Catálogos de Tipos Móveis - Estudo

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    Catálogos de tipos móveis: contribuições para a história (tipo)gráficabrasileira 

    Movable type specimens: contributions to Brazilian (typo)graphic history

    Edna L. Cunha Lima, Isabella R. Aragão, Priscila L. Farias

    tipografia, tecnologia gráfica, catalogação 

    Pouco se sabe sobre os artefatos produzidos no primeiro século de impressão tipográfica no Brasil, e,principalmente, sobre um gênero de publicação em particular: os catálogos de tipos móveis. Este artigodescreve o conteúdo e a organização informacional de 4 catálogos de tipos publicados entre o século XIXe o início do século XX, revelando os materiais tipográficos da época, e o modo como eramdisponibilizados.

    typography, graphic technology, cataloguing

    Little is known about the artefacts produced in the first century of printing in Brazil, and especially about

    one particular genre of publication: type specimens. This paper describes the content and theinformational organization of 4 type specimens published between the 19th and early 20th centuries,revealing the typographic materials of the time, and how they were made available.

    1 Introdução

    Durante o primeiro século da indústria gráfica brasileira, a impressão com tipos móveis foi aprincipal técnica utilizada para reproduzir textos. Apesar da existência de pesquisas queabarcam a produção e o desenvolvimento da tecnologia gráfica no país ao longo dos anos,pouco se sabe ainda sobre a forma dos elementos utilizados nos impressos. Uma investigaçãorealizada em julho de 2010, junto ao acervo da Biblioteca Nacional, permitiu a localização de 8catálogos de tipos móveis publicados no Brasil entre o século XIX e o início do século XX.Tendo como foco 4 destes catálogos, este artigo descreve e analisa a organização e conteúdodessas publicações, composto principalmente pelos materiais tipográficos (tipos e clichês)disponíveis para reprodução dos impressos da época. São eles:

    !   Amostras de Typos, Flores, Linhas e Emblemas da Typographia Americana, publicadopor I. P. da Costa, no Rio de Janeiro, em 1839

    !  Specimen da Imprensa Industrial , publicado por João Paulo Ferreira Dias, no Rio deJaneiro, em 1879

    !  Spécimen de Caractéres e Ornamentos Typographicos do Livro do Commercio,publicado por João Cardoso & Comp., no Pará, no final do século XIX

    !  Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa, publicado por Henrique Rosa, no Riode Janeiro, entre o final do século XIX e início do século XX

    Em meados do século XIX, o Brasil já estava produzindo seus impressos com a tecnologia equalidade encontradas no exterior. A tipografia e a litografia, instaladas em 1808 e em 1818,respectivamente, eram os processos de impressão mais utilizados para reprodução industrialdos artefatos gráficos da época.

    Os estabelecimentos tipográficos tinham o costume de imprimir publicações que serviamcomo mostruário de seu acervo, normalmente denominados catálogos, specimens ouamostras, de tipos. Nestas publicações encontram-se os tipos móveis de metal e madeira

    utilizados para a impressão textual, formados por caracteres alfabéticos, números, sinais de

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    pontuação, e também por outros elementos, pictóricos e esquemáticos, da linguagem gráfica:emblemas, vinhetas, flores, linhas, imagens com costumes da época, etc.

    Segundo Cardoso (2009, p:106), ‘os manuais tipográficos e catálogos de espécimes sãouma fonte preciosa – e pouquíssimo explorada – para se conhecer melhor a história gráficabrasileira. Ao mostrarem caracteres, fontes, fios, vinhetas, ornatos e símbolos disponibilizadospor impressores comerciais, eles revelam não somente o estado da evolução técnica em cadaépoca, como também as linguagens predominantes e os costumes contemplados.’

    De fato, encontramos uma riqueza formal na linguagem gráfica desses impressos, fruto dosdiferentes elementos disponíveis para impressão tipográfica. É importante mencionar que oscatálogos não são publicações gráficas nobres, como livros, enciclopédias, entre outros, e, porconseguinte, não geraram o mesmo interesse em serem guardados em bibliotecas Brasil afora.Poucos são os exemplares encontrados, por exemplo, na Biblioteca Nacional, no Rio deJaneiro, uma das dez maiores bibliotecas do mundo.

