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CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO COBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISÃO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO? Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação do Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior. Recife, Dezembro de 2005

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS … · pesquisar e da solidariedade de quem está por perto para incentivar. ... assim mesmo, com N maiúsculo. Agradeço também

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  • CENTRO DE ARTES E COMUNICAOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO

    COBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMOOU ENTRETENIMENTO?

    Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa

    Dissertao apresentada como requisito para a obteno do ttulode Mestre em Comunicao pela Universidade Federal dePernambuco, sob a orientao do Prof. Dr. Alfredo Eurico VizeuPereira Jnior.

    Recife, Dezembro de 2005

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    CENTRO DE ARTES E COMUNICAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO

    COBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU

    ENTRETENIMENTO?

    Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao emComunicao da Universidade Federal de Pernambuco comorequisito para a obteno do ttulo de Mestre, sob a orientaodo Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jnior.

    Recife, Dezembro de 2005

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    Dedico este trabalho queles que, embora torcessem, apoiassem e

    se sacrificassem, jamais imaginariam que tamanho passo tornar-

    se-ia realidade: meus pais, Joo e Maria. por eles que este

    trabalho existe. para eles que cada palavra foi escrita, na

    certeza de que seu esforo no foi em vo.

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    AGRADECIMENTOS

    Um trabalho de pesquisa, por mais pessoal que seja, jamais individual. O resultado sempre

    reflete mais que um esforo de busca intransigente pela verdade porque traz em si marcas do que foi e do

    que : um sonho e uma realidade, possibilitados pela unio da fora de vontade de quem se prope a

    pesquisar e da solidariedade de quem est por perto para incentivar. Com este esprito, agradeo ao meu

    orientador por toda a dedicao em me fazer compreender e, mais que isso, em me fazer realizar. Vizeu,

    para o bem ou para o mal, este trabalho Nosso, assim mesmo, com N maisculo.

    Agradeo tambm Propesq pelo fomento pesquisa.

    Jos Carlos, Cludia, Lucy, vocs so companheiros nesta caminhada. Afinal, como ns,

    estudantes, poderamos concluir nossa tarefa sem o apoio de um corpo tcnico to competente?

    A todos os professores do PPGCOM, dedico o mais sincero agradecimento. Todos vocs

    ajudaram a cimentar um conhecimento terico indispensvel para a consolidao de um esprito crtico e

    inconformado com a aparncia e a superficialidade. Vocs, em suas diferentes abordagens, ensinaram-me

    a procurar a verdade que se esconde mais alm. Podemos jamais encontr-la, mas devemos sempre t-la

    como ponto de chegada.

    Aos colegas de turma agradeo a acolhida e o companheirismo.

    Aos amigos e torcedores organizados, meu muitssimo obrigada: Izaas, obrigada por estar

    sempre ao meu lado e nunca, em momento algum, ter permitido que o desnimo anuviasse a viso da

    estrada que conduz realizao dos sonhos; Salomon, obrigada por, mesmo de longe, estar sempre to

    perto; Prof. Ferreira Jnior, voc est nesta minha aventura pela busca pelo saber desde o incio sem

    voc dificilmente isto teria comeado; tio Lus, obrigada pelo incentivo; Jayme, obrigada por no esquecer

    de mim em suas oraes; Prof. Vera Camargo, obrigada por compartilhar comigo seus conhecimentos;

    Mrcio Pinto, obrigada pela amizade e pela partilha de inestimveis informaes acumuladas durante

    todos esses anos na militncia do Jornalismo Esportivo; Laryssa, obrigada por guardar em voc a razo

    que falta em mim mesma amiga.

    Por fim, e mais uma vez, agradeo a uma famlia que semeia a educao como a maior

    riqueza que algum pode ter: Joo, Maria, Karla, Scarlet, Rossini, Di Stefano, Stefhany. Vocs so o

    meu tesouro mais valioso.

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    RESUMO

    A presente anlise uma contribuio terica Sociologia do

    Jornalismo e Cincia da Comunicao atravs da investigao

    sobre a atual cobertura esportiva na televiso brasileira.

    Procuramos encontrar uma soluo para nosso problema de

    pesquisa a cobertura esportiva na televiso Jornalismo ou

    Entretenimento? balizados pela hiptese de que a cobertura

    esportiva um Jornalismo diferenciado, mesmo hbrido, que

    guarda marcas identitrias inerentes ao meio de difuso.

    Argumentamos que, por causa da influncia da televiso, a

    prtica editorial do noticirio esportivo sofreu transformaes

    ao longo do sculo XX que contriburam para o

    desenvolvimento de um modelo jornalstico com caractersticas

    prprias, embora complementares, com relao ao todo do

    Jornalismo, o qual, ele mesmo, no ficou imune s novas

    tecnologias e s novas demandas de uma sociedade

    multifacetada e em constante movimento. O trabalho encerra

    uma discusso terica acerca da natureza do Jornalismo, do

    Entretenimento e da Televiso enquanto meio difusor e

    modificador de modelos editoriais, alm de analisar como

    esses trs elementos se encontram e interagem na cobertura

    esportiva oferecida pela televiso brasileira. Uma discusso

    historiogrfica acerca da introduo, consolidao e evoluo

    do noticirio esportivo no Brasil tambm levada a efeito ao

    longo da pesquisa com a inteno de oferecer uma viso

    histrica a respeito de uma prtica enraizada na cultura

    jornalstica nacional.

    Palavras-chave: Jornalismo Esporte Televiso

    Entretenimento

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    ABSTRACT

    This analyzis is a theoretical contribution to Journalism

    Sociology and to Communication Science through a research

    about the current sportive coverage in Brazilian television. We

    quest to find a solution to our research problem is the

    sportive coverage in the television Journalism or

    Entertainment? based by the hypothesis that sportive

    coverage is a kind of differentiated Journalism, even hybrid,

    that has identity traces inherent to diffusion vehicle. We defend

    that, because of television influence, news bulletins editorial

    practice had passed by changes along 20th Century that

    contributed to development of a journalistic pattern with own

    characters, although complementary, in relation to the whole

    of Journalism, which, itself, doesnt stood immune to new

    technologies and to new demands of a many-faceted society in

    constant movement. This work brings a theoretical discussion

    about the nature of Journalism, Entertainment and Television

    as diffuser manner and modifier of editorial patterns, besides

    to analyze how these three elements meet and interact in the

    sportive coverage offered by Brazilian television. A historical

    discussion about introduction, consolidation and evolution of

    the news bulletins in Brazil also is made along the work with

    intention to offer a historical view in respect to a taken root

    practice in the national journalistic culture.

