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catálogo 2018

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catálogo2018

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museu marítimo ílhavo

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10:00A plastic ocean (2016 102’) GRAIG LEESON

COMENTÁRIO: Teresa Rocha Santos - Universidade de Aveiro

14:30

Memórias de RiaMar Exibição das obras a concursoMemórias da Avó ZulmiraCAROLINA TORRESINÊS PEREIRAFILIPE ROCHA

Um mar de mulheresLUÍSA VILARINHOBEATRIZ DO BEM

Um mar de mulheres. Tantas mulheres, tantas fainasANDRÉ ALMEIDACAROLINA RIBAUCATARINA BRITODALILA RODRIGUESDIANA FERREIRADIANA MAIAFÁBIO MARQUESGETRUDE JOSÉ SÁLARA LOPESLEA REISMARIA FRANCISCA AGUIARMARIA TAVARESSARA POMBO

Entrevista à Tia RosaJOÃO PEDRO VEIGA

Entrevista a Luísa PatelaINÊS SILVAMARIANA RIBAU

EntrevistaINÊS GRAMATAFRANCISCA ALMEIDA

EntrevistaBEATRIZ ALMEIDAJOANA AMARANTEANDRÉ BALTAZARRAFAEL CASQUEIRA

Entrevista a D. Maria dos AnjosCAROLINA DAMASJULIANA PEREIRAMARIA JOÃO ADÃOANA CAROLINA OLIVEIRA

16:00

“Bonjour ma soeur, comment allez-vous?”Rita Marnoto - Universidade de Coimbra

Prémio Memórias de RiaMar

18:00

O cais do nosso olharRetrospetiva e conversa com Matos BarbosaCompanha (1967 20’)

Moliceiros (1961 10’)

A Ria, a Àgua, o Homem (2010 6’)

21:00

Abertura oficial do festivalDeste lado da ressurreição (2011 116’) JOAQUIM SAPINHOConversa com Joaquim Sapinho

COMENTÁRIO: António Pedro Pita - Universidade de Coimbra

(a confirmar)

19qui

20sex10:00

A plastic ocean (2016 102’) GRAIG LEESON

COMENTÁRIO: Teresa Rocha Santos - Universidade de Aveiro

14:30Mar de Sines. A resiliência das gentes do mar (2016 71’) DIOGO VILHENAConversa com Diogo Vilhena e António Campos

18:00A luz entre os oceanos (2016 133’) DEREK CIANFRANCE

21:00Arte al agua. Los bacaladeros de Terra Nova (2017 102’) OLIVIER VAN DER ZEE

COMENTÁRIO: Álvaro Garrido

Universidade de Coimbra/Museu Marítimo de Ílhavo

abril 2018

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museu marítimo

ílhavo

21sáb10:30

A canção do mar (animação) (2016 93’) TOMM MOORE Visita guiada ao Museu Marítimo de Ílhavo

14:30

Novas Vistas LumièreExibição das obras a concurso

A vida é como uma maré… vira da noite para o diaDALILA RODRIGUES

A lei da saudade é a morteJOÃO VIEIRA

Um oceano, dois mundosTOMÁS VIOLA

O passar do diaDANIELA CARAMAN

À derivaChamo-teCATARINA ROCHA

CalorFÁBIO LUCINDO

Tempestade Santo AndréTraineiras de luz, Mar de sombraFERNANDA AZUAJE

VoltaFRANCISCA CARDOSO LIMAJOÃO NETO

EsperaFluxoHENRIQUE VILÃO

Ray of lightLIZA ARANIBAR

O mercadoO homem na sombraMARIA LOPES

ClandestinoMIGUEL JOSÉ PEREIRA

SaudadePEDRO MILHEIRO

MilhasRAFAEL CALISTO

A despedidaRUI PINAMARIA LOPES

Entre norte e sulSOS SARA CARNEIRO

No silêncio, a luzTIAGO DAMAS

SangueFRANCISCO CARDOSO LIMA

By the seaJAIME NEVES

ResplandorMARIA AUXILIADORA

ImpressionismoPAULO CORCEIRO

À espera do pior…PAULO LUCAS

Prémios Novas Vistas Lumière

18:00Um conto de duas cidades (2017 85’) MORAG BRENNAN E STEVE HARRISON Conversa com os realizadores e Manuel Costa

21:00Deriva Litoral. O impacto da erosão costeira em Portugal (2016 71’) SOFIA BARATA

COMENTÁRIO: Carlos Coelho e Pedro Pombo

Universidade de Aveiro

Encerramento ENSEMBLE DE JAZZ Conservatório de Música de Aveiro Calouste Gulbenkian

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ÍNDICE

Apresentação

O mar no cinema

A plastic oceanGRAIG LEESON | 2016Teresa Rocha Santos | UA

Um conto de duas cidadesMORAG BRENNAN – STEVE HARRISON | 2017

Deste lado da ressurreiçãoJOAQUIM SAPINHO | 2011Cruzamentos. Descida para a luz | Marie-José Mondzain

Arte al agua. Los bacaladeros de Terra NovaOLIVIER VAN DER ZEE | 2017Álvaro Garrido | Universidade de Coimbra/Museu Marítimo de Ílhavo

Mar de Sines. A resiliência das gentes do marDIOGO VILHENA | 2016

O cais do nosso olharManuel Matos BarbosaPorquê o cinema?

Novas Vistas LumièreFilmes selecionados a concurso

RiaMar - Um mar de mulheresTrabalhos submetidos a concurso

Bonjour ma soeur, comment allez-vous?Rita Marnoto | Universidade de CoimbraUm mar de mulheres num mar de memóriasAna Ribeiro | Universidade de Coimbra

Agradecimentos

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Mar Film Festival é uma iniciativa angular do projeto cultural do Museu Marítimo de Ílhavo. A segunda edição deste festival de cinema do mar oferece um programa ousado, apelativo e de rasgados horizontes. Durante três dias, de 19 a 21 de Abril, o Museu Marítimo de Ílhavo abre-se à comunidade cinéfila, aos especialistas e investigadores, às comunidades marítimas e às escolas para mostrar e debater imagens em movimento. O programa abriga várias intenções e inclui propostas originais que não deixarão de proporcionar momentos imperdíveis de descoberta e de encantamento. Por estranho que pareça, em Portugal cultiva-se pouco o cinema de temas marítimos, ainda que a produção de documentários esteja a crescer, com certeza devido aos trabalhos da memória. A ideia do Mar Film Festival nasceu da intenção de proporcionar à comunidade de públicos do Museu Marítimo de Ílhavo, à região lagunar e à sociedade portuguesa um festival singular, capaz de criar raízes e de mobilizar diversos públicos.

Nascido no lugar certo, num território de intensa maritimidade onde os imaginários marítimos se fazem de experiências humanas concretas, este Festival tem por objetivo socializar uma cultura do mar plural, inclusiva, capaz de conjugar diversas linguagens e de despertar inquietações com o mar que vemos, sentimos ou imaginamos. Além da exibição de diversos filmes recentes, portugueses e estrangeiros, e da presença de realizadores, produtores e críticos em momentos de conversa com o público, o programa inclui uma dimensão educativa importante, especialmente relacionada com o nosso comprometimento cívico com o destino do Oceano. Essa expressão educativa destinada às escolas e à comunidade traduz-se em dois concursos de intenção distinta e complementar: Memórias de RiaMar e Novas Vistas Lumière. Perfomances e música completam um programa intenso e apelativo, destinado a construir afiliações fortes com a vida marítima.Mar Film Festival é um projeto cultural substantivo cuja curadoria pertence a Jorge Seabra, historiador do cinema e investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Ao curador e à equipa de trabalho do Museu Marítimo de Ílhavo e da Câmara Municipal que, em conjunto, produziram Mar Film Festival, fica a expressão do nosso agradecimento.