    O artigo foi subdividido nos quatro catálogos, e em cada um deles apresentamosinformações sobre o impressor, o conteúdo da publicação (quantidade de fontes, diversidadeda amostra, número de páginas, etc.) e a organização informacional (organização da página,formato das amostras, sequencia, etc.).

    2 Amostras de Typos, Flores, Linhas e Emblemas da Typographia Americana 

    O catálogo da Typographia Americana é o mais antigo entre os aqueles localizados pelasautoras nos acervos da Biblioteca Nacional. O impresso informa que este estabelecimento erapropriedade de Ignacio Pereira da Costa, e estava situado à Rua da Candelária, número 4. Aempresa publica este volume com o título de Amostras... em 1839, mas, conforme indicam os

     Anais da Biblioteca Nacional , a Typografia Americana estava em atividade pelo menos desde1832, quando imprime documentos para a Sociedade Defensora da Liberdade e IndependênciaNacional (Galvão, 1881, p:659)1.

     Anúncios encontrados no Almanak Laemmert 2 a partir de 1844 demonstram que na décadade 1840 o estabelecimento já havia mudado de endereço, situando-se então no número 43 daRua da Alfândega. O dono ainda era Ignácio Pereira da Costa e assim continuaria a ser até

    1850. No ano seguinte, muda para a rua da Assembléia, 27, para, logo após, desaparecer pordois anos da lista. Ignácio Pereira da Costa foi o editor de dois dos livros que o Padre LuisGonçalves dos Santos (1767–1844), o Padre Perereca, publicou fazendo violento ataque aosmissionários metodistas que se estabeleceram no Rio de Janeiro. Entre seus editados temosainda o poeta Álvares de Azevedo, cuja Lira dos Vinte Anos, livro póstumo e inaugural, foipublicado em 1853 pela Typographia Americana.

     A gráfica reaparece no Almanak Laemmert , sob a direção de José Soares de Pinho. Em1869, o comando passa para o Dr. Sizenando Barreto Nabuco de Araújo, irmão mais velho dopolítico abolicionista Joaquim Nabuco. Vai passando em várias mãos no decorrer do séculoXIX, tendo, em 1875, José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, como seu dono,brevemente. Estas mudanças parecem indicar que a tipografia passou a ter um papel políticoque não desempenhara anteriormente.

    Conteúdo

    O catálogo da Typographia Americana, com 53 folhas impressas em preto e branco, está numrazoável estado de conservação, com algumas páginas apresentando pequenos rasgos. Apublicação é formada por 75 fontes, entre as quais encontram-se tipos cursivos, góticos e fatfaces, e um peculiar tipo apenas numérico ornamentado com rostos barbados (figura 1).

    1 Os mesmos Anais indicam que entre 1833 e 1939 a Typographia Americana imprimiu ao menos três periódicos e umlivro, cuja imprenta menciona I. P. da Costa (Galvão, 1881, p:112, 332, 371, 442).2 O Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, conhecido como Almanak Laemmert , um periódicocom os nomes e endereços dos participantes do setor produtivo do Rio de Janeiro, foi publicado de 1844 a 1930.  

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    Figura 1: Tipo numérico ornamentado encontrado no catálogo Amostras ... da Typographia Americana.

     Afora o conteúdo alfanumérico, a Typographia Americana também tinha em seu acervo ‘flores,linhas e emblemas’, como o título do catálogo indica. Destacam-se, neste aspecto, os signos

    astronômicos e matemáticos, as linhas de latão e clichês de brasões de países estrangeiros,como o Peru. Clichês representando animais, comidas, profissões e até negros fugitivos fazemalusões ao Brasil oitocentista.

    Organização informacional

     As páginas do catálogo Amostras ... da Typographia Americana são impressas apenas de umlado e não apresentam numeração. Medindo 21cm x 12,5cm, algumas páginas estão naposição ‘retrato’, outras em ‘paisagem’.

    Figura 2: Folha de rosto do catálogo Amostras ... da Typographia Americana.