    Keywords: Journalism Sport Entertainment Television

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    Na Idade da Mdia, emoo e notcia devem estar juntas. A combinao de

    CNN e MTV se tornou uma realidade. A idade da infodiverso j nasceu.

    Neil Lazarus

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    SUMRIO

    pINTRODUO........................................................................... 11PRIMEIRO TEMPO.................................................................... 191 O JORNALISMO QUE A SOCIEDADE CONSOME:

    um pensar terico....................................................................... 20

    1.1 Sobre o Jornalismo............................................................ 211.2 As Notcias......................................................................... 321.3 Jornalismo: em busca de uma definio................................. 382 TELEVISO E JORNALISMO................................................... 412.1 Televiso: aspectos tericos................................................. 422.2 A televiso no Brasil.......................................................... 512.3 Sobre o Telejornalismo...................................................... 59INTERVALO.............................................................................. 673 JORNALISMO E ENTRETENIMENTO........................................ 68SEGUNDO TEMPO..................................................................... 834 JORNALISMO ESPORTIVO: alm dos resultados....................... 844.1 Futebol e Jornalismo.......................................................... 854.2 Jornalismo Esportivo e televiso........................................ 954.3 Notcia Esportiva: um espetculo venda............................. 1045 PARA SER NOTCIA NA TV: critrios de noticiabilidade

    do esporte................................................................................. 112

    5.1 Notcia Esportiva: seleo................................................... 117

    PRORROGAO........................................................................ 1386 GUISA DE CONCLUSO....................................................... 139ANEXOS..................................................................................... 143REFERNCIAS............................................................................. 153

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    ANEXOS

    p

    ANEXO 1: Relao das reportagens utilizadas no corpus..................143

    ANEXO 2: Modelo de pauta na editoria de esportes.........................150

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    INTRODUO

    O problema central desta pesquisa a cobertura esportiva na

    televiso Jornalismo ou Entretenimento? a expresso de uma

    inquietao nascida no ambiente profissional. Durante quase cinco anos

    trabalhei como produtora de programas esportivos em uma emissora

    afiliada da Rede Globo no Maranho1.

    Enquanto profissional percebi que as redaes de TV

    geralmente so dividas em Departamento de Jornalismo e Diviso,

    Departamento ou Ncleo de Esportes, diviso esta nem sempre formal

    mas que, implcita ou explicitamente, denota uma rotinizao

    operacional feita a partir de critrios prticos sobre a utilizao dos

    equipamentos, distribuio dos jornalistas e do espao na programao

    das emissoras.

    Enquanto telespectadora, passei a perceber que a diviso

    operacional feita de forma aleatria, sem um critrio terico

    identificvel, refletia-se no produto que ia ao ar. Os telejornais

    esportivos, em todas as emissoras de sinal aberto que acompanhava,

    ora pareciam ser regidos por critrios estritamente jornalsticos, ora se

    confundiam com programas de entretenimento, como shows,

    programas de auditrio, de humor, etc., programas que no tm um

    compromisso formal com a informao jornalstica.

    Desta observao articulada entre a profissional e a

    telespectadora surgiu o interesse pela realizao de uma investigao

    acadmica que pudesse ajudar no esclarecimento de um problema que

    no poderia ser solucionado de maneira apriorstica e desvinculada do

    1 A emissora em questo a TV Mirante de So Lus e os programas so o dirio Globo EsporteLocal e o semanal Esporte 10.

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    rigor cientfico. Isto porque o problema de pesquisa aponta para a

    manipulao de conceitos caros ao Jornalismo e indstria cultural

    como um todo.

    Discutir se o noticirio esportivo na televiso Jornalismo ou

    Entretenimento sucinta objetivos secundrios fomentados a partir de

    questionamentos relacionados ao problema principal, como apontar

    quais os critrios de noticiabilidade aplicados ao noticirio esportivo na

    televiso e identificar possveis diferenas e semelhanas entre

    Jornalismo e Entretenimento no meio audiovisual a partir desses

    critrios. Contemplar tais objetivos contribuir para o aprofundamento

    da reflexo terica sobre o Jornalismo moderno e a sociedade que o

    consome.

    A caminhada aqui iniciada est balizada por duas hipteses

    centrais. Defendemos, em primeiro lugar, que o noticirio esportivo

    um produto hbrido de Jornalismo e Entretenimento, porque incorpora

    caractersticas de ambos, sendo que a forma como a informao

    esportiva tratada na televiso tem como principal objetivo divertir e

    despertar emoes no pblico. A segunda que os critrios clssicos do

    Jornalismo so levados em considerao na hora da seleo e

    construo das notcias ao mesmo tempo em que aspectos relacionados

    com o Entretenimento fazem parte da noticiabilidade inerente ao fato

    esportivo.

    Assim, o trabalho tentar responder ao problema de pesquisa

    atravs da identificao das caractersticas e dos critrios de

    noticiabilidade vlidos para a matria esportiva na televiso, porque

    acreditamos que a simples contraposio de conceitos o que

    Jornalismo, o que Entretenimento no suficiente. necessrio

    tambm identificar o que faz um acontecimento virar notcia e como

    essa notcia se insere no fluxo televisual para, a sim, com os conceitos

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    em mente e toda a sorte de articulaes que ensejam, tencionar com

    eles o objeto at a soluo, total ou parcial, do problema.

    Por isso o ponto de partida a discusso sobre o Jornalismo na

    sociedade contempornea. Tal discusso perpassa por um breve

    resgate histrico dos paradigmas editorias ligados ao surgimento,

    consolidao e expanso da imprensa que conhecemos hoje. O impacto

    que a televiso impingiu ao Jornalismo e o poder do Entretenimento

    disseminado pelos aparatos da indstria cultural tambm so aspectos

    contemplados na construo terica da pesquisa, para que os conceitos

    e prticas inerentes ao jornalismo e concernentes ao carter e funo

    do meio difusor possam ser esclarecidos de maneira satisfatria.

    Tal preocupao se justifica porque o objeto estudado um

    produto televisivo sujeito s normas e idiossincrasias do veculo,

    inserido em uma grade de programao que, postula-se, tende a

    determinar o carter jornalstico ou no de um programa ou conjunto

    deles. A anlise tem como marco terico principal os estudos sobre a

    produo da notcia, filo de investigao do jornalismo e das notcias a

    partir de sua definio como construo determinada pelas prticas de

    uma classe profissional especfica.

    Atualmente existem inmeros programas de informao

    esportiva nas emissoras de sinal aberto com cobertura nacional. Mas

    optamos por desenvolver a pesquisa tendo por objeto o noticirio do

    Globo Esporte, totalmente voltado s informaes esportivas, e das

    matrias sobre esportes do Jornal Nacional, telejornal generalista

    voltado para um pblico mais amplo e heterogneo, pelos motivos

    enumerados a seguir.