Unidade de Direção do Museu Marítimo de Ílhavo

Mar Film Festival2018

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A arca e o mar

Tal como a arca que se resgata cuidadosamente do fundo do mar, assim avança a 2ª edição de Mar Film Festival, com o intuito de afirmar uma ideia cujo potencial expansivo não é despiciendo mas que, à semelhança da arca que corre riscos ao ser retirada do ambiente onde longamente permaneceu e ao qual se adaptou, também este festival tem um caminho a percorrer para conseguir potenciar plenamente a força da luz que projeta na tela.Esse passo tímido e inseguro que ainda o carateriza não belisca a ideia germinal que levou à conceção de um festival de cinema sobre o mar, uma palavra imensa, onde cabem todos os oceanos do planeta, ou os múltiplos modos históricos, culturais, identitários e económicos de com ele conviverem. Nesta relação, é também incontornável o espaço para a reflexão sobre a agenda que devemos desenvolver com o azul oceânico, focando os desequilíbrios e as riquezas que o caraterizam, estimulando a literacia azul que a todos importa aprofundar como habitantes com interesses comuns deste planeta que habitamos. Por fim, essa polissemia de sentidos e convívios que a palavra mar comporta desagua no cinema, esse cais do olhar que a imagem em movimento criou, para focarmos a nossa atenção em algumas criações cinematográficas feitas a partir dessa massa líquida que dá cor à Terra.A metáfora do festival como arca permite também imaginá-la constituída por diferentes gavetas, umas já entreabertas e em processo de consolidação, outras aguardando o melhor momento para revelarem a luz que guardam, como se cada uma delas fosse uma pequena porta de acesso a um domínio inesperado e do qual não sabemos a que profundezas nos transportará.

O mar no cinema é, digamos, uma gaveta óbvia, constituindo talvez o filão fundamental que este festival contém, o da exploração do mar como referente cinematográfico, potenciador de histórias, narrativas e problemas, onde a diversidade estilística e temática pode imperar, mas nas quais, simultaneamente, a líquida massa oceânica é sempre o lastro comum e fundamental que une todas as obras em exibição. Desfilarão perante o nosso olhar obras onde a água marinha se apresenta como um elemento narrativo refundador, que auxilia, limpa e purifica as personagens na superação de passados aprisionantes; teremos também as águas oceânicas como espaço de labuta, resistência, dor, medo e coragem; ainda a água do mar como metáfora generosa da criação humana que é oferecida a quem muito a deseja, ou ainda a revisitação de lugares marítimos dos 50-60 do século XX com os seus contrastes políticos, culturais e económicos. Finalmente, haverá ainda espaço para os espetadores mais novos darem também um mergulho nas aventuras que as profundezas do mar podem trazer.Nesta relação entre o mar e o cinema, destaque ainda para dois assuntos onde a literacia azul ganha destaque. Primeiro o plástico sintético, essa substância prodigiosa que a nossa civilização industrial inventou nos inícios do século XX, produzida em larga escala desde então, e que fomos descartando inconscientemente para o mar, na esperança de que este dissolvesse nas suas profundezas o problema que criámos. Porém, o mar não foi simpático e tem reenviado à proveniência os nossos plásticos, primeiro porque não tinha capacidade para os esconder dentro si, depois, ironicamente ou não, tem-nos devolvido o produto em forma de microplástico, já quase assimilado naquilo que bebemos e comemos. Em segundo lugar, a costa, essa fronteira que supostamente devia marcar sem conflitos o fim da terra e o início do mar, é também um assunto que não é pacífico entre os dois domínios, parecendo que o mar está em guerra declarada às zonas costeiras em muitas latitudes. Contudo, o mar não é um ser dotado de consciência, capaz de fazer esta espécie de braço de ferro em diversos litorais, entre os quais se encontra a costa portuguesa, também reflexo de um problema que deriva de múltiplas razões, e ao qual a 2ª edição decidiu dar também atenção.

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Jorge SeabraUC | CEIS20Coordenação Mar Film Festival

O cais do nosso olhar é a segunda gaveta de Mar Film Festival, que significa abrir um espaço aos realizadores que elegeram a paisagem do mar e da Ria de Aveiro como pretexto fílmico. Se é um projeto que elege como objeto estético uma geografia é, simultaneamente, uma pretensão, a de dar a conhecer todos os autores, desta terra e de outros lugares, idos, em atividade ou por vir, que elegeram estes sítios como espaço central das suas criações. Concomitantemente, a dimensão autoral das obras significa também perspetivá-las na sua temporalidade, ou seja, o olhar sobre o espaço é condicionado pelo tempo em que foi mirado, o mesmo é dizer que O cais do nosso olhar permite aceder a diferentes noções espaciais, logo, as várias autorias cinematográficas transportam uma memória filmográfica destes locais, o mesmo é dizer que este cais do olhar, inserido na sua duração, permite alcançar permanências, variações e ruturas relativamente à conceção identitária do espaço marítimo da região.Finalmente, RiaMar e Novas Vistas Lumière são, até ao momento, as duas competições que a gaveta dos concursos armazena. RiaMar significa estimular os alunos, para já do concelho de Ílhavo, a descobrirem e construírem a sua memória marítima da região, produzindo entrevistas sobre temas previamente definidos, e que são posteriormente submetidos a concurso. Depois de “À pesca num dóri” ter sido o desafio da primeira edição, “Um mar de mulheres” constituiu o mote lançado para a 2ª edição, cujo desiderato consistiu em produzir peças sobre o protagonismo profissional que a mulher desempenha em fainas relacionadas com o mar ou, por outro, conhecer o papel da mulher na retaguarda, na ausência do marido ou companheiro, nomeadamente em situações de dor, luto, solidão e gestão familiar, desafio que se traduziu na submissão de oito entrevistas.

Por sua vez, Novas Vistas Lumière é uma competição de curtíssimas metragens, até dois minutos, semelhantes aos pequenos filmes dos irmãos Lumière dos inícios do cinema, que podem ser concebidos com novos dispositivos de registo ou com aparelhos convencionais. São apenas admitidas obras sem som, ficcionais, documentais ou com ambos os registos, a cores ou a preto e branco e sem movimentos de câmara físicos ou óticos. À semelhança de RiaMar, há um tema definido para cada edição, este ano “O mar, a luz e a sombra”, tendo sido selecionadas 27 obras para disputar os prémios dos quatro escalões etários. Dentro daquilo que é a identidade de Mar Film Festival, Novas Vistas Lumière constitui um exercício fílmico condicionado, que sensibiliza e provoca os concorrentes a recuperarem a identidade do cinema, a ilusão da imagem em movimento, desafiando-os simultaneamente a explorarem outra das suas essências, no caso, a sua capacidade narrativa.Sucintamente apresentadas as linhas da edição 2018 de Mar Film Festival, importa referir ainda que nas gavetas da arca este ano abertas, está também um conjunto de convidados que contribui, com a sua presença, criatividade e saber, para que a presente edição seja apelativa e agradável, e aos quais queria deixar o meu expresso agradecimento: Álvaro Garrido, António Campos, António Pedro Pita, Carlos Coelho, Diogo Vilhena, Joaquim Sapinho, Manuel Costa, Manuel Matos Barbosa, Morag Brennan, Pedro Pombo, Rita Marnoto, Sofia Barata, Steve Harrison, Teresa Rocha Santos.

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O Mar no Cinema é uma das secções do Mar Film Festival, na qual serão exibidas obras ficcionais ou documentais, portuguesas ou estrangeiras, nas quais a relação temática com o mar é um eixo determinante para a compreensão das narrativas.

A presença de realizadores ou personalidades convidadas abre um espaço de reflexão e comentário, em interação com o público, sobre os filmes e sobre o processo que conduziu à sua criação.