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     A folha de rosto (figura 2) apresenta uma mancha de texto simétrica e centralizada,composta exclusivamente com tipos serifados em caixa alta, cercada por uma molduraornamentada com motivos geométricos e florais. Através de variações de tamanho, é dadodestaque para as expressões ‘  Amostras’, ‘Typos, Flores, Linhas e Emblemas’ e ‘Typographia

     Americana’. Uma variação tipográfica mais condensada é utilizada na terceira linha, permitindoa ampliação da altura das letras apesar do maior número de caracteres. A cidade e o anocompõem um bloco de texto separado do restante, e com quebra de linha enfatizada pelo usode fio.

    O conteúdo do catálogo é organizado por função, estilo e tamanho, iniciando com fontesescriturais, seguidas por fontes de texto e de título, finalizando com vinhetas e ornamentos. Aspáginas do miolo contém entre 1 e 5 fontes, dependendo do tamanho de corpo.

     As fontes escriturais e de texto (figura 3) são identificadas, quase sempre em inglês, pelonome de seu tamanho (great primer, leitura, long primer , brevier , nonpareil , ágata)3, e às vezestambém por estilo (script , secretary , bold face). As páginas com estas fontes apresentam texto

     justificado ou centralizado, cercado por molduras. As amostras são compostas em caixa alta ebaixa, com texto em latim (o célebre discurso de Cícero, ‘Quosque tandem ...’) ou textos emportuguês, que variam de acordo com o estilo da fonte (texto sobre a educação para fontesescriturais, texto sobre liberdade da imprensa como amostra para tipos negritos serifados).

     Algumas amostras incluem exemplos de letras maiúsculas, números e sinais.

    Figura 3: Página do catálogo Amostras ... da Typographia Americana com tipos de texto.

    3 Correspondências para o sistema de pontos: great primer  – 18, leitura (ou pica ou cícero) – 12, long primer  – 10,brevier  – 8, nonpareil  (ou nonpareille) – 6, ágata (ou agate) – 5,5 (Low de Vinne 1899, p:54).

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     As fontes titulares são numeradas, organizadas da maior para a menor, e agrupadas pornomes de tamanhos (quatro linhas breviário, duas linhas great primer )4. Dependendo dotamanho das fontes, elas são apresentadas em amostras que formam pequenos textos oupalavras (figura 4). A partir do n. 22, apenas algumas letras números ou sinais são mostrados.

    Figura 4: Página interna do catálogo Amostras ... da Typographia Americana com tipos titulares.

    3 Specimen da Imprensa Industrial  

     A Imprensa Industrial desponta no Almanak Laemmert  em 1877, sendo então propriedade deLino de Almeida, funcionando na Rua Sete de Setembro, número 142. No ano seguinte, muda-se para a rua Nova do Ouvidor, número 18.

    Em 1879, a direção passa para João Paulo Ferreira Dias, e a empresa muda novamente deendereço, estabelecendo-se na rua da Ajuda, número 75. Estes são o ano, dono, e localmencionados no Specimen. Segundo os Anais da Biblioteca Nacional , em 1879 a ImprensaIndustrial foi responsável pela publicação do jornal diário Correio da Tarde, e pelo periódicoEcho das Damas (Doyle, 1965).

    Ferreira Dias continuará anunciando sua empresa no Almanak  até 1888, acrescentando quelocaliza-se no número 75, sobrado.

    Conteúdo

    O catálogo da Imprensa Industrial, encadernado com capa dura, tem o melhor estado deconservação dos quatro analisados, com apenas algumas páginas amassadas ou levementerasgadas. As 88 folhas impressas em preto e branco, com 26,2 x 17,8 cm, apresentam 179fontes, quinze das quais parecem ser de madeira, além de vinhetas e emblemas. Algumasfontes muito ornamentadas, como os tipos 59 e 62 da página 2 (figura 5), tem baixalegibilidade, e provavelmente eram utilizadas em títulos.

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     Os termos quatro linhas breviário e duas linhas great primer  são traduções de medidas anglo-saxãs quecorrespondem a 32 e 36 pontos, respectivamente (Low de Vinne 1899, p:54),

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    Figura 5: Página 2 do catálogo Specimen da Imprensa Industrial .

    Figura 6: Tipos raros do Specimen da Imprensa Industrial .