    De acordo com as sondagens periodicamente divulgadas pelo

    Instituto Brasileiro de Opinio e Estatstica (IBOPE), os noticirios da

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    Rede Globo so os lderes de audincia na televiso brasileira. Esta

    uma das razes para, de certa forma, ditarem as normas de cobertura

    jornalstica copiadas e adaptadas pelas demais emissoras. Outro motivo

    que os telejornais globais esto no ar h um tempo considervel o

    Jornal Nacional desde 1969 e o Globo Esporte desde 1978 garantindo

    a estabilidade necessria para que uma pesquisa possa identificar

    traos da evoluo do trabalho jornalstico neles apresentado.

    Os programas passaram por vrias reformulaes ao longo dos

    anos, incorporando avanos tecnolgicos, de linguagem e de

    tratamento da informao, consolidando um modelo de cobertura e

    estabelecendo padres e critrios de noticiabilidade que acabaram

    sendo adotados pelas emissoras concorrentes, o que gerou a

    institucionalizao de um modelo especfico tornado geral.

    A escolha dos dois programas para a seleo do corpus no

    tem por objetivo a realizao de um estudo comparativo sobre o

    tratamento da notcia esportiva em dois telejornais voltados para

    pblicos diferenciados. O objetivo to somente verificar se os critrios

    de noticiabilidade so os mesmos, independente do horrio e do pblico

    para o qual a informao destinada e do tratamento que uma mesma

    informao pode receber em contextos de difuso diversos.

    Ou seja: no objetivo da pesquisa descobrir se no programa

    A a notcia esportiva Jornalismo e no programa B ela

    Entretenimento. A proposta observar o conjunto e ver como a

    informao esportiva incorpora as marcas do fluxo televisual para

    figurar como Jornalismo ou Entretenimento apesar do programa de

    veiculao. Por isso, a composio final do corpus um misto de

    reportagens exibidas em um e outro programa porque consideramos ser

    o corpus um valioso pano de fundo para empreendermos uma discusso

    conceitual entre Jornalismo e Entretenimento.

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    O prazo disponvel para a realizao de uma pesquisa de

    Mestrado imps a delimitao do corpus de pesquisa a um conjunto de

    reportagens no muito extenso. Por este motivo, optamos por efetivar o

    trabalho a partir da manipulao dos dados obtidos com a observao

    de reportagens sobre o futebol, no perodo de cinco semanas, entre os

    dias 22 de abril e 30 de maio de 2005.

    A escolha do contedo recaiu sobre o futebol por vrias razes.

    A primeira e mais importante que o futebol hoje se constitui como o

    esporte de maior apelo nacional, detendo mais de 80% do tempo do

    noticirio esportivo na televiso. Outra razo que o prprio

    desenvolvimento da imprensa esportiva no Brasil est atrelado ao

    desenvolvimento do futebol enquanto esporte profissional e paixo

    popular.

    Um terceiro motivo que o futebol ganha espao regular no

    Jornal Nacional independente da ocorrncia de competies, o que j

    no observado com regularidade em relao aos demais esportes. Por

    ltimo, como a evoluo do jornalismo esportivo no Brasil est

    intimamente relacionada evoluo do futebol, os critrios e o

    tratamento a ele aplicados no noticirio valem para os demais esportes

    com as adaptaes pertinentes e necessrias.

    Mas o futebol por si s gera uma quantidade muito ampla de

    informaes que viram notcia, principalmente porque existe uma

    grande variedade de competies que acontecem simultaneamente

    envolvendo os times brasileiros e a prpria seleo nacional. A

    necessidade de delimitar ainda mais o corpus nos levou ento a optar

    apenas por aquelas reportagens relacionadas com o Campeonato

    Brasileiro de Futebol da Primeira Diviso, disputado por 22 equipes de

    todo o pas. A gravao dos programas coincidiu com o dia anterior ao

    incio do torneio.

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    Alm da gravao do material, o percurso metodolgico incluiu

    o levantamento bibliogrfico para uma acurada reviso da literatura

    disponvel sobre Jornalismo, Jornalismo Esportivo, Televiso,

    Telejornalismo e Entretenimento. Pela dificuldade em encontrar dados

    sobre a mdia esportiva pertinentes pesquisa documentados na

    literatura, recorremos a entrevistas com jornalistas e pessoas ligadas

    memria esportiva e a textos, reportagens televisivas e pesquisa de

    campo em bibliotecas e arquivos pblicos com o objetivo de encontrar

    indcios que guiassem a busca por respostas s dvidas que surgiam,

    especialmente sobre a histria do jornalismo esportivo no Brasil.

    Confrontamos ainda os resultados da pesquisa bibliogrfica

    que contemplou, entre outros aspectos, estudos sobre Sociologia do

    Jornalismo, Teoria da Notcia e Sociologia do Conhecimento, com as

    matrias selecionadas, objetivando determinar onde teoria e prtica se

    aproximam e se distanciam no jornalismo esportivo. J as reportagens

    foram analisadas individualmente levando-se em considerao o

    contedo, a forma e a construo discursiva de cada uma. O resultado

    da pesquisa est expresso em um texto estruturado em cinco captulos,

    alm da concluso e desta apresentao, divididos em trs partes que

    formam um todo interligado pela retomada de conceitos e discusses.

    A primeira parte, denominada Primeiro Tempo, comporta

    dois captulos. O Jornalismo que a sociedade consome: um pensar

    terico, uma retomada histrica do Jornalismo enquanto prtica,

    contedo e conceito. aqui que defendemos uma proposta de definio

    de Jornalismo a ser utilizada no trabalho. Para chegar a uma

    conceituao satisfatria do ponto de vista de nossos objetivos,

    iniciamos o captulo discutindo as condies para o aparecimento da

    imprensa, contemplando ainda uma reflexo sobre os aspectos

    histricos que condicionaram importantes mudanas no paradigma

    editorial do Jornalismo em sua fase de consolidao e expanso.

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    Tambm atravessamos a discusso sobre o porqu das notcias

    serem como nos apresentam os meios de comunicao, apontando os

    elementos conformadores das notcias vlidos para o jornalismo em

    geral: os critrios de noticiabilidade que atuam como guias que os

    jornalistas usam para determinar que acontecimentos merecem ser

    publicizados, como uma forma de emprestar ordem a um caos de

    ocorrncias da vida cotidiana.

