sorriso nos lá­bios, com a força 11a alma, com a calma no coração, em summa, que soffreis com a coragem dos santos, não faleis, ficae silen­ciosos, não é preciso que me manifesteis o segredo da vossa força, eu o adivinho e percebo: fazeis cada dia a santa Cornnui- nhão... respiraes Eucharistia.. viveis da Eucharistia...

Basta isto; nada é preciso accrescentar. Podeis ser inarty- res, possuindo a força de Deus, de Deus Crucificado.

Sim, aímas afortunada?, como na epoca dos martyres. a passagem erà facil dos agapes, dos banquetes santos das cata­cumbas ás fogueiras, aos circos, aos dentes dòs leões, esfaima- dos. no amphitheatro Flavio, assim hoje a passagem é facil da mesa eucharistica ás luctas da vida, aos combates espirituaes, produzidos pela-enfermidade, pela indigencia, pelas perseguições, por qualquer desventura.

Querería levantar a voz e fazer ouvir de uma extremidade do mundo á outra esta verdade tão doce: «a santa Eucharistia basta para fazer martyres...»

XII—Eis 0 grande athleta S. Ignacio.. Condemnado ás feras, de Antiochia, onde era bispo, trans-

portam-n’o á Roma. E a viagem foi toda um martyrio, glorioso prelúdio de gloriosíssimo fim.

Roma pagã não se mostrou tão avida de assistir ao cruel espectáculo quanto elle de lh’o offerecer; os leões do amphitheatro Flavio (0 Colyseu) não sentiram tanta fome de devorá-lo quanto elle de ser devorado. Foi esta a sua unica oração durante o traje- cto: Utinam fr ita r bestiis... tan tum ui Christo fr i ta r ! . . . Que palavra sublime! — Queira o Céo qúe só para gozar de Christo eu goze das feras!»

Mais sublime é seu grito quando, na arena do amphithea- tro, em presença de oitenta mil espectadores, se encontra com Os leões, sôltos das jaulas. Emquanto as feras rugidoras e furiosas o fitam e preparam 0 salto... o grande confessor de Christo se ajoelha, junta as mãos, e exclama: *Friimentum Christi sitm, dentibus bcstianim m olar n t panis m undus inveniar— Sou o frumènto de Christo; serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me pão muito puro...» Não acabara ainda de falar e os leões já o haviam devorado,

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P. ANTONINO DC CASTri.l ,

Quão nobres e delicados são os corações dos sanlos!Estes três pensamentos, ou. melhor, este pcnsamenlo unico

e completo de S. Ignacio martyre é propriamente divino.Mais se aprofunda e mais parece bello.Mais se medita nelle, e rnais se lhe go/a a doçura. Sobre­

tudo o pensamento de S. Ignacio é deveras um cântico eucha- ristico:—Desejar ser fruinento, para ser triturado, e tornar-se pão de Christo, puro e sem macula, triturado pelo-- dentes dos leões... Que pensamento pode haver de mais elevado e delicado?

Que desejar de mais nobre e generoso?Melhor ainda: Que pedir a Deus e obter de mais cucharis-

tico que pede e obtem S. Ignacio martyre? Ellc adivinhou o de­sejo de todos os santos; exprimiu em fórma nobilissima a aspi­ração de todas as almas verdadeiramente eucharisticas. E a aspi­ração é esta:— «Ser frumento, para ser triturado pela dôr e tor­nar-se pura hóstia de Jesus Christo.»

Ao menos especialmente concedei tal graça ás almas ena­moradas de vós, ó Senhor, para que todas de todo coração di­gam e repitam: «F rum enlum Christi sum, dentibus bestia- n n n molar, u t panis m undus inveniar /...»

Da dôr, porém, não nos podemos afastar tão depressa. 'A alma verdadeiramente inflammada pela Eucharistia, sobre o Cal­vário, ao lado de Jesus Crucificado, deve aprender todos os of- ficios dolorosos de qualquer alma eucharistica.

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118 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO XVI

No CalvarioOfficios d o lo ro so s da a lm a eu ch ar lsllca

I—Eucharistico é o que tem contacto ou relação com o corpo santíssimo de Jesus Christo; e já dissemos que todo altar é Cal­vario, e que Jesus sacramentado é sempre e em toda parte Jesus Crucificado. A consequência é que, sendo eucharistico tudo o que se faz á Humanidade santíssima de Jesus, as primeiras al­mas eucharisticas, nós as achamos no Evangelho, no caminho do Calvario, em torno á Victima Divina.

A Missa continua o sacrifício da Cruz; as almas eucharisti­cas de hoje continuam os officios piedosos das almas eucharisti­cas de então.

Se o Rei é o mesmo, mesma ha de ser a côrte; se a Victi­ma é a mesma, mesmos serão os cuidados a lhe serem prodiga­lizados. Se o sacramento e o crucifixo são um só Jesus, as al­mas evangélicas serão uma só côrte amorosa começada no Cal­vario e perpetuada na Egreja, começada junto ao Deus crucifi­cado, continuada junto ao Deus sacramentado, e com o mesmo zelo, sobretudo com o mesnio espirito de dôr, de sacrifício, de immolação.

Consideremos neste e no seguinte capitulo quaes os cui­dados prodigalizados a Jesus Victima pelas almas evangelico-eu- charisticas. Aprendam as que o ignoram; e as que já o realizam agradeçam a Deus, pois são officios indispensáveis a qualquer alma eucharistica.

II—Estamos no Oethsemani.Nenhum gemido de Jesus commove tanto as almas quanto

o que emittiu mal havia entrado no horto de Oethsemani.—«Mi­nha alma está triste até a morte; ficae aqui e velae commigo». (Math. XXVI, 38).

Ah! que rios de lagrimas derramaram os santos por causa destas palavras! Sustinete hic et vigilate mecum — Que rios de lagrimas por causa do abandono em que é deixado Jesus, e por causa da censura piedosa dirigida aos que O deviam assis­tir: Sic non potu istis una hora visplare m ecum ? (Math. XXVI, 4o).

Assim, não pudestes velar commigo uma hora ?Nenhuma nesga de terra foi tão invejada pelas almas eu­

charisticas quanto a terta de Gethsemani, ensopada pelo sangue

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P. ANTONINO DE CASTP

de Jesus agonisante. Nenhum anjo dcspcrtou-lhcs tanto ciumc quanto o anjo confortador, descido do Ceo.

Ser anjos consoladores para Jesus agonisante, para Jesus abandonado nos seus santos tabernaculos, tal é a divina ambição das almas eucharisticas.

O h ! se das mãos de Jesus pudessem arrancar aquelle cá­lice de amargura! se pudessem bebê-lo em seu lugar!

Se ao menos pudessem participar dellc, tragá-lo juntamente com o Amado!...

E a oração de Jesus recitada no horto torntt-se a oração, das almas eucharisticas; não só oração, porént enlevo, embria­guez, vida! Três vezes naquella hora funesta a repete o Mestre agonisante; centenas de vezes ao dia a repetem seus discípulos. Centenas de vezes ao dia as almas de Jesus exclamam com os olhos fitos no Céo ou fitos no Tabcrnaculo: 1'atcr, von mea voluntas, sed tua f i a i ! non aicuf ego 7:0/0, sed sicut Tu!...

III—No Apocalypse (Apoc. XIV, 4) está escripto que as al­mas que são primicias de Deus seguem o Cordeiro por toda parte onde Elle vae.

Ei-las, portanto, no caminho doloroso que leva ao monte santo dos aromas: sequuntur A gnum quoannque ierit. Foi Elle flagellado, então? Mas quantos pcccadores flagellam Jesus no seu Sacramento! quantos peccadores, e quantos peccados (bastariam só as blasphemias) crucificam novamente em si pró­prios 0 Filho de Deus!

Oh ! se as almas eucharisticas pudessem poupar a Jesus esses golpes! se pudessem fazer-lhe escudo com seu peito!

Tu, ó Simão Cyreneu, passavas por acaso no caminho do Calvaiio, emquanto Jesus carregava a cruz; vinhas do campo e não de boa vontade, mas constrangido, a principio, foste forçado a carregar a cruz de Jesus. Entretanto, fizeste inveja a todos os santos que teriam dado a vida para, mesmo por um instante, ser­vir de Cyreneu a Jesus.

Sequun tur A gnum quocumque ierit...E pelos flancos escabrosos do Calvario O seguem, não so­

mente porque Jesus o quer, mas como Jesus o quer, e Elle quer ser seguido levando o peso da própria cruz.

As almas eucharisticas. carregando sua cruz, seguem o Cru­cificado, não como os ladrões condemnados também á morte, porém como martyres, queridos de Jesus e companheiros de seu martyrio.

Depressa, filhas de Sion, ide ao encontro do rei Salomão que se adianta coroado de espinhos, conduzindo ao hombro o madeiro do seu sacrifício!

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120 ALMA EUCHAEISTICA

O’ Verônica, quão feliz foi tua sorte por enxugar o rosto ensanguentado de Jesus! Oh! como as almas eucharisticas ar­dem de desejo de enxugarem esse divino rosto, não já com o sudario mas com ellas próprias, para que lhes fique impressa a imagem sacrosanta!

1 \ f-S e q u iin tu r Agtm in quocumque ierit. Mas é ali, é no Calvario o posto das almas privilegiadas, das almas grandes.

E’ o lugar de João e de Magdalena, as duas almas mais queridas de Jesus; o pesto das piedosas mulheres que tinham o devoto costume de segui-IO por toda parte, e O haviam segui­do desde a Galiléa.

E eram muitas, e haviam provido ás necessidades d’Elle e e dos seus apostolos. (Math. XXXIII, 55). Felizes creaturas, ver dadeiras almas eucharisticas, que. depois de terem alimentado a vida do proprio Creador, mereceram assistir-lhe á morte, e pro­digalizaram os últimos cuidados ao seu santo cadaver!

.Porém, entre as almas que cercam a cruz de Chrislo ago- nisante, e que lhe fazem piedosa corôa, ha uma que lhe está mais próxima e é mais divina, verdadeira ovelhinha do Cordeiro de Deus., é a Mãe, moribunda no espirito junto ao Filho moribun­do na carne; a Virgem das Dôres junto ao Homem das Dores; a Rainha dos martyres junto ao Rei dos Martyres; a Alma eu- dfnristica por excellencia junto á Hóstia pura, santa, immaculada.

'■ £ as outras Marias, com Magdalena e João. como se acon­chegavam a Jesus, também se aconchegavam á Mãe Divina.

Que scena! Estão todos; nenhum falta.E* a família das almas fieis, até o ultimo mysterio doloroso;

a família das almas intimas, das almas predilectas.E’ toda a familia de Jesus. Cercado por ellá, pelas suas al­

mas, olhando-as, deante de seus olhos, de seus corações... Elle se prepara para morrer.

O’ almas eucharisticas, eu vo-lo peço, quando assistirdes á santa Missa, reza* o S tabal Matcr. Que vossa fé seja viva: não é uma exageração da piedade christà, é um artigo de fé que no lo ensina — a santa Missa ser o mesmo sacrifício da Cruz! Sois eucharisticas Magdalenas? Rezando então o S taba t Mater como o rezariam os Anjos, mais com o coração que com a boc- ea, estreitando-vcs com Maria ao coração do Crucificado no sa­cramento, chorando com ella, com Magdalena, com João, arden­do no mesmo amor, ó h ! como compreliendereis melhor e me­lhor apreciareis a santa Missa!

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P. ANTON1NO DE CASTKI. LAMMARl

O Pangc L ingua seja o hymno da Eucharistia como mys- lerio e como sacramento; o Síabiü M a/rr seja o hymno da tucharistia como sacrifício divino.

Se S. Gregorio Nisseno chorava, ao considerar o sacrifício de Abrahão, representado em um quadro, o h ! Deus, como não chorar, ao menos como não enternecer-nos assistindo e muito mais celebrando não o sacrificio cm figura, mais o real sacrifício de Jesus Christo? Como é possível que fiquemos distrahidos, mu­dos, frios, em face de tão grande amor do Salvador divino?

Oh! a santa Missa assistida pelos santos e celebrada pelos santos! Para tal descrever seriam precisos volumes, e escriptos por mão de anjo!...

VI—Parece que no Cal vario as almas eucharisticas forma­ram dois grupos: as mais próximas e as mais afastadas. As mais próximas estão indicadas por S. João quando diz; «Junto á Cruz de Jesus estavam sua Mãe e a irmã de sua Mãe, Maria Cleophas. e Maria Magdalena (João, XIX, 25).

As outras citam-nas os três evangelistas, o ultimo dos quoes repete o que haviam dito os dois primeiros: *Stabant omnes noti eius a longe*—Todos os seus conhecidos estavam a certa distancia.—(Luc. XXIII, 49).

Dois grupos; o primeiro mais angustiado porque vê e sen­te o que succede á augusta Victima, porém mais feliz, porque mais proximo de Jesus, mais aljofrado pelo sangue divino, e porque ouve as palavras de Jesus moribundo. Mais feliz, porque serve de testemunha ao testamento de Christo, quando á sua Mãe deixa por filho S. João, e a João deixa Maria por mãe. Sim, as almas mais próximas ao Crucificado ouviram ellas próprias as palavras testamentaes e solemries pelas quaes o discípulo privi­legiado da Ceia tornava-se o discípulo privilegiado do Calvario; o predilecto de Jesus Sacramentado passava a predilecto de Jesus Crucificado; o filho da Eucharistia mudava-se em filho de Maria.

O grupo das almas mais afastadas representava uma reta­guarda amorosa. E que faziam de longe aquelles corações pie­dosos, que faziam elles?

Aspiciebant—respondem os evangelistas, olhavam.E disseram tudo..

VII Olhavam! depois da potência da lingua vem a potên­cia dos olhos; dèpois da palavra o olhar, se não quizermos di­zer que os olhos são linguas e são palavras. O h! com effeito, a potência arcana de um olhar, se doce ou ameaçador, se sereno ou terrível, se.de pae ou de juiz, se de carnifice ou de mãe... a potência de Um olhar!... Sobretudo de um olhar de amor!

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122 IA EUCHARISTICA

A afma dominada pelas ansias do amor sóbe toda inteira aos olhos e nelles se revela, e os olhos de uma alma enamorada ar­dem, queimam, arrebatam, encantam, ferem, dominam. Especial­mente em presença do amado que soffre ou que morre, o cora­ção se petrifica, a bocca emmudece, só os olhos falam. Pelos olhos sáe toda a alma do amante; pelos olhos entra toda a alma do amado.

Poucas horas antes, no átrio da casa de Caiphaz, foi Pedro quem sfentiu a força do olhar de lesus entre cadeias, conversas Dominas respcxit Petrum CLuc. XXII, 61 . Agora é Jesus Elle mesmo que sente a força dulcissima do olhar das piedosas mu­lheres.

A spiciebant! Olhavam. Queriam approximar-se. e não po­diam ; olhavam e desíalieciam, e se desfaziam por amor: aspi­ciebant.

As almas lhes estão nos olhos, e os olhos despedem dar­dos e settas inflammadas.

Morreo Mestre, e ellas não podem assisti-lO, não podem se approximar, não podem tocá-IO, só podem olhar de longe... E olham, e agonizam, e morrem também de amor: aspiciebant.

E, firida a catastrophe, os algozes fogem aos frêmitos da natureza... Então as piedosas mulheres, qual retaguarda amorosa, se approximam, rodeiam a augusta Victima, e olham de perto... Olham como está morta a Vida, muda a Palavra, extincto o Amor... e olham aterrorisadas... insensibilizadas... impedernidas... aspiciebant!

Olhae, oh ! olhae de longe, vós também, o Tabernaculo, ó al­mas de Jesus Sacramentado, quando não podeis estar-lhe proxi- mo; porém, olhae-o como as piedosas mulheres, abrazando-vos, chorando... aspicite !... aspicite /...

VIII — Assistir somente C morte não basta E' preciso não abandonar o morto, não esquecer o sepultado Redemptor.

Já se fizera noite no Calvario; José de Arimathéa. nobre dccurião e nobilissimo discípulo do fallecido Mestre, audacter, corajosamente, se apresenta a Pilatos e pede o corpo de Jesus. Pilatos ordenou que !h’o restituissem.

E José, tendo comprado um sudario branco, e, depondo o corpo da cruz, o envolve no cândido lençol. Não estava só no officio piissimo. S. João, presente também, narra, no seu Evan­gelho, que ajudou o Nicodemus, trazendo quase cem libras de uma mistura de myrra e oleo.

Foram, pois, os dois, José e Nicodemus que «tomaram o corpo de Jesus, o envolveram em lençol de linho, embalsaman- do-o com perfumes, como costumam fazer os hebreus nos enter­

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P. ANTONINO DE CASTfl I.AMMAttl 123

ros. Junto ao lugar da crucifixão havia mu horto, e 110 horto um sepulcro que pertencia a Josc de Arimatiiéa. O sepulcro era novo, cavado na rocha, e não recebera ainda eadaver algum. Alii, pois, como era a Parasceve dos Judeus e o sepulcro perto, se­pultaram Jesus, ergueram uma grande pedra á entrada da gruta e se retiraram. (João, XIX, 38. 42).

Citei a narração, palavra por palavra, dos quatro evangelis­tas, que só divergem em um ponto: S. João fala no plural de José e de Nicodemus; os três primeiros, silenciando sobre Ni- codemus, falam no singular somente de José de Arimathéa. Porém as quatro narrações formam uma só narração, como os quatro evangelhos formam um só evangelho.

Recolher cada palavra das quatro narrações é cousa facil, porém saboreá ias, aprofundá-las, explicá-las, isto é que c difficil.

Entretanto, formaram a meditação, o extase, o pranto dos santos, essas paginas suavi-simas.

IX—Meu Deus! dôr suprema foi para as almas dilectas assisti-IO sobre o Calvario, mas foi também supremo consolo. Oh! pudéssemos nós imitá Ias igunlmente!

Tantas são as palavras da citada narração, tantos foram os cuidados que as almas amorosas proporcionaram a Jesus Victima, ao Deus da dôr.

Antes de tudo, coragem em exigir os direitos de Jesus. Os evangelistas notam que José de Arimathéa era discipn/ns oc- cultus, propter metum judaeom m (João; XIX, 38)—era discí­pulo do Nazareno, porém discípulo occulto por medo dos ju­deus. E de Nicodemus logo lembram ser aquelle que pela pri­meira vez buscou a Jesus durante a noite, qui venerai ad Je- snm, nocte prim um íjoão, XIX, 39). Ambos haviam sido tími­dos ; o temor então se transformara em anior.

E, salpicados pelo sangue de Jesus Crucificado, José e Ni­codemus não mais receiam; valentes e corajosos, um corre a Pi- latos para pedir o corpo de Jesus; o outro vae comprar cem li­bras de perfumes. São pessoas de destaque, ricas e nobres; tor­nam-se assim as mais autorizadas testemunhas da morte e do sepultamento de Jesus.

E aquella mortalha branca e nova devida á caridade de José de Arimathéa!... Depois das faixas que envolveram o Re- cemnascido de Belem, foi este o primeiro corporal eucharistico— a candida mortalha.

E as cem libras de perfumes!... Que profusão, que gentile­za e quanta piedade em Nicodemus!

E a descida da cruz!... Os algozes o pregaram no patíbulo, e ahi o deixaram. Infelizes! Agora, compete aos predilectos reti-

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rá-IO da cruz; compete aos amigos despregá-lo. Da cabeça bem- dicta, um a um, e muito docemente, extrahir os espinhos da co- rôa; docemente arrancar os pregos das mãos e dos pés: limpar com delicadeza o rosto, os cabellos, o peito, todo o corpo divi­no ; impregná-lo de balsalmo, de myrra, de perfumes, apertá Io no lençol em -folha. Não sepulcro velho, ou profanado ou estra­nho ! Aquelle que fazendo-se homem, quiz uma Mãe Immacula- da, agora, além do lençol novo, quer um sepulcro novo, não feito de pedra, porém aberto na pedra viva. E propriedade do discí­pulo piedoso, José de Arimathéa!

Seus queridos, seus filhos, tudo’ lhe preparam! Esses O alimentaram, aquelles O seguiram por toda parte; outros O acompanharam até a Cruz, receberam o ultimo suspiro, O amor- talharam e embalsamaram, O sepultaram... Tudo fizeram ! Só falta acompanhá-IO ao monumento, lá O deixarem e se retirarem.

Separar-se d’Elle ?... Momento, oh ! que momento!..

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P. ANTONINO DF CASI iMMAÜT

CAPITULO XVII

Ainda sobre o Calvario(Continuação)

1 —Como as mães falatv aos fiiltos com malernaes expres­sões, assim a Egreja nos fala com as cerimônias lituaes.

Ora, se, na quinta-feira santa de cada atino, quando, entre mil hymnos, luzes e incenso, o S. S. Sacramento é levado para o amado Ciborio, adornado solcmnemente como esposo em dia de núpcias; se, digo, naquella procissão ineffavel, quando o Pange L ingua se entôa. um frêmito de commoção nos saco­de; e quando o Ciborio é incensado e fechado, deixando-nos enternecidos e como prostrados por terra; se, no dia seguinte, sexta-feira santa, na procissão de volta, quando a Egreja canta «como esposa que chora o esposo» Vcxillu Rcgis {>r<>deunt —as vozes choram, choram os olhos e choram os corações... e quando na mesa do Senhor a Hóstia santa é consumada as ve­las se apagam, os altares se despojam, fica-se mudo, quase anni- quilado pela majestade dos divinos mysterios; se isto succede em uma procissão apenas commemcrativa, que dizer daquclla pri­meira procissão, na qual Jesus morto é, na realidade, conduzido ao sepulcro?...

II—Momento! oh ! momento! E’ preciso agir com pressa, porque a tarde sê àdíanta, e sobrevem o rito paschoal que pro- hibe o contacto com os mortos.

Os últimos raios de luz vacillante deixam ainda distinguir manchas de sangue coagulado na cruz e em baixo da cruz.

Parece uma estatua de alabastro o Christo cadaver envolto no seu branco lençoL

Adeante, <5 procissão, adeante! Já não ha hymnos, nem cân­ticos, nem psalmos... Choram todos,.. Mas quem chora?... quem geme?... Choram José e Nicodemus, chora a mãe de Thiago e de José... chora a mãe de Zebedeu, e Salomé e Maria Cleopha... Choram, o h ! como choram Martha e Magdalena... chora, o h ! chora o discípulo Joãò... Não vélas accesas; ellas são as vélas.. não perfumes de incenso, elles são o incenso... não caixão inoiv tuario; seus braços são o caixão.

E avan çam le n ta m en te ..Entretanto, parae, José e Nicodemus, cavalleiros de Christo

morto, parae.Um dia, áquelle Nazareno, que levaes para o sepulcro «in­

do á cidade de Nain, jupto ás. âuáç portas encqiiirou um cortejo

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126 A ALMA EUCHARISTICA

fúnebre que levava ao cemitério o filho unico de uma mãe que o acompanhava chorando e que era viuva. Grande numero de pessoas da cidade iam também com ella. Vendo-a, o Senhor moveu-se de compaixão, e disse: Xo li flera -Não chores: E approximou- se do caixão; os que o levavam pararam». (Luc. VII,7,15).

Parae também vós, ó cavallei os do Crucificado, parae. Uma Mãe viuva ségue seu Filho unico». — Deixae que aqueça com seus beijos a face gélida do Filho., deixae que a banhe com la­grimas, que aperte o Filho ao coração pela ultima vez., que lhe diga: «Adeus, ó Jesus, ó Filtro meu... ó Jesus... Jesus, eu te abençôo... Adeus!»

III— Entretanto, a grande pedra róla á entrada do sepulcro; ao surdo rumor, os corações se dilaceram. Cáem todos de joe­lhos, todos abafam os soluços, todos rezam em silencio... Amor, dôr, fé, esperança, anseio, gemido... todos os affectos se agitam... Mas a missão está completa, e nada mais podem fazer ao sepul­tado Senhor.

O novo Christo, João. toma a Mãe Santíssima pelo braço e partem.

José de Arimathéa e Nicodemus os seguem.-«Ah! portanto, está morto o Justo! *Ecce quomodo

inoritur fu s tu s—e ninguém o sente no coração!» Partiu, dei­xou-nos o nosso Pastor, extinguiu-se a Fonte de agua viva, em cuja morte escureceu o sol». — «Em paz. a h ! em paz fique sua memória!»— et crit in pace memória e iu s f (Resp. IV e V das Matinas do Sabbado Santo).

Ide dizer a Magdalena que é tarde, e é preciso partir do Calvario, é preciso deixar o sepulcro.

Partir do Calvario?.. deixar só, sozinho o Mestre adora­do ?... O h ! Deus, que provação!

A inda um pouco ! A inda um momento ! E’ este o grito que a alma enamorada, eucharistica Magdalena. pronuncia deante do sepulcro, ou deante do tabernaculo, do qual deve separar-se: Ainda um pouco ! ainda um m om ento !

IV— Já as primeiras estrellas lagrimejavam no firmamento; o Calvario, já ferido pelo raio, fazia-se mais escuro, e mais tetri- co se fazia o rochedo ensanguentado. Sombras divinas vagavam por sobre o sepulcro divino, parecia sentirem-se os palpites da natureza, que nas entranhas encerrava seu Creador, seu Creador que dormia o somno da morte.

Maria Magdalena e as outras piedosas mulheres, angustia­das, abatidas, não podendo afastar-se, querendo ficar até o ulti­

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ANTONINO DE CASTI1

mo instante em que isto lhes seja licito, não mais se mantêm de pé, e assentam-se.

Assentam-se em frente ao sepulcro, uma junto da outra, e desatam a chorar.

O evangelista S. Marcos nos diz que Maria Magdalena e Ma­ria de José. pouco antes, durante o enlerrameulo, «uspiciebant ubi poneretur— observavam como O collocavam» 'Marc. XV, 47) S. Lucas diz que não semente olhavam o sepulcro, mas também o modo como ahi depunham o corpo de Jesus. (Luc. XXIII, 55.) Isto faz comprehender que aqucllas almas generosas tinham um designio, occultavam uma intenção, um projecto amo­roso. Mas, calam agora, ainda podem ficar alguns instantes com Jesus, e permanecem assentadas em frente ao sepulcro do Mestre.

V— Está para cair o panno da terrível tragédia daquelle dia; é a ultima scena. Precisamente a ultima sceua de sexta-feira san­ta, á noite, é esta: em um angulo o sepulcro de Christo morto, em frente, as piedosas mulheres assentadas que choram !...

Naquella posição as deixa, e com aquella scena encerra o Evangelho a sua narração: «estavam Maria Magdalena e a outra Maria sedentes contra sepulchnnn — assentadas em frente ao sepulcro». (Math. XXVII, 61).

E naquella posição as deixa, e com aquella mesma scena encerra o ofíicio doloroso da Semana Santa.

A ultima antiphona, no fíenedictus das Matinns das trevas do Sabbado Santo — que se rezam na noite de Sexta-feira da Paixão—é esta: — «Mulieres sedentes ad monum ejttuin la~ m entabantur,flen tes D om inum .—As mulheres assentadas em frente ao sepulcio, com lamentos, choravam o Senhor.

Assim cáe o panno da tragédia divina. Quando subir de novo este panno, o sepulcro estará vazio e descoberto, e o Al~ leluia terá echoado no Céo, na terra e nos abysmos.

Mas, por aquella noite, pela terrível noite da primeira sex­ta-feira santa, aquella que foi a ultima scena: Mulieres sedentes a d sepulcrhum lamentabantur, /ten tes Dominum.

VI— O’ Tu, que repousas e dormes no sepulcro, torna-me digno de meditar, eu também, por um só momento, junto ás pi­edosas mulheres, deante de Ti.

Outra vez encontramos assentada a Magdalena. Vimo-la no seu castello, aos pés do Senhor, escutando-lhe as palavras; agora está assentada deante do seu sepulcro.

Então, inebriada em extase de amor; agora, imniersa, nau­fraga em pelago de dôr. E’ verdade, pois, o que dissemos no

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128 A ALMA EUCHARISTICA

capitulo antecedente—que a filha privilegiada do amor é para mim a filha privilegiada da dôr Verdadeira discípula de Jesus é aquella alma que, tendo-O seguido no gozo, segue-o também no luto, e copi a mesma calma, com a mesma concentração, com a mesma profundidade.

Assentado—isto é. calmo, concentrado, profundo é o amor de uma alma enamorada de Jesus Christo. e tambein assentada, isto é, calma', concentrada, profunda é a sua dôr. Depois do cas- tcllo vem o Calvario: depois de Christo vivo, Christo morto. Por isto. a verdadeira alma eucharistica está deante do sepulcro do seu Mestre, está assentada deante do sepulcro do seu Mestre, como estivera assentada aos seus pés no castello

No castello, ardendo como seraphim; no Calvario ardendo como victima. Ali alma beatifica; aqui alma immolada; sempre Maria Magdalena. A melhor parte que então escolhera, e que, se­gundo o oráculo do Mestre, non tm ferelur ab ca—não lhe se­ria tirada, devéras não lhe foi tirada; cila a conservava ainda no Golgotha, ao pé da cruz, em frente ao sepulcro do Senhor.

A differença é só esta:—no-castello escutava—audiebat— aqui já não escuta mais. Não escuta mais, porque já está envol­ta no sudario a face de Jesus, cuja belleza era mais resplande­cente que a do sol e da lua. Extinctos estão aquelles olhos que brilhavam como duas estrellas, ardiam como duas chamnias; mu­da aquella lingua que arrebatava as turbas, que por dias inteiros as arrastava após si. Sobretudo, está sem movimento, sem palpite nquelle coração que enlevava ceus e terra, Creador e creaturas. Et tá cadaver o Filho de Maria, desfeita a obra prima de Deus, despedaçada a harpa do Altíssimo!

Não fala, não sente, não palpita, descansa...' em paz... Sua divindade subsiste, e do sepulcro mesmo sua divindade escuta cm silencio os soluços, as lagrimas, os gemidos da Magdalena.

Esta alma eucharistica uma outra vez esteve de luto, quan­do lhe morreu o irmão Lazaro. Aquella dôr foi prelúdio desta dôr; o luto de Bethania foi preparação ao luto do Calvario. Para as grandes dôres Deus sempre prepara as suas almas!

A dôr de outr’ora foi cheia de confortoPeora o enfermo, e o aviso amoroso é enviado ao Mestre.

O Mestre demora, mas chega, afinal, chega disposto para gran­des cousas. Martha chora, mas quando Maria chora, Jesus se commove, se perturba, chora também Elle...

Ainda que o milagre não se tivesse realizado, só o pranto do Mestre, só o ter chorado junto com Elle, teria sido consola­ção immensa para as discípulas queridissimas, Martha e Maria.

Com as lagrimas de Jesus, seu luto se tornará luto de paraiso!

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P. ANTONINO DE CASTI II

VII—Porém no Calvario. não! No (alvaiin a <loi «■ >om mistura. A discípula amada chora, r duna so/mlia.

Jesus é cadaver, incapaz de lagrimas: Ia/ dioiai. mas uao chora mais E, quando a crcatura chora so/iuha, c com dia nao chora o seu Deus, então a dôr é completa, c por islo supieina.

E assim, nesta dôr completa c suprema, a discípula c sem­pre discípula, e a Magdalena sempre Mngtlnlcnn. Eulao somente a sua dôr é verdadeiramente sublime; então somente a sua dôr attinge o divino.

O’ Golgotha! és o monte das dftrcs sem mistura, mas uao das dôres desesperadas. E’s o monte de Deus, poiém, mons hei, rnons coagulatus, m ons pinguis monte de Deus, monte re­pleto, monte santo! (Psalmo LXVII).

Fahar-te ão os confortos, mas não te faltarão as esperanças, ó monte santo de Deus. Se cada esperança é um conforto, en­tão, ó Golgotha, tuas esperanças serão os teus confortos: mons Dei, mons coagulaíus, mons phignis.

VIII—Ali está sentada , quer dizer, segura, serena, a discí­pula de Jesus Christo, filha privilegiada do amor t da dôr.

Ouvira dizer ao Mestre: Ego sum resnrrrc/io et vila - Eu sou a resurreição e a vida!

Sua dôr é pura. mas pura também é sua fé e sua esperan­ça. Daquella noite Magdalena espeta o dia; dacmella ignomínia espera a gloria; daquella cruz a redempçào; daquelle sangue a salvação; daquella morte, a vida; daquelle sepulcro espcin o seu Senhor.

Ali ficará tranquilla. esperando... assentada, immovel, firme; ali estará firme esperando o momento de Deus

Ir-se-á depressa, quando a lei paschoal lh’o impuser, visto que a dôr, quando mais pura, mais obediente é

Ir se-á, porém, somente com o corpo, não com o espirito.Collocae vossos guardas, 6 judeus'; ponde o sello de Go­

zar, ó soldados romanos.Em torno ao sepulcro de Jesus haverá senlinellas mais vi­

gilantes, sellos mais fortes... estarão corações e almas... estarão fé, esperança e caridade.

Ir-se-á Magdalena; porém, afastando se do seu Senhor, seu primeiro pensamento, ao chegar á cidade, será corr.prar aromas para com elles voltar ao sepulcro logo que o rito paschoal o permitta. Eis por que ella e a outra Maria estavam observando o sepulcro e o modo como nelle depositavam o corpo de Jesus.

Ir-se-á Magdalena: nem ousará apressar-se até quando a lei o prohiba.

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130 A ALMA EUCHARISTICA

Mas, finalizado o rito, immediatamente a cerva sedenta e fe­rida vê-la-eis no seu posto, em frente ao sepulcro de Christo.

IX— Amor divino, como és grande!Eis: «era ainda madrugada»—diz S. Marcos; «antes que se

fizesse dia»—nota S. Lucas: Em summa diz S. Matheus: «á noite do sabbado que aclarava o primeiro dia da nova semana » — (que hoje seria o domingo) Maria Magdalena está no sepulcro de Jesus Mas, o h ! Deus!... o sepulcro eslava vazio e aberto.

Vôa aos apostolos... volta outra vez, e chora, e geme. e se abraza de amor e de dôr... Porém, dali não se move; naquelle horto foi sepultado; daquelle horto resurgirá o Mestre; ali des- appareceu, ali ha de reapparecer... E pergunta aos anjos, e discu- le com elles, e com o hortelão...

M aria! chegou tua hora. A t.il nome. que tantas vezes ou­vira pronunciar, dá um grito... um giito sublime! Uma só pala­vra diz o Resurrecto:—Maria!... e uma só palavra diz a discí­pula ao Mestre ■.—Rabbon i!... E Deus e a alma, o Creador e a creatura, o Pae e a filha, o Mestre e a discípula se comprehen- dem e se dizem tudo.

O’ aln<a eucharistica! quando no sabbado da Allcluia ou­virdes o repicar do sino, lembrae-vos de Magdalena.

Ella é o sino do Calvario, o sino da resurreição. Foi esco­lhida pelo Mestre para levar a feliz nova aos apostolos, aos dis cipulos, a Jerusalem.

No mesmo momento em que no Céo echoou o Alleluia dos anjos, no Golgotha echoou o grito, a voz de Magdalena...

X— Dôr!... oh! dôr! agora te comprehendo... Já não és um mysterio para mim. Desde que Jesus é bello, é grande, é amavel por causa de sua dôr, visto que é Cordeiro de Deus, Crucifica­do, Hóstia... desde o momento em que Jesus Christo é Salvador meu, meu Redemptor e meu Paraiso, unicamente porque Deus da dôr, eu te comprehendo, ó dôr, minha amiga e minha irmã. Tu me bates para me illuminar; tu me feres para me curar; tu me humilhas para me elevar; porque me amas, tu me matas; e me dás a morte para que eu tenha a vida. O’ dôr, tu me fazes grande, tu me fazes bello, tu me fazes santo. E’s o meu escalpello, o meu buril, o meu cinzel, o meu mestre, o meu medico, o meu lavacro. o meu sacramento, o meu baptismo. Fizeste-me penitente, crucificado, martyre, victima, hóstia, fizeste-me em tudo semelhante a Jesus. Sim, semelhante a Jesus, porque, em substancia, a dôr é Jesus ( Ihristo, meu Salvador, que soffre e morre em mim, para resur- gir em mim e commigo!

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P. ANTONINO DF. C ASTFI.L AMM ARI

Agora comprehendo por que todas as almas grandes fizeram do Calvario o lugar do seu repouso: assentadas lá em cima, junto a Maria, todas as almas mais puras, mais bellas, mais san­tas, emfim, todas as almas eucharisticas são flores do Calvario, tabernaculos do Calvario, perfume, aroma, incenso do Calvario!

XI —Eis por que hoje o espirito de Reparação é a luz mais diaphana, o fogo mais sagrado, o aroma mais gentil da piedade eucharistica moderna.

Reparar é hoje a alegria mais pura, a ambição mais san­ta, o empenho mais ardente das almas verdadeiramente eucha­risticas.

S er reparadores é hoje o incenso mais odorante, o aroma mais suave, a agua mais fresca que recebe o Coração Eucharis- tico do Deus ignorado, ultrajado, perseguido dos nossos taber­naculos.

E’ fé, é amor, é gentileza, é ardor, é gloria, é especial ca­racterística dos nossos tempos o espirito de reparação.

As almas reparadoras são hoje multidão ! E o tempo disto necessita.

Entre estas almas eleitas, consagradas á reparação, somente duas quero e devo nomear: ambas relativamente contemporâ­neas, ambas escolhidas por Deus para Mãe de virgens eucharis­ticas, puras e brancas como suas vestes. Ambas chamaram-se Maria de Jesus, ambas mortas em odor de santidade, e encami­nhadas juridicamente ás honras dos altares.

A primeira foi a Madre Maria de Jesus (Emilia de Oultre- mont, baroneza viuva d’Hooghvorst) a outra, Maria de Jesus (Ma­ria Delnil Martiny).

A primeira instituiu religiosas com o titulo de Sociedade de S. Maria Reparadora; a segunda fundou as Filhas do Sagra­do Coração de Jesus. Umas e outras são virgens eucharisticas, que se anniquilam junto ao S. S. Sacramento, perpetuamente ex­posto em suas egrejas; umas e outras são victimas que se offe- recetn, que aplacam, que reparam, que se immolam, ao lado da eterna Victima dos altares, pelos peccados do mundo, e especi­almente pelos peccados das almas consagradas ao Senhor.

E (circumstancia singular) as duas Madres plantaram a raiz dos í c u s institutos em um dia de Maria Immaculada.

XII—A Madre Emilia dXDultremont, mesmo no immortal dia 8 de Dezembro de 1854, emquanto o Summo Pontífice Pio IX, em Roma, definia solemnemente o glorioso dogma da Immacula- da Conceição, immersa em recolhimento extático e profundo, teve a clara visão do que a Madona queria delia. Maria, divina­

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132 ALMA EUCHARISTICA

mente penalizada, que subira ao Céo emquanio seu Filho Divino ficara na terra ás voltas com os ultrages, o abandono e a ingra­tidão dos homens, queria que Emilia fundasse uma sociedade de virgens que para com Jesus Sacramentado fizessem as suas vezes.

Fossem quaes pequenas Mães, que. com Maria, por Maria e com o auxilio de Maria, offerecessem a Jesus incessante repa­ração.

E o Instituto de Maria Rcparadora foi creado, abençoado por Deus e approvado pelo seu Vigário.

Oh! as palavras de fogo que a santa Madre dirigia ás filhas!

D iz ia -lhesQ ue é necessário a uma reparadora?—Um co­ração no qual N. S. tenha o primeiro lugar, e que seja todo d’Elle.—Uma grande generosidade de amor que não recuse nem soffrimentos nem sacrifícios.— Uma profunda humildade de co­ração, deante de Deus e daquelles que O representam. — Um abandono de si própria ao beneplácito de Deus, c uma continua renuncia a todas as inclinações da natureza. — Obediência até a morte do proprio cu — morte que dará á alma a liberdade de viver.

Saibam todas que a Reparadora é uma victima, e uma vi- ctima não se poupa mais».

E accrescentava:—«Tenho necessidade de' victimas no ser­viço de N. S., porém as quero espontâneas, alegres e felizes: as dolentes e geinebundas não são dignas de tal honra!»

XIII—A Madre Delnil Martiny, a 8 de Dezembro de 1872, pelo arcebispo de Malines, onde foi fundado seu instituto, teve suas regras approvadas antes que as Filhas do Sagtado Coração de Jesus existissem de facto. Acontecimento raro e unico aié na historia das fundações monásticas.

Nenhuma alma, creio, comprehende tão profundamente o officio sacerdotal-mystico de Mãe das Dores ao pé da cruz e dos fieis assistentes da santa Missa como a Madre Delnil Martiny.

Sobre estes pontos, ella tem pensamentos sublimes, pensa­mentos novos, verdadeiras revelações.

Todo o anhelo do seu coração era um: no santo sacrifí­cio da Missa offerecer, offercccr-se e ser offerecida pelo sacer­dote, junto á Augusta Victima.

Dizia: — «O meu coração está cheio destas três grandes cousas—oblação—immolação—communhão. Não tenho méri­to algum; porém minha alma é transbordante, e abrazadora é a sêde que tenho de transmitti-las ao mundo.

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P. ANTONINO DE CASTI

O’ Deus, se 0 sacrifício da minha vida, lào miserável. |>u- der servir para propagar este segredo de amor, tomae a, e susci- tae almas que possam compreliendê Io, e delle se alimentarem.

De facto morreu victima e martyr, aimulialada por um anar- chista endemoninhado, só porque era religiosa e sonhava com um ideal santo.

Também sua irmã Amélia, flor puiis-ãma depressa arrebata­da á terra do amor, partilhava tios mesmos sentimentos e dizia: — Minha alma está absorvida pelo pensamento de ser victima,

.continuamente offerecida sobre o aliar, de confundir-se com o sangue de Jesus, no cálice do sacerdote. Quando assim tivermos dado a ultima gotta de sangue tios nossos corações, então so­mente podei emos subir ao Céo para offerecer na gloria o cálice do Sangue de Jesus.

E, morrendo, a angélica donzella dizia ao seu director espi­ritual ! --«Padre, o soffrer passa, porém o ter soffrido não passa nunca. O sr. offerece cada dia sobre o altar Jesus immolado; não deixe de me offerecer como pequena victima, unida a Elle, immolada com Elle. Mesmo depois de morta, continue a me of­ferecer.. Padre, não o esqueça».

Na verdade, esta é uma linguagem de scraphim.

XIV—Parecer-me-ia deixar incompleto este cnpilulo. se não o encerrasse com as bellas palavras com que S. Francisco tle Salles encerra o livro sexto do Tratado do amor tle Deus, eap. XIII: — «O monte Calvario é o monte dos amantes Todo amor que nâo tem sua origem na paixão do Salvador é frivolo e peri­goso. Infeliz é a morte sem a morte do Salvador. O amor e a morte estão de tal fórma misturados na paixão do Salvador que não se pode possuir um sem o outro. Sobre o monte Calvario não se poder ter a vida sem o amor, nem o amor sem a vida do Redemptor.

Nisto está tudo: ou morte eterna ou amor eterno, e toda sapiência christã consiste em escolher. Para ajudar-vos a isto, Theotimo, envio-vos este escripto:

Homem, na vida mortal,Escolhe, ’stá ao teu dispor,Com morte eterna uma dôr immortal,Com vida eterna um sempiterno amor

O* eterno amor, minha alma vos procura e vos escolhe eter­namente.

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134 A ALMA EUCH ARISTICA

Vinde, Espirito Santo, e inflammae nossos corações no vos­so amor. Ou amar ou morrer! Morrer c amar! Morrer a todo outro amor, para viver para o amor de Jesus, não para morrer eternamente, mas para viver no vosso eterno amor.

O’ Salvador das nossas almas, cantamos eternamente: Viva Jesus! Amo a Jesus que vive e reina nos séculos dos séculos. Amen».

Quando em Magdalena se realizam os mysterios do amor e da dôr, ella desapparece do convívio dos homens, e nada mais se diz a seu respeito nos Livros Santos. Ora, como Magdalena, especialmente depois da ascensão de Jesus, se esconde aos olhos dos homens e só vive para o Céo, assim a alma eucharistica, formada pelo amor e pela dôr, ao Céo dirige seus pensamentos e suas aspirações. Vive na terra, porém suspirando pelo ultimo dia, pelo escopo final, suspirando pelo Céo.

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CAPITULO XVIII

Saudade do Céo

I— O Céo!... eis o anhelo ardentíssimo tias almas enamora­das de Deus.

O’ Céo!... eis o fim bemaventurado da peregrinação terre­na! o ultimo escopo, a immarcessivel coroa!

— «Não estamos aqui eternamente» tal pensamento susten­tou os niartyres, confortou os penitentes, formou os santos.

Como os apostolos, sobre o monte das Oliveiras, na ascensão do Divino Mestre, ficaram aspicicntes in coclmn (Actos, I, 11) com os olhos e com os corações erguidos ao Céo, para onde fôra o seu Thesouro. assim acontece com todas as almas enamoradas de Jesus.

Vivem na terra; mas como vivem V Aspicientes in coelum com os olhos e com os corações fixos constantemente no Céo, ao qual tendem, pelo qual suspiram, gemendo e chorando...

A saudade do Céo é verdadeiro perfume da Eucharistia, sendo a nota mais pathetica e mais profunda da ultima ceia, sen­do aroma suave do proprio Santíssimo Sacramento do altar.

II— Não se descobre isto á primeira vista, mas é assim.Se Jesus tivesse instituído a obra prima do seu amor em

Belem, em Nazareih, em outro lugar e especialmente em outra epoca de sua vida, neste caso a linguagem da Eucharistia não seria tão doce e poderosa ao meu coração como de íacto é.

Não. E' no termino de sua vida, na ultima tarde, na extre­ma noite, que nos dá o sacramento do seu corpo e do seu san­gue. Depois disto ao Nazareno não resta nem um dia inteiro de vida, restam horas apenas.

E é no cenaculo que o institue; no cenaculo, do qual tão facilmente se passa ao horto das oliveiras, e do horto das oli­veiras ao Calvario.

A Eucharistia, pois, não é um simples dom, é um testamen­to; não um simples agrado, mas uma herança que nos deixa: ?. herança do seu corpo e do seu sangue. A Egreja é a herdeira universal; nós somos os legatarios designados pelo seu testa­mento, que realiza na sua ultima ceia, porém, que não conclue e não sella. Ha de conclui-lo mais tarde, quando accrescenlar o codicillo, isto é, quando a S. João tiver deixado Maria Santíssima por Mãe.

Firmá-lo-á com sua morte, eo sellará com as ultimas gottas de sangue sahidas do seu coração traspassado.

E então consum m atum est! tudo estará consumado.

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IA EUCHARISTICA

Porém, este consumm atuni e s t! é lima sancçào solemne que profere com a bocca expirando na cruz. mas que 11a ultima ceia já tinha proferido com o coração. Primeiro institue o Sacra­mento, depois vem a sancção, quando, com o consinnnta/um e s t ! declarar soleinnemente encerrada e coroada sua divina mis­são. A Eucharistia, pois, é 0 testamento de Jesus, do nosso Pae, do nosso adoravel Salvador.

Assim o creem e assim proclamam todos os padres da Epreja.

III— Para as almas enamoradas de Jesus bastaria só este pensamento para que sentissem 11a Eucharistia a saudade do Céo, como parece que a sentia o discípulo predilecto, quando, muitos annos depois, no seu evangelho, descrevia-lhe a institui­ção. Também como evidentemente sentia e manifestara o Cora­ção temissimo de Jesus, naquella noite memorável, que foi a ulti­ma de sua vida.

Eis que, como gottas de mel ou como flores do paraiso, vou recolher a sentimentos delicados do Coração de Jesus ex­pressos na ultima ceia, para apresentá-los ás almas.

Já o evangelista começa a narração eucharistica por estas palavras na verdade admiráveis: — «Antes da festa da Paschoa, sabendo Jesus que era chegada a hora de passar deste mundo ao seu Pae, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou- os até o fim». (João, XIII, 1).

A impressão que se sente quando sobe 0 panno de um scenario. quando o maestro ergue a batuta, e a symphonia co­meça, esta mesma impressão nos desperta esta introducção de S. Jòâo, que é prelúdio e exordio do poema eucharistico.

— «Sabendo Jesus que era chegada a hora de passar do mundo ao seu Pae..* O’ alma eucharistica, não percebeis que a obra que Jesus vae realizar é um saoamento de partida e de saudade, u:n sacramento de adeus e de recordação? Não nos deixará orphãos, mas nos deixa; não podendo seu coração dei­xar-nos sozinhos, sacramenta o proprio corpo e o proprio sangue, e fica comnosco, em fôrma diversa, até a consummaçãodos séculos.

IV— Bella e commovente é a ultima benção dada aos filhos pelo patriarcha Jncob moribundo: — «Approximae vos e escutae, filhos de Jacob; Israel, escutae vosso pae. Eis que eu morro, e Deus será comnosco, e vos reconduzirá á terra dos vossos paes». (Oen. XI, VIII. 21).

Porém, ó Divino Filho de Jacob, quanto mais bellos e mais commoventes são teus extremos adeuses, tuas ultimas lembran­

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ças! Eis como fala: Filioli, adhm inn/in iiu -ruh/si imi s /m i- Filhinhos, por pouco tempo estarei nimla cnmvosco ! (João, XIII,33).

O Evangelista não diz, mas eu creio que os olhos ilo Mes­tre, aquelles olhos que choraram deante do lumulo, do amigo Lazaro, deviam estar banhados de lagrimas quando dava a seus apostolos a fatal noticia. Mas, já naquelle momento, cila não são seus apostolos, são seus filhinhos.

Quanto é doce este «filhinhos» - naquella occasião e na­quelle momento.

E prosegue:-«Vós me procurareis, porém, como disse, para onde vou, não podeis ir commigo, também a vós digo asfttru. (João, XIII, 33).

Enlre os filhinhos que escutam, um existe muito ardoroso, porém muito debil, e entretanto, muito amante do seu Mestres. Aquelle annuncio de separação o abate, o commove, e ainda que os outros se calem, cale-se o proprio João, satisfeito por estar repousando a cabeça no peito de Jesus, elle, Pedro, de tepente exclama: Domino, quo vaciis? -- Senhor, para onde vaes?— Responde-lhe Jesus: — Para onde vou, agora não me podeis se­guir; depois me seguireis.

Pedro:--«Senhor, porque não te posso seguir agora? darei minha vida por ti». (João, 35-37).

V—S. Pedro, pois recebeu uma'ferida no coração, e lh’a fez a noticia da partida de Jesus. Jesus que se vae! Jesus que o deixa... o h ! golpe para o apostolo! E logo quer saber para onde vae, e ardentemente quer segui IO a todo custo, e generosamen- te offerece sua vida para não se separar de Jesus.

A noticia da partida de Jesus traz a saudade de sua presen­ça, e esta saudade aviva o desejo de segui IO, de não perdê-IO, de ficar-lne unido para sempre.

S Pedro adivinhou o desejo de todas as almas enamora­das de Jesus como Elle. Parece-me mesmo que falou antecipa­damente em nome de todas. E todas, com saudades do Çéo, re­petem muitas vezes e ardentemente as palavras de S. Pedro:— «Para onde vaes. Senhor?

Porque não posso seguir-te? Darei minha vida por Ti..»No entanto, o coração piedoso do Nazareno percebe que a

tristeza entrou no coração dos seus filhos; que a magoa lhes co­bre o rosto, que suas frontes se inclinam sobre o peito.

Não supporta isto seu Coração, e logo se põe a animá-los; ergue a voz e lhes diz:—«Não se perturbem vossos corações... eu vou preparar-vos um lugar... O que pedirdes a meu Pae, em meu nome, Elle vo-lo dará, para que o Pae, seja glorificado no Filho... Rezarei ao Pae, e Elle vos dará outro advogado que fique sem­

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138 A ALMA EUCHARISTICA

pre comvosco... Não vos deixarei orphãos, virei a vós... Não se turbe vosso coração... não tenlia medo... Disse vos estas cousas, para que vos alegreis commigo, e para que vosso gozo seja com­pleto... A tristeza enche vosso coração... Mas eu vos digo a ver­dade: é melhor que eu vá. porque, se eu não fôr, não virá a Vós o Paracleto... Quando Eu fôr, vo-lo mandarei... Estaes agora em tristeza, mas eu de novo virei a vós, e este gozo ninguém vo-lo tirará... Sahi do Pae, e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo e volto ao Pae... (João, XIV, XVI).

VI— Soou a hora da redempção; o horto de Oethsemani espera Jesus... o Calvario também... Fóra do Cenaculo os aconte­cimentos se precipitam; os momentos voam; a partida chega.

O Coração de Jesus pára por um instante, sua bocca em- mudece... Pausa divina! silencio solemne!

Depressa, um novo raio de luz brilha em seu rosto... os olhos lhe scintillam, mas já não contemplam a terra... nem mes­mo buscam os apostolos... erguem-se para o Céo.

Aqui, calae, ó cithara dos anjos! calae,harpas dos seraphins; escutae a derradeira oração do Christo, que é harpa e psalteiro de Deus.

Desde que o mundo é mundo, jamais subiu da terra, jamais ouviram os Céos um cântico semelhante á ultima oração do Christo, oração que finaliza a ceia do amor. Não fala mais aos apostolos; fala ao Pae, e o Pae O escuta.

—«Padre, diz Elle, chegou a hora, glorifica o Teu Filho, para que o teu Filho te glorifique. Eu te glorifiquei na terra; cumpri a obra que me confiaste.. Padre santo, guarda em teu nome aquelles que me entregaste, para que sejam uma só cousa comnosco.. santifica-os na verdade... por amor deíles eu me san­tifico a mim mesmo... que sejam uma só cousa, como Tu és commigo... ó Padre, e eu comtigo...

Que sejam também elles uma só cousa em nós... eu nelles, e Tu em mim... para que sejam consumados na unidade... Padre, quero que os que me destes estejam commigo onde eu estou... que sejam a minha gloria, a gloria que tu me deste... Pae justo, a caridade com que me amaste esteja nelles, e elles em mim:» (João, XVII).

Neste ponto o panno do drama eucharistico cáe de repen­te... O Mestre adorado se concentra na embriaguez do seu amor, ergue-se, e dirige-se para a morte.

VII— A Egreja, no Funge lingua, entre as bellas verdades que diz, salienta esta: sui moras incolatus, miro clausit or- d in e—com admiravel ordem encerra sua peregrinação mortal.

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E que corôa mais admiravel podia pôr á sua vida que a instituição eucharistica ? E, instituindo-a. podia escolher circums- tancia mais propicia que aquella da snprem ne. Jtoc/c a v m v — noite mysteriosa da ultima ceia?

Que conclusão mais gloriosa e mais digna que aquella ora­ção do Pae, a quem tudo refere, tudo rccommcnda, e no qual tudo abraça, tudo aperta ao coração?

— «Padre, quero que aquelles que me deste estejam commi- go onde eu estiver; quero que vejam a minha gloria...!

Assim, sui m oras incolaíus, miro ckm sit o n lin e—t n- cerra a sua vida com a instituição do S.S. Sacramento. Elle re­mata e conclue, ficando e obrigando os filhos a ficarem com a mente no Céo, com o coração no Céo, com os olhos no Céo; — «estejam commigo onde Eu estiver —sejam a minha gloria!...»

Bem dizia eu, ó almas eucharislicas, que o desejo e a sau­dade do Céo são perfumes de Eucharistia; são as notas mais suaves e mais poéticas da ultima ceia!

VIII—E como poderia ser diversamente se a própria Egreja chama a Eucharistia fu tu ra e gloriae p igm ts—penhor e garan­tia de futura gloria?

Quanto mais se tem penhor e garantia, mais se deseja e mais se tem direito a possuir depressa o prêmio e a mercê.

As almas eucharisticas na communhào quotidiana recebem cada dia penhor e garantia do paraiso.

O viatico é prelúdio do Céo Ora, rigorosamente falando, a Eucharistia não é somente viatico no momento da morte, é via­tico cada dia da vida. Com effeito, é certo que o milagre da mul­tiplicação dos pães, operado por Jesus no deserto, foi uma figu­ra, e como uma antecipação do milagre eucharistico.

E os padres da Egreja, nas razões que induziram o cora­ção do Nazareno a operar aquelle milagre, viram nem mais nem menos que as razões que O levaram a instituir o Sacramento do altar.

Quaes foram estas razões? Ei-las: — «Tenho compaixão deste povo, pois ha já três dias me acompanha e nada tem que comer. Se os despedir em jejum, desfallecerão no caminho, por­que muitos vieram de longe». (Marc. VIII, 2, 3).

Pois esta foi a altíssima razão da multiplicação dos pães: ne je ju m , deficiant in v ia —para que não desfalleçam no ca­minho. E é esta também a razão da divina Eucharistia: ne je ju n i deficiant in v ia —para que os filhinhos, ficando em jejum do seu corpo e do seu sangue, não desfalleçam no caminho da vi­da, na viagem dos séculos.

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A Eucharistia não c só sustento e viatico na morte; é sus­tento e viatico na vida. A vida é uma preparação para a morte. As corrmunhões de toda vida são uma preparação para a commu- nhão da hora da morte.

E’ claro que o mais resoluto caminha mais, e quem cami­nha mais. mais se abraza no desejo de chegar ao termo da via gem; para este os últimos dias são os mais longos, as ultimas estações as mais suspiradas, as ultimas horas as mais angus- tiosas.

Entretanto, quem é tão forte e vigoroso como a alma eu charistica? isto é, como aquellas almas que, corroboradas cada manhã com o pão dos fortes, não caminham, antes coriern e voam no caminho do Céo?

IX— A Egreja canta: o salutaris Hóstia, quae coeli pan- dis o s th im : — Hóstia salutar, que abre a porta do Céo... «Se cada manhã a alma eucharistica come a branca Hóstia; se cada manhã come o viatico da vida e da morte, do tempo e da eter­nidade, como, cada manhã, não sentir- accender-se em seu cora ção o desejo do Céo? como cada manhã, não chorará com sau­dade delle? como, cada dia, cada hora. cada manhã, não se ergue­rão até o Céo os seus olhos, os seus anhelos, os seus suspiros? até o Céo, cuja porta vê abrir-se todos o* aias? .

Que mais? Se o antigo Cordeiro paschoal e o tabernaculo eucharistico foram para o povo hebreo mysterios de libertação, de partida e de caminho para a terra promettida, não exprimirão os mesmos mysterios e não darão as mesmas graças a santa Communhão e o nosso tabernaculo?

Sim, sim, ó almas eucharisticas, também o Cordeiro pas­choal do Egypto foi immolado á noite; também pela primeira vez foi comido á noite, e em acto de partida. Disse Deus:— — «Vos o comereis desta maneira—cingidos os rins, com sauda- lias aos pés e bastão na mão, e o comereis apressados». (Exod. XII, 11).

Também o povo hebreo ia á conquista da terra promettida. seguindo o tabernaculo do Senhor, e precedido pelo tabernaculo do Senhor chegava a Jerusalem, á gloriosa cidade, ao templo santo de Sion.

X— Como são mysteriosas, e cheias de grandes significa­dos estas ordens de Deus! Ei-las: No dia em que foi erecto o tabernaculo. uma nuvem o cobriu. E assim era sempre: durante o dia, o tabernaculo era coberto por unta nuvem; durante a noi­te por uma chamma. E, quando se punha em movimento a nu­vem que cobria o tabernaculo, punham se em viagem os filhos

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P. ANTONINO Df. CASII I I AMMABI.

<le Israel, e formavam acampamento onde* cila parava. A’ ordem de Deus, partiam, á ordem de Deus fixavam as tendas. Durante todo o tempo em que a nuvem se conservava immovcl sobre o tabernaculo, não sahiam do lugar. E se por muito tempo ficava sobre o tabernaculo, os filhos de Israel permaneciam attentos ao aceno do Senhor, e não avançavam durante todos os dias em que a nuvem cobria o tabernaculo. A’ ontem de Deus erguiam as tendas, á ordem de Deus as recolhiam; segundo a palavra do Senhor paravam, segundo a palavra do Senhor caminhavam, at­tentos ao aceno do Deus, como este tinha ordenado a Moysés». iNum. IX. 15. 23).

O que succedia milagrosamente ao povo hebreo, succedc invisivelmente ao povo escolhido, composto de modo particular pelas almas eucharisticas. Vivem á sombra do tabernaculo; ca­minham com os olhos no tabernaculo; o tabernaculo as guia, e as conduz á terra promettida, á patria hemaventurada, que é a Jemsalem celeste. Dir-se-ia que os momentos da Eucharistia são os momentos de sua vida, e que seus corações batem unisouos com o Coração duicissimo de Jesus sacramentado. Dir-se-ia tam­bém que o Coração de Jesus Sacramentado seja o relogio divi­no que marca as horas de sua vida e da sua viagem. Quantas são as communhões tantos são os seus dias e tantos seus ter­mos de parada.

XI —Dos dois discípulos que iam ao castello de Emmaiís se lê que, emquanto conversavam, Jesus se approximou e se pôs a conversar com elles. (Luc. XXIV, 5. 33). Os dois discípulos e o Divino Mestre são três peregrinos, viajam juntos e com passos iguaes. O mesmo se dá com as aimas eucharisticas; são pere­grinas ria terra, porém não viaj-nn sós. Carta manhã Jesus Sacta- mentado—appropinquans illis, ambulul cum ////s-delia s se approxima, e viajam juntos Sempre juntos e sempre insepará­veis, sendo o tabernaculo sua tenda, a communhão seu viatico quotidiano, a eucharistia seu cantinho! a vida eucharistica sua mar­cha triumphal. Até que cheguem ao castello Emmaús, para onde se dirigem.

E l'á chegarão quando o dia tiver declinado e a noite des­cido.

Como surgem doces á alma esses dois sentimentos do dia que declina e da noite que desce...

Eis o termo das fadigas e das lagrimas, dos perigos e das luetas—advesperascit e inclinata est dies—«occulta-se o sol./, brilham as estrellas... é já a hora que aviva o desejo..» E a alma eucharistica desejou-a ardentemente!

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142 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO XIX

Para o ocaso._ o Vlaíico!

I—Aqui na terra nada é eterno. Os bellos dias findam-se lambem, e têm- suas noites.

Por outro lado o que não é eterno é nullo. Por isto as al­mas cheias de Deus são também cheias, de desprezo por tudo o que passa, e de apego muito forte ao que não passa nunca.

Porém, que outra alma piedosa vive tão cheia de Deus como a alma eucharistica? e, assim, que alma, em gráo maior do que ella, sabe viver com os olhos fixos no Céo, unicamente, e com os pés a calcarem a terra?

Alma afortunada! Da vida presente, bella, feliz e venenosa como o pomo de Adão em tempo ella conheceu os perigos, temeu as seducções e superou o contagio.

Alma afortunada! no conhecimento de si própria achou o segredo da salvação; na própria fraqueza achou a força; na fuga achou a victoria.

Mysterioso phenomeno observamos nós na vida dos san­tos. Quanto mais se santificam, mais se julgam peccadores; quan­to mais fortes são, mais se creem debeis; mais vencem, e mais tremem, rezam, fogem.

Na verdade, tremer, rezar, fugir—é proprio dos santos. Oh! a heróica fraqueza, o heroico abatimento dos nossos santos!

II—E assim como na guerra é proprio do soldado mais medroso desejar a paz; e na tempestade, do marinheiro mais co- barde suspirar pelo porto, assim acontece com as almas eucha- risticas.

São as mais seguras nesta vida, e entretanto olham para a morte como o único meio que as possa garantir contra os pe­rigos e torná-las felizes.