     As fontes em corpos maiores, provavelmente destinadas a peças publicitárias, apresentam

    grande variedade de desenhos. A página 22 do catálogo (figura 6), por exemplo, exibe dois

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    espécimes interessantes: o primeiro segue um estilo similar a tipos franceses do início doséculo XIX, porém com ornamentação mais rebuscada; e o segundo tem uma rara perspectivasuperior. Os dois tipos não foram encontrados nem no levantamento feito por Gray (1976) nemnos volumes de Jong, Purvis & Tholenaar (2009, 2010).

     Após a apresentação dos tipos, o catálogo exibe vinhetas, ‘ensaios de composições’, ‘traçosde pena’, ‘cantos’ e emblemas. Estes últimos aparecem nos mais variados temas: fúnebres,coroas (brasileiras, portuguesas e diversas), navios a vapor, entre outros. Nos emblemas da

    figura 7 encontram-se pequenas variações imagéticas de um mesmo assunto, como osemblemas de cachorros da primeira fileira, e algumas repetições. A segunda fileira, compostapor emblemas de escravos com a sacola no ombro, muito usados em anúncios de escravosfugidos nos jornais, é composta pela mesma imagem com mudanças tão insignificantes quenão conseguimos identificar, a olho nu, se aconteceram no momento da fundição ou daimpressão.

    Figura 7: Emblemas diversos do Specimen da Imprensa Industrial .

    Organização informacional

     A folha de rosto do catálogo Specimen da Imprensa Industrial (figura 8) apresenta praticamenteo mesmo texto e configuração visual da capa: composição centralizada destacando as

    expressões ‘Specimen’ e ‘Imprensa Industrial’, com uma vinheta entre os blocos de textosuperior e inferior, circundada por moldura. Tanto na capa quanto na folha de rosto sãoutilizados tipos diferentes a cada linha, predominando os tipos serifados e ornamentados. Tiposgóticos são utilizados para grafar o nome do impressor na capa, e da cidade na folha de rosto.Tipos sem serifa aparecem na expressão ‘de’, tanto na capa quanto na folha de rosto, e umavariação que sugere tridimensionalidade é utilizada na primeira linha da folha de rosto.

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    Figura 8: Folha de rosto do catálogo Specimen da Imprensa Industrial .

    Figura 9: Página do catálogo Specimen da Imprensa Industrial  com ‘typos communs’.

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     As páginas do catálogo não são numeradas. Os tipos são organizados em tabelas com 3colunas, circundadas por molduras compostas por diferentes tipos de ornamentos (ver figuras5, 6, 9 e 10). A coluna da esquerda, intitulada ‘Numeros dos typos’ apresenta numeraçãocrescente, em algarismos arábicos, que identifica as fontes. A coluna central, mais larga, indicaa classe à qual o tipos daquela página pertencem (‘typos communs’ ou ‘typos floridos’); otamanho (corpo do tipo, medido em pontos) e uma amostra (uma linha com texto, palavra ou

    letras).Para os ‘typos communs’ (figura 9), o catálogo também indica se a fonte está disponível em

    corpo ‘francez’ ou ‘americano’. A coluna da esquerda, intitulada ‘Numeros das caixas eestantes’, é ocupada somente nas páginas de ‘typos floridos’ (figura 10) e indica um número euma letra, ou só uma letra, que provavelmente auxiliariam na localização dos tipos dentro daoficina. Tanto os tipos ‘communs’ quanto os ‘floridos’ são apresentados em ordem crescente detamanho de corpo. As seções de vinhetas e de emblemas (figura 7) não apresentam molduras.

     As peças são agrupadas por tema, e identificadas por números.

    É possível observar que, independentemente de seu número de ordem, na coluna daesquerda, os tipos de grande formato são identificados na coluna da direita com as letras E eF, e que vários tipos com serifas triangulares são identificados com a letra M. Podemos, assim,formular a hipótese de que a numeração da esquerda segue uma ordem cronológica de

    inclusão de tipos no acervo da gráfica, enquanto que a da direita reflete uma tentativa deagrupamento por tamanho e estilo nas estantes e gavetas da oficina. O ‘Appendice’, incluído apartir da página 28, reforça esta idéia, ao apresentar tipos ‘floridos’ em corpos pequenos depoisde uma página com tipos em corpo 274.

    Figura 10: Página do catálogo Specimen da Imprensa Industrial  com ‘typos floridos’.