    Tal discusso continua no captulo seguinte, Televiso e

    Jornalismo, que traz o foco da reflexo para o telejornalismo e as

    notcias em um meio audiovisual marcado por constantes de

    funcionamento e caractersticas de programao. Este segundo captulo

    tambm encerra uma tentativa de analisar a televiso e o

    telejornalismo brasileiros a partir da argumentao acerca das

    particularidades que conformam o papel do veculo em nossa sociedade.

    Os argumentos aqui apresentados so retomados em todos os captulos

    seguintes, dada a importncia da televiso e das prticas incorporadas

    ao Jornalismo por causa dela e que se refletem de maneira intensa no

    noticirio esportivo.

    A segunda parte do trabalho, Intervalo, composta de um

    captulo em que discutimos a aproximao entre Jornalismo e

    Entretenimento verificada atualmente nos meios de comunicao, com

    nfase especial ao que acontece na televiso. Nesta etapa do trabalho

    buscamos compreender o que seja Entretenimento em uma sociedade

    pautada pelos meios de comunicao de massa e como o Jornalismo se

    articula com os critrios de publicidade inerentes ao Entretenimento que

    comungam semelhana com os critrios de noticiabilidade jornalstica.

    Segundo Tempo a terceira parte do trabalho, composto por

    mais dois captulos que retomam toda a discusso terica levantada

    anteriormente com foco centrado no noticirio esportivo. O quarto

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    captulo, Jornalismo Esportivo: alm dos resultados, resgata a

    introduo da imprensa esportiva no Brasil como manifestao das

    mudanas editoriais proporcionadas pela conjuntura histrica do incio

    do sculo XX em um pas que importava conceitos e prticas europias

    em quase todos os aspectos da vida nacional e que viu em um esporte

    europeu sua base de consolidao e expanso.

    Alm de um histrico sobre a imprensa esportiva no Brasil, o

    captulo discute tambm o impacto da televiso na mudana dos

    paradigmas editoriais de um jornalismo que se definia pela publicao

    de resultados e passou a ser pautado pelos bastidores de competies,

    pela vida de atletas e por histrias de interesse humano amparadas no

    apelo que o futebol desperta em nossa sociedade. As caractersticas da

    notcia esportiva so comentadas com o objetivo de entender melhor os

    critrios de noticiabilidade inerentes a tais acontecimentos.

    O captulo cinco, Para ser notcia na TV: critrios de

    noticiabilidade do esporte, apresenta os resultados da pesquisa. Todos

    os critrios de noticiabilidade vlidos para o acontecimento esportivo

    identificados no corpus so sistematizados e comentados com o objetivo

    de, a sim, encontrar os elementos que fazem com que a notcia

    esportiva seja Jornalismo ou Entretenimento na televiso.

    E na Prorrogao, so apresentadas as concluses a que um

    trabalho pautado pela dedicao e determinao chegou, com a

    conscincia de que com esta abordagem ao nosso objeto o noticirio

    esportivo no se esgotaram as possibilidades para novos enfoques e

    novas anlises. Da apontamos encaminhamentos e dvidas surgidas na

    periferia do estudo que possam gerar novas pesquisas, de maneira a

    contribuir para o avano do conhecimento cientfico em uma rea cuja

    prtica ganha cada vez mais importncia nos meios de informao e

    entretenimento.

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    19

    PPRRIIMMEEIIRROO TTEEMMPPOO

    JJOORRNNAALLIISSMMOO EE TTEELLEEVVIISSOO

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    1 O JORNALISMO QUE A SOCIEDADE CONSOME:

    um pensar terico

    A natureza do jornalismo est no medo. O medo do desconhecido, queleva o homem a querer exatamente o contrrio, ou seja, conhecer. Eassim, ele acredita que pode administrar a vida de forma mais estvel ecoerente, sentindo-se um pouco mais seguro para enfrentar o cotidianoaterrorizante do meio ambiente.

    Felipe Pena

    O que o Jornalismo, afinal? Relatos sobre acontecimentos

    corriqueiros que tm lugar na sociedade? Reflexo, manipulao,

    construo ou simples produto da realidade social? Para dar conta do

    problema de pesquisa se o noticirio esportivo na televiso

    Jornalismo ou Entretenimento preciso responder primeiro a estas

    questes aqui propostas, com a conscincia de que definir o que

    Jornalismo uma tarefa terica das mais instigantes e ao mesmo

    tempo complexas.

    Instigante porque o pensar terico sobre uma prtica

    enraizada e internalizada na sociedade ocidental requer do pesquisador

    no apenas o desprendimento e o rigor que a pesquisa acadmica

    impe, mas tambm, e principalmente, o abandono de conceitos pr-

    concebidos, de vcios acumulados pelos anos de prtica em redao, ao

    passo que no se pode esquecer, apesar disso, que o Jornalismo uma

    prtica, e precisa ser pensado como uma prtica porque um produto

    social.

    Complexa tarefa porque no existe uma, nem poucas,

    definies do que seja o Jornalismo em uma sociedade livre,

    democrtica e cada vez mais dependente dos fluxos de informao.

    uma tarefa complexa porque no basta apenas encontrar uma definio

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    satisfatria para o Jornalismo sem tambm ter em conta que existem

    outros conceitos subjacentes a este que, igualmente, precisam ser

    definidos, nomeadamente, o que notcia e, por termos como objeto de

    estudo um produto de televiso, o que notcia em televiso, j que

    entendemos que a notcia que se vende em um jornal ou revista, no

    obstante ser semelhante, tem suas diferenas em relao notcia que

    vai ao ar na televiso. Este captulo, portanto, vai se ocupar destes dois

    conceitos: o que o Jornalismo, o que a notcia, para, mais adiante,

    avanar na reflexo terica que nos permitir dar conta de nosso objeto

    de estudo.

    A breve resenha histrica da evoluo do Jornalismo a ser

    apresentada aqui, lembramos, no tem por objetivo uma descrio de

    como a tcnica de colheita e redao das notcias mudou ao longo do

    tempo. O foco est em como o contedo informativo passou a

    incorporar variadas pautas para atender a diferentes pblicos e

    interesses e, em sentido mais amplo que extrapola o mbito deste

    captulo, como o formato de apresentao dado a este contedo na

    televiso pode interferir na natureza da notcia, a ponto de haver

    dvidas se um determinado tipo de material que vai ao ar pode mesmo

    ser classificado como Jornalismo, tendo por Jornalismo a definio que

    ser adotada neste trabalho.

    1.1 Sobre o Jornalismo

    Quando, no sculo XV, Gutenberg introduziu a imprensa no

    Ocidente, imprimiu sua primeira Bblia e inaugurou uma nova ordem

    para a circulao do conhecimento, estava tambm lanando as bases

    tecnolgicas para o surgimento de uma atividade que se desenvolvia

    medida que acompanhava a consolidao de uma nova classe social: o

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    Jornalismo como instrumento para a informao e, at o sculo XIX,

    formao poltica da burguesia.

