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Análise Social, vol. xxxiii (146-147), 1998 (2.°-3.°), 463-496 Causas do colonialismo português em África, 1822-1975** 1. INTRODUÇÃO O imperialismo europeu em África foi conotado durante algum tempo com motivos de natureza económica ou financeira. Em 1912 o então minis- tro da Marinha e Colónias, Ferreira do Amaral, sustenta que a «febre colo- nial», que já se fazia sentir à data da primeira expedição de Stanley ao Congo, em 1874, era causa da necessidade que a Europa tinha de exportar o excesso de capitais e de produção industrial 1 . Esta versão das origens económicas do imperialismo do século xix já tinha sido rebatida por Hobson em 1902, que demonstrara que o crescimento das exportações industriais da Grã-Bretanha não tinha sido canalizado para as colónias africanas adquiridas no último quartel do século xix. O mesmo autor, todavia, concordava com a ideia segundo a qual os novos territórios haviam sido importantes para a * Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Departamento de História da Universidade de Évora. * Versões anteriores deste artigo foram apresentadas no Seminário de História Económica da Universidade de Harvard (Fevereiro de 1997), no encontro preparatório da sessão sobre The Costs and Benefits of European Imperialism, 1415-1974 do XII Congresso da Associação Internacional de História Económica (Universidade Carlos III de Madrid, Fevereiro de 1997), no XVI Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social (Universidade dos Açores, Outubro de 1997) e no Seminário de História Económica da Universidade de Oxford (Maio de 1998). Gostaria de agradecer os comentários dos participantes, assim como de Valentim Alexandre, Manuel Ennes Ferreira, Patrick O'Brien e de dois referees anónimos. Partes deste artigo foram também publicadas em «An account of the Portuguese African empire, 1885-1975», in O'Brien e Prados (orgs.), The Costs and Benefits of European Imperialism, 1415-1974, Revista de Historia Económica, 16, 1988. O artigo foi parcialmente escrito enquanto professor convidado (FLAD) da Universidade de Brown. 1 V, Sociedade de Geografia de Lisboa (1913, p. 36); v. também Associação Comercial do Porto, Relatório, 1879, cit. por Capela (1975, pp. 115-119). 463

Causas do colonialismo português em África, 1822-1975**

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  • Anlise Social, vol. xxxiii (146-147), 1998 (2.-3.), 463-496

    Causas do colonialismo portugus em frica,1822-1975**

    1. INTRODUO

    O imperialismo europeu em frica foi conotado durante algum tempocom motivos de natureza econmica ou financeira. Em 1912 o ento minis-tro da Marinha e Colnias, Ferreira do Amaral, sustenta que a febre colo-nial, que j se fazia sentir data da primeira expedio de Stanley aoCongo, em 1874, era causa da necessidade que a Europa tinha de exportaro excesso de capitais e de produo industrial1. Esta verso das origenseconmicas do imperialismo do sculo xix j tinha sido rebatida por Hobsonem 1902, que demonstrara que o crescimento das exportaes industriais daGr-Bretanha no tinha sido canalizado para as colnias africanas adquiridasno ltimo quartel do sculo xix. O mesmo autor, todavia, concordava coma ideia segundo a qual os novos territrios haviam sido importantes para a

    * Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa e Departamento de Histria daUniversidade de vora.

    * Verses anteriores deste artigo foram apresentadas no Seminrio de Histria Econmicada Universidade de Harvard (Fevereiro de 1997), no encontro preparatrio da sesso sobre TheCosts and Benefits of European Imperialism, 1415-1974 do XII Congresso da AssociaoInternacional de Histria Econmica (Universidade Carlos III de Madrid, Fevereiro de 1997),no XVI Encontro da Associao Portuguesa de Histria Econmica e Social (Universidade dosAores, Outubro de 1997) e no Seminrio de Histria Econmica da Universidade de Oxford(Maio de 1998). Gostaria de agradecer os comentrios dos participantes, assim como deValentim Alexandre, Manuel Ennes Ferreira, Patrick O'Brien e de dois referees annimos.Partes deste artigo foram tambm publicadas em An account of the Portuguese African empire,1885-1975, in O'Brien e Prados (orgs.), The Costs and Benefits of European Imperialism,1415-1974, Revista de Historia Econmica, 16, 1988. O artigo foi parcialmente escrito enquantoprofessor convidado (FLAD) da Universidade de Brown.

    1 V, Sociedade de Geografia de Lisboa (1913, p. 36); v. tambm Associao Comercialdo Porto, Relatrio, 1879, cit. por Capela (1975, pp. 115-119). 463

  • Pedro Lains

    aplicao dos capitais britnicos2. Mas tambm no era esse o caso, uma vezque a maior parte do capital exportado pela Gr-Bretanha ao longo dosculo xix tinha como destino os Estados Unidos da Amrica, a ndia, oCanad e a Austrlia, e no as novas colnias3.

    Para Hammond (1969), o exemplo de Portugal invalida a tese de Hobson,j que este pas havia expandido o seu poder colonial em frica durante oltimo quartel do sculo xix sem que fosse um exportador de capitais. Se-gundo aquele autor, o imperialismo portugus tinha um carcter essencial-mente poltico: Ser em vo procurar no Portugal do sculo xix sinais demotivaes imperialistas que transcendam o reduzido e socialmente homo-gneo grupo dos governantes4. A tese segundo a qual Portugal desenvolveuas colnias por razes no econmicas tambm defendida pela historio-grafia oficial, na designao de Valentim Alexandre (1979), onde ocolonialismo portugus do sculo xix aparece como o prolongamento dasdescobertas e da expanso. Esta vocao colonial do pas revelar-se-iatambm na especial propenso dos Portugueses para se misturarem com aspopulaes do Brasil, da sia e de frica. Trata-se do celebrado luso--tropicalismo, nascido na sociologia brasileira e acarinhado no regimesalazarista5. Foi neste contexto que se desenvolveu o mito segundo o qual apresena portuguesa em frica somava quatro sculos de existnciaaquando da partilha de frica pelo Tratado de Berlim de 1885. TambmSchumpeter (1976) advoga a relevncia dos acontecimentos passados na ex-plicao do imperialismo do sculo xix, embora sob uma formulao diferentedaquela que surge na historiografia oficial portuguesa, porquanto este autoratribui valor negativo ao imperialismo. Segundo ele, o imperialismo provmdas relaes de produo do passado, e no do presente, e procura a expansopela expanso, sendo desprovido de objecto e atvico na sua natureza6.

    Jos Capela (1975 e 1979) d-nos outra verso sobre o carcter noeconmico da expanso do imprio portugus no sculo xix. Para este autor,as duas medidas que melhor configuram a poltica portuguesa em frica a da abolio do trfico de escravos, em 1836, e da escravatura, em 1876 no resultaram de presses de ordem econmica, mas sim da vontade dogoverno portugus em reproduzir medidas tomadas no estrangeiro e da pres-so do governo ingls7. Do mesmo modo, Papagano (1980) defende que apoltica colonial portuguesa foi motivada por factores de ordem poltica. Paraele, as aces do governo portugus eram essencialmente uma emulao das

    2 Hobson (1972, pp. 2-3).3 V. Fieldhouse (1984, caps. 2 e 3) e 0'Brien e Prados (1988).4 Hammond (1969, p. 354).5 V. Valentim Alexandre (1979, pp. 5-7).6 Schumpeter (1976, pp. 70 e 77).

    464 7 V. Jos Capela (1975 e 1979) e Marques (1994).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    polticas coloniais de outros pases europeus, no seguimento da Confernciade Berlim, e uma reaco ao ultimato ingls de 1890 contra as campanhasmilitares na rea do lago Niassa8.

    Noutro sentido, Valentim Alexandre (1993) defende que a acelerao daocupao territorial em Angola e Moambique teve causas de dois tipos.Trata-se, em primeiro lugar, de causas relacionadas com o progresso docapitalismo. Nelas se inclui o desenvolvimento dos meios de transporte,facilitando as ligaes entre Portugal e as colnias. Tambm o desenvolvi-mento da medicina permitiu a colonizao branca das reas afectadas pelamalria e outras doenas tropicais, assim como o desenvolvimento das tc-nicas militares possibilitou a ocupao efectiva dos territrios. Estas causasso de natureza econmica, mas diferentes das que encontramos na tese deHobson (1972), pois no esto relacionadas com uma suposta ofertaexcedentria de capitais9. O segundo tipo de causas do imperialismo portu-gus de Oitocentos, seguindo ainda Valentim Alexandre (1993), diz respeitoao desenvolvimento das condies internas em frica, onde se verificavauma crescente diviso de poderes entre os nativos dos territrios sob influn-cia portuguesa, com a constituio de unidades polticas mais pequenas emais difceis de manter equilibradas10.

    As campanhas militares foram, provavelmente, o mais importante de to-dos os instrumentos da colonizao portuguesa em frica e para bem secompreender o imperialismo portugus tem de se prestar mais ateno a estefacto. Plissier (1994, 1997a e 1997b) faz um relato exaustivo das campa-nhas militares travadas em frica. Os exrcitos sob comando portugus erammaioritariamente constitudos por africanos e os portugueses s intervinhamdirectamente em ocasies mais complicadas. A intensidade das campanhasafricanas aumentou significativamente ao longo do sculo xix e estendeu-seat Primeira Guerra Mundial. Com efeito, as ltimas batalhas importantesocorreram no Sul de Angola em 1926. Plissier d-nos conta das motivaesdas campanhas militares na Guin, Angola e Moambique a partir de 1840,concluindo que a maioria se destinava a assegurar o poder de administraocolonial nos territrios. Algumas das campanhas tero tido como objectivoproteger interesses comerciais, mas foram em menor nmero e envolverammenos recursos humanos e financeiros11.