Com o coração cheio de saudade do Céo, vivem para mor­rer; agonisam cada dia, e cada dia morrem, podendo affirmar com o apostolo‘—quotidie m orior!

Querer morrer e não poder morrer, eis o martyrio-dos san­tos, martyrio intimo, secreto, divino. Morreríam a cada momento, sc o pudessem fazer.

Mas não podem, e choram... Choram os perigos da pre­sente vida, o exilio prolongado, as incessantes luetas, a patria celeste distante... sempre distante...

E choram com David, ora pedindo asas de pomba para voar e descansar, (Psalm. LIV, 6)—ora gemendo porque são peregri­

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P. ANTON1NO DF CASTM.I.. I ARE u :i

nos na terra, e a peregrinação sc ciilata excessivamente. (Psalmo CXIX, 5).

E choram com Tobias a amarga escnriilào da presente vida, dizendo ellas também: —«Que gozo pode haver aqui para mim, se caminho nas trevas e não vejo a luz do Céo?» (Tobias, V, 12),

E choram com o apostolo, repelindo muitas vezes o subli­me grito: «In fe lix ego hontoJ— infeliz de mim! quem me livra­rá desse corpo de morte? Rom. VII, 24.) «Minha vida c Chris- to; minha morte seria um lucro, ansiando eu por ser libertado e unido a Jesus» (Phil. 1, 21, 23).

III— Depois do Misercre, que é o psalmo do amor arre­pendido, nenhum outro psalmo é querido ás almas de Deus quanto o CXXXVI,iniciado assim:—.Sh/ w jln m in a Habylonis...

S. Francisco de Salles tantas vezes o repetisse quantas se lhe enchiam os olhos de lagrimas.

E’ o povo hebreu que chora a sua escravidão, que faz re- soar com seus gemidos as margens desertas, que confunde suas mudas lagrimas com as mudas aguas dos rios...

E chorando e pensando, em Jerusalem. dizem: «Nas mar­gens dos rios da Babylonia estamos assentados e choramos, lem­brando-nos de ti, ó Sião.

Nos ramos dos salgueiros, plantados nestas margens, pen duramos nossos instrumentos musicaes. Nossos vencedores, que nos trouxeram como escravos, nos perguntaram as palavras dos nossos cânticos. Os que nos prenderam disseram; -Cantae-nos um hymno dos que se cantam em Sião.

O h! como cantaremos ern terra estrangeira um hymno do Senhor?

Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalem, torne-se amortecida a minha mão direita. Prenda-se minha língua ás fauces se tua memória se perder para mim... se não puser Jerusalem acima de qualquer outra alegria...»

Como são profundos os vossos gemidos, ó almas bem- aventuradas que quereis voar ao Céo e não podeis voar! Como são incendidos vossos anseios, ardentes vossos suspiros!

IV- Ao mundo, á terra, ao tempo, ao corpo, a alma eucha- ristica dirige o mesmo pedido que Jacob ao seu sogro La- bão: — f-Dimitte me, ut rcvertar in pcitriam et ad terram meam*. — «Dá licença, e deixa que eu volte á minha terra, á minha patria» (Gen. XXX, 25).

Para uma alma cansada de soffrer, de amar, de rezar, de suspirar, de combater, como é bello em seus lábios esse:— Di- mitte me.

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144 A ALMA F.UCHARISTICA

Deixa-me partir... e partir para a minlia patria, para a minha terra... partir para sempre... dimillv, dim itlc me!...

Tendes razão, ó almas de Deus. Para vós a terra é um exi- lio; o mundo uma escravidão; o corpo um obstáculo; as creatu ras são cadeias; e a vida?... Ah! a vida é uma tempestade, uma lucta, uma hesitação incessante.

Para vós *o dia da verdadeira vida é o dia da morte; a au­rora mais alegre é o ultimo pôr do sol; a graça mais almejada, a ultima moléstia.

Para vós o aviso mais agradavel é o da partida; a satisfa­ção mais plena é a dos últimos dias. Sobretudo a festa mais commovente e mais divina é a ultima communhão, de santo viatico.

O Viaiico! quantos quadros immortaes (como o de S. Je- ronymo. do Dominichino) poderíam ser feitos fixando na téla as ultimas communhões dos santos, que foram com certeza as al­mas eucliaristicas mais nobres! Cada quadro seria um pedaço do Céo, uma visão do paraíso. Porém, já se sabe: na vida dos santos, o mais divino é o que não se vê e se ignora.

O amor de Jesus na Eucharistia sempre me enche de es­panto, mas, quando o considero no Viatico, sáe então da minha hocca aquelle giito que sua redempçãc arranca da bocca da Egreja no Kxnltct do Sabbado Santo:— O mi.ru circa nos luae pic- fa/is digna tio, u inaeslimabilis dilectio charilatis—OU! ad­mirável predilecção de tua piedade para comnosco! o h ! inestimá­vel fineza de caridade!»

O Santo Viatico é a maior predilecção de Jesus; sua ultima cai icia na terra, seu amoroso amplexo!

V—E’ suprem a condescendência. Ficamos attonitosdeante de uma lapide que lembra aos posteros a visita feita por algum rei ou algum pontífice a um amigo enfermo ou moribundo. Meu Deus. porque um só signal não marca onde vós, Rei dos reis, visitaes, sacramentado, vossa pobre creatura no fim da vida?

Disse — 7:isiíar — mas teria dito melhor restitu ir as v i­sitas...

Até então fôra a alma que, cada manhã e durante o dia. podendo, ia visitar na Egreja o seu Deus e o seu Rei. Agora é o seu Deus e o seu Rei que com uma visita só restitue á alma as visitas de annos e annos.

Assim, a alma parte deste mundo, tendo satisfeito os anlie- los do coração.

Quantas vezes seu coração commovido invejara a casa de Israel que recebera a Divina Mãe gravida do seu Filho, ou a casa de Bethania, ou a casa de Zacheu!

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P. ANTONINO DE CAS 11 I I AMM Alíl 14?

Afortunadas creaturas que em suas moradas acolheram o Creador! E nós nunca recebemos de Deus semelhante favor?

Alegra-te, ó alma. O Viatico sacia este teu ultimo desejo, torna tua pobre casa perfeitaniente semelhante á casa de Isabel, de Magdalena, de Zacheu...

E’ então que tu, em um arranco de humilde reconhecimen­to, poderás gritar como Isabel: l i t unde hoc mihi?... Donde me vem esta ventura que entre em minha casa o Senhor do Céo e da terra, donde, donde a mim semelhante bem: et iiudc hoc m ihi?...

E’ então que, vendo-O entrar, prostrando-te a seus pés, arrebatada em amor, deveis gritar como a Magdalena:—Rabboni! Rabboni!...

E’ então que a alma, satisfeita como Zacheu, no ardente desejo de ver Jesus (e pela ultima vez O verá sacramentado) abrirá de par em par as portas da sua casa as portas do seu coração certa de que ouvirá também Jesus dizer:—«Hoclie salus donmi huic fa cta esf». (Luc., XIX, 9.) - «Hoje entrou nesta casa a salvação».

— «Oh! admiravel condescendência da bondade de Deus! oh! inestimável fineza de sua caridade!»

VI -N a verdade este pensamento;—um Deus em miin.. em minha casa... mesmo junto do meu leito... ah! este pensamento fazia desmaiarem os santos quando recebiam o Viatico. faziam- n’os desmancharem-se em lagrimas e suspiros. E, se houvesse um li vi o que tirasse da vida dos santos, que narrasse a unica scena da recepção do Viatico, sem mais outra cousa, este livro seria um thesouro.

Valha por todos o Viatico de S. Philippe Nery, por certo um dos santos mais eucharisticos. Porém, quando chamo de eucha- ristico a um santo, parece-me offender aos outros santos, por­que qual o santo que não foi enamorado da Eucharistia? Ainda mais; pode-se ser santo sem ser louco de amor pelo S S. Sacra­mento?

S. Philippe, pois, o venerando apostolo de Roma, que teve a fortuna de morrer mesmo no dia do Corpus Domini, jazia no seu pobre leito, extenuado de forças pelos males que o affligiam. Já octogenário tinha chegado ao termo da vida humana.

Não fala; está mudo o santo velho, e parece dormir. Po­rém não dorme, está absorto em Deus e espera., espera...

De repente um som de campainha se faz ouvir... E' o via­tico que trazem... é o Senhor que vem... o Senhor!...

A este som suas forças voltam; parece reanimarem-se os membros do ancião... quer se precipitar do leito, quer se ajoelhar

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146 A ALMA EUCHARISTICA

a todo custo... E, quando vê chegar o S. S. Sacramento, já não é homem da terra, naquelle momento, Philippe Nery, é anjo do Céo. E digo melhor, é um seraphim ferido, um seraphim que se abraza e que grita:—Eis o amor meu! eis o amor meu! eis iodo o amor meu.. Qae-me, dae-me o amor meu!...

Se ninguém tivesse escripto a vida de S. Philippe Nery, esta scena de paraiso bastaria para revelá-la; bastaria este momento só para dar testemunho dos seus gloriosos oitenta annos.

O ultimo grito seria o seu mais bello panegyrico, e o Via- tico o demonstraria como um grande santo, especialmente como um grande enamorado do S. S Sacramento.

VII— O Viatico é também a ultima carícia de Jesus Sacra­mentado.

Quantas vezes o enfermo enlanguesceu de amor deanfe do Tabernaculo! quantas vezes banhou de lagrimas a mesa do Se­nhor! quantas vezes O beijou, O acariciou, apertando-O ao co­ração ineffavelmente!

Mas, as caricias da filha, o Pae não as esquece; e como com uma só visita restitue as visitas recebidas, assim com uma ultima carícia compensa todas as caricias feitas a Jesus.

Esta ultima caricia é o Viatico porque o santo Viatico é o ultimo beijo, a ultima benção que o Pae dá á filha do seu amor; o Pastor á sua ovelhinha, o Creador á sua dilecta crea- tura.

Um dia, Elle dissera aos seus apostolos:—«Deixae que as creanças venham a Mim! não as impeçaes!» (Math., XIX, 14).

Elle, o Deus do amor, fizera-se panegyrista da caridade para com os enfermos, identificando-os com sua adoravel Pessoa.

Agora. Sacramentado, é o primeiro a visitá-los, a respeitá-los, o primeiro a servir de exemplo.

VIII— Como podería ser diversamente? Na sua vida mortal teria visitado e consolado tantos enfermos, e na sua vida eucha- ristica havia de abandoná-los e esquecêlos? Abandoná-los e es­quecê-los quando o filho enfermo passou a vida inteira a rece- bê-IO na Communhão, a visitá-O. a consolá-lO, a fazer-lhe doce companhia?

Que não faria um amigo para ver pela ultima vez o amigo moribundo? e um irmão a seu irmão? sobretudo que não faria um pae para, pela ultima vez. apertar ao coração um filho, uma filha suaV

Nunca 11a gentileza Deus se deixa vencer pela sua creatura; c nenhum coração de homem, nem mesmo os corações juntos

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P. ANTONINO DE C AS f I L I A M M A PI 147

de Iodos os homens possuem a delicadeza do Coração de Jesus, o Homem por excellencia.

Vendo O accorrer, por intermédio das mãos sacerdotaes, ao leito dos filhos doentes, não posso deixar de me recordar de Isaac. Já estava velho, cego e chegado ao extremo dos seus dias o piedoso Patriarcha. Queria sua alma expandir-se peta ul­tima vez sobre o seu primogênito, e pediu uma comida especial, u t bencdicat tibi anim a nica, antcqnam nw riar — para que te abençoe minha alma antes de morrer. Gen., XXVII, 4). Quando tudo se realizou, Isaac, em extase de amor paterno, disse ao filho: accede ad me et da m ihi oscuhtm, fili m i — approxima-te e beija-me, ó meu filho (Gen.. 26, 27). l i t accessit et osculalus esl eu m —O filho se approximou e beijou o pae.

Como é tocante esta scena! Mais tocante ainda é a scena que esta me torna presente.

O h! grande Deus! quando os vossos ministros vos levam como viatico, á casa dos filhos enfermos, quando pelas mãos dos sacerdotes vos vejo inclinado sobre o leito dos filhos mori­bundos, parece-me ouvir-vos repetir as mesmas balsamicas pala­vras do vosso ascendente: accede ad me et da m ihi osculnm, f ili m i —ó filho, ó filho! chega-te a mim e dá-me um beijo; o ultimo beijo dá-me, filhinho meu! «E o enfeimo se approxima. vos recebe, vos beija ineffavelmente: accessit et osculahis est eitm — O h! se não tivesse outras razões para amar-vos muito, para amar-vos sempre, 6 meu Jesus Sacramentado, vos amaria somente para poder receber-vos como viatico, na hora da morte, isto é, receber vossa ultima benção, vosso ultimo beijo. Com certeza, estareis disposto a operar milagres, antes que me deixar­des morrer sem a ultima caricia, como para com almas dilectis- simas já o tendes feito.

IX—Eis, de facto, gravemente enfermo, em casa protestante, e longe de uma patria, o angélico S. Estanislau Kostka. Não tem mêdo de morrer, só tem mêdo dç morrer sem o viatico. Pede, supplica, chora; porém quem o hospeda não se commove.

Só resta ao santo jovem dirigir-se a Deus, e interpor a in- tercessão de Maria. E elle geme, soluça, chora

Poderíam Jesus e Maria ficar insensíveis ás lagrimas do angélico filho? O Céo não se commoveria? Ah! eis que me­lodia do paraíso elle ouve; eis que espíritos celestes vê... Anjos! São anjos que se approximam, circumdam seu leito... E, entre estes anjos, um mais resplandecente traz nas mãos a Hóstia san­tíssima, e lh’a dá em communhão.. A visão desapparece, e Es- tanislao fica com o seu Jesus no peito, immerso em júbilo do paraiso.

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148 A ALMA EUCH ARIST1CA

—Eis em Hespanha, S. Raymundo Nonato, religioso da Or­dem da Mercê. Encaminha-se para Roma, e durante, a viagem, em Cardona, é surprehendido pela morte, e, o que é peor, por uma morte imminente.

O santo religioso logo o comprehende, e pede e supplica que lhe administrem os últimos sacramentos. Passam as horas, e nenhum sacerdote vem. Nenhum lhe traz o santo Viatico.. nenhum...

Pobre alma de Deus! A cada instante peora. Sente-se chega­do ao extremo.. a morte está ali, e elle espera ainda... E nada de sacerdote.

Será vontade de Deus que morra sem viatico este seu ser­vo, autor de tantos milagres de caridade e de abnegação em fa­vor dos escravos, sendo este o principal fim do seu instituto? Do coração .de Raymundo sahiu um grito de fé ao Deus de toda consolação, e de repente ouve como um sussurrro de psal- modia em procissão... São religiosos de sua ordem que lhe trazem o santo Viatico... Elle olha... observa attento... são religio­sos de sua ordem, mas não os conhece... E não podia conhe­cê-los! Eram anjos que, vestidos de frades mercedarios, haviam levado o Viatico ao glorioso servo de Deus.

X —Mais commoveiite é o que succedeu em Florença á an­gélica santa Juliana de Falconniere.

Quando pata todos os santos a morte é um extase, para Juliana somente foi uma dôr suprema.

Não pode engulir, deita fóra o pouco que engole, e assim não pode receber o viatico.

Grande Deus! que tristeza e que provação para uma alma viver uma vida inteira da Eucharislia e morrer sem a Eucharistia!

Pede que pelo menos levem á sua cella, que ponham so­bre seu peito a Hóstia Santíssima, aquella Hóstia que recebería como Viatico, se pudesse engulir.

E é contentada. O Sacerdote entra, o Divinissimo é expos­to, as religiosas choram... Choram todos... creio eu que em se­melhante scena até os anjos choravam... e que também chorasse Aquelle que chorou o amigo Lazaro.

Mas Juliana é alma de fé, e o milagre se faz.Apenas o Sacerdote approximou do peito a sagrada Hóstia,

eis que esta desapparece, e Juliana expira em sorriso celestial.Tinha-a engulido, ou, melhor, absorvido milagrosamente. e,

quando suas filhas espirituaes. conforme piedoso costume, lhe lavaram o corpo virginal, no peito, junto ao coração, encontra­ram uma marca de carne representando a santa Hóstia e com a imagem do Crucifixo.

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P. ANTONINO DE CAS1

Quanto Deus é admiravel e amavrl nus mus santos!

XI Finalmente, o Viatico é amoroso nmplcxn.Ultima Communhão!... palavra santa r u nivel, porque de­

pois do Viatico é o cântico da partida, n Nui/t d in /itlis! O ve­lho Simeão, para entoá Io, espetou que a Viigon nos hinçns lhe puzesse o suspirado Messias, E, iinando contemplou este Mes­sias, quando poude affirntar: « quiu videnrnt ocu/i /uri Sa/u- tare tuum. (Luc., II, 29.) — Meus olhos viram o Salvador que mandaste» —concluiu então o cântico da partida: «Agora, Se­nhor, poderás deixar ir em paz o teu m *iv o , segundo tua pala­vra».

Para entoá-lo a alma de Deus, a alma eucharistica moribun­da só esperou também que a Egreja pela ultima vez lhe puzesse nos braços o seu Salvador Sacramentado.

E não somente nos braços, mas sobre a lingua. sobre o coração... E Elle veio!... Canta, canta, ó pomba, que começas a experimentar as asas; ó prisioneiro que sentes se quebrarem suas cadeias; ó exilado, que estás antevendo a patria.

Canta, canta, ó nauta que te approximas do porto; ó ser­vo fiel que vaes receber a recompensa; 6 vencedor que suspiras pela corôa. Canta, canta: viderunt ocu/i /uri Salutare tuum — os meus olhos, na minha casa, no meu leito, viram o Salvador: Nunc d im ittis servum tuum, Domine - Agora, Senhor, deixa que vá em paz o teu servo, segundo tua palavra.

O Viatico é o resumo e o coroameuto de todos os afíeclos eucharisticos, a ultima chamtna, o ultimo holocausto. Das com- munhões que se fizeram aos milhares, o Viatico fará uma só; as communhões são para o tempo, o Viatico é para a eternidade.

Sempre como anjo fôra visto commungar S. Gerardo Ma- jella, porém no Viatico, que se realizou no dia de S. Thereza, 15 de Outubro de 1755, todos os circumstantes exclamaram: — E’ um seraphim que se une á divina Essência.

Já o seu quarto, apezar da moléstia nauseante, se perfumava como paraiso, e já melodias do Çéo se faziam ouvir junto ao seu leito. Quiz que lhe collocassem sobre o peito o corporal que servira para o santo Viatico. Com este corporal quiz inorrer, com este corporal quiz apresentar se ao tribunal de Deus.

Oh! os delicados pensamentos dos santos!

XII—Quando S. Paulo se despedia dos habitantes de Milcto e de Epheso, depois de lhes ter feito solemnes despedidas, ma­nifestou-lhes sua convicção de que não mais haviam de ver sua face: am plius non videbitis fa d e m meam... Foi uma dece­pção este annuncio para aquellas almas que evangelizara, de fór-

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150 EUCHARISTICA

ma que, terminada a pratica, ajoelhou se e rezou com elles, e todos se desfizeram em pranto: m agm ts J/ctus fa c tn s est omitia.

Cahiram aos pés de S. Paulo, cobriram n’o de lagrimas e de beijos: procubentes super collum Pauli, osculabantur eum —afflictos pela palavra dita, que não mais haviam de ver sua face.

E o acompanharam até o navio. (Aclos, XX, 36).Vós, entretanto, ó almas eucharisticas moribundas, depois

do santo Viatico, ainda vereis o vosso Amor Sacramentado... será a ultima visita, a ultima visão eucharistica... Jesus virá vos dizer adeus, como sacramento, afastar se, separar-se na terra! Baixi­nho murmurará ao ouvido moribundo:—Deixo- te, saúdo-te, adeus !... Come pela ultima vez a minha carne; bebe pela ultima vez o meu sangue; recebe as minhas ultimas graças, os meus últimos beijos, minhas supremas bênçãos eucharisticas... adeus! adeus!

Que resta á alma, senão, arrebatada de amor e de dôr, de tristeza e de alegria, prostrar-se aos pés do Senhor, pára lhe agradecer, pela ultima vez, pedir-lhe perdão, fazer-lhe as ultimas offertas, os últimos obséquios, as ultimas orações, os ultinios palpites, os últimos beijos, os últimos momentos! O’ Viatico, ó santo Viatico, amavel e terrivel !...

Então, será mais facil que a alma, quando Jesus Sacramen­tado tiver desapparecido de seus olhos, fique muda em seu leito, recolhida em Deus. inebriada de amor e de dôr, pensando no seu Jesus, na ultima communhão, na palavra abrazada: — Adeus! Adeus!

Já uma nova luz brilha a seus olhos, já nova fragrancia se espalha em seu coração — a fragrancia do Céo, a luz da eterni­dade!...

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P. ANTONIXO DL CASÍ II I

CAPITULO X X

A morle chega...

1—Conta-se de S. Carlos que. possuindo um quadro com a morte de foice na nião. o fez corrigir, ordenando que lhe fosse tirada a foice e posta uma chave de ouro.

Corno é bello o pensamento de S. Carlos! Aos seus olhos a morte não é terrível, porém amavel; não é desgraça, porém for tuna; não é perda, porém lucro; em simima, não é foice, é cha­ve de ouro.

Para seu coração de santo, a morte é um lhesouro em si mesma porque de ouro; é principio de outros thesouros, por­que chave. Em resumo, parece me que o santo Arcebispo tenha querido exprimir a todos a sentença do psalmista que chama: «preciosa aos olho> do Senhora morte dos seus santos». (Psalm. CXV. 5).

E’ verdade que, mesmo para alguns santos, a morte teve ás vezes apparencia terrível; porém esses terrores, na hora da mor­te, duraram poucos momentos, permitlidos por Deus ou para dar os últimos toques ás suas almas eleitas, ou para lhes augmentar o mérito, ou para exemplo nosso.

Como nuvem negra que, por vezes, desíazendo-se em chu­va, com relâmpagos e trovões, obscurece momentaneamente o sol e o Céo para que depois appareçam mais esplendidos aue antes, assim foram, para as almas santas, as scenas tetricas da morte. Isto é, foram nuvens passageiras, tempestades de momentos... de­pois, o sol brilha mais luminoso, o Céo mais limpido... e o pôr do sol torna-se ineffavelmente calmo e sorridente.

II O Espirito Santo não fez excepção quando disse: — Pretiosa in conspectu Domini, tnors sanctorum ejus—bas­ta, pois, que a alma seja verdadeiramente santa para que obtenha do Senhor uma morte verdadeiramente preciosa.

Ora, entre estas almas afortunadas não devemos admitiir as que de facto foram eucharisticas? Quem quer que sejam uma cousa c certa: uma profunda paz lhes perfumará a morte, e a ultima palavra que pronunciarão seus lábios será a mesma do veneran­do Suarez, expirando:—Non putabam tom dulce esse m ori-— Não julgava que o morrer fosse tão doce!»

Como pode ser amarga a morte de uma alma que na terra só viveu para Jesus Sacramentado?

Seriam, pois, exageração, e não manifestação da verdade, as solemnes promessas do Salvador prégando ás turbas: - «Eu sou o pão da vida; quem come desse pão viverá eternamente.

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152 A ALMA EUCHARISTICA

Quem come a minha carne e bebe meu sangue (em a vida eter­na, e Eu o resuscitarei no ultimo dia. Es*e é o Pão que desceu do Céo... Não será como o dos vossos paes que comeram o maná e morreram. Quem come desse Pão viverá eternamente. (João, VI).

Meu Salvador, Vós não me podeis enganar, se a Eucharis- tia é penhor de inunortalidade, é também penhor de morte santa.

Se uma alma que cada manhã se alimenta com vossa car­ne e vosso sangue, esforçando-se por receber-vos o mais di­gnamente possível; se uma alma que da Eucharistia fez seu cen­tro, sua vida, seu tudo, e que até o fim se conservou fiel, se tal alma chegasse a morrer mal, já não seriam verdadeiras vossas promessas eucharisticas, ó meu Deus.

Porém, como é impossível que vossas promessas não sejam verdadeiras, as$im é impossível que uma morte má termine uma vida santamente eucharistica, e se perca uma alma que por an- nos e annos se alimentou cada manhã e devotamente com a Carne e com o Sangue do Salvador, germens divinos da immor- talidade.

III—Com effeito, o que poderia tornar infeliz a morte des­ta alma? Talvez por ser inesperada? talvez por causa do perigo de não estar preparada?

A estas duas causas se reduzem todas as outras que podem tornar amarga nossa morte:— a surpresa e a fa lta de prepa­ração.

Porém nem uma nem outra chegam a ser prejudiciaes ao fim de uma alma eucharistica.

Mostramos em capitulo antecedente que a saudade do Céo é o perfume da Eucharistia. E’ impossível suspirar pelo Taber- naculo dos altares sem suspirar pelos Tabernaculos eternos.

O pensamento da pns.hoa, isto é, da libertação e da parti­da, é inherente á divina Eucharistia, como foi inherente ao Cor­deiro paschoal, comido pela primeira vez no Egypto.

Dissemos que o divinissimo Sacramento é essencialmente penhor de gloria futura Assim, cada communhão é garantia, é promessa, é esperança, é conviie ao Céo.

Impossível é viver da Eucharistia e não viver da saudade do Céo.

Nos nossos Tabernaculos. reside Jesus Sacramentado escon­dido e mudo.

Assim, quanto mais se ama, mais se arde em desejo de ver-lhe por fim a face, de ouvir-lhe finalmente a voz E’ este o anhelo de todas as almas enamoradas de Jesus -.—Ostende m ihi fa d em tu a m —*0’ Deus escondido, mostra-me finalmente a tua

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P. ANTONINO DE CASI

face!» -Sorte/ vox tua in auribus i/rcis Tua vor. se faça ou­vir aos meus ouvidos»--porque doce é lua voz, e bello o leu roslo—vox enim tua dulcis et /acies tua deenra—QnnX., II, 14).

Desejar ver o roslo de Jesus, e ouvir-lhe a voz é desejar o Céo! E é um suspiro pelo Céo a vida inteira das almas santas, e assim um suspiro pela morte que é a chave de ouro do Céo.

Querer morrer e não poder morrer, é este o martyrio sua­víssimo de todos os corações ahrazados no amor divino. Já o de monstramos; não mais é preciso insistir.

IV—Mas será possível que a morte ache desapercebida e não preparada semelhante alma? Pode surprehender o que a ca­da instante se espera? Pode não estar preparado o que cada dia se prepara?

A preparação quotidiana para a santa Communhão é pre­paração quotidiana para a morte. Quando esta chegar, lia de ser bemvinda.

Não é para a alma eucharistica o aviso do Ecclesíastico:— «O’ morte, quanto é amarga tua lembrança!» (Eccles., XLl, 1) porque o Ecclesíastico fala do que vive tranquillo entre os diver­timentos do mundo, emquanto que a alma de que falamos vive na terra sem apegar-se á terra

Não é para a alma eucharistica a intimação feita por Deus pela bocca do propheta Isaias:—Põe em ordem os negocios de tua casa, porque tu morrerás, e não vive:ás. (Isaias, XXXVIII, 1).

Aquella alma er1á sempre de promptidão. Como nella po de penetrar e mais ainda teini.r a desordem, se tornou-se casa e throno do Rei Pacifico, do Príncipe da paz, que cada manhã se apossa delia e nella vem repousar?

Não é para a alma eucharistica a ameaça do Sabio:—«En- cher-se-ão de temor, lembrando se dos proprios peccados> —- (Sab., IV, 20).

Os peccados!... Porém Deus não disse: — «Se o inipio fizer penitencia dos seus peccados, terá a vida e não morrerá; de todas as iniquidades que commedeu não mais me recordarei»? (Ezech.. XVIII, 21, 22).

Não o prometteu o Senhor, dizendo : — «Vinde, e chorae vossos peccados. Ainda que sejam esses peccados como man­chas de sangue, vermelhos como a cochonilla, vós vos arrepen­dereis, e eu vos lavarei, vos tornarei brancos com a neve, como branquissimos flócos dejã. (Isaias, I, 81).

Não era esta a certeza do Psalmista penitente, quando re­zava ao Senhor:—«Tu me aspergirás com o hyssopo (planta aro- matica que se usava nas solemnes expiaçõesda lei antiga) lava-

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bis me et snpcr n ivn n dealbabor: «Ei: me lavarei e me tor­narei mais branca do que a neve» ?

E quantas vezes a alma eucharistica tem chorado sem pec- cados! quantas vezes no tribunal da penitencia foi aspergida com o hyssopo da santa absolvição! Qual mystica pomba, cila não se mergulhou cada manhã no sangue de Jesus Chrislo? Dellas não falava de modo especial S. João no Apocalypse. quando di­zia:—Estes vieram de uma grande tribulação e lavaram sua es tola, e se purificaram no sangue do Cordeiro» (Apoc., VII, 14).

V—Se na culpa imitaram Magdalena, também a imitaram nas lagrimas e no amor. Quanto fogo de amor ardeu no cora­ção enamorado de uma eucharistica Magdalena ! O h ! a força do divino amor! O h' quantas vezes Jesus Sacramentado disse a respeito dessa alnia: R em illun tur ei peccatu m ulta, qiioniam dilexit m ultum — «Muitos peccados lhe são perdoados, porque muito amou»,-Quantas vezes repetiu a ella mesma: R em ittim - tn r tibi peccatu.,. vacle in pace... São-te perdoados os pecca- dos; vae em paz!» (Luc., VII, 47).

E, se Jesus, na infinita delicadeza de sua caridade, não mais se recordou dos peccados de Magdalena, não mais lh'os lançou em rosto, o mesmo Jesus poderá recordar-se dos peccados das almas cucharisticas, e os recordará, sobretudo, na hora da morte, para então lh’os lançar em rosto?

Ah! não! Coração piedosíssimo do meu Jesus! Tu, que absolveste a Magdalena, que escutaste a prece de um ladrão, muito mais esperança déste ás almas que não somente estão arrependidas, mas lambem enamoradas de Ti.

Resoam suaves na bocca de uma alma eucharistica mori­bunda estes accentos: Qui Afariam absolvisti, et latronem exaudisti, miJii quoque spem dedisti—Que confiança! e que esperança!

VI--Antes de tudo é para as almas eucharisticas o que S. João affirma nc Apocalypse: — «Bemavcnturados os mortos que morrem no Senhor. Repousarão de suas fadigas, de ora em de- ante, visto que suas bôas obras os seguem».

E adeante: «Enxugará Deus de seus olhos todas as lagri­mas e não soffrerão mais nem morte, nem luto, nem tristeza, nem dôr». (Apoc., XXI. 4).

Para a alma eucharistica affirma a divina Sabedoria:- «As almas dos justos estão nas mãos de Deus, e não soffrgrão o tormento da morte». (Sab., III, 1). O justo, mesmo que morra cêdo, in refrigerio erit—achará seu repouso. (Sab., IV, 7).

São para as almas eucharisticas as dulcissimas palavras do

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aposlolo S. Paiilo:—«Estou pioximo á ultima iumml.ição; o tem­po cia minha morte está in.mincntc; combali <i hom combate, terminei a carreira, conservei a fé (II, Tim . IV. I)

A’ alma só resta entoar com o psalmisla o cântico da as­censão: «Alegrei-me com o que mc loi dito vamos para a casa do Senhor; nossos pés já sc pousam cm teus átrios, ó Jerusalém». (Psalm. C.XXI).

VII— E, na verdade, a vida dos santos é um psnlterio divi­no. e suas almas são harpas mysticas do Altíssimo.

Cada santo pode dizer.com o nsalmista: «Cantarei ao Se­nhor emquanto viver, e lhe elevarei hymnos emquanto existir». Por isto a morte das almas eleitas é como o ultimo psnlrno de sua vida, o ultimo verso do seu canto mortal; depois delle as cordas se rompem, a harpa se espedaça..

Cousa devéras notável: todos os santos morrem recitando um psalmo, com um verseto, ou com uma palavra inspirada nos lábios. Dir-se-ia que morrem cantando e psalmodiando. Poesia foi sua vida, poesia é sua morte Viveram cantando ao Senhor: — «Caníabo Domino in v ita mea...» e morrem caniando:— « Psallam Deo meo quamtiiu fitem...»

VIII— Quando S. Francisca Romana moribunda chegou ao extremo, viram-n’a immersa em u;n silencio profundo, e absor­vida em recolhimento de paraiso. Muitas vezes, porém, seus lá­bios se moviam, como se recitassem alguma oração.

Entra o confessor e se approxima: — «Snra. Ponziatii, que rezaes ?»

E a Snra. Ponziani, assim a chamavam pelo nome do ma­rido, faz parar a respiração, toma folego. e responde: — «Padre, rezo as vesperas de Nossa Senhora; «já estou no Magnífica;...»

E, quando acabou, seus lábios sorriram, seus olhos biilha- ram, e depois se faeharam para sempre

Morria recitando as Vesperas. recitando o cântico de Ma­ria, o cântico do amor, da alegria, do agradecimento. Assim, quando, pequenina, desatou a lingua milagrosamente e começou a falar com perfeição, de repente e de uma só vez, a primeira oração que recitou foi o Officio da Virgem. Foi a primeira e foi a ultima. Começou psalmodiando, e ps*almodiando encerrou sua carreira mortal, que toda inteira foi um cântico, um poema ao Se­nhor.

Assim vivem, e assim morrem os santos:—caniando.E, muitas vezes, os seus cânticos são soluços:—ouvindo-os,

vem a commoção e se chora.

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IX- Porém, se ha um santo que commova deveras, porque não póde morrer, querendo morrer, e morrer de amor, é o pa- triarcna S. Francisco. Vale a pena ouvir a lyra do Seraphim que chora:

De caridade amor,Porqufc me lias ferido ?Está todo partido Meu coração de ardor,Bello, tão bello o Christo me apparece! O seu seio me aquece E por amor eu clamo,Amor que só reclamo,Morrer me faz de amor.

Contempla, ó doce Amor o meu penar Tanto calor já não posso aturar,

Oh! amor desmedido, Porque me desnorteias? E no peito me ateias Calor tão incendido?

Prece de amor, eu não resisto já A sentença aqui está:— De amor que eu seja morto. Nem quero outro conforto Senão morrer de amor.

Amor, aitíor, me fere a tua dôr! Amor, amor, junto a ti que eu esteja E, por mercê que seja,Morrer me faz de amor.Amor, amor, quão atroz sinto a dôr! Amor, amor, já não posso soffrer. Amor, amor, por ti hei de morrer! Amor é enlanguescer!Amor meu ansioso,Amor meu deleitoso,Afoga-me em amor.

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Amor, amor, se me espedaça o peito! Amor, Jesus tão bello. o jugo teu acceito! Amor, amor, unido a ti eu quero,Amor, amor, Jesus, meu doce esposo Amor, amor, e ti da morte espero.

X—E, quando a morte chegou, afinal, fez cantar pelos seus dois mais queridos irmãos, Fr Leão e Fr. Ângelo Tancredo, «o cântico do Sol e das Creaturas»—-fazendo accrescentar esta ulti­ma estrophe:

—Louvado seja Deus pela irmã morte,Da qual—homem nenhum pode escapar.Ai de quem morre em culpa. Dura é sua sorte. Bemdita é para quem Deus escutar Oh! contra estes a parca não é forte!Ao meu Senhor e Deus sabei louvar E, humildes, o seu mando executar.

—Quando sentiu faltar-lhe a vida e comprehendeu que sua cithara dava os últimos sons, o cantor do Deus morria cantando, morria com os psalmos nos lábios, o psalmo 141, que assim começa: «Ergo minha voz ao Senhor, ergo meu brado para pedir o isoccorro do Senhor...» e termina:—«Leva para fóra do cárcere a minha alma, para que dê louvores ao teu nome. Esperam me os justos, para que vejam a recompensa que me tens preparado...»

Findava o psalmo, e findava-se Francisco de Assis.Parece-me que todos os santos terminam de facto sua vi­

da como suspirava o propheta Habacuc:—«Alegrar-me-ei no Se­nhor e como vencedor subirei as alturas cantando psalmos». Hab., III, 20).

Morrer, in psalm is canentes—eis a morte dos santos!

XI—Se, estudando as razões que tornam preciosa e verda­deira chave de ouro a morte das almas eucharisticas, falamos (para completar o pensamento da morte dos santos, que acabam como um psalmo, ou como um ultimo psalmo, voltamos agora ao leito da alma eucharistica moribunda, para assisti-la até o ultimo momento, acompanhar ao sepulcro o cadaver bemdicto e ao Céo a alma bem bemaventurada.

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CAPITULO XXI

Ás ultimas preparações

I—Já dissemos que a saudade do Céo é perfume da Eu- charistia, que a vida eucharistica é continua morte; que cada communhão é uma preparação .. Porém a melhor preparação é o santo Viatico, suprema caricia de Deus. depois da qual, paia a alma anhelante, chega, de facto, a grande hora da panida.

E ella está prompta para a partida. Prompta como o preso que ouve abrir-se a porta do cárcere, como o marinheiro açoita­do pelas ondas está prompto a ancorar no porto; como o exi­lado ao sentir que as cadeias se lhe partem...

Está prompta para a partida como a andorinha livre das redes, como a pomba solta dos laços, como 6 veado sedento, ao antever a fonte...

Está prompta para a partida... especialmente como alma christã que acceita a morte com serenidade e com mérito, como castigo e expiação dos peccados, como termo da prova, das fa­digas. dos soffrimentos, das luctas, dos perigos na peregrinação terrena.

Está prompta para a partida, porque a morte é o soberano appello do Auctor supremo, e, portanto, o ultimo obséquio á sua vontade, a ultima homem-gem á sua gloria, o ultimo holocausto a Elle, summo Deus, Consummador de todas as cousas.

Determina Elle a hora do nascimento e da morte, e o ho­mem com sua sciencia e sua força não pode prolongar a pró­pria vida por cinco minutos que sejam.

Portanto, está prompta para a partida a alma eucharistica, mas, se eu quizesse falar acertado, diría que está prompta como para uma grande festa, para uma festa unica, uma festa de nú ­pcias.

Jesus Christo mesmo não compara o reino do Céo (no qual se entra pela morte) «a um rei que celebrou as núpcias do filho?» (Math. XXIII).

Não é de Jesus Christo a parabola das dez virgens (figura também do reino do Céo) as quaes «foram convidadas ao en­contro do Esposo, que chega á meia noite, celebra as núpcias com as prudentes, e ás imprudentes fecha a porta na face?» (Math. XXV).

Não foi o Espirito Santo que disse ao extático Evangelista: «Escreve: bemaventurados os que são chamados á ceia nupcial do Cordeiro» ? (Apoc. XIX, 9).

Ora, o chamado é a morte, por isto, na merte de uma alma eucharistica, que é verdadeira esposa do divino Cordeiro, pare­

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ce-me que se pode repetir também o my^tico epitalamio ouvido por S. João nos seus extases de Pallimos:—«Alegrcmo-nos, exul- tenu>s. e lhe demos gloria...»

F. porque?...—«Porque chegaram as núpcias do Cordeiro e sua esposa já está preparada*- vencrunt nuptiae Agni et uxor rins prueparavit se (Apoc. XIX, 7).

II -Como a noiva emprega todos os seus annos de noiva­do em preparar o enxoval e o dote, e, depois, os últimos dias e sobretudo as ultimas horas reserva para o proprio embelleza- mento, assim faz a alma eucharistica. Noiva de Christo, empre­gou todos os annos de sua vida em preparar seu dote e seu enxoval, para a eternidade. Porém, depois, é no dia mesmo das núpcias, no ultimo pôr de sol. que sua preparação se completa, e nada mais fica faltando: alegremo-nos e exultemos.

Sua confissão na hora da morte é a corôa de todas as confissões feitas; aquella ultima absolvição é o sello, o Am en de todas as santas abolições recebidas durante a vida.

O Viatico, já o dissemos, é a corôa de todas as commu- nhões. «A primeira communhão, a quinta-feira santa (ou preceito paschoal) e o Viatico são as três communhões mais solemnes da vida christã As primeiras são trajos bellos. porém de viagem, o Viatico é trajo nupcial Entretanto, o Viatico só não basta para fazê-a bella aos olhos do Altíssimo, que, se é Esposo da alma, é também seu juiz. t , assim, que cuidado põe a Egreja em purifi­car e adornar a alma, antes que compareça á presença do Al­tíssimo !

III —Daquella mulher immortal que foi Judith lê-se que, che­gado o momento de ir ao encontro de Holophernes, depois de dirigir a Deus aquella oração das mais sublimes dos Livros San­tos «Acabando de erguer sua voz ao Senhor, deixou o lugar onde estava prostrada, cingiu o cilicio, despiu as vestes de viu­va, lavou o corpo, impregnou-se de unguentos preciosos, cobriu- se de roupas de festa, calçou sandalias, adornou-se com drace- letes de lyrio, com brincos e aneis, não deixando nenhum dos seus enfeites.

E o Senhor mesmo lhe fez crescer o esplendor, e deu re­alce á sua belleza, para que, aos olhos de todos, apparecesse or nada de graça incomparável...» (Judith, X, 1, 4).

Assim adornada, bellissima aos olhos de Deus e dos ho­mens, mais celeste que terrena, mais divina que humana, Judith sáe pela porta de Bethania, sua patria, e vae ao encontro de Ho­lophernes.

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«Lavou-se, pois, se ungiu e se enfeitou a grande senhora, e se enfeitou da cabeça aos pés. Pela belleza externa reluzia a interna, e seu corpo era o triumpho da sua alma.

O’ bemdicto oleo santo, ó E xtrem a Uncção, comprehen- do-te agora. Comprehendo-te, ó real dignidade da minha carne, ó augusta santidade do meu corpo!

Quando se vae morrer, não basta o banho da santa confis­são, não basta o aroma do santo Viatico. Já que a alma justa morrendo vae para suas núpcias eternas, precisa também que seus sentidos sejam ungidos, toda sua carne purificada.

IV—Com que majestade resplandece aos olhos da fé o corpo de uma alma christã moribunda, especialmente de uma al­ma cucharistica. que, naquelle corpo, dia por dia, anno por an­uo, recebeu o Corpo e o Sangue do Senhor, e que também ago­ra se santifica, também se unge, também se purifica quanto pos­sível, porque é o corpo da mysiica Judith, isto é, da esposa do divino Cordeiro.

No baptismo foi ungida nossa carne; foi ungida também no chrisma: Porém, a extrema uncção, a extrema purificação, a re­ceberá no ultimo dia, no dia das núpcias eternas, para que, em­balsamaria de pureza e de santidade, vá para o ataúde, seja de­positada nas entranhas da terra, qual thesouro immaculado e pre­cioso, trigo escolhido, germen divino dc gloria e de immortalidade.

Como fala e como enternece o sagrado rito 11a administra­ção da Extrema Uncção.

Falsos mysticos calumniaram nosso pobre corpo, exagera­ram seus perigos, e nelle só souberam ver um inimigo do espi- lilo. Pelo contrario, na linguagem da fé, quanto é nobre o cor­po do christão, especialmente 0 corpo de uma alma eucharistica! quanto é nobre e sagrado!

Tertuliano no seu tratado da — Resurrectione carnis—o chamma de *limum de m anu Dei glorio sum, et afflatu Dei li/oriosiorum — «limo glorioso porque plasmado pela mão de Deus, e mais glorioso ainda porque vivificado pelo sopro de Deus». Chama a carne: «obra das mãos divinas, trabalho do divino engenho, herdeiro da divina liberdade, porque toda a cre- nção sensivel foi ordenada pelo Creador para 0 immediato e es­pecial serviço do corpo humano.

«Envolucro do sopro de Deus, sacerdote da religião»—por­que o homem é sacerdote, e porque exerce os officios sacerdo- laes, pelo corpo os sacramentos chegam á alma. «Soldado»—que dá testemunho de Deus, derramando seu sangue no martyrio; «iimão do Christo»—porque Verbum caro fa c tu m est—o Ver­bo se fez nossa carne. — E já que sem effusão de sangue não

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P. ANTONINO DF. CASTF.II.i

teria havido redempção, porque sapicnlemeutc TerUiliauo chama «apoio da eterna salvação nossa carne» que, tendo sido creada para serva e ministra da alma. torna-se depois sua irmã e sua coherdeira. (Tert. De Kesurr. ca m is - cap. VII).

V -S. Paulo, pois, é o grande panegyrista da santidade do nosso corpo: — «Sois o templo de Deus vivo» -escreve elle na segunda carta aos Corinthos. (Cap. VI, 16). E na primeira disse ra -«Não sabeis que vossos corpos são membros de Christo?» vós mesmos? (1, Cor. VI, 15).

Mais adeante accrescenta:—«Não sabeis que vossos mem­bros são templos do Espirito Santo, que está em vós, que esses membros vos foram dados por Deus. e que não sois donos de (I, Cor. VI, 19).

Por isto, o apostolo, cheio de grande reverencia por este templo vivo do Espirito Santo, exclama: — «Eu vos supplico, pois, ó irmãos, pela misericórdia de Deus, que conserveis vossos corpos hóstia viva, santa, agradavel a Deus». (Rom. XII, 1).

Oh ! eis ahi o fim sapientissimo da Extrema Uncção. Em substancia, Extrema Uncção quer dizer—extrema desinfecção. Sim, o oleo santo é a ultima graça sacramental concedida ao christão enfermo, por meio da ultima desinfecção sacramental.

O homem inteiro foi creado por Deus; foi remido e santi­ficado; todo inteiro serviu a Deus, e, morrendo, lodo inteiro de­ve apresentar-se a Deus, para ser por Deus remunerado.

Porém o homem não é somente alma; é essencialmente alma e corpo; e na morte, devendo elle todo inteiro ser recom­pensado (alma immediatamente, o corpo na resurreição) eis por­que a Egreja, mãe piedosa, é tão solicita em administrar, aos filhos em perigo de vida, aquelle sacramento que o Salvador instituiu como ultima santificação para todo homem que sáe deste mundo.

VI—Como affirma Tertuliano, nosso corpo é limo divino, mas sempre limo.

Será o templo de Deus, o vaso de ouro dos sacramentos, o cálice, a pixide viva da santa Eucharistia; porém os templos podem ser profanados, os vasos de ouro podem ficar contami­nados; os cálices e as pixides mesmo precisam ser limpos mui­tas vezes. Até as hóstias se estragam. Como, nas maiores so- lemnidades do anno, as egrejas se lavam, os altares se espanam, os vasos sagrados são polidos, e tudo se renova, se enfeita, as­sim faz a Egreja aos filhos moribundos, no dia da festa nupcial, da festa unica que é a morte.

Com a extrema uncção, Ella purifica os corpos que são os templos do Espirito Santo, que são os vasos espirituaes da gra­

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ça e dos sacramentos; purifica os corpos que tantas vezes foram corporeos e consanguineos da carne e sangue de Jesus Sacra­mentado, verdadeiros cálices e verdadeiras pixides da divina Eu- charistia que são companheiros, irmãos e coherdeiros da alma.

E como, ordinariamente, o peccado entra 11a alma pelas ja- nellas que são nossos sentidos, aos sentidos são feitas as unc- ções sacramentaes, aos sentidos é applicado o oleo purificador e santificador.

VII—Sim, ó sacerdotes do Senhor, ó ministros da Euclia- ristia, ungi aquelles olhos que deviam se ter voltado constante­mente para o Céo, para o tabernaculo, mas que algumas vezes pousaram sobre a terra e consideraram outras bellezas que não a de Christo;'divagaram pela egreja, e não tiveram lagrimas bas­tante numerosas nem bastante abraazadas para o Deus de amor.

Ungi aquelles ouvidos, obrigados a se conservarem aitentos e promptos á voz de Deus unicamente, dos seus representantes, das suas inspirações, e que, entretanto, escutaram as vozes das creaturas do mundo e das paixões; deliciaram-se por instantes com a voz de sereias enganadoras, ou com as supplicas sugges- tivas da serpente infernal.

Purificae com o oleo santo aquelles lábios c aquclla bocca... O’ bocca, quanto és preciosa! O que no altar é a portinha do tabernaculo, és tu no . meu corpo, ó minha bocca. E’s a porta por onde cada manhã meu Rei e meu Deus entra em mim. E’s, ó lingua, a porteira que cada manhã introduzes ao meu Senhor; só tu O acolhes, O tocas, O beijas, O saboreias... Sê bemdicta, ó bocca, ó lingua, ó labio..

Em nosso corpo membro algum é tão precioso quanto os dedos do sacerdote e a lingua dos fieis. Aquelles'0 tomam, esta O recebe; aquelles O tocam, esta O beija. O’ mãos sacerdotaes que cada manhã vos approximastes destes eucharisticos lábios, para nelles depositardes o Senhor, approximae-vos agora para purificá-los com o oleo. santo Só eucharisticos dedos podem purificar eucharisticos lábios.

Ungi, pois, aquelles lábios, cujos sorrisos nem sempre fo­ram castos e innoccntes. Ungi aquella bocca, talvez nem sempre fiel ás regras da temperança, nem sempre guardada pela chave de ouro do silencio e da prudência, nem sempre, perfumada de gravidade e de pureza; aquelles lábios e aquella bocca dos quaes fluiram leite e mel, e também faíscas e gottas de veneno.

Ungi também as mãos, aquellas mãos que nem sempre foram promptas para as bôas obras, nem sempre assíduas ao trabalho, ao fuso e á lã, e . podiam ter sido mais abertas para os pobres,

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P. ANTONINO DE CASN.I

mais delicadas para os enfermos, mais generosas para os indi­gentes.

E aquelles pés tào tardios e preguiçosos algumas vezes em se dirigirem á egreja, tão ligeiros e promplos para os diverti-

VIII- - 0 ’ uneções santas, santificae todo o corpo, verdadeiro templo espiritual, como, na consagração das egrcjas e dos altares, santificaes todas as paredes e todas as pedras. Santificae o tem­plo espiritual, no qual, se não penetrou a lama, penetrou a poei­ra das estradas; no qual.se não se aninharam as serpentes, fi­zeram as aranhas suas teias.

O’ uneções santas, purificae aquelle templo, cujo altar e thuribulo, como os vasos sagrados, deviam ter sido conservados mais limpos, mais venerados; no qual, ao lado do incenso verda­deiro, foi queimado o falso; ao lado do petfume das flores se desejou capciosos odores artificiacs; e na guarda dos sentidos faltou muitas vezes a mystica penumbra do santo recolhimento...

Como são divinas, portanto, essas funeções sacramentaes, por meio das quaes a Egreja, executora fiel das ordens de Jesus, acaba por santificar todo homem moribundo, e especialmente uma alma eucharistica.

Quem pode duvidar de que a Carne e o Sangue de Jesus sejam verdadeiro balsam um arom atizans—v trdadeiro balsamo aromatico? Ora, depois que a alma eucharistica, dia por dia, anuo por anno, recebeu no seu corpo o balsamo oduroso da Eucharis- tia, depòis de ter recebido a ultima profusão deste balsamo do santo Viatico, recebe ainda o aroma das santas uneções.

O que foi o lava-pés na ultima Ceia, isto é, o coroamentóJ da instituição da Eucharistia, o mesmo são, no fim da vida, as uneções do oleo santo, isto é, corôa do Viatico, ultima prepara­ção ás núpcias da eternidade.

A aurora celestial se faz sentir e respirar pela alma afortu­nada naquelle momento solemne. E não somente por ella, mas pelos circumstantes, também, é sentida uma fragrancia do Céo, um ar de paraiso.

E o mesmo se sente e se respira até quando a morte chega de improviso, se de improviso ella pode chegar para uma alma que vive daquelle pensamento e daquelle desejo.

IX— Foi de muito poucos dias a ultima doença dÓCura d’Ars.—«Ainda que desde muito tempo o servo de Deus não parecesse ter senão um sopro de vida, o fio de voz que lhe restava era tão debil que só um bom ouvido podia percebê-lo. Toda a energia da vida e do pensamento se lhe tinha concentrado

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nos olhos, que brilhavam como duas estrellas, e pareciam lhe inspirar ardores de uma alma de fogo. Era a força na fraqueza, a vida na morte».

Assim diz o Pe. Monnin, jesuita, autor de sua vida (Liv. V, cap. IX).

Porém, quando o santo velho recebeu os últimos sacramen­tos, demonstrou suave transformação.

Em sua pessoa, a expressão de doçura, de calma, de bon­dade chegou ao extremo. Assim, bello só fôra um momento— quando consagrava e fazia a santa communhão.

S. André Avellino se paramenta para a missa. Com o cora­ção ebrio de alegria sóbe ao altar; se persigna, começa o santo sacrifício... Mas, já não era no altar da graça que Deus o espera­va, era no altar da gloria. Parece que o santo teve o presenti- mento, porque repetiu mysteriosamente três vezes as palavras: lntroibo ad altare Ztez—«Subirei até o aliar de Deus...» Ca­la-se, depois, vacilla, e cáe fulminado por uma apoplexia.

Morre em face daquelle altar, onde tantas vezes cahira de joelhos; parte para o Céo, paramentado, e paramentado finaliza sua carreira sacerdotal. Nas outras missas, elle fôra somente sa­cerdote; nesta ultima, começada na terra, e concluída no Céo, elle foi também victimal...

Em Roma, a 16 de Abril de 1783, na egreja de S. Maria dos Montes, em frente ao S. S. Sacramento, ardia, ardia de amor S. Benedicto José Labre! O' alma de seraphim, tu não sabes que este é o ultimo dia, a ultima hora da tua vida. E* tomado por um deliquio, perde os sentidos, e cáe por terra.

Recolhem-n’o na casa vizinha, e, ardendo ainda, ardendo de amor, entrega a Deus sua bella alma, tendo só trinta e cinco an- nos de idade.

Que morte! Desfallecer na egreja e deanie do tabernaculo, em um deliquio de amor!..

—Também, a verdadeiramente angélica S. Clara de Monte- falco morria em doce extase, e os que a cercavam, mesmo seu irmão, P. Francisco Damiani, frade menor, pensavam que fosse contemplação, e entretanto era a morte.

Na verdade, parece-me que para todas as almas enamora­das de Deus a morte deva ser uma grande chanima que lhes atice o incêndio final.

Mas, quem pode penetrar e comprehender a alma dos San­tos nos últimos momentos de sua vida ?

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P. ANTONINO DE CASM.I I APf

CAPITULO XXII

A partida

I— Os últimos momentos são conhecidos de Deus só, que unicamente sabe o que se passa entre File e o filho mori­bundo.

No entanto, alguma cousa ordinariamente transparece sem­pre. e muitas vezes basta uma palavra, um olhar do moribundo, para revelar todo o seu interno no momento supremo.

A alma do homem é uma maravilha; de modo especial a alma dos santos, e, no instante da morte, sobretudo, quando to­dos os fachos de luz se concentram na projecção suprema, todas as forças no supremo esforço, todas as ternuras na ternura su­prema.

Sempre bella é a figura de Jacob, porém na morte é bellis- sima; quando, rodeado de seus filhos, os abençôa e cada benção é'uma sentença, um vaticinio, uma historia.

Sempre grandes foram a figura e os cânticos de Moysés; na morte, porém, tornam-se sublimes, incomparáveis.

Tão incomparáveis e sublimes são as ultimas palavras, ora­ções ou recordações das almas santas que morrem.

E não falo só das almas eleitas como Bento de Norcia, Do­mingos de Gusmão, Francisco de Assis, Ignacio de Loyola, Vi­cente de Paulo, que morrem falando e abençoando seus filhos pre­sentes e futuros-, falo de qualquer alma santa, seja de um cam- ponez ou de um artista.

As palavras de um pae ou de uma mãe moribunda, quem quer que sejam, nunca são esquecidas.

Não são esquecidas, porque todo coração ama, e quem ama é poeta. E a poesia que sáe do coração não é menos bella que a da arte, nem menos doces que as cordas de uma harpa são as vozes das creanças, ou as canções dos montanhezes.

Por isto as ultimas palavras dos queridos moribundos são ouvidas com respeito profundo e conservadas no coração como pedras preciosas.

Assim, dizia Tobias no fim da vida ao seu filho, o jovem Tobias:—«Escuta, meu filho, as palavras da minha bocca, e guar­da-as no coração como um fundamento». (Tob., IV, 2).

II— Fala tu, agora, fala, ó alma eucharistica moribunda... Consw nm atum est... tudo está acabado para ti... tudo...

Ainda um momento, e será dado o signal da partida; ain­da um momento, e o fatal—Proüciscere—será pronunciado tam­bém para ti; fala...

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Não tens nada que dizer?... ninguém a quem saudar? nada que pedir?... Sôa, sôa ainda, ó psalterio de Deus. Querer*os air; da ouvir-te, ó harpa de Jesus Sacramentado., ainda... Se Jesus encerra a instituição da Èucharistia com um sublimissimo cân­tico, tu, que te esforçaste por imitá 10 em tudo, nisto não O imitarás?... Exsurge psalterium et cithara... Que o teu ultimu canto, ó cysne eucharistico, seja digno de ti e de Jesus, seja di­gno da morte.

E a alma eucharistica moribunda canta ainda. Se não é sua lingua, é certamente seu coração que se move, é seu espirito que freme, que se agita e fala.

III— Adeus, adeus, ó santa Egreja catholica, apostólica, ro­mana, minha mãe, e mãe das almas, que, ao nascer, me geraste para a graça, e. ao morrer, me dás á luz para a gloria. Adeus, ó terra, templo de Deus vivo, todo repleto de ciborios e de taberna- culos. Eu me afasto de ti, eu te deixo,.. Adeus! Adeus, ó fonte baptismal, que me fizeste christã, ó santo confessionário, que tantas vezes me tornaste a baptisar, ó sacerdotes, factores da Èucharistia... Adeus!...

Adeus, ó egrejas catholicas espalhadas por toda a terra, pa­raísos das cidades e das nações, casas de Deus e dos seus fi­lhos, portas do Céo, centros das almas, Vós, especialmente, vós, ó dilectos tabernaculos, pavilhões de Jesus Sacramentado, thro- nos do Rei dos reis, fontes de vida, ninhos dos corações, mesas sempre postas, adeus !...

Tu, sobretudo, Tabernaculo da minha egreja, Tabernaculo meu, que me esperavas cada manhã, e cada manhã te abrias para mim, depositário das minhas alegrias e das minhas penas, dos meus affectos e das minhas confidencias, dos meus segredos, e dos meus desejos, adeus! De amanhã em deante, soará o sino, mas não estarei deante de ti, em tua companhia, ó santo Taber- uaculo, ó amigo solitário!

Nunca mais ouvirás minha voz, nunca mais receberei teus confortos... Oh ! quantas orações, quantos palpites, quantas lagri­mas te dei, quantas communhões, quantas graças, quantos sorri­sos me tens dado! Sorri para mim ainda, amanhã, quando meu cadaver entrar na egreja. E, quando estiver no cemiterio, quando sepultado, e a cruz sobre meu sepulcro, sorri para mim ainda, ó Tabernaculo meu!

IV— Adeus, meu Anjo custodio, e anjos eucharisticos, cus­tódios das egrejas e dos ciborios. custodios do S. S. Sacramen­tado ; adeus, pagens celestes, invisível côrte, santo côro de ado^ radores. Graças por todas as vezes que me admittistes entre vos­

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sas vores, meu insípido realejo cnlrc vossas rilharas, meus pal­pites entre os vossos ardores. Cm uma só eousa mc deixastes isolado — no pranto... Vós não podeis chorar, ó espíritos bem- aventurados, mas eu chorei, vós o sabeis e o visles... chorei tanto deante do S. S. Sacramento... Adeus!

Ainda poucos momentos e uos conheceremos, ó beatíssi­mos amigos. Conhccer-te-ei, ó duleissimo irmão, companheiro, testemunha, que sempre me illuminaste, me guardaste, guiaste, governaste. Ainda poucos momentos, o nos daremos o amplexo da gloiia, o beijo da paz... E então caidaremos juntos, juntos c eternamente. Adeus!...

V- Mas agora, que te direi ó Jesus Sacramentado, ó meu Rei, ó meu Salvador, ó meu Deus? que te direi, ó Amigo, ó Ir­mão, ó Pae, ó Esposo adorado?... ó Jesus, luz dos meus olhos, meu palpite, meu anhelo, minha vida? Adeus!.... adeus!... Ainda poucos momentos, e já não serás eucharistia, não serás sacra­mento para mim.

Estás sacramentado porque eu sou crente; estás velado poraue é velada a minha fé; és eucharistia porque eu sou via­jante. Porém daqui a poucos momentos não serei mais viajante; cahirá o véo da minha fé; já não acreditarei, enxergarei... Verei a tua face; nossos olhos se encontrarão, finalmente!... quando te vir, já não serás um mysterio para mim, não serás mais velado, nem escondido, nem mudo, nem Eucharistia, nem Commimhão, hem Viatico, nem Sacramento!.. Adeus!... adeus!..

VI— O’ Amor da minha alma, lisonjeic-me de poder morrer sém pena, sem remorso, sem medo!

E eis que morro, e tenho todos estes sentimentos. Tenho pena e o h ! que pena de não morrer na egreja, deante de teus Olhos, em face do teu tabernaculo... Onde passei a vida, esperei acabar. Quantas vezes, vendo derreterem-se as velas, extinguir-se a lampada, seccarem as flores, esvair-se o incenso, quantas vezes te suppliquei o mesmo fim. Esperava ao menos que, morrendo em casa, terminasse a minha vida erh presença do Santo Viatico.

Morro... e amanhã levarão meu corpo para o cemiterio, lon­ge dos tabernaculos, afastado de qualquer egreja.. O h! que pena não ser sepultado em um angulo de egreja sacramental! Pelo menos, no decorrer dos séculos, te dariam gloria os meus ossos, as minhas cinzas, o meu nada. E, depois, juntos, ó Jesus, no fim do mundo, juntos iriamos ao valle de Josaphat, eu do sepulcro, e tu do Tabernaculo.

Que pena deixar-te na terra, ó Jesus sacramentado! Que pena não te poder levar, ó amado Sacramento!

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E nâo me faltem remorsos. Tantas vezes prometti que mor­rería victima de amor e de penintencia. Nem uma nem outra con- sa. Infeliz o tempo em que não te conhecia ainda, ó doce Eucharis- tia! Infeliz o tempo em que não te amei bastante, em que não te imitei fielmente, ó Jesus Sacramentado... Que minha agonia e minha morte sejam extremas reparações, ó Senhor; que sejam ultimo incenso meus suspiros, meus palpites e as lagrimas des­tes instantes supremos.

O’ Jesus Sacramentado, seja hora santa a ultima hora da minha vida. Adeus!

VII— Esperava morrer sem temor... e eis que já temo, ó meu Deus. Sempre vos chamei com os titulos mais doces, mais afie- ctuosos, mais delicados

Nunca vos chamei juiz, e agora somente isto sois — meujuiz!

O’ meu Juiz, quando daqui a pouco me apresentar a Vós, vos vir face a face, me apertareis ao seio como o pae do filho prodigo, ou me acolhereis como acolhestes as cinco virgens lou­cas, fechando-me na cara a porta do paraiso e gritando : «Nés­cio te—não te conheço?» — Acolher-ine-eis como acolhestes os pastores e os magos de Belem, ou como acolhestes Judas e a soldadesca, no horío das Oliveiras, quando pronunciastes aquelle terrível «Ego sum» — que os fez retroceder e precipitarem-se por terra? Encontrar-vos-ei resplandecente de gloria e de beati- tude como os apostolos sobre o Tabor, ou armado de acotes contra os profanadores do templo?

Apenas vos vir, direi como a Magdalena — «Rabboni /... Rabboni /...» ou, batendo no peito, exclamarei como o centurião: I 'crc Filius Dei erat iste ?