     As amostras de uso dos tipos ocupam 2 linhas para alguns dos ‘typos communs’, e 1 linha para

    os demais. Elas apresentam frases em diferentes idiomas (francês, italiano, inglês, alemão,

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    espanhol), palavra ou letras. No caso dos 'typos floridos', as amostras muitas vezes são nomesou sobrenomes de pessoas, algumas bastante conhecidas (ver figuras 5 e 10).

    4 Spécimen de Caractéres e Ornamentos Typographicos do Livro do Commercio  

    Pouco se sabe a respeito de João Cardoso, responsável pela publicação do catálogo

    Spécimen de Caractéres e Ornamentos Typographicos do Livro do Commercio. SegundoPamplona, a casa tipográfica Livro do Commercio iniciou suas atividades em 1876, imprimindoos relatórios provinciais do governo Paraense (Pamplona, 2010, p:44).

    Os Anais da Biblioteca Nacional  registram a presença de um documento da AssembléiaLegislativa da Província do Pará impresso pelo Livro do Commercio em 1877. A empresa éapresentada como sendo de propriedade de Theophilo Schlogel & Comp., e administrada por

     Antonio Ribeiro dos Santos. O registro afirma que ‘a capa do exemplar é impressa a três corese a impressão do texto caracteriza-se pela nitidez e regularidade do trabalho typographico. Éexposto como specimen do estado actual da arte typographica na província do Pará’ (Saldanhada Gama, 1885, p:434). Em outro volume, os Anais registram também a existência de umdocumento referente a ‘duplicatas eleitoraes’, publicado em 1880, e cuja imprenta indica

     Antonio Braule F. da Silva como proprietário (Galvão 1881, p:816).

     Antonio Braule Freire da Silva consta do Almanak Laemmert  de 1883 como proprietário delivraria e de tipografia. O mesmo Almanak  indica que a Typographia do Livro do Comércio,localizada na Rua da Industria, era responsável pela publicação de um periódico intituladoHahnemann, que estava em seu terceiro ano. No mesmo Almanak, ‘Cardoso & C.’ aparece nalista de comerciantes da província.

    Na década de 1880, segundo Pamplona (2010), a empresa era responsável pela publicaçãoe distribuição de vários periódicos relevantes para a sociedade local, entre os quais a Revista

     Amazônica, editada pelo escritor José Verissimo. Estimamos que o catálogo tenha sidoimpresso em 1884, pois esta data aparece quatro vezes nas amostras de tipos, sendo a únicadata citada. Conjecturamos que João Cardoso tenha sido o terceiro proprietário da empresa, epossivelmente um cúmplice do ‘movimento de renovação mental e intelectual’ belenensepromovido por Veríssimo e descrito por Pamplona.

    Conteúdo

    O catálogo paraense tem 109 fontes distribuídas em 53 folhas, medindo 30,2 x 22,7 cm,impressas em preto e branco. Com capa e algumas folhas soltas, a publicação necessita decuidados para que o manuseio não deteriore mais seu estado de conservação. Os tiposapresentados eram destinados aos mais variados usos, desde textos corridos, com tipografiasmais legíveis; notas e legendas, em corpos muito pequenos (4pt); até títulos, com grande ofertade tipos maiores em estilos grotescos, com serifas egipcianas, cursivos, góticos, ornamentadoscom flores, sombras e volumes, entre outros. Através da comparação com as referênciastipográficas do século XIX reunidas por Gray (1976), identificamos que a fonte de corpo 88usada na palavra ‘duqueza’ (figura 11) reproduz desenhos de caracteres desenvolvidos em1860 por Robert Besley, criador da famosa Clarendon.

    O catálogo também inclui bordas, cantos, coroas, emblemas e vinhetas, estas últimassubdividas por tema (religiosos, navios, meses, signos, etc.). Há muitos com textos em inglês,alguns em francês, e apenas um contendo palavra em português. No final do catálogo algumascomposições com textos em diferentes línguas utilizam tipos que não parecem ser os mesmosdas páginas anteriores, com molduras ornamentadas, remetendo a cartazes de espetáculos deteatro (figura 12).

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    Figura 11: Tipos em corpo 88 encontrados no catálogo Spécimen ... do Livro do Commercio.