    Clarence-Smith (1985) reaviva a interpretao econmica do imperialismoe, em oposio a Hammond (1969), argumenta que havia uma classe mdia procura de fortuna no ultramar e capitalistas em busca de negcios no

    8 V. Giuseppe Papagano (1980); v. tambm Alexandre (1979, pp. 12-21).9 Valentim Alexandre (1979, sobretudo pp. 68-70).10 Id, (1993, pp, 57-58).11 V. Plissier (1994, 1997a e 1997b). 465

  • Pedro Lains

    ultramar. Ressuscitando a ideia de que Portugal viveu uma crise capitalistano incio da dcada de 1890, Clarence-Smith (1985) conclui que foi a criseno desenvolvimento econmico que levou Portugal a entrar na partilha defrica, e no qualquer nostalgia de grandeza imperial12. Para Clarence--Smith, a participao de Portugal na partilha ficou a dever-se convergnciade interesses, pblicos e privados, dentro do pas. Assim, por exemplo, duranteos anos 30 as colnias teriam sido importantes para a consolidao do novoregime de Salazar. Todavia, para o mesmo autor, mais tarde, o governoportugus teria combatido os movimentos de libertao em frica (1961--1974) mais para preservar o regime do que para salvar a economia13.

    Em resumo, o leque de explicaes sobre os motivos do colonialismoportugus moderno inclui: a herana imperial; a necessidade de proteco demercados coloniais; a resposta aos movimentos das outras potncias coloniaiseuropeias; o desenvolvimento da capacidade tcnica para a colonizao; ascondies nos territrios africanos; finalmente, motivos polticos. A comple-xidade do tema no permite que se estabelea um quadro da importnciarelativa dos vrios motivos apontados na literatura para a colonizao portu-guesa de frica ao longo dos cerca de 150 anos entre 1822 e 1975. Podemos,todavia, circunscrever o problema, por forma a encontrarmos uma respostaparcial.

    A criao, defesa, manuteno ou a promoo do desenvolvimento dascolnias durante os sculos xix e xx foram fruto da aco de sucessivosgovernos em Lisboa, que negociaram fronteiras com as potncias europeiase alguns potentados africanos, enviaram tropas e pessoal administrativo paraas colnias, produziram legislao ou oramentaram despesas de investimen-to. Durante um perodo relativamente longo, que durou at Conferncia deBerlim de 1884-1885, os governos em Portugal seguiram uma poltica dedefesa e aquisio de territrios em frica com escassos benefcios econ-micos ou financeiros imediatos. Assim, para este perodo, o que movia osgovernos no eram razes de ordem econmica ou financeira e os mpetosimperialistas tero de ser atribudos a motivos de outra natureza.

    Entre 1892 e 1914 e entre 1948 e 1975, as colnias de frica foram umafonte substancial de divisas estrangeiras para a economia portuguesa. O mesmoter sucedido nas dcadas de 30 e 40, mas no dispomos da informaoestatstica suficiente para dar uma concluso cabal relativamente a estes anos.O valor dessa fonte foi tal que facilmente ultrapassou os custos militares eadministrativos da colonizao, at porque estes custos eram pagos em grandemedida atravs das receitas das tarifas aduaneiras e dos impostos aos indge-nas. Deste modo, a partir de 1892, as polticas de expanso colonial em frica

    12 Clarence-Smith (1985, p. 81); v. tambm Pereira (1983, pp. 278-281). Para uma discus-so das condies econmicas em Portugal na dcada de 1890, v. Lains (1995).

    466 13 Clarence-Smith (1985, p. 193).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    traduziram-se num benefcio financeiro para os governos e para o Estado. Aocontriburem para saldar os pagamentos ao exterior, as colnias facilitaram agovernao do pas e o crescimento da economia, constituindo, assim, umaforte motivao para o esforo de colonizao. Este papel das colnias naeconomia portuguesa, enquanto fonte de divisas estrangeiras, pode ter sido acontribuio mais significativa das colnias para a economia portuguesa du-rante todo o perodo de mais de sculo e meio abrangido neste artigo14.

    Neste artigo deixmos de fora o estudo dos efeitos do proteccionismoimperial na economia portuguesa, resultantes da proteco dada s exporta-es para frica, a partir de 1892. Tambm ficou de fora o estudo dos efeitosda proteco concedida a certos produtos de exportao colonial no mercadometropolitano, instituda em 1930 e 1931. Todavia, esses efeitos tinham deser relativamente reduzidos, uma vez que a parte das colnias no comrcio,exportao de capitais e emigrao portugueses era muito modesta at aoperodo a seguir Segunda Guerra Mundial.

    O artigo tem a seguinte estrutura. Na seco 2 abordamos os esforosdiplomticos por parte dos governos portugueses por forma a garantir areconstruo de um imprio em frica no seguimento da independncia doBrasil. Este relato mostra o desenvolvimento das polticas anterior ao reco-nhecimento das vantagens econmicas das colnias africanas. A seco 3trata do perodo a seguir instaurao da pauta colonial de 1892. Depois daConferncia de Berlim e de resolvido o diferendo com a Gr-Bretanha, quelevou ao ultimatum de 1890, a liberdade de aco da administrao portu-guesa em frica aumentou, sendo ento possvel implementar um novosistema colonial, com benefcios claros para a economia portuguesa. Estanova fase do imperialismo portugus em frica sofreu um revs nos anos 20,mas foi restaurada e reforada a partir da dcada de 30. O ltimo perodo doimprio, de 1930 a 1975, analisado na seco 4 do artigo. Neste perodoverificamos o aumento das relaes coloniais at dcada de 60. A partirde ento, a importncia das colnias na economia portuguesa foi paulatina-mente caindo e, simultaneamente, passaram a constituir um encargo conside-rvel no oramento do governo da metrpole devido guerra travada pelosmovimentos de libertao. Foi exactamente neste contexto que o imprio che-gou ao fim. Na seco 5 faz-se um resumo das principais concluses.

    2. PRELDIO DO NOVO IMPRIO, 1822-1892

    No seguimento da independncia do Brasil, em 1822, aumentou o inte-resse nas colnias africanas. Os governos em Lisboa encontraram o neces-

    14 V. Edgar Rocha (1977 e 1982) e Pereira Leite (1990) para os anos 60; v. tambmPereira Leite (1989), Joo Estvo (1991) e Adelino Gomes para o perodo anterior. 467

  • Pedro Lains

    srio apoio no Parlamento ou nos jornais para o prosseguimento de umapoltica colonial em frica. As colnias eram uma de entre as muitas pro-postas do liberalismo para a regenerao nacional, ao lado de outras relati-vas, por exemplo, ao desenvolvimento do comrcio com outras partes domundo, ao sistema de impostos ou ao desenvolvimento dos transportes. En-carava-se a poltica colonial como um dos instrumentos ao dispor da naopara a promoo do seu prprio desenvolvimento15. A preocupao de de-limitar os territrios sob controle portugus revelou-se desde o incio dosculo XIX e Portugal procurou comprometer a Gr-Bretanha, por vriasvezes, na definio dos direitos territoriais em frica.

    No seguimento da abolio do trfico de escravos no imprio britnico,ocorrida em 1807, Portugal assinou, em 1810, um tratado ilegalizando otrfico de escravos para fora do seu imprio. Um novo tratado com a Gr--Bretanha, assinado durante a Conferncia de Viena de 1815, ordenava aabolio daquele trfico em todas as colnias portuguesas situadas a norte doequador. Este tratado reconhecia o exclusivo para Portugal do comrcio dosprincipais produtos de exportao dos domnios da costa oriental de frica,desde o cabo Delgado at baa de Loureno Marques (marfim, pau-brasil,urzela, diamantes, p de ouro, rap). Tratava-se de um primeiro reconheci-mento dos interesses portugueses por parte dos Britnicos numa rea quecorresponde costa actual de Moambique16. Em 1817, a Gr-Bretanhaobteve ainda o direito de inspeco dos barcos portugueses e, em contrapar-tida, Portugal obteve um novo reconhecimento das pretenses em frica,donde o trfico de escravos devia ser controlado17.

    Em Dezembro de 1836, S da Bandeira aboliu unilateralmente o trfico deescravos a partir de todas as possesses portuguesas, excluindo, todavia, o trficono interior do imprio. O governo britnico insistiu no direito de controlar osnavios portugueses, mas S da Bandeira pretendia negociar esse direito emtroca de uma clusula que reconhecesse os interesses em frica. Mas noconseguiu. Entretanto, a disputa foi resolvida unilateralmente pelo governobritnico em Julho de 1839, quando chamou a si o direito de controlar os naviosportugueses18. Mais tarde, num protocolo assinado em 1847 e renovado em1850 por mais trs anos, Portugal permitia Gr-Bretanha entrar nas baas,portos, rios e ribeiros e outros lugares dentro dos domnios da coroa portuguesa[...] onde no estivessem estabelecidas quaisquer autoridades portuguesas19.

    15 V., por exemplo, Sociedade de Geografia de Lisboa (1913). Sobre os debates naSociedade de Geografia, v. ngela Guimares (1984).

    16 Cit. em Haight (1967, p. 164).17 V. Smith (1970, p. 80).18 V. Haight (1967) e Capela (1979, pp. 202-224). Para uma anlise da discusso sobre

    a abolio por Portugal do trfico de escravos, v. Marques (1994) e Alexandre (1994).468 I9 V. Smith (1970, pp. 82 e 86).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    No ano de 1853, o governo portugus recusou a renovao do protocolo,restringindo assim o acesso aos navios britnicos, e aumentou as tarifas adua-neiras sobre o comrcio colonial. Em face de tais restries de livre acessoao comrcio, a Gr-Bretanha decidiu pr termo s pretenses portuguesas emAmbriz e Cabinda, dois portos importantes na rea de influncia da foz dorio Congo. O governo britnico reclamava o territrio de acordo com adoutrina de lapso, argumentando que a rea no estava ocupada por Por-tugal h muito tempo um antecedente do argumento de ocupao porausncia de bona fide, usado na disputa com a Gr-Bretanha acerca dafronteira norte de Moambique entre 1877 e 1879, e do argumento da ocu-pao efectiva, usado em Berlim em 1884-188520.