O vosso primeiro grito ao me enxergar ha de ser: Vinde, bemdicto de meu Pae, vinde—ou, pelo contrario: «longe daqui» - discede a me, maledicte, in ignem aetem um ?...

In ignem aetem um ?... Ò’ meu soberano Juiz, se vossa vontade e vossa gloria o exigirem, estarei prompto a me precipi­tar no inferno. Porém vós. ó meu Salvador, dissestes solemne- mente:—«Quem come minha carne e bebe meu sangue móra em mim e Eu nelle, e o resuscitarei no ultimo dia».

Cada dia procurei comer vossa carne o menos indignamen­te possível; cada dia bebi vosso sangue.

Vós, portanto, ó minha resurreição e minha vida, não fal­tareis ás vossas promessas, e me salvareis para a eternidade!..

VIII— Antes, me mandareis ao santo purgatório. Isto espero, ó divino Juiz. E mesmo então, confio ra vossa piedade, na vossa

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palavra que piomette misericórdia aos miscíiconliosos, e a mes­ma medida de caridade aos caridosos. Vós o sabeis, Deus de bondade, que minha pobre vida foi ioda uma offerla em favor das santas almas do purgatório.

As chanimas que apaguei serão para mim apagadas; as ca­deias que desatei, para mim serão desatadas; o paiaiso que an­tecipei a outros, para mim será antecipado.

O’ paraiso!... o paraiso !... Ah! não sou digno de ti, ó san­to paraiso.

Porém tu és digno dos méritos infinitos de Jesus Christo, pelos quaes espero salvar-me.

Vem, pois, ó santo paraiso!... por ti esperei tanto, suspirei tanto, soffri tanto! Vem!

IX— O’ morte, irmã morte, espero-te, desejo te. Porque tar­das ainda?

Meu Pae, acceito a morte, como a acceitou vosso Filho. Como vosso Filho, espero entregar meu espirito em vossas mãos.

Veni, bone Jesu, veni... Sorri para mim. pela ultima vez, do tabernaculo, ó meu Deus Sacramentado. Pela ultima vez me abençoas, ó Amor, Amor, Amor da alma, Jesus!... Jesus !...

Na ultima hora. pelo menos na ultima hora, concede-me a caricia que concedestes ao Discípulo predilecto. Eu morro... adeus... Mestre! adeus!

Mas quero morrer adormecido sobre teu coração, com a cabeça recostada sobre leu peito. E o ultimo anhelo, o ultimo suspiro se extinga nesta ultima p a lav raS e ja louvado e agrade­cido a cada momento o santíssimo e divinissimo sacramento.

Deixo-te, Jesus... parto... Saudo te, adeus! adeus !...Assim fala o amor que morre, e assim morre a alma eu-

charistica.

X— *Prqficiscere, prqficisccrc, anima christiana,de hoc m u ndo—Parte, parte, ó alma christã, deste mundo, em nome de Deus Padre Omr.ipotente, que te creou;. em nome de Jesus Christo Filho de Deus vivo, que soffreu por ti; em nome do Espirito Santo, que em ti se difundiu; em nome dos Anjos e dos Ar- chanjos; dos Cherubins e Seraphins; dos Patriarchas e dos Pro- phetas; dos Apostolos e dos Evangelistas, dos Martyres e dos Confessores; em nome dos Monges e Eremitas, das Virgens e dc todos os Santos e Santas de Deus.

tHodie sit in pacc locus tiius, et habitatio tua in san- cta S ion .

Hoje, seja na paz teu descanso; na santa Sião seja tua morada».

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Sahindo do corpo, ó alma, os anjos te venham ao encon- lm; accorram os apostolos; cerquem-te os Marlyres, os confes­sores te circumdem; te acolham as virgens; os patriarchas te apertem ao seio»

Sobretudo alegra-te, ó alma eucharistica, alegra-te, e escuta n voto ardente da Egreja: *Mitis atquc festivus Christi Jesu tihi aspactus appareat — doce e alegre te appareça Jesus ( ihristo».

Que Satanaz fuja... nem ouse retardar tua viagem !... Abram- se os céos... alegrem-se os anjos... Jesus Filho de Deus te esta­beleça entre os eternos jardins do seu paraiso; te admitta entre Mias ovelhas o Pastor supremo; absolva todos os teus peccados e le destine á direita dos seus eleitos. Que vejas o teu Redem­ptor face a face. e, em sua presença, que teus olhos contemplem a verdade para sempre. E. assim, entre os côros dos bemaventu- lados.a doçura da divina visão te inebrie pelos séculos dos sé­culos...

XI— Penso, entretanto: a alma eucharistica que morre não tnn mãe?

Nas bodas de Caná estava presente a divina Mãe, e ella faltai .'i nas bodas eternas que vae celebrar sua filha, a filha do seu amor ?

( iomo se pode conceber uma mãe indifferente á morte da filha? F. uma filha que morra sem pensar na mãe? na mãe que limou sempre c nunca viu, mas que, dentro de poucos momen­to s , verá, conhecerá e abraçará ineffavelmente?

Ah ! sim, da mesma maneira que vêdes o Crucifixo sobre o peito da alma moribunda, assim entre suas mãos haveis de vêr ii corAa do rosário, O Crucifixo, seu espelho, seu livro, seu feixe de m yiTlia !... o rosário, sua grinalda, sua harpa, seu psalterio!

()’ corôa bemdicta, gasta por aquellas bemdictas mãos!.17>r M aria! Quantas vezes da bocca angélica sahiu o grito

de salvação—Ave Maria! Quantas vezes, modulada por sua har­pa, fazendo côro com Gabriel e Isabel, a oração: «Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é comvosco; bemdicta sois entre as mulheres, e bemdicto é o frueto do vosso ventre, Jesus!..»

I; quantas vezes rezou com o coração da Egreja: —«Santa Mm ia, Mãe de Deus. rogae por nós, peccadores...»

Mas, fala, tu, de prcferencia, ó rosário bemdicto. Quantos palpites te aqueceram, quantas lagrimas te banharam, quantos beijos te perfumaram. Parecia longe quando se dizia: — Nunc, • i iu ara morlis nostrac—agora, e na hora da nossa morte. Ave Maria! Já estamos' nesta hora. A gora—já é a hora da mor­te. Ave Maria!

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A hora da morte é como a vo/, do siim que sôa o Ange- lus na ultima noite- Ave Maria ! «Reza, uva agora, que t- a hora da minha morte. Ave Maria! E a alma eucharistica moribunda c ê e sente que a Mãe Celeste está ao seu lado, que a abençoa, soccorre e lhe sorri... está ao seu lado, a eobn-la com seu man­to; a apertá-la nos braços, a segurá-la pelas mãos. E a Mãe de Jesus, de João. das almas eucharisticas c a Rainha do S. S. Sa­cramento.. Ave Maria!

XII —Morrer com a cabeça recinada s: b c o peito de Jesus, com as mãos entre as mãos de Maria, foi esta a oração, o sus­piro, o sonho de tantos annos, c agora é esta a ultima graça, o ultimo conforto, a ultima caricia... ( 'oiismiinia/um cs/ -tudo está consumado... A morte ergue a foice, move a chave, a chave de ouro. e a porta da eternidade se abre: ( on m m m a tu m est —é o momento supremo.

A cabeça moribunda se inclina, as lagrimas cáern, os olhos se fecham, porém os labros soriiem...

Como á Judith que sahia da .patria e foi ao encontro de Ho- lophernes etiam ü u m in u s contulit splcmiorem — também o Senhor lhe augmenta os esplendores Judith, 4). Assim á alma eucharistica moribunda o proprio Deus dá realce e belleza.

Extraordinária luz esclarece aquella fronte, brilha sobre aquelles membros; calma divina, aura, de frescura se respira em torno áquelle cadaver; naquelle leito nupcial. Os circumstan- tes choram, se ajoelham,, .rezam.

Mas ah !... calam se as linguas, suffocam-se os soluços, os corações se retrahem.

E' um silencio divino! Dir-se-ia a egreja, no momento da consagração.

E, é certo, é o momento da consagração, da consumação daquella alma eucharistica. Com esta dffferença, na egreja é a campainha que dá o signal do sacrifício, aqui dá-lo a própria alma,, no seu leito de agonia.

São seus lábios que o dão, seus lábios que (segundo pro- metteram a Jesus) sussurram pela ultima vez, baixo, baixinho:— «Seja louvado e agradecido, a cada momento, o santíssimo e di- vinissimo Sacramento».

Morreu!Snbvenitc Sancti Dei, occurrite Angeli Dom ini: sus-

cipientes anim am eius, offerentcs eum in conspectu A ltissi- mi. (Oração da Egreja na assistência aos moribundos).

Vinde, em auxilio, ó santos de Deus; accorrei, Ahjos do Senhor; tomae esta alma em vossos braços, apresentae-a. ao Al-

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tissimo. Chrislo, que te chamou, te auxilie, e ao seio de Abrahão os anjos te conduzam — «A ti ó Senhor, recommendamos a alma de tua serva eucharistica, para que, morta para o século, viva para ti, e, os peccados que commetteu por fragilidade humana, apaga com o perdão de tua misericordiosíssima piedade*.

XIII—Assim, ineffavelmente, morrem as almas santas, e, para só citar um exemplo, mais tocante porque mais novo, assim morria, a 30 de Setembro de 1897, com vinte e quatro annos de idade, no Carmelo de Lisieux. a angélica S. Therezinha do Me­nino Jesus e da 5. Face (H istoria de um a alma, cap. XII. citado quase palavra por palavra).

No dia de sua profissão dirigira a Deus esta prece: «Meu Deus, dac-me o martyrio do coração ou o do corpo; melhor ainda, dae-me uin e outro»

Foi ouvida, e soffreu ambos os martyrios: consumida pelo innor e pela doença, bem depressa seu leito tornou-se seu thála- nio nupcial, seu altar, sua sarça ardente.

Na noite antecedente ao dia do santo viatico, compoz esta «•strophe, para ser cantada antes da communhão:

-~0 Deus, que bem conheces o meu nada, F. deste nada não queres fugir,Sacramento divino! 'Stá abrazada A alma minha por te possuir.Depois de tal ventura, ó meu Senhor,Faze, bondoso, que eu morra de amor,A voz escuta deste meu desejo,

De coração o almejo.

Morrer de amor... era este seu anhelo e, no mesmo dia do viatico, desejou que também fosse cantada esta outra estro- plte, composta por ella própria:

-Morrer de amor! oh! é martyrio santo Que muito anhelo e procuro aturar.Fntoae, Cherubins, o vosso canto.No exilio demais soffro; p’ra o findar,O sonho meu realizae, Senhor,

Morrer de amor!...

—Succediam-se os dias e cresciam as dores, porém o sor­riso não abandonou os lábios da moribunda.

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O Padre um dia lhe disse: Eslá resignada a morrer? Res­p o n d eu « P ad re , acho que só para viver é preciso resignação; para morrer só sinto alegria».

Na ultima noite, quando o sino do convento bateu as Ave Maria, ella fixou na Virgem Imniaculada, na Estrella do mar, um olhar inexprimível.

Era a hora própria para repelir a Maria sua oração:

—De facto. a ultima hora começava. Fixando no Crucifixo seu olhar muito terno, suas ultimas palavras foram estas: «Oh !... eu O amo... Meu Senhor, eu... vos amo!...»

Acabando de pronunciar estas palavras, desfalleceu com a cabeça inclinada para a direita, na attitude das virgens martyres que entregavam o pescoço ao golpe da espada, ou, melhor, como uma victima de amor, que espera do Flecheiro divino o dardo inflammado pelo qual deseja morrer.

Mas, não deixemos assim bruscamente a alma eucharistica. Depois de tê-la seguido nos seus annos, na sua vida e na sua morte, não havemos de lançar um ultimo olhar para o seu cada- ver? Não faremos uma ultima saudação a tão bemdicta alma?

Na aurora, ó Mãe, da minha vida O teu sorriso brilhou.Dá-m’o outra vez, Mãe querida, Da noite sinto o negror!

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CAPITULO XXIII

0 C e u ! . . .

Requiem, Iucem, pacem d o n a ! ...

I—Quanto é inspirado o genio do Christianisino na sua lithurgiã, que domina os sentidos, poréin que através dos senti­dos faia á alma, e a illurnina, a santifica, a conimove.

Quanto é inspirado!Falo aqui da liturgia dos mortos. Encho-rne de respeito para

commigo proprio, quando observo o respeito que a santa Egreja consagra aos seus filhos mortos. O cadaver de Jesus Christo, nosso Redemptor e nosso Rei, foi envolto em um lençol branco, e como branquissimo lençol é a liturgia em que a Egreja envol­ve o corpo e a alma dos seus filhos defuntos.

Suffragios para a alnia, honras para o corpo: reza por aquella e chora por este. A quella confia aos anjos, este ás entra­nhas bemdictas da terra, de onde foi tirado, e a que voltará. E, cmquanto o coração inteiro busca a alma que não se vê, os olhos fitam o cadaver que ainda se pode vêr e tocar..

Ousarei dizer que, como em vida, a graça dos sacramentos chega á alma por intermédio dos sentidos do corpo, assim, na morte, os suffragios, por completo ou em parte, chegam á alma ou por meio das honras que são tributadas ao cadaver, ao cada­ver que foi seu companheiro, seu irmão, seu co-luctador, ou junto com eilas

Da mesma fórma que o momento da morte me parece se­melhante ao solemne momento da consagração, assim hóstia santa e bemdicta me parece o cadaver christão.

Hóstia me parece elle, ao ver que a Egreja o abençoa com agua benta e o perfuma com incenso.

Assim, é hóstia divina quando admiro a Egreja que, asper- gindo o e incensando-o, pronuncia sobre elle, e por elle á alma, isto é, a um e outro, na pessoa extincta, aquella saudação divi­na: Requiem adernam dona ei, Domine, et lux perpetua Inceat ei!...

Que grande fé neste augurio! Que esperança! que amor ternissimo! E quantas lagrimas fez derramar e enxugou á huma­nidade crente Meditemos sobre eilas por um momento, junto á eça adornada de flores da alma eucharistica, applicando-as a ella, a ella somente que formou o thema do nosso livro.

Assim, concluiremos esta primeira parte, prestando a esta alma o ultimo tributo do nosso coração.

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II—Trcs cousas deseja a Egr.-ja aos seus caros moilos: Réquiem, lucem, pacem— descanso, luz c pa-'!

Estes três mesmos desejos fazemos ã alma nicharistica. An­tes de todo: Requiem !

A morte na grande semana da vida é como o sétimo dia da creação- o sabbado. O epu* fez o ( readoi no sétimo dia, começa a fazer a creatura do dia da morte em deante.

O Creador, no sétimo dia, «requierit uh onnii opere quod patrarat. (Gen., II, 2)» descansou das obias (pie linlia realizado. Assim o homem, assim a al na eiieltarisliea requieseif uh muni opere—descansa de toda fadiga. A morte é o sabbado, o eterno sabbado da alma bemaventurada.

Deus, a Moysés e ao povo hebren (pie soffriam, trabalha­vam e combatiam, no deserto, trais de uma vez promettera que finalmente lhes daria descanso E, no Apocalypse, pela bocca de S. João, Deus confirmou com solemnidade que os justos hão de rèpousar de suas fadigas— Requiescauf a /ahnribus suis (Apoc. XIV, 13).

A morte, pois. é o dia do Senhor; e, como do pnmeiio sab-. bado do mundo foi escriplo que Deus o abençoou e santificou, porque nelle havia descansado de qualquer obra, assim a morte é o nosso dia abençoado e santificado por Deus.

Repouso, benção e santificação eterna!

III O’ bemaventurada alma eucharistica, a fé te dizia que a terra não é lugar de repouso. Quando te cansavas, e te confundias, quando senlias que te faltava a coragem e a força, a fé não dei­xava de te apontar o Céo e de repetir-fe: ~«Ainda um pouco.. Coragem ! Amanhã não será mais assim...» E este amanhã chegou. Trabalhasle sempre, ó alma piedosa, agora não trabalharás mais; nunca descançaste, agora descansarás eternamente. Requiem aetem am !

Um dia, o Nazareno noton o cansaço dos seus apostolos, porque muitas eram as pessoas que o procuravam, e elles não tinham tempo de tomar alimento algum, ncc spatium mandu- candi habebant; cheio de compaixão lhes disse: Venitc seor-r sum in desertum locum et requiescile pusillum - Vinde para um lugar solitário, e ahi descansae um pouco (Marc., VI, 31).

Venite et requiescile—Como é bello este-convite do Se­nhor! Assim, na noite da longa e fatigosa jornada que é a vi­da, assim repete Elle ás almas cansadas e extenuadas:- «Vinde e descansae! mas não p u sillum —por um pouco... Não ! não ! descansae in aeteruum.

Descansae para sempre, ó intelligencia eucharistica, que tanto pensástes em Jesús Sacramentado, tanto meditastes sobre

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Elle, tanto O procurastes nos livros, O escutastes e aprofun­dastes.

Repousae para sempre, ó coração eucharistico. orgam me­lodioso do anior, affectado pelos palpites, consumido pelas pe­nas, queimado pelos ardores do fogo divino.

Repousae. olnos bemdictos, mirrados por olhar a Hóstia santa, o Tabernãculo, o campanario da vossa egreja. Quantas la­grimas derrama-tes, quanta modéstia vos adornou, e de que luz puríssima fostes illummados.

Repousa, ó lingua... ó bocca dulcissima, repousa!... Agora está terminada a alegria festiva dos tympanos; cessou o som dos suaves córos; a doce rythara está em silencio. (Is. XXIV, 3). Mas, quantas orações recitastes, quantos hymnos, quantas jacula- torias!

O’ ansiosas preparações, ó acções de graças deliciosas, não mais vos ouviremos. Nunca mais veremos aquella bocca abrir-se para receber o Senhor; nunca mais a veremos perfumada pela Carne e embalsamada pelo sangue do Salvador.

E vós, também, vós, descansae, ó mãos bemdictas, fatigadas pelo trabalho material, e pelas bôas obras, pelo fazer esmolas, pelo vestir os mis, pelo dar pão aos famintos, pelo tratar dos enfermos.

Repousae, ó bemdictos pés, exhaustos de procurar Jesus, de visitá-IO, de ir e vir da egreja. Quantas idas, meu Deus! e quantas voltas!

IV—Corpo, ó corpo, santificado pela virgindade ou pela continência; castigado pela mortificação, moderado pela tempe­rança; purificado pelas dôres e pelas doenças, corpo, tabernaculo da Eucharistia, relicário da divindade, angelisado em Christo, ali­mentado e restaurado pela carne e pelo sangue do Salvador, que passaste de joelho a maior parte de tua vida, basta, agora... Não mais fadigas e amores; não mais consolação e trabalhos; não mais penitencias... não mais... Basta! Descansa.

O dia do Senhor chegou, é o sabbado interminável. R é­quiem aetem am dona ei Domine.

Sim! repouso eterno a vós, ó almas eucharisticas, quem quer que sejaes, sacerdotes ou leigos, religiosos ou seculares. Descanso eterno a vós, servos fieis, operários diligentes ou vi- ctimas. Venite et requiescite—vos diz o Senhor, vinde e des­cansae ! O vosso repouso seja sempre calmo, sempre alegre, sem­pre pleno—Requiem aetem am dona ies D om ine!

O’ almas santas, estaes persuadidas agora do quanto é pre­cioso o trabalho, meritória a tribulação, efficaz a penitencia ? Es­taes persuadidas agora de quão grande seja a mercê retribuída por

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Deus pelas vossas fadigas, quão supcrnhuiHtante a recompensa, quão excessiva a gloria?... Agora não mais vos queixareis da Providencia; agora beijareis com exlase a mão de Deus, Pae, Medico e Cirurgião nosso.

omprenendereis a grande razão com que grilava o patri- archa S. Francisco: —«Tão grande c o hem que espero que toda pena me é um gozo».

Repetireis então, vós, também, as bellissimas palavras de S. Pedro de Alcantara. apparecendo depois de morto a S. Thereza: Oh! feliz penitencia, que me mereceu tanta gloria!

Também vós beijareis os instrumentos do vosso trabalho, que foram os instrumentos do vosso martyrio, c são já os tro- phéos da vossa gloria, exclamando do ttimulo e do Céo: O’amigos, ó parentes, ó sobreviventes mortaes (F_ccl., LI, 35) fixae com vossos olhos como eu trabalhei pouco e achei tão grande descanso, descanso pleno, glorioso, eterno. Réquiem adernam dona eis D om ine!

V—E t lux perpetua luceat eis... F luz perpetua brilhe para elles, ó Senhor

Como, despontado o sol no nosso hemispherio, a noite acaba e desapparecem as trevas, assim quando a alma desperta no outro hemispherio, a noite da presente vida já está termina­da, já estão espancadas as sombras, e desfeitas as penumbras.

Então nào acreditaremos, porque veremos: Videbim us! não mais seremos cegos, seremos illuminados! Cahirão as né­voas dos nossos olhos; serão desvanecidas as duvidas, desfeitos os véos.

Não mais enigmas, não mais mysterios. Tudo será desco­berto, tudo será revelado.

O’ alma bemaventurada, comprehenderás então os myste­rios da Eucharistia, aqudles mysterios que aqui na terra forma­vam as delicias da tua íé e o tormento do teu coração enamo­rado. Não te lamentarás mais por causa dos véos do pão e do vinho, véos impenetráveis; não cantarás mais:—ad firm andum cor sincerum, sola fides sufficit não! não! Cantarás: San- d u s , Sanctus, Sanctus... Alleluia, Alleluia !...

Então a Jesus não dirás como outr’ora, enlanguescendo em em face dos seus Tabernaculos: «Mostra-me o teu rosto; teus ouvidos ouçam minha voz...» Gritarás extatica: Bone Pastor, Jesu... tu nos bona fa c videre, in terra viventium... tuos ibi commensales, cohaeredes et sodales fa c sanctom m civium... O’ Jesus, bom Pastor, faze-nos ver teus bens na terra dos vivos... lá faze-nos teus comensaes, coherdeirose c ompanhei-

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ros dos santos cidadãos. (Sequencia da Missa do Corpos Do- inini).

Aqui na terra, caminhavas sem rumo, nas incertezas e an­gustias; repetias cada manhã a Jesus Sacramentado: — Dize-nie uma palavra só... uma só dize-nie. ó Jesus... Mas, esta palavra nunca a ouviste de sua bocca; ficavas sempre na sombra; e tua fé e tua confiança se consumiam... No Céo, pelo contrario, não será mais assim. Tu ficarás em silencio, e falará Jesus, no Céo te serão revelados os segredos adoraveis do seu Coração Santís­simo. Saberás o porque de tantas desventuras que te acontecem, de tantas provas que te acabrunham, de tantas penas que te san­tificaram. Saberás o porque daquella dureza salutar que Jesus usava conitigo, das lagrimas que te fez derramar, das terriveis angustias do teu coração e do teu espirito...

Então, ó alma eucharistica, então saberás quanto o fizeste sof- frer, antes de te apaixonares por Elle, e mesmo depois. Entretan­to, te amou, te perdoou, te assistiu, te confortou, te inebriou e beneficiou !...

Tudo isto verás na luz da gloria, que é a luz do proprio Deus, e na qual veremos qualquer luz.

VI—Eis porque a Egreja, na sua fúnebre liturgia, supplica ardentemente ao Senhor que conceda luz ás almas dos fieis de­funtos... Como são piedosos os seus accentos nã santa Missa:

«Absolve, Senhor, de qualquer vinculo peccaminoso as suas almas, e com o soccorro de tua graça mereçam htcis aetem ae heutitudinc perfru i—o gozo bemaventurado da eterna luz».

O Offertorio é ad m irav e l« O ’ Senhor Jesus Christo, Rei da gloria, livra as almas de todos os fieis defuntos da penas do inferno, e do profundo higo; livra-as da bocca do leão. para que o inferno não as engula e não caiam na escuridão. Mas o prín­cipe S. Miguel depressa as conduza á claridade santa...»

«O’ Senhor, eterna luz resplandeça aos seus olhos, junto aos teus santos, e para sempre, porque és santo».

E' verdade que o corpo desce ás sombras do sepulcro, ás sombras, e não á escuridão completa. A escuridão completa é atr„s daquella porta onde está escripto:

Deixae toda esperança, ó vós que aqui entraes.

Ao sepulcro o corpo desce envolto em esperança. Isto for­mava o gozo, o conforto do Psalmista: *Insupei ct caro mea requiescet in spe—Minha carne dormirá na esperança». (Psalin., XV, 9).

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As trevas do sepulcro são como as trevas daqudlas noites serenas que não têm sol, não têm lua, mas têm a pallida luz das estrellas. E como a luz tremula e lacrimosa das lampadas expia­tórias esclarece as penumbras das rapellas fúnebres, assim a es­perança esclarece suavemente aqueües ossos bemdictos: Caro mea requiescet in spe. Era a esperança incoucussa da resur- reição que fazia gritar a S. Job: / 'o s/ /rnrhras s/>cro /uceni —Depois das trevas espero a luz (Job. XVII, 12».

Sim, sim, espero a luz-- porque sei que meu Salvador vive, e no ultimo dia resurgirei da terra, e de novo serei revestido desta minha pelle, e na minha carne verei o meu Deus; vê-l()-ei eu mesmo, e não outro, e n’Elle fixarei meus olhos: Reposita est haec spes mea in sinu meo — Esta c a esperança que encerro no coração, tjob, XIX, 25, 27).

Assim, o cadaver no sepulcro é arvore despojada no inver­no, ou semente nova nas entranhas da terra, que esperam as au­ras tépidas da primavera, os quentes raios do sol primaveril para resurgirem á nova vida, vestirem-se de novas frondes e de no­vas flores.

E, emquanto o corpo espera, espera a Egreja também, e reza sempre; L u x aetem a luceat eis, Domine... in aeternum... quia pius est 1

VII—Mas. o repouso não .basta, não basta a luz, a Egreja augura a paz: Requiescant in pace... Em paz! Que palavra! Parece-me um ultimo capitulo de historia, ou o fim de um ro­mance, ou a solução de um drama.

E historia, romance, drama—e muitas vezes tragédia—é a vida do homem sobre a terra. Sedento de paz, procura-a por toda parte, pede-a a todos; porém não a adia, e ninguém lh’a sabe indicar. E a paz verdadeira, plena, imperturbável, a alma só a encontra no Céo e o corpo no cemiterio, Requiescant in pace !

Os livros santos não falam somente do repouso do Crea- dor no sétimo dia da creação, porém falam também do repouso da arca de Noé, e da arca de alliança. Depois de quarenta dias de chuvas torrenciaes, depois de cento e cincoenta dias de tre­mendo dilúvio, a arca de Noé de> cansou por fim sobre os mon­tes da Armênia. Requievit arca super montes Armenice (Gen., VII, 4).

Nenhuma tempestade é eterna aqui na terra, ainda que fos­se o dilúvio universal. Depois de uma vida de tempestade, a cal­ma volta; não volta nesta vida, voltará na outra e voltará in- fallivelmente. Qualquer mystica arca, e depois de qualquer dilú­vio, descansará serena sobre os montes santos, onde jamais che­

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fiarão os ventos e as procellas, onde resplandece eternamente o arco iris, o signal da paz: Requiescant in pace!

E descansou a arca de alliança. Depois de quarenta annos de viagem pelo deserto, depois de quatrocentos e mais annos de guerras e de batalhas, de íriumplios e de victorias, finalmente - «introduziram-a arca na cidade de David (II Reis. VI, 17) e a collocaram no seu lugar, no meio do tabernaculo que David edi- ficara, ( II, Reis, VI, 17) esperando que mais tarde fosse conduzida ao templo glorioso de Salomão.

Toda viagem tem termo, todo deserto se atravessa, todo exilio termina. No plano da Sapiência divina, que esforço não foi coroado por um prêmio, que humilhação pela gloria, que pranto pelo gozo?

Todas as batalhas do Senhor acabam por uma victoria; toda lucta pela coroa; toda guerra pela paz. Requiescant in pace ! Em paz quer dizer- em Christo—porque Ipse est p a x nostra

Elle é nossa paz.Eis porque nas catacumbas, nas urnas fúnebres, nenhuma

palavra está mais repetida que esta: in pace—Palavra luminosa! Quando vós a lêdes, tendes lido tudo, porque ella é a palavra dc Christo, a saudação de Christo, a paz de Christo: é Christo!

Em paz! Neste mote está expressa toda a religião christã. o dogma e a moral, os motivos de fé e a esperança, a vida e a morte, a terra e o Céo, o tempo, e a immortalidade.

Assim cantava uni côro de anjos, emquanto morria a B. Isa­bel de França: Factus est in pace locus ejus — Seu assento está collocado na paz — que é o canto do psalmista (Psalm. I.XXV. 2).

VIII—Eis porque pelos livros santos a morte foi expressa por um symbolo singular, chamaram-n’a somno , e adormeci­dos foram chamados os mortos. Para exprimir a paz dos justos defuntos podia haver figura mais gentil e mais própria do que o somno? D o nniun t in somno pacis !.., é a phrase liturgica da Egreja no Memento dos mortos -.—«dormem no somno da paz. Jesus Christo niesnio é chamado por S. Paulo prim iliae donnicntium — primicia dos adormecidos, isto é, dos mortos. (I. Cor.. XV, 20).

Dizia o S. Job:—«Se eu estivesse morto, pelo menos esta­ria em silencio, dormindo, e no meu somno teria repouso (Job, III, 13). Accrescentava depois: *Defossus, securus dormies— Quando estiveres sepultado dormirás tranquillamente». (Job, XI, 18).

Fala tu, fala tu mesmo, adorado Mestre, e nos dirás que a filha do príncipe da Synagoga não está morta, mas dorme: non est mortua puella, sed dorm it (Luc., VIII, 52). — « Dorme o

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amigo Lazaro, e tu vaes desperta Io do somno». li falavas do somno de sua morte (João, XI, 11)

Dorme, pois, ó alma bemaveutmada dorme e repousa.—E’ este, com effeito, o somno divino que tc deveria fazer repetir:— /;/ pace in idipsum dormiam ci ra/uicscam (Psalm., IV, 8).

Mas, á sombra de que doimiiás, ó alma santa, e quem ve­lará teu somno?

Como Abrahão, depois de ter lavado os pés, confortado com alimentos aos três anjos sob fôrma de peregrinos, disse-lhes: «Descansae á sombra desta arvore.» (Gen., XVIII. 4) e os anjos ahi descansaram—assim a Egreja diz aos seus filhos peregrinos que terminaram a viagem terrena■.-■•■Requiesciie sub arbitre— descansae á sombra desta arvore».

E esta arvore é a santa Cruz: O Critx, ave!

IX—Abaixa teus ramos, ó salgueiro divino, fecha teus bta- ços, ó arvore vital-, a ti a religião confia seus caros defuntos; na tua sombra é que elles dormem. E’s a mãe dos redimidos; vi­veram abraçados a ti, abraçados a ti morreram, e agora dormem ainda abraçados a ti D orm iunt in somno pacis.

Como é bella e santa a uma encimada e coroada pela cruz de Jesus Christo! Como é tetrica a urna pagã!

Os cemitérios semeados de cruzes são campos de batalha semeados de tropheus. As velhas cruzes são velhas bandeiras, sendo a cruz symbolo de alguma batalha espiritual: In hoc signo vinces! Instrumento de qualquer santificação, sendo esta a unica salvação: Ave, spes ún ica !

Estar sepultado á sombra da cruz quer dizer estar sepulta­do á sombra e entre as dobras do proprio estandarte.

E’ o soldado que está sepultado junto á sua arma, o ope­rário junto ao instrumento do seu trabalho, o penitente ao lado do instrumento da sua dór, o marlyre ao do seu supplicio, o christão perto ao brazão de sua grandeza e de sua gloria.

Sob as asas da Cruz dormi e repousae, ó almas santas cru­cificadas, como sob as asas e de encontro ao seio de uma mãe.

Envelhecei juntos, ó ossos e cruzes dos cémiterios. Sem­pre juntos! Uma mesma victima, a mesma carne e o mesmo san­gue vos santificaram e glorificaram. Sejam, pois, mesmas as vos­sas cinzas, mesmos os vossos destinos.

Quando na França dominava a perseguição dos hugnottes, que profanavam os tumulos dos reis e as urnas dos santos, entre outras relíquias cahiram em suas mãos sacrílegas os restos bem- dictos de S. Francisco de Paula.

Aquelles impios, presa uma corda ao santp corpo, o ar­rastaram fóra do convento. Scelerados! Logo o incendiaram,

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porém com os ossos do Santo incendiaram um grande crucifixo que se venerava naquella egreja de Frades Menores. E, assim, as duas sacrosantas relíquias queimaram-se juntas, e juntas fo­ram reduzidas a cinza.

Um mesmo insulto, um mesmo fogo. um mesmo holo­causto !

X— A S. Egreja, pois, estes três grandes bens augura aos seus dilectos filhos que adormeceram com o somno dos justos: Requiem, lucem, pacem —repouso eterno, luz perpetua, perfeita paz.

E não se creia que tal repouso seja ocio, tal luz esqueci­mento, tal somno lethargia. Não! Alem tumulo nenhum amor se espedaça, se desfaz ou diminue. Pelo contrario, todos os amores se completam, todos os desejos se saciam, todas as sêdes se satisfazem.

Tantas vezes a alma eucharistica desejara cantar com os anjos... e com os anjos já canta... louvar a Jesus junto com os eleitos... e com os eleitos O louva, no mesmo côro, com a mes­ma nota, e mesma cadência... Quantas vezes ansiou apresentar-se a Jesus ao lado de Maria, apresentar-se a Maria ao lado de Jesus... abraçá-los juntos, juntos apertá-los ao peito... E agora pode fazer isto eternamente.

Como Jesus, logo depois de resuscitado, não esqueceu seus queridos discípulos, mas lhes consagrou o primeiro pensamento, e lhes deu a primeira saudação, assim nenhum amigo, nenhum dilecto é esquecido pelas almas eleitas. Porém, acima de todos estes está Jesus, primeiro pensamento no tempo, primeiro pensa­mento na eternidade. Sim! Jesus Christo!

XI— Quando chegou o momento supremo para S. João de Deus, quiz morrer vestido, de joelhos por terra, abraçado ao Cru­cifixo. E, depois da morte, ficou ainda naquella posição por umas seis horas, não podendo separar-se do seu Bem Amado.

Durante 60 annos seguidos dormiu cada noite com o cru­cifixo na mão S. Maria Magdalena Portei, e com o crucifixo na mão sempre despertou. Com elle na mão morreu, com elle na mão foi sepultada, porque foi impossível arrancá-lo da mão da santa Madre cadaver.

Muitos dias depois de sua morte, o cadaver de S. Catha- rina de Bolonha foi visto erguer-se e adorar o S. S. Sacramento.

S. Paschoal Baylon, tão devoto da Eucharistia a ponto de ser constituído «padroeiro de todos os Congressos Eucharisti- cos*—ainda que fosse um pobre leigo, mesmo morto, diz o Bre- viario, «pareceu conservar o ardentíssimo affecto que nutrira para

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com o amado Sacramento: quem defurutus ctiam in eadavere retivere visus est».

Assim, sendo exposto na egreja, durante a Missa cantada, na elevação da Hóstia e do Cálice, duas vezes abriu os olhos e duas vezes os fechou, em presença do povo maravilhado.

Procurava contemplar pela ultima vez nquelle Deus Sacra­mentado que fôra a luz dos seus olhos.

XII—Mais admiravel foi o prodígio realizado pelo B. Ma- theos de Girgente, bispo. Transportado do convento onde mor­rera para o convento onde devia ser sepultado, chegado o corpo á egreja, entre uma multidão innumeravel de povo, o cadaver se ergue por si mesmo, junta as mãos, adora o S. S. Sacramento e por si mesmo se prostra no caixão.

O B. Egydio de Lorenzana, religioso franciscano, seis an- nos depois da morte, foi encontrado no tumulo não somente intacto e flexivel. não mais deitado como o tinham posto, porém de joelhos, com o terço na mão, e com a face voltada para o S. S. Sacramento.

Os santos não sabem separar-se deste Sacramento adoravel: mesmo cadaveres, pensam n’Elle, olham-n’0 , O recommendam ao nosso amor.

Depois de Jesus, as almas eleitas dos defuntos pensam nos seus queridos que amaram em Jesus e por Jesus.

—Um dia, em que S. Vicente de Paulo celebrava o santo sacrifício como o celebram os santos, foi-lhe dado ver um globo de fogo elevar-se da terra, um outro globo descer do Céo, ab­sorver o primeiro, e juntos perderem-se no Céo em outro glo­bo de fogo immenso.

Deus dá-lhe a visão, e Deus mesmo lhe explica o sen­tido. Era a alma da S. Madre Chantal, que morria naquelle ins­tante em lugar afastado; a alma de S. Francisco de Salles, do Céo, lhe vinha ao encontro, e ambas perdiam-se no oceano da divina Essência.

Não é preciso multiplicar exemplos; lêde a vida dos san­tos, vereis que, frequentemente, mal expiram as almas, apparecem aos seus queridos.

Dão-lhes a ultima saudação, os Últimos aviços, as ultimas promessas..

Lêde a vida dos santos, e comprehendereis a gentileza e a perfeição de suas almas, Comprehendereis com quanta razão S; Therezinha do Menino Jesus podia encerrar sua vida mortal com aquellas sublimes pa lav ras« N ão é a bemaventurança que me attrae ao Céo... é o amor/... Amar... ser amada... e voltar á terra para fazer amar o Amor... Depois da morte, farei çahir uma chu­

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va de rosas.. Sinto que minha missão está paia começar, a mis­são de fazer amar a Deus como eu O amo..

O’ Senhor! a todas as almas dilectas, pois, adormecidas para setnpre sobre vosso Coração, dae: Rcguiem, Luccin, Pa- cem sempiternam /...

XIII— Que nos resta dizer para finalizar este capitulo, que devia ser corôa dos outros e que já está longo demais?

Ainda uma palavra, uma palavra somente: a palavra que lima vez os anjos, outra vez as próprias almas do purgatório responderam ao B. Francisco Venimbene, franciscano, que cele­brava uma Missa de Requiem. Tinha-a elle celebrado devota- mente. Por isto, no fim, quando disse: Requiescant in pace— uma vez responderam Am en ! os anjos, outra vez Am en ! as santas almas do purgatório.

A m en ! Eis portanto nossa ultima palavra.Com a graça de Deus chegamos ao termo da parte princi­

pal do nosso trabalho, e do caminho eucharistico.Amen! Assim seja!Eis o que é a alma eucharistica. Parece-me tê-la descripto

bastante em si mesma, nos seus requisitos, nas suas disposições, nos vários gráos de perfeição e de vida eucharistica.

Temo-la admirado e seguido passo a passo nos seus amo­res e nas suas dôres; nas alegrias e nas penas; na oração e no trabalho; com Maria de Nazareth e com Magdalena; nas com- iminhões e no viatico, na vida e na morte. Assim seja! A m e n :

l emos dito que a vida de taes almas é uma fragrancia de Kticharistia, e sua moite é prelúdio do Céo. Sua vida digna de ser invejada, sua morte de não ser chorada.

Sim, de não ser chorada, porque a morte de uma alma eu- eharistica é uma benção, uma verdadeira festa.

Escutemo-lo da bocca da Noivinha de Jesus, que é a amiga mais querida das almas eucharisticas.

XIV— Falo de S. Ignez de Roma. Um dia, em que seus paes, como de costume, choravam sobre o tumulo da gloriosa vielima. appareceu-lhes a santa menina. Estava cercada de um cõro de virgens, e nos braços tinha um Cordeirinho, o Cordeiro divino que a havia sagrado sua esposa e sua martyre.

Com doçura de paraíso, a santa disse: <Nc me m ortuam Inifca/is—Não me choreis como mòrta, porque ao lado destas virgens vivo no Céo junto d’Aquelle que durante a vida amei de todo coração».

Sublimes palavras!

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I A ÍM‘P. ANTONINO Dt CASII

Então, tu mesma, ó Ignez puríssima, tu mesma, fala de novo, e eonclue meu livro. Do Céo desce até nós e, mostrando a todos o Cordeiro Immaculado, fala, ó Igne/.: ( ongaudctc iiurnnt ei congratulam ini - Alegrac-vos e vos congratuleis commigo, porque: cccc quod eom uphó jo m video, quod spcravi ja iu tcneo — já vejo o que desejei; o que esperei já possuo.

A Elle me reuni no Céo, a Ellc que tanto amei vivendo na terra... */psi sum ju n cta hi aelis quem iu ferris fiosita, lota dcj-títionis dilexi». (Officio de sua festa).

Assim, seja, como dizes, ó Ignezinlia. Tua sorte seja a nos­sa sorte; teu cântico seja o cântico de todas as almas eucliaris- cas. Amen ! Amen!

XV—Para dizer a verdade, bem podería terminar aqui o meu pobre livro. Não o faço, entretanto. Parece-me que ficaria incompleto e inútil, porque, como disse no prefacio, seu fim é procurar a Jesus Sacramentado novos corações ou novos ardo­res, ou uma e outra cousa ao mesmo tempo.

Entro, pois, na segunda parte do livrinho, isto é, nas regras que nos façam distinguir uma alma eucharistica.

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SEGUNDA PARTE

Como se conhece a Alma Eucharislica

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Regras para conhecer a Alma Eucharislica

CAPITULO I

Estas regras, segundo meu parecer, são negativas ou posi­tivas. Por negativa ou de exclusão entendo aquella regra que com toda evidencia nos faz conhecer não existir em uma alma nem vida nem perfeição eucharistica.'

Pelo contrario, por positiva entendo a regra que demonstra haver ou, pelo menosi poder haver vida eucharistica em uma al­ma. Esta regra serve também de critério para julgar seus diver­sos gráos de perfeição eucharistica.

A regra negativa, que indica as pessoas não eucharisticas, é mais facil e mais peremptória.

Reduzo-a a dois pontos—Peccado m ortal e tibicza ha­bitual. (*)

Prim eira regra negativa 'ou de exclusão:

Peccado mortal

I—No capitulo II da primeira parte falámos dos requisitos indispensáveis á vida e perfeição eucharistica.

Ora, os requisitos que constituem um ser tornam-se regras para conhecê-lo, e meios para chegar a realizá-lo.

Até aqui temos provado que as disposições necessárias á vida e perfeição eucharistica são principalmente duas: o estado de graça (e, portanto, a isenção habitual de peccado grave) e a pratica de fervorosas virtudes.

Relêde, queridos leitores, aquelle capitulo e comprehendereis as almas que não podem se tornar eucharisticas. São as que não se podem livrar do peccado mortal, que são destituídas da bel-

(*) Pela natureza própria da matéria, julgo fazer bem desenvolvendo a segunda e a terceira parte de modo mais didactico, sempre com muitos, e talvez mesmo com mais exemplos.

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leza da graça santificante, verdadeira veste nupcial, necessária não só ao banquete, porém, muito mais ainda, á vida eucharistica.

II— Pobre alma! Não repetirei mais o que já escrevi no cita­do capitulo. -Lembrarei só a estas almas infelizes que, durante o tempo em que o povo hebreu permaneceu no Egypto, não rece­beu o maná do Céo. Só teve o maná quando libertado da escra­vidão dos Pharaós.

Também, depois da libertação, emquanto tiveram a farinha egypciana, não foram dignos do maná milagroso. Somente (ex­plica S. João da Cruz) quando a farinha foi esgotada, receberam o pão celeste, que em si encerrava todas as delicias, omne de- Uxtamentum itt se habentem.

O mesmo se dará comnosco. Emquanto formos escravos dos Pharaós, isto é, do demonio, dos vicios, das paixões, só re­ceberemos barro e palha, como os antigos hebreus dos seus se­nhores.

Emquanto nossa alma estiver intoxicada pelo fatal trigo egypcio, que é o peccado grave - não poderá esperar o pão dos anjos nem a vida dos anjos.

III— Verdade é, disse o cantor da Eucharistia, S. Thomaz de Aquino—•ríedit et tristibus Sangu in is pocidum —deu aos máos a taça do seu sangue».

Porém, S. Thomaz disse também : •S u m u n t bani, sum unt mali. sorte tarnern inaequali: vitcie vel interitus — Comem os bons e comem os máos o corpo do Senhor, porém com pro­veito diverso, de vida ou de morte. Vida para os bons, morte para os máos. Vêde do mesmo alimento quão differente é o fructo» (Se­quência da missa de Corpus Christi).

Falava certamente da communhão sacrilegra, o Doutor an­gélico; todavia, nós podemos inferir que quanto mais se é do­minado pela morte da alma, que é o peccado mortal, tanto mais se é incapaz de vida eucharistica, vida de luz, de pureza, e de santidade.

Quanto mais se é semelhante a Judas (e todo peccador é trahidor) tanto mais se é indigno do Divino Mestre.

Poderá, pois, uma vida de peccado alliar-se a uma vida eu­charistica ?

IV— Pascitnr in ter lilia (Cant, II, 16). Apascenta-se entre lyrios. -Esta phrase diz tudo. O Dilecto sacramentado não se com­praz entre espinhos, porém entre flores.

Seu preferido é o lyrio, porque puríssimo, candidissimo, olentissimo. Pascitur in ter lilia !

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P. ANTONINO DE

Elle proprio se chamou lyrio, c lyiio do vallc: ti/imiiconvallium —(Cant, II. !■ e a iodas as almas santas, progenie de Deus, convida a assemelhar a flores com o o lyrio. (Ecc. XXXIX, 79).

Como poderá quem não sabe ser lyrio, ou pela inuocencia ou pela penitencia, pertencer ás almas bemdiclas que, como sem­pre estão junto ao Tabernaculo, por isto mesmo se apascentam entre lyrios? (Cant, IV, 5).

V— No antigo testamento era prescripto, já o notámos, que devia ser de ouro e de ouro, puríssimo, tudo o que, de longe ou de perto, servisse ao culto do Senhor. Não somente a arca de alliança, o propiciatorio, os dois cherubins, a mesa, o candelabro, as lampadas, os turibulos, porém as próprias varas destinadas ao transporte da arca deviam ser forradas de laminas de ouro.

E feitos de ouro puríssimo eram ainda as cornijas, os pra­tos, as garrafas, os depositos, as campainhas, as palas, os anéis. Universa ductilia de atiro puríssim o—tudo de ouro puríssi­mo, trabalhado a martello. (Ex., XXV, 36).

Que mais ? Parecería impossível, se não fosse registrado nos livros santos!

Até os purificadores eos vasos onde se purificava o que es­tava maculado deviam ser de ouro puríssimo. (Ex. 8 )

Ainda não é tudo. pois como é chamado o oleo a ser de­positado nas lampadas? oleum purissim um -oleo de oliveira o mais puro. (Ex., XXVII, 2 0 ).

Como é chamado o incenso?—liicidissimiim et snavis- sim i odoiis—lucidissimo e de suavíssimo odor.

E o tim iano? sanctum ct suavissim um —santo e sua­víssimo. E de que aromas devia ser composto o t im iano? de aromatibus purissim is—de aromas puríssimos.

VI— Ora, se tanta preciosidade, tanta pureza e tanto esme­ro exigia Deus dos objectos destinados ao seu culto, no que ti­nha de mais mesquinho, e o exigia no antigo testamento, sombra somente do novo, que pureza, que belleza e que santidade não exigirá Deus das almas eucharisticas, pela sua graça chamadas a se tornarem lampadas e oleo, incenso e thuribulos, altar e tim i­ano da divina Eucharistia ?

Se aos que simplesmente deviam conduzir os vasos sagra­dos, Deus impunha a purificação, m undam ini qui fc r tis vasa Domini, (Is., LII, 11) admittirá Elle entre as almas eucharisticas almas culpadas sem purificação? entre as almas eucharisticas, que não se devem conduzir, mas tornarem-se ellas próprias va­sos espirituaes da Carne e do Sangue do Salvador?

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Não, cerfamente! Não errei, portanto, estabelecendo como primeira regra negativa que—as almas habitualmente ou quase habitualmente contaminadas pelo peccado mortal — não são eu- cliaristicas, e que, perseverando ellas em estado tão lastimável, nunca o poderão ser.

Não! o Deus purita tis a m atar—o Deus amante da pu­reza, o Deus que quer de ouro puríssimo qualquer elemento consagrado ao seu culto, o Deus que se compraz entre lyrios. o Deus do Cenaculo, em summa, não poderá achar suas delicias onde faltar o perfume da graça, em corações de lama e de bar­ro, onde os espinhos crescem, onde os lyrios murcham, onde as serpentes se aninham!!...

VII— E .não falei dos sacrifícios antigos, que demonstram ainda mais claramente a severidade das intenções de Deus, e a delicadeza de suas exigências.

Antes de tudo, declara Deus que tem «em abominação os sacrifícios dos impios, e só O applacam os votos dos justos» (Prov„ XV, 8 ). Declara o Altíssimo que «não acceita os dons dos iniquos, nem presta attenção ás suas oblações». (Ecc.XXXIV, 23). Somente «o sacrifício do justo é acceito, e não o esquecerá o Senhor».—Somente a oblação do justo enriquece o altar, e tem suave odor no conspecto do Altíssimo (Ecc.XXXV, 8 , 9).

Depois de ter falado dos offertantes, Deus fala das offer- tas, e diz:—«Qualquer oíferta que se faça ao Senhor seja sem fermento, absquc ferm ento fie t - - Nada que tenha fermento, ucc qnidquam ferm enii, se queimará no sacrifício do Senhor. (Lev., II, 11).

Adeante ordena que quem offerecer victima ao Senhor of- fereça-a «immaculada, para que seja acceita». (Lev., 21).

Os cordeiros, pois, devem ser primogênitos; e quantas ve­zes o Deus da santidade e da pureza insiste e repete que «o cordeiro seja immaculado—im m aculatus erit... e que, se tives­se mancha, não lhe fosse offerecido, pois que não seria acceito !... (Lev., 20).

VIII— Para que, porém, citar, ainda, a S. Escriptura, quando sentenças já citadas manifestam evidentemente quaes offertantes e quaes victimas são recusadas ou acceitas por Deus, e quaes disposições devem ter victimas e offertantes para que possam perfumar o altar do Altíssimo?

As almas eucharisticas ellas próprias são mysticas ovelhas, companheiras e corôa do Cordeiro Divino, são hóstias pacificas e propiciatorias, são victimas de amor e de dôr.

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P. ANTONINO DE CAS I I I I AMM API

Se, pois, Deus abomina as oíínl.is dos pcccndmes, i> accei ta e abençoa as oblações dos justos, se nada de impuro ou de corrupto soffre nos seus sacrifícios; se sem mancha c immncu- lados quer os seus cordeiros, não podemos <• não devemos a p rim i excluir do numero das almas eurliari-aieas as almas cul­padas, ou que por demais escondem nmloas em uns consciên­cias, que por demais não são coideiros, e mulio menos cordei­ros immaculados?

O’ amabiiissimo Salvador, que não sejamos nós mesmos excluídos .das almas que formam vossas delicias 11a terra! Chiste o que custar, queimae em mim o que c indigno dos vossos olhos. E, se vossos ainda não somos, destrui nos 0 refazei-nos. ó Jesus Sacramentado; refazei nos com vossas próprias i.<üos, ao vosso modo, e segundo vosso agrade De vasos de ira tornae nos va­sos de misericórdia. De vasos de contumelia mudae-nos em va­sos de honra e de gloria, em va>os de ouro puríssimo pela vos­sa Carne e pelo vosso Sangue.

—«Sim, sim, ó piedoso Pelicano, Jesus Senhor,, purifica-me no teu sangue, do qual, unia só gotta, de todo delicto pode sal­var o mundo inteiro (Hymno de S. Thornaz: Adorotc...)

Porém, não é só o peccado mortal que exclue da vida eu- charistica. Ha um outro mal, mais frequente, menos cuidado, e talvez mais insidioso: a tibiesa habitual.

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194 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO II

Segunda regra negativa ou de exclusão:

A Tlbieza habitual

I—Vários dos argumentos citados no capitulo antecedente servem também para a tibieza, que por certo nào é peccado mor­tal, porém—segundo os ensinamentos dos santos—deite é muitas vezes consequência, pena e castigo, e sempre, pode ser para este peccado de preparação e disposição.

Com effeito, Deus não queria somente cordeiro sem man­cha e immaculados; queria-os sãos e sem nenhum defeito. Não sendo assim, rejeitava também estes do seu altar, excluia-os dos seus sacrifícios.

Escutemos da própria bocca d iv in a S e é cego, estropiado, com qualquer cxntriz, se tem escrofula, ou sarna, ou coceira, não o offerteis ao Senhor, e não o façaes arder no altar do Senhor. (Lev., XII, 22).

E no Deuteronomio. se repete: «Caso o primogênito tenha algum defeito, seja surdo, ou cego, disforme em qualquer parte, ou debil, não o immoles ao Senhor teu Deus (Deut., XV, 2 1 ).

Se não houvesse out:as razões a persuadir-nos de que nen­huma alma tibia pode ser eucharistica, bastariam para isto estas duas sentenças dos Livros Santos, que se completam uma a ou­tra, e claramente manifestam as intenções de Deus.

II —Não se deve dizer que em todas e em cada uma dessas doenças indicadas pelo Senhor esteja expresso e como figurado o estado de tibieza? Não é ella um defeito gravíssimo, um aleijão, um enfraquecimento, uma deformidade do espirito?

E a alma tibia não é espiritualmente cega, coxa, atacada de coceira e de sarna, uma alma moralmente paralysada para o bem?

Está viva, sem duvida, porque é de suppor que tenha a graça santificame, vida divina da alma. Porém, que vida vive a alma tibia! Os santos, de pleno accordo têm chamado e tibieza tísica do espirito. Ora, que vida tem um pobre infeliz, victima do inexorável mal? Uma vida que pode chamar-^e uma continua agonia, se não uma prolongada morte. A mesma ccusa, em or­dem superior, é a vida de uma alma tibia.

Não está morta, porque consegue evi'ar o peccado mortal, e assim conservar mais ou menos a graça santificante. Porém é tão dissipada, tão fria, tão relaxada que espiritualmenie mais parece morta que viva.

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P. AN TO N IN O r>n c, I M AIII

Como Deus do seu coração não rejeitará semelhantes al­mas, se do seu altar rejeitava semelhantes viotimas?

Se a vida eucharistica é uma das fôrmas mais perfeitas da santidade christã, como poderão viver desta vida os que são um cumulo de imperfeição e de taras esnirituaes?

São cordeiros, sjm, porém cegos, coxos, istropiados, de- beis, disformes.

III —Ha ainda outra razão que amedronta mais que esta: como poderá ser objecto de delicia ao coração de Deus o que, pelo contiario, lhe provoca vomito?

Pode haver mais terrível ameaça que esta de ser vomitado por Deus ?

Pois bem, a alma tibia não recebeu a ameaça de ser vomi­tada por Deus, e vomitada precisamente por causa de sua tibieza?

Alt! que sagrado terror fez penetrar na alma dos santos a sentença de Deus.no Apocalypse: — «Observei as tuas obras e, como não és quente nem frio, (antes fosses tu quente ou frio!) porém és morno, isto é, nem quente nem frio, começarei por te vomitar da minha bocca: Incipiam te evmnerc ex ore meo. (Apoc., III, 15, 16).

Como, portanto, uma alma assim ameaçada—talvez já vo­mitada — poderá ser incluída entre as almas eucharisticas, nas quaes Deus acha íuas complacencias?

Confundiremos os espinhos com as flores, a palha com o trigo, o vinagre com o vinho, o absinthio com o mel?

IV—A alma eucharistica é o verdadeiro *hortns conclu- sus»— o verdadeiro horto fechado do Senhor, sendo sua esposa e sua irmã. (Cant., IV, 1 2 ). Que horto delicioso é a alma eucha­ristica! Ella própria convida o Espirito Santo, zephyro divino, a arejar seu jardim, para que se espalhem os perfumes: veni, auster, tperfla hortum meum, u t f lu a n t aromata illius»— (Cant., IV, 16).

E1la própria, em extase de puríssimo amor, convida o ce­leste Esposo, Jesus, a descer ao seu pomar, para saborear os fruetos de suas arvores (Cant. V, 1) a rescenderem perfumes, para se apascentar no horto e colher lyrios. (Cant., VI, 1).

E’ deveras um mystico epitalamio, cheio de sinceridade, de pureza e de amor!...

Pondo-o na bocca de uma alma tibia e relaxada, logo se tornará uma mentira, uma ironia, para não dizer um insulto mes­mo a Jesus Christo.

E isto porque em uma alma tibia não ha flores, porém es­pinhos; não ha fruetos, porém garranchos... é pelo menos arvore

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196 A ALMA F.UCHARISTICA

estéril, possuindo somente folhas, como as que fazem sombra nas ruas publicas, como a figueira ingrata. 11a cmal Jesus Christo só achou folhas, nada mais que folhas: «liou inreiiil in eu liisi fo tiu tunfinn*—(Math., XXI; 19).

V— E emquanto o divino Esposo, accedendo aos convites da alma eucharistica. entrando no seu coração canta seu epita- lamio e diz:— Desci ao meu jardim, irmã e esposa minha; guar­dei a niyrrha com os meus aromas; comi o favo com o mel; bebi o vinho com o meu leite. Comei, amigos, e bebei, inebriae- vos, ó caríssimos» — óls, V. 56 J que dirá Elle. entrando como que á força em uma alma tibia? especialmente se é tibia ha muito tempo, muito profundamente, e muito obstinadamente, óue dirá tlle?

Parece-me ouvir nos lábios divinos as a-reaças feitas ao infiel povo judeu, symbolizado na vinha infrutífera:— «Mostrar- vos-ei o que sei fazer á minha vinha; cortar-lh'e-ei os galhos e cila será devastad:, conculcada, e deserta; não mais será poda­da, nem regada; c escerão em seu redor cardos e espinhos. Mau darei ás nuvens que não mais chovam orvalho sobre ella» — (ls„ V, 56).

E, voltando á figueira esteril do Evangelho, quem não se recorda com salutar espanto da sentença do divino Patrão á sym- hnlica arvore que não dava íructq: Quid terrum oçcupat? suicide ergo illa in! — «Occupa itiultimente o terreno? Cor- tae-a!» (Luc., XIII, 7). E a maldição lançada contra a figueira na qual, como é sabido, só encontrara folhas? — «Nunca mais em ti nasça frueto algum!» E logo a figueira seccou. (Matli. XXI. 19).

VI— Não pareça exageração! Os santos fazem tremer quan­do tratam dos damnos da tibieza. S.-Affonso tem palavras de fo­go quando fala da tibieza das almas que, pelo seu estado, são obrigadas a uma vida de perfeição, como os sacerdotes, os reli­giosos e religiosas.

E’ elle, S. Affonso, que lembra a famosa visão dos sete pe­nhascos succedida ao B. Henrique Susone. O Bemaventurado, vendo muita gente no primeiro penhasco, perguntou quem fosse. Jesus respondeu-,—«São os tibios que evitam o peccado mortal; contentam-se só çom isto».

E, voltando 0 santo a perguntar se elle? se salvarão, foi lhe dito:—«Se morrerem sem culpa grave salvarse-ão. Porém-, estão em maior perigo do que pensam, porque se lisonjeiam de servir a Deus e aos sentidos. 0 que mal é possivel; e assim pêrseve- rar na graça de Deus é muito difficil.

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O mesmo S. Affonso narra que um dia o Senhor disse a B. Angela de Foligno: — Aquelles qm* por mim chamados a ca­minhar no caminho da perfeição, querem seguir a via ordinaria, serão abandonados. (Selva predicahile Do damno da tibieza nos sacerdotes).

E S. Agostinho sentencia: Dens negligentes desercre consnevit—bzus costuma abandonar as almas negligentes!

S. Thereza de Jesus (notae bem que digo .S'. Yhereza de fesns) viu no inferno o lugar que Deus lhe preparara não por­que o tivesse merecido, mas porque o havia de merecer se não sahisse de certo estado de tibie/a a que descera,

Ah! não nos lisonjêemos de poder possuir a gloria das almas eucharisticas sem ter dellas o mérito e o fervor.

VII—Nada vale ser sacerdote ou religioso; antes isto é uma razão para afastarmos para bem longe tibieza.

Se delia fossemos culpados, por ventura, mesmo sendo sa­cerdotes e religiosos, da vida eucharistica nos tornaríamos in­dignos.

Pela nossa indignidade, nós somos as aguias da Fgreja; porém que vale á aguia ser aguia. se tem as asas cortadas, se está ferida, presa ao rochedo, ou fechada em gaiola? Fossem de sêda ou de ouro os fios que a prendem; fosse cravada de pé­rolas ou de filigrana a gaiola que a encerra... Qnid prosunt aquilac, cdae capto pede ?

Nós somos flores do Libano, flores escolhidas; porém não se queixa Deus pela bocca do propheta Nalntm de que também as flores do Libano se íenham enlanguecido? Fios L ibani elan- ,guit P 'Nahurn, 1, 4) E pela bocca de Isaias não ameaça Elle as flores que cahem? Vae et flori dccidcntiP

Somos o ouro da Egreja, porém, quantas vezes cantamos nos trenós de J e r e m ia s «Como se offuscou o ouro e muda­ram suas bellas cores?» (Lament.. IV, 1).

Perguntae ao pobre S. Pedro quanto lhe custou uma hora unica de tibieza no horto das oliveiras.

Simon, dormis ? censurara-o o Mestre. E, quando este foi preso e acorrentado, Pedro não teve coração para abandoná lo, e nem coragem para acompanhá-lo de perto. Escolheu o partido dos tíbios, pôs-se a segui-lo de longe: Sequebutur emn a longe*.

E este afastamento foi sua ruina. Provou demais a verdade da senlença divina: Ecce qni elongant se a te p er ib u n t—Eis que aquelles que se afastam de ti hão de perecer. (Psalm. LXXII. 26).

E S. Pedro pereceu miseravelmente. Do afastamento passou á negação, da tibieza ao peccado mortal.

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198 EUCHARISTICA

Commenta S. Ambrosio: Bear a longe sequebatnr pró­x im a s negator.

Seguia de longe a quem estava perto de negar; não O te- ria negado, se tivesse ficado junto do seu Mestre: «Neqrte aiiin negare potuisset, si Lhristo próxim as adhacsisset» (I, 10 em Lucas).

Que lição para nós!

VIII —E aqui termino. Parece-me ter mostrado de modo suf- ficente que não só as almas em peccado mortal, mas também as almas tíbias não podem ser almas eucharisticas.

São excluídas por aquelle Deus que do seu altar excluia os cordeiros cegos, coxos, estropiados, fracos, disformes. São re­jeitadas por aquelle Coração a quem a tibieza provoca vomito; condemnacfas por aquelle Senhor que condemnava ao fogo a fi­gueira esteril, á maldição a que somente possuia folhas, ao ex­termínio a vinha ingrata e infiel.

Não, não podem ser queridas a Jesus as almas que são ob- jecto de suas nauseas, de sua cólera, de sua maldição.

Porém, nós, Senhor, ficaremos reduzidos por acaso ao es­tado deplorável a que nos reduziu nossa tibieza?

Talvez, ó Jesus, seja hoje menor vosso poder, vossa mise­ricórdia?

Não sois o mesmo thaumaturgo, cuja virtude prodigiosa curava os que vos tocavam?

De vós, ó dulcissimo Jesus, não foi dito que curáveis to­das as nossas enfermidades? Qui sanai omnes infirm itates tuas ? (Psalm. OU, 3) e especialmente que saraveis os contritos de coração ? Qui sanai contritos corde (Psalm. CXLVI, 3).

Pois então:—«Curae-me, Senhor, e serei curado; salvae-me, e serei salvo, porque sois minha gloria». (Jer. XVIII, 14).