    No incio, a imprensa estava mais para um meio de

    desenvolvimento da cultura e do comrcio nos centros urbanos que

    comeavam a se formar na Europa do que para a veiculao de relatos

    da vida cotidiana das comunidades. E era muito restrita. Poucas

    pessoas sabiam ler. Informaes comerciais para orientao dos

    negociantes e novidades do mundo conhecido e em descoberta, alm de

    informaes dos governos, eram a matria bsica das gazetas, folhas

    de notcias que circulavam nesses centros. Pena (2005:34) situa no

    sculo XVI o surgimento dos ancestrais dos jornais modernos:

    Na rvore genealgica dos jornais esto as gazetas, que vm doitaliano gazzette, a moeda utilizada em Veneza no sculo XVI.Elas eram manuscritas, peridicas e apresentadas em quatropginas em frente e verso, dobradas ao meio, como umpequeno flio, de vinte centmetros de altura e quinze delargura. Custavam uma moeda, ou seja, uma gazeta. Asnotcias eram vinculadas ao interesse mercantil, com informessobre colheitas, chegada de navios, cotaes de produtos erelatos de guerras. Vinham de diversos pases. No traziamttulos, apenas data e local de procedncia.

    O autor tambm chama a ateno para o fato de que j nessa

    poca era comum encontrar relatos sobre as roupas e o comportamento

    das pessoas da Corte, sobre casamentos entre nobres e outras

    amenidades. Ao traar uma retrospectiva, mas no exaustiva, do

    Jornalismo no Ocidente, Pena (Ibdem: 36) mostra que no foi apenas o

    comrcio o grande propulsor do jornalismo nascente:

    Tambm preciso registrar que o desenvolvimento da difusode informao pblica a partir da Europa do sculo XVI deve-seno somente ao crescimento do comrcio, mas consolidaode um modelo de vida urbana e constituio de um pblicoleitor. Os acontecimentos histricos so o pano de fundo quecondicionam o aparecimento da imprensa. Neles esto aascenso da burguesia e dos valores capitalistas de acmulo debens e competio. Entretanto, a noo de tempo que vaiefetivar a constituio dos primeiros jornais. Estes sero

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    caracterizados por trazerem notcias de todos os gneros e porterem atualidade e periodicidade. Da o termo jornal, que vemdo francs journal, ou seja, dirio.

    Como o autor considera a periodicidade e a atualidade

    princpios bsicos para situar o Jornalismo em sua gnese, postula que

    as primeiras publicaes jornalsticas modernas surgiram no comeo do

    sculo XVII em pases como Alemanha, Inglaterra e Pases Baixos,

    consideradas herdeiras legtimas das gazetas venezianas do sculo

    anterior. E que a publicidade e a universalidade acabaram por

    juntarem-se atualidade e periodicidade como sendo as quatro

    caractersticas dos jornais modernos.

    Mesmo j adotando estes quatro critrios como constituintes

    de um Jornalismo que se consolidava como atividade burguesa e social,

    as pginas dos peridicos eram predominantemente preenchidas com

    opinies e doutrinas polticas com as quais os (donos dos) jornais se

    identificavam e defendiam. At ento, jornalismo era sinnimo de

    opinio, de comentrio, de anlise poltica e instrumento de divulgao

    de idias, no de notcias, no de fatos, no de acontecimentos. Nas

    palavras de Tuchman (1983:30),

    Publicados com mais regularidade, geralmente como cartas denotcias semanais, estavam firmemente ligados aos partidospolticos, comprados por assinatura e circulavam entremembros de um partido. Suas colunas eram preenchidas peloque hoje chamaramos anlise de notcias, incluindo ataquesinjuriosos contra os lderes da oposio. Desenhados para aelite urbana, as assinaturas dos jornais eram caras demaispara os trabalhadores e para o homem comum. (traduonossa).

    Essa forma de fazer Jornalismo no significava que a

    informao, a notcia, estivesse ausente por completo das pginas dos

    jornais. Significava apenas que a forma de apresentao era diferente e

    que as reportagens no escondiam a carga panfletria, defendendo

    explicitamente as posies dos jornais (e de seus donos) sobre os mais

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    variados temas. As narrativas eram mais retricas do que informativas

    (Pena: 2005, 41).

    Mas o sculo XIX trouxe consigo mudanas que acabariam por

    transformar a atividade jornalstica e fazer nascer um novo modelo, um

    novo Jornalismo, um Jornalismo moderno que serviu de base para o

    desenvolvimento da atividade que evoluiu durante todo o sculo

    seguinte, tendo se renovado a cada dia. Os jornais, ento, passaram a

    oferecer informaes sobre acontecimentos e no mais propaganda

    poltica. Tal comportamento conseqncia da Revoluo Industrial que

    estava em curso. De acordo com Traquina (2004:34)

    No sculo XIX, verificamos a emergncia de um novoparadigma informao, no propaganda que partilhadoentre os membros da sociedade e os jornalistas; a construode um novo grupo social os jornalistas que reivindica ummonoplio do saber o que notcia; e a comercializao daimprensa a informao como mercadoria.

    Uma mercadoria diferenciada, alis, porque se trata de um

    bem simblico. O financiamento da imprensa atravs da publicidade

    tambm contribuiu para a crescente despolitizao dos jornais, que

    passaram a no depender de recursos partidrios. A urbanizao

    acelerada e a industrializao tambm contriburam para que os jornais

    abrissem suas pginas para os fatos, notcias sobre acontecimentos

    cotidianos e, principalmente, para o homem, o cidado. Alsina

    (1996:14) comenta, inclusive, que um elemento importante na

    sociedade capitalista da poca que a noo de acontecimento

    sempre antropocntrica. O homem o centro do acontecimento.

    So os reflexos do Iluminismo e do Positivismo. Com a

    valorizao do homem e dos mtodos cientficos a atividade jornalstica

    passou a ser balizada pelo culto aos fatos, a objetividade, que

    recomendava aos jornalistas o distanciamento crtico, o ouvir todos os

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    lados de uma questo, a definio do que notcia e, como sempre se

    aperfeioando e se adaptando ao momento histrico, a adoo de

    critrios para transformar acontecimentos em notcias. A objetividade,

    alis, passou a ser uma metodologia de trabalho para, supostamente,

    garantir uma real separao entre o que fato e o que opinio sobre

    o fato.