    Em Maio de 1855, o governo portugus enviou uma fora para ocupar oterritrio em disputa. A Gr-Bretanha acabou por autorizar a colonizao deAmbriz e de Cabinda, temendo uma interveno francesa, cuja arbitragemhavia sido solicitada pelo governo portugus, mantendo Portugal o domnioda costa norte de Angola21. Havia antecedentes de disputas sobre os territ-rios reclamados por Portugal na Guin, em Angola e em Moambique, masa disputa de Ambriz teve um impacto maior na imprensa portuguesa do queos casos anteriores. Por esta altura, em incios dos anos 1850, os interessescomerciais na frica ocidental eram talvez ainda menores do que haviamsido duas dcadas antes. excepo do comrcio, Portugal tinha relativa-mente poucos interesses em frica, dado que a exportao de capital ou aemigrao eram irrelevantes.

    Durante o perodo que antecedeu a Conferncia de Berlim, os governosportugueses conseguiram fazer valer algumas pretenses importantes em fri-ca, incluindo o Ambriz, em 1855, Bolama, em 1870, a baa de LourenoMarques, em 1875, Cabinda, em 1885, e a baa de Tunge, no reino deZanzibar, em 1887. Estes xitos foram fundamentalmente diplomticos e noenvolveram grandes encargos financeiros para a metrpole. Mas tambm noforam acompanhados de grandes benefcios. A razo que o comrcio africa-no de Portugal estagnou depois da abolio do trfico de escravos, em virtudedas dificuldades sentidas na sua substituio por comrcio legtimo.

    At ao incio do sculo xix, os interesses europeus em frica concentra-ram-se essencialmente no trfico de escravos para as Amricas e a Gr--Bretanha e Portugal foram durante muito tempo os principais agentes dessetrfico. Entre as dcadas de 1810 e 1820, a proporo de escravos da costa

    20 V. Axelson (1967, pp. 23-24).21 V. Caetano (1971, p. 70). Smith (1970, pp. 119-34) afirma que esta fora foi enviada

    em Maro de 1853. A definio das fronteiras a norte de Angola terminou em Maio de 1891,incluindo a regio do Lunda nesta colnia [v. Caetano (1971, p. 102 n]]. 469

  • Pedro Lains

    ocidental africana transportados por portugueses subiu de 29% para 43%do total22. O trfico de escravos portugus, incluindo o das costas de Angolae de Moambique, continuou a aumentar at ao incio do anos 1830, sdecaindo depois. Em virtude da abolio do trfico de escravos na costaocidental de frica, imposta pela armada britnica, em 1825-1830, Moam-bique passou a ser a principal fonte portuguesa de escravos para as rotas doAtlntico, ultrapassando Angola (v. quadro n. 1).

    A importncia dos escravos no total das exportaes de Luanda, o nicoporto angolano para que h dados estatsticos, era esmagadora, tendo inclu-sivamente aumentado de 88% em 1785-1794 para 94% em 1815-1823. Osdados relativos ilha de Moambique mostram que em 1829 os escravoseram tambm a principal exportao (v. quadros n.os 2 e 3). Antes da abo-lio do trfico de escravos, as colnias portuguesas pouco mais ofereciampara exportao, para alm de cera, marfim e ouro23. As receitas resultantesdo trfico de escravos representavam tambm uma parte importante dosoramentos coloniais. Em Angola, essa fatia era de 88% nos anos 1780,tendo diminudo ligeiramente para 82% no perodo de 1817-1819. Em 1836,os impostos sobre aquele comrcio ascendiam a 69% das receitas das col-nias de Angola, Moambique e Guin24.

    Escravos embarcados na costa ocidental de frica, 1700-1809(mdias anuais)

    [QUADRO N. 1]

    1700-17091710-17191720-17291730-17391740-17491750-17591760-17691770-17791780-17891790-17991800-1809

    Nacionalidade dos navios

    Gr--Bretanha

    15 00020 10026 90027 60019 50025 10039 10034 00034 9004170028 100

    Frana

    3 0005 2007 7009 300

    12 9009 300

    13 00015 20022 4006 700

    500

    Portugal

    15 60012 60013 60016 50015 80016 50016 70016 10018 70022 10026 100

    Holanda

    2 4002 4003 3004 8005 5005 1006 3004 0001000

    400

    EstadosUnidos

    2001500

    90017002 800180012004 4006 300

    Dinamarca

    400500500400700

    1500800300

    Total

    36 00040 3005170060 10055 10058 20078 3007180079 70076 10061300

    Fonte: Richardson (1989, p. 10).

    22 V. Richardson (1989, p . 10).23 O grande peso do comrcio de escravos no era nico nas colnias portuguesas [v.

    Haight (1967, pp. 100-102), Inikori (1986) e Law (1995b)].470 24 V. Capela (1979, pp. 85-86).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Escravos embarcados em Luanda e Moambique, 1785-1830(mdias anuais)

    [QUADRO N. 2]

    1785-17941795-18041805-18141815-18241825-1830

    1785-1830

    Nacionalidade dos navios

    Luanda

    10 3511198212 07514 69011298

    12 079

    Moambique

    5 7508 0755 2001157511600

    8 440

    Total

    16 10120 05717 27526 26522 898

    20 519

    Luanda(percentagem)

    64,359,769,955,949,3

    58,9

    Moambique(percentagem)

    35,740,330,144,150,7

    41,1

    Nota. Dados para 1800, 1802-1806, 1809, 1810, 1812, 1813, 1815-1819, 1822-1826 e1830.

    Fontes: Luanda: Miller (1986, p. 241) e Curto (1992, pp. 23-25); Moambique: Liesegang(1986, p. 463) inclui exportaes da ilha de Moambique e de Quelimane; para Moambique,em 1785-1794, os dados foram retirados do grfico de Newitt (1995, p. 250).

    Exportaes de Luanda(contos)

    [QUADRO N. 3]

    1785-17941795-18041805-18141815-1823

    Escravos

    Valor

    546649822

    1023

    Percen-tagem

    87,788,492,293,7

    Cera

    Valor

    72,478,564,961,6

    Percen-tagem

    11,610,77,35,6

    Marfim

    Valor

    4,37,04,47,0

    Percen-tagem

    0,71,00,50,6

    Total

    622,6734,9890,9

    1 091,5

    ;: Miller (1986, p. 241) e Curto (1992, pp. 23-25).Fontes

    A abolio do trfico de escravos levou ao aumento da exportao demercadorias, por forma a compensar o negcio que os comerciantes perdiam.Para os comerciantes britnicos e franceses, a substituio foi mais rpida doque para os comerciantes portugueses, o que se prende com as melhorescondies em que aqueles comerciantes operavam. O rpido crescimento docomrcio legtimo britnico foi acompanhado pela passagem da navegao vela para a navegao a vapor. A razo que, ao contrrio dos escravos,que eram concentrados em alguns pontos na costa para serem embarcados,as mercadorias tinham de ser recolhidas em vrios pontos ao longo da costae, inclusivamente, pelos rios, tarefa em que os barcos a vapor tinham clarasvantagens25. A superioridade tecnolgica da Gr-Bretanha, traduzida, entre

    25 V. Lynn (1981 e 1989). 471

  • Pedro Lains

    outras coisas, na frota a vapor, assim como a maior capacidade financeiradaquele pas, constituam vantagens que os comerciantes portugueses noforam capazes de acompanhar. Esses comerciantes ou no dispunham doscapitais necessrios ao comrcio da navegao a vapor ou preferiram aplicaros capitais em outros investimentos. Para alm disso, o mercado portuguspara os novos produtos africanos era menos desenvolvido do que o ingls ouo de outros pases mais industrializados.

    Na Guin portuguesa, concretamente, o comrcio de mercadorias aumen-tou substancialmente a seguir ao fim do trfico de escravos, mas isso nochegou para substituir o valor do comrcio de escravos. Com efeito, entre1852 e 1878, a exportao de amendoim daqueles territrios aumentou emcerca de dez vezes, mas caiu abruptamente logo a seguir26. Para tal contri-buiu a concorrncia das vizinhas colnias francesas. O mercado francs, aocontrrio do portugus, importava quantidades apreciveis de oleaginosas, oque era uma clara vantagem para os comerciantes franceses, em face dosmonoplios coloniais. A perda do comrcio de amendoim pelos Portuguesespode tambm relacionar-se com o facto de os Franceses terem em fricaforas militares suficientes para manterem a segurana necessria ao comr-cio27. Apesar do fraco interesse comercial, o governo portugus no abriumo das pretenses territoriais na Guin e venceu a questo com a Gr--Bretanha relativamente ilha de Bolama, ao tempo capital da colnia.

    A interveno do Estado portugus nas colnias da costa moambicanalevou mais tempo a desenvolver-se. At finais do sculo xix, os interessesportugueses em Moambique concentravam-se numa faixa ao longo do valedo Zambeze e eram constitudos pelos prazos da coroa, ou concesses deterritrio a particulares28. O sistema de colonizao portuguesa em Moam-bique era to fraco como as ligaes comerciais entre esta colnia e Portugal.De facto, at ao sculo xviii, o comrcio martimo levado a cabo pelas praassob bandeira portuguesa estava sobretudo nas mos de colonos indianos, queencaminhavam as exportaes especialmente para o oceano ndico. Foi oincremento do trfico de escravos no Atlntico que levou, tal como na fricaocidental, a um aumento dos interesses na rea. Mas Portugal debatia-se aquitambm com a concorrncia dos interesses franceses, em expanso desdeMadagscar29. Tal como na zona ocidental, o trfico de escravos de Moam-bique, primeiramente afectado pelas guerras napolenicas na Europa, ganhou

    26 V. Bowman (1987, p . 100). As exportaes de amendoim da Guin atingiram 1,1milhes de alqueires em 1878, caindo para alguns milhares em 1897.