    Figura 12: Exemplo de composição encontrado no catálogo Spécimen ... do Livro do Commercio.

    Organização informacional

    O catálogo de João Cardoso apresenta, na capa, o desenho de um livro no qual, além do títuloe nome do impressor, podemos ler, na lombada: O Livro do Commercio | PARA’ | JoãoCardoso & Comp. (figura 13). Através de variação de tamanhos e estilos, é dado destaque paraas expressões ‘Spécimen’, ‘Caractéres e Ornamentos’ e ‘Typographicos’. Estas apresentamletras serifadas, como no restante da capa, mas modificadas pela condensação ou inclusão deornamentos.

     A composição é toda centralizada, com exceção do bloco de texto superior da lombada. Amancha de texto da capa, com 6 linhas, é completada por um bigode. O desenho do livro érodeado por uma moldura que se repete, complementada por cantos com motivos florais, nacapa do livro dentro da ilustração.

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    Figura 13: Capa do catálogo Spécimen ... do Livro do Commercio.

     As páginas internas do catálogo são impressas somente de um lado e não tem numeração. Aprimeira página, com tipos em corpos menores, é diagramada com duas colunas (figura 14), asdemais com uma (figura 15). Até a página 6, as páginas incluem cabeçalho com o título dolivro. 

    Figura 14: Primeira página do catálogo Spécimen ... do Livro do Commercio.

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    Os tipos são agrupados por corpo, identificados pelo tamanho em pontos, e apresentados dosmenores aos maiores. Bigodes são usados para separar os grupos de fontes de mesmotamanho (figura 14 e 15). Dentro destes grupos, os tipos são organizados em seqüência naqual as escriturais costumam ficar no final. A fontes não são identificadas individualmente, anão ser as de corpo 8, que são subdivididas em N.1 e N. 2.

    Os textos utilizados nas amostras são curtos, ocupando apenas uma linha. São utilizadosnomes de pessoas, nomes de estabelecimentos comerciais (Banco Commercial do Pará,

    Companhia de Bonds Paraense), datas e frases ou palavras em português ou em francês.

    Figura 15: Página do catálogo Spécimen ... do Livro do Commercio. 

    5 Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa 

     A primeira vez que Henrique Rosa aparece no Almanak Laemmert  é em 1880, como sócio deJ.L. Schroeder na Fundição Universal de Typos, instalada na Rua do Hospício, número 227.Trata-se de uma lista com apenas três fundidoras além desta: a Fundição Franceza de Typos,de Bouchaud & Sobrinho, no mercado desde 1848, a Nova Fundição de Typos, de Lopes &Pacheco, anunciantes do  Almanak   desde 1869, e a empresa de E. J. de Araújo, que operaexatamente no mesmo endereço que Schroeder e Rosa.

    No ano seguinte, Rosa aparece ao lado de novos sócios da Fundição Universal de Typos:

    Schroeder é substituído por Julio Augusto Araújo Santos e Manoel Sabino Corção, sendo queeste último dá nome à companhia responsável pela empresa.

    Saindo desta firma, Rosa abre sua própria empresa e imprime, provavelmente na virada doséculo XIX para o século XX, este que, embora não tenha data, é o mais recente dos oitocatálogos encontrados durante a pesquisa. Diferente dos demais, este é um catálogo de umafundidora de tipos, não de uma gráfica.

    Conteúdo

    O conteúdo do catálogo de Henrique Rosa é o mais robusto e diversificado dos quatroanalisados, já que pertencia ao segmento comercial que fornecia mercadorias ao setorimpressor. A publicação, que se encontra num estado precário de conservação, é formada porquase 300 folhas, de 21,5 x 17 cm, que apresentam tipos, máquinas e materiais tipográficos.Entre as 1085 fontes encontramos tipos com fins específicos, como o ‘typo mecânico’, que

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    imita letras de máquina de escrever, e era anunciado com ‘a vantagem de economizar os seusmanuscritos inglezes, sempre muito frageis e custosos’ (figura 16, à esquerda).