O Mar no Cinema

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O Mar no Cinema

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Os plásticos representam mais de 80% do lixo marinho e causam danos aos ecossistemas marinhos. Espera-se que em 2030 a produção de plástico triplique. De acordo com o UNEP até 2050, haverá mais plástico no oceano do que peixes e também cerca de 99% das aves terão plástico entre os conteúdos estomacais. Oitenta por cento do plástico do oceano é devido a atividades terrestres. Existem vários tipos de plásticos sendo dois dos mais comuns o polietileno (sacos de plástico) e o poliestireno expandido (embalagens alimentares).Os microplásticos são partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 mm que estão presentes em vários produtos domésticos, como esfoliantes, e também podem ser formados devido à degradação de partículas de tamanhos maiores. Os microplásticos podem ser ingeridos por organismos aquáticos, entrando assim na cadeia alimentar e representando uma ameaça à saúde ambiental e à saúde humana.Devido à elevada relação superfície/volume e hidrofobicidade dos microplásticos, certos contaminantes, tais como compostos orgânicos persistentes, podem ser adsorvidos por estas partículas de plástico servindo, portanto, como vetor para exposição e dispersão de contaminantes ambientais. Isso também pode resultar na transferência desses contaminantes para organismos em níveis tróficos mais altos e aumentar a possibilidade de bioacumulação de contaminantes adsorvidos e fenómenos de bioamplificação em predadores e, eventualmente, pode afetar a saúde pública.Os plásticos também podem ser uma fonte de compostos disruptores endócrinos tal como bisfenol A podendo causar problemas tais como infertilidade e diminuição das populações.Considerando que, no momento, aproximadamente 50% de material plástico é descartável torna-se essencial a sua monitorização (desde macro até microplásticos) e a sua redução no ambiente marinho. Atualmente existem várias ferramentas disponíveis para mitigar e reduzir a poluição devida ao plástico,

desde medidas preventivas de redução de fontes (por exemplo, legislação), incentivos de mercado, campanhas de consciencialização, estratégias de limpeza, mas ainda não são eficientes. Existem vários organismos/convenções europeias e mundiais constituídas com o objetivo de proteger o ambiente marinho. Em dezembro de 2015, a Comissão Europeia adotou um Plano de Ação da União Europeia para uma economia circular. Neste plano, identificou os plásticos como uma prioridade chave e comprometeu-se a preparar uma estratégia que atenda aos desafios colocados pelos plásticos em toda a cadeia de valor e tendo em conta a totalidade do ciclo da vida. Em 2017, a Comissão Europeia confirmou que se concentraria na produção e uso de plásticos e trabalharia no sentido de garantir que todas as embalagens de plástico sejam recicláveis até 2030.Cerca de 25,8 milhões de toneladas de resíduos de plástico são gerados na Europa a cada ano e menos de 30% desses resíduos são enviados para reciclagem. Deste montante, uma parte significativa deixa a União Europeia para ser tratada em países terceiros, onde podem ser aplicadas diferentes normas ambientais, além do elevado custo associado ao transporte para estes países.Ao mesmo tempo, as taxas de deposição em aterro sanitário e incineração de resíduos de plástico permanecem elevadas - 31% e 39%, respetivamente. De acordo com estimativas da UE, 95% do valor do material de embalagens plásticas, ou seja, entre 70 e 105 bilhões de euros por ano, é perdido após um ciclo de uso inicial muito curto.Face ao exposto, recentemente, a Comissão Europeia definiu a estratégia europeia para os plásticos num contexto de economia circular. Numa visão do que será a nova economia europeia de plásticos e capacidade de inovação encontram-se, entre outras, as oportunidades de negócio ligadas à prevenção do lixo de plástico. Na Europa ou em qualquer outro país do mundo da parte do cidadão comum resta a opção de evitar utilizar plástico descartável, evitar comprar alimentos em recipientes de plástico e de reciclar todos os possíveis artigos de plástico.Aos cientistas cabe a tarefa de procurar soluções para produzir plásticos biodegradáveis e para monitorizar, reduzir e remover os plásticos do oceano. Recentemente, um trabalho coordenado por uma equipa do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro usou o fungo marinho Z. maritimum para remover cerca de 70% de microplasticos de polietileno em 2 semanas. Esta é uma solução ecológica que evidencia pela primeira vez a potencialidade da utilização de um fungo marinho em futuras estratégias de bioremediação para a redução de plásticos em águas costeiras pelo mundo. Portanto este trabalho pode ser considerado um primeiro passo e uma contribuição para a resolução do problema ambiental dos plásticos.

Teresa Rocha SantosCESAM | Universidade de Aveiro

A plastic ocean (2016 102’) GRAIG LEESON

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The story you’ll see at the Sea Film Festival began one summer’s day in Lisbon. My partner,. Morag Brennan, and I were strolling through the Chiado district when we spotted a black and white picture amongst the rack of colourful postcards. When we flipped it over, we were surprised and intrigued to see it was taken in our favourite Portuguese town - Povoa de Varzim.

As luck would have it, we were going to Povoa the following day. So, as soon as we arrived, we started asking the local people what they knew about the photograph. And they told us it was taken by a young French woman who visited the town in the summer of 1956. When we heard her her name, we couldn’t believe it. For they said it was Agnes Varda. Or more appropriately the Agnes Varda - winner of both the Honorary Palm d’or at Cannes and the Oscar. In short, the world’s greatest female filmmaker - and a brilliant photographer and artist, too!

The photograph is itself a work of art.

Your eye is initially drawn to 16 year old Maria de Alivio. She is dressed in black from head to barefooted toe, as she strides purposefully past the crumbling plaster and sun-bleached walls on Povoa’s Rua das Lavadeiras.

But then your attention is drawn upwards to the torn poster featuring the glamorous movie star, Sophia Loren, advertising Lux beauty soap.

As we studied the photograph, the paradox presented by these two beautiful women from two mutually exclusive worlds became obvious. However, as we started asking the locals more questions, we came to realise that their obliviousness to each other was telling a bigger story.

Barefooted Maria do Alivio epitomised Povoa’s fishing community - the Bairro Sul - and a traditional way of life unchanged from generation to generation.

Then there was a very different community represented by Sophia Loren - the modern tourist town built on consumerism and consumption, luxury and leisure.

Separated by 50 metres and hundreds of years

These two places were polar opposites; separated physically by fifty metres, but culturally, economically and socially by hundreds of years.

Yet, for all their differences it became apparent that the two cities had something in common: they were both important and useful to Portugal’s dictator, Dr Antonio de Oliveira Salazar.

Dr Salazar saw Portugal’s fishing communities as a microcosm for the ideal society. Through propaganda channeled primarily via the education system, popular culture and magazines like Jornal do Pescador, his regime set them on an heroic pedestal. And foremost amongst these paragons of pre-modern virtues were the people of Povoa’s Bairro Sul.

As for the tourist town well, as I learned, that was the face of a prosperous Portugal that Dr Salazar’s Estado Novo regime was keen to show the world.

A postcard from a dictator

We realised that by exploring the city of Maria do Alivio and the city of Sophia Loren, we could get not only a glimpse of a Portugal that now barely exists but also a clear picture of life in Povoa de Varzim under Dr Salazar’s dictatorship.

We could look beyond the romanticised version of the life led by the dirt poor people of the fishing community and, through the stories of the elderly of the Bairro Sul, understand a way of life that is as alien to us today as that of peasantry of the middle ages.

In so doing, we could listen to contemporaries Maria do Alivio and see the special role accorded to women in that pre-industrial society. Then, from that starting point, we could explore the cultural chasm that separated the people of the fishing from the other people of Povoa. And find out why their neighbours treated the fishing people with such disdain while Dr Salazar himself accorded them only respect and admiration. As for the City of Sophia Loren, we could see how its growth and increasing prosperity accelerated the pace of change and widened hidden fissures in Dr Salazar’s supposedly monolithic state. We could also hear from those who harboured social and economic aspirations, and see if they were able to challenge the status quo.

Um conto de duas cidades (2017 85’) MORAG BRENNAN E STEVE HARRISON

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And, as for those who actively opposed the regime, we could get an insight into the unique nature of repression as practised by Estado Novo, learn what it was like to live in fear of the dreaded secret police, and discover what happened on that historic day when clandestine resistance became open opposition on the streets of Povoa de Varzim.