    27 No que diz respeito situao na Guin portuguesa, v. Bowman (1986) e Plissier(1997b) .

    28 V. Newit t (1995).472 29 Id. (1995, pp. 244-252).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    um novo flego na sequncia da abolio do trfico atlntico. O aumento dotrfico de escravos a partir de Moambique foi contemporneo do estabele-cimento de laos directos com o Brasil independente.

    Em 1830 entrou em vigor o tratado que havia sido assinado em 1826entre o Brasil e a Gr-Bretanha e que ilegalizou a importao de escravos noBrasil. As autoridades portuguesas, todavia, no cooperaram na aplicaodeste tratado por causa dos efeitos perniciosos que teria sobre os traficantese as colnias de portugueses em frica. Nesta mesma poca, o trfico deescravos de Moambique era ainda responsvel por metade do valor total dasexportaes da colnia, incluindo as moedas de prata. A expanso do trficode escravos da frica oriental portuguesa haveria de terminar por volta dosanos 1840, e isso devido a vrios factores, incluindo secas prolongadas,dando lugar a movimentos migratrios nesta rea, com as consequentes al-teraes ao nvel poltico e militar30.

    As negociaes do Tratado de Loureno Marques, entre 1879 e 1881,marcaram um episdio que mostra mais uma vez o interesse dos governosportugueses nas suas colnias africanas. As origens do interesse britnico poreste tratado prendem-se com a derrota sofrida s mos do exrcito zulu em1879 nos territrios do Natal e do Transval. Estes territrios no tinhamacesso directo ao mar e o governo britnico pretendia assegurar esse acessopor forma a poder transportar homens, armas e munies e precaver futurosreveses. O governo portugus concordou com as reivindicaes britnicas,preparando-se para conceder a dita liberdade de trnsito. Todavia, pediu emtroca a construo, por parte dos Ingleses, de uma linha ferroviria entreLoureno Marques e Pretria, projecto que no correspondia aos interessesbritnicos, e as conversaes sobre esta matria foram adiadas.

    O Tratado de Loureno Marques foi, finalmente, assinado em Maio de1879 sem que a construo da linha frrea pelos Britnicos ficasse garantidano acordo. Em consequncia desta contrariedade diplomtica, caiu o governoem Lisboa. O ministro ingls nesta capital enviou uma carta ao novo chefedo Conselho de Ministros com um esboo de um ultimato, em protesto pelaquebra do compromisso solene com a Gr-Bretanha, pedindo que a sessoparlamentar no fosse encerrada e se prolongasse para a ratificao do tra-tado. Foi grande o clamor provocado por este episdio. O Parlamento man-teve-se aberto, mas o tratado foi enviado para a Comisso Constitucional pordeciso da maioria dos deputados, que era ainda favorvel ao governo der-rubado, uma vez que no tinha havido eleies. Deste modo, a votao foiadiada para o ano seguinte. Em 1881, o Parlamento, com uma nova maioria,favorvel ao governo, votou o tratado. Porm, numa votao rara, que s foi

    30 V. Liesegang (1986) e Newitt (1995, pp. 251 e 264-266). 473

  • Pedro Lains

    repetida uma vez mais, a Cmara dos Pares rejeitou o tratado, dando lugara uma nova queda de governo31.

    Por esta altura os interesses comerciais dos Portugueses na baa de Lou-reno Marques eram reduzidos e a defesa da zona ter de justificar-se porrazes polticas ou militares. Portugal, alis, no estava sozinho quanto a estetipo de interesses. Em 1876, o governo do Cabo defendia a expanso dacolnia para, entre outras coisas, impedir que os Boers chegassem costa eque Portugal se expandisse para sul a partir de Angola32.

    As relaes entre a Gr-Bretanha e Portugal em frica no eram s deconflito. Com uma fraca capacidade de interveno militar, o governo por-tugus precisava de recorrer diplomacia para manter e expandir o imprioafricano. Para isso, a aliana com a Gr-Bretanha era importante, sobretudoquando e onde outros interesses coloniais estivessem em jogo. A Gr--Bretanha nem sempre estava interessada em ter controle administrativo direc-to e a administrao portuguesa podia ser uma ajuda valiosa. Relativamente ocupao da bacia do Congo, por exemplo, o Ministrio dos NegciosEstrangeiros de Londres opinava que um mau inquilino era melhor do queuma casa vazia e que era melhor permitir desde logo a entrada de Portugaldo que a ocupao pela Frana do territrio em disputa33.

    No seguimento da poltica de entendimento entre os dois imprios colo-niais, em Fevereiro de 1884 foi assinado um tratado que conferia o controleda costa de Angola at Cabinda, obrigando-se Portugal, no entanto, a mantera rea aberta ao comrcio de todas as naes e a no aumentar os direitosaduaneiros acima dos que haviam sido estabelecidos para Moambique em1877, os quais eram relativamente baixos. Este tratado, todavia, no viria aser ratificado pelo Parlamento britnico, dada a oposio manifestada pelasdemais potncias europeias. Em ltima anlise, a Conferncia de Berlim de1884-1885 foi tambm uma consequncia dos problemas levantados peloTratado Luso-Britnico de 1884.

    Ao contrrio do I Congresso Internacional sobre frica, que teve lugar emBruxelas em 1878, Portugal assegurou a sua presena em Berlim34. Apsgarantir s demais potncias que estava comprometido com o comrcio livre narea, Portugal pde manter o controle administrativo sobre a margem norte dorio Congo. Mais uma vez, tratou-se de uma vitria diplomtica com reduzidosbenefcios econmicos. Entre outras coisas, ficou excluda a possibilidade dearrecadar receitas alfandegrias que cobrissem os custos de administrao do

    31 Para a histria do Tratado de Loureno Marques, v. Axelson (1967, cap. 2).32 V. Axelson (1967, p . 58).33 Id. (1967, p . 58).

    474 34 V. Caetano (1971, pp. 84-85).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    novo territrio e eventuais futuras benfeitorias. O resultado da Conferncia deBerlim foi ratificado pelo Parlamento de Lisboa, presumivelmente, porquereinava o sentimento de que pouco mais poderia ser alcanado.

    Os anos que antecederam o ultimato ingls de Janeiro de 1890 forammarcados pelo regresso dos sentimentos antibritnicos. Repetiam-se as reac-es emotivas da dcada de 1830, altura em que a Gr-Bretanha estiveraempenhada em acabar com o trfico de escravos de Portugal, e da dcada de1870, quando tentara negociar favores militares em Loureno Marques.Embora possa ter havido interesses comerciais em jogo, mais seguro con-cluir que a disputa relativa ao mapa cor-de-rosa foi poltica. O ultimatum de1890, com o qual a Gr-Bretanha ps cobro s expedies militares portu-guesas que visavam marcar os territrios reivindicados, resultou na queda dedois governos sucessivos em Lisboa e num motim republicano no Porto35.

    data da Conferncia de Berlim, em 1885, as colnias de frica tinhamum peso pequeno na economia portuguesa, que no mostrava tendncia paraaumentar no futuro imediato. O comrcio colonial representava uma partereduzida do comrcio externo portugus. Para alm disso, Portugal enviavapouco capital e poucos emigrantes para frica. Em contrapartida, as colniastambm no constituam um encargo financeiro relevante para o governocentral, dado que no tinham expresso no oramento da metrpole e osdfices das colnias eram ainda reduzidos. Atendendo ao fraco peso dascolnias na economia portuguesa, torna-se difcil defender que a vontadedemonstrada pelos governos de Lisboa de segurar territrios em frica tives-se motivos econmicos ou financeiros. A no ser que se demonstre que osgovernos reagiam a interesses particulares, esses sim interessados no comr-cio e demais explorao colonial.

    As consequncias polticas do ultimatum britnico de 1890 ofuscaram ofacto de a definio das fronteiras das colnias portuguesas ter sido, nos anossubsequentes, bastante favorvel a Portugal. certo que o governo portugusno conseguiu juntar colnia de Moambique o territrio junto ao lagoNiassa, mas pde anexar o reino de Gaza, a sul, uma vez derrotado o Gungu-nhana, em 1895. Por outro lado, no foi permitida a anexao colnia deAngola da regio de Barotze, no Sul, mas, mais uma vez, a Lunda, uma vastarea que abrangia quase um quarto das fronteiras actuais e que em 1887 nohavia sido reivindicada, foi anexada colnia tambm em 1895.

    possvel que o mapa das colnias portuguesas no Sul de frica de 1895tivesse um potencial de explorao econmica menor do que o mapa virtualde 1887. Com efeito, as exploraes mineiras de Cecil Rhodes e seus asso-ciados, parte das quais na rea reclamada por Portugal, viriam a atingir

    35 V. Teixeira (1987). 475

  • Pedro Lains

    propores desconhecidas em qualquer das colnias portuguesas. Para almdisso, a riqueza mineira foi um factor importante no desenvolvimento dosinteresses europeus em frica, uma vez que as suas receitas facilitavam oinvestimento necessrio em infra-estruturas36. Porm, como veremos, os ter-ritrios que couberam a Portugal tambm se revelaram interessantes doponto de vista econmico.

    Quando, finalmente, ficaram definidas as fronteiras coloniais e as preten-ses de Portugal em frica foram asseguradas internacionalmente, o governode Lisboa ficou livre na sua poltica africana. Rapidamente se passou de umafase liberal, quanto ao comrcio e administrao, para um novo sistemacolonial, que visava assegurar as receitas necessrias administrao dosterritrios e, eventualmente, beneficiar a metrpole.