    O sculo XIX tambm viu nascer um tipo de imprensa barata

    na Europa e nos Estados Unidos, com forte apelo entre os operrios que

    se alfabetizavam e que buscavam, alm de novidades, a sensao de

    fazer parte do tecido social atravs da leitura dos jornais: a penny

    press. O nome deriva do fato de os jornais serem vendidos a um penny,

    um centavo. A partir do desenvolvimento da penny press a separao

    entre fatos e opinies se intensificou. Mais baratos, os jornais

    aumentavam suas tiragens e atingiam um pblico cada vez mais

    heterogneo, com demandas e interesses informativos igualmente

    heterogneos e diversificados:

    Devido ao objetivo de querer mais leitores, houve anecessidade de obter uma melhor utilizao do espao dojornal, ainda muito limitado. Era importante que o espaousasse matria que interessasse s pessoas. Com a maiordiversidade nos assuntos abordados, para alm das notciassobre a poltica e o estrangeiro, houve espao nos jornais dapenny press para publicar notcias sobre os tribunais, a polcia,os acontecimentos da rua, os acontecimentos locais (Traquina:2004, 55-56).

    Houve espao tambm, podemos acrescentar, para as notcias

    relacionadas ao esporte enquanto lazer e competio. Naquele perodo,

    a notcia dividia espao nas pginas dos jornais com a publicao de

    folhetins e, inspirados neles, histrias de interesse humano, embora

    Kunczik (1997) afirme que trs sculos antes assuntos assustadores e

    maravilhosos fossem publicados com certa regularidade nas gazetas

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    venezianas. Mas os jornais da penny press sistematizaram a publicao

    de temas universais, fossem eles sensacionais ou no (Gabler: 1999).

    A competio entre os vrios jornais que proliferaram nessa

    poca levou, no fim do sculo, a uma diviso do espao por tpicos ou

    editorias (Tuchman: 1983), com departamentos independentes e

    critrios prprios de seleo das notcias convivendo lado a lado com os

    critrios gerais adotados pelas publicaes e com o objetivo de atrair

    leitores a partir da identificao destes com os jornais que veiculavam

    matrias de seu interesse.

    Traquina (2004:35) afirma que o sculo XIX foi a poca de

    ouro da imprensa, que assistiu a uma rpida expanso dos jornais, ao

    nascimento de uma classe de trabalhadores integralmente dedicados

    atividade, a uma mudana de paradigma editorial que, para o autor, foi

    a luz que viu nascer valores que ainda hoje so identificados com o

    Jornalismo: a notcia, a procura da verdade, a independncia, a

    objetividade, e uma noo de servio ao pblico.

    Mas o sculo das luzes do Jornalismo no foi uma poca

    apenas de cultivo de valores considerados elevados nas pginas dos

    peridicos. Surgia ali uma imprensa que se ocupava de assuntos

    considerados sensacionais, de forte apelo popular, inspirada nas

    histrias de interesse humano, ou seja, aquelas que envolviam crimes,

    paixes, adultrio, escndalos, aberraes da natureza, coisas

    consideradas fora do comum. O Jornalismo sensacionalista, a imprensa

    marrom, tinha como objetivo entreter, divertir, fazer com que o leitor

    encontrasse nas pginas dos jornais assuntos que o fizesse esquecer

    seus prprios problemas e se projetar nas histrias que lia:

    Para um contingente condicionado por folhetos vulgares decrimes horrendos, romances sangrentos e melodramasfloreados, as notcias eram simplesmente o contedo mais

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    emocionante e divertido que um jornal podia oferecer,sobretudo quando desviadas, como era invariavelmente o casona imprensa barata, para as histrias mais sensacionais. Naverdade pode-se at dizer que os mestres da imprensa baratainventaram o conceito de notcia porque essa era a melhormaneira de vender jornal num ambiente dominado peloentretenimento. (Gabler: 1999, pp.62-63)

    Para o autor, o Jornalismo moderno j nasceu desvirtuado pelo

    entretenimento. Mas esta discusso ser retomada mais adiante, no

    captulo 3. Por agora, voltamos a nos ocupar do ambiente que

    proporcionou o nascimento e o desenvolvimento dos conceitos bsicos e

    marcos identitrios fundamentais da atividade jornalstica e que

    atravessaram todo o sculo XX incorporando transformaes,

    redefinies e adaptaes. Nesse ambiente do sculo XIX, j existia a

    plena conscincia de que os avanos na transmisso da informao

    seriam, para sempre e continuamente, um fator intrnseco ao fazer

    jornalstico.

    Jornalismo e tecnologia caminham lado a lado e os avanos na

    transmisso da informao tambm imprimiram, e imprimem, novas

    maneiras de se produzir Jornalismo. Entre 1844 e 1866 inveno do

    telgrafo e do telgrafo por cabo, respectivamente o Jornalismo

    assumiu um compromisso com a atualidade que at ento era

    tecnicamente falho. O telgrafo emprestou aos jornais uma identificao

    com a atualidade e os jornalistas passaram a trabalhar com a obrigao

    maior de fornecer as ltimas notcias, de preferncia em primeira mo

    e com exclusividade, como marco fundamental da identidade

    jornalstica (Traquina: 2001, p.38).

    Transmitir notcias por telgrafo, porm, era caro, com o preo

    da transmisso calculado por palavra. Era preciso encontrar uma

    maneira de redigir as notcias de forma a responder suscintamente

    todas as questes bsicas que um acontecimento levantava. Surgia a

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    idia do lead, o pargrafo guia que deveria responder o que tinha

    acontecido, quem estava envolvido, onde e quando havia ocorrido,

    como ou de que maneira e por que razes.

    A histria deveria ser contada a partir do fato mais importante

    e todo o acontecimento deveria constar, de forma resumida, no

    pargrafo de abertura. Assim, o cliente que recebia a transmisso por

    telgrafo podia ter toda a histria por um preo menor. E se quisesse

    e pudesse pagar por mais detalhes, compraria a histria por

    completo em seus pormenores. Este modelo de redao ficou conhecido

    como pirmide invertida2. Pena (2005: pp.48-49), comenta que

    Os autores tradicionalmente afirmam que a estratgia ouestrutura narrativa pirmide invertida surgiu em abril de1861, em um jornal de Nova York. Pouco tempo depois ela jera usada pelas agncias de notcias, espalhando-se por todo oplaneta, por ser mais prtica e com preo mais barato natransmisso via telegrama, da poca; assim, dependendo dointeresse do cliente da agncia, o primeiro ou o segundopargrafos j seriam suficientes para atender demanda doveculo assinante.

    Desde ento o modelo da pirmide invertida, a ditadura do

    lead, era o que assegurava ao jornalista o exerccio de uma

    objetividade caracterizada pelo contar frio e seco dos fatos, sem

    comentrios, sem enfeites, pelo menos na abertura das matrias.