O* Espirito Santo, Espirito de Jesus, na minha alma, e em todas as almas tíbias que queiram tornar-se eucharisticas«Lava o que está sordido, rega o que está arido, sara o que anda en­fermo. Abranda o que está rigido-, aquece o que está frio, endi­reita o que está torto».

Assim reza a Egreja; assim rezam as almas necessitadas do Espirito Santo.

IX —A priori, pois podemos estabelecer que as almas pec- cadoras e as almas tibias, emquanto permaneçam neste estado, não são almas eucharisticas.

E' indispensável que as almas eucharisticas sejam almas justas e fervorosas, livres habitualmente de culpas graves, e mes­

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P. ANTONINO DE CASTIII IMAPT IW

mo de peccados veniaes deliberados, adornadas coustnntemcnte de virtudes christãs, em summa, verdadeiros tabernaculos espiri- luaes, como já provamos em lugar proprio. primeira parte.

E, agora, pergunto: Todas as almas justas e fervorosas’ se­rão por isto mesmo almas eucharisticas?

Não, por certo. Então, como faremos para, entre as justas e fervorosas, conhecermos as almas vcrdadcinmiviiic mc/ui- risticus ?

Havemos de conhecê-lo com regras positivas, nos capítulos seguintes.

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200 a lma e u c h a ri s ti c a

CAPITULO III

Pi inteira regra positiva :

Fé Eucharistica

I—Ctiusà alguma honra tanto a Jesus Sacramentado quan­to á nossa fé.

Que cousa é a fé?A fé é a adhesão de nossa mente, movida unicamente pela

autoridade infallivel, de Deus, ás verdades reveladas por Elle e propostas pela Egreja.

A’ alma crente, basta saber que Deus de facto falou, que disse; certa deste ponto, não procura e não quer outro argu­mento.

Eis porque Jesus Christo louvava a Deus Padre por ter es­condido aos prudentes e sábios do mundo os thesouros de sua sciencia, e por tê-la revelado ás creanças. E i revclasti ea par- l'u lis—isto é, ás almas candidas, aos corações simples e hu­mildes.

A toda alma crente, que tenha fé simples, humilde, candi- da, como a alma das creanças, pode-se fazer o elogio que Isabel fez a Maria Santíssima.— « Beata quae credidisti* — E's bem- aventurada porque creste —(Luc., I. 45).

A Virgem, effectivamente, antes de conceber o Verbo de Deus como Mãe, O concebera como crente; antes de acolhê-iO em suas castíssimas entranhas como Homem Deus, O acolhera em sua mente como Palavra de Deus.

Não acreditou porque foi Mãe de Deus; porém foi Mãe de Deus porque acreditou.

Se não tivesse sido crente, não ter ia sido Mãe de Deus.Eis porque Isabel, recebendo-a em casa, no extase de seu

reconhecimento, felicitando Maria, exclama em voz alta:— •Beata quae credidisti - E’s bemaventuiada porqu- acreditaste, porque o que te foi dito pelo Senhor será cumprido».

Isabel, movida pelo Espirito Santo, não enlôa um hyrnno á pureza de Maria, á sua belleza, ou a outra qualquer virtude, po­rém á sua fé unicamente! Beata quae credidisti... Se tu, ó Maria, nãc tivesses sido crente, em ti não se teriam cumprido os designios do Altíssimo.

Tudo isto, mais tarde, o proprio Jesus Christo o affirmará, quando ouvindo aquelle elogio: «Bemavenluradas as entranhas que te trouxeram, e os seios que te alimentaram» respondeu com uma antithese sublime: Antes beinaventurados os que ouvem a palavra de Deus e a observam. (Luc., XI, 27, 28).

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P. ANTONINO DE CASTI

Jesus com tal resposta não negará a bemavcnturança de Maria, como Mãe, porém exaltará sua hrmaventurança como crente.

Desta forma, assim como Maria é lu-maventiuada porque crente, também bemaventurada é a alma que pela fé escuta e ob- sirva a palavra de Deus.

II— Porém, nem toda fé é fé verdadeira, e, de modo espe­cial fé viva. A fé só é verdadeira e viva, quando crê exclusiva­mente, porque D om inus dixif, porque Deus disse e revelou. Uma fé que procura provas e razões já não é immaculada, antes não é verdadeira fé, como ensinam os theologos.

Ora, é precisamente esta fé immaculada que, honrando al- tainente a Divindade, honra altamente Jesus Sacramentado.

Sim, crer em Deus somente sob palavra sua, porque EHe o disse, é a honra mais nobre e delic<ida que se lhe possa dar.

Fala um amigo, um mestre, unt pac.Que honra maior se lhe pode dar que acreditar cegamente

em sua palavra?Acreditar cegamente 11a palavra de um homem é suppôr

nelle uma certa infallibilidade de juizo e uma certa impeccabili- dade de consciência Pode-se, pois, honrá-lo melhor do que se honra, acreditando em sua palavra?

Tudo isto succede com Jesus Christo no santíssimo sacra­mento do altar.

III— Creio que Jesus Christo está ahi, na hóstia santa, ver­dadeiramente, realmente, substancialmente. Quem m’o disse? Sua palavra. Quem m’o prova? Sua palavra. Quem m’o garante? Sua palavra.

Porém minha razão nada comprehende de tal mysterio... Quem poderá persuadir e convencer minha r^zão? A palavra de Jesus

Porém, os meus sentidos piotestam... Protestam nieus olhos que só vêm uma hóstia. Protestam minha lingua e meu paladar que só sentem gosto de hóstia. Protestam meus joelhos que não se querem curvar em face de uma hóstia. Oh! Deus! quem acal­mará as inquietas exigências dos meus sentidos? A palavra de Jesus.

Porém, que esteja all na hóstia, mesmo quando seja um Ju­das 0 sacerdote que consagra, ou um sacrílego 0 fiel que com- munga, quem m’o assegura? A palavra de Jesus!

Mesmo quando pérfidos e impios profanam os santos ta- bernaculos e dão a hóstia aos cães... quem, neste caso, me afi­ança que lá esteja Jesus ?... A palavra de Jesus.

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Em summa, por força devo crer que onde estão as hóstias devidamente consagradas está Jesus Christo sempre, por toda parte, para todos. Devo crê-lo necessariamente. Assim o disse Jesus.

Mas, se os Apostolos, se a Egreja se tivessem enganado? Ter-nos-ia engaiiado a palavra de Jesus.

E se não fosse verdade o que disse e o que fez Jesus na ultima ceia?

O h ! então Jesus seria o màior dos criminosos... O maior dos impostores seria N. S. Jesus Christo.

Mas, não, ó Divino Mestre, vós não sois criminoso nem impostor. Não mentistes quando,.benzendo o pão, dissestes:— Comei, isto é meu corpo. E, abençoando o vinho, dissestes:— Hebei, isto é meu sangue. E quando, instituindo o sacerdócio ca- tholico, impuzeste aos apostolos a ordem e o poder:—Fazei isto em memória em mim.

Não! não nos enganastes com a augusta cerimônia da ul­tima ceia, não foi impostura a instituição da Eucharistia... Não é impostura a Missa, não é impostura a Communhão...

Deixae, antes, Senhor, que eu, canindo aos vossos pés, excla­me com Thomaz de Aquino: Credo quidquid d ixit I)ei F i­lias; nil hoc verbo veritatis verias—Creio tudo o que disse o Filho de Deus; nada é mais verdadeiro que esta palavra de verdade (Seq. Adorote.)

Para trás, provas humanas! argumentos humanos, para trás! Jesus disse. «Comei, isto é meu corpo; bebei, isto é meu san­gue. Fazei isto em memória de mim!»

Elle o disse? Basta sua palavra. N il hoc verbo veritatis verias.

E basta só a fé para convencer um coração sincero. A d Jiraiandatn cor sincerum, sola f ides sufficit.

Oh! por isto quanto nossa fé honra a Jesus Sacramentado!

IV—Além das duas bemaventuranças que merece a alma eu- charistica, isto é, a que Isabel disse a Maria: Beata quae cre- didisti—e a que Jesus Christo disse a Marcella: «Bemavcntura- dns os que ouvem e guardam a palavra de Deus» — a alma eu- diaristica merece uma terceira bemaventurança, a do proprio Sal­vador a S. Thomé. apostolo, quando lhe disse: Tu creste, Tho- mé. porque viste, porém bcati qui non v id en m t et ctedide- raa t—bemaventurados os que não viram e creram (João, XX, 29).

Ora, esta bemaventurança é justamente a bemaventurança dn fé eucharistica. Sim, isto é o mérito e a gloria da nossa fé na presença verdadeira, real, substancial de Jesus Christo na F.u- charistia

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P. ANTONINO r>i: c

V—Acreditaram os pastores de lU-lcm; porém o cpic* viram, pastores?... Respondem elles: Bellissimo Menino vimos; melodias tio Céo ouvimos.

No presepio eucharistico nem como menino O vemos; me­lodia alguma ouvimos, senão esta palavra repelida: «Isto é o meu corpo».

Acreditaram os apostolos, mas quantos milagres não viram operados pelo Thaumaturgo Nazareno? Cegos iiluminados. co­xos curados, leprosos sarados, mortos resuscitados. • Credi- derunt in m m , videntis signa quae faca ba! — Acreditaram nT.lle vendo os milagres que fazia». (João, II, 23). Mas que mi­lagres vemos operados pelo Thaumaturgo Eucharistico? Que mi­lagres para demonstrar sua presença real? para confirmá-la? Um só milagre augmenta nossa fé em Jesus Sacramentado, o milagre de sua palavra: Credo quidquid d ixit Dei Filius, nil hoc verbo veritatis verius.

Acreditou o ladrão... porém 11a cruz estava escondida so­mente a divindade *in crucc latebal sola Deitas*. Entretanto via-se a augusta Victima pendente da Cruz: A t hic latct s im ul et hum anitas. Aqui, na Eucharistia, tudo está escondido, huma­nidade e divindade; escondida a sua face, a sua fronte, os seus olhos; tudo, tudo está escondido. E também nós, confessando-0 verdadeiro Homem e verdadeiro Deus, instantemente lhe pedi­mos o paraiso que lhe pedira o latirão.

Tu acreditaste, ó Magdalena, porém *dic nobis Maria, quid tndisti in via Vistes o sepulcro vazio de Jesus vivo, e a gloria do Resuscitado. Viste os anjos como testemunhas... o lençol, as vestes... Quanta cousa viste, ó Magdalena!

Nós, pelo contrario, não vemos cousa alguma. O sudario eucharistico nunca se desdobra; não O torna visivel aos nossos olhos. Entretanto, nós também velamos dia e noite junto ao taber- naculo; nós O amamos nós, O chamamos também:—Rabboni! Rabboni !

Finalmente, também tu acreditaste, ó Tlionié, porém depois de tanto scepticismo, de tanta censura!..

O’ Jesus dulcissitno, plagas sicut Thom as non intueor —não descubro as chagas em ti sacramentado, como Thonté as contemplou em teu corpo deificado. Deum tamen mettm te confiteor— Dom inus mens et Deus m eus!

Elle acreditou em ti, porque viu, nós acreditamos, e nada vemos,, nada tocamos, nada sentimos. Ouvimos só as palavras da consagração, que é a palavra dos Apostolos. tua palavra eter­na e omnipotente: credo quidquid d ixit Dei F ilius; n il hoc verbo veritatis verius.

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A ALMA EUCHARISTICA204

VI— Até aqui, tudo está bem. Verdadeira fé é a que ciê cm Deus, somente sob sua palavra E verdadeira fé eucliaristica é a que crê em Jesus Sacramentado somente porque Elle o disse

Quanto mais simples, é a fé mais aohesiva; quanto mais ce- mais verdadeira.

Porém, tudo isto é propiio de qualquer alma cluistã? Co­mo então indiquci éu a fé eucliaristica como regra para conhecer as almas eucharisticas? Como será isto?

Responde S. Thingo ap o s to lo « Q u e adianta, irmãos meus, que um diga possuir a fé. se não pratica bôas obras? A fé sem as obras em si mesma é morta». (Thiag., II. 14, 17).

O apostolo falava com certeza da fé theologica, necessária á justificação, e dizia que, sem as obras, ella não basta, e é morta.

Ora, applico isto á fé eucharistica e digo: Não basta crêr em Jesus Sacramentado; é necessário que esta fé seja acompa­nhada e demonstrada por obras; sem estas obras, a fé eucharis- lica não é fé viva, é fé morta.

Também os demonios—credunt et contremiscunt (Thiag., V, 17) crêm e heoem, e não são almas eucharisticas. Serão al­mas eucharisticas tanto® pobres christãos que crêm em Jesus Sa- erameniado, e que, entretanto, não fazem nem a communhão pas- clioal ?

Como, segundo o ensinamento do apostolo S. João, é men- liioso o christão que diz conhecer a Deus, mas que não obser­va seus mandamentos, assim é falsa alma eucharistica a que diz acreditar em Jesus Sacramentado, mas que em sua conducta o contradiz

A respeito de Je>us Sacramentado, de quantas almas pode­mos repetir a affirmação • de S. Paulo a Tito: «Proclamamos co­nhecer a Deus, mas com os factos o negamos».

VII- Então, para que da fé eucharistica façamos uma regra para distinguir as almas eucharisticas, basta pôr em pratica a con­sequência que S. Oregorio tira das citadas palavras —«Sendo as- miii, reflecte o santo doutor, devemos reconhecer a verdade da nossa fé na consideração da nossa vida. Porque só somos fieis quando cumprimos com actos o que promettemos com palavras. (Kvang. Homil., 29).

A alma, portanto, que quer seriamente se conhecer, exami­ne-se á luz do Senhor; recolha-se em si própria, e faça um seve- io exame de consciência eucharistico.

O proprio S. Paulo nos convida a dar provas de nós mes­mos, se estamos na fé, a nos experimentarmos e examinarmos: I Osmelipsos tentatc, si estis in /id e : ipse vos probate. (II, ( :<ir., XII, 5).

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P. ANTONINO DF. CASTI I 205

A fé viva se revela principalmcnle por ,mn respeito grande ao Senhor, a tudo o que lhe diz respeito mediatamente ou jm- mediatamente.

E nós, como entramos na Egreja? Como nos conservamos em presença do augustissimo Sacramento do altar? Como assis­timos aos divinos mysterios, sobretudo á santa Missa e aos ou­tros actos?

Em resumo, de que gráo de respeito é penetrado nosso espirito todas as vezes que nos achamos na casa do Senhor, cm companhia cios anjos?

Qual é nossa preparação e nossa acção de graças na com- munhão? Quanto tempo nellas empregamos? Que esforços, faze­mos para acolher Jesus o menos indignamente possivel, e para tirar abundantes fructos da sagrada Comnnmhão?

E a quantas missas assistimos, além das missas obrigató­rias ? No correr do dia fazemos uma visita a Jesus Sacramenta­do? E como fazemos esta visita ao nosso bom Deus, cpte por amor dos homens fica dia e noiie no amado cibprio, esperando, chamando, acolheiido todos os que O vão visitar?

Durante o dia sentimos o desejo ardente de nos unir a Elle, de recebê-IO em nosso coração, de fazer muitas commu- nhões èspirituaes?

E já que a virtude, é por Deüs submettida á prova, porque é a pròva que determina e faz conhecer o valor real de todo ser e de toda virtude, nas provas da vida, nas desventuras, nas af- flicções, somos arrastados a recorrer a Jesus Sacramentado? Comò lhe falámos então? como o imploramos? como espera­mos n’EI1e?

E, quando essas provas vêm do mundo, dò mundo incré­dulo, zombador e phárisaico, somos tão cobardes a perinittirmos que sentimentos de liypocrisia, de respeito humano profanem nossos deveres eucharisticòs? Envergonhamo-nos de apparecer como cultores dá divina Eucharistia, exigentes e respeitadores de tudo o que a ella se refere?

VIII—É não falo dos sacerdotes. Pela sua dignidade e seu officio não deviam ser os sacerdotes as mais perfeitas almas eu- charisticns?

Não são elles os pastores da Eucharistia, os verdadeiros paés de Christo como os chamou S Bernardes?

Não 'compete aos sacerdotes, mais que aos simples fieis, primarem como enamorados do S. Sacramento, serem seus anjos e seus apostolos?

-Não são os sacerdotes que formam as almas eucharisticas? E. se um sacerdote não fpr alma encharistica. quem o será então?

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Se são as obras eucharisticas que provam a fé eucharistica, e esta por sua vez revela a alma eucharistica, 6 venerandos ir­mãos sacerdotes, tomemos como dirigidas a nós de modo espe­cial as palavras do apostolo: Vosmetipsos tentate, si estis in Jide: ipse vos probate.

Especialmente, na preparação, na celebração e na acção de graças da santa Missa! Nem ouso dizer mais nada aos meus ve­neráveis irmãos no sacerdócio. Lembro-lhes somente, quanto aos ritos e cerimônias, que S. Thereza sentia-se disposta a dar a vida antes que ver transgredida uma simples cerimônia da Egreja es­pecialmente na santa Missa.

Oh ! como os santos sabiam aprender a praticar e revolver na mente de tempos em tempos os ritos e cerimônias da Egre­ja; notar e observar as nossas prescripções! Que nós também possamos ser santos sacerdotes! E, se não sabemos imitámos, ao menos confundamo-nos e tremamos á sua lembrança.

IX—Amados leitores, talvez neste exame eucharistico, fiz perguntas em demasia. Quantas outras, entretanto, me restam ainda a fazer!

Cada resposta que dareis a taes perguntas lançará um raio de luz cm vossa vida eucharistica. Tanto mais que segundo a sentença do Apostolo-«o justo vive de fé», (hebr., X, 38).

— Minha fé é minha vida—diz sapienteinente cada christão. --Minha fé é minha vida — accrescenta a alma enamorada pela Kucharistia, na certeza absoluta de que a vida eucharistica demons­tra a fé eucharistica. e que esta fé faz conhecer com precisão o estado eucharistico de cada alma.

Assim, se o exame de consciência indicado vos deixar o coração humildemente satisfeito e contente, dae graças ao Doa­dor de todos os bens, referindo a Elle, e a Elle só, vossa sorte e vossa felicidade, não cessando de repetir-lhe o cântico reco­nhecido da celeste Mãe: M agnijicat anim a mea D om inum / f''n ii m ihi ma&na qui potens e s t!... Se, entretanto, depois do exame, vosso espirito ficar salutarmente humilhado e desconten­te, então não vos canseis de repetir a Jesus a oração ardente dos apostolos:— «Senhor, augmentae a nossa fé: *Et dizerunt Apnstoli Dom ino: adange nobis jid e m ». (Luc., XVII, 5)

E. como o pae do menino possesso. gritae também vós, e também chorando dizei: A djuva incredulitatem meam. (Marc., IX, 24). Creio, Senhor, porém ajudae minha incredulidade.

X De facto, que fica sendo nossa fé comparada á fé dos santos?

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P. ANTONINO DE C ASTEI I. AMM Alíf 107

Pelos exemplos expostos tio decurso desta obra, c pelos que ainda referirmos, pode-se concluir que cada um dos santos por sua fé ardentemente eucharistica mereceu o elogio feito á Ca- nanéa pelo divino Salvador:—O’ mulher, grande é tua fé -A fn - lier, magna esí jides tua (Matli., XV, 28).

Sim. na verdade, grande é vossa fé, ó santas almas eucha- risticas. Magna rst fides vostra !

Um dia, celebrando-se a santa Missa na oapella do palacio real de S. Luiz IX, rei de França, aconteceu que, ao levantar o sacerdote a sagrada hóstia, esta se transfigurou, e appareceu o Menino Jesus nas mãos sacerdotaes.

O prodígio continuava, mas o santo rei naquella manhã permanecera em seus aposentos. Um pagem vae chama-IO, para que venha também gozar daquelle espectáculo divino.

«Vós me offendeis, gritou de súbito Luiz IX. Que é isto? Não acreditei sempre que meu Senhor... Jesus Christo está na hóstia santíssima? Chamae os que não crêem. Minha fé não tem necessidade de prova».

F. não foi. Do seu quarto distante adorou o seu Deus Sa­cramentado.

O mesmo facto succedeu a Simão de Monfort, e idêntica resposta foi dada por aquelle tão piedoso quão valente capitão.

E não chamarei um milagre de fé a preparação que tiveram oara a primeira missa S. Francisco Xavier e o glorioso patriarcha S Ignacio de Loyola?

Juntos se ordenaram sacerdotes em Veneza a 24 de Junho de 1537. S. Francisco celebrou a primeira missa depois, cerca de dois meses, passados em fervorosíssimas orações, altíssimas con­templações e rigorosíssimas penitencias. Celebrcu-a com um di­lúvio de lagrimas, e assim continuou depois.

S. Ignacio somente (parece incrível! isto é que é ser santo!) somente celebrou pela primeira vez no dia de Natal de 1538, em Roma, no altar do Presep'0 , em S. Maria Maior, isto é, depois de um anno e meio de preparação, e que preparação!

Deixae que o repita ainda uma vez, que é nossa fé compa­rada á fé dos santos?

XI—E se—conforme affirmação do Salvador—omnia pos- sibilia sunt credenti—Xwúo é possivel aos que crêem --(Marc., IX, 2 2 ) não admira que os santos pela fé eucharistica operassem prodigios e attingissem força portentosa.

S. Germana de Pibrac, a piedosa pastorinha do meio dia da França, quando ouvia bater o sino da egreja corria anhelante para receber o seu Deus Sacramentado.

A principio não ousava fazê-lo todos os dias, temendo dei­

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xar sós as ovelhas. Depois, inspirada por Deus, antes de ir á Egreja reunia o rebanho, punha-lhes no méio seu bastão, recom- inendava aos anjos as ovelhinhas e partia tranquilla.

E seu bastão era sufficiente para afugentar os lobos!.. De­mais, para chegar á egreja tinha que atravessar uma corrente. Um dia, por • causa da chuva, achou a transbordante como um rio impetuoso.

Germana conhece ser impossível passá-la; entretanto, não desanima. Ergue os olhos ao Céo, ouve a voz de Jesus que a chamma, e adeahta-se intrépida sobre as aguas do rio. Passa-o a pé enxuto, e a pé enxuto torna a passá-lo na volta da Cominu- nhão.

S. Clara de Assis—como já dissemos nà primeira parte— apresentando o Divinissimo no Ostensorio, espalha a desordem e o terror, por entre as hostes ferozes dos Serracenos, que to­mam precipitada fuga.

—S. Antonio de Padua, para desmascarar a perfídia.dos he- reges, milagrosamente faz ajoelhar um esfaimado jumento em fa­ce do S. S. Sacramento

Que fé eucharistica, meu Deus!

XII— Omnia possibilia sutil credenti!. S. Lourenço de Hrindisi, nos últimos annos de sua vida, por causa de dôres agudissimas de gotla, não se podia mover nem caminhar; via- se constrangido a permanecer immovel no leito.

Mas elle não podia deixar .a santa Missa; tinha fé em Je­sus, e se fez carregar nos braços até o altar. Apenas começa a revestir-se dos paramentos sagrados, cessam as dores e muito bem celebra a santa Missa Terminada esta, voltam no mesmo ins­tante os seus tormentos, e nos braços, outra vez, é conduzido ao leito.

O mesmo facio miraculoso succedia.a S. Pedro Claver, a a quem só cessavam os soffrimentos e tremores convulsos em lodo o corpo durante a celebração do.santo sacrifício.

Também o B. Ângelo de Acri e o servo de Deus P. Hilá­rio de Bivona, capuchinhos, tornados de todo cegos no fim da vida, recuperavam a vista no momento em que começavam a Missa, viam somente o que era necessário para celebrá-la, fican­do depois cegos, terminado o sacrificio.

XIII— Omnia possibilia sunt credenti ! S. José Calasanzio chega uma noite a Norcia para visitar seus religiosos.

Porém a hora é tardia, estão fechadas as porias da cidade, e mais ainda as de sua casa. O que elle mais deseja é visitar

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P. ANTONINO n i IAS

Jesus Sacramcnlaclo, e não sabendo e uno querendo esperai, eom as portas fechadas entra na cidade e na cereja do sen convento.

Uma outra vez, em Roma, pela mnnliá. está revestido para a missa, quando acorre o irmão sachristào di/er que as velas estão reduzidas a dois pequenos pedamos, insufíicicntes para o tempo da Missa. O remedio está ali promplo S. José toma nas mãos os dois pedacinhos de cêra, os eslira. os alonga., e1 bas­tam não só para aquelle dia, como para muitos dias ainda:

Também em Naro, sua patria, emquanto o servo de Deus, P. Luca, capuchinho, se approxima do altar para celebrar, o irmão leigo deixa caliir as galhetas que se espedaçam.

Isto não seria nada, se houvesse outras que as substituís­sem ; mas não havia essas outras. Então, o P. Lucas depõe o calix, toma os pedaços de vidro, toca os com a cruz, c as ga­lhetas voltam a ser o que tinham sido.

No nosso convento de Piacenza, uma noite, apagou-se a lampada do S. S. Sacramento, e o peor é que não havia fogo ou phosphoro para acendê-la. Havia, porém, o P. Francisco de Mi­lão, que, vendo todos afflictos, prostra-se deante do sacrario. reza alguns instantes; depois toca com o dedo no pavio, e logo a lampada se acende.

XIV — Omnia possíbilia snnt crcdcnti. S. Clemente M. Hofbaner, Llguoriano, achando-se em grande tristeza com seus irmãos, já não sabendo o que fazer, vae á egreja, reza deante de Jesus, ergue-se, sóbe os degráos do altar e, batendo amorosa­mente na portinha do tabernaculo, pede esmola ao Deus de toda riqueza. Apenas acaba, eis que entra na egreja um senhor que lhe offerece grande somma de dinheiro.

Foi também deante do S.S. Sacramento que a fedeste san­to recebeu uma grande prova.

Rezava um dia fervorosamente, recitando o psalmo 87. Che­gando ás palavras: «Pobre eu sou, e em trabalhos até o fim de minha primeira edade; crescido, fui humilhado e desprezado (V, 16) sente baterem-lhe no liombro.

Pára. reflecte um pouco, e eis que de novo lhe batem. Com- prehende então ser aquillo um aviso do Senhor; adora os divi­nos desígnios, e se lhes offerece como holocausto. Com effeito, no dia seguinte, elle e seus religiosos receberam o decreto de ex­pulsão, lançando-os fóra de Varsovia, onde se deu o facto.

XV—Omnia possibilia snnt crcdcnti. Mas, como podem ser colleccionados todos os n-ilagres de confiança que se lêem na vida dos santos para com a omnipotencia eucharistica?...

Em Paris, o Decano da Cathedral nega a communhâo

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2Í0 ALMA EUCHARISTICA

áquelle anjo eucharistico que é a senhorinha Desmaisières, a fu­tura Miguelina do Sacramento, dizendo que na metrópole causa­va admiração a communhão quotidiana, Ella obedece, se resigna, porém vem desabafar sua tristeza em face do tabernaculo. Em- quanto se entrega á dôr, sente baterem-lhe levemente no liombro. Era o proprio- Decano que lhe diz:— «Vá. minha filha, vá com- mungar, senti muito negar-lhe a communhão». E de então em deante chamava-a a «acariciada do bom Deus».

Em Madrid, no primeiro collegio que abrira, o parocho, a todo transe, quiz negar-lhe a presença do S. S. Sacramento.

Ella escreve depois:—O parocho me queria privar do que tenho de mais caro no mundo—o S. S. Sacramento, que então denominava minha paixão dominante, e agora posso dizer que é meu delirio, minha loucura...»

Porém,' o padre, tendo entrado na capella para retirar N. S., não teve a coragem de fazê-lo; commoveu-se, pôs-se a chorar também elle.—«Deixae-O, exclamou, não posso levá-IO daqui! A senhora O tem prisioneiro!»

E quantas vezes, nas necessidades quotidianas da vida, foi soccorrida milagrosamente pelo Senhor!

Ouçamo-la: «Um dia, eram 11 horas, em. casa nada havia para o almoço, e eu não possuia um cêntimo. Soaram as 12 ho­ras, e chorava, prostrada aos pés do altar. Dei, então, uma pequena pancada na portinha do tabernaculo, dizendo: — «Meu Senhor e meu Deus, olhae, nada temos que comer». E chorava amar­gamente. Neste instante, chega um religioso que vinha das Phi- lippinas. Visitou a casa e deixou 540 reaes em ouro. O collegio teve um almoço esplendido».

—«Esta, continua a Beata, não foi a unica vez em que bati á portinha do tabernaculo, e nem uma só o Senhor me deixou sem soccorro».

Não foi somente a B. Miguelina que teve o habito de bater á porta do tabernaculo. Quantos e quantos servos de Deus o fizeram, e sempre esta porta lhes foi abertà.

XVI—Também, para citar outro exemplo, S. Gerardo Ma- jella, apresentou um dia uma supplica escripta a Jtsus Sacramen­tado, na qual lhe pedia esmola, porque o superior da Casa de Materdomini, onde se deu o facto, ia fechar certa fabrica por falta de dinheiro.

Collocou a supplica na mesa do altar, depois, com sua prompta ingenuidade, bate na portinha do Tabernaculo e diz:— «Senhor, aqui depositamos nossa supplica; compete a Vós atten- der-lhe». Chegara o sabbado, quando se deviam pagar os ope­rários.

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P. ÀNTONINO DE CASUM.AMMARF 21 f

Fr. Geraldo passou em oração toda n noite de sexta-feira. Pela madrugada do sabbado, torna a bater na portinha do taber- naculo. supplicando ardentemente a caridade de Jesus Sacra­mentado.

O h! milagre! ainda não terminara seu pedido, quando batem á portaria. Corre o homem de Deus, e atrás da porta acha dois sacos de dinheiro.

Bastam agora os exemplos, se não quizer tornar-me muito enfadonho e monotono.

Retomo o fio das minhas idéas.

XVII—S. Paulo convidava os hebreus a imitarem os exem­plos e fé dos venerandos mestres que os haviam regenerado e instruído «e dos quaes, dizia, visando o fim da vida, imitae a fé».

Convido também todas as almas para imitarem., os exem­plos e a fé eucharistica dos Santos.

Se elles conseguiram ser de facto homens de fô — v ir os plenos fidei—por que não o conseguiremos nós também ?

Pelo menos, que não mereçamos a censura de Jesus Christo aos apostolos chamando-os homens de pouca fé Quid tim idi estis? necdnm habetis fidem ? Que temeis vós ? Não tendesa fé?

E’ certo, que, como disse o Salvador aos cegos quando os curou:—Seja feito em vós segundo vossa fé—Secundum fidem vestram fie t vobis (Math., IX, 29) assim, segundo nossa fé eu­charistica, a nós será feito por Jesus Sacramentado.

E* evidente que nossa vida eucharistica será tal qual nossa fé eucharistica; e nossa fé eucharistica, por sua vez, receberá das obras eucharisticas sua força e seu valor.

O’ almas que aspiraes ao Sacramento de amor, reparae nas suaves palavras que muitas vezes cantaes com a Egreja: A d fir - m andnm cor sincenim —sola /ides sufficit — Para confirmar um coração sincero basta. somente a fé. Venha a fé em auxilio da impotência dos. sentidos. — Praestet/ides supplem entum sensum n defectui,—

E depois de ter exclamado com S. Paulo: «Vivo, mas já não vivo eu, em mim vive o. Christo»—ó almas eucharisticas, ac- crescentae com o mesmo apostolo: — « h a vida de que agora vivo na carne—in /id e vivo F ilii Dei—v\vo a na fé do Filho de Deus. que me amou e deu a vida por mim». (Gal., II, 20)

Ora, quanto mais uma alma é cheia de fé, tanto mais é delicada.

Sim, a delicadeza de uma alma prova a força de sua fé.A fé eucharistica leva á delicadeza eucharistica; esta é flor

bellissima daquella.Sinto a necessidade de falar em particular ,deste ponto.

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A ALMA EUCH ARISTICA

CAPITULO IV

Segunda regra—Delicadeza eucharSslica

I - Diz-se que a fé é o olho sobrenatural da alma.Ora, quanto mais forte é uma pupilla, tanto mais agudo é

seu olhar.Por isto, uma fé forte como a dos santos divisa sombras

onde uma fé ordinaria só enxerga luz; descobre manchas, onde esta só encontra brancura; acha defeito onde ella somente vê perfeição

O psalmista disse: Acredite cul cum, et illtinúnamimi- Approximae vos do Senhor, e sereis illuminados. (Psalm. XXXIII. 5). Nada nos approxima mais de Deus como uma fé viva; nada. portanto, nos torna mais illuminados. As pupillas de uma fé viva são como pupillas de aguia, que se abrem para fixar o sol.

Assim é que. devendo cada christão se regular segundo a luz de sua fé, segue-se que a uma luz mais ferte corresponde uma vida melhor; vida perfeita á perfeita luz; delicadeza de cons­ciência á delicadeza da fé.

E’ um facto! Porque, como já dissemos, as pupillas de uma alma iiluminada por grande fé facilmente descobrem todas as manchas do espirito, todos os senões, todas as imperfeições.

Isto mesmo acontece á alma eucíiaristica, que por sua fé vivíssima tem pupillas de aguia; por isto descobre minuciosa- mente qualquer mancha em tudo o que diz respeito á santa Eu- charistia. E, querendo conformar sua vida á sua fé, torna-se mes­mo, por esta razão, de uma delicadeza angélica.

II— Foi e s c r i p to 'Toda gloria da filha do rei é do interior. (Psalm,, XIV, 13). E ao interior consagram todos òs seus cuida­dos as almas que vivem da Eucharistia e para a Eucharistia.

Seu intimo está repleto dos esplendores de Deus e da frescura do céo; lá tudo é luz sem sombra, tudo é harmonia sem dissonância; tudo tranquillidade sem perturbação.

As rosas lá desabrocham sem espinhos; os lyrios lá cres­cem sem nodoas, lá germinam todas as flores sem que se lhes evapore o perfume.

De quantas dessas almas, pertencendo a qualquer sexo, posição e condição, a Egreja disse solemnemente què foram an­jos em carne ou homens sem carne, como disse de S. Luiz de Gonzaga! E a razão é esta—taes almas eleitas se consideravam como consagradas a Jesus Sacramentado.

Por isto, se lhes fôra possivel, teriam querido adquirir a santidade, a delicadeza, a perfeição de Jesus. Não disse Elle pro-

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P. ANTONINO n r CASTI

prio: «Aprendei de Mim... Vinde em meu seguimento... Fazei como eu fiz»?

Não accrescentou mais:—«Sede perfeitos como é perfeito meu Pae que está no Céo» ?

E as almas eucharisticas para este ideal dirigiram seus es­forços: purificarem-se, guardarem-se, transformarem-se! Transfor­marem-se sem trégua, dia por dia, hora por hora, momento por momento.

III—A vida corresponde á fé. Ora, a fé eucharistica vê que tudo é immaculado em Jesus, e em torno ao sacramento do seu amor.

Immaculado é Elle, o Divino Cordeiro; hóstia santa e im- maculada é chamado pela Egreja. Immaculado é por S. Paulo chamado o sacrifício que Jesus offerece ao seu eterno Pae: Sei- -psum ohtulit im m acnlatum Deo (Heb-, IX, 14).

Como eram immaculados os cordeiros typicos da lei anti­ga, também immaculada é chamada a religião do divino Cordeiro (Jacob. I, 27).

Sem mancha e sem nodoa, santa e immaculada é a Egreja, (Epli., V, 21) como toda bella e toda santa é sua Mãe immacu­lada.

Pergunto: pode haver uma perfeição mais delicada e uma delicadeza mais perfeita do que ser immaculado, ao menos tanto quanto o comporta nossa pobre natureza?

Pois, bem. falae agora vós, ó almas que viveis da Eucha- risfia: com graças especiaes de Deus, o que aspiraes? Respon- pondem: Aspiramos u t essemus sancti et hnm acnlati in conspectn eius - Como quer o apostolo, a ser santos e imma­culados no conspecto de Jesiis <Eph.. 4, 4).

Porque usaes tanta cautella?- Para conservarmo-nos imma­culados das manchas deste século, segundo o desejo de S. Thiago: im m aculatum se enstodire ab hoc saeculo (Thiago, I, 27).

E tantos cuidados, tantos afans a' que os endereçaes vós?--Não somente a nos apresentarmos* «santos, immaculados

e irreprehensiveis deante d’Elle (Colors., I, 22)—como nos man­da S. Pedro, porém a nos fazer outra vez immaculados e puros na sua paz (II, Pedr. ljl, 13).

Assim, ó almàs enamoradas de Jesus, com este fito lhe di­rigis vossas, orações ?—Sim, como psalmista, supplicamos incessan­temente:— 5Fazei, ó Senhor, que meu coração seja immaculado nas vossas justificações»,—e com Cecilia:—«Fazei, Senhor, que meu coração e meii corpo sejam sempre immaculados e nunca cobertos de confusão».

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214 A ALMA EUCHARISTICA

IV—E, para se conservarem taes, depois da Communhão, as almas eucharisticas a nenhum sacramento amam mais que a santa confissão, o sacramento que faz e conserva immaculado.

Oh! quantas vezes se confessavam os santos! E, melhor ainda como se confessavam os santos!

Ao serem vistos em lagrimas aos pés do confessor, pode­ríam ser julgados os maiores peccadores, quando, pelo contra­rio, eram os grandes amigos de Deus

Muitas vezes para a communhão quotidiana, os santos se permittiam a confissão quotidiana como melhor preparação. E assim faziam não discípulos escrupulosos, porém mestres sapi- entissimos, como Thomaz de Aquino e Francisco de Salles.

Ah! palavra alguma soava tão solemne aos ouvidos dos santos como as augustas palavras repetidas muitas vezes por Deus no Antigo Testamento: — Sanctificamini, lavam ini, et nm ndi estote— Santificae-vos, purificae-vos, tornae-vos limpos.

E se purificavam e se tornavam limpos os santos, segun­do os desejos de Deus; segundo a luz da fé que os illuminava, segundo as próprias forças.

Nobre é a expressão do amabilissimo S. Francisco de Sal­les:—«Se eu soubesse que no meu coração existia uma só fibra que não pertencesse a Deus, arrancá-la-ia immediatamente».—E accrescentava: — «Quero que em mim tudo seja consummado, para que tudo lhe seja consagrado».

O santo que foi e será sempre verdadeiro milagre de hu­mildade e de delicadeza eucharistica é aquelle que, á vista - da amphora de agua puríssima que lhe apresentava um seraphim, e que era symbolo da santidade sacerdotal, se abstem do sacerdó­cio e prefere ficar sempre diacono.

Foi Francisco de Assis. Notae bem, digo — Francisco de Assis, pae de santos e de sacerdotes, aquelle cuja vida:

MelHor na gloria do Céo se cantaria.

V—Nos santos, toda a delicadeza do interior se communica- va ao exterior, como se dá com a fé cuja delicadeza é raio de luz brilhantíssimo. E da mesma fórma que os santos se esforça­vam por se purificarem e transformarem interiormente, o mesmo empenho empregavam por se purificarem e transformarem exte­riormente.

Como a arvore em cada inverno depõe as velhas folhas, e em cada inverno toma folhas novas e flores novas, assim as al­mas, por meio da graça e do empenho eucharistico, de anno em anno, de primavera em primavera, vão se despojando das folhas

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murchas, isto é, de tudo o que é imperfeito, e nellns tudo se torna nobre, digno, distincto.

Não é mais possível que de sua bocca saiam palavias pou­co delicadas ou pouco decentes; que tenham gestos ou actos incivis; tolices ou gracejos; nada, nada do que humanamente falando possa ser indigno de Jesus.

A educação e a civilidade são flores da religião; quanto mais religioso, tanto mais se é educado e civil. Porém, quem mais religiosa que uma alma eucharistica?

Ousarei dizer que, como existe vida eucharistica, existe também polidez eucharistica: resultado de um complexo de cau­telas, de prudência, de finezas que honram o sentimento e a pre­sença em nós de Jesus Sacramentado.

A polidez da alma eucharistica não é somente de christão, mas é polidez de Jesus Christo.

VI— E’ certo que a alma, pouco a pouco, chega ao ponto que, ou esteja parada ou caminhe; ou coma ou durma; ou ria ou chore; em casa ou fóra de casa (e tanto mais na egreja) ou só ou acompanhada; nos seus discursos, no seu porte, nas suas maneiras, é sempre e em toda parte *Chrisli bonus odor»- ■ odôr de Jesus Christo, de religião, de civilidade, perfume de Eucharistia!

E toda esta perfeição, não por outros motivos, mas por um só motivo, isto é, pela sua fé viva, delicada, ardente, que sempre e em toda parte a penetra; sempre e em toda parte lhe diz:— « Está attenta! és de Jesus!... estás com Jesus... sê tú mes­ma Jesus! Está attenta!...*

Eis porque a humillima discípula do S. Coração de Jesus, Margarida Alacoque, diz —«O meu soberano Senhor nunca ces­sou de reprehender-me pelas minhas faltas e de me fazer conhe­cer-lhes a fealdade. O que mais lhe desagrada, e aquillo pelo que me reprehende com maior rigor é a falta de attenção e de respeito em presença do S S. Sacramento, principalmente durante o offi- cio e a oração. Ah! de quantas graças fui privada per uma dis­tração, um olhar curioso, por uma posição mais com moda e menos respeitosa!» (Vida—cit., 95).

VII— Que delicadeza de pensamento, de sentimento, e de trato tinham os santos para tudo o que dizia respeito á Eucha­ristia !

Nada era pequeno aos seus olhos.Nada, pois, era descuidado, e muito menos desprezado.Já sabemos que a grande Thereza de Jesus estava disposta

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a soffrer o martyrio antes que ver negligenciada a mais insigni­ficante cerimônia da santa Missa.

Que fé esta, meu Deus!—O' santo Cura d’Ars se esmerava em recitar o officio di­

vino na Egreja, ajoelhado deante do Tabernaculo, sem apoio al­gum, tendo o breviario na mão, com a postura de um anjo e o recolhimento de.um cherubim. O povo já estava convencido de que o sarito pastor via corti os olhos do corpo a de Jesus Christo no sacramento do altar.

—S. Francisco de Salles na Egreja não ousava nem afastar as moscas. Preferia vê Ias tirar sangue de sua cabeça calva an­tes que faltar de respeito.

—Que dizer da compostura e do extase em que o B. José Bento Labre permanecia sete e oito horas immovel como uma estatua, deante do seu amor sacramentado? E perto delle não havia somente moscas, havia outros tentadores!

—O mansissimo S. Vicente de Paulo se perturbava e ardia em zelo quando via fazer mal as genuflexões deante do S. S. Sa­cramento, e a estas genuflexões elle chamava genuflexões da inarionette.

—S. Conrado, bispo de Constança, tinha tanto respeito aos iiulex e pollega:es., com que tocava no S. S. Sacramento, que o Senhor permittia brilhassem algumas vezes durante a noite estes quatro dedos, e isto para recompensa de sua fé.

—Também S. José de Cupertino desejava ter outros dedos index e pollegares que pudesse á vontade tirar e collocar, e que só servissem para tocar a carne do Salvador.

VIII—Ainda mais: — S. Wenceslau, rei dá Bohemia, prepa­rava elle propric o terreno, semeava o grão, colhia-o, nioia-o, pe­neirava-o; da flôr da farinha fabricava o pão que ia servir para o santo sacrifício...

—Assim S. Radegunda, primeira rainha da França, depois pobre religiosav sentia-se feliz podendo amqssar com suas mãos o frumento escolhido para a santa /Missa, e com este pão pre­senteava as egrejas pobres.

- -A Irmã Maria Luiza de Jesus, fundadora das Filhas da Sapiência, filha espiritual do B. Luiz M. Qrignon, com suas mãos preparava as partículas, e com tanto respeito e delicadeza, que bastava as visse tocadas por um sopro, para que fossem julgadas profanadas e postas de lado. Queria para ella o officio de cor­tá-las e collocá-las na pyxide. Fazia sempre isto de joelhos, re­zando o Padre NossO e a Ave Maria, para as pessoas que as fossem receber na santa Communhão.

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P. AMTONINO Dt CASfl l

Que cuidado tinham os santos em adornar cmn frescas flores o altar do Senhor!

Cantara já S. Affonso:

—Flores, felizes vós que noite e dia Ao pé do throno de Jesus estaes;E no seu templo com santa alegria Por Elle só vossa vida exhalaes...

IX—S. Francisco Jeronymo com suas mãos plantava e cul­tivava as flores que deviam servir para Jesus Sacramentado. E uma vez, com um signal da cruz, fez crescer uma quantidade de sementes até então estereis, dizendo: — «Flores minhas, crescei, por caridade, que de vós necessitamos».

— O B. Frederico de Ratisbona, agostiniano, sentia-se feliz ornando os altares e decorando o lugar santo.

Os proprios anjos o ajudavam nestas oçcupações. Um dia. o irmão leigo desejava ardentemente flores frescas para o altar do Senhor. Onde achá-las, estando-se em pleno inverno? Seus celestes companheiros tiraram-n’o do embaraço, trazendo-lhe uns ramalhetes de lindas rosas desabrochadas de pouco. De facto, aquellas rosas eram rosas do Céo!

Aos nove annos educava-se em Viterbo, junto ao mestre Pio de S. Carluccio. Anna Felice Bertarelli (a futura Venerável Irmã M. Lilia do S. S. Crucifixo). Certa vez. no inverno, faltaram flores á angélica menina para adornar o altar.

O doutor Marcucci levou-lhe três batatas de jacyntho e, gracejando, disse: «Planta-as, e sopra três vezes em cima; verás que hão de florescer». A innocente acreditou e plantou as batatas.

Cada manhã, levatrando-se antes de1 todos, corria ao jar­dim e começava a somar sobre as planta>. Ah! qual nãç foi a alegria do pequeno anjo. quando, ao terceiro dia, achou os^jacyn- thos bellissimamenie floiidos!

—A santa. Madre Chantal também era muito diligente em levar flores para Jesus. Quando murchavam, collocava as em sua cella, aos pés do seu crucifixo, verdadeira Flôr emmurchecida.

Não mais são necessários exemplos, e sim reflexões.

X—O angélico levita S. Lourenço. vendo-se ficar livre, em- quanto levavam ao martyrio Xisto II, pontífice, assim tristemente lhe falou: — «Aonde vaes sem teu filho, ó pae? para onde sem

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218 ALMA EUCHARISTICA

‘leu diacono apressas os passos, ó Sacerdote? Nunca ousaste of- fecer sacrifício sem ministro! Em que descontentei tua Paterni­dade? Talvez me aches máo levita? Experimenta, ó Pae, se sou­beste escolher em mim um digno ministro a quem tenhas con­fiado o Sangue do Senhor!* (Breviario).

Todas es.tas palavras do Anjo romano são bellissimas e commoventes; mas as ultimas... ferem e fazem chorar!...

Na sua grande humildade, elle duvida que não tenha sabi­do cumprir seus deveres de Levita com perfeição, de modo es­pecial seus officios eucharisticos. Receia, pois, que o ser exdui- do do martyrio seja para elle mais que uma prova, seja um castigo.

Então, com afoiteza filial, pede seja posto á prova e expe­rimentado: Experire, experire, u trum m in is tm m idoneunt clegeris /...

S. Lourenço, pois, duvidou, S. Lourenço temeu !

XI—E vós, ó almas que vos julgaes eucharisticas, duvidaes vós também? O temor assalta-vos algumas vezes? Duvidaes do exacto cumprimento dós vossos deveres eucharisticos? Temeis que não os façaes todos para agradar perfeitamente ao Summo Sacerdote, Jesus Christo? Com mais razão e mais verdade (que S. Lourenço ao bispo de Roma) dizei vós a Jesus Christo \—quid displicet in me P a tem ita ti tuae ? N unqu id m e degenerem probasti ?

O’ alma, não tendes remorso a respeito de vossa delicade­za eucharistica, de vossa eucharistica fé?

Mais ainda, remorsos que vos levem a supplicar Jesus que vos ponha á prova, que vos submetta á experiencia? Oh! quan­tos, mesmo commungando todos os dias, vão adeante, na via eucharistica, sem tantas hesitações, sem tantos escrúpulos!...

Porém reflecti por caridade: duvidar de ser delicado com Jesus é delicadeza; delicadeza é saber recear; delicadeza é ter remor­so... Duvidae ao menos assim, e tende remorso de vossa levi­andade, que, quando pouco, seria indicio certo de que vos falta verdadeira fé, verdadeiro espirito eucharistico!

Reflecti e temei.

XII—E' tempo agora de falar da regra suprema que faz conhecer as eucharisticas almas: regra a que se referem e de onde tiram vida e valor todas as outras regras.

E’ o am or eucharistico.

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P. ANTONINO DE CAS1 210

Sim, amados leitores, a primeira regra, sem duvida, é a fé eucharistica, como já provámos, a fé com sua flor, que é a deli­cadeza eucharistica.

Mas a fé, para ser viva e verdadeira, deve ser animada por obras.

Ora, esta força, animadora e operadora é dada á fé pela ca­ridade.

Eis porque o apostolo ensina expressamente que para Jesus não vale uma fé qualquer, porém só tem valor a fé que opera pela caridade: in Christo Jesu valet Jiites, quite per carítutem operatur. (Galat., V, 6 ).

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220 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO V

Terceira regra positiva -0 a m o r e u c h a r is l ic o

Sua n ec essid a d e

I— S. João tem um grito sublime que revela todo o anos- tolo do amor: — *Et nos crcdiciiinus charitali, quain Deus Jtabcf iu nobis—E nós acreditamos na caridade de Deus para comnosco!» (João, IV, 16).

Não basta acreditar na verdade; é preciso acreditar na ca­ridade.

O ,B. Pedro Juliano Eymard, reflectindo sobre esta sentença do apostolo S. João, exclama: — «Nós acreditamos na caridade dc Deus para comnosco...» Profunda palavra!

Existe a fé na verdade da palavra e das promessas divinas, que deve possuir todo christão; e existe a fé no amor de Deus para comnosco...» fé que é mais perfeita e que serve de remate á primeira. A fé na verdade será esteril, se não se lhe accrescentar a fé no amor de Deus.

«E qual é este amor no qual devemos acreditar?«E’ a caridade de Jesus Christo, o amor que nos demons­

tra na Eucharistia, amor que é Elle mesmo, amor vivo e infinito.«Felizes os que acreditam na caridade de Jesus Christo na

Eucharistia ! Estes amam, porque acreditar no amor é amar. Os que hesitam em acreditar na Eucharistia não amam, ou pelo me­nos amam pouco». (Mês do S. S. Sacramento—Dia duodecimo).

II— De facto, crer na verdade é raiz e fundamento da jus­tificação: crer na caridade de Deus é flor, é frueto, é coroa.

Crer na verdade é a fé dos christãos; crer no amor é a fé dos amantes.

Grande é a autoridade do mestre que fala; grandíssima a autoridade do pae que ama

A prova da palavra ficaria fria e morta, se não fosse vivifi- cada pela prova do amor.

. A palavra é como a semente que durante o inverno cáe nas entranhas da terra; o amor é como o raio de sol primaveril que a faz germinar e crescer.

Se Jesus somente nos houvesse falado e instruido, teria sido nosso mestre, certamente, porém apenas mestre.

Assim ficaria unido ás nossas mentes, mas não aos nossos corações. Quem ama Platão, Aristóteles, Seneca ? Quem delles se oecupa? Quem nelles pensa?

Porém Jesus nos falou e nos amou.

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P. ANTONINO DE

Falou-nos como Deus e nos amou como Deus. lllumiiiou- nos falando, e amando nos salvou.

Ergueu um hymno á sua palavra <|uem disse: — «Jamais ho­mem algum falou como esfe homem». (João, VII, 40).

Ergueu um hymno ao seu amor (iiiem escreveu: -Q uisto nos amou, e por nós se offereceu a Deus, como hóstia de sua­ve perfume (Ephes.. V, 2).

Thomé, apostolo, não acreditou na verdade; Judas não acreditou no amor.

III —Eis porque Jesus Christo, depois de ter dito:- «Eu sou o caminho e a verdade» -accrescentou logo: -«E a vida!»

A vida é amor.Em certo sentido, todo bom mestre pode dizer restricta-

mente: «Sou caminho e verdade». Nenhum, entretanto, pode di zer:—«Sou vida!»—

Pode isto dizer somente Aquelle que dilexit nos et ira- didit semetipsum pro nobis—qwt nos amou até morrer por nós Elle que, unicamente e por essencia, é caminho e verdade, é também por essencia nossa vida. E’ nossa vida, porque é nos­so amor.

Amou-nos constantemente nos trinta e três annos de vida, porém na ceia da uliima noite foi o incêndio supremo. Não, nunca poderemos aprofundar e saborear bastante o poema eu- charistico, conipendiado por S João nestas simples e excelsas palavras: — Cum dilexissel snos qni crant in mundo, in finem dilexit w s —Tendo amado os seus que estavam no mun­do, amou os até o fim. (João, XIII, 1).

In finem!... in finem!... Oh! que palavra!Não somente até o fim de sua vida mortal, mas, interpreta

S. Thomaz—até o fim do amor. (Comm. in Joan). Disto falá­mos na primeira parte.

Assim se exprime magniíicamente o Concilio de Trento, quando, falando de adoravel Sacramento do altar, diz que nelle o Divino Salvador quase exgoftou as riquezas do seu amor para comnosco—JJivitias sui ers^a homines amoris velul effudiU. (Sess., XIII, c. 2 )

E S. Bernardô, em phrase esculptural, chama a Eucharistia Am or am orum —amor de todos os amores.

De modo que, como dizia S. Magdalena de Pazzi, nossa alma, depois de ter commungado, pode também exclamar: Con- sumihatum est! O mèu Deus me deu tudo! Nada mais me pode dar! Conswnmatnm est!

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222 ALMA EUCH ARIST1CA

IV— Por isto, o grilo sublime do apostólo do amor que é o apostolo da Eucharistia. — *Et nos credidimus charitati quam Deus habet in uobis — Acreditamos na caridade de Deus para comnosco».

A prova do amor é o non p lus ultra de todas as provas.E. assim, conforme a sentença delicada do Pe. Eymard, aci­

ma citada, acreditar no amor quer dizer amar. Amor com amor se paga.

Crê-se na verdade com a fé; crê-se na caridade com oamor.

Ao mestre se escuta, ao amante se ama. E, tanto quanto possível, ao amante se deve amar á medida do quanto e do como elle ama.

Ora, a santa Eucharistia é essencialmente três cousas:Amor summo, como já dissemos; amor perenne até a con­

sumação Hos séculos; e amor... (meu Dens, é forte demais a ex­pressão, mas não é minha, é expressão dos santos!) até a lou­cura !

S. Lourenço Justiniano diz: *Vidim us sapientem amoris nimietate, infatuatum /—Vimos um Deus, que é a própria sa­piência, tornar-se louco de amar demais».

E S. Agostinho:—«Não parece loucura dizer-se: comei mi­nha carne, bebei meu sangue?..

Como não se enternecer ouvindo Magdalena de Pazzi que extatica vae gritando: — «Sim, meu Jesus, estás louco de amor. Eu o digo, e sempre o direi, que estás louco de amor, ó Jesus meu!»

Já vimos e ouvimos mais atrás quantas vezes S. Geraldo Majella chamou a Jesus doido de amor.

Se, pois, se crê na caridade de Deus com o amor, e se, tanto quanto possível, deve-se amar o divino Amante quanto e como Elle nos tem amado, eis porque os santos, e ao lado destes as almas eucharisticas, se têm esforçado por amar Jesus Sacra­mentado com amor pleno, com amor incessante, com amor até a loucura.

V— Sim ! sim! ao sacramento de amor corresponde da par­te das almas eleitas o amor ao Sacramento.

A’ instituição corresponde a devoção; á eucharistia, as al­mas eucharisticas: ao convite, os convidados; ao dom do Re­demptor, o ardor dos redusidos; á loucura do pae, a loucura dos filhos.

Portanto, a regra mais segura para conhecer se nós também pertencemos ás almas eucharisticas é nosso amor para com Jesus Sacramentado.

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P. ANTONIKO DE CAStl I I AMMAIJI

Não esqueçamos que neste cnamoramculo está encerrada toda a essencia da vida eucharistica; quanto mais se ama a Jesus mais se vive d’Elle, mais por Elle se fiea apaixonado, e mais eucharistico.

Esta regra é infallivel, porque em um sacramento que é todo amor, o numero para se avaliar, a balança para se medir só pode ser uma cousa—o amor.

E’ o proprio Jesus quem nos indica esta regra.Todas as palavras de Jesus são profundas, doces, penetran­

tes; todas, como as teclas de um orgam ou as contas de uma lyra, têm som proprio, sentimento proprio e cadência própria.

Algumas, entretanto, commovem mais: são ternissimas.Como não nos cornmovermos, quando no horto diz aos

três discipulps predilectos: Sustine/e hie, et vigilate mectini— Não me deixeis só; ficae aqui, e velae commigo. (Math.,XXVI, 38).

Nunca, assim creio, o adorado Filho de Deus foi homem como naquelle momento em que ás suas pobres creaturas pediu assistência e conforto.

E são ternissimas e inflammadas suas palavras quando im- mediatamente partem do seu Coração para os nossos.

O amor é a sua divina fraqueza; parece que não pode ser feliz, se não fazendo-nos saber duas cousas: que nos ama e que deseja ser amado por nós.

Sua lingua insiste sempre nestes dois pontos; não perde occasião para recordá-los e recommendá-los. — «Eu vos amo e quero que me ameis».

Quanto mais se approxima do fim, tanto mais o seu thema de amor se torna inflammado e inflammante.

VI - Na ultima ceia, o Pae, proximo a morrer, parece não saber recordar outra cousa—pelo menos com tanta efficacia—se­não o amor.

Quantas vezes repetiu então (e eu também o repito): «Ma- « netc in me et ego in vobis — Ficae commigo, e eu ficarei « em vós. Assim como o galho por si mesmo não pode dar fru- « cto, se não estiver unido á vinha, assim vós também, se não « vos conservardes unidos a Mim. Eu sou a vinha, vós sois os « galhos; os que estão em Mim e Eu nelles produzem muitos « bens. Os que não estiverem unidos a Mim, lançae-os fóra; hão 4 de seccar, serão recolhidos, lançados ao fogo e arderão. Se fi- 4 cardes commigo, se minha palavra em vós se conservar, tudo 4 o que pedirdes vos será concedido. Como o Pae me amou. 4 assim Eu vos amo Manete in dilectione mea. Permanecei 4 no meu amor». (João, XV).

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224 IA EUCHARISTICA

Mais solerrmes e mais sublimes ainda são os últimos accen- tos da ultima oração. Ainda que os tenha citado em outro lugar, recordo-os aqui outra vez: — «O’ Pae, que todos sejam urna só cousa, como tu. ó Pae, em mim e eu em ti. Que sejam também elles uma só coiua comnosco».

E repete:—«A gloria que me deste, a elles a dou para que sejam uma só cousa, como uma só cousa somos nós».

E insiste ainda:--‘Eu nelles, e tu em Mim, para que seja­mos consumados na unidade, para que conheça o mundo que Tu me enviaste, e os amaste como me amas».

O ultimo grito infinito, a ultima oração ao Pae é esta. J)i- leelio, qua dilcxisti me in ifisis sii ei Ego in ipsis—A cari­dade com que me amaste esteja nelles, e Eu nelles tanibem». (João, XVII).

Assim como S. João é o unico evangelista que cita este di- vinissimo disctirso de Jesus, assim o mesmo S. João é, entre os apostolos, o que recorda o desejo e inculca o preceito do Mes­tre mais que todos os outros.

Sim, S. João, que, depois da Virgem Maria, é com certeza a mais perfeita alma eucharistica, até á extrema velhice repete ar- deutcmente: «Assim como vos ensinou Jesus, permanecei n’Elle. Mais que tudo, filhinhos, permanecei n’Elle>, (João, III, 27. 28)

Parece-me que fala não S. João, porém o proprio Jesus, lauto o Discípulo usa a fôrma mesma do Mestre, as mèsmas pa­lavras. Até aquelle temissimo Filhinhos—invocação de Jesus na ultima Ceia.

VII—Portanto, que cousa é a Eucharistia? E’ amor.E quem é Jesus Sacramentado? Amante que quer sfer ab­

solutamente amado.Munete in me... maneie in dilcciione mea !...Lêde outra vez suas palavras, méditae-as, saboreae-as.. e

sentireis também a necessidade de gritar com o Discípulo pre- dilecto:—7:7 nus credidimus charítati... Acreditamos na cari­dade de Deus para comnosco.

Dizia muito bem o B. Eymard:—Não basta crer na verda­de da bucharislia, é preciso crer igualmente na caridade de Jesus na Eucharistia. ü s que se contentam somente em acreditar na verdade ou não amam, ou amam pouco, pois que acreditar no amor quer dizer amai’!...

Eis a razão pela qual a fé eucharistica leva ao amor eucha- ristico, o sacramento acreditado torna-se o sacramento amado, a luz se transforma em fogo, e que fogo!

Já falámos disto na primeira parte: os santos acreditavam sc abrazando, e se abrazavam acreditando na Eucharistia.

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P. ANTONINO DE C ASTC 1.1. AMM AUI

A* contemplação eucharistica uniam a liqucfação eucharisti- ca, e é verdadeira expressão de todos a expressão ardente do angélico S. Thomaz ao Deus Sacramentado: Tihi se cor m m m totiim subjicit—Por ti meu coração se attniquila—(Jnia te con- templans, totum déficit (Hymno AdoroTc). Porque contem­plar-te tudo desmaia».

Contemplar pela fé, desmaiar por amor- eis a vida de to­dos os santos e de todas as almas eucharisticas.

VIII—Porém, se foi proprio dos santos contemplar pela fé, e desmaiar por amor, muito mais proprio foi daquelle santo cha­mado todo seraphico em ardor.—Falo do meu inclito Patriar- cha S. Francisco. Hoje está historicamente provado, e é admitti- do mesmo pelos incrédulos que a Eucharistia foi para Francisco o centro de toda a sua vida religiosa. Na Eucharistia e pela Eu­charistia. Jesus Christo era para elle um acontecimento religioso perenne, e a devoção ao Sacramento de amor. elle, o seraphim de amor, praticou-a e cultuou-a mais talvez que todos os santos seus antecessores.

Fr. Leão mesmo, confessor do santo, faz sobresahir «esta grandíssima devoção e reverencia do beato Francisco para com o Corpo de Christo» Thomaz de Celano, depois, a descreve nestes termos:—Francisco, em todas as fibras do seu coração, ar­dia em fogo de amor para com o Sacramento do Corpo de Christo: e com altíssima maravilha considerava a amorosa con­descendência e o condescendente amor do Senhor. Cotnmunga- va muitas vezes, e tão devotamente que induzia á devoção tam­bém os outros.

E como venerava de todo coração este sacratissimO bem, fazia-lhe ainda a offerta de todos os seus membros e, recebendo o doce e immaculado Cordeiro, offerecia-lhe o dom do seu espi­rito, com o inflammado transporte que sempre ardia no altar de seu coração.

S. Boaventura accrescenta: Como ebrio no espirito, duran­te a communhão, elle cahia em extase. Fazia tudo para cada dia assistir pelo menos a uma missa; e quando as doenças o impe­diam, supplicava que esta fosse celebrada na enfermaria. E, quan­do nem isto alcançava, mandava que lhe lessem o Evangelho do dia, que depois beijava com summa devoção. E d iz iaQ u an d o não posso assistir á santa Missa, adoro com a mente o corpo de Christo na oração, como O adoro, quando O vejo na Missa.