    3. O NOVO SISTEMA COLONIAL, 1892-1930

    Em 1892, j depois da Conferncia de Berlim e do ultimatum britnico,mas ainda antes da definio completa das fronteiras, o governo portugussentiu-se suficientemente forte para promulgar uma pauta aduaneira colonialque tudo ou quase tudo mudou. Com a nova pauta, as exportaes dePortugal para as colnias africanas passaram a pagar entre 10% e 20% dosdireitos estabelecidos na pauta geral, enquanto os produtos estrangeirosreexportados para as colnias atravs de Lisboa pagavam 80% e as expor-taes directas de outros pases para as colnias pagavam o total da tarifageral37.

    O resultado deste regime foi um crescimento significativo nas trocascomerciais entre Portugal e frica, particularmente no que diz respeito sexportaes portuguesas para as colnias africanas e destas para terceirospases, expedidas atravs de Portugal como reexportaes. Assim, depois deanos de marasmo, em 1900-1909 o peso das exportaes para as colniasafricanas ascendia a 15% do total das exportaes portuguesas. As importa-es de Portugal, por seu lado, mantiveram-se ao nvel do que tinham sidomeio sculo antes (v. quadro n. 4). Maior foi o crescimento das reexporta-es de produtos coloniais para outros pases, atravs de Lisboa, de tal formaque, logo na dcada de 1890-1899, o valor das reexportaes das colniasportuguesas era comparativamente maior do que o valor das reexportaesa partir da Gr-Bretanha e da Frana (v. quadro n. 6).

    36 V. Frankel (1938).476 37 V., por exemplo, Pautas vigentes [...] (1982).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Comrcio colonial(percentagem do comrcio total)

    [QUADRO N. 4]

    1840-18491850-18591860-18691870-18791880-18891890-18991900-19091905-191419201930-19391940-19491950-19591960-19691970-1974

    Importaes

    Colniasafricanas

    0,51,92,52,42,02,42,93,33,8

    10,213,214,014,111,7

    Outras colnias

    _

    -

    -

    -

    -

    -

    -

    -

    -

    0,00,00,10,20,4

    Exportaes

    Colniasafricanas

    1,02,43,13,72,9

    10,815,315,114,111,919,525,124,117,8

    Outras colnias

    -

    -

    -

    -

    -

    -

    -

    -

    0,20,60,60,30,2

    Nota. Dados para 1842, 1843, 1848, 1851, 1855, 1856, 1861, 1865-1914, 1920 e 1930--1974.

    Fontes: 1842-1914: Lains (1992, p. 127); 1920: Castro (1979, p. 229); 1930-1974: Ferreira(1994, quadros n.os 1-3, e no prelo).

    [QUADRO N 5]

    Exportaes europeias para as seguintes reas, 1913(percentagem)

    Portugal . . .Dinamarca .Finlndia . .Noruega . . .Sucia . . . .Frana . . .ItliaEspanha . . .Reino Unido

    Europa

    59,897,698,080,886,969,865,870,635,2

    Amricado Norte

    3,01,40,08,55,27,4

    13,36,5

    11,6

    Amricado Sul

    18,70,40,14,31,36,9

    11,618,212,6

    sia

    2,20,30,01,92,63,54,41,4

    24,5

    frica

    16,30,22,01,42,7

    12,34,33,27,4

    Ocenia

    0,00,10,03,01,00,10,40,18,6

    Fonte: Bairoch (1974, p. 573). 477

  • Pedro Lains

    Importncia das reexportaes, 1861-1913(percentagem)

    [QUADRO N. 6]

    1861-18701871-18801881-18901891-19001901-1913

    Portugal

    9,49,7

    11,621,321,1

    Reino Unido

    17,215,515,913,613,9

    Frana

    3,21,21,21,41,4

    Nota: Reexportaes/(reexportaes + importaes).Fontes: Lains (1992, p. 186), Imlah (1958, p. 170) e Levy-

    -Leboyer (1973, p. 86).

    O principal resultado da pauta aduaneira de 1892 foi o facto de as receitasem divisas estrangeiras decorrentes das exportaes das colnias serem retidasna metrpole, enquanto Portugal pagava s colnias em moeda nacional.Essas receitas ganharam um papel de relevo na balana de pagamentos portu-guesa. Em 1893 o ministro das Colnias ao tempo do mapa cor-de-rosa, BarrosGomes, lembrava na Sociedade de Geografia de Lisboa a crescente importn-cia para a economia portuguesa das divisas estrangeiras provenientes de An-gola38. Dado que as remessas dos emigrantes do Brasil anteriormente aprincipal fonte de financiamento da balana de pagamentos portuguesa haviam sofrido um severo revs entre 1888 e 1900, a alterao nas tarifasalfandegrias coloniais no podia ter vindo em melhor altura.

    No Brasil, na sequncia da revoluo republicana e da abolio da escra-vatura, em 1888, a moeda brasileira sofreu uma forte desvalorizao e osemigrantes portugueses reduziram as remessas, particularmente entre 1890 e1894. Em Portugal, a carncia de ouro e de moeda estrangeira da resultantelevou a uma crise no pagamento dos coupons da dvida externa, em 1891, quetardou a ser resolvida e que levou ao abandono do padro-ouro. Esta crisefinanceira teve amplas implicaes polticas, embora as suas consequnciaseconmicas fossem menos srias do que em tempos pensaram os historiado-

    res*39

    No quadro n. 7 esto patentes os valores corrigidos do comrcio directode Portugal e das reexportaes das colnias africanas40. Na coluna (c) do

    478

    38 Cit. por Alexandre (1979, p . 63). Cf. uma opinio semelhante expressa e m 1899 peloento ministro da Marinha e das Colnias, cit. e m Lains (1995, p . 130).

    39 V. Lains (1995); v. tambm Cordeiro (1896, p. 400) , Salazar (1916, pp . 193-199) eClarence-Smith (1985, pp. 86-87).

    40 Para pormenores respeitantes correco dos dados relativos ao comrcio externo, v.Lains (1995, apndice B) .

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    quadro pode ver-se que a balana comercial portuguesa, isto , da metrpole,se manteve em dfice em quase todo o perodo de 1865 a 1913, excepoda dcada de 1890-1899, quando o mil-ris sofreu uma desvalorizao.A coluna (f) apresenta a balana comercial das colnias, que se mantevepositiva a partir de 1875-1879. A coluna (i) mostra a balana das reexpor-taes coloniais, tambm positiva ao longo do perodo em causa. Estas ba-lanas traduzem proveitos de natureza diferente, uma vez que o comrciopara fora do imprio realizado em ouro e divisas estrangeiras, ao passo queo comrcio intra-imprio realizado em moeda portuguesa. Uma vez quetodas as divisas so retidas na metrpole, a balana relevante em moedaestrangeira corresponde balana comercial portuguesa, deduzida da balanade Portugal com as colnias e acrescida da balana das reexportaes dascolnias, apresentada na coluna (j) do quadro n. 7. Dessa balana resultaque, a partir de 1890-1894 a balana de Portugal em moeda estrangeira foipositiva, com excepo do quinqunio de 1905-1909.

    Portugal: balanas comerciais (valores corrigidos)(milhares de contos)

    [QUADRO N. 7]

    1855-185618611865-18691870-18741875-18791880-18841885-18891890-18941895-18991900-19041905-19091910-1913

    ia) (b) (c)

    Comrcio total

    Expor-taes

    15 76013 87515 16423 132

    24 51324 05832 34437 31655 36053 71244 80864 938

    Impor-taes

    19 64029 04327 96728 0913155430 88535 13934 57039 14654 87659 38873 058

    BC(a)-(b)

    - 3 880- 1 5 168- 1 2 802- 4 959- 7 0 4 1- 6 826- 2 795

    2 74616 214

    - 1 164- 1 4 580- 8 120

    (d) (e) (/)

    Comrcio com frica

    Expor-taes

    390515484758

    1047665

    100927127 8068 1876 9069 659

    Impor-taes

    437630727760663621697805963

    148618202 393

    BC1(

  • Pedro Lains

    1905-1915, sendo o resto coberto pelas remessas dos emigrantes. A revisodos dados oficiais implica que as remessas dos emigrantes eram substan-cialmente mais baixas ou que a balana de pagamentos portuguesa era po-sitiva, como acima se defende41.

    [QUADRO N. 8]

    Reexportaes e remessas de emigrantes(contos)

    1878-18791888-18891890-18931896-18991900-19041907-19091910-1913

    Reex-portaes

    (a)

    6952 2015 614

    13 18215 56313 72121445

    Remessas

    Registadas

    ib)

    2 9613 796107819654 2254 1263 558

    Estimadas

    (c)

    1184415 18443127 860

    16 90016 50414 232

    (

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Despesas pblicas(contos)

    [QUADRO N. 9]

    1852-18601861-18701871-18801881-18901891-19001901-19101911-19201921-19301931-19401941-19501951-19601961-19701971-1976

    Total

    11 22014 86022 6103163044 74057 420

    147 1001 399 5002 591 0003 790 5007 747 300

    20 682 10066 854 600

    Colnias

    Valor total

    10340360

    1 2302 5602 780

    1150062 50029 400

    186 700498 200

    5 387 90010 001 700

    Em percentagem

    Investi-mento

    92,959,065,216,282,412,059,936,411,813,6

    Militares

    19,34,9

    75,02,31,3

    24,551,485,885,2

    Outras

    7,121,730,08,8

    15,386,815,612,22,51,2

    Colnias/total

    (percenta-gem)

    0,12,31,63,95,74,87,84,51,14,96,4

    26,115,0

    Nota. As despesas totais so de Mata (1993, quadro n. 39). Os dados para a distribuiodas despesas coloniais so relativos aos perodos de 1884 a 1897 e de 1908 em diante.