    Atualmente, o formato da pirmide invertida ainda justificado e

    prioritariamente utilizado sob a alegao de que o indivduo no tem

    tempo a perder e que por isso precisa de formas rpidas de informao.

    2 A tcnica da pirmide invertida, em jornalismo, consiste em apresentar os elementos danotcia em ordem decrescente de importncia. A regra geral diz que primeiro deve vir o fatomais importante a ser noticiado, para depois a histria ser completada com os elementossecundrios. Na construo do texto preciso responder s seis perguntas bsicas do lead oucabea da matria: quem, o qu, quando, como, onde e por qu. O que acontece no texto dojornalismo esportivo que existe uma maior liberdade na disposio dos elementos narrativos,o que permite comear uma matria mostrando um torcedor comemorando um gol queaconteceu no meio do jogo e mudou toda a histria da partida para s depois mostrar os golsna ordem em que saram, por exemplo.

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    Nos veculos impressos, a redao telegrfica ainda uma

    norma para a maioria das reportagens. No rdio, frases curtas e poucos

    pargrafos, e o enquadramento da notcia em um tempo padro de um

    minuto no noticirio da televiso aberta so manifestaes desse

    conceito de redao gil, objetiva, sem desperdcios, herana do

    perodo de consolidao do Jornalismo moderno e seus quatro

    fundamentos bsicos: universalidade, periodicidade, atualidade e

    objetividade.

    tambm em meados do sculo XIX que a noo de meios de

    comunicao de massa ganha corpo, com os jornais que se tornavam

    acessveis a um nmero cada vez maior de indivduos nos grandes

    centros urbanos. De acordo com Alsina (1996: 87),

    A imprensa se converteu para os cidados na principal fonte detransmisso de acontecimentos. Alm disso, diante dosacontecimentos sociais, a imprensa adotou uma postura maisativa; j no se trata de receber a informao e coment-la, masde descobrir o acontecimento (traduo nossa).

    A postura mais ativa a que Alsina se refere, do descobrimento

    e da busca pelo acontecimento noticivel, chama a ateno para a

    institucionalizao da figura do reprter que passa a ser funo

    essencial dentro de uma redao. ele quem vai atrs da notcia. ele

    quem tem contato com a realidade e quem vai contar os fatos a um

    pblico vido por informao. Ao reprter cabe reportar, no comentar.

    Com a figura do reprter, a separao entre fato e comentrio, era a

    pretenso e o pensamento dominante, estaria sacralizada, embora os

    jornais continuassem a oferecer no fatos, mas verses sobre eles, tal

    como acontece hoje.

    A atividade jornalstica passou a ser encarada com seriedade

    tanto por parte dos consumidores quanto, principalmente, por parte dos

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    produtores. O jornal se consolidava como uma mercadoria rentvel,

    como um bem social, como instrumento de mediao entre o

    acontecimento e o indivduo que buscava na leitura fosse informao,

    fosse divertimento. Amparado pelos mtodos positivistas de recolha e

    redao da notcia, o Jornalismo passa a ser visto, e definido, como um

    espelho da realidade:

    A metfora presente nessa teoria auto-explicativa. Ela foi aprimeira metodologia utilizada na tentativa de compreenderporque as notcias so como so, ainda no sculo XIX. Suabase a idia de que o jornalismo reflete a realidade. Ou seja,as notcias so do jeito que as conhecemos porque a realidadeassim as determina. A imprensa funciona como um espelho doreal, apresentando um reflexo claro dos acontecimentos docotidiano. Por essa teoria, o jornalista um mediadordesinteressado, cuja misso observar a realidade e emitir umrelato equilibrado e honesto sobre suas observaes, com ocuidado de no apresentar opinies pessoais. Seu dever informar, e informar significa buscar a verdade acima dequalquer outra coisa. Mas, para isso, ele precisa entregar-se objetividade, cujo princpio bsico a separao entre fatos eopinies. (Pena: 2005, p.125)

    O aparecimento da teoria do espelho est relacionada s

    mudanas de paradigma editorial que aconteceram no sculo XIX.

    Acreditava-se que, se os fatos substituem as opinies, a palavra pode

    muito bem refletir a realidade. Apesar de outras teorias, ou outras

    tentativas de explicar por que as notcias so como so, terem

    aparecido ao longo do sculo XX, at hoje os jornalistas parecem

    acreditar que as notcias no so nada alm de um reflexo da realidade

    (Ibdem).

    Porm, longe de simplesmente refletir uma dada realidade,

    consideramos que a notcia, o Jornalismo, produto e produtor da

    realidade, na medida em que contribui para construir o que real para

    um pblico leitor, ouvinte, telespectador. Nesta perspectiva,

    concordamos com Traquina (2004: 22), quando afirma que o

    Jornalismo uma atividade intelectual no podendo, por isso, ser

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    31

    reduzida ao domnio de uma tcnica, de uma linguagem, e os

    jornalistas serem reduzidos a simples empregados dos meios de

    comunicao: so os jornalistas que decidem o que notcia, so eles

    que estabelecem os critrios que um acontecimento deve obedecer para

    ser publicizado.

    Em interao com outros profissionais, com as fontes e com o

    sistema social, como membros de uma comunidade profissional, os

    jornalistas acreditam deter o monoplio do conhecimento sobre o que

    notcia. Mas a pesquisa acadmica ao longo do sculo XX tem

    demonstrado que possvel avanar sobre esse conhecimento e, mais,

    trazer luz os critrios que os jornalistas utilizam, de forma emprica e

    sem reflexo terica, para selecionar entre milhares de acontecimentos

    cotidianos os que vo ser alados categoria de notcia e levados ao

    conhecimento pblico.

    No pretenso, nesta pesquisa, explorar todas as teorias que

    explicam o Jornalismo e a notcia. Nosso fundamento terico baseia-se

    em um paradigma que surge nos anos de 1970 e se apia nos estudos

    sobre a Produo da Notcia (Newsmaking). Este paradigma uma

    conjuno de perspectivas tericas que trabalham o Jornalismo como

    lugar de construo do real. Como pontua Traquina (2004:168),

    O filo de investigao que concebe as notcias comoconstruo rejeita as notcias como espelho por diversasrazes. Em primeiro lugar, argumenta que impossvelestabelecer uma distino radical entre a realidade e os medianoticiosos que devem refletir essa realidade, porque asnotcias ajudam a construir a prpria realidade. Em segundolugar, defende a posio de que a prpria linguagem no podefuncionar como transmissora direta do significado inerente aosacontecimentos, porque a linguagem neutral impossvel. Emterceiro lugar, da opinio de que os media noticiososestruturam inevitavelmente a sua representao dosacontecimentos, devido a diversos fatores.