Semelhante ao seraphico Pae, é a seraphica filha S. Clara de Assis.

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De tal fórma a Eucharistia é seu symbolo, seu emblema, que uma virgem a erguer um ciborio com o S. S. Sacramento só pode ser S. Clara de Assis.

«Seu amor pela Eucharistia, assegura Thomaz de Celano, era tão guinde que, ao se dispor para receber o corpo de Jesus, dava largas ao seu pranto, depois se approximava tremula da santa Communhão. «Em face do Sacramento fazia o que teria feito em presença do proprio Salvador divino, dominador do Céo e da terra».

Que sublimes enamorados eucharisticos, meu Deus, e que exemplos!

IX— Também S. João da Cruz, o grande Seraphim do Car- nielo, sentia ás vezes tanta agitação de amor que devia abster- se de celebrar, na certeza de que não chegaria ao fim da Missa.

Com effeito, em varias occasiões, mal chegou a terminál-a. V. não o conseguiu um dia, no convento de Baeza.

Chegou á consagração do sangue. Vencido por um deli- quio de amor, permaneceu com o cálice na mão. Só terminou a Missa muito tempo depois, com o auxilio dos religiosos accor- ridos.

Foi naquella occasião que uma santa senhora, presente na egrcjn, se pôs a gritar:—Irmãos, chamae os anjos do Céo! Só Hles podem terminar esta Missa como a teria terminado quem agora está impotente.

X— Também um outro seraphico e estático sacerdote, S. José de Cupertino, celebrava habitualmente o santo sacrifício com tanta comppunção, com tanto recolhimento, com tanta pieda­de, que por causa de uma dessas suas missas admiráveis se converteu o Duque de Brunswich, João Frederico, protestante.

Na ultima doença, não podendo mais celebrar, quando lhe levavam a communhão no quarto, exclamava anhelante:—«Eis a alegria! Eis a alegria!»

XI— Em tempos mais proximos a nós, o Ven. D. Bosco, como escreve o seu biographo Lemoyne, celebrando o santo sa­crifício, banhava o rosto de lagrimas, e era interrompido por ex- tases e graças extraordinárias. Nc momento da consagração, não raro mudava de côr e tomava tal expressão, a manifestar dara- mente o ardor que lhe chegava á alma. Na elevação, sobretudo, via-se-lhe toda a santidade,

O h! a fé com que adorava Jesus no seu sacramento! Acon­teceu verem-n’0 erguido da terra, ficar por algum tempo, extáti­co, como se visse face a face Nosso Senhor. Não é de admirar

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P. ANTONINO DE C ASTE1.1. AMM Al)F 227

que o povo o cercasse, em torno do altar, e muitas vezes sem saber quem elle fosse.se retirasse dizendo: «F.ste sacerdote deve ser um santo!»

XII—Dscontentarei por certo ao V. Fundador, se ao seu lado não recordar o seu angélico discípulo Domingos Savio.

Ainda não tinha cinco annos e, uma manhã de rigido inver­no, emquanto era ainda procurado pelo capelão que abria a egreja, foi achado de joelhos atrás da porta de entrada. E a ne­ve cobria tudo ao redor.

Aos sete annos (cousa extraordinária naquelle tempo), ap- proximando-se pela primeira vez da mesa do Senhor, fez e es­creveu o famoso proposito: A morte, sim ! mas não o peccado.

E o cumpriu inviolavelmente.Celebre foi seu extase na egreja, quando, terminada a Mis­

sa, sahiram seus companheiros para o café, para a aula, para o almoço, e Domingos, extático, iminovel, deante do S. S. Sacra­mento. Naquella posição foi encontra Io o V. D. Bosco. E eram drtas horas depois do almoço.

Não é de admirar que tenha morrido aos quinze annus, repetindo os bellissii> os vèrsos, que haviam indicado a aspiração de sua vida:

—Senhor, eu te dou minha liberdade,Minhas potências, todo o corpo meu,Tudo te dou, pois que já tudo é teu,E, feliz, me .abandono á tua vontade.

O h! os enamorados do S. S. Sacramento, grandes e peque­nos nunca fáltarão ao Senhor.

Porém o amor eucharistico também deve ser posto á prova.Vamos ver isto.

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228 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO VI

P r o v a s d o v e r d a d e ir o A m o r

Primeira p ro v a :

Observância dos preceitos e das palavras de Jesus

l—Entretanto, como nem todo amor é eucharistico. (e já o vimos no capitulo antecedente), da mesma fôrma, nem todo amor eucharistico é amor puro e perfeito. E quando indicamos o amor, como critério para conhecer as almas verdadeiramente enamoradas do S. S. Sacramento, comprehende-se bem que não falamos de qualquer amor, mas somente do amor vivo e verda­deiro.

Tanto mais que o amor eucharistico. para que seja de bôa liga, deve ser submettido a certas regras ou provas particulares que o caracterizam e o distinguem.

Destas provas apenas três citarei, e todas três indispensá­veis ao verdadeiro amor a Jesus, e todas três infalliveis* porque dadas pela bocca do Mestre infallivel.

A primeira prova do verdadeiro amor a Jesus Sacramenta­do está nesta palavra: — «Se me amaes, observae meus manda­mentos, e quem os observa, este é que me ama»,

A’ observância explicita dos seus mandamentos, une a obser­vância geral de todas as suas palavras; e continúa:—«Quem me ama observa as minhas palavras, e meu Pae o amará; e viremos a elle, e faremos nelle nossa morada. Quem não me ama, não observa minhas palavras». (João, XIV, 15, 21, 24).

Claramente se tinha explicado o divino Mestre, mas tinha necessidade de accrescentar ainda«Permanecei no meu amor; se observardes meus mandamentos ficareis na minha caridade, assim como Eu tenho observado os mandamentos do Pae, e te­nho permanecido na sua caridade».

Por fim, protesta que não mais os chamará servos, e sim amigos. Porém, sob que condição? Sob a condição de que obser­vem seus mandamentos — Vos amici mei eritis, si feceritis (fitae ego praecipio vobis. (João, XV, 10, 14).

O sol de meio dia não é tão claro como claro é este en­sinamento de Jesus.

Deseja ardentemente ser amado por nós, porém, ao mesmo tempo nos adverte que é impossível amá-IO sem a observância dos seus preceitos e das suas palavras.

Pode-se ser mais preciso?

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II— Eis a primeira regra que prova a verdade e a preciosi­dade do amor eucharistico — a observância dos preceitos e das palavras de Jesus. O amor verdadeiro ao Deus sacramentado le­va necessariamente á pratica dos seus mandamentos e dos seus ensinamentos, e assim, vice-versa, esta pratica demonstra, com­pleta e corôa o amor a Jesus Sacramentado. Em uma e ou­tra cousa ha nexo de causa e de effeilo, de conclusão e de pre­missa, de modo que a mais perfeita alma eucharistica será com certeza a mais fiel observadora dos preceitos, das palavras, e mes­mo dos desejos de Jesus..

Também disto, o evangelista S. João verdadeiro repetidor e commentador da doutrina do Mestie, tirou admiráveis conclu­sões, dizendo: «Quem observa suas palavras, tem 11a verdade perfeita caridade, e por causa disto, (nolae a conclusão do Apos- tolo) sabemos que estão com Elle: Et in J/oc sc/mits quoniam in i(>s<> sunnts.

E continua:Quem diz estar com Elle deve andar pelo caminho em que

Elle andou. (João. II, 5, õ).L\ dá a razão: - Porque isto é amar a Deus. observarmos

nós seus mandamentos. (João, V, 3*.Que solemne definição dá, portanto, do amor de Deus. di­

zendo que amar a Deus quer dizer observar seus mandamentos!E, tirando a ultima conclusão pratica, o Apostolo predile-

cto, com impeto de zelo exclama: —■ fin summa. nós não ama­mos só em palavras e com a língua, mas com obras e com ver­dade. (João. Lll, 18).

E esta regra positiva, que forma a lei do verdadeiro amor a Jesus, pode ser expicssa com a plirase esculptural do pontí­fice S. Gregorio, isto é, que todo ensinamento divino, se encer­ra nesta famosa semer.ça: Proba tio dilcctinnis cxkibiüo est operís.—A prova do verdadeiro amor está nas obras que se fa­zem pelo ama-Jo.

III— Seria preciso .fazer um novo exame de consciência, e perguntar severamente ás nossas almas como temos amado a Jesus Sacramentado, se com toda mente, com todo coração, com toda alma, com todas as forças

Seria preciso perguntar também a nó> pmprios o que fize­mos por Elle, pois—probatio diledionis cxhibitio est oficris.

Sobretudo, como temos observado os santos mandamentos, com que docilidade seguido os..-seus conselhos evangélicos, que são as suas mais preciosas lições! Com. que exnctidão havemos cumprido as obrigações do nosso estado.'e nossos deveres par­ticulares, que.são manifestações de sua adoravel vontade!.. Como

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230 A ALMA EUCHARISTICA

correspondido ás suas inspirações, á sua voz (sobretudo á voz do remorso) a seus desejos... a todas as suas vontades.

Em resumo, observar os mandamentos divinos e as divinas palavras, quer dizer fazer a divina vontade. Como o temos nós feito?...

Comó os anjos no Céo, como Jesus Christo sobre a terra ? o qual protestou não ter deixado um jota, um apice da lei di­vina sem ser observado?

E o fizemos serenamente e alegremenfe, na adversidade, como na felicidade, na humilhação, como na gloria, na penúria, como na abundancia, na doença, como na saúde, na tristeza, como no gozo, sobre o Calvario, como sobre o Tabor?...

Tudo isto quer dizer observar os preceitos e as palavras tlc Jesus,, tudo isto importa essencialmente no seu amor.

Segunda p ro v a :Fidelidade ao Am igo divino

IV—Se devesse achar uma palavra única que exprimisse os distinctivos do amor eucharistico, a palavra seria—«Fidelidade ao Senhor». A fidelidade .em tudo é uma prova de amor.

Aos apostolos, pelo Filho de Deus. foi dado o nome de amigos, e este mesmo titulo—amica mea — foi dado á alma santa pelo Esposo Celeste no Cântico dos Cânticos.

Parece-me que alma alguma merece ser chamada amiga de Jesus quanto a alma eucharistica.

Porém, o que forma a essencla da amizade é a fidelidade: a fidelidade é a prova e a gloria dos amantes.

Eis porque o Espirito Santo faz elogio esplendido não de qualquer amigo, porém somente do amigo fiel.

Assim se exprime: — O amigo fie) é uma protecção inesti­mável ; quem o acha, acha um thesouro. Nada se pode compa­rar ao amigo fiel; nem o ouro nem a prata podem ser postos na balança com a bondade de sua confiança.

«O amigo fiel é balsamo de vida e de immcrtalidade, e os que temem o Senhor o acharão». (Eccl., VI, 14, 16).

Não só da amizade fiel, mas também dos amigos fieis, faz o Espirito Santo um panegyrico sublime.

Falando de Moysés, diz Deus que aos outros prophetas falava em sonho, a Moysés, porém, bocca a bocca.

E porque?.,, porque servus meus Moysés est fidelissi- mns in omni domo m ea—é fidelissimo meu servo Moysés em toda a minha casa. (Num. XII, 7) Samuel é chamado o propheta fiel do Senhor.

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P. ANTONINO DE CASTEI.I.AMM ART 231

Magnífico é o elogio que recebe David: Deus disse: «Achei David, homem segundo meu coração, que fará todas as minhas vontades». (Act. XIII, 22)

Não é menos bello o que recebe o sacerdote Sadoc: «Crea- rei um sacerdote fiel, que me servirá jttxUt cor mettm et animam meam —segundo meu coração e minha alma». (I, Reis, II, 35).

Suavíssimo é este elogio dc fidelidade feito pelo apostolo Paulo aos seus dilectos discípulos Thimoteo é chamado fi/ins meus charissimus et fidelis in Domino (Cor., IV, 17).

Também Epafra. Tichico, Onemesio muitas vezes síio cha­mados charissimi et fideles in Domino.

Estes dois títulos tão nobres quão delicados, charissim i et fidelis -S. Paulo não os sabe separar. São duas gemmas en- castoadas no mesmo anel, ou dois anneis em uma só cadeia de ouro. Direi de um e de outro: Caríssimo porque fiel; e fiel? porque caríssimo.

V- — 'gora. voltando á alma eucharistica, não vos parece que estes dois tituJos. caríssima e fiel, sejam os mais proprios que se lhe devam dar?

E’ que o ser fiel é causa do ser caríssima!E' a verdadeira amiga de Jesus Sacramentado, a alma eu-

charistica. e portanto é a mais querida do divino Amante.A fidelidade é a razão e a*?orça de qualquer amizade, e por

isto a attributo proprio dos verdadeiros e grandes amigos de Deus.

Assim, a alma que aspira a grande amizade com Deus, de­ve aspirar ao mesmo tempo a grande fidelidade para com Elle.

Seja também ella, como Moysés, fidelissima em tudo o que diz respeito ao Senhor; também ella, como David, esteja cons­tantemente prompta para todas as suas adoraveis vontades; tam­bém ella, como Sadoc, mereça ser chamada pelo Senhor—«fiel segundo a alma minha».

O* almas, sêde fidelissimas a Jesus, se quereis ser caríssimas a Jesus.

Pela vossa fidelidade passada medi vosso amor presente, e o amor presente seja característico e penhor de nova fidelidade.

VI— Pensae, o dia em que faltardes á fidelidade a Jesus Sacramentado poderá ser um dos dias mais humilhantes da vossa vida.

Mesmo na própria noite da sagrada instituição, o Senhor permittiu um dolorosissimo exemplo para aviso salutar de todas as almas eucharisticas futuras.

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i ALMA EUCHARISTICA2tt A

Não falo de Judas, ainda que mesmo áquelle excommun- íiado o Mestre tenha dado até o fim o doce nome de amigo.

Falo dos outros onze apostolos. No fervor da santa ceia, foi* S. Pedro o* primeiro mas não o único que respondeu ás adinoestações de Jesus: Eliantsi oporluerit nte mori ie- ann, mm 'te negabo. — Ainda que devesse morrer por ti, não te negarei.

S. Matheus, que estava presente, e foi um destes, nota que, como protestou S. Pedro, protestaram todos os outros. Siinili- trr, et omites discipuli dixerunt (Matli.. XXVI. 35'.

Pois bem. o Mestre lhes disse: — «Vigilate et orate nt. mm intretis in tentationem».

Foram elles fieis á ordem de Jesus, que um momento an­tes sacramentado possuiam em seus corações e pela primeira vez? Nãò. Velaram? Não. Rezaram? Não.

E por isto todos cahiram na .tentação, todos fugiram, todos O abandonaram.

E, para todos, aquelle dia de infidelidade foi o mais humi­lhante da vida.

Alerta, almas eucharisticas! alerta!

Terceira prova:Onde está vosso thesouro, ahi está vosso coração

VII- Esta é a prova dos factos.A obsetvancia dos preceitos e das palavras de Jesus ea fi­

delidade plena e perfeita para com Elle são condições indispen­sáveis para que se desenvolva em nós o verdadeiro amor eucha- lislico; porém, depois de desenvolvido, a prova que o attesta claramente está indicada por palavras mesmas do Salvador: *Ubí thesanrns vester est, ibi et cot vestrnm erit — Onde está vi:sso thesouro está também vosso coração.

Nenhuma outra regra é como esta tão própria a nos fazer como que tocar com a mão quem pertença ás almas eucharisti­cas, ou não. E a mesma cousa reconhecem os outros.

Diz-se: A alma está mais no que ama que no que anima e sabiamente.

Porque é impossível que um bem, se verdadeiramente ama­do, não attraia a si os pensamentos, os palpites, em suinma, a alma toda do amante.

Pensa-se mais naquillo que mais se ama, necessariamente. Sim, o bem mais amado é o primeiro que nosso coração saúda, apenas desperta pela manhã; é o mais recordado durante as horas do dia; é o mais almejado quando se busca o leito; é sempre

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P. ANTONIN O nr.

o mais sonhado durante a noite Chi i /icsiuiri/s r cs í r r cs/, ihi ci cor rcs/n /m erit.

Aquillo em que nunca ou quasi nunca se pensa, ou se pen­sa pouco e como á força, não será um In-m amado. Não será um bem amado o que facilmente é esquecido e olvidado; muito mais, se tal facilidade de esquecimento tornou-se um habito.

A agulha magnética voltada para o polo é como o coração voltado para o seu thesouro, como o amante attrahido pelo amado

Applícando esta regra a Jesus Sacramentado, saber-se-á lo­go se Éllc é nosso thesouro, e se somos de facto enamorados da Eucharistia.

VIII—Ordinariamente todos os dias da nossa vida são a repetição quasi monotona de um só dia. Basta, pois, que exami­neis eucharisticamenle um dia para avaliar vossa vida e vosso espirito eucharistico.

Apenas erguidos pela manhã, mal despertos ainda, é Jesus Sacramentado nosso primeiro pensamento, nosso primeiro palpi­te, nosso primeiro suspiro, nossa primeira palavra, nosso primei­ro anhelo? Quando estamos no trabalho (cada um. segundo o seu estado) sentimos grande desejo c grande ansia de ir á egre- ja?... ou, as contrario, para lá vamos a commodo; porque somos obrigados, e friamente, e machinalmente?...

E quando estamos em sua presença, depois que pelas lon­gas horas da noite Elle ficou sozinho, que sentimentos desperta em nós a vista do tabernaculo ?... Lançamo-nos a seus pés com o impeto de Magdalena V aconchegamo nos ao seu peito como o discípulo predilecto? Offerecemo-lhe as adorações que todas as manhãs de sua vida mortal lhe offercciam S José e Maria San- tissh-n?

Oh! quem imagina os obséquios, as palavras doces, os beijos ardentes que em Jesus, e especialmente em Jesus-Menino davam sua Mãe e seu Pae de crcação, quando O saudavam pela manhã!

E se eu, pela manhã, ao vê-lo, conservo-me mudo. frio, in- differente, posso dizer que Jesus Sacramentado é meu thesouro?

Na sua presença estou livremente, alegremente, ou porque uma lei qualquer a isto me obriga? Na egreja parecem-me minu­tos as horas, ou as horas minutos? Suspiro por sahir, ou por ficar, quanto me seja licito fazê-lo ? Ah! o Pe. Faber nos diz que nenhum quarto de hora nos parece tão longo como o quarto de hora de agradecimento depois da Missa ou da communhão..

E, sahindo da egreja, como me afasto d’Elle? como lhe di­go adens ? Afasto-me sem pena, ás carreiras, sem lançar-lhe um

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A ALMA EUCHARISTICA

ullimo olhar, tim ultimo sorriso? Afasto-me todo inteiro, isto é, alma e corpo? não lhe digo, ao despedir-me, que quero deixar-lhe n coração e a alma? que pretendo ficar ali, espiritualmente, ajoe­lhado aos seus pés, como a pequena lampada, e em companhia ilos anjos eiícharisticos? Perdendo-O de vista, não me proponho voltar a Elle, logo que me seja possível? que de longe O cha­marei, O invocarei ? Mantenho, depois, esta promessa, isto é, pen­so n’Elle durante as horas do dia, chamo-O, Invoco-O?...

E quando estou livre um momento e as circumstancias o permittem, corro á egreja para dizer uma palavra a Jesus, voltan­do depressa ás minhas occtipações? aos meus deveres? Não podendo visitá-IO na egreja a meu gosto, visito-O mesmo de casa, saíído-O, adorando-O. chamando-O, e lhe sorrindo?

Quarido chega a noite, como me despeço de Jesus, como imploro perdão das infidelidades do dia. como lhe dou graças, como lhe offereço os últimos palpites, as ultimas expansões da minha alma? Penso então, no modo com que, á noite, se despe­diam os santos? sobretudo, no modo com que na casinha de Nazareth se despediam Maria Santíssima e S. José? Emfim, vou para a cama pensando n’Elle, e pensando n’Elle adormeço, sonho e desperto?

IX—Parecem exaggerações!... Mas não, não, meu Salvador. Tudo isto é a manifestação natnral, a applicação sincera da vossa regra:—Onde está vosso thesouro, está também vosso coração.

Não ha exageração alguma. E’ o caso de repetir ainda com S. Agostinho:—í)a amantem et sen ti i quod dico—Dae-me uma alma verdadeiramente amante, e logo ella comprehenderá muito bem que força tenha a regra indicada por Jesus.

Perguntae a todos e a cada um dos santos enamorados da lãicharistia, e vo-lo dirão unanimemente: — Jesus foi seu unico pensamento, porque Jesus era seu thesouro. O thesouro estava guardado no tabernaculo, e para o tabernaculo se dirigiam sem­pre seus corações.

Tal verdade manifestam todos os exemplos que citei ante­riormente; tal verdade hão de confirmar os exemplos que ainda vou citar. Também a confirmam os exemplos todos das vidas dos santos.

Em que pensa o faminto?... No pão. E o sedento?... Na agua. Ora, a Eucharistia é a divina fome; a divina sêde, a divina fixação das almas eleitas.

Dellas especialmente é que a Egreja canta:O Jesus,

Qni te gustant, esuriunt—Os que te provam têm ainda fome. Qtti bibunt cidhiic sitiun t—Os que te bebem têm ainda sêde.

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P. ANTONINO DR CAS

JJcsidrrarc nesciunt—Não sabem desejar.A7s/ Jesiun quem dilignut-Senão a Jesus que amam.

Mas, que fome é esta e que sêde! Já o vimos em lugar proprio falando da febre, da ferida, e do fogo eucliaristico, sen­sível e espiritual. Outros exemplos accrcscento.

X— Quando S. Catharina de Senna se approximava do S.S. Sacramento, ia com aquella avidez com que uma creança se ap- pioxima do seio materno.

Ceita manhã especialmente, desejava com tanta vehemencia receber o seu Dilecto Sacramentado, que pela força dos seus de­sejos cahia em doce deliquio, e supplicava o B. Raymundo, seu confessor, que lhe desse bem cêdo a santa communhão, receo­sa de morrer pelo impeto de seus anhelos.

—Também a serva de Deus, Joanna Maria da Cruz, abra- zava-se em desejo de receber Jesus:—«A vida ou a morte pouco me importa, comtanto que possua o meu Salvador»—assim dizia ella. Também, estando gravemente doente, fazia-se conduzir á sa­grada mesa, e ali achava remedio e allivio aos seus males. Conta ella mesma: —«Mal podia eu esperar o clarear do dia».

Quando o sino tocava para a Missa em que devia com- mungar, minha alma sentia-se abrazar por satisfação muito viva, e todo o meu corpo tremia de amor.

Ficava ebria de felicidade, e meu gozo se communicava a a todos os presentes».

Ouvi agora o que lhe disse Jesus em uma destas dulcissi- mas communhões.

Eis-me comtigo, eis-me comtigo, eis-me comtigo. Vê, estou ardendo em desejo de me communicar a ti. E quanto mais me dou, mais desejo dar-me de novo. Depois de cada communhão sou como um viajante devorado pela sêde, a quem se offerece uma gotta de agua, e que, tendo-a recebido nos lábios, fica mais sequioso do que antes.

Assim, continuamente suspiro pelo momento de dar-me a ti».

XI— S. Gabriel da Adolorata (ó anjinho de Deus, perdoa-me, se ainda não falei de ti) em face do tabernaculo parecia se lique­fazer de amor, queimar como incenso, derramar toda a sua alma.

Parecia um seraphim quando ajudava a Missa; se houvesse estado presente ao sacrifício do Calvario, não teria ficado mais recolhido que quando assistia ao sacrifício eucharistico.

Psalmodiando no côro, conservava-se attento ás Missas da egreja; e, espiritualmente, mesmo do côro as assistia.

Estando no jardim, pensava que era de Jesns esse jardim

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A ALMA EUCHARISTICA236

i* para Elle colhia flores: também para Jesus as colhia quando de passeio.

Na ultima doença muitas vezes exclamava:--Meu caro Jesus, amor por amor, dôr por dôr, sangue por sangue.

E era sua esta delicada reflexão: «Na hora da morle, po­demos dizer.a Jesus: — Meu Jesus, tantas vezes vos recebi cm

'meu pobre coração; agora acolhei-me coinvosco no paraíso».—O Pe. Salésio, jesuita, sentia-se inflammado só e*. falar

do S. S Sacramento. Nunca se saciava de visitá-IO. Se era cha­mado jí portaria, se voltava ao quarto, se andava pela casa, pro­curava sempre nestas occasiões repetir as visitas ao seu amado Senhor. Assim foi notado que não passava uma hora do dia sem O visitar. AAereceu morrer pelas mãos dos hereticos, mesmo quando defendia a verdade do Sacramento.

—Seu glorioso irmão, S. Francisco Regis, algumas vezes, durante o inverno, foi achado de joelhos atrás da porta da Egreja, ardendo internamente de amor por Jesus Sacramentado, e no ex­terior todo coberto de neve. E hão se apercebia!

XII— Todas estas scenas amorosas dos santos não são de admirar, ad,mittido o principio divino: Ubi fltesaurus vestcresi, ibi et cor vestrum erit.

Não causa maravilha se o Senhor, ajudado pelos anjos, te­nha se dado em communhão a algumas almas que não podiam recebê-Ó do outro modo. Mas, que digo?., por meio dos an­jos?... Jesus, o proprio Jesus, muitas vezes com suas próprias mãos. administrou a santa Communhão. Fez isto a S. Collecta, a S. Catharina de Bolonha, a S. Magdalena de Pazzi, a.S. Clara de .Monlefalco.

Não causa maravilha quando se lê de alguns santos que por certo tempo se alimentaram só da Eucharistia. Por varias quaresmas assim fez S. Catharina de Sentia; e por doze annos a B. Angela de Foligno. S. Catharina de Senna nos últimos me­ses de moléstia, vomitava toda espccie de alimento, nada podia engulir; ,só engulia e só supportava a santa partícula, que da lingua, dizia ella, logo lhe descia ao coração. Uma noite ella so­nhou, que não mais podia fazer a santa Communhão. e com- quanto lhe fosse difficil chorar, ao acordar, viu que dos olhos lhe cahiam lagrimas, a lhe molharem os lençóes.

E era somente sonho!XIII— Chegou também para S. Geraldo Majella a hora da

prova, e que prova, meu Deus!Foi calumnjado, e com a calumnia mais infamè e atroz que

se possa lançar ém rõstò' a um religioso, o qual, mais que ho­mem, é um anjo em carne.

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P. ANTONINO DE ÍASI II . IAMI

E a calumnia foi acreditada, acreditada pelo menos como grave suspeita, pelo Superior maior, que era um santo também, e um grande santo-S. Affonso Maria de Liguorio. Oli! impres- crutaveis juizos de Deus! S. Affonso, esperando que luz mais clara se faça sobre a accusação, prohibe a communhão ao Irmão Geraldo. Fica privado por muito tempo da Eucharistia aquelle que só vivia da Eucharistia!...

A quantos o exhortavam a pedir a graça de commungar, respondia:—Não, tenho Jesus no coração, e isto me basta. Mor­ra-se sob o peso da vontade de Deus!

Naturalmente, se abstinha também de ajudar a Missa, por­que desmaiava de dôr por estar vizinho ao seu thesouro, por vê-lo, por quase tocá-IO, e não O poder receber.

Um dia, a quem o convidava para ajudar Missa, respondeu: —O’ meu Padre, não me tenteis! Deixae-me ir, que sou capaz de arrancar de vosas mãos a santa hóstia.

Porém a provação findou; a calumnia foi desmascarada, a innocencia exaltada. Como o virgem apostolo S. João, da caldei­ra de azeite fervente onde fôra immerso, sahiu ftitrior ac ve- gctior—2iSs\m mais puro e mais forte sahiu Gerardo da terrível prova.

E, de modo especial, sahiu mais abrazado e mais inflamma- do de amor pela Eucharistia.

XIV—Não causam maravilha, finalmente, os excessos amo­rosos de alguns santos, que até parecem incríveis.

S. Francisco de Borgia chegava a abrir o tabernaculo, so­mente com os palpites do seu coração. Nos últimos tempos de sua vida soffria de estado comatoso; para tudo havia necessi­dade de despertá-lo. Excepto para a communhão. O amor a Jesus despertava-o por si mesmo.

Durante sua vida, em fazer a acção de graças demorava tan­to tempo, que se esquecia de comer. Tinham que lh’o recordar, fazê-lo comer á força.

E o seu Pae S. Ignacio, celebrando o divino sacrifício, pela vehemencia do amor, ficava tão esvaido de força que devia in­terromper os dias da celebração.

Na solemnidade de Natal de 1550, por haver dito duas Missas seguidas, quase perdeu a vida.

Uma vez o P. Nicolau Lanoi, presente á sua Missa, no Me­mento, viu uma chamma sobre sua cabeça. Assustado, correu a apagá-la. Mas achou o santo fóra dos sentidos, a chorar copio- samente. Comprehendeu ser aquella chamma uma chamma do páraiso.

E’ sabido que sua acção-de graças depois da Missa dura-

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238 A ALMA EUCH ARISTICA

vá duas horas, durante as quaes não dava audiência senão em casos gravíssimos. Algumas vezes foi-lhe vista a face resplande­cente como a de Moysés.

Da sua cella fizera abrir uma janellinha dando para a egreja. Ali, na egreja, estava o seu thesouro; para ali se voltavam seus olhos e seu coração.

Quem pode descrever o que era a Missa que sozinho no seu oratorio celebrava S. Philippe Nery? Tinha necessidade de esforço porque mal tomava na mão o amicto começavam os seus extases... E um extase de’ longuissiinas horas era todo o seu santo sacrifício

Um extase também era habitualmente a Missa de S. Lou- renço de .brindisi, capuchinho. Admirável cousa!

Celebrando privadamente chegava a levar dez horas; come­çava chorando, e chorando terminava.

O que é ainda mais admiravel é que, algumas vezes, chegou a ensopar de lagrimas uns sete lenços mais ou menos!

Voltando agora á Missa que celebrava S. José de Cuperti- no, o santo que passou a maior parte de sua vida mais erguido ao ar e extático que pousado na terra, accrescento que o povo assaltava as egrejas onde ia celebrar. Isto é pouco—chegavam a derrubar paredes, a descobrir tectos para gozarem a felicidade de assistir á sua Missa!

XV—Quão portentoso era o amor euchàristico dos santos!Da mesma forma que o cego conhece, quase por instincto,

aquillo que o cerca e aquillo que ama, assim muitas vezes ti­nham os santos o sentido instinctivo, ou a intuição da Eucha- ristia.

Como a nós chega a ser facil e natural encontrar e reco­nhecer nossos thesouros materiaes, escondidos ou perdidos, as­sim, para certos santos, por virtude divina, tornava-se facil en­contrar e reconhecer o thesouro euchàristico, isto é, a presença real de Jesus Sacramentado.

—Algumas vezes, de facto, a Francisca Romana, a Cathari- na de Senna, a Thereza .de Jesus, .e a outras grandes almas — ou para prova ou por engano—deram a commungar partículas não consagradas. E ellas voltaram a face e pediram o verdadeiro Pão dos Anjos.

Lê-se de S. Catharina de Ricci que, em uma sexta-feira san­ta, meditando na egreja, conheceu mysteriosamente que, embora pelo rito do dia não parecesse possível, no Tabemaculo havia ficado Jesus Sacramentado Corre, pois, para junto do altar-mór para de mais perto adorar, seu dilectissimo SenWbr. Uma irmã lembra-lhe que, sendo sexta-feira santa o Sacramento fôra de lá

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P. ANTONINO DK CASII'

tirado. Porém S. Catharina exclamou em vo/ alia: Não estaesvós alii. meu amado Bem?—Sim, estou - foi-lhe respondido.

O padre confessou depois que 110 Saaario havia esquecido a Hóstia grande consagrada.

S José de Cupertino, estando de viagem, chegou a uma egrejinln de campo, deserta, abandonada, sem lampada alguma acesa. —Acreditaes, diz elle ao companheiro, que o Santo dos san­tos aqui esteja? O outro, duvidando, respondeuQ uem o sa­be? Mas o coração do santo bem o sabia. Solta um grito e, er­guendo-se nos ares, corie a abraçar o tabernaculo, adorando nelle o seu Deus escondido e abandonado.

E para terminar: o velho S. Affonso Maria de Liguori, nos últimos annos, não podendo mais celebrar, contentava-se em re­ceber a santa Comtnunhão. Uma vez, logo depois de commun- gar, se pôs a gritar: — Que nie destes vós? Não me destes o meu Jesus Christo.

Os circumstantes ficaram attonitos e impressionados pelas palavras, e mais ainda pelas lagrimas do santo.

Foi interrogado o sacerdote que havia celebrado a Missa (depois da qual dera a S. Affonso a hóstia consagrada nesta Missa). Foi interrogado o ajudante, e chegou-se a conhecer que o pobre celebrante por distracção omittira a Consagração.

Do Memento dos vivos passara ao dos mortos, tomando um pelo outro.

E assim tinha razão de gritar o santo v e lh o « Q u e me des­tes vós? Não me destes o meu Jesus Christo!»

XVI—Aqui ponho fim aos exemplos, para não me tornar • monotono e mesmo enfadonho aos leitores.

Não são para nós os prodigios; mas é certo que também de nós o bom Deus exige um amor posto á prova. E estas pro­vas são: a observância exacta dos seus mandamentos e das suas palavras; a fidelidade plena aos seus desígnios; o repouso n’Elle do nosso coração, como sendo nosso thésouro.

Isto me parece infallivèl: quanto mais formos obedientes ao Mestre sacramentado, quanto mais fieis ao sacramentado Ami­go, e mais enamorados do sacramentado Thésouro, tanto mais seremos eucharisticos discípulos, eucharisticos amigos, e eucha- risticas almas.

Porém, da mesma forma que o amor tem suas provas, tem também os seus effeitos, os quaes por sua vez, se tornam pro­vas e critério do espirito eucharistico.

O principal destes effeitos é o zelo, e do zelo falarei em capitulo especial.

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240 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO VII

. Quarta regra: Z e lo e u c h a r is f ic o

I— Lê-se de S. Thereza que um dia (o mais bello de sua vida), tendo um anjo lhe traspassado o coração com uma serta de fogo, ouviu Jesus Christo dizer-lhe estas memoráveis palavras: «Deinceps, u t vera sponsa, meum zelabis honorem». — De hoje em deante, como verdadeira esposa, tem zelo da minha hon­ra —O’ alma eucharistica, recordae-vos sempre desta advertência de Nosso Senhor á grande Thereza:- E’ proprio da verdadeira esposa ter zelo pela honra do esposo. Pode-se tirar a conclusão: Quem tem mais zelo é mais verdadeira esposa de Jesus; quem não tem zelo, ou não é esposa ou é esposa infiel.

Conforme o vosso zelo pela Eucharistia, averiguar-se-á a a verdade e a intensidade de vossa união a Jesus Sacramentado. Como proferido pela sua própria bocca divina, acceitae o aviso: Deinceps, u t vera sponsa, meum zelabis honorem.

Interessae-vos, pois, por tudo o que diz respeito ao culto e á honra de Jesus Sacramentado, ou directa ou indirectamente. O zelo é o característico dos santos, porque a santidade consis­te principalmente no amor. Ora, o zelo segue de perto o amor. Todo amante é zeloso; quanto mais se ama, mais se zela.

II— Escutemos S. Thomaz: Zelus, quocumque modo su- matur, ex intensione amoris provenit—O zelo em qualquer sentido que se tome, provem da intensidade do amor (I, 2, Qiiaest. XXVIII, art. 4).

E, applicando isto ao amor de amizade, accrescenta que «o amor de amizade procura o bem do amigo; quando é intenso afasta o homem de tudo o que é contrario ao bem do amigo. Neste sentido se diz que alguém ama a Deus, quando faz todo esforço para fugir do que se oppõe ao amor e á vontade de Deus, segundo a palavra de E lia s« A rd o de zelo pelo Senhor Deus dos exercitos».—(3, Reis, XIX, 10) — e segundo o dito do psalmista; que S. João applica a Jesus Christo:—O zelo de tua casa me devora. (Psalm., LXVIII, 10).

Fazendo sua a exposição deste texto conclue:—«E’ devora­do de zelo quem, notando os proprios vicios, procura corrigi-los, e, não o conseguindo, os tolera e geme».

O proprio divino Areopagita chamou O zelo antatorium quemdam impetum — um certo impeto moroso — (Do Divin. Nom. 4), Por isto, S. Ambrosio dizia: Qui non arnat mm zelat. (No Psalm., 128). Quem não ama não tem zelo.

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>. ANTONINO I AS11 I I AMMAlíl

111 —Tanto quanto o vosso t*stado, a vossa posição, esneci- almente as vossas forças o permittirrm, prnrurac a honra de Jesus Sacramentado em tudo o que llie diz respeito: seja n’Klle pro- prio, seja nas pessoas e nos lugares e cousas que lhe são con­sagrados. Se. em face das desordens, das irreverências, do aban­dono que muitas e muitas vezes circumdam os santos Tnberna- culos, ficaes indifferentes e como insensíveis, ah ! não me faleis de amor eucharistico. não me pergunteis se sois almas encharis- tic ;s. E’ cl iro que não pois qai tmn zelai nnn amai; faltan­do o zelo, que é o effcito, falta necessariamcn.c a causa, que é o amor.

E, faltando o amor, falta tudo.

IV—S. Francisco de Salles soube, um dia, que um jovem parocho de sua diocese somente celebrava a santa Missa nos domingos e dias de festa.

O santo, que muito o estimava, usou de um estratagema para levá-lo a celebrar diariamente. Fez-lhe presente de uma pe­quena caixa forrada de. seiim encarnado, adornada de ouro, pra­ta e algumas pérolas. A caixinha continha hóstias e, entregando-a aberta, o santo d isseA cceitae este presente; mas. em nome e por amor de Deus, vos peço uma graça: é que celebreis cada dia a santa Missa e que nella vos lembreis, cada dia, de que só em nome de Deus vos faço esta supplica:

O jovem padre, obediente, nunca mais deixou de celebrar.—S. Caetano, estando em Nápoles, e havendo sabido que,

em Roma, um alto prelado seu amigo, por se ver sobrecarregado de trabalhos, começava a deixar a celebração da Missa de cada dia, partiu de Nápoles, não obstante os graves perigos a que expunha sua vida (pois era epoca de calor intenso) foi a Roma, e conven­ceu o seu amigo da obrigação de, como no passado, celebrar cada dia a santa Missa.

—S. Affonso narra dois actos de grande zelo realizados pelo Pe. Mestre Avila. O primeiro foi este: tendo visto um sa­cerdote durante a Missa tomar irreverentemente a Hóstia santís­sima, approximou-se do altar e lhe murmurou baixinho: Por ca­ridade, trata-0 melhor, que é Filho de um bom Pae!...

O segundo foi para corrigir um sacerdote que sahia da egreja, mal deixava os paramentos sagrados, sem fazer um mi­nuto de acção de graças. Um dia fê-lo acompanhar por dois aco- lytos, com velas acesas, e que, interrogados pelo padre sobre o que significava o que faziam, responderam:—Acompanhamos o S. S. Sacramento, que está no vosso peito!

—S. Paulo da Cruz, indo para o altar celebrar, recusou um primeiro e um segundo corporal, porque pouco asseados; e a

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242 ALMA EUCHARÍSTICA

um distinclo ecclesiastico, que não estava revestido segundo os sagrados cânones, não permittiu celebrasse missa, dizendo-Ihc:-- Isto não são paramentos dignos de serem levados ao altar.

—O B. Luiz Maria Grignnn de Montefort. quando pregava missões, tinha cuidado especial em fazer restaurar e decorar as egrejas e capellas, os tabernaculos e os quadros; em abastecer as sacristias de paramentos e sanguinhos. Para tal fim^levava sempre comsigo um pintor e um csculptor, que trabalhavanV sob sua direcção; empregando todos os momentos livres em procu­rar o maior asseio possível ás casas de Deus.

V— Entretanto, quão maior era o zelo dos santos em pre­parar as almas para o Senhor!

Ainda que simples leigo, Geraldo Majella ardia em zelo pelas almas; e, em quanto os padres liguorianos, seus irmãos, pre­gavam ao povo. elle ensinava aos homens, para que se confes­sassem bem, e bem recebessem a sagrada Communhão.

Entre estes, infelizmente, os Judas não faltavam, ás vezes.Então. Geraldo, repleto das graças dq Espirito Santo, se ser­

via do dom de discernimento, para descobrir os que haviam se con­fessado sacrilegamente, e mais sacrilegamente se dispunham a commungar.

E a que remedios não recorria elle, para converter estes malvados, e levá-os a reparar o’mal feito!

Levava-os para sua cella, e a um fez apparecerem dois ur­sos terríveis; a um segundo mostrou o quarto cheio de charn- mas, tornado fogueira do inferno; a um terceiro apresentou o Crucifixo, que deitava sangue por todas as partes; a um quarto fez apparecer o diabo em pessoa; a um quinto uma alma con- demnada.

Sacrílego algum podia livrar-se do seu olhar prescrutador; nenhum esteve com o santo sem ler chorado suas culpas.

VI— Porém os exemplos mais luminosos de zelo mostra­ram-nos os santos nas épocas de perseguição. Bastaria só a Re­volução Franceza para apresentar disto uma pagina maravilhosa.

Cito somente S. Maria Magdalena Postei. Nascida em No­vembro de 1756. estava na flor dos annos, durante a grande re­volução. Mesmo que ainda não fosse religiosa, já era o anjo de sua parochia; todos faziam como ella fazia.

Quando foram fechadas as legitimas egrejas, banidos e vo­tados á morte os legítimos padres, nenhum padre desobediente conseguiu fazê-la entrar nas egrejas profanadas por elles.

Sua casa tornara-se o refugio certo dos sacerdotes fieis, que

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disfarçados procuravam pão aqui o acolá, para não cahircm nas garras dos carnifices.

E não somente os sacerdotes, mas lambem o bom Deus se escondia na casa da Senborila Postei. Assim, em Janeiro de 1792, construiu um altarzinlio com pequeno labernaculo, em um subterrâneo; fc-lo abençoar, e, á meia noite, ahi, foi celebrada a santa Missa, conservando-se encerrado o S. S. Sacramento, para servir especialmente aos pobres moribundos.

Eli.-, somente era o anjo da guarda. a companheira, o cus­todio de Jesus Sacramentado. Quantas vozes foram os revolucio­nários ^quella casa, procurar padres fieis, surpreliendê-los !... Nunca um só lhes cahiu nas mãos; nunca descobriram o S. S. Sacramento.

Quantas Missas celebradas nas profundas horas de noites tempestuosas! Quantas primeiras cominunhões realizadas!

Quantas vezes Maria Maria Magdaleita Postei ficou em ex- tase, em face do seu occulto Rabboni!

Chegou a levar ella mesma o Vialico, autorizada por sa­cerdotes, quando estes conseguiam confessar doentes muito afastados.

Então, tomava a Hóstia com uma haste de prata, encerra­va a em uma bolsinha de sêda, e voava... voava aos enfermos, qual anjo da Eucharistia.

VII-Quanto ao zelo eucharistico, accrescento que nada es­capava aos olhos dos santos, tratando-se do culto; e até aos pequenos inconvenientes procurava reparação este zelo.

—S. Clemente M. Hofbauer soube e reparou elle proprio que um seu sacerdote, victima de escrupulo, empregava muito tempo em limpar a patena de qualquer invisível fragmento. Áquelle cuidado exagerado, além de prolongar demasiadamente a Missa, causava contrariedade e admiração aos assistentes. Um dia. Cle­mente se approximou mesmo no momento em que elle acabava de limpar a patena; e, com doçura de santo, lhe disse:—Meu ir­mão, deixae alguma cousa para- os anjos. Ó religioso obedeceu, e nunca mais soffreu aquella terrivel doença do espirito.

—Uma noite, á S. Thereza de Jesus, que rezava em Avila, foi revelado que a lampada de sua egreja em Magalone estava apagada havia já muitas horas. Oh! Deus! que fazer?

Era tão distante esta egreja do lugar onde ella rezava !^Re- corre ao Senhor, e em sonho vae ter com a V. Irmã Anna de S. Agostinho, que era a sacristã de Magalone, e lhe diz: —«Irmã Anna, acorda, e vae acender a lampada do Sacramento...» Irmã Anna acorda e. certa de que sua santa Madre lhe falara em so­

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244 A ALMA ElICHARISTICA

nho, corre á egreja, aclia realmenle a lampada apagada, e a acen­de logo.

Oh! o zelo delicado dos safitos! Abrazavam-se todos em amor, e por isto também em santo zelo.

VIII— Oh! com vosso zelo dae também a Jesus prova do vosso amor; assim avaliareis vosso espirito euchnristico.

E’ verdade que o corrigir não compete a todos; compete aos superiores que para isto têm direito e dever. Compete aos superiores serem todos olhos, para que seja bem cuidado tudo o que de pessoal, local, ou real diga respeito ao culto da Eii- charistia.

E aos superiores pedirá Deus rigorosas contas sobre o culto eucharistico não observado, observado mal, ou não pro­movido has egrejas e nas almas.

Sim, parece-me que nada deve ser mais recommendado aos cuidados e ao zelo dos superiores quanto Jesus Sacramentado.

Parece-me também que um certo zelo nós o devemos to­dos possuir, segundo o proprio estado ou posição, como já dis­se acima; especialmente segundo as forças de cada um, e as cir- cumstancias que se apresentam.

Porém o nosso zelo, como o dos superiores, deve ter as condições exigidas por S. Bernardo:—Zclurn tuum in/hinunct charitas, informei scientia, firm et constantia;—nosso zelo seja ardoroso pela caridade, dirigido pela sciencia, sustentado pela constância.

E, ainda que julgue já ter falado bastante e muito claramente sobre o zelo eucharistico. quero ainda insistir sobre um particu­lar argumento.

IX— Creio que eu também faltaria de zelo, se não dissesse inteiramente o que sinto no meu pobre coração sacerdotal !

Vêde, pois, ó almas eucharisticas, devería ser precioso tudo o que diz respeito ao samissimo e divinissimo ‘acrámento.

Entretanto, Jesus Sacramentado é ordinariamente o Deus de Belem e de Nazareth; raras vezes, nas egrejas, Elle é o Deus do Tabor! Egrejas pobres, altares pobres, vasos sagrados po­bres, paramentos pobres, tudo pobre é, de commum, o que se dedica e consagra ao culto do Senhor.

Parece que o Deus dos pobres, exaltador da pobreza de espirito, a tenha predestinado para sua companheira e sua espo­sa também na vida eucharistica.

Até aqui está bem: comprehendo a pobreza, mas não a falta de asseio.

Pobres foram os pannos e as faixas em que a santa Mãe

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P. ANTONINO P t

envolveu o divino Infante em Belem; porém eram novos, bian- cos, limpos, immaculados !...

Se nem sempre podem ser preciosos os objcetos consagra­dos ao Deus Sacramentado, porque não hão de ser sempre lim­pos? Se não podem ser sempre novos, porque, pelo menos, não devem ser sempre limpos, pelo menos sempre deeenlcmente con­servados e concertados ?

Pobre Jesus! contenta-se com o que está remendado econ- sertado. cointanto que esteja asseado! Ah! os consertos fazem- se sempre nas egrejas e com Jesus Sacramentado!!

As mãos e os corações abrem-se facilmente para'pompas, mesmo pompas religiosas, e nas egrejas faltam paramentos sa­grados ; algumas' vezes faltam mesmo corporaes, sanguinhos, to­alhas, purificadores convenientes não somente á dignidade de Deus, porém até á dignidade do sacerdote çelebrante.

X— A falta de asseio, a economia, a mesquinhez, usadas para com o Senhor, não somente não honram a Jesus, mas des- honram aquelles que têm a guarda, a responsabilidade e, muitas vezes, os lucros da egreja.

Seja tudo pobre; se quizerdes; porém tudo asseiado, tudo iimpo. ürande Deus! como é pcssivel acreditar na presença viva e real de Jesus, no S- S. Sacramento, e manter o seu culto tão indignamente?

Quase, quase seria tentado a dizer que é mais desculpável pelas suas irreverencias aquelle que não acredita que aquelle que acredita e trata de tal modo o seu Deus julgado presente.

Um dia, no Instituto da Providencia do B: Cottolengo. em Turim, foi em visita o arcebispo. Era um dia qualquer da sema-' na, porém a capella estava tão adornada e asseada que o bispo se voltou para o santo homem—Que festa celebraes hoje? per­guntou.—Excellencia, aqui ha sempre festa !..

Ha sempre festa! Pensae nesta sentença, ó almas eucha-' risticas.

As egrejas, os aliares, e todos os objectos referentes ao‘ culto da Eucharistia deveríam estar sempre em festa, se não por preciosidades, ao menos pela. ordem e pelo asseio.

E, se não vos basta o dito do B. Cottolengo, escutae este, mais peremptorio. de Jesus Christo, que no dia do grande juizo dirá aos eleitos :—ATudtts fu i et cooperuistis me—Estive nú e' me vestistes. E também sen*enciará aos reprobos :—<'-A'udu$ f t í f et non cooperuistis m e—Estive nú e não me vestistes».

XI— O’ vós, que participaes das riquezas recebidas de Deus, vesti a Jesus pobre. A caridade, para ser verdadeira, deve ser es­

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sencialmente ordenada, e deve, antes de tudo, soccorrer aos mais pobres e aos mais queridos.

E quem mais pobre que Jesus Sacramentado, o qual, para se perpetuar na Eucharistia, tem de continua necessidade de um pouco de farinha, de um pouco de vinho, de duas velas e de um pouco de azeite para a sua lampada?

Se um dia todos os homens do mundo combinassem não dar mais a Jesus nem um pouco de farinha, nem um pouco de vinho, neste dia mesmo, em todo o mundo, acabaria a Eucharis­tia! Tanto Jesus Sacramentado tem precisão de esmola!

E digo que Elle seja não só o mais indigente, porém tam­bém o mais querido, o mais proximo dos nossos pobres.

O’ Jesus I .. O’ Jesus!... O’ Jesus!... é melhor calar! Cada alma eucharistica, segundo o seu estado, sua posição, suas for­ças, faça caridade a Jesus Sacramentado. Caridade /... A esta pa lavra, como não nos arrebenta no peito o coração, á idéa de soccorrer aquelle Deus que nos veste, nos alimenta, nos conser­va, momento por momento? E, entretanto, trata-se de verdadeira caridade a Jesus Sacramentado. Façamo Ia, pois, ou dando nosso dinheiro, se o temos, ou nosso trabalho:—adornando, costuran­do, lavando, consertando, renovando, quanto mais possível, tudo o que pertence ao culto do Senhor.

E quando nada possamos fazer para as egrejas, por meio dc conselhos induzamos outros, que o possam, a que lhes promovam o asseio e o decoro Peçamos com doces palavras que não se lhes falte de respeito, que não as profanem... E tudo isto não com palavras, mas sobretudo com o exemplo. Oh! quantas vezes (havemos de confessá-lo!) erguemos a voz contra os que faltam de respeito ás egrejas, e, entretanto, somos nós os primeiros a não respeitá-las!

XII—Neste assumpto, Jesus mesmo se offenderia, se eu não erguesse um hymno de louvor e de bênçãos áquellas almas elei­tas que, em Bruxellas, fundaram a Associação da Adoração Per­petua e especialmente a Obra das Egrejas Pobres.

Foram as nobres e angélicas senhorinhas Anna de Meeüs, baroneza d’Hooghvorst, nascida condessa de Mercy Argenteau, e a B. Maria Miguelina do Sacramento.

A esta ultima, já conhecemos. A bemaventurada era ainda secular, viscondessa de Jorbalan, quando chegou a Bruxelles, em 1848. Porém, apesar de secular, todas as suas riquezas já. eram ou para os pobres de Jesus, ou para o Jesus das egrejas pobres.

Para que se erigisse em Bolonha um santuario da S. S. Vir­gem offertou um anel com sete brilhantes, presente da rainha Maria Luiza á sua mãe. — «Muito me custou fazer isto, escreve

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ella própria, mas, tratando-se de Nossa Senhora e de uma egreja onde ha de permanecer Jesus Sacramentado isio é, o objecto dos meus amores—decidi-me finalmente».

Indo depois para a Bélgica tomou parte na Obra das Egre- ja s Fobres já iniciada por aquelle seraphim da Eucharistia, que era a Senhorinha Meeüs; a esta obra se comagrou inteiramente, dedicando-lhe a força de sua fé, o impulso de sua energia, os arrancos de sua vontade de ferro, sobretudo as inspirações e approvações do alto. Deu e pediu adereços, vestes e fazendas preciosas—cortava, costuiava, adornava, pintava. Appellou para a generosidade dos grandes, e todos responderam com gosto.

Seu irmão, o primeiro adepto enthusiasta da Obra; depois o Rei, a Rainha, a côrte inteira, todos os senhores da mais alta aristocracia offertaram paramentos de luxo.

Tudo se guardava e preparava em um vasto salão de reli­giosas. Depressa os trinta ou quarenta armarios já não eram suf- ficientes para conter o patrimônio de Jesus pobre. De accordo com suas santas amigas, introduziu também em Bruxellas a Adoração perpetua que inaugurara em Paris com o auxilio de Mons. de Ia Boullerie, elle proprio uma ardente alma eucharistica.

Para que em Bruxellas a Obra da Adoração Perpetua se pudesse chamar perfeita, faltava um digno Ostensorio.

Obteve-o ella, sacrificando outras joias de grande valor. E no dia solemne do Corpus Domini teve a consolação de ver inaugurada a nova Instituição na capital da catholicissima Bél­gica.

Para séde da Adoração Perpetua escolhera-se a egreja ex­piatória do S. S. Sacramento do Milagre (que recordava a san­ta partícula apunhalada pelos hebreus, na sexta-feira santa de 1370).

Aquella egreja fôra adquirida e reformada pela Baroneza d’Hooghvorst, Mercy d’Argentean, quando por uma parte amea­çava cahir, e por outra ir parar em mãos mundanas para usos profanos.

Esta senhora, a principio, foi a presidente das duas Obras santamente eucharisticas: Adoração Perpetua e Egrejas Pobres.

Porém a sorte das egrejas pobres está ligada indissoluvel- mente á angélica creatura Anna de Meeüs.

XIII—Nascida em Bruxellas a 22 de Fevereiro de 1823, mor­reu a 15 de Junho de 1904. Descendente de uma das mais illus- tres e aristocráticas famílias de Brabante, ornada de primorosos dotes, especialmente de discripção, de zelo e de lhaneza, desde muito jovem se consagrou inteiramente á piedade, á Eucharistia, e ás obras da mais sublime caridade.

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A ALMA EUCH ARISTICA-2*W

—«Tudo para vos agradar, Senhor; nada para minha satis­fação!»—tal foi sua divisa ou, antes, o programma que realizou plenamente em sua longa vida.

Tinha vinte annos a Senhorinha de Meeiis quando um pa­dre veio. pedir á sua familia algum soccorro para uma egreja po­bre. Ella quiz visitar essa egreja, e. tal visita foi o momento de Deus. A esqualidez do lugar sagrado, dos altares, dos paramen­tos entristeceudhe profundamente o coração. Porém, maior foi sua dôr quando descobriu que o S. S. Sacramento era conserva­do em uma pixide de estanho.

Consequência esta funestissima de quase meio século de guerra, de revoluções, e também de perseguição religiosa

Era o anno 1843. Daquelle dia em deante não pensou, não viveu, não trabalhou senão para as egrejas pobres e para todas as outras obras referentes ao culto da Santíssima Eucharistia. Em 1846 sua idea já estava organizada.

Em 1848'conheceu a Senhorinha Desmesieres (a B. Migue- lina) c este facto foi providencial. Quando esta voltou definitiva mente para a Hespanha, as duas obras, da Adoração Perpetua e das Egrejas Pobres ficaram ao cargo exclusivo da Senhorinha de Meeiis, que dellas se tornou a alma, e nellas- infundiu seu espirito. Assim, as duas santas e nobres amigas tornaram-se-am­bas fundadoras de institutos eminentemente eucharisticõs -a B. Miguelina, das- Servas do S. S. Sacramento e da Caridade; a Se- lihorinha de Meeiis, fundadora das Irmãs Adoradoras Perpetuas.

Ah! o zelo dos santos não eram só bellas palavraseram factos e sacrifícios para semprej '■

XIV—Chegou a vez-de falar-do apostolado do- exemplo* e do apostolado da palavra.

Antes de' falar, porém, de-um-; ou de outro, sinto a neces­sidade de esclarecer uma' diffieuldade. ;z

Quando, nas- pessoas sagradas, ou nas egrejas, ou nos ob- jeclos do culto, ou nas funeções, nossos olhos são obrigados a ver o que não deveríam ver, não podendo nós impedi-lo, corri­gi-lo, ou repaiá-lo, que devemos fazer nestq caso?

Neste caso devemos—compaclcccr-nos, chorar, rezar.S. Thornaz o disse nas ultimas palavras da citação referida

no principio deste capitulo: —E’ animado de zelo santo aquelle que. vendo desordens e não podendo corrigi-las, tolerat ct gc- - ////V—tolera-as, gemendo .embora.

Sim, não. podendo fazer outra cousa, choremos. Choremos sobre qualquer offensa feita a Jesus Sacramentado.

Elle acceitará nossas lagrimas em expiação ou reparação das injurias que directa ou indirectamcnte lhe ferem o coração;

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acceitá-las-á também como oração pmpieialnria para os infelizes que o deshonram e amarguram.

E Jesus bemdicto, commovido por nossas lagrimas, fará o que não podemos nós fazer... Oli! a forca potente que possue rima unica lagrima cahida sobre o Coração de Jesus!

S. AAargarida de Cortona não conseguia ter paz e sofftia indizivelmente vendo as egrejas profanadas. Um dia, em que se esgotava, em lagrimas por este motivo, N. S. lhe disse: — Soce- ga, minha filha, não te abatas assim; reza e, se eu quizer, obte­rei-o que. não. consegues obter.

XV- Chorae, portanto, não podendo fazer outra cousa para Jesus Sacramentado. Nada possuindo para lhe dar, dae-lhe lagri­mas. Pelo menos, tende a satisfação de repetir com Job: — A d Demn stillat oculus m eus—Para Deus distillam lagrimas os meus olhos. (Job, VI, 10).

Chorae com os prophetas as profanações do templo santo de Deus, e dos divinos mysterios. E, como os filhos de Deus, chorae sobre as amarguras com que é saciado o Coração Eu- charistico'de Jesus Sacramentado.

Bemaventuradas as almas que, verdadeiros anjos do Senhor, cheias de zelo pelas offensas que lhe são feitas, não podendo repará-las, choram, como David, pelas mesmas razões de David. O cantor de Deus. no seu psalmo 118, diz :—Exif)ts uquam m deduxerunt oculi mei — Rios de lagrimas derramaram meus olhos... E porque? Talvez por desgraças súbitas? Não, respon­de S. Ambrosio, commentando esta palavra. Habuit quoque m ulta quac fleret — Teve o real propheta muitas desventuras que mereciam lagrimas, mas não chora por causa dellas. Porque chora então? Quia non custodierunt legem tuam, Domine. —Porque não observaram tua lei, ó Senhor. A tanto viro plus culpa , quam aermnna dejletur (Psalm., 118). Por tantos ho­mens é mais chorada a culpa que a desventura, mais a offensa de Deus que o castigo de Deus. Este é o zelo perfeito!

Desta forma, se não quereis reparar as offensas feitas a Jesus; se ellas não vos commovem; se não as podeis chorar; se, á vista de tantas irreverências e desordens, ficaes indifferentes e insensíveis vós também, oh! dizei logo que não tendes zelo eu- charistico, e nem amor eucharistico. E em tal dolorosissima hy- pothese, não hesiteis em vos riscardes por vós mesmos do mun­do das almas eucharisticas.

Quem não tem zelo não ama, e quem não anta vive na morte. Qui non diligit m anet in morle. (João, III, 14).

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XVI—Eis porque o meu santo Patriarcha, que foi tão amante da Eucharistia, foi também zeloso pela Eucharistia.

Sentiu em si, ainda secular, o impulso de restaurar as egre- jas pobres .e arruinadas; mesmo secular, comprava utensílios e objectos para o santo sacrifício, e secretamente os mandava aos padres para egrejas necessitadas. Não obstante sua extrema no­breza, arranjava e distribuía ciborios muito bonitos e asseados. Elle proprio cortava as hóstias com ferros artisticamente traba­lhados. E taes ferros os enviou para todas as províncias.

Nada o interessava tanto como varrer humildemente as egrejas e ornar os altares com a maior devoção. Porém, mais que as egrejas, elle honrava os sacerdotes,

Entre os seus opusculos, os mais profundos em sabedoria são os que tratam da Eucharistia; e, entre as suas cartas, as mais ardentes são as que recommendam a Eucharistia aos príncipes, nos clericos, a seus frades, a todo o povo christâo.

Suas primogênitas filhas espirituaes, as Clarissas, foram ns suas mais zelosas coadjutoras em preparar sanguinhos, toa­lhas, paramentos para as egrejas que não os podiam arranjar.

Da seraphica S. Clara narra Thomaz de Celano que, força­da ao leito por grave moléstia, fazia-se erguer e sustentar por tra­vesseiros e assim assentada trabalhava; fez mais de cincoenta corporaes. Encerrou-os em uma bolsa de sêda e purpura e, atra­vés montes e valles, mandoü-os ás egrejas das cercanias de Assis.

E’ verdade, pois, que o zelo eucharistico dos Santos pro­va o amor eucharistico que lhes abrazava os corações.

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CAPITULO VIII

Quinta regra —A p o s to la d o d o e x e m p lo

I— Para que possa ser completo tanto quanto possível, fa­larei primeiro do apostolado do exemplo e da palavra. Começo pelo exemplo, que é o primeiro fructc do zelo.

O exemplo é o mais eloquente dos magistérios e a mais potente das forças. Não são os preceitos que definem o homem, são os exemplos. As theorias illuminam, os exemplos arrastam; a palavra persuade, o exemplo converte. A doutrina se discute; pelo contrario, em face do exemplo, as frontes se abaixam, as armas são depostas, os joelhos se dobram. Fica-se vencido.

Por certo as regras e as theorias são indispensáveis no estudo de qualquer sciencia, qualquer arte ou profissão.

Porém é a pratica que esclarece a regra; é o exemplo que confirma a theoria.

Segundo a observação do antigo reitor Quintiliano conse­guiría pouco um magister que quizesse se limitar a preceitos unicamente—longum iter per praccepta. Seu methodo seria difficil, e de exito duvidoso.

Pelo contrario, breve et efficax per exempla—o magisté­rio que tem por base o exemplo é breve, mais efficaz e mais certo.

Um quarto de hora de pratica vale por um dia de theoria; aprende-se mais com os olhos que com os ouvidos; fica-se mais arrebatado e mais excitado em face do que se vê do que em face do que se ouve. A scena verdadeira commove mais do que a scena representada.

II— Por isto, em seguimento ao exemplo do divino Mestre que primeiro fez e depois ensinou, o principal apostolado que exercitaram os santos foi o apostolado do exemplo.

F o exemplo foi a prova mais luminosa e a confirmação mais efficaz de sua santidade.

E a razão é clara: o exemplo é, para a pessoa que o dá, como o fructo para a planta que o produz.

Dizia o dulcissimo Salvador nosso:—«Toda arvore bôa dá bons fructos, e toda arvore má dá máos fructos. Não pode uma arvore bôa dar fructos máos, nem uma arvore má dar bons fru­ctos». E, applicando isto aos falsos prophetas, concluía: Igitut ex fructibus eorum cognoscetis eos. Pelos seus fructos os conhecereis». (Math., VII, 17, 20).