    Fontes: 1851-1914: Mata (1993, quadros n.os 10, 14 e 39); 1915-1980: Ferreira e Pedra(1988, anexo I).

    Angola: oramento colonial(milhares de contos)

    [QUADRO N. 10]

    181918221824-18251829-18321843 . . .1853-18591860-18691870-18791880-1889 .1890-18991900-19091910-1914

    Receitas

    175152164149133241247419571

    1 2951 8432 797

    Despesas

    142183180143208267353433751

    14622 4773 889

    Saldo

    33- 3 1- 1 6

    6- 7 5- 2 6

    -106- 1 4

    -180-167-634

    - 1 0 9 2

    Fontes: 1819-1910: Macedo (1910, pp. 45 e 47-48); 1911--1914: Plissier (1997a, p. 228).

    Os benefcios que a economia da metrpole podia retirar das colniasdependiam da capacidade de oferta de produtos coloniais para exportao. Noquadro n. 11 podem ver-se os principais produtos de exportao do imprio. 481

  • Pedro Lains

    Na lista dessas exportaes incluem-se produes controladas por africanos,sem administrao nem capitais europeus, como a borracha selvagem, a cera eo pescado, e produes de plantaes a cargo de colonos europeus, como ocacau, o caf, as sementes oleaginosas e o acar. A importncia dos produtosde produo nativa decresceu no perodo entre 1901 e 1936, enquanto asexportaes das plantaes aumentaram, excepo do cacau. De facto, asexportaes de acar (especialmente de Moambique), caf (especialmente deSo Tom e Angola), algodo e sisal (de Angola e Moambique) e milho (deAngola) aumentaram no perodo de 1901 a 1936. As exportaes da fricaportuguesa duplicaram entre 1901 e 1919 (em libras esterlinas e a preoscorrentes), verificando-se um declnio durante a Primeira Grande Guerra eestabilizando da para a frente, at 1929, para se assistir a novo declnio at1934, ano em que os nveis do incio do sculo foram restabelecidos (v. quadron. 12)43. As colnias portuguesas sofreram, provavelmente, tanto como asoutras economias dependentes da exportao de produtos primrios.

    Composio das exportaes coloniais, 1901-1936

    [QUADRO N. 11]

    GadoPelesCeraSementesleosAlgodoSisalTabacoBorrachaMadeiraDiamantes . . . .OuroCarvoPescadoAcarCafCacauCereaisSalOutros

    T o t a l . . . .

    Milhares de contos

    1901

    1369

    511913

    34900

    3 32644

    000

    736163

    1 1224 180

    9073

    974

    12 257

    1913

    93222660

    3 08199801711

    2 36762

    000

    7692 3311 4407 172

    28760

    2 091

    20 842

    1927

    2 6227 481

    14 258183 046

    11 27316 63914 810

    8331 3951 299

    38 4984 449

    38932 91387 74967 91783 98755 3414 041

    36 937

    665 877

    1936

    2 6595 694

    14 230150 274

    4 89333 25852 405

    890293

    1 54983 3384 802

    54618 38275 93459 68023 68657 3642 324

    37 001

    629 202

    Percentagem

    1901

    0,10,64,27,40,30,10,00,0

    27,10,40,00,00,06,01,39,2

    34,10,70,67,9

    100

    1913

    0,41,13,2

    14,80,50,40,10,1

    11,40,30,00,00,03,7

    11,26,9

    34,41,40,3

    10,0

    100

    1927

    0,41,12,1

    27,51,72,52,20,10,20,25,80,70,14,9

    13,210,212,68,30,65,5

    100

    1936

    0,40,92,3

    23,90,85,38,30,10,00,2

    13,20,80,12,9

    12,19,53,89,10,45,9

    100

    Nota. Excluindo a Companhia do Niassa e Macau.Fonte: Salgado (1939, quadro n. 12b).

    43 O quadro n. 11 inclui o valor do comrcio para as colnias asiticas (a ndia portu-guesa, Macau e Timor). O valor do comrcio da ndia portuguesa e de Timor relativamente

    482 pequeno, e Macau era um porto de passagem para a China.

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Comrcio colonial, 1901-1936(milhares de libras)

    [QUADRO N. 12]

    Exportaes

    1901-1910 . .1911-1920. .1921-1930 . .1931-1936 . .

    Importaes

    1901-1910 . .1911-1920. .1921-1930 . .1931-1936 . .

    Exportaes

    Guin

    109304357273

    167367387233

    CaboVerde

    62533224

    173229335222

    SoTom

    14221239

    615285

    572733351165

    Angola

    1 1161 1882 0292 148

    12661 1492 2291506

    Moam-bique

    66212502 6031521

    17072 5283 9302 973

    ndia

    144245293194

    416726

    1 1211 111

    Macau

    157216431518

    788

    18452 2312 7401840

    Timor

    6790

    14459

    5979

    11359

    Total

    5 15460137 5915 292

    6 2058 043

    112068 109

    Totalfrica

    3 3714 0345 6364 251

    3 8855 0077 2325 098

    Fonte: Salgado (1939, quadros n.os 3 e 6).

    O crescimento das exportaes de produtos coloniais dependia da produ-o interna, decorrente da extraco dos recursos existentes, como a borra-cha, ou da oferta das plantaes, e do transporte do interior para a costa.Com o fim de serem recolhidas receitas nas alfndegas, era importante queas produes fossem dirigidas para os portos sob administrao portuguesa.E essa era seguramente uma das principais preocupaes das autoridades,tarefa que no era facilitada pela proximidade de pontos de embarque alter-nativos prximos das fronteiras coloniais. Com efeito, a norte de Angolasituava-se a zona de comrcio livre do Congo, para onde deviam ser desvia-dos muitos produtos de origem angolana. O mesmo se passava a norte deMoambique, com o desvio de mercadorias para o Zambeze. A definiodas fronteiras, na dcada de 1890, ajudou a estabelecer o controle sobre odestino da produo colonial, que, ao ser canalizada para as alfndegas sobadministrao portuguesa, contribua para as receitas da administrao locale, por essa via, dava os meios necessrios intensificao do controle. Poroutro lado, o facto de os produtos de exportao passarem pelas alfndegasportuguesas induzia o comrcio de reexportao via Lisboa, uma vez queesse comrcio era favorecido nas pautas. Este era um dos alicerces do novosistema colonial. Mas esse alicerce no era suficiente.

    Para garantir a produo nas plantaes e a extraco nas florestas eranecessria mo-de-obra, um factor de produo escasso em frica, prova-velmente menos do que o capital, mas seguramente mais do que a terra.O controle das populaes africanas tomou-se mais difcil depois da abolioda escravatura. Esse controle era uma questo da maior importncia parauma colonizao bem sucedida no s porque contribua para a obteno da 483

  • Pedro Lains

    mo-de-obra necessria s plantaes, mas tambm porque permitia cobrarimpostos.

    Em 1899, um novo cdigo laborai foi aplicado a todos os nativos africanos,impondo um regime de trabalho forado44. Este cdigo e a pauta de 1892foram acompanhados por um reforo das atribuies dos altos comissrios dascolnias. Esse novo papel atraiu homens de maior reputao poltica e queacabaram por exigir maior autonomia administrativa, que conseguiram a se-guir implantao da Repblica. Entretanto, os encargos fiscais com ascolnias aumentaram a partir da dcada de 1890, particularmente em Angola.Durante a Primeira Guerra Mundial, a parte das colnias nas despesas dogoverno da metrpole subiu para 12%, descendo depois para um nvel seme-lhante ao que se verificara no sculo xix (cf. quadro n. 9). Os oramentoscoloniais, todavia, tornaram-se cada vez mais desequilibrados, especialmenteno caso de Angola, em grande parte porque as despesas militares mais do quetriplicaram nos perodos entre 1883 e 1887 e 1903 e 1907, tendo atingido em1907 um mximo de 51% do total da despesa para esse ano45.

    A posio geralmente favorvel das colnias de frica na balana depagamentos portuguesa e o seu peso relativamente baixo no oramento dametrpole chegaram gradualmente ao fim durante o regime republicano(1910-1926). Quatro factores contriburam para este resultado. Em primeirolugar, a guerra contra o poder indgena na Guin, em Angola e em Moam-bique intensificou-se at 1926, quando teve lugar o ltimo conflito importan-te nas colnias. Em segundo lugar, a autonomia concedida aos altos-comis-srios levou ao aumento das despesas de investimento colonial, uma polticaque era apoiada por Lisboa, porque se acreditava que as colnias necessita-vam de infra-estruturas para as tornar rentveis e menos propensas guerra.Em terceiro lugar, no que diz respeito ao tipo de produtos primrios expor-tados pelas colnias portuguesas, foi particularmente forte o impacto nega-tivo da Primeira Guerra Mundial nos mercados internacionais. Por fim, aforma como Portugal financiou a guerra provocou uma inflao elevada eperturbaes nas finanas pblicas, tanto na metrpole como nas colnias.

    Ao golpe de Estado de 1926 seguiu-se um perodo de reorganizao finan-ceira, levada a cabo pelo Estado Novo. Nas colnias foi mais difcil implemen-tar as reformas, porque foram mais graves os efeitos da grande depresso de1929-1932. A balana comercial de Portugal com as colnias entrou em dficesubstancial, primeiramente, em 1913 e, posteriormente, ao longo da dcada de20. Nos anos de 1929 a 1931 verificaram-se os maiores dfices desde o incio

    44 Essa obrigao foi posteriormente regulamentada pelos cdigos laborais de 1926 e 1928e em 1930 foi limitada ao trabalho em obras pblicas [v. Duffy (1961, pp. 318-321)].