    Os tipos e as iniciais das figuras 16 e 17, impressos em duas cores, exigiam o uso de duasmatrizes, e impressão cuidadosa. Algumas dessas coloridas fontes são bastante similares adesenhos encontrados em catálogos europeus do final do século XIX, como a família Beatriceda fundição italiana Nebiolo, apresentada em catálogo de 1895, e as iniciaisSechsunddreissigste, do alemão Wilhelm Gronau, de 1891 (Jong, Purvis & Tholenaar 2009).

    Figura 16: Página dupla (100B e 100C) do catálogo Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa, mostrando seustipos ‘mecânicos’ e iniciais com duas cores.

    Figura 17: Página do catálogo Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa mostrando tipos em duas cores.

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    Uma vez que a fundidora também comercializava máquinas e materiais para impressão,algumas páginas indicavam no rodapé quais as tintas utilizadas (figura 18). A publicação aindaapresenta colchetes, bigodes, traços de pena, fios simples, ornamentos, vinhetas e clichêsdiversos, com destaque para as últimas novidades art nouveau. Interessante perceber que aempresa dedicava diversas páginas do catálogo para se auto-promover, ao mesmo tempo emque demonstrava seus recursos e técnicas refinadas, como nos rebuscados clichês da figura19, seguindo moda americana do artistic printing  (Clouse & Voulangas 2009) que tem seu augena década de 1880.

    Figura 18: Página dupla do catálogo Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa, mostrando impressão bicolor evinhetas.

    Figura 19: Clichês publicitários da Fundição de Typos Henrique Rosa.

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    Organização informacional

    O Specimen de Henrique Rosa é o único, entre os encontrados, a apresentar páginas empolicromia. As páginas em preto e branco são impressas de ambos os lados, e a maioria daspáginas coloridas são impressas somente de um lado. Trata-se de um volume complexo, comum grande número de folhas soltas, presas com 3 fitilhos.

     A folha de rosto (figura 20) é impressa em 3 cores. A mancha de texto é circundada por uma

    moldura fartamente ornamentada, e sobreposta por uma faixa com o nome do impressor. Asletras usadas variam a cada linha, privilegiando formas sinuosas, sendo a mais sóbria aquelacom o nome da cidade, composta em caixa alta com uma fonte serifada de ar neoclássico.

    Figura 20: Folha de rosto do catálogo Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa 

    Figura 21: Página do catálogo Specimen da Fundição de Typos Henrique Rosa, mostrando coleção de vinhetas comtrês cores.

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     As páginas, contendo um cabeçalho com o título corrente, são numeradas com doisordenadores, um numérico e um alfabético, permitindo a inserção de folhas intercaladasconforme o lançamento de novas fontes (por exemplo, uma folha com numeração ‘1c’ entre asfolhas ‘1b’ e ‘2a'). A numeração é centralizada no pé de página.

     Antes de cada exemplo de aplicação, o catálogo informa o tamanho do corpo em pontos, onúmero de identificação da fontes, e seu preço por quilo (figuras 16 e 17) ou por alfabeto (nocaso de capitulares, figura 16, à direita). As amostras apresentam textos em português ou em

    francês, freqüentemente acompanhados por números. As coleções de ornamentos e asvinhetas também são identificadas por números (figura 21).

    6 Considerações finais

    Uma busca por catálogos de tipos brasileiros no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio deJaneiro, resultou na localização de oito volumes, metade dos quais são descritos e analisadosneste artigo. Grande parte do conteúdo destes impressos é composto por amostras de letras eclichês imagéticos, porém, algumas destas publicações, como o Specimen da Fundição deTypos Henrique Rosa, apresentam outras informações, tais como máquinas vendidas eanúncios publicitários, revelando dados importantes sobre os recursos disponíveis paraimpressão na época de sua divulgação.

     Ao contextualizar os impressos, verificamos que havia contato entre as gráficas e autoresde todo o país, que usavam serviços de impressão fora dos limites de suas províncias. Hátambém indícios de que as gráficas se abasteciam diretamente no exterior, tais como aindicação de tamanhos de fontes em inglês. A escolha de tipos refletia o que se usavainternacionalmente. Os temas de alguns emblemas e vinhetas mostram que se tratava de umBrasil escravista. A fundidora de Henrique Rosa, em particular, demonstra a atualização dogosto gráfico, com forte influência Art Nouveau.