Os fructos são constituídos pelo bom ou pelo máo exemplo.Applicando a ao nosso argumento, também esta regra do

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F.UCIIARIS1

divino Salvador consliliie uma regra bellissima para conhecer as almas eucharislicas: E x frnctibus ca rum cognoscefis eus.

São plantas do Senhor, plantas de graça e de benção, não podem produzir máos fructos; produzirão necessariamente fru- ctos bons. Por isto, podemos fazer como as almas eucharislicas, podemos segui-las com segurança, podemos imitá-las ccm amor. Elias nos ensinam, nos convidam, nos arrebatam, e não é possí­vel que nos .enganemos em reconhecê-las: E x frnctibus earum cogunscetis eus.

III — Dizei-me, é difíicil conhecer que uma casa se incen­deia, e' que um doente tem febre? E’ difficil persuadir-nos de que um jardim tem flores, e de que em uma egreja se queima incenso? Seria de admirar se, vendo uma andorinha entrar e sahir muitas vezes de um galho, ou abelhas de um buraco, alguém nos dis­sesse:— Aqui ha um ninho; ali uma colmeia? Será temerário julgar pelo externo o interno de uma pessoa, quando o proprio Espirito Santo nos ensina que o homem se conhece pelo aspe­cto? E x ?;isu cognoscitur v ir— E que a maneira de vestir, de andar, de rir, de caminhar annunciam a personalidade do homem? .huictus corporis, et risus dentiwn, ct ingressus hominis cnuntiant de illo? (Eccl., XIX, 26 e 27).

Applicae á ordem eucharistica todas estas reflexões e co­nhecereis logo as almas eucharisticas, e as conhecereis pelòs seus fructos, isto é, pelo complexo de sua vida externa, pelo que fazem para Jesus e para a Eucharistia. — E x frnctibus earum < agnoscetis eas.

E notae que não custará esforço este reconhecimento eu- charistico. Não; muitas vezes para conhecer um sacerdote basta ouvir sua Missa. Um religioso ? Basta observar como permanece uo côro, como psalmodia em facè do. tabernaculo, na compa­nhia dos anjos. Um secular? Reparar como está na egreja, espe­cialmente como assiste ao santo sacrifício da Missa. Qualquer communhão? Vós a conhecereis (e infallivelmente) pela prepara­ção que a precedeu, e pela acção de graças que a seguiu.

IV—Que mais? As genuflexões, sim, unicamente as genu- flexões são sufficientes muitas vezes para revelar a fé, o amor, o respeito de quem passa deanle do S. S. Sacramento.

Que viram os pérfidos pagãos, quando, em Roma, na via Appia, encontraram-se com o jovem acolyto S. Tarcísio? Viram a attitude angélica do menino. Porque angélico, foi elle escoihido para levar o alimento dos anjos. Se fosse menos angélico, teria parecido menos suspeito. Foram, pois, observações de um mo­mento.--vê-lo, comprehendê-lo, lapidá-lo...

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P. ANTONINO M

Basta uma acção, um gesto, mn;l p;i|;ivl;| vr/cspara revelar um enamorado do S. S. Saciamcnto '

Em uma sexta-feira santa, S. Àlrx/in.t,<• S;mli, bariiabila, sen- do bispo de Pavia, antes de começar as lunrçórs próprias da- quelle dia santíssimo, ajoelhou-sc (>m , ;,n;,r chamado Srpulcro, para adorar o Divinissimo (•■■'.•(.•ri.-iild na Custodia. Pas. sam os quartos de hora, passam as horas, r o bispo nao sácda contemplação. O clero está todo prompiò’à ,-pia-ja cheia'dr povo que ansioso espera o inicio do ado.

Então, um conego ousa approximar-sc «Io santo prelado r lhe diz baixinho, ao ouvido: Excelh-ncia, rsia ficando laidc.

—Tarde? responde o santo, ha quàuio tempo estou em adoração ?

—Ha já duas horas e meia...Confuso, o bispo ergue-se, paramenta-se, e começa o ado.Não bastaria este acto unico para revelar o grande amor

de Alexandre Sauli para com Jesus Sacramentado?—No dia 11 de Janeiro de 1S55, em Roma, na parochia de

de S. Thomaz nas prisões, levavam o viatico a uma enferma cha­mada Maria Carletti. Eis que, proximo a Egreja Nova, encontram um carro nobilissiino, nobilissimo não em si, mas por aquelle que conduzia, a pessoa mais augusta da terra, o Vigário de Jesus Cliristo, o santo Padre Pio IX.

Apenas o pontifice vê o Viatico, faz parar o carro, desce e se une ao povo que o acompanhava. A esta scena, todos os pre­sentes choram de commoção, e esta commoção cresce ainda quando vêm que o Santo Padre, com suas próprias mãos, quer administrar a enferma feliz, e assisti-la em pessoa.

Só este exemplo não nos revela a alma eucharistica do an­gélico Pio IX?

V—Muito mais é ainda quando, não uma só Missa, porém todas as Missas revelam um sacerdote; e todas as communhões, todas as conversas, Iodos os dias, todas as occasiões manifes­tam uma alma.

Meu Deus! em tal caso custará conhecer onde esleja e qual seja o thesouro desta alma? custará persuadir-nos de que natureza seja esta planta do Senhor?

Vede na França, na metade do século passado, lia um sa­cerdote que parece só ter vindo ao mundo para morar nas egre- jas, viver em torno dos tahernaculos, consummar-se cm facc dos ostensorios, para ahi attrahir todos os homens «Io mundo.

Se fala. fala da Eucharislia; se prega, prega sobre a In charistia; se chora, chora sobre a Eucharislia; se go/a, goza por

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A Al ElICHARISTICA1 v't

causa da Eucharistia; se trabalha, trabalha só para a gloria da I ucliaristia...

Quer anniquilar-se, e da sua pessoa anniquilada fazer thro- iio para Jesus Sacramentado, E com seu anniquilainento apressar <> reino eucliaristico de Jesus sobre a terra.

Quem foi este? E’ facil percebê-lo. Foi o B. Pedro Juliano Eymard, isto é, o sacerdote da Eucharislia. como foi chamado por seus filhos, por seus discípulos, pelos Summos Pontífices, e agora por todo o mundo catholico.

O’ venerável padre, acceitae esta minha saudação. Sou eu lambem vosso filho, porque sou o ultimo dos vossos sacerdo­tes adoradores.

VI—Cousa facil é se reconhecerem as egrejas e os filhos do H. Pedro Juliano Eymard:—religiosos do S. S. Sacramento. Que bello titulo! Elle tudo diz: a origem, o fim, a gloria do Instituto.

E’ admiravel, com effeito. Èm dezenove séculos de christia- nismo, nenhum santo havia pensado em fundar uma ordem e consagrá-la exclusivamente ao culto da Eucharistia.

Pensou nisto e o realizou somente o P. Eymard. Aos ou­tros institutos dão titulo ou o habito que usam ou o santo fun­dador; aos filhos do P. Eymard, pelo contrario, dá-lhes titulo Aquelle a quem são consagrados—o S. S. Sacramento.

E não só o titulo, mas tambcm a indicação.Se entraes na egreja de outros religiosos, facilmente tereis

necessidade de perguntar a quem pertença a egreja. Não aconte­ce isto com as egrejas dos religiosos de quem falamos.

O que sejam suas egrejas e o que sejam elles, logo se co­nhece pela exposição perenne do S. S. Sacramento.

Um dia, desejando lhes falar em Roma, pedi que me indi­cassem sua egreja. Fui; porém, não conhecendo bem as ruas, cnganei-me. Entrei em uma primeira egreja... achei-a muda e de­serta. Sahi logo. Uma egreja muda e deserta não pode ser dos religiosos do S. S. Sacramento. Entrei em uma segunda egreja. Havia gente, e se celebravam Missas.

Porém o altar-mór não estava ornado;faltavam os signaes do S. S. Sacramento exposto. Não era a egreja que eu procurava. Finalmente entro na egreja de S. Cláudio. Estaria enganado uma terceira vez? Tinha receio; porém, logo ao entrar, conheci ser aquella egreja a casa, o paraiso dos religiosos do S .S. Sacra­mento. Pareceu-me um quadro vivo, uma visão... No alto, sobre o altar-mór, o Ostensorio, refulgente de velas acesas... a egreja repleta de povo... em cada altar se celebrando uma Missa...

Rezava-se, adorava-se, ardia-se !...E os religiosos? Onde estavam os religiosos do Sacra­

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P. ANTON1NO

mento? Ubi thcsaurus vcsfer rs/... junto ao divino Thesouro... em semi-circulo... ajoelhados., immnvcir... tal <iunl como os re­presenta o diploma da Associação dos Saivrdoic-s Adoradores.

Não vi com meus olhos o santo Fundador no meio delles; sua grande alma, porém, eu a acreditei presente

E como conheci tão depressa aquelles abençoados religio­sos ?

Como conheci? ex frnc/i/m s connn !...Pelos mesmos signaes com que outrora haviam reconheci­

do os pagãos o santo acolyto Tarcisio, quero dizer, pela attiiudc.Olhei-os commovido... contemplei-os c exclamei: - Verc

locus iste sanctus e s t ! Na verdade, este lugar é santo! Na verdade Deus está sobre o altar! Na verdade são esies os reli­giosos do S- S. Sacramento

E o que digo dos filhos do B. Eymard, digo também das Irmãs, e de tantos e tantos institutos consagrados exclusivamente ao culto da Eucharistia.. Contemplando seus véos longos e cân­didos, seu extático recolhimento, pareciam-me verdadeiros anjos. Só uma cousa lhes falta, as asas Se as possuíssem, nós as ve­neraríamos não somente como religiosas, mas como anjos da Eucharistia.

VII—Portanto, assim como nós pelo exterior de outrem conhecemos seu interior, também os outros pelo nosso exterior avaliam nosso intimo amor a Jesus Sacramentado.

Que nosso exemplo seja de fácto, o bom odor de Jesus Christo.

O’ almas, que quereis honrar o eucharistico Rei, sêde seus apostolos, mas não esqueçais que o mais nobre e o mais efficaz dos apastolados é o apostolado do exemplo.

Nem todos são aptos para julgar vossos talentos, vossa habilidade, vossos estudos e mais outras cousas.

Todos, entretanto, podem julgar vosso comportamento e vossa condueta.

Já o disse e repito: é impossível que o exterior não revele o interior.

Virgílio escreveu, falando de uma divindade pagâ: E t verc incessu pa tu it dea—Pelo andar, pelo procedimento, se manifes­tou em verdade uma deusa (Eneida, 1. 409).

O mesmo se poderá dizer de uma alma realmente eucha- ristica. E t verc incessu patu it dea. E’ uma alma do Céo; sua altitude o diz, sua condueta o confirma, sua gravidade o asse­gura.

Em uma alma profundamente eucharistica, o divino espirito reluz pelo seu comportamento, e pelo divino do exterior se con-

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‘so |du ia xa s o p o » bjkcI apas ‘o p e ju a iu e jo c s s n s a f ap as -o p ut:| i‘ u ‘so jsa jiU B iu a so q n oa o ‘so p B A jjd a soai|qnd 's o p o u i so s o p o i m .i ‘saoiscoDO sb su p o j u ia ‘SB p uB isum a j p s e s c p o j IU3 í SOO.*tl.al.tl -SB ‘SB)saj 'S ED ip jjd s e s ü p o i u ig •utni<Ju*3X0 oqjiucj w nsi/i.q snqmiuo u[ — s o a q s u e ip n a s o in d p s ip s o b na o p u a u m io .u i o s je u j o jn i iu d ‘|| ‘o p i j :o |d m a xa w o q assap o p n j lua anl> n|i| o p id p s ip nas o b E A B p ua im uo oa j o p iu ^ $ as ‘b u j j o j e js o (|

-uioa BUi|jdo lUEjjuooua Bssajdap SEapsiJBipna s b iii|b s y‘BjpiUI EjipOJEd 1*11111 III.)

‘EjinuEj Blun uia ‘opipisuj um u:o ‘n so iSjp j bsed u u iii ma oiu.im -ja j ODjjsjJBqona o jo d Bjsd sazoA sblumS|b uiu)SBq ‘apiB|siiu.> .1 auuq õ|duiaxa nas uioo ‘seoqsuBipna aiuaiuBjppBpjoA si;ui|i: sim -nod a ‘çs bdjj Bounu o|dmaxa o opEjnjsiui ? anb uioo ‘es s iíiii i: epoj JEpaAai zbj anb ojuauj-iaj o oiuoa a o|duiaxa uioq o

sb5j o j sep usoJopod shmii b a a||a anb oòaiuoa o apsap ass|p e { na srnd ‘osojSBjuoa api.mi - bjubs a o|duiaxa uioq o anb ap ouiaiuBsuad o s o a -o|o s u o ; )

(91 ‘A ,’in®W) «°?D 011 yis0 0I,1) ‘"M o s s o a uianb!juo|S a ‘SEjqo SBçq s es s o a ujb[3a anb u.iud 'siioim»i| sop ajuBap zn| b s s o a B5apuB|dsay» :ouajEZB|sj o zjp omo.i ,m.;.in<l íajuauios snaQ b e u o j o u a ‘Biujssund B(as OBòuaju! b s s o a

■sopoi o . ii-w u q ju s ‘umç; i.'!i - s u B ip n g Bp ofuE o s jo s an b ‘o p q p s in o s s o a o u ‘o p ia A u o o o s so a O lí ‘EJIjUICJ BSSOA E li ‘BjqOOJBd BSSOA BU 'aS-BqjBÇ ■0|liailllM.»I.,S S S ob o tó o A a p bu a ia d n s s o a u ia n S iu N i 0 |du iaxa o s s o a o p d •>.* -a u io a o o q s jJ E ip n a opB |ojsodB o an Ç) ;s io d ‘a ju B a p y — I I I A

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-a[duioa snsaf uin ,3 -BiisiJEipng b ‘o p idu ioa snsaf um■BJAB|Bd Bum u i a ‘o p n j 'a p B p jA iu ií u ‘b j i i .V i p

b ‘a p B p m a jas b ‘s o p o u i so u Bza ip uaS b ‘e m is o d u io o u ‘o p ia m B u o d iu ó a o 'o u ja jx a oipS 0 ‘a iu a u q B iiS ! ‘b u jo j u ia jo d is p A js iA ii i

o b s an b ‘apBpquBs b ‘B p p b 'b 5b j 8 b o a n o d b o a n o d b u io i <"»!□.I’ ‘.s n s a f ap u !q d B .i3 o jo q d ’b ‘s n s a f ap b p u b .i3 b .ij b ‘sn s a f ap o b .’>i:| -3A3 j b a (; o| ip d a j u ia a iu -o su e a ) BaqsuBqana b iu |b b ‘b j o

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P. ANTONINO DE CASTIII 257

sêde sempre o primeiro. Jtt omuibits (cipsmn pracbc cxcin- plum !

Espeeialmente na egreja, assistindo á celebração da santa Missa, ou fazendo a communhão, ou estando em presença do S. S Sacramento, quem vos observe se persuada de que sois ufn servo fiel, a fazer honra ao proprio Senhor. Na egreja, a lampa- da e-a alma eucharistica falem de Jesus.

IX— A lampada accesa tem um duplo officio: dá-nos teste­munho da presença de Jesus; e a Jesus dá testemunho de nos­sa fé. De Jesus Sacramentado a lampada é sentinella, é luz, é indi­cadora. O que foi a estrella para os Magos é a lampada para nós.

Entrando na egreja, querendo achar o altar do S. S. Sacra­mento, procuremos a lampada accesa; para ella nos volvamos para que nos indique onde está nosso Rei, e ao nosso Rei dê o testemunho de nossa fé.

Se nós não O cressemos realmente presente nos taberna- culos; se não O amassemos, em sua presença, não conservaría­mos accesa a pequenina lampada. A Jesus ella garante nossa fé ardente; a nós garante a presença de Jesus.

X— Recordo me aqui de uma anedota graciosíssima, conta­da pelo illustre cardeal Perraud no congresso eucharistico de Paray-Le-Monial, a 22 de Setembro de 1897, e ouvido por elle proprio na Inglaterra.

Um protestante, por curiosidade, entra com seu filhinho em uma egreja catholica. A creança se admira em face da lampada accesa do S. S. Sacramento e pergunta:— Papae, porque aquetla lampada ?

—Porque lá dentro do tabernaculo está Jesus, responde o pae.

Andam, passeiam, dão voltas e entram em uma egreja pro­testante.

A creança logo procura a lampada... seus olhinhos vão aqui e acolá... Porém nada descobre o innocente.

—Papae, porque aqui não ha lampada?—Porque aqui Jesus não está, meu filho.—Pois então saiamos daqui, papae, saiamos daqui. Leve-me

para onde está Jesus.A«srgurou o cardeal que com este facto se converteu toda

a família protestante, voltando á santa Egreja Catholica Romana, onde somente está Jesus e sua lampada accesa.

XI— Desta forma, para nós crentes, a lampada tem uma grande força demonstrativa.

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258 A ALMA EUCHARISTICA

O mesmo se dê com a alma eucharistica. Estando ella pre­sente, ou no altar a celebrar, ou na santa mesa a commungar, ou genuflexa em face do tabernaculo, só ao vê Ia devemos logo exclamar:—E’ impossível que aqui não esteja de facto o Deus dos anjos! é impossível que esta alma não sejá de facto um anjo de Deus!

E isto nós diriamos, mesmo que estivessem apagadas to­das as velas e todas as tampadas.

Sim, se tivesseis visto como celebravam a santa Missa Phi- lippe Nery, Vicente de Paulo, Affonso de Liguori... se liouves seis observado como commungavam Catharina de Senna, Ma- gdalena de Pazzi, Verônica Juliani, Thereza de Jesus, ou como ficavam deante do S. S. Sacramento Luiz de Gonzaga, Bento José Labre, vós. somente em vê-los, ainda que estivessem apa­gadas todas as velas e todas as lampadas, havieis de jurar imme- diatamente:—Na verdade, Jesus lhes está presente! Na verdade, são os anjos da Eucharistia!

XII— Pensae emfim que o exemplo não é somente o mais efficaz dos magistérios, e a mais potente das forças; também o exemplo, bom ou máo que seja, pode ser um grande mérito ou uma grande responsabilidade,

E como não ser assim?Quantos exemplos se lêm de hereticos convertidos por te­

rem observado, ás occultas, a attitude respeitosa dos catholicos na egreja! Pelo contrario, quantos exemplos de hereticos impe- nitentes pela falta de piedade dos catholicos na egreja! Os pri­meiros disseram: Não é possível que aqui não esteja Jesus, se, em face do altar, mesmo sozinhos, os catholicos se conservam como anniquilados!

Os segundos concluiram : E’ impossível que na hóstia es­teja Jesus, quando os catholicos, mesmo vistos e observados, tão mal se comportam, e quando não os castiga nenhum superior...

Terrível consequência! Vêde até onde chega a força do bom ou do máo exemplo.

XIII— Na vida do cardeal Mermillod, lê-se que, sendo bis­po de Genebra, covil de hereges, pregou durante uma quaresma para provar a presença de Jesus na Eucharistia.

Unia senhora calvinista o havia escutado todos os dias. No fim, estava convencida, porém não convertida.

—Para me converter, dizia ella, falta ainda uma prova, a ultima prova, isto é, quero certificar-me de que D. Mermillod acre­dita mesmo, de que sua fé corresponde á sua doutrina.

Como obter essa prova? Depressa foi achado o meio.

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P. ANTONINO DE CAS 250

Sabia-se em Genebra que o bispo, á noite, voltando de um passeio, entrando na cathedral, fazia a visita ao S. S. Sacramen­to, punha oleo na lampada com suas próprias mãos e depois buscava o palacio episcopal.

Um bello dia, ao anoitecer, a senhora, sem ser vista, escon­deu-se em um confessionário, de onde enxergava bem o altar do S. S. Sacramento.

Ali espera, palpitante e ansiosa, a chegada do bispo. E o bispo chega.

Grave, recolhido, entra na egreja, e se adianta silenciosa mente para o altar do S S. Sacramento. Lá chegando despede o secretario que o acompanha, e fica só o piedoso prelado. Cáe logo de joelhos em face do tabernaculo, com a fronte em terra, e nesta humilde posição adora profundamente o Deus de bondade e de amor.

Ver aquella scena edificantissima e commover-se a alma da herege foi uma só e mesma cousa.

—«Elle crê! Elle crê! exclamou no seu intimo. Ou este bispo é um louco que adora profundamente uma hóstia qual­quer, ou 11a verdade para elle Jesus está naquelia hóstia.

Porém D. Mermillod não é homem louco; logo Jesus Christo está realmente na Eucharistia. A doutrina do bispo é verdadeira, é verdadeira sua fé. E, se elle crê, creio eu também».

Assim dizendo, sáe do confessionário, emquanto o bispo punha oleo na lampada do Sacramento. Ao ruido feito, e áquella figura de mulher, o pobre prelado se assusta, e exclamações de temor e de admiração lhe escapam, logo mudadas em accentos de júbilo, quando a senhora se lança a seus pés e diz:—Excel- lencia, sua doutrina me esclareceu e, agora, sua fé me converte. Creio também que Jesus está presente na Eucharistia.

Desde este momento, sou catholica, apostólica, romana.E, ali mesmo, aos pés de Jesus, abjurou seus erros.

XIV—Pelo contrario, é bem diverso o facto contado por S. Affonso.

Narro-o com suas próprias palavras:-«Contou-me certo religioso de muito credito que em Ro­

ma havia um herege resolvido a se converter. Porém, tendo as­sistido a uma Missa celebrada sem devoção, foi ao Papa, e lhe disse não querer mais abjurar sua religião, convencido de que nem os padres, nem o Papa tinham verdadeira fé na Egreja Catholica.

Porque—explicava—se eu fosse papa e soubesse haver um sacerdote irreverente na Missa, mandava-o queimar vivo. Vejo, porém, que ha sacerdotes que celebram assim, e não são casti­

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260 ALMA EUCH ARISTICA

gados. Julgo, pois, que nem o papa crê. E, dizendo isto, se afas' tou e não se converteu. (Selva predic. Inst. I).

De facto, raciocinou muito estultamente aquelle pobre infeliz. Porém, ai de quem, se não foi a causa, foi pelo menos a occa- sião de sua' permanência no erro.

Ai de todos aquelles que, com máos exemplos, destroem e não edificam na casa do Senhor.

Pela nossa parte esforcemo-nos por ser apostolos de Jesus Sacramentado.

Mas, o verdadeiro apostolado começa por .nós proprios, pelo nosso proprio exemplo, o qual é magistério, é força, é res­ponsabilidade.

E sabei: do vosso agir eucharistico se conhecerá o vosso ser eucharistico.

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P. ANTONINO DE 261

CAPITULO IX

Sexta regra: A p o s to la d o d a p a la v r a

I— O Salvador disse:—Onde está vossothesouro, está tam­bém vosso coração. E x ábundantia cantis os toquitur (Math., XII, 34). Fala a bocca da abundancia do coração.

De modo que onde está o tliesouro está o coração, e onde está o coração está a lingua. Qual seja nosso thesouro é reve­lado pela tendencia do nosso coração; e qual seja a tendencia do nosso coração, é nossa lingua que o indica.

Entre uma e outra ha intima relação, tal como ha entre o echo e a voz que o produz, entre a flor e a raiz, entre a fonte e a corrente.

Se a santa Eucharistia é nosso thesouro a nós hão de di­zê-lo os palpites do nosso coração; aos outros hão de dizê-lo nossos accentos e nossos discursos. Por isto, da mesma forma que não pode ser bem predilecto o bem em que pouco ou nada se pensa, também não é possível que o seja o bem em que pouco ou nunca se fala, ou se fala friamente e superficialmente.

Como são inflammados os corações de todas as almas eu- charisticas, são também inflammadas suas línguas.

E o zelo que os leva ao apostolado do exemplo também os leva ao apostolado da palavra.

Agem e ensinam —agem como almas eucharisticas, e en­sinam como almas eucharisticas.

II— Nellas dá-se o que se deu com S. Pedro, no pateo da casa de Caiphaz, na noite fatal da paixão.

Poucas palavras dissera o pobre apostolo... e bastaram as­sim mesmo para o fazerem reeonhcer, como Galileu, o verdadei­ro companheiro de Jesus Oalileu. Disseram-lhe, pois. Vere et tu ex illises.nam et loquela tua manifesium te facit. (Math., XXVI, 73). Na verdade, tu também és daquelles; até tua lingua­gem o descobre.

Era inútil que negasse e jurasse; seu modo de falar o de­monstrava amigo de Jesus; tanto mais que junto d’Elle o tinham visto muitas vezes, até no horto, ha bem pouco tempo. E a lin­guagem trahia e accusava naturalmente as suas negações.

Assim, ao ouvir uma alma eucharistica falar de Jesus Sacra­mentado, pelo modo como fala, comprehende-se logo que ella é também dos companheiros de Jesus, dos seus predilectos, dos seus enamorados.

Também a ti, ó dilecta de Jesus no Sacramento, também a ti podem ser applicadas as palavras ditas ao apostolo S. Pedro:

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262 A ALMA EUCHARISTICA

Vere. et tu cx illis cs: riam et loqucla tua m anifcstum te facit — também és das almas eucharisticas, porque lua própria linguagem o indica. Nem Iodos poderão conhecer tua fé; nem to­dos poderão comprehender teus amores; nem todos poderão aprofundar tuas palavras. E como a bocca fala do que abunda no coração, e do coração vem o que sáe da bocca, qiiae pro- ccdcut de orc, de corde exew il (Vlalli., XV, 18) assim teus ac- centos, ó santa alma, revelam teu coração. Revelarão que tu tam­bém és daquellas beniavenluradas creaturas que vivem na terra ardendo como occultos seraphins de amor para com a Eucha- ristia.

Sim, sim! Vere et tu ex illis est: nam et loquela tua manifestum tc fa c i t !

III—Disse S. Gregorio:—Se quereis a Deus, procurae não ir a Ellé sozinhos: (Homil. 6 , Evang.). E S. Agostinho accrescenta: S i De um amatis, om nèsa d Dei citnorem rapite. (No psalm., 33). Se amaes a Deus, tudo arrastareis ao amor de Deus.

Ver a Deus pouco amado era a dôr suprema dos santos;, e desejar que fosse amado era o mais ardente dos seus anseios, a mela mais almejada do seu aposlolado.

Porém, depois do exemplo, nenhuma força é tão potente quanto a força da palavra; espccialmente a força da palavra in- fiammada. que sáe de um coração ardente de amor divino.

Então, cada palavra é centelha, é dardo, é setta; especinl- almente quanoo vivificada pelo exemplo—a palavra é amor e isca; e o seu apostolado é rêde e pesca; é messe e é vindima.

Por isto, os santos, querendo attrair o mundo aos pés de Jesus Sacramentado, uniam sempre, á força do exemplo; a força da palavra,

Seus discursos, ou públicos ou privados, seus ensinamen­tos, seus conselhos, todos os seus accentos eueharisticos os pa­tenteavam como anjos e apostolos da.Eucharistia; Loqucla tua tc manifcstum facit.

— E vós, ó leitores, falaes da Eucharistia?E corno falaes delia? Aproveitaes as .oceasiões de recordá-

la, de exaltá-la, de recommendá-la?Procuraes servir-vos do vosso posto, dos vossos direitos,

do vosso estado, da vossa posição e condição para patrocinar a causa de Jesus Sacramentado? para afervorar as almas que já lhe estão próximas, e arrastar as que vivem afastadas d’Elle?

Pondes, segundo as próprias forças, vossa lingua e vosso talento, vossos estudos ao serviço do sacramentado Senhor, pro­curando da melhor forma possível que seja mais conhecido e amado, melhor servido e glorificado?

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P. ANTONINO DF. CASTFLL AMMARE 263

Co-no poderei dizer que sois mnn alma eucharistica, se nunca vos ouço falar da Eucharistia? nunca fazer uma recom- metulnção, dar um incitamento?

Se vossa lingua é euclráusticamenle arida, não deverei con­cluir que, árido e frio sejá eucharisticame:ite, o vosso coração ?

O coração não dá o que não possue; nem a lingua pode dizer o que o coração não é

E, por isto, entre as regras positivas que fazem distinguir as almas eucharistieas, quiz e devia collocar o apostolado da palavra.

IV— Porém este apostolado, em primeiro lugar, e mais pre­cisamente, compete áquelles a qtiem foi dito:—Docctc - Ensinae — iato é, aos sacerdotes.

Uma noitç em que o B. Diogo de Cadix, sacerdote capu­chinho. desafogava seu coração deante do S. S. Sacramento, as­sim suavemente lhe falou J e s u s « S e pela força do meu amor aos homens, por elles fiquei sacramentado nas egrejas, e ahi com prazer recebo seus obséquios de adoração, com quanto' maior prazer éntrarei nos seus corações, sendo este o fim pelo qual promelti ficar com os homens até a consummação dos .séculos! Nisto puz minhas delicias. Entende-o bem para teu ensinamento proprio, e ensina-o aos outros, afim de que meu amor seja cor­respondido !.»

Desde aquelle momento,.a devoção do santo religioso che­gou ao extrema gráo, e elle se dedicou com o máximo empenho a pregar a exceílencia do divinissimo Sacramento, e a d’Elle fa­zer conhecer a alegria e as vantagens.

, A sentença que frequentemente repetia e que revelava toda a suà eucharistica alma,.era esta: — «Não ficarei tranquiilo em- quanto não vir o mundo inteiro devoto do S. S. Sacramento».

São os sacerdotes, pois, os verdadeiros promulgadores da Eucharistia. A elles é confiado, propriamente, o apostolado da palavra eucharistica.

Sim, ós sacerdotes são de facto os zeladores da honrâ e dos desejos de Jesus Sacramentado, e jamais cessarão de falar a seu respeito e de recommendá-lo.

V— Antes de tudo, no púlpito. Não só nas predicas propri­amente eucharistieas, porém em outra qualquer predica não per­derão occasião de falar de Jesus Sacramentado, e falar de modo conveniente.

Não é raro ouvir falar sobre a Eucharistia de maneira muito lyrica e muito dramatica. Por certo é a Eucharistia dogma e ao

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264 ALMA EUCH ARIST1CA

mesmo tempo poesia. Porém, não omncs capiunt verbum istucl. Para apaixonar os corações dos ouvintes, é preciso fazer-se com- prehender de todos. Se Jesus, como matéria eucharistica não es­colheu elementos raros e preciosos, porém pão e vinho, é pre­ciso que nossa predica eucharistica seja, (se não sempre) ao me­nos ordinariamente, pão e vinho também.

Por caridade, de modo especial sejam puros os ensinamen­tos eucharisticos. Sejam azymos, como a matéria mesma da Eu- charistia; sem fermento, sem mistura. A doutrina eucharistica seja massa puríssima, sem palha, e especialmente sem sizania e sem joio.

Não é, não pode ser ensinamento eucharistico aquelle ensi­namento. publico ou privado que em rigor não seja catholico, apostolico, romano.

VI—Perguntae a S. Affonso de Liguori com que genero de predica arrastou povos inteiros aos pés de Jesus Sacramentado, e com que especie de livros não cessa de os inebriar eucharis- ticamente!..

Na verdade, que encanto ouvi-lo pregar qual um seraphim sobre o S. S. Sacramento do altar, especialmente quando estava exposto!

Que encanto, quando, calando se um instante, e do púlpito volvendo um olhar para o Ostensorio, prorompia nestas ternas expressões:— «Ei-lo ali! Vêde quanto é bello e amae-O... amae-0!»

E foi o livro das Visitas ao S S. Sacramento o primeiro livro que compoz. Neste livro não é a mente, é o coração que fala, que arde, que se liquefaz, que commove, que inflamma a alma dos devotos leitores.

S. Alexandre Sanli, nomeado vigário pouco antes, em dia de carnaval fez um sermão 11a egreja, deante do Divinissimo so- lemnemente exposto.

Como texto citou as palavras do propheta Baruch: O Is­rael, (fitam magna est (lonnts Dei, et ittgens locus posses- sinnis I£ins 1 Baruch, III, 24). O’ Israel, quão grande é a casa de Deus, quão vasto é 0 seu dominio!

Quanto mais proseguia o sermão, mais se abrazava seu coração, e se inflammava sua palavra. Em certo ponto parece desfallecer, se cála, se recolhe, e cáe em extase. Em extase, sóbe na presença do povo, que vê seu pastor elevado aos ares, com o rosto, com os braços, com a pessoa inteira voltada para o Deus de amor, que o havia arrebatado, inebriado, posto fóra de si.

—Assim, quando falava da Eucharistia ou deante do S: S. Sacramento, o santo Cura d’Ars se transformava a tal ponto, tomava um aspecto tão celestial, seus accentos se tornavam tão

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P. ANTONINO DE CASri.U 265AMMARi:

ardentes, tão impregnados de amor que o nuditorio se commo- via, se abrazava, e se desfazia em lagrimas.

Observou-se que, quando o servo de Deus, em vez de su­bir ao púlpito, pregava do altar, a presença e a vizinhança real de N. Senhor no tabernaculo fazia-lhe tanta impressão que per­dia quase a respiração e a voz.

E foi devéras inspirado por Deus quem sobre o sepulcro do santo parocho fez inscrever somente seu nome e a imagem de um Ostensorio.

Aquelle nome e aquelle Ostensorio encerram todo o seu elogio e toda a sua vida.

Sejam, pois, os pregadores os primeiros apostolos da pala­vra eucharistica, os mensageiros da Eucharistia, os arautos de Jesus Sacramentado.

Quanto ardor podem espalhar as línguas inflammadas dos sacerdotes evangelisadores; quantos corações arrebatar, quantas almas ganhar para Aquelle que nas almas acha suas complacen- cias!

VII— Da mesma forma que os pregadores no púlpito, as­sim os confessores no confessionário, onde estão em contacto mais irnmediato e mais divino com as almas; assim em geral os pastores, quaesquer que sejam, os superiores de casas religiosas ou de institutos, não cessem de attrair a Jesus as almas confia­das aos seus cuidados, e de inflammá-las de amor pelo S. S. Sa­cramento.

E não só estes, mas quem pode, deve, segundo o seu estado, procurar, ou pelo menos, não perder occasião de dizer uma pa­lavra, em favor de Jesus Sacramentado, dar um conselho, fazer uma exhortação, ajudar creanças a se prepararem para a primeira communhão, os homens a bem fazerem a confissão e commu- nlião paschoal; especialmente lembrar o santo viatico a quem tem mêdo de pedi-lo e de recebê-lo.

VIII— Também uma bôa correcção é muitas vezes um fa­vor eucharistico. E eu, emquanto viver, não esquecerei a correc­ção que a mim, padre e religioso, foi feita em uma egreja por uma simples senhora.

Celebrava-se uma festa jubilar solemnissima. A occasião não era muito favoravel ao recolhimento, e eu estava atrás do altar do Sacramento. Falava-se baixo, porém animadamente; tanto que uma bôa senhora, ajoelhada ali perto, não podendo mais, ergue-se devagar, aproxima-se de mim, que facilmente èra reco­nhecido como principal interlocutor, e, sem cumprimento, me diz ao ouvido:—«Lembrem-se de que não estamos em praça publica».

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2(56 A ALMA EirCHARrSrrCA

E' certo que- me lembrarei sempre. E quem o pócterá esque­cer? Pregadores afamados j i ouvi rriuitos; porém pratica alguma comprehendi melhor, e mais me ficou impressa que a daquella santa senhora: -«Lembrcm-se de que não eslamos en> praça pu­blica».

IX— Aqiii ponho ponto final á segunda parte•Parece-me qus indiquei e demonstrei sufficientèmente as re­

gras principaes que fazem conhecer e distinguir as verdadeiras almas eucharisticas.

O peccado mortal e a tibieza são as duas regras negativas, isto é, que excluem a possibilidade de fazer parte deltas, perma­necendo a alma naquelle estado.

Regras positivas são: a fé, que antes de tudo deve ser vi­va e verdadeira, animada e provada por obras; ã delicadeza de espirito, consequência e coroamento da fé; o amor, do qual tudo sáe e ao qual tudo volta, no qual tudo se concentra e que deve ser demonstrado pela observância dos. preceitos e das palavras de Jesus, pela fidelidade absoluta e constante ao divino Amigo, e pela attracção habitual e intensa ao divino Thesouro encerrado no tabemaculo.

Também são regras positivas: o zelo que é verdadeiro fi­lho do amor; o apostolado do exemplo e o apostolado da pala­vra que são verdadeiros filhos do zelo.

No antigo Testamento todas as avaliações, especialmente do que dizia respeito ao culto do Senhor, eram feitas segundo os pesos do Santuario: Omnis destinatio sido sanctuari ponderabitur (Lev. XXVII, 45). Ora, parece-me que as regras citadas são como os. pesos espirituaes do encharistico templo de Deus.

São. estes pesos que determinam o valor eucharistico de uma alma; que indicam o que ha de eucharistico em uma alma, e o que não ha; quanto lhe falta ainda, e quanto deve adquirir para chegar ao justo peso do santuario e tornar-se perfeita alma eucharistica.

X— Taes pesos são as regras expostas; porém é o Senhor o justo avaliador dos espíritos: Spiritus ponderator est Do- tninus (Prov., XXI, 2 ). E’ elle quem pesa nossos corações: Ap- pendit ciuicm corda Dominus (Prov., XXI, 2 ).

Não somente, em nos julgarmos eucharisticamente podemos nos enganar; podemos também nos enganar julgando os outros.

Porém o bom Deus não se engana, nem pode ser engana­do. Assim, o melhor partido é que Elle nos pese na balança eu­charistica; que mos mostre o que nos falta, que suppra com sua graça e com seus méritos o que falta, á nossa miséria.

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T>. ANTON1NO t>t C A S U li 267

E já que N. Senhor, por um lado, dá a todos o seu amor •eucharistico e, por outro, quer e exige que cooperemos no nos­so eucharistico aperfeiçoamento, eis a necessidade de tratarmos •dos r<eios que, de modo seguro, levam uma alma á vida eucha- ristica.

E’ o que vamos fazer na terceira parte.O Deus que dà o qnerer e o fazer . segundo a boa von-

tade, ajude, complete e corôe a mip.ha bôa vontade: Q“i coepit opus bonum, ijpse pcrjicict / (Phil., I, 6 ).

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TERCEIRA PARTE

Como se fôrma a Alma Eucharisfica

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CAPITULO l

Dos meios persuasivos em geral

I—Julgar-me-ia feliz se os bons leitores, que até aqui tive­ram a paciência de me acompanhar, não se houvessem esquecido do que foi dito nos capítulos antecedentes; para que assim em suas mentes ficassem impressas as reflexões dos capítulos se­guintes, e em seus corações esculpidos os últimos conselhos.

Tão grande é o meu desejo de que, no adoravel Sacramento, Jesus seja por todos conhecido, por todos amado e glorificado!

Pobre livro meu, se não angariar para Jesus novos corações ou novos palpites!

Porém o bom Deus, assim o espero, não permittirá tal cousa.

Como no fim do trabalho recolhe o tecedor os fios do seu tecido, assim nesta ultima parte cabe-me fazê-lo também, sendo ella na pratica o fructo de tudo o que foi dito até aqui, e em moral a applicação e o corollario de tudo o que ensinámos e aconselhámos.

Quiz dizer isto porque não será difficil—e algumas vezes ha de ser até indispensável—repetir ideas dos capítulos ante­cedentes. (*)

Feito isto, começo a falar dos meios que de modo seguro fazem que se torne eucharistica uma alma christâ.

E, a meu ver, destes meios, os mais interessantes não são os particulares que se recommendam á vontade, porém são os meios geraes, isto é, os que illuminam o intellecto.

Chamo-os de meios persuasivos.

II—Sim, também a formação eucharistica (como todas as formações espiiituaes) deve partir da persuasão.

(* ) Com effeito, neste ponto ê utilissimo que o leitor volte ao que disse no primeiro capitulo da primeira parte, falando da graça particular ne­cessária á vida eucharistica e animando as almas tíbias a abraçá-la.

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272 A ALMA EUCHARISTICA

A persuasão gera a resolução, e esta leva á execução. Quanto mais somos persuadidos tanto mais nos tornamos reso­lutos e efficazes.

Ora, a primeira cousa de que nos devemos persuadir é esta: que a formação eucharistica importa igualmente em empe­nho, tempo e fadiga; importa sobretudo em oração.

Não podemos formar em nós o espirito eucharistico, sem que antes seja reformado o espirito christão.

Em toda reforma, porém, ha impedimentos a superar, ob­stáculos a vencer, defeitos a corrigir, virtudes a praticar, e tudo isto exige empenho, tempo e fadiga.

Assim, em poucos dias ninguém se torna alma eucharistica; nem também visitando cada dia o S. S. Sacramento, ou fazendo algumas communhões, muitas communhões mesmo, porém nem todas muito fervorosas.

Para que o amor á Eucharistia se torne vida eucharistica, no verdadeiro sentido da palavra, é preciso constância e paciên­cia. Os constantes e pacientes serão os primeiros a se formar e transformar em Jesus Sacramentado.

E para isto é preciso oração.E’ verdade que Jesus Christo disse: — «Vinde a mim to­

dos...» Disse, porém, igualmente:—«Ninguém pode vir a Mim sc não é chamado pelo Pae». (João, VI, 44).

Quem não é chamado pelo Pae não pode acompanhar Jesus; é impossível

Eis porque a Egreja, em nome de todas as almas, ergue este grito ao seu Dilecto:— Trahe me: post te curremus in odorem unguentonim tuonim (Cant., 1, 3). Attrae-me em teu seguimento! Correremos ao cheiro dos teus perfumes».

Ao convite de Jesus que diz á alma: — «Apressa-te, amiga minha, e vem...» a alma logo responde:— Trahe me post te— Attrae-me para ti— Eis a necessidade da oração. Quem mais re­pete este grito mais é attrahido para Jesus; quem é mais attrahi- do para Jesus, mais eucharistico é.

Parece-me que da vida eucharistica se possa dizer o que Jesus dizia da virgindade: Non omrtes caphint verbum istud, sed quibns datum est (Math., XIX, li). Nem todos comprehen- dem esta palavra, porém só aquelles a quem isto é concedido.

III—O’ almas que aspiraes a Jesus, rezae, rezae muito, para que o Senhor revele também a vós os segredos da Eucharistia; para que Elle vos attraia, vos faça saborear sua doçura e por ella vos apaixone. Pedi insistentemente o amor ao S. S. Sacra­mento. e o obtereis; não vos canseis em procurá-lo e o achareis; não vos canseis em bater á portinha do Tabernaculo, e esta por­

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P. ANTONINO Df. CAS1MI 273AMMARI

ta vos será aberta; e sempre aberta ficará para vós, que vos tor­nareis depressa o amigo da casa de Jesus Sacramentado, o cor­tesão de seu séquito.

Coragem, pois! Quem mais insiste, quem mais trabalha, quem mais reza, mais depressa chegará á formação eucharistica.

Através o caminho, as provas não faltarão. Encontrareis difficuldades, sentireis repugnancias, soffrereis tentações, desgos­tos, tristezas, esfriamento

Custará esforço levar para a frente a fraca natureza, o co ração, a phantasia, as paixões, as potências da alma não habita­das ao recolhimento e arrastadas pelo inimigo infernal.

Mas, por isto haveis de retroceder ?Que são as nossas provas comparadas ás provas dos san­

tos? Se qualquer difficuldade nos fizesse voltar atrás, que scien- cia e que arte aprenderiamos? Que colheitas realizaria a agricultu­ra? que victorias obteria o soldado?

Sois felizes quando podeis dar alguma cousa a Jesus; feli­zes quando o amor a Jesus vos custa caro.

Se o amor eucharistico vos fosse infundido por Deus, que mérito terieis a seus olhos ?

Pelo contrario, que prazer sentireis quando, apresentando- vos a Jesus, vos fôr possível offerecer-Lhe vossas lagrimas, vos­sos suores, vossas feridas, vossas cicatrizes espirituaes!

Fazei bem o que vos toca, que o Senhor Sacramentado sa­berá fazer bem o que lhe compete.

O’ almas eucharisticas, date el dabitur vobis—Jesus trata como é tratado. Dae, e ser-vos-á dado. Medida cheia, cumulada, compieta será posta em vosso seio. Sim, porque também eucha- risticamente usar-se á comvosco a mesma medida que tiverdes usado com os outros.

IV—A principio não o percebereis. Mas deixae que pas­se um anno, que passem dois, três, da emprehendida vida eucha­ristica; então observareis e notareis a admiravel mudança que se operou em vós.

Então, o pensamento de Jesus Sacramentado vos será facil quase como vos é facil o respirar. Amá-IO, ficar junto d’Elle, visitá-IO muitas vezes, falar com Elle ou a seu respeito, ser-vos-á doce e deleitoso. Sobretudo, será verdadeira necessidade para vosso coração.

SuppIicá-IO, assisti-lO, consolá-lO, reparar as injurias que lhe são feitas, vós considerareis tudo isto como o principal dos vossos deveres. Contentá-IO, imitá-IO, honrá-IO, fazê-IO amado, será o primeiro dos vossos empenhos. E, se não o conseguir­des, será isto vosso soffrimento quotidiano. Da mesma fôrma,

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ALMA EUCHARISTICA

vc-IO abandonado e offendido será tormento; e vê-IO amado e honrado será para vós o gozo mais piiro.

A Comnuinhão, depois, ah! a Comnuinhão tornar-se-á o escopo da vossa existência; parecer-vos-á que só viestes ao mun­do e só viveis para fazer a Communhão.

E como um pouco de fermento faz levedar toda a massa, assim euciiaristicamente também sentireis fermentado todo o vos­so ser. Vossa alma será penetrada de grande respeito pelo vos­so corpo; e vosso corpo de profunda veneração pela vossa alma; um e outro sentir-se-fio levedados pelo Sacramento, c ambos tornados eucharisticos; a carne adquirirá a leveza, a pureza, a transparência do espirito; e o espirito adquirirá o pleno domínio, a guarda, a vigilância do corpo.

Um viverá para o outro; os dois viverão para o Senhor; porém, de modo especial, na alma e no corpo, sentir-se-á como um vigor novo, uma nova frescura.

A’ semelhança do enxerto, que assimila a si e desenvolve cm nova vida a vida do velho tronco, o mesmo dá se com a Eu- charistia. Quando o tem preso, assimila a si as forças do velho c peccaniinoso tronco da natureza humana e o desenvolve em flores novas, em nova corôa.

V—Então, a mente, sem saber como, comprehender-se-á inundada de vossa luz, mais delicada e mais brilhante. Por isto seus pensamentos, juizos, disposições tornar-se-ão mais puros, mais luminosos, e sua fé mais forte e mais virgem.

Então, a vontade ficará vivificada por novas energias; mais inclinada ao bem; mais prompta ás santas inspirações, mais dó­cil á divina lei, e também a qualquer desejo de Deus, dos supe­riores, mesmo do proximo.

E que frescura nova em seu coração!Qualquer amor nelle só entrará ou puro ou purificado, e

delle só sahirá santificado e divinisado.E que perfeita delicadeza em sua consciência!... Este pen­

samento;—«O Senhor está em mim... eu sou do Senhor... recebi-O ha pouco... amanhã O receberei outra vez...»—bastará para fazê-la desejar todas as mortes antes que consentir em um peccado mortal.

Que exactidão no cumprimento dos seus deveres! Que pontualidade na observância das regras! Ainda mais, que perfeição cm tudo o que diz respeito ao culto de Deus e da Eucharislia!

E já que os Sacramentos santificam, mas não tornam im- peccavel, quando lhe acontecer cahir em uma falta qualquer, logo correrá á fonte da contrição, ao fogo do amor, á medicina vivi- ficadora da santa confissão.

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P. ANTONINO DE C AS T1.1.1 AM M A RI 275

E, se nesta alma existe de facto uma potência nova, é a po­tência da dôr e do sacrifício. Antes aboirecia a dòr, agora, ama-a. Antes fugia delia, agora procura-a. Antes temia encontrá-la, ago­ra teme perdê-la, e chora quando a tem perdido.

Outrora pareciam-lhc parodoxaes as expressões de Thereza dc Jesus:—«Ou soffrer ou morrer!» c de Magdalena de Pazzi: — «Soffrer e não morrer!» e de Verônica Juliani: -«O meu sof­frer é não ter soffrimento algum!» —ede S. Maria B arat«V iver sem soffrer é viver sem amar, e viver sem amar é morrer!»—

E agora estas expressões parecem-lhe dulcissimas verda­des, porque agoia saboreia também a alegria sublime do sacrifí­cio; agora sabe que nenhum Tabernaculo é tão agradavel aos olhos do Senhor, nenhum lugar de descanso tão delicioso, ne­nhuma lyra tão harmoniosa, quanto a alma santificada pela dôr. E assim três especies de pão pede a Deus cada dia:—«Um pou­co de alimento para o corpo., o Pão eucharistico para a alma... um pouco de soffrimento para um e para outra».

A alma eucharistica não poderá viver sem soffrimento. Será, a pequena victima companheira da grande Victima dos nossos Tabernaculos, a hóstia pequenina unida á grandé Hóstia.

V I-E , se tudo isto não fosse süfficiente, pois o culto eu­charistico é, de modo particular, educador e santificador, vereis que a renovação interior levará á renovação exterior.

Já o têm cantado tantas vezes: Rccedant vetera, nova sint omnia: corda, voces et opera. — Acabem-se as cousas velhas, tudo se renove, corações, palavras, obras. Renovado o interior, o exterior será renovado também.

Dizei-o vós mesmas, ó afortunadas almas. Antes ereis tão viciosas, desordenadas, mundanas! Quem operou em vós esta adiniravel mudança? Quem realizou em vossa pessoa tão precio­sa transformação?

Ah! repeti-o com o psalnrista... Sim, enlevadas em vivíssi­mo reconhecimento, confessae-o também vós, ó ditosas almas:— A Domino factuvn est istud; et est mirabile in oculis nostris.—Pelo Senhor foj isto feito, e é admiravel aos nossos olhos. (Psalmo, CXVII, 22).

Sêde gratas á Eucharistia; sede gratas á Carne e ao San­gue do Salvador. Que obrigações tendes para com o Sacramen­tado Senhor! quantas graças d’Elle recebestes!

Devéras podeis cantar com a Mãe Celeste: Fecit mihi magna qui potens est, et sanctum Nomen eiusf...

Mas, esta mudança, o Senhor a realizou talvez em um dia? Não. Em uma semana? Não. Em um mês? Não. No tempo ém que quiz realizá-la.

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276 A ALMA EUCHARISTICA

A pressa não é attribufo de Deus. Deus opera com força, mas com força unida á suavidade: Fortiter et suaviter. No reino da natureza tudo nasce, cresce e se desenvolve suavemente. O mesmo acontece no reino da graça, sendo a mesma Sapiência que regula e governa um e outro reino.

VII—Aquelle Deus que, para fazer o mundo, empregou seis dias, (e quizesse o Céo fossem dias de vinte e quatro horas !) aquelle Deus que empregou quarenta annos para introduzir o povo eleito na terra promettida, para renovar eucharisticamentc o pequeno mundo da alma e estabelecê-la decididamente na ter­ra eucharistica, produzindo cila também leite e mel, empregará o tempo detèrminado pela sua sapiência.

Duas cousas, entretanto, são certas e seguras: primeiro, que nossas infidelidades, nossas inercias, nossos obstáculos atrasado em nós a obra de Deus; segundo, que nossa correspondência e nosso afan a apressarão e a abreviarão.

Sobre os mares correrá celere a barquinha, levada por ven­tos favoráveis Porém, se ás velas se unirem os remos; se á força do vento que Deus envia juntarem os marinheiros a força de seus braços, então a barquinha não andará, voará; e fará em uma horá o caminho que teria feito em um dia. Assim acentece- rá com a alma que de bôa vontade emprehender e proseguir o caminho eucharistico. Deus, na sua sabedoria, determinou a me­dida das graças e o numero de dias que, por lei ordinaria, hão de realizar em nós a formação eucharistica. Porém sua divina condescendência deixa ao nosso fervor poder reduzir o tempo, abreviar o caminho, antecipar a realização.

Convicção, pois, oração, coragem, constância, sacrifício, são meios principaes que nos devem guiar na vida eucharistica.

Quem melhor usar destes meios mais depressa chegará.O aproveitamento, no principio, Deus o esconderá aos

profanadores do nosso amor proprio; quando chegarmos a um ponto um pouco mais alto, no monte eucharistico, voltando-nos para trás, comparando-nos a outros que um dia nos eram seme­lhantes, conheceremos e abençoaremos o caminho que tivermos percorrido.

Entretanto—«apressemo-nos sempre!...» — segundo a doce recommendação de S. Francisco de Salles. E, se ainda não come­çamos, comecemos pelo menos com o nobre proposito do gran­de Agostinho:—«O’ Senhor, quanto mais tarde, mais seriamente vos quero amar*. — Quam sero, tam serio amabo te, Deus meus /

E agora tudo o que falta vem por si.

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P. ANTONINO DE CASTf.l.l.,

CAPITULO 11

Dos meios eucharislicos em particular

Afeio ptincipalissinio: A Santa CnnnnunJião —Preparação c acção de graças

I— Na verdade, eu quizera ter dito—do meio im ico—e não dos meios, de tal forma os meios que fazem uma alma eucharis- t>ca estão contidos em um meio único.

O’ santa Communhão! é a ultima vez que falarei de ti; desta vez pelo menos conceda-me Jesus inflammar as almas.

Jesus Christo aos sacerdotes falou da Missa:—« Fazei isto em memória de mim».—Porém ás almas falou da Communhão: «Comei... bebei...» Toda santificação, portanto, está incluída na Communhão.

Memorável é a sentença de S. Magdalena de Pazzi, quando diz: «Bastaria uma só communhão para nos fazer santos».

Não estava em erro, falava verdade. Eu, porém, para tran- quillizar minha alma e a alma dos outros, mitigo a expressão da santa, e não digo:—bastaria uma só communhão- digo:—basta­ria a communhão quotidiana para fazer-nos santos.

Não tenho intenção de prová-lo, porque isto significaria querer offuscar uma verdade que é mais clara do que o sol do rneio dia.

Não é tal cousa que mais me interessa fazer notar aos caros leitores; e, sim, que não é toda communhão quotidiana, po­rém só a communhão quotidiana bem feita (tendo esta palavra quo­tidiana um simples sentido humano) que bastaria para tornar santa uma alma.

Meu Deus! como poderia ser de outra fórma? E’ tão certo isto que tal observação não somente indica um meio para tor nar eucharistico, como indica também uma regra para conhecer e julgar sobre as communhões já feitas. E o passado tornar-se-á desta fórma remedio para o futuro.

II— Cada communhão é saúde, é força, é vida. Como, pois, depois de centenas e centenas de communhões, talvez depois de annos e annos, de communhões, eu me acho sempre debil de espirito, sempre fraco, sempre imperfeito? Receber cada dia o re­medio e estar sempre doente; cada dia o fogo, e estar sempre frio; cada dia a agua, e estar sempre arido... Como se explica este phenomeno doloroso? Tal inefficacia provirá da Commu­nhão ou do commungante? faltará virtude ao Corpo e Sangue do Salvador, ou faltará virtude á minha alma e ao meu coração?...

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278 A ALMA EUCHARISTICA

Não, meu Salvador, a culpa não pode ser vossa; a culpa é minha, toda minha!

Venho á vossa mesa, porém sem fome; venho á vossa fon­te, porém sem sêde. São as disposições que me faltam. São a preparação e ' acção de graças que em mim deixam muito, muito a desejar.

E as nossas communhões são taes quaes a nossa prepara­ção e ;a nossa acção de graças.

fíl—Para mim, a razão verdadeira que neutraliza o effeito ilus communhões, mesmo quotidianas, e as .torna inefficazes na- qnelles qHe commungàm cada dia (e são sempre imperfeitos) é a falta deAlieta eucharistica.

Todbs nós somos doéntes'espiritualmente. Ora,:as dóénças do espiriio são como as 'do -coropo; nas quaes não. bastam os remédios, porém deve ser observada também (e rigorosaménte!) a dieta prescripta pelo medico-. ■: > . ■ • , .

E’ inútil tornar os remedios, quando o doente não se priva dos aliinéntos perigosos.

Assim, que adianta o quinino ao malarico, quando eIJe não se afasta do ar paludoso? Para que servem as desinfecções, quan­do se amain as infeéçõesí ■ • ... ................ .

• Dieta sana ! foi dito sapienteraente.^ A dieta cura, porque boitipléta-sítltitàrménté. o ceifei to, do6 remedios. A

O mesmo se verifiéa'nàs doenças do espirito. A divida Eu- cliaristia por certo que é medicina; mas não basta que o enfer­mo espiritual receba tal medicina na communhão; é preciso que durante o dia observe a dieta eucharistica. Isto quer dizer que deve se abster daquelle modo de falar, de pensar, de agir licito, talvez, a outros, mas não a quem. quer commungar cada dia, e quer seriamente attingir a perfeição eucharistica.

Dieta sa n a ! "Também, eucharisticamente falando é verda- . deiro, .muito, verdadeiro que. a dieta espiritual auxilia e completa !'os effeitos. sabit-ares: dai.rjiediçjna eucharistica. ,,, ..

1 •• Eis-ip.orque, emquanto; bastaria uma pó communhãó para 'uos fazer santos, nós, pelo contrario; quanto mais commiingamos mais ficamos imperfeitos. * , •

O que nos falta, o que. descuidamos é a ateia eticharis- tica. Querenvps cada..dia çommungar,.. mas ,não queremos nos Abster, cada dia ,do que prohihe a'perfeição .èucháristiea.. t

. c Midto propo^it^Tecpndp ,ò pensamento de $• -Francisco •de bailes-quando dffz que/os sácràment'os(è éspéclalrtieritè a Eu- eharistia) são como a agua que, se é recebida em um vaso de terra esta o fortifica; pelo contrario, se é recebida em um vaso de tcrra-cota, o amollece e desfaz.

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>. ANTON1NO DE l A ST I! 1.1. A M M AI 270

Os sacerdotes são o sal da terra; a Eucluristia é o sal das almas. Porém, como o sal posto em lugar humido se dissolve e se torna agua salgada, assim succede ao sal eucharistico quando é recebida em corações não seccos, mas humidos e talvez hú­midos demais.

IV— Gravae, pois, na mente, ó caros leitores, esta verdade, isto é, que nós nos tornaremos santos, se santas forem sempre nossas communhõeS. Mas esfos' communhões, por suá vez.só-, serão santas, se santas forem a preparação e a acção de graças.

Portanto, qual é o meio mais seguro, mais efficaz, mais ra- > pido de tornar eucharistica uma alma?

tsforçar-se ella, custe o que custar, por fazer preceder ca­da dia sua communhão de fervorosa preparação; por fazê-la se­guir cada dia também de fervoroso agradecimento.

Quando tiverdes feito isto, e constantemente, não penseis mais em nada. ( i

Deixae todo cuidado a ‘Jesus Sacramentado/ deitae agir A; santa Communhão.

Em, breve vos tomareis a álma que estamos estudando e. procurando.

V— Por certo, as disposições devem ser relativas ao estado e posição; á idade, e capacidade de cada um. Porém, para todos, aproximar-se da-mesa do Senhor sem preparação alguma, rece-> bê-10 sem agradecimento, ó Deus! é um contrasenso.

E notae que,.fráfando-se de disposições amorosas—não de disposições theologicas — paVcce-me que aqui pode ter lugar o conhecido axioma—Parum pro nihilo leputa tur — O pouco .muitas vezes equivale a nada.

Fazeis vós grande differença em estar poucô preparado ou nada preparado para a sagrada Communhão? Attenção! atten- ção! queridos leitores! Parum pro nihilo reputatur. O pou­co muitas, vezes ’ equivale a pada. /_ . . O’ Deus ae boridádèVcOmo' são clolorosas as preparaçõespesadas eirç balança, é os Agradecimentos feitos de relogio na mão! Como são dolorosos V . . . .

. Perguntae o a S. Luiz de Gonzaga, pergtmtae-o a todos os santos. Dir-vos ão que sua vida, toda sua vida foram só duas cou-

ssas—preparação e acçàò de graças da conimünhão. . sTal deveria ser também a vida de uma alma verdadeiratnenie

eucharistica. Já disto falamos em outro lugar.'Certo £ que. aquélle què mais dá a Jesus, mais de Jesus

recebe. E quem mais receber mais depressa conseguirá o fim.Quem vae com um cbpo á fonté, com uma bilha, com uma

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280 A ALMA EUCHARISTICA

garrafa, só aparará a agua que taes vasos possam conter. A mes­ma cousa se dá com a graça eucharistica da communhão. A me­dida a levamos nós, e em nossas mãos. E segundo esta medida ser-vos-á comriiunicada a graça divina.

As communhões são taes quaes nossas disposições. Por isto, Deus drz nos psalmos ■—Dilata os tuw n et impicho illud —Abre tua bocca, e Eu a encherei. (Psalm., LXX, 9).

E accrescento com S. Paulo aos Corinthios: Dilatamini et vos (II, Cor., VI, 13). Dilatae ainda vosso coração, vossa al­ma, vossa bocca». «Não é exageração, é verdade; se quereis tor­nar-vos almas eucharisticas, mãos á obra!

A primeira reforma, realizae-a nas vossas preparações e nas vossas acções de graças. Reformado isto, tudo estará reformado.

VI— Começae, á noite, antes de vos deitardes, a preparar o vosso cenaculo espiritual. Queimae os primeiros grãos de in­censo. Adormecei com Jesus na mente, com Jesus no coração, com Jesus na bocca.

Durante o somno a vida se recolhe e se concentra em suas fontes; por isto o repouso do corpo é também renovamento do espirito. Do somno a alma sáe revigorada e refrescada como de um banho salutar.

Pois bem, seja um banho eucharistico o vosso somno, o vosso repouso. Deus mesmo cultivará os santos pensamentos com que adormecerdes; pela manhã os encontrareis florecentes.

Despertando durante a noite, impedi logo o accesso a qual­quer phantasia, a qualquer pensamento estranho. Perfumae a bocca com alguma santa jaculatoria, ponde incenso em vosso co­ração... e continuae a dormir.

Lê-se na verdadeiramente eucharistica serva de Deus Gem- ma Galgani que nella o desejo da Communhão começava na noite de cada dia, e, augmentando de hora em hora, atormentava-a durante toda noite, ainda que suavemente, até fazê-la desmaiar.

E isto chegou a tal ponto que o confessor para obrigá-la a dormir algumas horas, viu-se no dever de mandar-lhe que não pensasse na communhão durante á noite, sob pena de ver preju­dicada a sua saúde (Bibliographia escripta pelo P. Germano de S. Stanislau, cap. XIX).

VII— Chegada a hora do levantar, erguei-vos tão depressa como se na cama houvesse fogo. O dia toma o impulso do le­vantar; será lânguido se fôr iniciado com languidez.

A creança, apenas acordada procura o seio da mãe, e se já é crescedinha a primeira cousa que pede é o pão. Fazei o mes­mo com Maria Santíssima, com Jesus Sacramentado.

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P. ANTON1NO DE 281

O primeiro pensamento que nos vem 0 sempre o nosso pensamento dominante.

Ora, não será a Communhão o primeiro pensamento ma­tutino da alma eucharistica? Não será a Communliâo o primeiro palpite, o primeiro suspiro do seu coração? Que as primicias sejam para Jesus! Adorae-O, chaniae O, eonvidae-0 com impe- los de fé, de amor, de alegria, apenas acordardes.

Sim; é verdade, são decisivos para o dia inteiro os primei­ros momentos da manhã, e são decisivos também para a com­munhão.