    45 Em 1900-1910, o dfice acumulado para o Governo-Geral de Angola (7100 contos)ultrapassava o dfice das cinco dcadas anteriores, de 1852 a 1899 (5500 contos) [v. Macedo

    484 (1910, pp. 54-61)].

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    do sculo. As exportaes no recuperaram e as importaes sofreram um corteaproximadamente de metade entre o mximo de 1929 e o ano de 193446.

    4. A CONSOLIDAO E O FIM DO IMPRIO, 1930-1975

    O Acto Colonial de 1930 marcou uma nova era no relacionamento dePortugal com as colnias. Este acto, que viria a ser integrado na Constituiode 1933, visava estabelecer um novo sistema colonial que se pautava peloequilbrio de comrcio e de pagamentos efectuados entre Portugal e as col-nias. Acresce que a autonomia das administraes coloniais era diminuda demodo que todo o sistema pudesse ser gerido a partir de Lisboa. Esta estratgiatinha como fim criar um equilbrio financeiro no seio do imprio. Por interm-dio do controle dos cmbios, imposto em 1931, o novo sistema canalizou amoeda estrangeira resultante das exportaes coloniais para a economia dametrpole, criando, assim, uma fonte importante dos meios para financiar osdfices de Portugal na conta corrente da balana de pagamentos. Acrescente--se que a quota das colnias no comrcio portugus aumentou substancialmen-te. O sector exportador portugus respondia, finalmente, s oportunidadesoferecidas pelos mercados protegidos em frica, ao passo que o consumo pelaindstria portuguesa de matrias-primas coloniais, como fibras txteis e leosindustriais, aumentava gradualmente com a industrializao do pas.

    No quadro n. 13 apresentam-se os valores do comrcio do imprio por-tugus para 1927-1931. A pode ver-se que as colnias tinham dfices co-merciais reduzidos tanto no que diz respeito ao comrcio total (1 060 600contos de exportaes contra 1 142 700 contos de importaes) como noque diz respeito ao comrcio com terceiros pases (812 000 contos contra987 000). O quadro n. 14 mostra uma situao idntica para os anos de1932-1936 e 1947-1951 (para estes anos o dfice dever ser reduzido pelaaplicao de um factor de 30% ao valor das exportaes)47. A quota dospases estrangeiros nas exportaes das colnias da frica portuguesa au-mentou de 1901 para 1927-1931, estabilizou nos anos 1932-1936, voltandoa aumentar em 1947-1951. Entre 1927 e 1931 e 1932 e 1936 a quota dasimportaes coloniais de fora do imprio baixou de 72% para 62%. Contudo,o declnio nas importaes totais foi mais acentuado do que o declnio dasexportaes e as colnias apresentaram, provavelmente, um excedente noprincpio dos anos 30 (se se tiver em conta a correco do valor oficial dasexportaes). Tal resultado decorreu das medidas proteccionistas impostaspelo Acto Colonial de 1930.

    46 V. Duffy (1961 , pp. 331).47 No existe uma reviso equivalente apresentada no quadro n. 7 para as estatsticas

    relativas ao comrcio externo portugus no perodo aps 1914. Ribeiro Salgado (1934, p . 91)sugere que as exportaes de Portugal tinham sido depreciadas em 50% e as exportaes dascolnias em 30%. 485

  • Pedro Lains

    O governo de Lisboa imps o equilbrio das contas pblicas e dos saldoscomerciais das colnias e logo em 1931 os oramentos de Angola e Moam-bique atingiram uma situao de equilbrio. O saldo do oramento da colniade Moambique atingiu valores excedentrios durante a maior parte das dca-das seguintes devido s receitas dos impostos sobre a emigrao de africanospara as minas das Rodsias e da frica do Sui48. Estas medidas tiveramseguramente um efeito contraccionista nas economias africanas. Todavia, apsa Segunda Guerra Mundial, as colnias africanas voltaram a ser uma fonte demoeda estrangeira para Portugal e a poltica de contraco de despesas foiabrandada. O sistema arcaico de reexportaes atravs de Lisboa, reforadopelo regime de taxas de 1892, foi substitudo em 1930 por um sistema decontroles do cmbio que determinava que os ganhos em moeda estrangeiraoriundos das exportaes africanas tinham de ser depositados no Banco dePortugal, em Lisboa, em troca de escudos portugueses e outras moedas colo-niais (oscilando a proporo destas duas moedas de colnia para colnia). Asimportaes directas das colnias podiam ser pagas em escudos, em Portugal,e as importaes de pases estrangeiros tinham de ser liquidadas em moedaestrangeira, facultada, dentro de certos limites, pelo governo portugus49.

    Comrcio no imprio, 1927-1931(contos)

    [QUADRO N. 13]

    Valores oficiais

    PortugalColniasOutros pases

    Total

    Valores corrigidos

    PortugalColnias .Outros pases

    Total

    Exportaes para

    Portugal

    103 600812 900

    916 500

    155 4001219 400

    1 374 800

    Colnias

    191 200

    624 600

    815 800

    248 600

    812 000

    1 060 600

    Outros pases

    2 198 600987 300

    3 185 900

    2 198 600987 300

    3 185 900

    Total

    2 389 8001 090 9001 437 500

    4 918 200

    2 447 2001 142 7002 031400

    5 621 300

    Nota. Para corrigir o valor das exportaes de Portugal aplicou-se uma taxa de 50%;e de 30% para as exportaes das colnias. Os valores das exportaes dos outros pases(importaes) no foram corrigidos [v. Salgado (1934) e Lains (1995, apndice B)].

    Fonte: Adaptado de Salgado (1934, quadro n. 1).

    486

    48 V. Duffy (1961, p. 331).49 V. Castro (1980, p. 168) e Clarence-Smith (1985, p. 16).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Comrcio das colnias portuguesas, 1901, 1913, 1927-1936 e 1947-1951(contos)

    [QUADRO N. 14]

    Exportaes para

    (Portugal1901 Outras colnias . .

    ] Outros pases . . .l Total[Portugal

    1913 J Outras colnias . .[Outros pases . . .L Total[Portugal

    J Outras colnias . .jOutros pases . . .L Total

    Portugal

    j Outros pases . . .

    l Total[Portugal

    1947-1951 ^OutrosL Total

    Importaes de

    [Portugal1901 J Outras colnias . .

    [Outros pases . . .l Total[Portugal . .

    1913 . . . J Outras colnias . .[Outros pases . . .l Total[Portugal

    1 9 2 7 .1 9 3 1JOutras colnias . .] Outros pases . . .L Total(Portugal

    1932 1936

  • Pedro Lains

    Relativamente balana de pagamentos no seio do imprio, s existemnmeros oficiais a partir de 1964, mas possvel ter uma ideia da contribui-o das colnias para a balana de pagamentos portuguesa no perodo desde1947. O quadro n. 15 mostra que, no que se refere aos valores relativos aosrendimentos do imprio (Portugal e suas colnias), a balana de pagamentosapresenta um saldo positivo para a maior parte do perodo entre 1950 e 1971.At 1965, os valores relativos aos rendimentos s de Portugal apresentavamum dfice, sendo, pois, o excedente global atribuvel ao contributo das col-nias50. A partir de 1965, as colnias puderam reter os seus excedentes,mas nessa altura j Portugal tinha um excedente com pases estrangeiros ea importncia relativa das colnias tinha decado. De 1967 em diante, ascontribuies provenientes das remessas de emigrantes ultrapassaram as col-nias enquanto fontes de moeda estrangeira, tendo o contributo das colniaspara os ganhos em moeda estrangeira por parte de Portugal diminudo signi-ficativamente em 1973. A contribuio das colnias para a balana de paga-mentos de Portugal est relacionada com a participao no comrcio externoportugus. Nos anos 60 as exportaes para as colnias correspondiam a 24%do total das exportaes e a 4% do PIB de Portugal (v. quadro n. 16).

    A reduo da importncia das relaes dentro do imprio, quer paraPortugal, quer para as colnias, esteve associada adeso de Portugal EFTA, em 1959, e ao Acordo Internacional de Tarifas (GATT), em 1962.A reduo das tarifas aduaneiras da metrpole foi gradual, mas implicou umreforo das relaes comerciais no coloniais. Estas medidas de maior aber-tura ao exterior por parte de Portugal tiveram como contrapeso a instaurao,em 1962, do Espao Econmico Portugus, uma zona de comrcio livredentro do imprio. Mas isso no impediu a gradual perda de importncia docomrcio colonial no conjunto do comrcio de cada uma das reas51.

    Para uma avaliao global da contribuio das colnias para a economiaportuguesa necessrio somar s transferncias oficiais de moeda estrangei-ra os ganhos procedentes da venda de diamantes angolanos e as receitas doCaminho de Ferro de Benguela, que no estavam includas no cmputooficial52. Tambm ser necessrio levar conta dos benefcios para Portugalos ganhos decorrentes da diferena entre o preo que Portugal pagava scolnias e os preos internacionais, o capital retido nas colnias em juros oudepsitos pertencentes a cidados portugueses53.

    Segundo a estimativa de Armando de Castro (1980), os benefcios finan-ceiros globais das colnias eram largamente superiores s transfernciasoficiais de moeda estrangeira (v. quadro n. 17). Com efeito, em 1957 as

    50 Nos anos 50 a contribuio das colnias africanas para a balana de pagamentos eratambm de grande importncia para a Gr-Bretanha, Blgica e Frana [v. Rodney (1982,pp. 171-172)] e Havinden e Meredith (1993).

    51 V. Ferreira (1990 e no prelo).52 V. Castro (1980) e Leite (1990).

    488 53 Em 1960 o diferencial de preo passou a ser desfavorvel s colnias.