Starring the people of Povoa de Varzim

As you will see, this Tale of Two Cities is told by those who lived there in the late 1950s. We could not have made this film without the kindness and support of the people who shared their memories with us. The whole town seems to have united together to help us bring this film to the screen. Not only those who have told their stories but also the members of the community and the Municipality.

Foremost amongst these have been Jose de Azevedo, the leading authority on the fishing community of Povoa de Varzim. Manuel Lopes de Castro, who has shared with us the wonderful film of Povoa de Varzim that his father shot in 1962. Manuel Costa, the Director of the town Library who introduced us to many of the people who we interviewed, allowed us access to the Library’s extensive photographic archive, and from the very beginning gave us invaluable guidance. And finally Pedro Morim who gave us access to the wonderful collection of photographs that were shot in the 1950s by his father Neca Morim.

We hope our film has done justice to their generosity - and the faith they have shown in us.

Steve Harrison

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Na soberba longa-metragem Deste lado da Ressurreição (2013) de Joaquim Sapinho, o surfista, um magnífico jovem, torna-se num monge durante o processo de luto pelo pai falecido. O filme negoceia as memórias do pai, a paixão pelo mar e pelas ondas, bem como a sua vocação espiritual. Uma misteriosa narrativa opera continuamente entre estas paixões que despertam as memórias da queda e a alegria da ressurreição de uma espécie de futuro perfeito. As chamas da paixão de Cristo são inseparáveis da transparência das ondas do Guincho. É estabelecida uma conexão atemporal entre estas duas esferas, que levam a que o espectador se aperceba de que a beleza é tanto a cerimónia sagrada como a violência intempestiva que emana dos gestos mais perigosos. Mas o espectador existe no tempo que pertence à história distante deste jovem cuja aparência é mais metafísica do que real.

As cenas deste filme não são uma fantasia mas uma composição criativa na qual as experiências corporais mais íntimas e a memória colectiva são inseparáveis. Não é verdade que qualquer ser vivo passa por peripécias acrobáticas quando se torna criador? Como no surf, o balanço de uma vida num equilíbrio instável, que na superfície da água e das ondas, nos leva inexoravelmente a um destino enigmático, que é tanto um naufrágio sombrio como uma ressurreição luminosa.

Estas imagens já são parte de uma narrativa invisível, de um filme que está a ser imaginado. Não são fantasmas de um mundo desaparecido, mas de um mundo que vem, em perpétua formação. Poderíamos fazer uma analogia com a caverna de Platão, apesar de neste caso a luz vir da matéria e dos gestos e não de uma radiação solar, real ou metafísica. O mundo das ideias não é uma morada distante, mas pelo contrário, o lugar real e imanente da mais opaca substância dos corpos e da matéria mais densa. A última palavra vai para a inventividade, para a abertura ao que se pode manifestar a qualquer momento na imaginação do artista. Ou seja, um verdadeiro compromisso com a materialidade dos gestos inscrita num espaço concreto, limitado e gravitacional, expande-se sobre a metáfora da criação artística. O invisível nasce do visível e não deve nada à imaterialidade...

Marie-José Mondzain

Deste lado da ressurreição (2011 116’) JOAQUIM SAPINHO

CRUZAMENTOS: Descida para a luz

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Arte al agua. Los bacaladeros de Terra Nova (2017 102’) OLIVIER VAN DER ZEE

todo o filme e servem de lastro às imagens de sítios e lugares colocados entre dois mundos: o porto basco de Passages, muito próximo de San Sebastian, onde ficavam as instalações do grande armador espanhol, a PYSBE, e os bancos da Terra Nova, a mil e oitocentas milhas de distância. Os bous e parejas da frota franquista tornaram-se símbolos de um empreendimento político nacional, fortemente apoiado pela ditadura franquista que, nos anos quarenta, criou um dispositivo de crédito naval destinado a renovar a frota e a substituir importações debaixo da lógica fascista de autarquía. Milhares de pescadores galegos das rias baixas e da costa da morte andaram ao bacalhau rogando pragas ao caudilho que, afinal, só lhes trouxera dois caminhos: passar fome vivendo da pesca artesanal nas comunidades onde tinham nascido, ou ir à Terra Nova anos a fio para dar sustento às numerosas famílias.A narrativa fílmica de Van der Zee assenta em testemunhos humanos desta natureza, nas inquietações e vivências dos últimos pescadores-marinheiros que fizeram do grande banco da Terra Nova o seu lugar de drama e de heroísmo. Os pontos de referência do filme relacionam-se, em primeiro lugar, com as privações humanas vividas pelos marinheiros e, em segundo lugar, com os porquês do fim da grande pesca, em boa parte relacionados com a biopolítica dos recursos e do próprio Direito do Mar. O filme não deixa escapar os traços fortes dos testemunhos individuais e coloca em evidência os aspectos comuns aos relatos dos marinheiros: as condições de trabalho a bordo, a dureza dos dias e as mortes por acidentes de trabalho, fosse devido aos ciclones, fosse por causa do embate com os gelos flutuantes ou por incúria dos homens, vencidos pelo cansaço.Desapareceram os navios, mas ficaram os homens e as suas memórias. Para lhes dar voz e maior autenticidade às imagens, o realizador socorreu-se de pequenos filmes em super 8, feitos a bordo pelos próprios tripulantes, como era hábito nos anos sessenta e setenta, quando se percebeu que aquele modo de vida teria os dias contados.O gosto de van der Zee pela realização de documentários dedicados a temas fortes do imaginário colectivo das Espanhas – é dele o impressionante Encierro (2013), filme em 3D sobre as corridas de touros em Pamplona – e o seu talento estético exploram bem o carisma de alguns dos últimos homens que foram à Terra Nova.Sem alimentar passadismos nostálgicos, o realizador mostra ter sabido ouvir os homens do mar e apresenta uma selecção de testemunhos e de imagens particularmente rica e acompanhada por uma excelente locução. Mais importante do que fazer o culto da grande perda que significou o fim da pesca na Terra Nova que deu sustento a milhares de pescadores galegos e bascos, este filme convida-nos a valorizar essa herança patrimonial e a participarmos na pluralização das respectivas memórias. Apresentar e discutir Arte al Agua no Museu Marítimo de Ílhavo, a instituição que mais e melhor tem participado nesse esforço, tem um significado exaltante.

Álvaro GarridoProfessor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Consultor do Museu Marítimo de Ílhavo.

A pesca do bacalhau é uma aventura humana cujas imagens oscilam entre a épica e o drama. Praticada desde os séculos XV e XVI nos mares setentrionais, em especial no grande banco da Terra Nova por portugueses, galegos, bascos e bretões, a grande pesca adquiriu um estatuto lendário. Conhecê-la através de imagens em movimento é uma boa forma de tomar contacto com esse mundo distante, mitificado e ao mesmo tempo muito humano, profundamente belo. Num registo sintomático dessas polaridades, um pescador galego que depõe neste filme invoca sem descontinuidades a beleza da navegação entre icebergues e, de seguida, a dureza do trabalho a bordo, da pesca à escala e salga do peixe. Para as pessoas que nunca andaram ao mar, as viagens ao bacalhau continuam a ser uma história sombria, vagamente conhecida. Para outras, é apenas uma saga primitiva, um trabalho humano que naturalmente prescreveu e que o tempo apagou. Por seu turno, nas comunidades marítimas a pesca do bacalhau dos tempos áureos - quando havia peixe, navios e pescadores, até aos anos setenta do século XX - é intensamente disputada nas suas versões memoriais, em particular pelas elites náuticas e, mais recentemente, pelos descendentes dos velhos pescadores. Nos países onde a pesca transoceânica do bacalhau é considerada uma herança cultural lendária não há, porém, uma produção cinematográfica expressiva sobre o tema. Há bons filmes em França, uns poucos em Espanha e alguns em Portugal, aqui e ali demasiado preocupados com a fidelidade do relato histórico ou ainda presos à mitografia inculcada pela ditadura de Salazar. Volvido o tempo dos primeiros documentários sobre o tema, produzidos nos anos oitenta e noventa quando a navegação e a pesca ainda mantinham traços da época áurea, só agora o interesse pela grande pesca redespertou e deu origem a bons argumentos de filmes, em boa parte assentes em micro-histórias.Estreado em 2017, o filme documental do holandês Olivier van der Zee é uma boa proposta de leitura do universo sombrio da grande pesca. Os trabalhos da memória, de uma memória humana transmitida no singular, organizam

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Produzido pelo Município de Sines, com realização de Diogo Vilhena e produção e assistência de realização de António Campos o documentário “Mar de Sines” procurou combinar uma perspetiva histórica e etnográfica com uma abordagem estética. A banda sonora original foi composta por Charlie Mancini e teve a participação de músicos da região, potenciando assim a vertente criativa e artística da própria comunidade local.