Sobre este ponto, a Egreja vos instrue sufficientemente.Ella não permitte nem um pedacinho de pão á vossa fo­

me, nem uma gotta de agua á vossa sêde, nem um pouco de remedio aos vossos soffrimentos.

O jejum eucharistico é um jejum rigoroso e também inexo­rável... nenhuma excusa ou inadvertencia admitte a Egreja.

Pois bem! antes da communhão estaremos attentos para não violar o jejum namral, e não nos occuparemos do jejum moral? Isto é, levaremos á santa mesa o estomago vazio, e a mente cheia de pensamentos inúteis! cheio o coração, cheia a bocca de tagarelices? (e, se fossem só tagarellices, menos mal! ás vezes ha mais alguma cousa!)

Esteja em jejum não só o estomago, mas toda a pessoa, a alma e o corpo! A próxima, a imminente chegada de Jesus, do Amigo, do Irmão, do Esposo, do Pae, do Rei, do Salvador, do nosso Deus... este pensamento nos conserve recolhidos, compe­netrados, absortos...

Jejum e silencio perfeitos e inexoráveis.

VIII—Agrada-me transcrever aqui os doces e salutares con­selhos que ás Filhas do Sagrado Coração dava sua Venerável Madre Irmã Thereza Eustochia Verzeri:

—Do melhor modo possível preparae-vos para o dia afor­tunado em que deveis commungar, occupandovos da excellencia do Hospede divino que em breve será cotnvosco, e pelo exercí­cio de todas as virtudes fazendo-ihe antecipadamente em vosso coração um lugar de repouso. Na noite da vespera abrazae-vos no desejo da grande graça, e adormecei anhelando, amando, offerecendo.

Despertando durante a noite, renovae os actos de amor, de desejo, de offerta.

Pela manhã, disto vos occupae de modo especial. Chega­das á capella, ponde o vosso coração no Coração adoravel de Jesus, e pedi-lhe que o purifique, que o prepare como quizer e

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282 * ALMA EUCHABISTÍCA „

fôr do seu agrado. Permanecei em grande recolhimento interno e extetnò, acendei a lampada e vesti o habito nupcial pára ' ir ao encontro . e receber o Esposo que se avizinha e nos vem despòsar. Que tudo em vós seja puro, pois o Esposo vosso é pdrissimo e . santíssimo. Exultae com verdadeiro júbilo e real cdnsolação, vendo-vos admittida áquelle banquete divino, no qual são distribuidas as carnes immaculadas do Cordeiro divino, im- molado pela-salvação do mundo inteiro.

. Crede, esperae, amae, desejae e offerecei vos victima de holocausto em união ao Cordeiro Divino, sacrificado por vós.

Immediatamente antes de commungar exprimi com o cora­ção os actos preparatórios, e, antes de cada um, será util prece­dê-los de solida reflexão, que nos leve a proferi-lo com novo espirito e c.òm ardor maior. Chegado o momento de receber vosso Deus, exdamae com o propheta: — «Quem me dará asas como a pomba para voar ao meu Dilecto, e fi’Elle gozar paz e repouso? (Livro dos Deveres,tvol. II, pag. 77).

Todos os santos se preparam assim. Todos os santos!Lê-se da grande discípula do S. Coração, a £J. Margarida

Maria: «Desde o dia que precedia a communhão, tinha a alma' inundada de gozo. A noite quase inteira, passava-a em colloquios còm o seu' Amado; muitas vezes, emquaptp dormia, pensava na felicidade de recebê-IO< parecia-lhe já entreter-sé com Elle, comó‘ quando fazia oração». ' ’ ’

IX—Aqui julgo opportuno insçrir algun^as advertências ás almas simples: Um phenomeno que todps constatamos é este: lèvàntafrto-rtos muitas vezes com um mal-estar jndizivel, com um desgosto, com um máo humor inexplicáveis. Parece que durante d somno rtos tenham feito injecções de veneno. A causa ver­dadeira, penso eu. só Deus a çonbece. Nçs somos uhi mysterió para nós mesmos. ■ ' !

O certo é que, quando nos leyantamos indispostos, o dia começa mal... ■ :

Não somos capazes de conceber ,um bom pensamento, nem de fazer uma oração. Tudo nos pesa, nos abórreçe, nós.irritá.

Causamos fastio a nós proprios, e somos ,-fástip' para ós outros. Que miséria! Pobre communhão em taes dias! “ 1 ' ^

Mas, porque pobre communhão? Pensae um pouco: Se, para fazer bôas preparações, esperamos bellos dias, se as com- munhões fervorosas são reservadas ás manhãs sorridentes, oh ! então poucas dessas communhões faremos. Talvez, talvez nunca nunca façamos uma só. Talvez, talvez só os anjos as possam fazer. Os anjos só, porque todos os homens estão estragados pelo peccado original.

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Pelo contrario, nessas manhãs nebulosas é que devemos dar a Jesus Sacramentado maior prova do nosso amor.

Ousarei dizer que taes manhãs devemos desejá-las, pelo me­nos não as recusar, nem sentir desgosto nellas. Devemos accei- fá-las serenamente, e esforçar-nos por santificá-las.

Dizei-me. não foi o Senhor quem creou as trevas e a noi­te, o inverno e a neve, os ventos e a tempestade?

Os três jovens felizes da fornalha de Babylonia não convi­davam essas creaturas, trevas, invernos, ventos, a bemdizerem o Senhor?

X—Dizei-me, nunca ouvistes cantar o «Exultet» do sabbado de alleluia? Nunca chorastes ouvindo aquellas sublimes palavras do angélico hymno: O vere beata nox... de qua scriptum est: et nox sicut dics illuminabitur, et nox illuminatio mea in deliciis meis—O' noite verdadeiramente bemaventurada,.noite da qual foi escripto: E a noite será illuminada com.o o dia, e a noite será a minha luz nas minhas delicias...?

Almas enamoradas de Jesus, não vos perturbeis quando, erguendo-vos, em certas manhãs, sentis como em trevas o vosso espirito, impotente á oração, ao recolhimento, á preparação para a santa Communhão. Não percaes a coragem, apreciae este esta­do e esta prova. Recordae-vos dos três jovens de Babylonia, e dizei assim Im potência minha, louvae ao Senhor! Frieza mi­nha, >honrae ao Senhor! Trevas minhas, louvae ao Senhor! Pés­sima disposição minha, meus pesares, meus nervos, minhas en­fermidades e fraquezas, louvae ao Senhor! Gloria Patri et Filio , et Spiritu i Sancto /...

Começae outra vez. Reoeti este hymno o maior numero de vezes que fôr possivel, com fé, com humildade, com affecto.

Depois -de tê-lo repetido dez. vinte, trinta, cincoenta, cem vezes, pouco a pouco a luz sahirá das trevas, a alegria surgirá da aridez, o fogo do gelo. Pouco a pouco o espirito se tranquil- lizará, os nervos se aõalmarão, as potências se recolherão, a noi­te se tornará dia, as trevas se tornarão deliciosas, e cantareis também vós:—«O’ noite minha, ó noite bemaventurada».—N ox sicut dies illum inabitur}xt nox mea in deliciis meis.

Experimentae e vereis.

-XI—E se até o momento da communhão perdurasse em vós este estado de afflicçãoe de desolação, mesmo em tal caso, não deveis: perder a calma.

Recordâe o. que disse, ha pouco, falando do sentimento da própria indignidade a respeito da santa Communhão.

E’ o nosso bom Jesus que a todo custo, querendo vir a

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7H4 A ALMA EUCHARfSTfCA

tn'»s, nos põe neste embaraço... portanto, deve ajudar-nos Elle... «Iiiando nós mesmos não o possamos fazer. Não é por acaso chamado: adjutor in opportunitatibus, in tribiilatioue —au­xilio nas necessidades e tribulações? (Psalm., IX, 10).

• Não foi. Elle que, no deserto, pelas mãos de Moysés, de uma rocha fez saliir um rio de agua? e na queixada de um leão fr/. Sansão encontrar mel dulcissimo?

Quando nos sentimos distrahidos, áridos, frios, e o que é peor, impotentes para bem nos prepararmos á santa Commu- nliíio, então devemos repetir o mais vezes possível \ — *Domine mm sitin dignus... diç verbo et sanabitur anima mea.

Sim, se nunca sentíssemos nossas enfermidades, como po­deriamos suspirar pelo Medico e pelo remedio? Se nunca conhe­céssemos nossa indigencia, cegueira, malicia, como poderiamos estender a mão supplicante, anhelar pela vinda d’Aquelle que é o Deus da luz, da riqueza e da pureza? Repitamos, pois, repita­mos a oração admiravel de S. Tliomaz de Aquino:—«O'Senhor, como enfermo me acolho ao medico da vida; como impuro á fonte da misericórdia; como cego á luz da clareza eterna; como pobre e necessitado ao Senhor do Céo e da terra».

Ponho termo a este ponto dizendo que as santas commu- nliões são como os mysterios do Rosário, hoje gozosos, ama­nhã dolorosos, depois gloriosos. Porém, se, da nossa parte, fizer­mos quanto pudermos para bem nos preparar-nos, então as com- munhões, como os mysterios do Rosário, serão também rosas bellas e odorantes. E as rosas mudam de côr, mas são sempre rosas.

E, já que estudamos este argumento, desejo resolver outra difficuldade ás almas simples.

Falo sempre ás almas simples, persuadido de que estas em maior numero é que hão de ler o meu livro.

XII—Como algumas vezes um mal-estar indizivel torna es- tereis nossas preparações, também outras vezes essas preparações são serenas e fervorosas e na santa communhão não sentimos gosto algum, nem doçura alguma.

Esta aridez direi quase sacrámental é um tormento para a alma enamorada de Jesus, e é causa de duvidas e de confusões. Tudo isto sem motivo!

Que a doçura seja um dos effeitos particularas da santa communhão, é cousa certa. A Egreja no-lo recorda, continuamente, pondo em nossos lábios aquellas palavras inspiradas: Panem de coelo praestitis.fi eis, omne delectamentum in se haben- ie.tn—Tu nos deste um Pão vindo do Céo, que em si encerra todas as delicias. (Sap., XVI, 20).

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P. M ÍT O filN O o r CAS Tf M .AK lK IAlir 5W

E, no versículo do livro da Sapiência, de onde são (irados, seguem-se logo estas palavras: Et omitis su/unis suavitatem

-E a suavidade de todo sabor. No texto fala-se do maná cai- do do Céo para o povo hebreu. E o maná foi a mais typica figura da Eucharistia.

S. Thomaz, portanto, com sua angélica precisão, na segun­da lição do II Noturno da festa do Cor/ms Dnmini, diz clara­mente: Suavitatem huius Sacramcnti nnllns exprimere snfficil — Ninguém é capar de exprimir a doçura deste Sacra­mento.

Porém o proprio S. Thomaz resolve a difficuldade. accres- centando logo :—*Perquod spiritualis thtlccdo in suo fo n te gustatur». Ahl não se trata de doçura material, porém de do •çura espiritual.

Espiritual é a doçura que se saboreia na Eucharistia como em fonte própria.

Se é espiritual não é sensível e, se não é sensivel de sua natureza, não se pode pretender que possa ser saboreada pbysi- camente. Tal pretensão seria estultice, loucura, também e, falta de fé.

Os sentidos pouco valem no que diz respeito ao ineffavel sacramento. Os sentidos falham... compete á fé ajudá los e sup- prir a sua defficiencia.—*Praestet fides supplem entum, sen- suum defectuiy.

Assim, a doçura da communhão não deve senti-la o corpo, mas a alma; não o paladar dos sentidos, porém o paladar do espirito.

Isto quanto á natureza das cousas.Indirectamente, porém, pela intima união da alma com o

corpo, alguma cousa da doçura que esta saboreia se communica também aos sentidos.

Como o unguento precioso com que Magdalena ungia os pés do Senhor enchia de fragrancia toda a casa. assim, ordina­riamente falando, é impossível que o gozo dulcissimo da alma não se faça sentir ao corpo, que é companheiro e instrumento daquelia.

E’ a metade da pessoa humana.

XIII—Entretanto, também nisto, por motivos que nos sSo desconhecidos, porém ordenados, certamente, pela sabedoria de Deus, também nisto pode haver excepções. Pois as doçuras do espirito quase sempre são como o vinho ou como os xaropes que se misturam facilmente com a agua e se bebem juntos.

Mas podem ser como o oleo que repelle qualquer mistura com a agua e fica sempre i parte.

São assim as doçuras do espirito.

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A ALMA EUCHARISTICA

Ordinariamente se communicam aos sentidos, tornam-se sensíveis também e o homem inteiro as saboreia.

Muitas vezes, entretanto, ficam á parte, corno o oleo: só na alma, na intelligencia, na parte superior do espirito, sem que lima só gotta caia até os sentidos.

E’ isto o que succede, ás vezes, na santa commtmlião. As doçuras eucharisticas permanecem somente no espirito. São pos­suídas, mas não sentidas; recebidas, mas não saboreadas; acre­ditadas, mas não experimentadas.

Nem por isto são menos verdadeiras e reacs. E porque as communhões sensivelmente aridas são mais nobres e mais meri­tórias? Porque mais generosas e mais desinteressadas. Aproxi- mando-nos da santa mesa, que procuramos nós? O Senhor ou as doçuras do Senhor?

Procurar doçuras? Não é proprio de creanças preten­de Ias e se preoccupar com ellas? Nobre é o lamento de S. Catharina de Gênova: —«Senhor, não tc quero buscar por teus agrados, mas só por verdadeiro amor. Quizeste attrahir-me por meio delles ? Não os quero, porque nada quero excepto tu e só tu».

Disse bem quando, acima, disse que nem sempre as com­munhões mais doces são as mais preciosas; pelo menos não são as mais agradaveis ao Senhor, nem as mais desejadas pelos santos.

XIV—O’ almas eucharisticas, quereis saber quaes as com­munhões mais uteis para nós e mais acceitas a Jesus? quaes as que mais nos honram e honram também a divina Eucharistia?

Não são nem as mais frias, nem as mais fervorosas, nem as mais doces, nem as mais amargas; são as mais simples e as mais humildes.

Con vencei-vos. ó almas santas, de que todas essas reflexões:— se somos frios ou fervorosos, adornados ou desprovidos; se as communhões são doces ou amargas—todas essas reflexões, digo, muitas e muitas vezes não procedem da simplicidade, mas da malicia espiritual; não da humildade, mas do amor proprio; no fundo de taes reflexões ha nma soberba finíssima que se es­conde.

Tambetn neste ponto vale a palavra complacente de Jesus: E t revelasti ea paivulis... — Os teus segredos, ó Pae, tu os revelaste ás creanças. — Que reflexão fazem as creanças quando recebem um presente? Agarram-no logo. E que reflexão fazem os recemnascidos quando querem sugar o seio materno ? Procu­ram-no avidamente, e basta! E t revelasti ea parvulis / Sim! Sim ! as communhões mais simples e mais humildes, as commu­nhões de creanças são as mais dignas e meritórias.

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Quando, na nossa fraqueza, houvermos feito todo o pos­sível, em nada mais pensemos. Com os braços abertos, com o coração anhelante, corramos a Elle... corramos ao Senhor!

Veniat, Oilectus meus, ren /a /f O Senhor! o Senhor!

XV—Se ha um momento solemtiissimo na vida do christão é o momento da santa Comnnmhão, quando se une a mim o meu Deus Sacramentado.

Aqueíle momento pode ser chamado como nos Livros di­vinos é chamado o proprio nome de Deus: Sattcittm et terri- bilc—Sim, santo e terrível é o momento da communhão.

Fico attonito quando comtemplo a imagem de um santo que tem nos braços o Menino Jesus.

Attonito fico, quando penso no patriarcha S. José, quando penso na Mãe de Jesus... ou simplesmente em Pedro e João... em Martha, em Magdalena!... Bemaventurados que foram!

Mas, quando reflicto que a mesma graça, ou, pelo menos, o mesmo Jesus vem a mim, e O recebo, então já não fico attoni­to, fico amedrontado.

E’ verdade. O como não o comprehendes, alma minha; com os olhos não O vês; porém, quod tum capis, quod non vi­des... animosa firm a t fides... (Sequencia da missa de Corpus Domini). O que não vês, o que não comprehendes, t’o asse­gura a tua fé generosa. E no entanto é esta fé que me amedron­ta no momento terrível da Communhão.

O h! meu Deus, como é possível crer em tudo isto, e ficar mudo, em face de Jesus, frio e quase insensível? .

Como é possivel que a acção de graças seja arrancada como que á força, e com minutos contados?! Mas, assim faría­mos, nós se víssemos com os olhos e tocássemos com as mãos o corpo de Nosso Senhor? Não devo chamar muito languida a nossa fé, se, apenas recebida a santa Communhão, fazemos a Jesus menos (e prouvera a Deus que só menos fosse) do que se O vissetnos com os olhos do corpo?

Não vos illudaes, amados leitores, o acolhimento feito a Jesus na communhão é regra segura e infallivel para conhecer as verdadeiras almas eucharisticas. Da mesma fórma que na com-- niunhão está o cume das graças eucharisticas, assim na commu­nhão também está o cume dos affectos eucharisticos. E, por isto mesmo, estão os signaes eucharisticos para conhecer uma alma verdadeiramente enamorada de Jesus.

Não o esquççaes:—a alma eucharistica é tal qual são suas communhões, e as communhões são taes quaes a preparação e a acção de graças.

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A ALMA ElTCKAtrrSTrCA28S

O mesmo qtre ir almoçar com o estomago doente é ir á santa mesa do Senhor sem a devida preparação. O que é um alimento não digerido, tal é uma communhão não digerida pela má preparação.

f yensae nisto e trem ei!

XVr-NüoE nãoE meu Senhor e meo Deus! que de um sa­cramento de amor não faça eu um sacramento de temor; que um momento de paraiso não se transforme em momento de pur­gatório. Nuncaí nunca! ftilechts meus m ihi eí ego ílli... egn> Dilecto meo et ad me cmtversio eins... (Cint„ li. 16; VII, 1> Jesus é todo meu, e eu sou toda d'Elle! Apertando-o contra o coração, esqueço que sou homem, e homem ptccador; julgo ser anjo. Como os anjos O comtempíarei, como os anjos O amarei, como os arijos O servirei.

Ou, então, se me lembrar, que sou homem, será para appli- car a mim própria e para saborear, também eti, os mysterios da vida humana de Jesus. E’ Elle o recemnascido de Beiem ? Com os pastores me aproximarei do seu berço, O adorarei, lhe sorri­rei ineffavelmente, cantando«D orm e, não chores, 6 Jesus dile­cto; dorme, não chores, meu Redemptor*.

Farei meus os obséquios, as lagrimas, o anniquilamento do patriarcha S. José; meus os dons dos magos, offerecendo-Ihe também a myrrha do meu corpo, o incenso do meu coração, o ouro da minha alma... Com o santo velho Semeão, O tomarei entre os braços, O contemplarei... O offerecerei ao Divino Pae.

Não é Elle o meu Pae. o meu Pastor, o meu Rei ? Dir-lhe-e» que 90U o filho prodigo, a ovelha perdida, o servo infiel de tão hom patrão.

Acolhê-IO-ei como foi acolhido no domingo de Ramos com gritos festivos: — «Hosanna ao Filho de David! Bemdito seja Aquelle que vem em nome do Senhor!» E minha alma, e mi­nhas potências, e minhas paixões anniquilarei sob seus passos reaes.

Ou, então, recebê-IO-ei como Zacheu, abrindo de par em par as portas do meu coração.

E' Elle o Mestre, o Medico, o Redemptor? Fale-me que eu escuto; cure-me que seu o cego e o surdo, o paralytico, o le­proso. Que me lave e me purifique no proprio sangue o meu Salvador.

Na santa communhão, como poderei esquecer o balsamo, as lagrimas, os beijos, os cuidados que Magdalena prodigalizou ao seu Rabboni, vivo ou morto ?... Como esquecerei o discípulo S. João, o filho de sua ternura, de suas predilecções ?...

Na santa communhão, por que não rezarei os hymnos eu-

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P. ANTONINO DE CASTI.I IAI3T

charisticos da Santa Egreja? Ah! não é aquellc o momento de canlar: — «1‘ange lingua glorio si Corporis m isterium ! Oi sacnun convivium /... O salutar is Hóstia 1... Ave ver um Corpus na tum » ?

Nâo pedirei a David sua harpa e seus psalmos immortaes? Aos três jovens de Babylonia o seu:- «licncdidte omnia opera Domirti Domino* ?

A Cedlia, á angélica Cecilia, não supplicarei seus orgãos... a Ignez seus cânticos... a Tliomaz de Aquino suas sublimes Se­quências... a Bemventurada de Bagnorea seus accentos de sera- phirn... a Affonso de Liguori suas orações de fogo?...

XVII— Sobre este ponto recommenda a citada ha pouco Ven. Madre Thereza Eustochio de Verzieri: — Logo depois de commungar, retirae-vos ao vosso coração com vosso Jesus, e pondo-vos a seus pés, adorae humildemente o Hospede Di­vino que vem a vós, para que possaes ficar com Elle para sem­pre. Não percaes um só instante daquelles momentos preciosos, em que abrigaes em vosso coração o Rei do Céo, o Senhor do universo, o Salvador do mundo, o Deus creador de tudo, o Es­poso de vossa alma.

Nada invejeis, ó almas caríssimas, ao paraiso, porque já possuis Aquelle que toma bello, precioso, bemaventurado o pro- prio paraiso.

Oh ! feliz momento em que, coração a coração, estaes com vosso Esposo Jesus, e o fogo do seu Coração purifica o vosso, e o faz com sua própria pureza.

Se os anjos fossem susceptíveis de inveja, invejariam por certo a vossa sorte.

Palavras dulcissimas que demonstram o espirito eucharis- tico de quem as escreveu.

XVIII— Mas eu ainda não nomeei Maria. O’ Mãe adoravel, ainda não falei de ti.

Parece-me que, ao fazer a santa communhão, ainda que meu coração seja duro como pedra e árido como um deserto, só o pensar em Maria é sufficiente para me retemperar as forças do espirito.

Onde está Jesus é impossível que não esteja também o olhar, o coração, a alma de sua Mãe.

Se as almas eleitas, primicias de Deus, hão de seguir o Cordeiro por toda parte, se hão de segui-IO as almas que não passam de ovelhinhas, quando melhor ha de segui-IO sua Pas- tora, sua divina Mãe? Quando o Cordeiro de Deus está em mim, sinto que estou muito proximo de sua Mãe.

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200 A ALMA EUCH ARISTICA

A Maria cabe o direito de apresentação. Ella apresentou ‘Jesus no mundo... aos pastores... - aos magos... a Semeão... da mesma fórma que, antes do parto, O havia apresentado ao Ba- ptista, em casa de Isabel.

Ha, porém, um momento só, em que Ella não no-10 apre­senta. Somos nós quem lh’0 apresentamos; este momento é o momento da santa communhão.

Estamos habituados a procurar Jesus ou nos braços, ou sobre os joelhos de Maria; ahi O achamos e O adoramos.

Mas, ha um momento em que Maria vem procurá-IO em vós, em nós, acha-O, e adora-O; é o momento da santa com- munlião.

Creio-A prostrada deante de mim quando no meu peito acolho o seu Filho, como outr’ora esteve prostrada deante da lapinha. Em mim Ella olha-O, contempIa-O.

E também Jesus, do meu coração, olha e contempla sua Mãe?!... Meu peito, então, é uma janella; minha alma é um crys- tal... A Mãe do lado de fóra... o Filho do lado de dentro se saúdam, se sorriem, se falam a meu respeito!

Bemaventurada esta Mãe que, no momento ineffavel da com- munhão, vê abençoados seus dois filhos: Jesus e o homem... eucharisticamente os vê feitos uma cousa só.

Em momento algum da minha vida sou tão caro a Maria quanto tio momento em que Jesus está em mim e eu n’Elle. Se lhe falo, na minha voz ouve a voz de Jesus; se a amo, nos meus palpites conhece os palpites de Jesus. Sente expandir-se de mi­nha pessoa a fragrancia da sua Flôr divina.

E, também, á r.-.iiiha alma, quanto são doces, naquelle mo­mento, as recordações, as palavras, as referencias de minha Mãe! Então o—«Fiai me!»— o—•Alagnifical»—o—«Stabat»-quan- to são sublimes! Então julgo-me em Belem, na lapinha, 11a casa de Nazareth... Que digo?... Julgo-me eu própria Maria... Uma só cousa não me quizera julgar: 0 Calvario ou a Cruz de Jesus.

Não aconteça nunca, ó santa Mãe, que, durante a coinmu- nlião, tu devas estar junto de mim, como sobre 0 Golgotha, ou junto á Cruz, junto aos crucificadores e ao Crucificado!

Prefiro friil mortes a esta desgraça!Antes, que, em cada communhão, sejas tu sempre, ó Maria,

o meu livro, a minha lyra, o meu hymno, o meu fogo, o meu incenso!

Sê, em cada communhão, ó Maria, a minha preparação e a minha acção de graças!

XIX—Almas eucharisticas, pensae por fim que, depois do agradecimento por palavras que se realiza na egreja, em tempo

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P. ANTONINO Di: CASTII 201

mais oti menos longo, segundo as çircumslniicins de cada um, depois da sahida da egreja, começa o agradecimento dos factos.

O verdadeiro agradecimento não é o que se faz na egreja com a lingua, é o que se faz em casa, com as acções.

Sobre este ponto, são opportunas algumas recoinmendações admiráveis do apostolo S. Paulo. Esculac-as Elle escrevia aos ro­m anosRevesti-vos de Nosso Senhor Jesus Christo. (Rom. XIII, 14). Aos philosophos:- Christo será glorificado no meu corpo seja pela vida, seja pela morte. (Pliil, I. 20). Na primeira carta aos Corinthios:—Glorificae e conduzi Deus no vosso corpo, (l.Cor., VI, 20). E na segunda aos mesmos:—Por onde andarmos levemos a mortificação de Jesus Christo no nosso corpo, para que tam­bém a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo. (II, Cor., IV, 10).

Depois da santa communhão, durante o dia, os mais di­gnos agradecimentos, nós os faremos, pondo em pratica as subli­mes recommendações do Apostolo.

Que em nossa fronte resplandeça a belleza de Jesus Christo occulto no nosso intimo.

Nos nossos olhos se reflictam as pupillas de Jesus, na nossa bocca se ouça a voz de Jesus; na nossa conducta se ad­mire a conducta de Jesus. A pessoa que conimungou distinga- se da pessoa que não communga!

O’ santas almas, sereis verdadeiramente cuchaiisticas, se em cada communhão ficardes cheias de Jesus no interior; c, no ex­terior, se, depois de cada communhão, O guardardes comvosco, O manifestardes, O glorificardes, e O exaltardes em vossos cor­pos. Assim somente não direis uma exageração, mas uma ver­dade, repetindoM inha vida é Jesus Christo! Elle vive em mim, e eu n’Elle.

Bellissimas, a este proposito, as palavras de S. Francisco de Salles:—«Os santos sentem que Jesus Christo se diffunde e se communica totalmente em suas almas e em seus corpos.

Tudo restaura, tudo niortifica, tudo vivifica. Ama no cora ção, pensa na cabeça, vê nos olhos, fala na lingua, e assim em todos os orgãos.

Faz tudo em tudo, e então não vivemos nós, é Jesus que em nós vive.

Elevadíssima é, também, a expressão daquella grande alma eucharistica que foi Frederico O z a n a m A in d a que toda a terra tivesse abjurado o Christo, na doçura de uma communhão e nas lagrimas que ella provoca acha-se tal poder de convicção que me fariam outra vez abraçar a cruz e desafiar a terra inteira».

Porém só a communhão não basta. Ella mesma nos leva a outros meios importantíssimos.

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292 ALMA EUCH ARISTICA

CAPITULO III

Outros meios eucharlsllcos

I— Sem duvida, a alma apaixonada verdadeiramente pela sa­grada Eucharistia, pode repetir a palavra da Sapiência: — Vene- rnnt inihi omniu bona pariier cum illa. Com ella (a Com- mmihão) todos os bens me vieram. (Sap., VII, 11).

A communhão é como a raiz da alma eucharistica: mas, também a raiz tem necessidade de ser vivificada e as folhas são igualmente indispensáveis á vida de uma planta.

Pois. bem, são os actos de piedade que vivificam a raiz e formam a fronde da vida espiritual, e, portanto, da vida eucharis- tica, que é a perfeição e o esplendor daquella.

O acto de piedade mais nobre e mais efficaz que alimenta e completa a communhão é a santa Missa.

Encontrae um santo, um santo só, que, podendo, não te­nha assistido pelo menos a uma Missa por dia!

Santos que tenham assistido cada dia ao maior numero de Missas que lhes era possível, estes são uma infinidade.

II— Se a Missa é a fonte da Eucharistia, como se pode ima­ginar uma alma sedenta cada dia da communhão, e não sedenta cada dia da santa Missa? Parece-me impossível!

Morrer sobre a cruz foi cruel para Jesus. Porém, se tivesse morrido como um ser abandonado, sem a assistência de sua Mãe, de João, de Magdalena, das santas mulheres, a morte de Jesus teria sido mais cruel ainda...

Morrer só, longe dos seus, entre desconhecidos e estra­nhos, que tristeza para um pobre moribundo!

Ora, semelhante magoa a Jesus—Victima cada dia-causa­ria a alma eucharistica, não assistindo cada dia ao santo sacrifí­cio da Missa, pelo menos quando possa fazê-lo commodamente.

Não é a Missa a mesma immolação do Calvario? e, de mo­do especial, não são as almas eucharisticas a amorosa cõrte de Jesus Sacramentado?

Oli! considerae perdido o dia em que não tiverdes queri­do assistir á santa Missa. Perdido, sim. porque negastes ao Céo uma nuvem de puríssimo incenso; privastes a terra de um im­pulso de força sobrehumana; o purgatório de uma onda de fres- quissima agua; a vós proprio de um accrescimo de thesouros divinos.

Ainda mais, (reflecti sobre isto) ao vosso Pae, ao vosso Rei

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P. ANTONINO DE CASTELLAMM ARE 293

immolado sobre o altar, negastes o conforto da vossa presença e das vossas lagrimas !...

E pretendeis pertencer ás almas eucliaristicas?

III— A B. Julia Billart dizia: — Uma santa Missa é o mais *-bello dom de Deus.

E S. Maria Magdalena Postei exclamava:—Se fosse compre- hendido o valor de uma Missa, andar-se-ia até os confins do mundo para assistir a ella.

E o B. Cottolengo:—Vale mais uma Missa que uma sema­na de cálculos e trabalhos. Da Missa tudo nos vem. Abençoado seja aquelle que ouve Missa todos os dias!

t , na Pequena Casa da Divina Providencia, que é um gran­de milagre permanente, entre aquelle povo de infelizes, de reli­giosos, de irmãos e de assistentes de toda especie, queria que cada dia assistissem todos á santa Missa.

Ao mesmo Dr. Orametti dizia:—Se não ouvistes Missa, não entreis na enfermaria, porque, neste caso, nada fareis de bom,

E, ás irmãs, falando do medico, accrescentava, gracejando:— Não deis café a este senhor, antes que tenha ouvido Missa.

IV— Mas, como incitamento a ouvirmos Missa com frequên­cia, bastaria a promessa feita por Nosso Senhor a S. Mathilde. Um dia, Elle assim lhe disse:—Na hora da morte consolarei e soccorrerei aquelle que com assuidade e devoção tiver assistido á santa Missa. Enviarei para protegê-lo tantos santos quantas Missas tiver ouvido.

O h! que promessa animadora e consoladora!

V— Também o V. D. Bosco tinha o mesmo zelo pela santa Missa.

Aos seus religiosos, como regra, (escreve seu biographo) e aos outros como conselho, suggeria a assistência quotidiana á santa Missa, recordando as palavras de S. Agostinho—«que não morre de morte má quem a ouve assídua e devotamente». A’quel- les que desejavam obter graças e a elle recorriam, recommendava que mandassem celebrar uma Missa, ou ouvissem alguma, to­mando parte nella por uma devota communhão. Dizia que de modo especial o Senhor escuta as orações feitas durante a ele­vação da Hóstia santa.

Ficou celebre a resposta dada por elle ao ministro inglês, Lord Palmeston. Em Turim, este fôra introduzido na sala onde estudavam quinhentos meninos do Oratorio salesiano, e, admira­do do silencio e do recolhimento que ali reinava, perguntou qual o meio de que se serviam para obter tão salutar effeito de disci­

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204 EUCH ARISTICA

plina.—O meio, respondeu o homem de Deus. vós. protestantes, não o podeis usar.—E qual é?—A frequente confissão e com- luunlião, a santa Missa ouvida todos os dias.

Tendes, razão, respondeu o illustre protestante. Faltam-nos estes meios de educação. Não poderíam ser substituídos por ou-« tros? -Só pelo chicote, exclamou D. Bosco.--Muito bem ! concluiu Pahneston—Ou religião ou chicote! Vou contar isto em Lon­dres.

E’ que os santos, os mais nobres educadores de almas, dão á santa Missa não só effeitos divinos, mas também effchos pedagógicos surprehendentes.

VI— Assim, pois, uma Missa cada dia, ouvida a todo cus­to, e, sendo possível, Missa cm que se commungue.

Se vossas occupações o permittem, sobretudo nos dias de festa, encadeae vossa vontade ao pé do altar; ouvi uma segunda Missa, ainda que sintaes algum cansaço. Não vos perturbeis por tão pouco, Deus não vos ficará devendo. Muitas vezes não é falta de tempo que faz sal.ir depressa da egreja; é, antes, fal:a de fé e de amor.

Acreditae-me, ninguém trabalha tanto como trabalharam os santos; ninguém como estes foi mais occupado.

Entretanto, ninguém ouviu tantas Missas quanto os santos.E, assistindo ao santo sacrifício, comportae-vos como an­

jos... Convidae Nosso Senhor, vossos santos padroeiros, vosso anjo da guarda, a que assistam comvosco. O pensamento de sua presença, vos manterá mais recolhidos!

Nunca assistamos á Missa como á força, com dissipação e tedio.

Que má parte tomaríamos, assim, na eucharistica, crucífixão de Jesus!

VII— A este proposito, agrada-me repetir as doces palavras de S. Francisco de Salles, na Introducção á Vida Devota, II par­te, capitulo XIV. Assim fala o santo doutor: — «Ainda não vos falei do Sol dos exercícios espiriluaes que é o santo Sacrifício, o sacramento do altar, centro da religião christã, coração da pie­dade, alma da devoção, mysterio ineffavel a compendiar o abys- mo da caridade divina, por meio do qual Deus nos communica magnificamente suas graças e favores. A oração, feita em união com este divino sacrifício, tem uma força tmmensa, de sorte que, por intermédio delle, a alma abunda em favores celestes, como submergida no seu Dilecto, que a enche de odores e de suavi­dade espiritual.

E isto’ lembra a fumaça de madeiras aromaticas, de myrra e

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P. ANTONINO lii: 205

de incenso, de todos os perfumes, co:un está registrado n o s ii vros santos.

Fazei, pois, esforço para ir cada manhã á santa Missa e com o sacerdote offerecer o Redemptor a Deus seu Pae, em vosso favor e em favor de toda a cereja .

«...Que feliciJade para uma alua conhibuii devotamente nara bem tão prreioso e desejável!»

— De sorte que, conclue o santo bi-po. se por acaso não podeis assistir á celebração deste sacrifício, com vossa presença pessoal, pela menos a elle comparccr de coração, com presença espiritual.

VIII— Se este capitulo cahisse sob os olhos de algum sa­cerdote, que não só deve assistir, porém celebrar a santa Missa, como ousaria eu dar-lhe conselho, eu o ultimo dos sacerdotes?

Ouso unicamente lembrar a mim mesmo e aos vonerandos sacerdotes de Jesus Christo, algumas poucas palavras da Im ita­ção. nas quaes se exalta magnificamente a gloria do sacerdócio: — «Grande é a missão e a dignidade dos sacerdotes, a quem é dado fazer o que não poJem fazer os anjos do Paraiso».—Po­rém, accrescenta logo:—«Cuida em offerecer a Deus este sacri­fício em tempo opportuno com fervor e devoção»—fideliter et devote... et teipsum irreprchensibilem cxhibeas! (Liv. IV, cap. V)

Poucas palavras, porém palavras de ouro.Não menos preciosas são as seguintes: — «Oh! quanto é

grande e honrosa a missão do sacerdote, aos quaes é dado con­sagrar com as santas palavras o corpo do Senhor de majesta­de, abençoá-10 com os lábios, apertá-IO entre as mãos, tomá-10 na própria bocca, e administrá-IO aos outros! Oh! quão puras devem ser aquellas mãos, quão pura a bocca, quão santo o cor­po, quão immaculado o coração do sacerdote, no qual entra tan­tas vezes o autor da pureza!

Palavra alguma que não seja santa, honesta e util deve sa- hir da bocca do sacerdote, que frequentemente recebe o sacra; mento de Christo.

Seus olhos devem ser santos e pudicos, pois que se fitam no corpo de Christo; suas mãos puras e erguidas para o alto, ellas que tocam o Creador do Céo e da terra. Aos sacerdotes de modo especial se applica a lei: Sêde santos, porque é santo o Senhor, vosso Deus (Liv. IV, cap. XI, n. 6, 7, imitação).

IX— Alem de tudo, aos sacerdotes não faltam livros; podem conhecer o que seja celebrar-;fideliter et devote—a santa Missa. Podem estudar na Selva de S. Affonso de Liguori a admiravel

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instrucção, que é a primeira, a respeito da celebração da santa Missa. Ahi estão pensamentos que inflammim, e pensamentos que aterrorizam.—«Pobres sacerdotes! exclan a o santo, no nu­mero 14. O venerável padre M. Avila, tendo morrido um sacer­dote, depois da celebração da primeira Missa, disse: —« O h ! que conta deverá ter dado a Deus este sacerdote por esta primeira missa*!

Ora, considerae o que devia dizer o P. Avila dos sacerdo­tes que celebram missas por trinta, quarenta e mais annos!!

Quem quer que sejamos, persuadamo nos de que a Missa celebrada santamente ou santamente ouvida é um meio quase in­dispensável para formar almas eucharisticas.

E, por isto, tende piedade das Missas que deveis celebrar, vós, ó padres meus; tende piedade das Missas que deveis Ouvir, se sois sirtiples fieis.

E todos tenhamos remorsos das Missas que poderiamos ter ouvido commodamente, e não o fizemos.

X—Em Fevereiro de 1848 em Paris, rebentava aquella re­volta em que devia ser assassinado seu illustre arcebispo, o Car­deal Affre.

Naquella mesma manhã, a B. Miguelina do S. S. Sacramen­to, então simples senhorinha Desmaisières, achava-se na egreja. Ao primeiro alarme, a egreja ficou deserta immediatamente. Só ficaram duas pessoas, o Padre que no altar celebrava Missa, e a Bemaventurada que a ouvia e commungava.

Terminada a Missa, a jovem entra na sacristia, e pergunta ao sacerdote.-Snr. Padre, nos dias luetuosos que começam, não haverá mais Missa nesta egreja?—Senhora,emquanto houver aqui uma só pessoa, haverá Missa.

—Então, esta única pessoa estará aqui. E a Senhorinha Desmaisières sahiu.

Era ella esta pessoa. Cada dia durante aquelle periodo in­fernal, a corajosa donzella, não olhando perigo algum, atraves­sando barricadas e trincheiras, dirigia-se á egreja. Cada dia man­dou celebrar uma Missa, assistiu a ella e commungou.

O h! o nobre ardor dos santos!E tanto se impõe a virtude que não somente não foi mo­

lestada pelos revoltosos a angélica moça, como foi respeitada até ser acompanhada por elles á egreja. Tomavam-lhe a mão, para que pisasse sobre as barricadas; collocavam taboas para que atraves­sasse os fossos; avisavam-na nos dias de maior perigo. E, cqmo se tudo isto não bastasse, deram-lhe seu distinctivo, para que o usasse no braço, fosse considerada companheira e nada sof- fresse.

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V. AHTON1NO DE CA ST El. IAM M ARE 297

Com este distinctivo ia todos os dias á igreja.Eis o que é uma Missa no conceito dos santos.E o que outros santos fizeram e soffreram para nlo perde­

rem uma só Missa, já o dissemos alhures. Contamos já os mui­tos prodígios operados por Deus algumas vezes, para lhes re­compensar o amor.

Mas deixemos os santos.

XI—Um domingo de inverno, frio. nebuloso e chuvoso, em Milão, os de casa não permittiram ao venerando Alexandre

. Manzoni que sahisse pa^a ir á Missa. Cedeu á força o illustre ancião. Pela tarde, um amigo foi visitá-lo, encontrando-o de máo humor; soube o motivo e deu razão aos parentes. E o grande homem replicouA m igo, se tivesse tirado um prêmio na lote­ria, e para recebê-lo fosse necessária a minha presença, meus pa­rentes me conduziríam nos braços... Mas, quando se trata de Missa...

E nada mais disse Alexandre Manzoni.O proprio Napoleão Bonaparte, visitando um dia um edu-

candario, examinou o regulamento e leu o seguinte artigo:—As alumnas ouvirão Missas todos os domingos. Elle cancelou as palavras todos os domingos e escreveu com seu proprio pu­nho:—todos os dias.

XII—Mas, para provar as vantagens da santa Missa e da santa communhão, bastaria o modernissimo exemplo do servo de Deus Contardo Ferrini, o illustre professor de direito roma­no, que, na cathedra da universidade italiana, fez resplandecer ao mesmo tempo a sciencia, a nobreza da fé e a pureza dos costumes.

Já costumava dizer:—Eu não posso conceber uma vida sem oração, um despertar matutino sem o sorriso de Deus, um re­pouso nocturno sem que seja sobre o peito de Christo. Tu, ó Deus, que sorris nas flores do campo, e no verde dos valles, sorri ao meu espirito e ao neu olhar, e eu responderei ao teu sorriso,

Cada manhã recitava suas orações e fazia sua meditação; cada manhã ia á egreja para a «festa dos santos pensamentos» -como dizia. Depois de longas viagens, mal descia do trem,

procurava uma egreja para assistir ao santo sacrifício da Missa e unir-se a Jesus na communhão.

Seus colloquios escriptos para com a Eucharistia têm o fo­go dos anjos e o perfume do Céo!

E era um leigo e, mais ainda, professor de universidade.

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CAPITULO IV

Visiías ao S. S. Sacramento

f—Conta S. Affonso que a Irmã Arma da Cruz, no século condessa de Feria, íenhora de imporlancia na Hespanha, ficando viuva aos vinte e quatro annos, fez-se religiosa de S. Clara, em Montiglia, e obteve uma cella de onde avistava o aliar do S S. Sacramento. A El!e se dirigia durante a noite e o dia. Sendo in­terrogada uma vez sobre o eme fazia tantas Itoras deante do S.S. Sacramento, respondeu:—*Lá eu ficaria durante a eternidade in­teira. Não encerra-se no altar a Essência da Divindade que fôr­ma o alimento dos bemaventurados? Meu Deus! o que se faz deanle d’Elle, o que não se faz? Ama!se, iouva-se, rende-se gra­ça... pede-se... Que faz um pobre deante de um rico? Que faz o doente deante do medico? Que faz o sedento, deante de fresca fonte? Que faz o faminto deante de um lauto banquete»?

Na verdade, se o amor eucharistico é um peso como os outros amores, e mais que elles, o Tabernaculo é centro de gra- vitação para as alntas eucharisticas.

Já o dissemos mais de unia vez, o que é a colmcia para as abelhas, o ninho para os passaros, o redil para as ovelhas, a fonte para os cervos, a agua para os peixes, o lume para a bor­boleta, o pólo para a agulha magnética, é o tabernaculo para as almas enamoradas do S. S. Sacramento.

Passam as longas horas do dia, e vós não sentis o desejo de ir a Jesus, de fazer-lhe um pouco de companhia?., não sen­tis este desejo 5 O h! que máo indicio, caros leitores!

Lembrae-vos do Ubi thesaurus vester est... de J. Christo, e tirae as consequências.

Não vos mandarei visitá-IO trinta vezes por dia, como O visitava Magdalena de Pazzi; nem sete vezes, pelo menos, como O visitava S. Francisco de Borgia. Quero uma vez, uma vez só, e não é demais.

II—E' preciso aqui fazer uma distineção: trata-se de reli­giosos ou de seculares.

Para os primeiros, um dos privilégios maiores que offere- ce a vida religiosa é o habitar junto com Jesus Sacramentado. Nos conventos, Elle é o dono da casa, dizia S. João da Cruz. E’ o verdadeiro superior, do qual o guardião, o provincial, o geral, apenas são representantes e porta-vozes.

Que diriamos de uma communidade, se pouco ou nada ligasse ao seu superior? se o obrigasse a ficar encerrado em sua cella? Se, quando doente, ninguém O visitasse ou consolasse?

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1». ANTONINO b r CAÜIUl AK1MAD1: 200

Ora, o Jesus Sacramentado dos conventos não espera de seculares visitas e adorações, espera-as dc sua cominunidade, dos seus filhos, dos seus irmãos, dos seus súbditos, emfim da famí­lia religiosa.

À cella é o meu cárcere, o tabernaculo o d'Elle. Juntos, so­mos prisioneiros voluntários. Os religiosos, porém, não são so­mente prisioneiros com Elle. são seus carcereiros. Somos as sen- tinellas que guardamos o Tabernaculo; a chave que o abre e fe­cha nós a guardamos; abrimos também a porta da egreja, o que aos seculares permitte visitarem—o Prisioneiro nosso.

Mas. quando a porta da egreja se fecha, então Jesus não è trais de ninguém, é nosso, exclusivamente nosso

III —Tinha razão aquella alma sanla que dizia:—E’ suspeito de heresia o religioso que. alem das vezes que vae ao côro, cha­mado pela obediência, Ia não vac uma só espontaneamente visi­tar o S. S. Sacramento.

Pelo contrario, dos santos religiosos de qualquer ordem, pode-se csta':e1ecer csle principio:- Só não ficavam na egreja em companhia de Jesus, quando o proprio Jesus não os queria, mandando-os a outras obrigações ordenadas pela obediência.

O que dizemos dos religiosos, podemos dizer também dos sacerdotes seculares. E* certo que estes não moram juntos com Jesus Sacramentado, mas pelo seu estado e seu ministério, esta­rão frequentemente nas egrejns, em torno dos santos laberna- culos,

Seria de esperar, pois, que não houvesse hora do dia em que o amado Ciborio não se visse cercado ou de religiosos ou de sacerdotes

Entretanto, uma das queixas mais amargas que o Coração de Jesus fez a Margarida Maria foi de ver-se abandonado mes­mo pelas ai mas consagradas ao seu serviço.

E certamente, no horto das Oliveiras, não a estranhos, mas aos três predilectos discípulos foi dirigida aquella censura;—*Sic non potuistis una hora vigilare mecum* ?

Nem uma hora pudestes velar comn igo?

IV—Se sois pessoas que viveis no mundo e na própria casa, tendes também um recurso para visitar Jesus Sacramenta­do. Fazei tudo para visitá-lo pessonlntenlc, ao menos uma vez.

E, se isto não vos fôr possível, visitae O mesmo de casa... E então visitae-0 quantas vezes puderdes... Recordae-ves do que se disse das piedosas mulheres no monte Calvario. Não poden­do aproximar-se de Jesus, olhavam-n’0 , e soffriam de longe.

Para não fazerdes isto, excusa alguma existe.

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100 A ALMA EUCHARISTtCA

F assim como S. Paulo chama os antigos justos a longe aspicientes et sa lu tantes- ( Heb., XI, 13)—almas que de longe olhavam e saudavam o Christc futuro, vós também, ó afortuna­das almas, võs também sereis—a longe aspicientes et salu­tantes. De longe olhareis o Tabernaculo, de longe O adorareis, o, a elle não podendo ir pessoalmente, lhe enviareis vossas sau­dações, vossos amores, vossos suspiros. A longe aspicientes et salutantes.

Com effeito, assim fazia S. Maria Francisca das Cinco Cha­gas ; quando as doenças (e deviam ser bem graves) não lhe per- mittiam ir á egreja, fazia-se conduzir ao terraço, voltava-se para a egreja vizinha, e falava, ao seu Dilecto, adorava-O, se anniqui- lava em palpites e suspiros.

Não! não ha excusas que nos dispensem de visitar o Se­nhor, ou de perto ou de longe, se não com o corpo, pelo me­nos com o coração.

V—Alem disto visitar o Santíssimo Sacramento, não é sim­ples questão de fé, mas também de gentileza, de bom sentimento.

Não é apenas crente a alma que vae muitas vezes ao Rei dos reis... é também uma alma bôa, bem formada, nobre e de­licada.

Sim, gentileza e nobreza é escutar a voz de Jesus, cansa­do de chamar seus filhos, cansado de repetir: — S ustinu i qui sim ul contristaretur et non fu it , ei qui consolaretur et non inveni (Psalm., LXVIII, 21). — Procurei quem partilhasse minha tristeza, e ninguém veio; quem me consolasse, e não achei.

E' nobreza e gentileza ser anjo visitador, consolador e in- demnizador de um Pae abandonado, de um Rei menosprezado, de um Deus esquecido.

O’ anjos da Eucharistia, ó flores do tabernaculo, ó abelhas, ó borboletas, ó pombas, ó cervos, ó amantes, ó dilectos, ó ena­morados do Sacramento... visitae muitas vezes Aquelle que sem­pre será as delicias das almas escolhidas...

Só estas visitas vos fazem predestinados.Sim, derramas lagrimas de ternura, quando pensardes nas

solcmnes e agradecidas declarações que fará o divino Juiz no grande dia do Juizo. Dirá entre outras cousas: — *Infirtnus fu i et v isitastis me; in cárcere eram et venistis ad me (Math., XXV, 36). Estive doente, e me visitastes; estive preso, e viestes a mim..»

Não é somente o meu proximo o doente, o encarcerado... muito mais, ó Jesus Sacramentado, sois enfermo e encarcerado; enfermo de amor, encarcerado ha vinte séculos.

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P. ANTONINO DE CASTELLAMMAftE 301

Não quero outra recompensa, não busco outras razões para me fazer assíduo visitante de meu Jesus no seu Sacramento; basta-me seu reconhecimento. A satisfação do seu Coração me deleita; suas palavras me fazem bemaventurada:—Infirm us fu i ct visitasiis me; in cárcere eram ei vcnislis ad inc* .'

VI— Ah! meu Deus, quanto são frívolos os motivos de que me sirvo muitas vezes para me dispensar de visitar-vos!

Dizia S. Thereza:—«Não é permiltido a qualquer um falar com o Rei; o mais que um vassalo possa esperar é mandar fa- Jar-lhe por uma terceira pessoa».

E accrescenta:—Mas, para vos falar, ó Rei da Gloria, não <é necessário uma terceira pessoa, sempre eslaas prompto para dar audiência a todos no Sacramento do altar. Quem vos quer sempre vos acha, e vos fala na intimidade».

O’ meu Rei, estaes sempre prompto para me acolher, sem* pre á minha espera.

Sou eu que não penso em Vós, que não vos procuro. Como não córo lendo o que fizeram os santos por amor de Jesus Sa­cramentado!

VII— S. Francisco Xavier, o grande apostolo das índias, depois de ter trabalhado todo o dia em favor das almas, passa­va toda a noite deante do S. S. Sacramento. E quando o somno o apertava, deitava-se sobre os degráos do altar; tendo repou­sado um pouco, voltava a se entreter com o seu amado Jesus.

O mesmo fazia S. Francisco Regis.Tendo passado o dia inteiro a pregar e confessar, seu des­

canso era conversar durante a noite com Jesus Sacramentado, e quando achava a egreja fechada, permanecia atrás da porta, ex­posto a todos os rigores das estações, e, assim, mesmo de lon­ge, fazia côrte ao seu adorado Senhor.

S. João da Cruz, durante a noite, na egreja de Carcava, sendo obrigado a dar algum allivio á pobre natureza exgottada, estendia por terra o seu manto, deitava-se sobre elle, e adorme­cia junto ao seu Amado.

O Ven. Pe. Baldassere Alvarez. um santo homem, quando não podia ir á egreja, voltava a face. os olhos e o coração para o lado onde estava o S. S. Sacramento.

VIII— Mas, para que vou multiplicando exemplos, quando todos os santos acharam na Eucharistia o seu paraiso na terra?

Todos os santos sentiram o que sentia o Pe. João Avila, que dizia não encontrar santuario mais devoto e amavel que uma egreja com o S. S. Sacramento.

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.102 A ALMA EUCHARISTfCA

—Todos os santos praticaram o que um dia S. Thereza do Céo veio dizer a uma sua religiosa:-«Os habitantes do Céo e da terra deveríam ser uma mesma cousa na pureza e no amor: nós gozando, vós padecendo. E o que fazemos no Céo com a divina Essência, vós deveis fazer na terra com o S S Sacra­mento».

O' almas eucharisticas, que a visita a Jesus Sacramentado seja, pois. um dos meios principaes de vossa eucharistica perfei­ção. Pedi a Jesus mesmo que vos dê o desejo de visitá-IO mui­tas vezes, ou realmente na egreja, ou espiritualmente, do lugar onde estiverdes.

Quanto mais O visitardes, melhor recebereis esta graça, por­que saciareis o grande desejo que tem Nosso Senhor de vos conceder seus favores no seu Sacramento.

IX—Não esqueçaes o que dizia o B. Henrique Susune: que Jesus Sacramentado escuta mais depressa a oração de quem O visita, e aos seus visitantes dispensa favores em mais abundancia.

—O V. Padre Alvarez viu um dia Jesus Chiisto no Sacra­mento tendo as mãos cheias de graças, mas não achava a quem concedê-las, porque ninguém as procurava.

—Certamente—dizia S. Affonso—entre todas as devoções, esta de adorar Jesus Sacramentado é a primeira depois dos sa­cramentos, a mais querida a Deus, a mais util aos homens.

—Não vos desagrade, continua o santo doutor, não vos desagrade, ó almas devotas, iniciá-la vós também... Gustate et videte qiiam snavis est Dominus... Experimentae, e vereis o grande proveito que haveis de tirar.

Ficae sabendo que o tempo empregado em devoções a este Divinisssimo Sacramento é o tempo que melhor vos apro­veitará na vida, mais vos consolará na morte e na eternidade.

Ficae sabendo que mais ganhareis, talvez, em um quarto de hora em presença do Sacramento, que em todos os outros exercícios espirituaes do dia...

E onde as almas santas mais bellas resoluções tomaram senão aos pés do Sacramento? Eu, por esta devoção de visitar o S. S. Sacramento, ainda que praticada por mim com tanta frie­za e imperfeição, acho-me longe do mundo, onde, por minha desgraça, vivi até a idade de 26 annos...

Oh! que suave delicia permanecer em face do altar com fé e com um pouco de tema devoção, e falar familiarmente com Jesus Christo, que ahi está para escutar e attender nossos pe­didos !...

Porém, para que mais palavras? Gustate ct videte... (In- trod. ás Visitas).

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P. ANTGNINO DE CASTEI.I. AMMA13E 303

X—Não menos efficazes são as palavras do V. D. Bosco. Sempre, escreve o seu biographo Lemoyne, teve para o S. S. Sa­cramento o culto mais terno.

Cada dia ia adorá-IO. Apesar da idade avançada, das mo­déstias que o acabrunhavam, das pernas inchadas, prostrava-se por terra para adorá-IO.

Então se recolhia em oração, e seu rosto parecia dc um •seraphim. Quando passava deante das egrejas, mesmo que fos­sem vizinhas, tirava o chapéo em signal de saudação respeitosa.

Aos sacerdotes recommendava a recitação do Breviario de­ante do S. S. Sacramento. A todos repetia«Q uereis que o Se­nhor vos faça muitas graças?—Visitae-O inuitas vezes.—Quereis que o demonio vos assalte?—Visitae poucas vezes Jesus Sacra­mentado.—Quereis que o demonio fuja de vós?--Visitae a Jesus frequentemente. Quereis vencer o demonio? Refugiae-vos muitas vezes aos pés de Jesus Christo. Quereis por elle ser vencidos? Deixae de visitar Jesus

Meus queridos, accrescentava, a visita ao S. S. Sacramento é um meio muito necessário para vencer o demonio.

Ide, pois a Jesus muitas vezes, e o demonio não cantará victoria sobre vós.

Assim faziam, assim experimentavam, assim ensinavam os santos.

Experimentae, e também vós ficareis convencidos.

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304 A ALMA EUCHARÍSTrCA*

CAPITULO V

A communh&o espiritual

I— Segundo os santos, a comnwnhão espiritual é um desejo ardente de receber Jesus Sacramentado, seguido de um affecto amoroso, como se fosse recebido de facto.

E' por isto que a communhão espiritual se pode fazer sem sermos observados por ninguém; em qualquer lugar e em qual­quer hora, durante o dia e durante a noite, sem necessidade de jejum e sem licença do confessor.

E’ justo, pois, que não se deixe de fazê Ia na egreja, espe­cialmente ouvindo a santa Missa, e todas as vezes que tenha­mos a ventura de visitar, ainda que por instantes, o S. S. Sa­cramento.

S. Affonso, com sua precisão de theologo e com seu cora­ção de seraphim, propõe este pequeno acto para qualquer com­munhão espiritual.

— «Meu Jesus, creio que estaes no S. S. Sacramento. Amo- vos sobre todas as cousas, e porque vos amo me arrependo de vos ter offendido. Já que não posso receber-vos sacramental­mente, vinde espiritualmente á minha alma que vos deseja. Co­mo se já tivesseis vindo, eu vos abraço e me uno a Vós.. Não permittaes que jamais me separe de Vós».

Semelhante a do seu santo, fundador era a formula usada por S. Geraldo Majella:—«Senhor meu, creio que estaes no S. S. Sacramento, adoro-vos de todo meu coração, e com esta visita entendo adorar-vos em todos os lugares da terra onde vos achaes sacramentado. Offereço-vos vosso preciosíssimo sangue para tor dos os peccadores; entendo ainda receber-vos espiritualmente neste acto, tantas vezes quantos são os. lugares em que habitaes».

Entretanto, formula alguma é indicada; basta algumas vezes um suspiro,- uma palavra só para se fazer uma fervorosa com­munhão espiritual.

II— A communhão espiritual é um grande meio de santifi­cação eucharistica. Assim diz o P, Faber:—«A communhão espi­ritual é por si mesma uma das grandes potências da terra».

S. Leonardo de Porto Maurício assegura que por meio delia muitas almas chegarão a grande perfeição.

Como o appetite é indicio de bom estomago, assim os de­sejos são indicio de um coração sadio e vivo.

Toda perfeição consiste na união com Deus; ora a com­munhão sacramental tem um duplo effeito contrario: sacia e au- gmenta a fome de Deus; apaga e acende; satisfaz e provoca.

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1>. ANTONINO DE CASTELLAMMARE 305

A alma enamorada de Jesus, depois do alimento eucharis- tico, tem mais fome que antes. Só pode saciar esta fome por meio de communhões espirituaes.

O mesmo sagrado Concilio de Trento (Sess., XIII, c. 8) lou­va muito esta communhão espiritual, e exhorta os fieis a prati­cá-la. E os santos a praticaram também. Antes, ousarei dizer que a vida dos Santos foi uma continua communhão espiritual.

A B. Angela da Cruz, dominicana, chegava a dizer:—«Se o confessor não me tivesse ensinado este modo de commungar, eu não feria podido vi/er». Por isso fazia cem communhões es- pirituacs durante o dia, e cem durante a noite. Parecería demais, porém, para as almas sedentas de Jesus, nada é demais!

III —Por certo, os effeitos da communhão espiritual não são os mesmos da communhão sacramental. Entretanto, se estas são de ouro, aquelles são de prata.

Um dia, Nosso Senhor appareceu á serva de Deus, Irmã Paula Maresca e, mostrando-lhe dois vasos preciosos, um de ouro, outro de prata., disse-lhe que no de ouro guardava suas communhões sacramentaes, no de prata as espirituaes.

Outra vez, disse Jesus Christo á Ven. Joanna da Cruz que cada vez que ella commungasse espiritualmeníe dava-lhe uma gra­ça em algum modo semelhante á que recebia nas communhões reaes. Por isto esta santa alma repetia sempre: — «Senhor, que bello modo de commungar é este!

Sem ser vista ou notada, sem dar trabalho ao meu Pae es­piritual, sem depender de outra pessoa senão de Vós, na soli­dão mais completa, alimentaes minha alma e me falaes ao co­ração».

Algumas vezes, os effeitos e alegrias da communhão espi­ritual superam os da communhão sacramental, e isto por causa do ardor dos suspiros e do amor.

Por esta razão dizia o .S. Cura d’Ars: — O effeito que faz ao fogo o abano, faz a communhão espiritual sobre o fogo do co­ração—é abano de amor.

IV—Tudo isto com respeito a nós.Mas ha um coração que mais do que nós deseja ser rece­

bido nas communhões espituaes—é o Coração de Jesus Sacra­mentado.

Parecem incríveis as confidencias que sobre este ponto fez ás almas eleitas.

A S. Oertrudes disse:—«Augmentarei as delicias e a gloria do Céo á proporção dos olhares e desejos que tiveres para com a Eucharistia».

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ALMA EUCH ARISTICA

A S. Mathilde:-«Não ha abelha que com tanto impeto se lance sobre as flores para lhes sugar o rhel quanto Eu pela vio­lência do meu amor, busco á alma que me deseja».

E em uma segunda visão:—«Todas as vezes que me dese­jas, me attraes a ti; um desejo, um suspiro bastam para que ire entregue em tuas mãos».

Outra vez:— Despertando, suspira por mim de todo o co­ração. Deseja-me com suspiro de amor; irei a ti, agirei em ti. soffrerei em ti toda a minha paixão.

A S. Catharina de Senna, inebriada por uma communlião espiritual disse:—«Em qualquer lugar e de qualquer maneira que me agrade, Eu sei satisfazer maravilhosamente os santos ardores de uma alma que me deseja».

A' já citada Ven. Joanna da Cruz:—«Abrazo-me em desejo de me dar a li: quanto mais me dou mais desejo dar-me outra vez».

A’ B. Ida de Loriano, durante uma Missa na qual não pou- de commungar:—«Chama-me e Eu irei»—O’ meu Jesus, vinde— exclamou Ida. Recebeu-o espiritualmente, e sentiu, o paraiso na alma.

V—Grande Deus! mais inacreditável ainda é o que disse um dia o Coração dulcissimo de Jesus á sua discípula predile- cta Margarida M a r i a « O teu desejo de receber-me comnioveu-nie tanto que, se ainda não houvesse instituído o S. S. Sacramento, Eu o teria instituído neste momento para me unir a Ti».

Vêde quão grande seja a sêde de Jesus Sacramentado; quanto lhe seja grata a nossa sêde, e quão agradaveis nossos desejos, nossas communhões espituaes.

De hoje em deante, isto não havemos de pôr em pratica nós também?

O santo habito vo-lo tornará facil e agradavel, e sobretudo muito util ao progresso eucharistico. Este progresso bem se po­derá medir pelo numero e pelo fervor de nossas communhões espirituaes.

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P. ANTONINO DE C AST E L L A M M A RE 307

CAPITULO VI

Meditação eucharislica

I—Todo amor é fogo, e todo fogo precisa alimentar-se; o Amor eucharistico não pode eximir-se a esta lei.

A isca para o amor quem a fornece é a intelligencia; as ideas afervoram os anseios. O bem amado quanto mais se co­nhece mais se estima; quanto mais nelle se pensa, mais se o ama. Eis porque nquillo que é a agua para a planta, o oleo para a lampada, o carvão para o fogo, é a meditação para o amor.