     A análise da organização dos catálogos, por outro lado, revela a maneira como os tiposeram dispostos e apresentados aos usuários. O catálogo mais antigo,  Amostras de Typos,Flores, Linhas e Emblemas da Typographia Americana utiliza nomes, como leitura, great

     primer , brevier , nonpareil , long primer  e agata, no lugar de números, para identificação dostamanhos de corpo. De fato, é somente durante o século XIX que o sistema de pontostipográficos, originalmente proposto, na França, no século XVIII, se torna popular, e mesmo naEuropa, ainda era relativamente comum encontrar catálogos oferecendo tipos com medidasnominais até o início do século XX (Jong, Purvis & Tholenaar 2009 e 2010). A terminologiaencontrada no catálogo brasileiro, muito próxima da anglo-saxã, indica uma provável origempara os tipos e vinhetas utilizados pela empresa, hipótese que as autoras pretendem investigara seguir.

    Percebe-se também que todos os autores dos catálogos realizam um esforço para agruparos tipos em categorias, e que em todos eles os tipos adequados para textos longos sãoposicionados nas primeiras páginas, geralmente denominados tipos comuns, e as vinhetas eornamentos são dispostos no final.

     A descrição e análise de catálogos de tipos brasileiros do século XIX e início do século XX é

    imprescindível para uma melhor compreensão das formas e materiais disponíveis aosimpressores da época que marca o auge da tipografia no Brasil.

    Agradecimento

     As autoras agradecem a CAPES (projeto PROCAD Memória Gráfica Brasileira), CNPq (bolsasPQ para Edna Cunha Lima e Priscila Farias) e FAPESP (Apoio Regular à Pesquisa paraPriscila Farias) pelo apoio oferecido às suas pesquisas, a Biblioteca Nacional pela permissãode realizar os registros fotográficos dos catálogos, e Almir Mirabeau da Fonseca Neto pelaexecução dos registros.

  • 8/20/2019 Catálogos de Tipos Móveis - Estudo

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    Referências

     Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro. Riode Janeiro: Laemmert. Versões digitais disponíveis em.

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    JONG, Cees W. De; PURVIS, Alston W. & THOLENAAR, Jan (2009). Type: a visual history oftypefaces and graphic styles, volume 1, 1628-1900 . Köln: Taschen.

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    LOW DE VINNE, Theodore (1899). The practice of typography: a treatise on the processes oftype-making, the point system, the names, sizes, styles and prices of plain printing types.New York: Century.

    PAMPLONA, Alessandra Greyce Gaia (2010).Revista Amazônica: a concretizaçãode umprojeto periodístico. In: Anais do II Congresso Internacional de Estudos Linguísticos eLiterários na Amazônia. Organização. Belém: UFPA.

    SALDANHA DA GAMA, João de (Dir.) (1885). Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio deJaneiro. 1883-1884. Volume XI . Rio de Janeiro: G. Leuzinger & Filhos.

    Sobre as autoras

    Edna Lucia Cunha Lima, Dra. PUC-Rio: Professora Adjunta do Departamento de Artes eDesign da PUC- Rio, Bolsista de Pesquisa da Biblioteca Nacional e Pesquisadora nível 2 doCNPp com a pesquisa Fundidores de Tipo no Rio de Janeiro. É autora de capítulos de livros ede artigos sobre litografia e tipografia brasileiras. 

    [email protected] 

    Isabella Aragão, Ms. UFPE: Professora assistente da Graduação em Design e pesquisadora doLaboratório de Práticas Gráficas da UFPE. Organizadora do livro Imagens Comerciais dePernambuco: ensaios sobre os efêmeros da Guaianases, é autora de capítulos de livros eartigos sobre tipografia e linguagem gráfica de impressos do século XX, cinema e web.

    [email protected] 

    Priscila Lena Farias, Dra. USP e Senac-SP: Coordenadora dos Laboratórios de Pesquisa emDesign Visual (FAUUSP) e de Tipografia e Linguagem Gráfica do (Senac-SP). Editora doperiódico científico InfoDesign, autora dos livros Fontes Digitais Brasileiras, Advanced Issues inCognitive Science and Semiotics, Tipografia Digital, e de diversos artigos sobre tipografia,design e semiótica. 

    [email protected]