Durante cerca de um ano, a equipa de campo percorreu o território do concelho de Sines, viajando de sul para norte, escutando as suas gentes e recolhendo as memórias das suas vivências ligadas ao mar e as suas atividades no presente. Daí resultaram 250 horas de gravadas, reunindo os testemunhos de três gerações de pescadores que conhecem como poucos o mar do sudoeste português: aquilo que oferece e o que reclama; o seu encanto e a sua dura realidade. Esta viagem permitiu registar elementos que existem atualmente no limiar da sobrevivência, como seja a última traineira em madeira de Sines e os últimos alcatruzes de barro, os quais irão tendencialmente desaparecer, substituídos por novos materiais e novas técnicas. Numa comunidade onde se cruzam culturas, nacionalidades e gerações, descobrimos os protagonistas de uma pesca baseada nas artes tradicionais e no respeito pelos recursos. O porto de pesca da cidade de Sines e os seus intervenientes preencheram o núcleo principal do filme. Mas o “Mar de Sines” navega também para outros territórios: encontrando os últimos pescadores cabaneiros de São Torpes; percorre a costa rochosa com os mariscadores; escuta as memórias dos pescadores do alto; voa sobre as paisagens da Ilha do Pessegueiro. O mar foi o denominador comum a todos os protagonistas do filme. Este mar é simultaneamente o adversário a enfrentar e a figura paternal que dá o sustento. O filme parte à procura das estratégias que estas comunidades adotaram para viver de um meio inacessível e inóspito. Este documentário envolveu mais de 2000 pessoas com o mesmo propósito. Estabeleceu-se uma ideia de cinema com a comunidade que propôs às pessoas fazer parte de uma obra, não como objeto, mas como intervenientes, identificando-se com ela, reconhecendo-a e valorizando-a, mostrando a sua casa, o seu trabalho e disponibilizando o seu tempo em prol de um projeto único.A ideia de retrato foi sempre um elemento presente em todo o percurso, tendo especial importância no momento de montagem do documentário, de forma a criar um discurso autêntico, capaz de representar fidedignamente a multiplicidade de realidades vividas nesta costa. Nesse sentido, foram os testemunhos individuais de cada membro da comunidade, que quando agregados, permitiram criar uma narrativa coletiva, terminando a uma só voz.

Diogo Vilhena

Sines, complexo industrial e porto atlântico. Os contornos dos grandes navios no horizonte já se tornaram uma imagem familiar. Mas por entre estes gigantes resistem as gentes que representam a pesca tradicional e resiliência de uma atividade que teima em resistir à passagem do tempo. Entre tradição e inovação, a pesca continua a ser em Sines uma força viva.Este património humano é uma das maiores riquezas de qualquer território. Consciente deste facto, o Município de Sines tem vindo, ao longo dos últimos anos, a apostar na identificação, investigação e valorização deste património, com projetos como “Redes do Tempo” do Museu de Sines e “Mosaico das Memórias” do Arquivo Municipal de Sines, procurando através do registo da memória oral dos sinienses conhecer melhor a história e património do concelho. Neste contexto destaca-se o projeto internacional “Celebração da Cultura Costeira”, concluído em 2010 e do qual a autarquia foi parceiro. Este visou a formação de “inventariantes locais” – guardiões do património marítimo das comunidades costeiras envolvidas.A proposta para o documentário “Mar de Sines” foi observar esta comunidade, a qual representa uma parte fundamental da identidade local. Este foi o ponto de partida para construir um projeto sustentado na recolha da memória oral, que visou mostrar a faina pesqueira, um trabalho que permanece invisível e inacessível para a maioria das pessoas. Esta memória, narrada na primeira pessoa, e o registo das vivências deste mar por quem dele viveu e vive, foi o principal motivo para fazer este filme, o qual contou com o apoio financeiro do programa PROMAR e obteve a colaboração de mais de 30 instituições públicas e privadas.

Mar de Sines. A resiliência das gentes do mar (2016 71’) DIOGO VILHENA

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O cais do nosso olharO Cais do nosso olhar é uma secção do Mar Film Festival, que visa mostrar e debater como é que o espaço marítimo da região de Aveiro tem sido utilizado como elemento criativo no domínio do cinema e, simultaneamente, dar a conhecer realizadores com obras sobre a temática.

Na edição de 2018, o cineasta escolhido é Manuel Matos Barbosa, autor de obras sobre a Ria de Aveiro, algumas das quais exibidas e premiadas internacionalmente.

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O cais do nosso olhar

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Manuel Matos Barbosa

Companha (1967 20’)Moliceiros (1961 10’)A Ria, a Àgua, o Homem (2010. 6’)Filmes do autor em exibição no Mar Film Festival 2018

Matos Barbosa foi contemporâneo e amigo do realizador Vasco Branco (homenageado na edição de 2017), sendo ambos conhecidos como membros do designado grupo de cineastas de Aveiro. O realizador estará presente no festival durante a exibição das suas obras.

Fascinado pela imagem em movimento desde a infância que passou em Oliveira de Azeméis, foi conhecendo, através do cinema local, atores e filmes que aí eram exibidos. A entrada no cineclubismo permitiu-lhe o acesso a revistas como Cahiers du cinéma, Cinéma 58, Positif e, mais tarde, a ligação ao Cinanima e ao festival de Avanca foram e têm sido alicerces importantes na sua relação com o cinema.

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Anos quarenta do século passado. Na pequena vila de O. Azeméis o cinema era, como em tantas outras terras o divertimento único. Não será de estranhar que seria também um dos frequentadores. Foi isso que aconteceu. E bem cedo.Um nosso vizinho era o proprietário do cinema local e dada a circunstância de que casado sem filhos, eu passaria a ser companhia de sua esposa. Sem as restrições de classificação que chegariam muito mais tarde via tudo, é claro que sem muitas das vezes compreender, mas tornei-me num viciado das imagens. Não guardo muitas lembranças do que vi, mas fascinava-me tudo o que via uma janela aberta para um mundo diferente.Lembranças dos filmes do Tarzan, como se dizia na altura, de Charlot, os musicais da Metro, os policiais americanos o dito cinema negro, e uma vez por outra aparecia um filme longo da Disney. As curtas de Tex Avery e outras deslumbravam-nos. O gosto que tinha pelo desenho faziam-nos pensar como eram feitas tais peliculas. Mas quem nos poderia explicar?