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Balana de pagamentos(milhares de contos)

    [QUADRO N. 15]

    19481949195019511952195319541955195619571958195919601961196219631964196519661967 .196819691970 .19711972 .1973

    l

    Portugal--outrospases

    - 3 011- 2 461

    -397- 152

    - 1 281-791

    - 1 072- 1 327- 1 406- 2 422- 2 137- 2 017- 3 176- 6 455

    575-711-495-4851 8683 9741 268-514

    947 8658 7636 517

    2

    Colnias--outrospases

    45425868

    2 3311 7022 8762 4601 9562 2982 2422 9622 8072 6473 3492 2632 4763 6262 4542 0442 0932 8472 1572 437

    3871 122

    3

    Portugal -colnias

    1 8612 9452 0022 4173 0333 5872 167- 200- 6411 886

    4

    Imprio(1 + 2)

    - 2 966- 2 036

    4712 179

    4212 0851 388

    629892

    - 180825790

    - 529- 3 106

    2 8381 7653 1311 9693 9126 0674 1151 6432 5318 2529 885

    5

    Portuga](1 + 3)

    _

    1 3662 4603 8706 3914 3013 0732 2617 6658 1228 403

    Nota. A coluna 1 inclui, at 1967, os erros e omisses da balana colnias-outros pases.Fonte: Rocha (1982, quadros n.os 1 e 2).

    transferncias de Angola e Moambique atingiam 1 110 000 contos, sendoque os demais benefcios totalizavam 2 652 000 contos. Os clculos deArmando Castro (1980) no coincidem totalmente com os dados apresenta-dos anteriormente no quadro n. 15, porquanto abrangem valores j includosnas vrias balanas de pagamentos do imprio. Todavia, podemos concluircom segurana que as receitas oriundas das colnias, tal como foram calcu-ladas por aquele autor, implicam um saldo positivo na conta corrente para oano de 1957 tanto para Portugal como para o imprio. Esta estimativa deArmando Castro pode ser tomada como o limite superior da contribuio dascolnias como fonte de moeda estrangeira para a economia portuguesa. 489

  • Pedro Lains

    Nesse caso, os benefcios totais das colnias portuguesas ascenderiam a 6%do PIB de Portugal.

    Em virtude do baixo nvel de poupana, em comparao com os restantespases do Sul da Europa, Portugal tinha um dfice de investimento. Essedfice tinha de ser preenchido quer por importaes de capital, quer portransferncias unilaterais. Neste contexto, possvel que a contribuio dascolnias tenha desempenhado um papel importante no financiamento docrescimento econmico em Portugal54. Dado que as exportaes de capitalde Portugal para as colnias permaneceram baixas durante os primeiros anosda dcada de 60, o baixo nvel da poupana interna no podia ser imputado

    Comparao das fontes de divisas(milhares de contos)

    [QUADRO N. 16]

    19641965196619671968 . . . .19691970 . . .197119721973

    1 2 3

    Portugal-colnias

    Balana

    De pagamentos

    1 8612 9452 00224173 0333 5872 167-200-6411886

    Comercial

    14602 165151925122 6992 4241859

    4482 1104 081

    Total

    3 3215 1103 5214 9295 73260114 026

    24814695 967

    4

    Transfernciasprivadas do

    exterior

    2 2703 1094 5375 9937 548

    11 27713 87518 2662183125 569

    5

    (3/4)

    1,4631,6440,7760,8220,7590,5330,2900,0140,0670,233

    Fonte: Rocha (1982, quadros n.os 3 e 7).

    preservao do imprio. Edgar Rocha (1982) defende que, nos anos 60, asremessas dos emigrantes contriburam para a sobrevalorizao do escudo,o que favorecia as importaes, particularmente de bens de capital, e logo umpadro de crescimento mais intensivo na utilizao do factor capital. Toda-via, a verdade que durante as dcadas de 50 e 60 Portugal tinha o coefi-ciente capital-produto mais baixo entre os pases da Europa do Sul, do queresulta que a maior utilizao de capital no constitua problema. Dessemodo, a posio favorvel na balana de pagamentos do pas decorrente das

    490 54 V. Green (1969, pp. 351-352).

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    Estimativa dos ganhos para Portugal provenientes das colnias para 1957(milhares de contos)

    [QUADRO N. 17]

    Transferncias oficiais de divisas .Outras receitas em divisasReceitas de diferenciais de preosCapital retido, juros e depsitos . .

    Total

    Angola

    791561500800

    2 652

    Moambique

    3190

    155466

    940

    So Tom ePrncipe

    000

    100

    100

    Guin eCabo Verde

    00

    10050

    150

    Total

    1 110561755

    1416

    3 842

    Fonte: Castro (1980, pp. 170-171, 230-231, 311-312 e 360).

    receitas coloniais e, mais tarde, das remessas dos emigrantes teve,provavelmente, um efeito positivo na economia portuguesa55.

    A guerra colonial levou a que os gastos com as colnias subissem a 26%do oramento pblico de Portugal entre 1961 e 1974 e que a parcela atri-buda s foras armadas nesse oramento aumentasse para 85%. Para almdisso, as tropas enviadas correspondiam a 6% da fora total de trabalho dePortugal. O custo global das guerras em frica foi elevado. Na dcada de 60corresponderia a 8% do PIB, ou seja, mais do que os clculos mais optimis-tas para os benefcios que a metrpole retirava do ultramar em 1957, segun-do Armando Castro. Edgar Rocha (1977) defende que o acrscimo das des-pesas do Estado induzido pela guerra ter estimulado o aumento da procurainterna de bens industriais, assim como o crescimento do consumo interno,por ter invertido as polticas fiscais rgidas que os governos tinham mantidodesde o incio da dcada de 5056.

    5. CONCLUSO

    O estudo da ocupao dos territrios africanos e a consequente delimita-o de fronteiras atravs de tratados com as naes africanas e as outraspotncias coloniais europeias permitem algumas concluses sobre os funda-mentos do colonialismo portugus. Na primeira parte deste artigo deu-seuma perspectiva sobre a forma como as fronteiras portuguesas em fricaforam desenhadas, os nativos pacificados e o territrio ocupado. Chegados dcada de 1890, o interesse pblico (e privado) por frica ganhou novoscontornos, marcados pela fixao das ltimas fronteiras de Angola e Moam-

    55 V. Rocha (1982, pp. 1070-1074). Para o coeficiente capital-produto, v. Pintado (1964,p. 29). 491

  • Pedro Lains

    bique e pelo estabelecimento de novos quadros legislativos para os outrosdois grandes problemas da colonizao africana: a tributao, alfandegria epessoal, e o controle da fora de trabalho nativa.

    Os fundamentos do colonialismo portugus no se alteraram necessaria-mente na dcada de 1890: os interesses privados, os interesses da polticametropolitana e o atavismo continuavam presentes, porventura tendo havidoalguma alterao na fora com que se manifestavam. Mas a dcada de 1890assistiu a outro fenmeno, tambm com origens no perodo anterior, mas queagora ganha contornos claramente mais importantes. Trata-se da crescenteimportncia dos rendimentos do comrcio colonial de reexportao no saldoda balana de pagamentos portuguesa. Este benefcio financeiro para a metr-pole atingiu propores tais que superou os saldos de outras facetas dasrelaes com as colnias, nomeadamente dos oramentos pblicos, metropoli-tano e colonial, e o dos emprstimos contrados em Portugal ou no estran-geiro.

    A seguir Primeira Guerra Mundial, as colnias africanas passaram acustar ao governo portugus o que nunca at ento tinham custado. Esseaumento de custos decorreu das necessidades de defesa e, depois, do aumen-to da autonomia governativa, que levou ao descontrole das finanas colo-niais. O governo de Salazar, a partir de 1930, ps cobro a isso e as colniaspassaram a custar menos ao governo da metrpole, porventura numa propor-o dos recursos desse governo semelhante das ltimas dcadas antes daguerra. A partir de ento, as colnias africanas voltaram progressivamente aolugar que j haviam tido na balana de transaces correntes metropolitana(com saldos positivos nas balanas de bens e servios, de rendimentos docapital e trabalho e das transferncias unilaterais), lugar que perdurou at aoincio da dcada de 70.

    Este artigo no tratou do estudo dos efeitos da colonizao africana naestrutura da economia portuguesa. Aqui o saldo poder ser negativo caso oscustos do tipo de especializao do comrcio externo metropolitano decor-rente da existncia das colnias fossem superiores aos benefcios decorrentesda existncia de mercados garantidos. Todavia, a parte da produo indus-trial, do investimento e da populao de Portugal desviada pelo proteccionis-mo colonial era relativamente baixa. plausvel que a contribuio dascolnias de frica para o financiamento da balana de transaces correntestenha sido mais importante do que os eventuais efeitos negativos do sistemacolonial. Se assim for, compreende-se melhor o secular interesse colonialda administrao metropolitana.

    A importncia das colnias na economia portuguesa foi sendo reduzidaa partir do incio dos anos 60, quando Portugal aumentou as suas ligaescomerciais, de investimento e de emigrao com a Europa industrial, ao

    492 mesmo tempo que as colnias comearam a estar cada vez mais dependentes

  • Causas do colonialismo portugus em frica, 1822-1975

    das importaes das matrias-primas industriais e de capitais de pases es-trangeiros. O desenvolvimento das relaes econmicas do conjunto doimprio com o resto do mundo deu-se a passo da liberalizao do comrciono interior do prprio imprio, por via da instituio do Espao EconmicoPortugus, em 1961.

    Todavia o contributo das colnias enquanto fonte de financiamento exter-no da economia portuguesa diminuiu de 1960 em diante, ao mesmo tempoque as despesas com as guerras coloniais aumentaram significativamente.Certamente no era a primeira vez, no perodo desde 1822, que as colniaseram simultaneamente um peso para o oramento do governo central e umfraca fonte de moeda estrangeira. Contudo, ao chegarmos a 1974-1975, ascondies da poltica interna e internacional eram tais que o ltimo impriocolonial em frica chegaria ao fim.

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