Se são eucharisticas nossas considerações, eucharistico é o fogo que nos vem do intimo.

Meditae muitas vezes sobre a Eucharistia e o meio de se tornar eucharistico.

Lêde o que já dissemos nos capítulos XII e XIII sobre o fogo eucharistico sensivel e espiritual.

Aqui, pela palavra meditação não entendo só o que ella exprime em sentido proprio, isto é, oração mental. Dou a esta palavra um significado mais largo, comprehendo-a como qual­quer attençâo amorosa da mente , ainda que essa atten- ção seja momentânea.

II—Por certo, a meditação propriamente dita é a verdadeira fogueira do Amor eucharistico. Mas nem todos a podem fazer commodamente cada dia. Todos, pelo contrario, e com toda fa­cilidade. podem conseguir a attençâo momentânea, que sempre equivale á meditação, e muitas vezes a supera nos bons effeitos.

E tal cousa se obtem voltando continuamente a mente para Jesus Sacramentado, offerecendo-lhe simples pensamentos òu sim­ples olhares, isto, porém, de modo intenso, a ponto que os raios se transformem em settas, ou, melhor, os pensamentos se mudem em affectos, os olhares em beijos á divina Eucharistia.

A repetição destes actos equivale á meditação e, depois de • certo tempo, quando se é constante em praticá-la ficam em cos­tume na mente, isto é, em attençâo habitual para com Jesus, em pensamento habitual para com a Eucharistia.

Porém attençâo amorosa, e pensamento affectuoso, porque com o exercício e com o tempo parece que as faculdades da alma mudam suas funcções o coração pensa, e o intellccto ama.

Em toda parte a alma se lembra d’Aquelle que é sua vida. Se passa por uma egreja, se ouve bater o sino, vôa a Jesus com o pensamento; se tem na mão uma flor ou uma fructa, se ad­

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303 ALMA EUCHACISTICA

mira o campo, o mar, o Céo eslrellado, no pão, no vinho, na agua, no ar, na luz, em todas as creaturas, vê reflectida a belleza, a perfeição, a graça de Jesus...

III— Não è possível fazer disto uma enumeração completa. Ao fogo não se impõem leis; elle sabe bem o que deve fazer e o que deve queimar.

Assim é o amor. Entretanto, o fogo, de algum modo, se pode regular. E, se eu devesse dictar regras ao fogo das almas eucliaristicas, lhes diria:—Pela manhã fazei uma breve meditação sobre a Eucharistia: que o ponto reja escolhido pelo vosso cora­ção. Prestae attenção—vossas meditações não sejam simples re­flexões especulativas; sejam applicações praticas á vossa vida eucharistica. E affectuosos propositos concluam sempre vossas meditações. Seja depois escolhido um pensamento só para ser ruminado durante o dia, e, tanto quanto possível, uma palavra só seja a jaculatoria quotidiana.

Na apparencia, esta regra parece pôr obstáculo aos impul­sos do coração. E’ um engano. Não os atrapalha, dirige-os, como os trilhos que, em vez de retardarem o trem, o auxiliam a que corra mais veloz e seguramente.

Para que sejam salutares os pensamentos santos (e são san­tos todos os pensamentos eucharisticos) é preciso que sejam sa­boreados; e tanto mais são saboreados quanto mais illuminam e embalsamam a alma. Não devem ser como os bocados de pão, qHe mal se mastigam; muito menos como pilulas que se engo- lem de uma vez. Devem ser como confeitos a se dissolverem e se desmancharem na bocca...

Por isto são chupados um a um. Assim 0 9 pensamentos eucharisticos.

IV— Pela manhã, erguendo-vos, ou antes ou depois da com- munhão, ou, melhor, á noite, (antes de irdes para o leito) ponde na mente para o dia seguinte um pensamento eucharistico; e depois mastigae-o, ruminae-o, conservae-o na bocca durante o dia inteiro. Quanto mais se aprofunda um pensamento, mais é elle saboreado e mais sacia. Do mesmo pensamento meditado, tirae palavras amorosas, que são jaculatorias. Um pensamento só, uma palavra só durante todo o dia!

Quanto mais pensamentos puserdes na vossa mente, me­nos os apreciareis.

Vosso coração nunca chegará a ser embalsamado pelo per­fume habitual dos pensamentos eucharisticos.

Não! torno a repetir, assim como só se faz uma unicá communhão, também deve haver um só pensamento, uma só

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palavra no decurso do dia; pelo menos como regra ordinaria. Digo como regra ordinaria, isto é, emquanto a alma está no seu estado de quietaçâo costumada; porque, quando a alma, em mo­mentos de desusado fervor, é visitada peia plenitude do Espirito Santo, deve deixar agir Elle proprio; é então preciso desabafar o coração segundo as luzes e os impulsos do divino Amor.

Passado o fervor, readquirida a calma ordinaria, voltemos ao nosso pensamento e á nossa jaculatoria quotidiana, que assim conservarão sempre ardente o nosso espirito, e nunca deixarão se extinguir em nós o sentido affectuoso da divina Eucharistia.

V—Para complemento destes meus pobres argumentos so­bre a meditação e attenção amorosa que devemos ter habitual­mente para com o augusto Sacramento do altar, apraz-me citar os ensinos e conselhos de um dos mais insignes mestres da Egreja, isto é, S. Francisco de Salles, na Introducção á Vida De­vota, parte II, cap. i 2, 12. Elle fala em geral sobre a necessidade do retiro espiritual da alma em si mesma, e sobre o uso de orações jaculatorias, exhortações essas que mais convêm á alma eucharistica, e que ella deve acceitar como se lhes fossem ditas directamente. •

Falando do retiro espiritual, o sanlo Mestre ensina:—Neste ponto, ó Philotéa, eu vos quero muito affeiçoada aos meus en­sinos, porque em tal artigo consiste um dos meios mais seguros do vosso aproveitamento espiritual. (Notae este porque, ó almas eucharisticas). Erguei o mais vezes que puderdes o vosso espi­rito á presença de Deus, contemplae o que Deus faz e o que fazeis. Vós O haveis de ver com os olhos fitos em vossa pes­soa, com amor incomparável.

O’ Deus, direis, porque não vos olho como me olhaes? Porque, Senhor meu. pensaes tanto em mim. e eu tão pouco em Vós? Onde estamos, ó alma minha? Nosso verdadeiro lugar é Deus, e é lá que nós achamos?»

VI—E continua:—«Assim como os passaros têm seus ni­nhos sobre as arvores, para ahi descansarem quando necessita­dos; como os cervos têm seus refúgios e seus esconderijos, den­tro dos quaes. se põem em seguro, tomando fresco em dias de calor, assim, ó Philothéa, o nosso coração deve escolher cada dia um lugar, ou sobre o Cal vario, ou dentro das chagas de Nosso Senhor, sempre perto d’Elle, para que ahi possa recolher- se, e buscar allivio das occupações externas, para que possa ahi, como em uma fortaleza, defender-se das tentações. Feliz a alma que com verdade possa dizer a Nosso Senhor: — Sois a minha

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A ALMA EUCIIARISTICAW .-

casa de refugio, o meu seguro a.«ylo, meu tecto contra a chuva, liiinlia sombra no calor».

«Recordae-vos, ó Philoléa, que deveis viver sempre retirada na solidão de vossa alma, emquando estiverdes corporalmente por entre occupações e negocios. Esta solidão não pode nunca ser perturbada pelos que vos cercam, porque não estão em tor­no ao vosso coração, mas em torno ao vosso corpo.

De modo que vosso coração fica só na presença de Deussó».

O’ almas eucharisticas, não valeu a pena escrever en e ler­des vós esta utilissima e elevadíssima pagina de S. Francisco de Salles ?

VII —Não menos belln é a que se segue sobre Aspirações c orações jaculatorias e bons pensamentos.

Escutemo-la.— «O homem se retira em Deus porque aspi­ra a Elle, e aspira retirar-se do mundo, de fôrma que a aspira­ção a Deus e o retiro espiritual se dão as mãos, e ambos se originam e nascem dos bons pensamentos.

Aspirae, pois, a Deus, muitas vezes, ó Philotéa, com breve, mas ardente impulso do vosso coração. Admirae sua belleza; implorae seu auxilio; lançae-vos em espirito ao pé da Cruz; adorae sua bondade, lnterrogae-0 sobre vossa saúde; offerecei- llie mil vezes a vossa alma; fixae vosso olhar interior sobre sua doçura; estendei lhe a mão como ao pae a creancinha que deseja ser guiada. Collocae-0 sobre o vosso peito como um ramalhete de flores perfumosas; plantae-O sobre vossa alma, come um estandarte; fazei todo esforço para vos dardes a Deus, para excitar em vós uma apaixonada e terna predilecção por este di­vino Esposo.

Assim se fazem as orações jaculatorias, ó Philotéa. Habitu­ando nosso espirito á conversação e intimidade com Deus, fica­mos perfumados de suas perfeições. E este exercício não é dif- ficil, porque pode ser feito por entre os negocios e occupações. sem os atrapalhar de modo algum. Como o peregrino que toma um pouco de vinho para alegrar o coração e refrescar a bocca, ainda que demore um pouco, nem por isto interrompe sua via­gem. Antes adquire novas forças para terminá-la mais depressa e mais facilmente, não parando, se não para melhor caminhar».

E conclue:—«Neste exercício do retiro espiritual e das ora­ções jaculatorias consiste a grande obra da devoção. Este pode supprir a falta de todas as orações; porém a falta delle não pode ser reparada por nenhum outro. Sem isto não se pode possuir a vida contemplativa, e não se pratica senão mal a activa. Sem isto o repouso é ocio; o trabalho fastio; e por esta razão vos

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P. ANTÒNINÓ DE CASTtl. IAMMARE 3TI

conjuro que a abraceis de todo coração, e não a abandoneis mmca».

O’ dulcissimo S Francisco, alcançae-nos a graça de pôr em pratica vossos sapicntes conselhos, mesmo na estrada da perfeição eucharistica.

VIII—Bemaventurada a alma eucharistica que á meditação propriamente dita souber unir habitualmente esta attenção amo- rosa e quase perenne ao divinissimo Sacramento! Bemaventura­da a alma que suavemente se souber alimentar de pensamentos eucharisticos!

Prevejo. porém, que em alguns poderá surgir o desfcjo de saber em que fontes devam encontrar com mais facilidade estes pensamentos e sentimentos eucharisticos.

Também sobre essas fontes é justo que diga alguma cousa:

As fontes principaes de pensamentos eucharisticos, a meu vêr, se podem reduzir a quatro:— 1° o coração; 2<>—os synibo- los; 3°—a liturgia; 4°-o s livros.

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312 A ALMA EUCHARISTICA

CAPITULO VII

F o n te s d e p e n s a m e n t o s e u c h a r is í ic o s

Primeira fonte: O c o r a ç ã o

I— Nosso coração é um mundo; quanto mais se explora, mais resta a explorar. Se está sereno, é um jardim delicioso, uma primavera, clieio de luz, de gloria, de ternura, de heroísmo, de encanto. Se está agitado, é um proiundo abysmo, um mar em tempestade!

Amoldavel, o coração do homem, como um instrumento de musica, se presta a todas as notas, a todos os cânticos, a todas as cadências, alegres ou tristes; altos ou profundos; fortes ou delicados; sagrados ou profanos. Que sons não dão as cordas do coração humano tocadas pelo amor ou pela dôr; agitadas pela ira, ou pelo desdem; pelo arrependimento ou pelo remorso! Que sons, especialmente, quando as cordas do coração são toca­das pelos proprios dedos de Deus! Por isto o mais bello livro c o coração—dizia S. Thereza de Jesus, que teve um coração bellissimo,

No nosso coração está a historia da nossa vida. Quantas datas memoráveis ahi estão escriptas, quantas scenas! quantos factos! quantas alegrias e quantas tristezas! quantas culpas e quantos perdões ahi notados !...

Quantos pensamentos, quantas recordações, quantos anni- versarios podemos trazer em nosso coração... com elles deliciar nosso espirito, e perfumar cada dia o Tabemaculo!

Segunda fonte—Os s y m b o lo s d a creaç& o

II— Origem fecunda de pensamentos santos é também o es­pectáculo da creação, que sobre todas as almas santas tem exer­cido sempre uma influencia poderosa.

Disse Tertuliano que Deus antes de nos dar por mestra a prophecia e a revelação, deu-nos a natureza. Naturam praedi- cavit antequam vocibus (Tert. De resurrect, camis, cap. VII).

Para todas as almas grandes—e especialmente para as almas contemplativas, como a do Pae S. Francisco—a creação foi um livro divino, uma verdadeira Biblia natural.

Em cada creatura viam um sorriso de Deus, um reflexo de Deus, um chamado de Deus—a escala da creação tornava-se-lhe escala de elevação.

Dessa escala quantos pensamentos suaves e delicados po­demos tirar nós também para nossos eucharisticos amores!

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1>. ANTON1NO CASTELLAMMA15E a »

Por exemplo, um dia hei de dizer: Hoje serei a flor, de Jesus Sacramenentado! E entre as flores, quantas não são como o ly- rio, a rosa, o jacyntho, e outras, symbolo de preciosas virtudes!

Todo dia reflectirei sobre este pensamento, que sou flor de Jesus; estudá-lo-ei em todos os sentidos; confronlá-lo-ei com ou­tros pensamentos. Falarei assim: — Hoje que flor tenho sido? bella ou graciosa?., fresca ou murcha?... odorante ou sem per- fnnie?.. intacta ou roida de vermes?... E se, em vez de flor, eu fosse uma herva má?... Se fosse um espinho?...

Quantos pensamentos sahidos de um pensamento s ó !

III —Tendo estes symbolos na mente, deverei alímentar-me com um durante cada dia. E a creação, os symbolos que minha meditação facilmente torna eucharisticos, m’os apresenta quantos queira.

A espiga... a vinha... a oliveira... Depois, a pomba, o passa- ro solitário, a andorinha, o pellicano, a abelha, a borboleta, a abe­lha... Depois a candeia, o incenso, o perfume, o thiirihtilo, a lam- pada, o orgam, a harpa... E, depois, o balsamo, o mel, a myrrha, o oleo, o altar mesmo, o ciborio, a pixide, o cálice, o corporal... a própria hóstia de frumento, o proprio vinho da santa Missa... E outro, e outros ainda são symbolos caríssimos que me podem deliciar dia por dia, sé dia por dia eu m’os applicar, e á santa Eucharistia «Gustate et videte—Experimentae e vereis!»

' Terceira fo n te—A Liturgia

IV—Antes de tudo as festas. As festas são nossa delicia, a delicia das almas,

São dias de paraiso; dias de Céo para nós são os dias de festa. Se, para qualquer alma christã, é um dever preparar-se di­gnamente para ellas, imaginae quanto o seja para uma alma eu- charistica.

O lado fraco das festas é este, que são simplesmente com- memorativas.

Por isto, celebradas na Eucharistia, as festas se tornam vi­vas e reaes, pois vivo, verdadeiro e real é seu Protagonista, que é Jesus Sacramentado.

Naquelles dias bemdictos. a preparação, a acção de graças da communhão e os pensamentos eucharisticos do dia, tudo re­presentará o mysterio que se solemniza.

E notae que nestes dias a communhão deve ser commu­nhão de gala; como os dias festivos são bem diversos dos dias ordinários, assim as communhões festivas devem ser differentes das cominuns.

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314 A AL! EUCMARISTICA

Em dias assim, devemos pensar com a mente da Egreja, palpitar com seu coração, crer com sua fé, exultar com seu en- thusiasmo, falar com sua lingua e com suas palavras. Sim, sim, são palavras da Egreja que devemos repetir, palavras que Ella diz na liturgia, da festa Que palavras apropriadas! palavras su­blimes e profundas, palavras de Esposa... palavras de Mãe... pala­vras de Deus!..

V—Assim, por exemplo, no cyclo das festas natalicias ou da semana santa, ou da paschoa, cada palavra da liturgia é uma revelação, é uma poesia, um aroma, um incentivo.

ÀssistindQ então, ás sagradas funcções, ouvindo-as, medi- tando-as, chora, ri, geme e alegra-se a alma. sobretudo, sente-se uni­da ao seio da egreja... sente-se vizinha ao Céo, próxima ao seio do proprio Deus.

Entretanto, o pensamento principal, que dá vida e fogo as festas é este: o Jesus que recebo na communhão é a mesma Creança de Belem, o Crucificado da semana santa, o Resuscita- do da Paschoa.

As festas celebradas sem a Eucharistia parecem-me incom­pletas, quase festas vazias, estereis, simples recordações! Porém, celebradas com Jesus e em Jesus Sacramentado, são alegrias do paraiso!

VI- Gozo de paraiso é, com Jesus no peiio, entoar o hym- no do santo natal: Christus va tns est nobis, venite adorc- m us !

Gozo de paraiso é, com Jesus no peito, cantar unisono com os anjos: Gloria in excclsis Dco... ou unir-se ás doces can­ções dos pastores de Belem.

Gozo de paraiso, em face de Jesus encerrado 110 nosso peito, é prostrar-se com os santos magos no dia da Epiphania, e offereçer-llie ouro, incenso e myrrlia. Ou, então, na Purificação, offerecer a Jesus, nosso hospede, as duas rolas ou pombas offe- recidas por Nossa Senhora. Ou apertá-IO em nossos braços como o santo velho Semeão.

Que dizer da semana santa? Que vale a sua quinta feira sem a communhão? E a sua sexta-feira não é tristonha porque nella não podemos commungar?... E, no sabbado da alleluia, e no domingo da resurreição, no momento divino em que vem a nós o Resuscitado Sacramentado, não experimentamos então todo o poder do Resurrexit e do Alleluia?

O h! sem a Eucharistia parece-me que as festas christãs são apenas festas em imagem; com a Eucharistia são festas reaes.

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P. ANTONINO DE CASTEll. AMMARE 315

E o que digo das festas do Senhor, digo também das fes­tas da Virgem, que é inseparável de Jesus, como a planta de sua flor; e digo igualmente das festas dos Santos, que são da mes­ma fôrma inseparáveis de Jesus, como flor da mesma arvore.

VII -Antes de terminar este ponto, accrescento dois peque­nos conselhos, e são estes:

Primeiro é que cada dia da semana devemos ter especiaes in­tenções encharisticas. Por exemplo, todos os sabbados devemos consagrar eucharisticamente a Maria Santusima, todas as quar­tas-feiras a S. José. Nestes dias devemos dizer, dar e fazer, a Jesus, o que elles disseram, deram e fizeram. Que fonte de pensamen­tos e de affectos eucharisticos!

Também durante o anno, devemos ter intenções eucharisti- cas particulares, como na data do baptismo, dos votos, dos nos­sos mortos.. éspecialmente nas I"s sextas-feiias, consagradas ao Coração dulcissimo de Jesus... nos dias dos nossos santos pa­droeiros... e do anjo custodio.

Cada alma fervorosa deveria ter, alem do calendário eucha- ristico geral, o seu caleridario eucharistico pessoal, de modo que todos ou quase todos os dias recebesse um perfume especial de eucharistia.

O outro conselho é que não só para dias festivos, po­rém geralmente falando, a alma eucharistica de eria saber de cór pelo menos as principaes orações, liymnos, e psalmos da litur­gia. E depois, nas circumstancias próprias, tecitá-los devotamente na egreja, etn presença do S. S. Sacramento, e no decurso do dia, repelir delles alguns versículos, algumas estrophes. Não ha ora­ções mais excellentes, nem mais convenientes, nem mais acceitas a Deus que as orações da Egreja, taes como o Pange lingua, o O’ Sacrum canvivium, o Salutaris Hóstia, o Adoro-Te, devote, o Ave verum Corpus, o L auda Sion Salvatorem, o Jcsity dulcis memória, o Te-Deum laudamus, o Magni- Jicat, o Miserere, o Benedictus!

S. Affcnso diz que um só Orcmns do breviario, porque palavra da Egreja, é mais precioso que todas as nossas orações privadas. Os hymnos e as orações eucíiaristicas, pois, ou em la­tim ou traduzidos, são facilmente encontradas nos livros.

E cheguei á ultima fonte principal de pensamentos euclia- risticos.

Quarta fon te : Os livros

VIII—Oh! a grande estima que os santos tiveram pela lei­tura espiritual!

Fala por todos o glorioso patriarcha S. Domingos, que, aper­

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A ALMA EUCHARIStrCA•1Í6

tando ao peito e beijando respeitosamente seus livros devotos, d i z i a«Es t e s me dão leite».

Que sentença preciosa!Não só os livros alimentam o espirito, mas o fortificam,

porque são pão; ò refrescam, porque são fonte; o adoçam, por­que são favo; o saram porque são remedio; o dirigem, porque são guia seguro; o defendem porque são armas experimentadas..

Por tudo isto, a cada alma eucharistica repito a recommen- dnção do Apostolo ao seu discípulo Themotio:— *Attende le- < tiimi»—Attende á leitura. (I, Thim., IV, 13).

IX—A Virgem bemdicta e o patriarcba S. José perderam o Filho divino e O procuraram por três dias; no fim do terceiro, ncbaram-0 no templo, entre os doutores, a instrui-los.

Jesus, portanto, só é achado no templo, entre os doutores.Também nós acharemos Jesus Sacramentado não só no tem­

plo, nos santos tabernaculos, mas também in medio Doctorum • uos livros devotos.

Melhor comprehendemos isto, se reflectirmos com S. Jero- iiymo que, quando rezamos, falamos ao Esposo: Oras? loqueris ad Sponsnm —t, quando lemos, o Esposo nos fala: — leg is? Hlc tihi loquituv. (Epist., 22).

E hoje são tantos os livros que falam do Sacramento de amor, a formarem uma verdadeira bibliotheca eucharistica!

Segundo vossas forças, pois, e especialmente segundo vos­sa capacidade, procurae algum livro eucharistico; procurae vidas de santos, escolhendo os que mais enamorados foram da divina Iíucliaristia, para que os possaes admirar e imitar neste amor preililccto.

X - Entretanto, nem toda leitura alimenta o espirito. Será ulil, portanto, dar ás almas simples, alguns pequenos avisos.

1."--Recordae-vos da sentença de S. Thereza: — «O mais bello livro é o coração».

Por isso, á palavra de qualquer autor devemos preferir a nossa. A palavra que Jesus acceitará melhor é a que sáe do nos­so coração.

2 .0 —Anda mal aquelle que só fala ao Senhor de livro na mão; parece que não sabe dizer-lhe duas palavras próprias. Bom I )eus! recebendo um amigo em casa, para dizer-lhe duas pala­vras, para fazer-lhe bom acolhimento, temos necessidade de um vocabulário na mão?

Precisamos, pois, de livro para dizer a Jesus:—«O' Senhot, sêde bemvindo á pobre casa da minha alma! Bem sabeis, Jesus meu, que vivo só para vós, vivo todo para vós, vivo sempre para-

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T>. xm O N lH O t>t CASTtLLAMM Att£ 3»r

vós...»? ou palavras semelhantes? Que dizia Magdalena ao seu Mestre? Rabboni! e só isto sabia direr. Que dizia S. Francisco de Assis? Deus metts et o m n ia l

E lhe dizia tudo.

XI— 3.« — Aos livros, quando nosso coração estâ cheio e transbordante de amor não devemos recorrer; pelo contrario, aos

■livros devemos ir, quando necessitamos de fogo, e somente para que este fogo se desenvolva em nosso coração. Notae esta ulti­ma advertência.—A leitura dos livros não deve ser um fim, po­rém um meio. Os livros são como phosporos; a elles se recor­re quando o fogo está apagado; não é só isto, se um só phos- phoro, ou dois ou três bastam para accender o fogo, não estra­garemos outros. Assim, se a pagina de um livro, se um capitulo, se, mesmo, dois ou três períodos são sufficientes para nos com- mover e afervorar, o fogo esta acceso, a meta alcançada. Porque continuar a leitura? O supérfluo que lerdes suffocará o util que houverdes lido.

Por isto, para attingir o fim, que não se leia muito, mas que se leia bem.

4.0 —Para que se possa ler bem, é preciso ler como aquelle que come para se nutrir; não como o que devora por gulodi- ce, ou que ingere muito alimento, sem nunca se saciar. E* vul­gar dizer-se:—«A primeira digestão se faz na bocca». — Quanto mais se mastiga o alimento, melhor é elle digerido.

Dá-se o mesmo com a leitura que é verdadeira alimenta­ção. Quanto mais se reflecte sobre a palavra que se lê, mais ê digerida esta palavra; quanto mais se medita, mais se assimila.

Muito opportuna aqui é a sentença de S. Gregorio —«Multi legunt et a lectione jejuni sunL (Homil. 10 in Ezech).

«Muitos leem, e, entretanto, da leitura ficam em jejum».— Porque lêm muito ou por curiosidade ou com grande levianda­de, sem mastigar o que lêm, sem reflectir. E depois da leitura estão mais desprovidos que-antes; mais do que antes são frios e indifferentes. Multi legunt, e a lectione jejuni sunt

XII— Temo o leitor um sà livro—foi dito sapientemente, porque quem lê sempre o mesmo livro, acaba por aprofundá-lo. por identificá-lo a si proprio; tornar-sc-á o mesmo livro.

E quem é um livro vivoj seguro em todas as discussões, deve ser temido!

O’ almas eucharisticas, não vos digo que leiaes um só li­vro, mas que leiaes poucos livros, e um depois do outro. So­bretudo, vos digo que leiaes bem: saboreae palavra por palavra, e, quando um pensamento, vos impressiona ou commove, parae

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neste pensamento. Não vades adeante; fechae o livro, até que tenhaes aprofundado o tal pensamento.

E como, ao accendermos o fogo, não precisamos só de phosphoros, mas também de matérias inflammaveis, assim, aos phosphoros, que são os pensamentos dos livros, juntemos nos­sos affectos, accrescentemos nossas preces, nossas applicações, nossas resoluções, que são como carvões espirituaes.

Estas leituras é que aiimentam e inflammam o espirito. E efflquanto para leituras longas nem sempre podemos dispôr de tempo, tê-lo-emos muitas vezes ao dia para leituras breves, po­rém fecundas e efficazes.

XIII—Um- ultimo conselho sobre este ponto: — Cada alma eucharistica tenha o seu caderninho cucharistico.

Sim, cada uma, segundo sua intensidade de amor a Jesus Sacramentado, transcreva em pequeno caderno os pensamentos mais bellos, que lê, que ouve, ou que lhe vêm á idea quando medita. E’ o que faz a abelha amorosa. Sobretudo, que transcre­va as mais sublimes palavras do Evangelho, as palavras ditas por Jesus, que um dia deu a S Gertrudes este co n se lh o « P ro ­cura, minha filha, (entre as palavras) as que mais respiram amor, escreve-as, e, conservando-as como preciosa relíquia, tem cuida­do em relê-las muitas vezes... Acredita-o, as mais preciosas relí­quias que de mim restam sobre a terra são as palavras do meu amor, palavras sahidas do meu Coração dulcissimo».

Eis as quatro fontes principaes que habitualmente podem conservar nossa mente cheia de santos pensamentos eucharisti- cos, e nosso espirito inflammado por santos affectos eucharisti- cos. E s ã o n o s s o coração, os symbolos da creação, a liturgia da Egreja, os livros devotos.

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P. ANTON1NO DE C ASTELL AMM ARE 319

CAPITULO VIII

U ltim a s r e f le x õ e s e u l l lm o s c o n s e lh o s : J e s u s S a c r a m e n ­ta d o —N o s s a S e n h o r a —O P a p a

I— Sinto deixar-vos; mas, devo fazê-lo, ó almas eucharisti- cas. Também chegam ao fim as santas conversações. Deus sabe quanto desejei dar-vos rnais e melhor; acceitae, porém, o que me foi possive), o que pude dar-vos. Intercedei por mim, e lembr^e- me ao Senhor. .

E que vos attraia e prenda a si Aquelle que disse:—«Quan­do Eu fôr erguido da terra, tudo a Mim attrahirei». (João XII, 32).

Vós O acreditaes presente no S. S. Sacramento do altar; amae-0 ardentemente, imitae-0 fielmente. Alegrae-vos pensando que nada O honra mais que vossa fé, nada O allivia mais que vosso amor, nada O contenta mais que vossa imitação. Sêde fe­lizes por pertencer a Jesus Sacramentado., sêde d’Elle inteira* mente... a todo custo... d’Elle eternamente!

Suspirando pela communhão eterna, vivei da Carne e do Sangue do Salvador, aspirando e respirando Eucharistia.

II— E como o destino do antigo povo hebreu estava ligado ao Tabernaculo legal, assim vosso destino, vossa vóhtade e vos­sos corações estejam ligados ao Tabernaculo eucharistico. A’ se­melhança do antigo, também nosso Tabernaculò (e com mais razão!) seja Tabemaculum testimonü et foederis — fique a attestar o amor de Deus pelos homens, e o amor dos homens para Deus; a attestar a alliança da terra e do Céo, do Creador e da creatura, do Redemptor e dos redimidos. De nós, de vós, christãos, e do Tabernaculo nosso falava o amoroso Salvador quando diziaCollocarei meu Tabernaculo entre vós e minha alma não se arrependerá. Caminharei no meio de vós, é sereis meu povo. (Lev., XXVI, > 1, 12).

Oh ! gloria ! oh! ventura! oh ! felicidade dos christãos!Seja. pois, o Tabernaculo o centro dos vossos amores, das

vossas solicitudes, das vossas expansões e confidencias, sobre- tudo, das vossas orações e esperanças.

III— Sim. sim, das vossas orações e esperanças... Pelo Ta- berriaculo antigo mandava ao Céo suas preces o povo hebreu; pelo Tabernaculo recebia a resposta.

Falar-nos á nosso Tabernaculo; falar-lhe-emos nós, que so­mos povo santo, povo de Deus Em face do Tabernaculo espe­remos por todois, e rezemos por todos; por nós e por nossos queridos, pelos justos e pelos peccadores; pelos amigos e pelos

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370 A ALMA EtICfTARrSTrCA

inimigos; petos fieis e petos infiéis; petos heretieos e pelos scis- maticos. Rezemos petos sadios e pelos moribundos; petos vivos e pelos mortos; pelas famílias e pelos povos; pela sociedade e pefás nações.

Rezemos, sobretudo, pela Egreja... ah! pela santa Madre Egreja, pelo seu d<ro. pelos Bispos, petas Ordens religiosas; pelas missões e pelos missionários; por todos os institutos e Obras catholicas. Rezemos, rezemos muilo e ardentemente por tudo que é e encerra a santa Egreja catholica, apostólica, romana

Deante do Tabernaculo e do Rei dos reis, passe tudo, em revista, durante nossas orações, nossos affectos, nossas espe­ranças.

IV— Especialmente, em face do Tabernaculo, nós nos torna- mos um só rebanho, uma só família, um só reino.

E não esqueçamos que os destinos do mundo estão nas mãos dos que rezam.

Por isto os Tabernaculos espalhados peto mundo me pare­cem como agencias centraes de telegrapho e de telephone...

Os fios da terra ao Céo e do Céo á terra... os fios das três egrejas, militante, purgante, triumphante: de todos os corações, de todas as almas, de todos os crentes, se ligam aos Tabernacu- tos, e por elles se põem em communicação com o Coração ado­rável d’Aquelle que é Mediador entre o Céo e a terra, o Chefe de toda a Egreja! o Primogênito dos vivos e dos mortos, o Mo- narcha pacifico, Salvador de todos os povos, de todos os tempos.

Eis a importância de um Tabernaculo, e de uma alma eu- charistica que reza em face deite.

E ainda não recordei tudo... um ultimo nome ainda não ch tei... Esquecê-lo seria insensatez... calá-lo, irreverencia...

Este nome augusto apresso-me em pronunciá-lo... Calae- vos e indinae a cabeça, ó almas eucharisticas!—este nome augus^ to é «o Papa!»

V— O Papa!... sua imagem branca como a branca hóstia não se pode separar de Jesus Sacramentado.

Na terra, em nossos dias, duas pessoas e dois nomes são inseparáveis de modo especial: Jesus Sacramentado e o Papa; o Papado e Eucharistia.

Separá-los significaria destacar o corpo da cabeça, o tron­co da raiz. Querería dizer desligar o edifício de sua base; a fonte de sua nascente; em resumo: Pedro de sua pedra..

Isto é impossível!Jesus Christo é eternamente pedra angular da Egreja; ó

Papa é Pedro, eternamente.

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P. ANTONINO DE CASTELLAMM ARE 321

Da mesma fórma que o Bispo não':pode ser separado do seu Vigário, o Rei do seu ministro, assim Jesus, Pontífice e Rei por excellencia, não pode ser separado do Papa, tjue é seu vi­gário e seu ministro. 11

O Bispo e o seu Vigário—principalmente se> o constituiu Alter Ego—formam uma só mente e um só coração, uma só cathedra e um só tribunal. Assim Jesus Christo e seu Vigário na terra. ' ‘

O Rei concebe as leis, mas só o seu ministro as faz áu- thenticas, carimbando-as; depois as promulga e as torna òfficiaes.

Hoje, segurído a constituição divina, não é somente o Rapa que não se pode separar de Jesus Christo; é o proprio JestiV que não se pode separar do Papa. Nem o Papado se pode se­parar da Eucharistia.

Está ciaro, a: Euchariçtia fê-la Jesus, e não o Papa. Porém- •o Papa e só o Papa a torna authentica. Jesus não instituiu qual­quer eucharistia, porém a Eucharistia verdadeira.

' VI—E qual é a verdadeita Eucharistia?... Nesía pergunta estão innumeras perguntas, e perguntas terríveis 1

De que se compõe a Eucharistia? Que còiisq é?... Quaes os seus effeitos? Quem pode fazer a Eucharistia?... Como se pode e como se. deve fazê-la?... Quem pode recebê-la?... quem deve?... quando e como?,., pode conservar-se a Eucharistia?...

Quantas perguntas e quantas respostas exigidas para co­nhecer a verdadeira Eucharistia, instituída por'Jesus Christo.

Ora, só a Egreja pode aprofundar semelhante verdadé, por meio do Papa, que é suà cabeça; só a Egreja pode proclamá-la, pela própria bocca que é o Papa; só a Egreja pode impôr tal definição, por meio do seu chefe, a quem foram dadas as çhaves.

Não foi o Papa que, pouco a pouco, segundo as necessi­dades, formulou e sanedonou, através dos tempos, a theologia eucharistica e a legislação eucharistica?

Se hoje sabemos mathematicamente o que-devemos crer sobre a Eucharistia, e o que devemos fazer pela Eucharistia, é ao Papa que o devemos,

VII->-E'digo Papa, e não Papas, porque os Papas morrem, porém o Papa não morre nunca!

Não falo das luetas tremendas que, em vinte séculos, á frente do exercito ensinante, sustentou o Papa contra as phalan- ges dos pérfidos inimigos da Eucharistia. O que Pilatos fez es­tupidamente, pondo sigillos e sentinellas no sepulcro de Christo

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322 A ALMA EUCHARISTICA

para que não fosse roubado, fez intellectualmente o Papa, o mi­nistro de Deus. Pôs sellos ao monumento eucharistico. ao Ta- bernactilo de Jesus Sacramentado, para que não fosse roubada a verdadeira Catne e o verdadeiro Sangue do Salvador.

Ai! de quem ousa aproximar-se! Anathema a quem tenta violar os sellos de Deus!

E’ o Papa a sentinella de Jesus Sacramentado, é o Papado o sello da Eucharistia, o sello que a torna authentica e official, junto a todos os povos da terra!

Assim temos um só Papa. e um só Deus Sacramentado: Jesus, fundador e defensor do Papado; o Papado, revisor e ga­rantia da Eucharistia.

VIII—Mas, não é tudo: notou-se que o apostolo S. João não foi somente o predilecto de Jesus e o predilecto de Maria Santíssima, porém foi igualmente o companheiro mais querido de S. Pedro (Meilini D. C. D. O .: -O Predilecto de Jesus— Prerogativa segunda).

Que força e que sentido têm estes dois nomes illustres cita­dos juntos e juntos repelidos nos Actos dos Apostolos: Petrus et Joannes ! Petrus et Joannes!

Já o Divino Mestre os havia escolhido e unido na prepa­ração do Cenaculo.

E, depois, juntos tinham corrido ao sepulcro de Jesus Re suscitado.

S. Lucas, fazendo a citação dos apostolos entrados no Ce­naculo para esperar o Espirito Santo, colloca S. João logo de­pois de Pedro: Petrus et Joannes ascendentnt (Actos. 1, 13>.

Juntos vão ao templo na hora da oração; juntos vistos e supplicadns pelo pobre paralytico, postado jjnto á porta chama­da ‘Speciosa-,

E’ de nolar que, emquanto somente S. Pedro fala ao para­lytico, não entende todavia excluir S. João. Conserva-o junto a si: tln tu en s atilem in eum Petrus et Joannes»—Também por elle diz ao enfermo: — *Rcspice in nos — Volta-te para nós». (Actos, III, 4).

Como estiveram unidos no milagre do paralytico, também unidos ficaram na perseguição que aquelle milagre suscitou no Sinhedrio; unidos na constância em confessar o Mestre crucifi­cado:—* Videntes autem Petri costantiam et Joannis (Actos, IV, 13) unidos na resposta aos pérfidos senadores: «Petrus et Joannes respondentes d ixerunt» (Actos, IV, 19).

Nem os outros Apostolos tiveram que dizer desta união intima de Pedro e de João; antes nós lemos que, quando sou­

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beram ter Samaria acceitado a palavra de Deus, para lá manda­ram Pedro e João (Actos, VIII, 14).

Isto mostra que os apostolos approvavam a singular união dos dois santos companheiros.

IX— E’ claro, pois, que S. João foi o predilecto de S. Pe­dro, isto é, do primeiro vigário de Jesus Christo, do primeiro papa.

S. Pedro comprehendeu a necessidade de distinguir aquelle que fôra amado com predilecção por Jesus Christo.

, E S. João comprehendeu a necessidade de apegar-se áquelle que na terra era a continuação visivel do seu Mestre.

O amor de Jesus por S. João passava ao coração do seu Vigário; o amor de S. João por Jesus voltava-se á pessoa de S. Pedro.

Só pode ser preferido de Pedro quem fôra o preferido de Jesus; só pode ser queridissimo a Jesus quem é queridissimo ao seu Vigário.

E assim vice-versa. Exigiría o impossível aquelle que pre­tendesse agradar a Jesus e desgostar seu Vigário; ou agradar ao seu Vigário e desgostar a Jesus.

Não existem dois amores; um só amor desce da Cabeça invisível á Cabeça visivel; desta volta àquela.

Se, pois, a alma é verdadeiramente eucharistica. isto é, de- votissima de Jesus Sacramentado, não pode deixar de ser devo- tissima do Papa; e quem desgosta ao Papa, não é, nunca será uma alma querida a Jesus Sacramentado.

Bella e bem a proposito vem a sentença do actual Exmo. Secretario do Estado:—«No culto eucharistico acha impulso o amor ao pontificado (Telegramma do Cardeal Gasparri aos Sacerdotes Adoradores de Chiavari, 29 de Abril de 1915).

X— Amados leitores, agora é tempo de deixar-vos.Porém o bello pensamento com que pretendo deixar-vos é

este:—O apostolo S. João, typo nobilissimo de todas as almas eucharisticas, foi objecto da tríplice predilecção de Jesus, de Ma­ria e de S. Pedro.

Foi o bcnjamin de Jesus, sobre o peito divino; foi o filho de Maria; foi o companheiro inseparável de S. Pedro!

Estes três amores não se podem desatar nem despregar. São três aneis de ouro encadeados juntos. Romper um anel é romper os três.

Como consequência do amor que consagraes a Jesus, amae

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324 ALMA EUCHARISTICA

ardentemente a Maria, sua Mãe, e amaè ardentemente o seu Vi­gário.

E o amor a Maria Santíssima e ao Papa seja prova e ga­rantia de que amaes sinceramente a Jesus Sacramentado.

O’ almas eucharisticas, adeus ! Deixo-vos e deixo o meu livro. Deixo o meu livro ao pés de Jesus Sacrarpentado e aos pés do seu Vigário.’

Deixo-vos com os olhos erguidos para ò Céo, com os cd- rações voltados para o Tabemaculo, com as mãos .liçadas forte- mente uma ás mãos da santa Madre Egrèja, outrá aS fnâos de Maria Immaculada, Nossa Senhora do S. S. Sacramento.

Três sejam os vossos amores, fortes, inextinguiveis, •su­blimes:

A EUCHARISTIA ! NOSSA SENHORA! O PAPA!

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ÍNDICE ALPHABETICO d o s e x e m p lo s e d a s s e n t e n ç a s p r ln c lp a e s

( O numero indica a pagina)

ALEXANDRE MANZONIEstrophes eucharlstlcas — 78 — Anecdota sobre a missa de domln-,

go — 297.ALEXANDRE SAULIDuas horas e mela deante do Santo Sepulcro — 253 — arrebatado ém

extase no púlpito — 264.AFFONSO MARIA DE LIGUORIQuer celebrar, apesar de terríveis cólicas — 34 — nas ultimas sextas

feiras santas de sua rida, necessitava ser sangrado — 35 — “Dae-me o meu Jesus! ” e outros arrancos eucharlstlcos— 44—Poesia a Jesus Sacramen­tado encerrado no Clborlo — 72 — Recebe uma hóstia não consagrada — 239 — Conta o exemplo de uma m issa celebrada Indignamente — 259 — Como pregava sobre a Eucharlstia — O livro das Visitas ao S . S . Sacra­mento — 264 — Refere o pensamento do Padre Avlta sobre um padre morto depois da primeira missa — 296 — Belllssim as palavras sobre os fructos das V isitas ao S . S . Sacramento — 302 — Sua formula para a communhão espiritual — 304.

AMÉLIA DELNIL MARTINYQuer ser offereclda no calicc junto com o sangue de J . C. 132.ANDRE’ AVELINOMorre ao começar a missa — 164.ANGELA FOLIGNESeu slgnal da Cruz — 104 — Deus lhe fala sobre as almas tíbias — 197

— durante doze annos só se alimenta da communhão — 236.ANGELA DA CRUZE as centenas de suas communhões ésplrltuaes — 305.ÂNGELO D’ACRIRecupera a vista cada vez que celebra — 208.

ANNA DA CRUZCondessa de Feria — como clarissa é chamada a Esposa do Sacramen­

to — 56 — manifesta o que fazia e o que se devia fazer deante da S . Hós­tia — 298.

ANNA DE MEUSVive para a Eucharlstia; funda as duas Ordens da Adoração Perpetua

e das Igrejas Pobres — 248.ANNA FELIX BERTARELLI(Irmã Maria Lilla do S . S. Crucifixo) quando alumna, fez florescer

jacynthos mllagrosamente — 217.ANNA M. TAIGIRecebe nos lábios a partícula que vôa das mãos do celebrante; recebe

e reconhece uma hostla não consagrada — 18 Na Igreja não ouve os rth mores da revolução — 19 — Palpitar do seu peito quando communga —19.

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323 A ALMA EUCHARISTICA

FRANCISCO XAVIERSua primeira m issa — 207 — passa as noites deante do S. S . Sacra­

mento — 301.FRANCISCO VENIMBENEAs alm as do purgatório e os anjos ajudam á m issa em suffraglo dos

mortos — 184.GABRIEL DA ADDOLORATAE’ um anjo, um seraphim da Eucharistia — 235.GABRIEL, DISCÍPULO DO CARDIAL MASSAIASonha, e, sonhando, (ala sobre a Eucharistia — 109.GEMMA GALGANI

Diz que se ánniqulla de amor por Jesus — 56 — sente no coração um fogo mysterloso — 65 — o desejo da communlião não a deixa dormir — 280.

GERARDO MAJELLAFaz duas primeiras communhões, uma pela mão de S . Miguel, outra

pela mão do sacerdote — 45 — por Jesus é chamado louqinho de a m o r__46 — passando deante do sacrario, fica como encantado e cáe por terra — 57 — extase em face do Bcce Homo — 57 — è um verdadeiro louco de amor — 74 — sua morte com o corporal sobre o peito — 149 — Recorre a Jesus e recebe dois saccos de dinheiro — 210 — calumnlado, privam-no dacommunlião; sua magua — 236 — milagre para evitar um sacrilég io__242— sua formula de communhão espiritual — 304.

GERMANA DE PIBRACDeixa suas ovelhas em torno do bastão e vae commnngar; milagre ao

atravessar um riacho — 207.GERTRUDESSua alm a é vista girar sempre em volta de Jesus — 14 —Jesus diz

que se acha no Tabernaculo ou no coração desta santa — 48 — á noite dor­me como que repousando sobre o Coração de N . Senhor—108—no Céo terá tanta gloria quantos foram seus desejos para com a santa Eucharls- tia — 305 — as palavras do Evangelho são as mais preciosas relíquias de J . C. — 318.

HILÁRIO DE BIVONARecupera a vista celebrando a santa missa __ 208.HOOGHVORST, BARONEZAE’, em Bruxellae, a prim eira presidente da Adoração Perpetua e da

Obra das Igrejas pobres — 247 — compra uma igreja histórica __ 247.IDA DE LORIANO

Sente delicias de paraizo em uma communhão espiritual — 306IGNACIO DE ANTIOCHIANo Colyseu exclama: — “Frumentum Christl sum!" — 116.IGNACIO DE LOYOLASua primeira miSBa, depois de 18 mezes de preparação — 207 __ ce­

lebrando, inflamma-se em ardor celeste — 237 — duas horas de acção de graças — 237.

IMELDA LAMBERTINIFaz a prim eira communhão, que também lhe d viatico — morre de

alegria — 66.ISABEL DE FRANÇAFaz um gorro para um pobre como se fosse para J . C. __ 104 —

na sua morte, cantam os anjos — 180JACYNTHA DE MARISCOTTISoffre martyrio ao se separar do tabernaculo — 55.

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P. ANTONINO D l CASTELl AMM ARE 329

JOÃO BAPTISTA VIANNEY (Cura d'Ars)Commoventes palavras sobre o amor de Deus e sobre o S . S . Sacra

monto — 71 — seu vlatlco — 163 — sua posição na Igreja — 216 — como. pregava deante do Santíssimo — 264 — o Ostensorlo é o unlco emblema de sua lapide sepulcral — 264 — sentenças sobre a communhão espiri­tual — 305.

JOANNA MARIA DA CRUZAo erguer-se pela manhã, arde em desejo de commungar — 235 —

durante o dia, suspira também por commungar esplrltualmente — 305.JOANNA FRANCISCA DE CHANTALConserva as flores murchas do altar, e as colloca aos pés do seu

Crucifixo — 217.JOÃO AVILAReprehende um apressado celebrante, e manda acompanhar por um

clérigo, com velas acesas, um outro que não dera acção de graças — 241 — o que pensa de um sacerdote morto, depois de ter celebrado a prim eira m issa — 396 — respeito para com as Igrejas — 301.

JOÃO BERCHMANSBrinca no recreio como se Isto fosse uma preparação para á mor­

te — 104.JOÃO BOSCOCom ardor de seraphlm, celebra o divino sacrifício — 226 — na

educação dos jovens — "Ou a m issa ou o chicote!” — resposta dada a Lord Palmeston — 293 — Bellas palavras sobre a efflcacla das visitas ao S . S . Sacramento — 303.

JOÃO DA CRUZSentença m agnífica sobre o poder do amor — 110 — celebrando,

certa vez, mal consegue terminar a m issa — 226 — durante a noite, dorme na Igreja — 301.

JOÃO DE DEUSMorre ajoelhado, abraçando o Crucifixo — 182.JULIA BILLIARTSentença de ouro sobre a m issa — 293.JULIANA DE FALCONIEREAo morrer, engole a partícula mllagrosamente — 148.JOSE’ CALASANZIOEntra na igreja de portas fechadas, ansioso por visitar o S . S . Sacra­

mento — 208 — faz crescer dois pedaços de cera, Indispensáveis para a celebração da santa missa — 208.

JOSE’ COTTOLENGO“Aqui é sempre festa !” (no altar do S . S . Sacramento ) __ 246 —

sua consideração á santa missa — 293 — manda que seja assistida diaria­mente — 293 — aneedotas — 293.

JOSE’ DE COPERTINONo coração sente uma chaga viva de amor — 6 4 __deseja ter outros

pares de Índices e pollces para a Eucharistla — 2 1 6 __extase ao celebrare depois ao receber o vlatlco — 226 — o povo assalta a Igreja onde cele­bra — 238 — adivinha que em uma Igreja está o S . S . Sacramento — 239.

JOSE' M. PALERMONoviço capuchinho, quando seminarista, consegue adorar Jesus, eon-

templando o Clborlo reflectido em um espelho, pela janella da capella__60LEONARDO DE PORTO MAURÍCIOAssegura que as communhões esplrituaes levam a grande perfei­

ção — 304. Y

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A ALMA EUCHARISTICA

LORD PALMESTONResposta obtida de D. Rosco sobre a educação dos jovens — 29?..LOURENÇO DE BRINDISIEstando no meio de hereges, anda a pé 40 milhas para poder celehrar

— 35 — as acerbas dores que padece só cessam cinquanto celebra — 208 __ sua missa privada 6 um longuissimo extase; chega a ensopar sete len­ços de lagrimas — 238.

LOURENÇO LEVITATocantes queixas ao santo pontitice X isto II — 21T.LUCAS DO NAROConserta as galhetas quebradas, indispensáveis á santa m issa — 209.LUIZ BERTRANDOVae para a cama como se fosse para o tumulo — 108.LUIZ GONZAGASua união habitual com Deus — 50 — enlanguece de amor, verda­

deiro seraphlm da Eucharistia — 56 — passando deante da Eucharistia. fica como arrebatado — 56.

LUIZ IX, reiRecusa ir ver o Menino Jesus appArecido na historia — 207.LUIS M. GRIGNON Dl MONFORTSeu grande zelo para restaurar as casas e alfaias eucharfsticas — 242.MAGDALENA SOPIIIA BARATSua grande humildade — 18 — ensina que a communhão é nosso pa-

raizo na terra — 36 — chama a si própria filha do fogo, porque havia nas­cido durante um incêndio — 67 — “Viver sem soffrer é morrer! “ — 275.

MARGARIDA DE CORTONAChora por causa da profanação dns igrejas e é consolada por Jesus

— 249.MARGARIDA MARIA ALACOQUECaminharia sobre o fogo para ir commungar — 36 — permanece 14

horas genutlexa deante do S. S . Sacramento, em dia de quinta-feira santa— é rcprehendida por Jesus por falta de respeito na igreja — prepara­ção celestial para a santa communhão — 282 — Jesus terla instituído para ella só a divina Eucharistia — 306.

MARIA DIAZSua casa é a igreja — Jesus Sacramentado é seu vizinho — 56.MARIA DE JESUS DELUIL MARTIRV — pensamentos sublimes so­

bre o espirito de reparação, sobretudo na asslstencià á m issa; sua alma vive cheia de três grandes ldéas: — oblaçâo, immolaç&o, communhão — offerece-se a Deus como victlma — morre assassinada — 1 3 2 __133.

MARIA DE JESUS (d’Oultremont)Consagra-se á reparação. N . Senhora pede-lhe um Instituto de virgens

reparadoras. que por Isto se chamou de Santa Maria Reparadora__ su­blim es lições sobre o espirito da verdadeira reparação dadas ás suas filhas — 131 — 132.

MARIA EUSTELLAChamada o anjo da Eucharistia — 56 — A Eucharistia 6 o seu

tudo — 66.MARIA FRANCISCA DAS CINCO CHAGASAnhela pêlo momento de commungar — 60 — três exemplos de com-

munhões mllagrosamente feitas — 60 — não podendo Ir á Igreja, v isita Jesus dò terraço — 300.

MARIA LUIZA DE JESUSCom respeito angélico faz e prepara as h ó s tia s__ 216.

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T. XNTON1NO CAS1I1 l AMMARt 331

MARIA MADALENA DE PAZZIChora inconsolavelmente porque perde uma communhão — chora quan­

do a perdem as outras irmãs — anecdotas 36 — em pequena cáe-sobre o peito da mãe, quando esta communga — 43 — sac por ultimo para com­mungar e chega em primeiro lugar — 43 — durante a noite, em extase, Taz bater o sino — 48 — preparando o pão, com a farinha nas mãos, vae commungar — 59 — Con.iummatum c a l na Communhão — 221 — Cha­ma louco de amor a Jesus Sacramentado — 222 — “Soffrer e não mor­rer! " 275 — Bastaria uma só communhão para nos lazer santos — 277 — Visitava N . S . trinta vezes por dia — 298.

MARIA MAGDALENA POSTELDurante oitenta annos fez a communhão cada dia e ardentemente

aconselhava isto ás suas filhas esplrituaes — 37 — Estima que teve- pelo trabalho — confiava na Providencia e èm seus dedos. O trabalho foi a ulti­ma recommendação deixada ás suas filhas — 100 — Durante sessenta an­nos dormio com o crucifixo nas mãos, e depois dc morta não lh ’o podiam tirar — 182 — maravilhosos exemplos de zelo eucharistlco durante a re­volução franccza — 242 — em sua casa esconde Jesus Sacramentado e seus sacerdotes — 243 — em que conta tinha a santa missa — 293:

MARIA MIGUELINA DO SACRAMENTOAinda no século é anjo da Eucharlslla — conserva-se pura por entre os'

espectáculos mundanos, que não podia evitar — em uma viagem de qua­tro mezes, á força de prodígios, consegue não perder a communhão — 37 — tantas vezes teve ordem de deixar a communhão, ou de retirar o Sacra­mento de sua capella, tantas vezes, no memento opportuno, Jesus lhe obtem um a contra-ordem — 210 — na Indigencla recorre a Jesus, e sempre éatten - dlda mllagrosamente — dã riquezas e joins a Jesus pobre nas suas Igre­jas — 210 — em Bruxellas ajuda Maria de Meus na Obra das igrejas po­bres — 2C4 — Missa e Communhão diarias durante a Revolução, em Ca- <liz 296.

MATHEUS DE GIRGENTIMorto, ergue-se do caixão, e de mãos pestas, adora Jesus Sacramenta­

do — 183.MERMILLOD CARDEAL

Seu exemplo, cm face do Ciborlo, converte uma senhora protestan­te — 258.

MATHILDEMagníficas promessas recebidas de Jesus para a hora da morte, em

favor de quem ouve missa — 293 — avisos dados por Jesus sobre a de­sejo de commungar — 306.

NAPOLEÃO BONAPARTEImpõe a um Colleglo que as alumnas ouçam missa todos os dias — 297OLIERDeseja que seu sangue fosse oleo, para collocá-lo na lampada eucharie-

tlca — 71.“PÃO DE MAMÃE!"Episodlo do um soldado enfermo, que se restabelece comendo o pão

de sua mãe — 81.PAULA MARESCAEm extase conhece as preciosidades diversas da communhão sacra­

mental e espiritual — 305.PAULO CRUZSente nas entranhas o fogo do amor divino __ 64 __ celebrando, de­

volve um depois do outro dois corporaes pouco asse lados__241.

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332 A ALMA EÜCHARISTICA

PASCHOAL BAYLONQuando paetor adora de longe a S . S . Sacramento que uma vez lhe &

apresentado pelos anjos — mesmo Já cadáver, adora o Sacramento — 182.PELAGIOPequeno martyre vence a tentação, gritando: Tollere , putide canisf—40.PERRAUD _ (Cardial)Conta e garante o episodio do menino protestante e da lampada eucha-

rlstlca — 257.PEDRO JULIANO EYMARD"Um tabernaculo, e b a s ta ! . . .” — 71 — Magnífico commentarlo das

palavras de S. João: “Et nos credidimus charitati — 220 — é o verda­deiro sacerdote da Eucliarlstia — 254 — Como se fazem conhecer os seus religiosos do S . S. Sacramento e a Igreja de S . Cláudio, em Roma — 254.

PEDRO CLAVERPassam-lhe os soffrimentos somente quando celebra — 208.Depois da m issa sente-se abrazado em tanto amor, que se lança em

agua fria — dorme em posição de cadaver sobre a cama — 64 — “O felix p e n ite n c ia r — diz, apparecendo depois de morto — 108.

PIO IXEncontra o santo Viatico, acompanha-o, e adm inistra elle proprlo a en­

ferma — 253.PIO XO Papa da Eucharistia, porque promove a Communhão, quotidiana e

a prim eira Communhão das crianças — 29 — 30.RADEGONDARainha, amassava com suas mãos a farinha para as hóstias — 216.RAYMUNDO NONATORecebe o viatico de anjos, vestidos como monjes de sua Ordem — 148.

ROSA DE LIMADoce expressão de Jesus para com ella — 48 — na communhão dlf-

fundla ralos luminosos — 64 — “Recorde-se que estamos na Igreja! ” — salutar correcção feita ao autor — 266.

SALESIO, JESUÍTAEstava sempre perto do tabernaculo 236 — mereceu morrer como

martyre da Eucharistia — 236.SIMAO DE MONFORT

Recusava a ver Jesus Menino apparecldo na Hostla — 207TARCÍSIOO acolyto angélico, primeiro martyr da Eucharistia — 262.THEREZA DE JESUSPura commungar afronta tempestades — 35 — palavras que Jesus

lhe dirige — 48 — vê no Inferno o lugar que lhe está preparado — 197 - atravessada no coração pelo anjo, que a convida a selar a gloria de

Iieus — 240 — em visão contempla a lampada apagada __ 243 __ "Ousoffrer ou morrer!" — 275 — sentenças preciosas sobre as visitas ao S. S . Sacramento — 301.

THEREZINHlA DO MENINO JESUSTensamento sobre o espirito de sacrifícios _ 110 — scena lneffavel

dn sua morte — 172 —ultima estrophe eucharlstlca — 173 — promette enviar do Céo uma chuva de rosas — 183.

THEREZA EUSTACHIO VERZERIConselhos salutares para a preparação á communhão — 281 _ para

n acção de graças — 289.

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P. ANTONINO DE CASTELLÁMM ABE

THOMAZ DE AQUINO 4Confessava-se todos os dias — 214 — experimenta doçura espirltdaí-

na communhão — 285.VERÔNICA JULIANI . íSoena e amor. eucharistico, quando pequenina — 43 — extatlea cofre:'

pelo jardim — 48 — scena eucharlstica, quando acompanha o S . S . Sa-j cramento levado As religiosas enfermas — 59 — fogo no coraçAo, no dia* de sua primeira communhão — 66 — Jesus lhe põe seu Coração no peito — 77 — “Meu soffrimcnto é não ter sotfrlmento algum" — 275.

VICENTE DE PAULOAdormecido, tem o rosto resplandecente — 108 __ quando morre; S .:

Chantal vê sua alma, em forma de globo de fogo, se encontrar e se-reunir no Céo com a alma de de S . Francisco de Salles — 1 8 3 __seu zelopara que as genuflexões Tossem hem feitas; genuflexões á marionette—218.'v

VENCESLAU, REI EA BOHEMIA . - JVisitando o Sacramento, abraza-se em tanto amor que a neve se lhe^

derrete sob os pés — interessava-se pelos grãos e pelos farinha destinada^ As lHistlas sagradas — 216. . A

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Í NDI CE GERAL

Pag.Approvação doa S u p eriores.................................................................. IVProtesto do Autor..................................................................................... IVDedicação do Livro a N . Senhora do S . S . Sacramento . . VPrefacio da prim eira edição.................................................................. VIIApresentando as outras e d iç õ e s .......................................................... VIII

PRIMEIRA PARTE

Cap. I — O que é a vida eucharlstlca...................... l lv £Cap. II — Que exige a vida eu c h a r lstlca .................. 21Cap. III — Gráos de perfeição eucharlstlca — Primeiro gráo:

— Os discípulos eucharlsticos, isto é, a commu- ' • £nh io quotidiana......................................................................... 23?;*

Cap. IV — Segundo grão — Os cervos eucharlsticos . . . . 39 vCap. V — Terceiro gr&o — As Magdalenas eucharlstlcas

(quadro g e r a l ) ................................................................... 46Cap. VI — Langor eucharlstico (quadro particular) . . . . 64Cap. VII — Ferida eucharlstlca (quadro particular) . . . . 69'Cap. VIII — Fogo eucharlstico sensível (quadro particular) 64Cap. IX — Fogo eucharlstico espiritual (quadro particu­

lar) 67Cap. X — Transformação eucharlstlca (quadro particu­

lar) ...................................... 75Cap. XI — A Virgem — O Sacramento — A alma eucha-

r is t ic a ................................................................................... 81Cap. XII — O dia eucharlstico — 1.* O ração ............ 89Cap. XIII — 0 dia eucharlstico — 2.° Trabalho — Porque 96Cap. XIV — Como trabalha a alma e u c h a r lstlca ..... 102Cap. XV — O dia eucharlstico — 3 .° S a c r ifíc io ...... 110Cap. XVI — No Cal vario: Offlclos dolorosos da alm a eucha­

rlstlca 118Cap. XVII — Ainda sobre o Calvarlo (continuação) . . . . 126Cap. XVIII — Saudade do C éo '........................................................ 135Cap. XIX — Para o occaso ... O V la t lc o ! .............................. 142Cap. XX — A morte c h e g a ! ..................... ; ................................... 151Cap. XXI — As ultimas preparações............................................. 168Cap. XXII — A p a r t id a ........................................................................ 166Cap. XXIII—O C éo ! ... — Descanso, luz, p a z ! ............................ 174

SEGUNDA PARTE

Ttegras para conhecer a alma e u c h a r ls t lca ................................... 18»Cap. I — Primeira regra negativa, ou de exclusão:

Peccado m o r ta l................................................................. Ig j.

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; 336 A. ALMA EUCHAÇISTICA

Cap. II — Segunda regra negativa ou de exclusão: Tlbie-za h a b itu a l................................................................................... 194

Cap. III — Primeira regra positiva: Fé eucharlstica.. . . 200Cap. IV — Segunda regra positiva: Delicadeza eucharis-

t i c a .................................................................... 212Cap. V — Terceira regra positiva: O Amor eucharlstico

Sua n e c ess id a d e ....................................................... . . 220Cap. VI — Provas do verdadeiro Amor — Primeira prova:

Observância dos preceitos e das palavras deJ e s u s ..................................................................................... 228Segunda prava: Fidelidade ao Divino A m igo .. 230Terceira prova: — “Onde está vosso thesouroestá vosso coração” .......................................................... :■ 232

..Cap.- VII — Quarta regra positiva: Zelo eucharlstico . . . 240'Cap.- - VIII — Quinta regra positiva: Apostolado do exemplo 251

Cap. IX — Sexta regra positiva: Apostolado da palavra 261

TERCEIRA PARTE

Como se form a a alma eucharlstica

Cap. I — Dos meios persuaslvos em g e r a l ........................... 271Cap.' II — Dos meios eucharisticos em particular — Melo

' principalisslm o: a S . Communháo, Preparação e Acç&ode g r a ç a s ..................................................................................... 277

Cap; III — Outros meios eucharisticos — a S. M is sa .............. 292; Cap. " IV — Visitar ao S . S. Sacram en to .......................... .. . . 298

Cap: ; V — A communháo e sp ir itu a l............................................... 304.Cap. VI — A Meditação e u c h a r ls t ica .......................................... 307Cap! VII — Fontes de pensamentos eucharisticos — Prlmei-

■ • ra- fonte: O Coração — Segunda fonte: Os Symbo- los dáC reação — Terceira fonte: a Liturgia —

Quarta fonte: os Livros ................................................. . . 312Cap: VIII — Ultimas' reflexões e últimos conselhos — Nossos

três amores: Jesus Sacramentado, N . Senhora, o Papa___ 319

índice álphiabètico dos exemplos e das sentenças principaes—325.

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