No fim do curso dos liceus pensei que poderia seguir um dos ramos das artes plásticas, mas o rigor familiar que não via nesse desejo bons desígnios, iria “atirar-me” para o comércio familiar. O “bichinho” ficaria no entanto.Aparece um cine-clube. Motivou-me e tornei-me dirigente. O cinema italiano, francês, inglês do pós-guerra, a consulta de livros e revistas como Cahiers, Cinema 58, Positif, Filme Ideal, livros sobre os autores dos filmes foram descobertas enormes. Ainda hoje as revejo com saudades. A compra de uma pequena câmara levar-me-ia a tentar o documentário.Aproximação ao cinema dito de “amador”, dirigente federativo, membro de Júris, foram intercalando com a realização de pequenos ensaios de cinema. A ligação a importante festival de cinema de animação, Cinanima, e ao festival de Avanca tem sido constante.Da relação estabelecida com outros autores que haviam “rompido” com o chamado “filme-família”, nasce um pequeno grupo que teria importância no movimento do cinema não-profissional. Anos 60/80: o Grupo de Aveiro como seria conhecido. Vasco Branco, Manuel Paula Dias e nós próprios iriamos formar esse grupo. As nossas gentes a nossa região foram constantes assuntos que trataríamos…Encontrei no cinema a necessária forma de expressão, quer plástica quer documental, que ainda hoje continua presente.

Porquê o Cinema?Manuel Matos Barbosa

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Novas Vistas Lumière

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Novas Vistas Lumière

Um plano, dois minutos, um prémio. Assim se resume o concurso Novas Vistas Lumière, uma competição de curtíssimas metragens, inspirada nos filmes dos irmãos Lumiére, realizados no início da arte cinematográfica.

Mantendo as caraterísticas das Vistas Lumière, foram admitidas a concurso todas as obras com duração até dois minutos, de um só plano, a preto e branco ou a cores, sem som, sem movimentos de câmara físicos ou óticos, ficcionais, documentais, ou com ambos os registos, produzidas no ano anterior ou no ano em que se realiza o Mar Film Festival.

Trata-se de um desafio criativo, porque impede os concorrentes de utilizarem algumas das possibilidades tecnológicas dos meios atuais, obrigando-os a concentrarem-se apenas na componente narrativa que a imagem em movimento contém.

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Novas Vistas Lumière

Filmes selecionados a concurso

Prémio Vista Lumière Jovem (12-15 anos)

A vida é como uma maré… vira da noite para o diaDALILA RODRIGUES

A lei da saudade é a morteJOÃO VIEIRA

Um oceano, dois mundosTOMÁS VIOLA

Prémio Vista Lumière Jovem (16-18 anos)

O passar do diaDANIELA CARAMAN

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SangueFRANCISCO CARDOSO LIMA

By the seaJAIME NEVES

ResplandorMARIA AUXILIADORA

ImpressionismoPAULO CORCEIRO

À espera do pior…PAULO LUCAS

À derivaChamo-teCATARINA ROCHA

CalorFÁBIO LUCINDO

Tempestade Santo AndréTraineiras de luz, Mar de sombraFERNANDA AZUAJE

VoltaFRANCISCA CARDOSO LIMAJOÃO NETO

EsperaFluxoHENRIQUE VILÃO

Ray of lightLIZA ARANIBAR

O mercadoO homem na sombraMARIA LOPES

ClandestinoMIGUEL JOSÉ PEREIRA

SaudadePEDRO MILHEIRO

MilhasRAFAEL CALISTO

A despedidaRUI PINAMARIA LOPES

Entre norte e sulSOS SARA CARNEIRO

No silêncio, a luzTIAGO DAMAS

Prémio Vista Lumière PRO (+36 anos)

Prémio Vista Lumière Jovem (19-35 anos)

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RiaMar

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RiaMar

RiaMar é uma competição que tem como objetivo distinguir uma entrevista em vídeo, realizada por turmas do 3.º ciclo dos agrupamentos escolares do Município de Ílhavo, alusiva a um tema previamente definido. Este trabalho visa promover a interação com gentes, memórias e profissões marítimas da região.

A entrevista pode adquirir um caráter mono ou interdisciplinar, de acordo com o guião orientador, com supervisão dos professores do conselho de turma.

Na edição 2018, o concurso RiaMar terá como tema “Um Mar de Mulheres”. O objetivo é conhecer, através das entrevistadas, a retaguarda familiar, nomeadamente a vivência da ausência, a dor, o luto, ou, por outro, situações de protagonismo profissional desempenhado por mulheres nas fainas do mar.

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Trabalhos submetidos a concurso:

Memórias da Avó Zulmira7º B | Gafanha da EncarnaçãoAlunos:Carolina TorresInês PereiraFilipe RochaCoordenação: Helena ValadaresEntrevista: Avó Zulmira

Um mar de mulheres8º A | Gafanha da EncarnaçãoAlunos:Luísa VilarinhoBeatriz do BemCoordenação: Isabel Ançã e Judite TeixeiraEntrevistas:Ti Céu VechinaCidália RibauTi Nita (Maria Olívia)Graça Mariana

Entrevista à Tia Rosa8º C | Gafanha da EncarnaçãoAluno:João Pedro VeigaCoordenação: Isabel AnçãEntrevista: Tia Rosa

Entrevista a Luísa Patela9º A | Gafanha da EncarnaçãoAlunos:Inês SilvaMariana RibauCoordenação: Isabel AnçãEntrevista: Luísa Patela

Entrevista a Dona Maria dos Anjos9º D | ÍlhavoAlunos:Carolina DamasJuliana PereiraMaria João AdãoAna Carolina OliveiraCoordenação: Maria de Fátima GodinhoEntrevista: Maria dos Anjos Marieiro Santana

Entrevista9º B | Gafanha da EncarnaçãoAlunos:Inês GramataFrancisca AlmeidaCoordenação: Judite TeixeiraEntrevista: Maria Filomena Graça

9º C | Gafanha da EncarnaçãoAlunos:Beatriz AlmeidaJoana AmaranteAndré BaltazarRafael CasqueiraCoordenação: Judite TeixeiraEntrevista: Maria Acelina

Um mar de mulheres. Tantas mulheres, tantas fainas8º A | Gafanha da NazaréAlunos:André AlmeidaCarolina RibauCatarina BritoDalila RodriguesDiana FerreiraDiana MaiaFábio MarquesGetrude José SáLara LopesLea ReisMaria Francisca AguiarMaria TavaresSara PomboCoordenação: Maria Amélia Pinheiro e Maria Paula ReisColaboração:Carlos BucoCarolina EstanqueiroJoana RibeiroJorge TavaresRita PortasEntrevistas:Alexandrina SantosBenedita FernandesFátima VianaGraça MariaJúlia EstanqueiroLúcia PomboMaria Assunção

RiaMarum mar de mulheres

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“Bonjour ma soeur, comment allez-vous?”

Quando de manhãzinha cedo começava o dia, dizia aos da casa, Bonjour ma sœur, comment allez-vous? É certo que as filhas sabiam francês. Mas era um paradoxo que da boca daquela mulher espadaúda e de pés grandes, tó-tó e lenço na cabeça, como mandavam os costumes, sempre dobrada sobre cartuxos de compras, listas de despesas e bolsas com pão e folares, enquanto ia espevitando a máquina a petróleo, saísse aquele francês escorreito. Dizia-o com o mesmo tom de voz seguro com que, quando era moça, comandava o banho na Costa e remava o bote. Era uma das três filhas do banheiro Matias, que tinha mais outros dois filhos, rapazes, o Manuel e o Amândio. O Manuel foi para capitão, o Amândio para padre. Com futuro. Das raparigas, ela era a mais nova e cedo percebeu que o futuro dela era o que ela fizesse.João Fernandes Matias pertencia à primeira vaga migratória de Ílhavo para a Costa Nova do Prado. Percebera bem que o higienismo e os hábitos de villeggiatura iriam oferecer grandes oportunidades a quem conhecesse bem o mar e fosse capaz de entender os hábitos da gente fina que no Verão ia a banhos. Com sorte ou com arte, saiu-se bem, e ganhou a confiança das Senhoras do Norte, uma clientela exigente, mas de boas contas. Assim conseguiu juntar umas economias que lhe permitiram melhorar o palheiro e alugar quartos. A bóia de banheiro pendurada nas tábuas atraía forasteiros e as rendas foram um desafogo para a família. Contudo, tudo isso ocupava o tempo. Valia a João Fernandes Matias aquela filha espadaúda e de pés grandes que em alturas de maior trafego punha as bandeiras, guardava a praia e dirigia o banho com voz segura. Ganhou o primeiro lugar, logo ali, na prova de natação na ria.Não era só francês que sabia. “Simão relê as cartas de Teresa, abre os envoltórios de papel que encerram as flores ressequidas, contempla o avental de linho, procurando os visíveis vestígios das lágrimas”. “Não me mates, Maria, que sou tua mãe”. Era um nunca mais acabar de tiradas camilianas, sem que se pudesse perceber o motivo daquele desempenho cénico em pose tesa, a recitar cenas de faca e alguidar. De tarde, levava os fascículos avulsos dos romances de Camilo Castelo Branco que ia comprando conforme as posses e uma cadeirinha para o beco da Fontoura. Vinham as vizinhas com as cadeirinhas delas, faziam uma roda à volta e ela lia com a mesma convicção de quem comandava o banho das Senhoras do Norte.Aprendera a ler, a fazer contas e alguma coisa de francês com as irmãs franciscanas de Cimo de Vila, que eram falantes nativas e tinham uma escola para crianças necessitadas. Depois veio a República e os maçónicos expulsaram as pobres de Cristo. Passou a ser, para o resto da vida, o pior dos piores impropérios, lançados contra alguém, arquivado na sua enciclopédia lexical, chamar maçónico a alguém.

O resto da sua biografia está no livro de registos e de contas que foi o timão de uma travessia a pulso pelo caminho desta existência, com os seus pés grandes. Sem ir para o seminário como o irmão Amândio, nem para a escola náutica como o Manuel, serviu-lhe bem aquela prática de registo e descrição precisa e aquele sistema algébrico que depois veio a aplicar ao cálculo de câmbios e de juros de capitais. Tudo aprendido com as irmãs franciscanas. Também o Bonjour ma sœur, comment allez-vous? E tudo gravado num livro de capas castanhas já muito gastas, com nódoas de humidade nas pontas de tanto conferir e folhear, com páginas rasgadas e estampas de nosso Senhor e outros papéis soltos intercalados.Engana-se quem nele esperar encontrar emoções. São listas de datas de partidas e de chegadas, listas de nomes de portos de todo o continente americano, listas de pertences. Com mais detalhe, as datas do nascimento das filhas, que têm a hora, e que são acompanhadas das listas de prendas, com o preço das dádivas, e dos nomes das amigas que a visitaram.

“Chegou a Saure vindo da America do Norte no dia oito de Novembro numa quartafeira do anno de 1916. […] Casámos no dia 2 de Dezembro, sendo padrinhos de casamento Amandio Fernandes Mathias e Rosa Pereira Galante Malaquias. Depois de trez mezes de casados saíhu para America no dia 5, neste mesmo dia foi para Lisboa no Comboio das 9 ½ horas da manhã e só sahíu o paquete no dia 10 de Lisboa. Nasceu minha filha primeira as 5 ½ horas da manha dia 27 de Novembro de 1917. Pessoas que nos estimaram […].”

“Chegou do Brazil no dia 17 de Agosto de 1923 e partiu para lá no dia 13 de Janeiro de 1924. Nasceu minha segunda filha no dia 29 de Agosto meia hora depois da meia noite.”

— escreve em grafia canónica para a época.João Pereira da Silva tinha tirado a carta de Arrais no Amazonas e trabalhava como marinheiro onde quer que houvesse que fazer para dois braços. Brasil, Glaucester, Brooklin. Para ela, tudo aquilo devia ser mar. E basta.

“No dia 8 de Agosto chegou da América João Pereira da Silva e entregou-me 200.000”. Responsabilidades de monta, ter dinheiro na mão e saber bem o que fazer com ele.Primeiro tem algumas dívidas a pagar. Depois, passa a controlar depósitos e juros. As listas de bens vão aumentando. Das bacias de esmalte e das colheres de sopa passa-se à fruteira, ao relógio de parede e às colheres para refresco. E na lista de despesas surgem as rubricas “um livro para a menina”, “mestra da menina”.

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O passado é uma viagem fascinante. Descobrir ou reencontrar o lugar de onde viemos, as pessoas das quais descendemos é uma aventura que nos leva a mergulhar nas memórias pessoais, nos baús das recordações à procura de uma imagem, de um nome, de uma data que nos permita escrever a nossa história. Mas as memórias tendem a escapar-nos, deixando esquecidas informações mais recuadas como o nome dos trisavós ou tetravós, datas de nascimento e de casamento, as ruas onde esses antepassados moraram ou as profissões que foram exercendo durante a vida.Os historiadores são profissionais destas viagens e detêm ferramentas que lhes permitem localizar e abrir outras caixas, recuperando a informação que se julgava perdida. Partindo das informações que as memórias individuais e coletivas vão fornecendo, coletam e tratam informações provenientes dos vestígios que a vida de outrora foi deixando. Este foi o ponto de partida do projeto Construir Genealogias, Conhecer Gerações que a Câmara Municipal de Ílhavo, a partir do seu Centro de Documentação, tem vindo a promover desde 2014. Este projeto visa transcrever e estudar dos registos paroquiais (batismos, casamentos e óbito) para, desta forma, reconstruir as famílias que constituíam a comunidade ilhavense entre 1854 e 1910. O objetivo é criar uma grande base de dados, aberta à consulta pública, com as informações mais relevantes sobre os ilhavenses da segunda metade do século XIX e início do século XX – datas de nascimento, casamento, morte, nome de pais, avós, bisavós, tetravós, nome dos cônjuges, identificação de filhos, netos e bisnetos, lugares de morada, profissões e cargos exercidos ao longo da vida, etc., ou seja, permitir que a comunidade reencontre de forma fácil informação, cientificamente validada, sobre o seu passado, preenchendo os vazios que as memórias familiares normalmente não conseguem completar.Para além dos percursos individuais, esta base desvenda-nos a evolução da comunidade em termos demográficos e espaciais: como fomos crescendo em números populacionais, ocupando novos espaços, criando novas dinâmicas económicas e sociais dentro do concelho, mas também noutras geografias, pois os fenómenos migratórios, desde cedo, acompanharam a evolução da população de Ílhavo, tendo especial incidência na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.A recuperação de informações sobre as gentes do concelho permite, acima de tudo, ter um instantâneo, uma fotografia (um pouco desfocada é certo, porque ainda estamos a consolidar e corrigir as informações que vamos introduzindo na base de dados) de Ílhavo neste período decisivo para a sua afirmação. Desde meados dos anos 30 do século XIX que o concelho se encontrava em transformação - em 1835, o território

A administração dos dinheiros que ‘João Pereira da Silva lhe entrega’ nada deixa ao acaso.Talvez fosse mais do que a voz que comandava o banho a dar o tom seguro daquele Bonjour ma sœur, comment allez-vous? Talvez fosse também uma ponta de orgulho ferido perante aqueles maçónicos que não a deixaram aprender mais. Se não aprendeu mais, soube tirar proveito do que sabia.A menina continuava nos estudos. Numa folha solta, meia rasgada, intercalada no livro, lê-se:

“Caderno de vocabulário latino.Pertence à alunaMaria Fernandes Pereira da Silva

AAb, abs e a, preposição, «de». Esta preposição designa a origem de movimento no espaço e no tempo; desta significação primitiva vi é que vieram as significações derivadas. Esta preposição rege ablativo.”

Nada se perde. Nem o espaço em branco que havia no verso da folha, que ela aproveitou para o resumo das contas de 1929 e de 1930. Em 1919 as despesas da casa foram de 310$90 e no de 1930 de 645$70. Somam 965$60 escudos. Aquele ablativo latino a reger a preposição a, ab, que indica origem, não lhe devia dizer nada. Nem devia saber que o francês vem do latim. Havia uma página em branco e aproveitou-a para as suas contas. Mas afinal tudo tinha começado no dia em que aprendeu a pronunciar Bonjour ma sœur, comment allez-vous?

Rita MarnotoUniversidade de Coimbra

Um mar de mulheres num mar de memórias

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pertencente ao extinto concelho da Ermida passou a fazer parte do concelho de Ílhavo e, um ano depois, em 1836, foi a vez dos limites concelhios perderem os lugares de Verdemilho e de Sá que passavam para o concelho de Aveiro que há muito os reclamava. Mas a comunidade crescerá, sobretudo, em gente e em espaço com a inclusão das Gafanhas, Costa Nova e Barra no concelho, entre os anos de 1853 e 1855. Este incremento espacial traduziu-se, também, num significativo incremento de população. Se em 1758 o território ilhavense contava com cerca de 5046 habitantes, um século depois, em 1864, já contabilizava 8215 habitantes. Mas o crescimento mais relevante aconteceu nos alvores do século XX - em 1900 o concelho tinha cerca de 12617 habitantes.Para além do crescimento populacional, o território foi-se modernizando: em 1824 foi criada a fábrica da Vista Alegre, os estaleiros e a construção naval conheceram um incremento importante, sobretudo nas últimas décadas do século XIX. As infraestruturas acompanharam, também, o progresso verificado a nível nacional através construção de estradas (ligação Aveiro/Figueira da Foz que atravessava a localidade (atual N109), ligação ao concelho Vagos, ligação à Gafanha da Encarnação), da construção de pontes (Jucal Ancho - 1863; Água Fria - 1873) e do incontornável Farol da Barra, concluído em 1893.Ílhavo é, nestes finais do século XIX, uma terra de jornaleiros e lavradores (entre 1895 e 1898, mais de 45% da população masculina estava ligada a ocupações ligadas à terra), mas progressivamente vai-se tornando uma terra de marítimos, de homens que, geração após geração, escolhem a faina da pesca, e especialmente da pesca do bacalhau, ou a atividade na marinha mercante como profissão (em 1895, os marítimos e os pescadores representavam cerca de 33% das profissões masculinas). Homens que deixam para trás uma comunidade cada vez mais feminina, de jornaleiras, lavradoras, às vezes pescadoras, mas sobretudo de governantas de casa – mulheres que gerem os recursos, a criação dos filhos e as ausências masculinas durante longos períodos do ano, ou durante anos, criando no imaginário local a imagem de um mar de mulheres a quem o mar leva os homens. Mulheres de fibra, mulheres de iniciativa, mas sobretudo mulheres autónomas. O que nos dizem as fontes sobre estas mulheres? Tomando como referências os censos dos finais do século XIX, sabemos que a maioria são analfabetas (apesar de existirem 6 escolas primárias no concelho, a taxa de analfabetismo geral, em 1890, cifrava-se nos 81%, sendo que a taxa de analfabetismo feminino era superior, rondando os 87%) e que, quando tinham oportunidade de estudar, normalmente ficavam pelo domínio básico da escrita e da matemática que lhes permitia assinar o nome nos registos paroquiais, mas sobretudo nas escrituras notariais, quando era preciso vender ou comprar. Poucas vão mais além, embora registemos a presença de professoras primárias, muitas das quais marcaram gerações como a D. Alice Nunes Vidal Corujo (n. 1883) ou a D. Silvina Augusta da Maia Catarino (n. 1878), professoras oficiais do ensino primário no concelho.

Como referimos, a maioria das mulheres é identificada como governanta de casa. No entanto, quando olharmos a população mais ligada às atividades da terra, encontramos muitos casais de jornaleiros e de lavradores – o sustento da casa é, nestes casos, assumido como uma tarefa do casal.As mulheres, no início de século (tomemos como referência o ano de 1910), casavam em média aos 24 anos e morriam em média ao 54 anos, sobrevivendo, muitas vezes, aos maridos, mas também à morte de muitos dos filhos pequenos – os índices de mortalidade infantil e infantojuvenil relevam-nos a fragilidade da existência nos primeiros anos de vida (em 1864, a taxa de mortalidade até ao primeiro ano de vida rondava os 38,6 por milhar de habitantes; em 1900 desceria ligeiramente para 37 por milhar). Por isso, e apesar do número elevado de filhos, as famílias não são tão alargadas como poderíamos pensar - quase todos agregados familiares viram filhos partir precocemente. Filhos que nascem em casa, pela mão de parteiras experientes que ajudam as mulheres a atravessar esse momento delicado do parto e que, em situações mais dramáticas, batizavam em emergência os recém-nascidos em risco de vida, como tantas vezes o fez Rosa do Véu que, entre 1900 e 1909, batizou, nestas circunstâncias, 24 crianças, cujo parto acabara de realizar.Mas sobretudo, as fontes mostram-nos que as mulheres vivem e gerem o seu quotidiano em ‘microcomunidades’ cujo horizonte é, na maioria das vezes, o da rua ou no beco onde se nasceu e cresceu, onde se arranjou marido, onde se criaram os filhos, onde procurou consolo para as perdas e soluções para as dificuldades e onde se foram gerindo, na convivência com outras mulheres, as ausências masculinas temporárias ou definitivas. Esta parece ser a história de muitas mulheres, mulheres como Maria de Jesus, a Gaivotinha, filha de José Cachim e de Rita de Jesus, nascida em 1898, na rua da Capela, onde inicialmente os seus pais moraram (mais tarde construiriam uma casa na rua do Pedaço) que casou, em 1919, com José Gonçalves da Silva, também ele morador na rua da Capela. O casal mudar-se-ia para uma casa na Rua Direita, a curta distância da casa dos pais de ambos. Maria de Jesus Cachim, filha, neta e bisneta de marítimos, casada também com um homem do mar, nasceria e viveria na sua micromunidade, delimitada pela Rua da Capela, Rua do Pedaço (Rua Carlos Marnoto) e Rua Direita (Rua Arcebispo Pereira Bilhano), onde também alguns dos seus irmãos, primos e outra parentela viu a sua existência atravessar o século XX, pontualmente alargada com a estadia sazonal na Costa Nova onde família adquiriu um palheiro, ou nas viagens ao Porto para saudar a chegada ou para chorar a despedida do navio de José Gonçalves.

Ana RibeiroUniversidade de Coimbra

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Álvaro GarridoAna RibeiroAntónio CamposAntónio NevesAntónio Pedro PitaCarlos BucoCarlos CoelhoCarolina EstanqueiroClara AbreuDaniel CardosoDelfim RodriguesDiogo VilhenaHelena ValadaresIsabel AnçãJoana RibeiroJoaquim SapinhoJorge TavaresJudite TeixeiraJudite TeixeiraLuís LelisManuel CostaMarco FigueiredoMaria Amélia PinheiroMaria de Fátima GodinhoMaria José SantanaMaria Paula ReisMatos BarbosaMiguel ValenteMorag BrennanNuno CostaPedro AlmeidaPedro MaganoPedro PomboRita MarnotoRita PortasSofia BarataSteve HarrisonTeresa Rocha SantosTiago AlvesVasco Lourenço

INSTITUIÇÕESAgrupamento de Escolas da Gafanha da EncarnaçãoAgrupamento de Escolas da Gafanha da NazaréAgrupamento de Escolas de ÍlhavoAgrupamento de Escolas José EstevãoConservatório de Música de Aveiro Calouste GulbenkianFábrica Centro Ciência VivaRTP – Antena 1Universidade de Aveiro

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Ficha técnica

EDIÇÃO Câmara Municipal de ÍlhavoTÍTULO Mar Film Festival 2018COORDENAÇÃO Jorge SeabraCOMUNICAÇÃO Margarida Malaquias, Miguel AraújoDESIGN Bruno PintoIMPRESSÃO Diário do PortoTIRAGEM 250 exemplaresDISTRIBUIÇÃO Gratuita

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