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    32

    Fatores esses que incluem aspectos da prpria organizao do

    trabalho, questes de oramento dos media noticiosos, limitaes

    tcnicas e de pessoal, entre outros. Tendo em mente tal perspectiva,

    mister nos ocuparmos do conceito de notcia, fundamental para o

    presente trabalho, antes de avanarmos na conceituao do que seja o

    Jornalismo na sociedade contempornea.

    1.2 As notcias

    Partimos do pressuposto de que as notcias no so meros

    reflexos da realidade. H algo mais profundo, mais complexo, a ser

    explorado no estudo delas que so a essncia do Jornalismo. possvel

    afirmar que cada pesquisador tem seu prprio conceito do que seja uma

    notcia jornalstica. Assim como, para os jornalistas, notcia aquilo que

    eles publicam, para o grande pblico, notcia o que est impresso nos

    jornais e revistas, o que vai ao ar no rdio e na televiso, o que est

    publicado nos sites informativos na internet.

    Por isso, Kunczik (1997:240), afirma que a notcia

    freqentemente se define de maneira puramente tautolgica, no

    sentido de que notcia o que os meios do dia publicam como notcia.

    Altheide (Apud Wolf: 2003, p.196), ainda mais conciso e diz que as

    notcias so o que os jornalistas definem como tais. Posio, inclusive,

    compartilhada por Herraiz (apud Alsina: 1996, p. 181) que afirma que a

    notcia o que os jornalistas crem que interessa aos leitores,

    portanto, a notcia o que interessa aos jornalistas (traduo nossa).

    Mas, porque estes e no aqueles assuntos so publicados como

    notcias do dia nos meios de comunicao? O que faz um

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    33

    acontecimento, isolado ou no, romper a barreira do anonimato e virar

    manchete, reportagem, contedo publicvel? Por que os jornalistas

    definem algumas notcias como tais? Existem critrios, existem valores,

    existem regras que so internalizadas pela comunidade jornalstica para

    dar conta da abundncia de ocorrncias na sociedade porque o espao

    no jornal limitado, seja essa limitao espacial ou temporal.

    Acontecimentos irrompem a todo instante, em todo lugar, sem

    aviso prvio. E, para darem conta do que acontece e selecionar o que

    vai ser publicado, os jornais precisam impor ordem ao caos. Precisam

    criar regras, compartilhadas pelos jornalistas e internalizadas na cultura

    profissional, que facilitem o trabalho de ordenao e seleo.

    Para virar notcia, os acontecimentos precisam atender a uma

    srie de critrios: os critrios de noticiabilidade, definidos por Wolf

    (2003:196) como

    O conjunto de critrios, operaes e instrumentos com os quaisos aparatos de informao enfrentam a tarefa de escolhercotidianamente, de um nmero imprevisvel e indefinido deacontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmenteestvel de notcias.

    Tuchman (1983:58) compara os critrios de noticiabilidade ao

    conjunto de sintomas aos quais os doentes em um hospital so

    reduzidos, para facilitar sua identificao e seu tratamento. Pena

    (2005:131), destaca que a noticiabilidade negociada entre os

    jornalistas que exercem as mais variadas funes em uma redao:

    reprteres, editores, pauteiros, e outros.

    Os critrios de noticiabilidade comportam valores: os valores-

    notcia, que so os tais critrios e operaes usados para definir quais

    acontecimentos so significativos e interessantes para serem

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    34

    transformados em notcia (Ibdem: pp.130-131). Os valores-notcia so

    regras prticas que guiam o trabalho jornalstico na definio do que

    ou no notcia.

    Elaborar uma notcia no simplesmente redigir um texto com

    as tcnicas exigidas ou recomendadas pelos manuais. Elaborar uma

    notcia pressupe, alm desta traduo, o domnio do manejo dos

    critrios de noticiabilidade e dos valores-notcia adotados na cultura

    profissional e institucional da produo das notcias. este domnio que

    permite aos jornalistas darem ao Jornalismo o carter de universalidade

    que o constitui:

    Desastres, dramas, os gestos do dia-a-dia cmicos etrgicos de pessoas vulgares, a vida dos ricos e poderosos, etemas to perenes como o futebol (...), todos eles encontramum lugar regular nas pginas de um jornal. Duas coisasresultam disto: a primeira que o jornalismo tender a realaros elementos extraordinrios, dramticos, trgicos, etc., numaestria para reforar a sua notabilidade; a segunda queacontecimentos que maior pontuao tenham num nmerodestes valores-notcia tero maior potencial noticioso do que osoutros (Hall et alli: 1993, p.225).

    A diviso de uma redao em setores temticos, as editorias,

    uma indicao da existncia de rotinas produtivas, tal como numa

    indstria que as empresas jornalsticas efetivamente so, com o

    objetivo de facilitar e tornar constante a produo das notcias. Mesmo

    existindo todo um corpo de critrios e de valores que so comuns a

    todas as editorias, cada uma delas tem os seus prprios, pela variedade

    e diversidade dos assuntos que tratam entre si e at mesmo pela

    concepo do que notcia para cada seo do jornal.

    Em seu estudo sobre as rotinas de produo dos editores do

    RJTV, telejornal local da Rede Globo no Rio de Janeiro, Pereira Jr.

    (2003) aponta sete critrios de noticiabilidade vlidos para o Jornalismo

    em geral e um para a televiso em particular, nomeadamente:

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    35

    factualidade, despertar o interesse do pblico, atingir o maior nmero

    de pessoas, acontecimentos inusitados, novidades, personagens e boas

    imagens.

    De volta s notcias, e assumindo que as consideramos uma

    construo que ajuda a criar um mundo possvel e, por isso mesmo,

    representvel jornalisticamente, concordamos com Sousa (2002: 16),

    para quem a notcia uma construo influenciada por fatores pessoais,

    sociais, culturais, ideolgicos, histricos e tecnolgicos. O autor se

    baseia nos estudos do historiador da imprensa Michael Schudson, para

    quem a ao social, a ao pessoal e a ao cultural, inter-relacionadas,

    esto situadas entre as principais explicaes do que so e porque as

    notcias so como so:

    Em conformidade com a ao pessoal, as notcias so vistascomo um produto das pessoas e das suas intenes; a aosocial d nfase ao papel das organizaes (vistas como maisdo que a soma das pessoas que as constituem) e dos seusconstrangimentos na conformao da notcia; a ao culturalperspectiva as notcias como um produto da cultura e doslimites do que culturalmente concebvel no seio dessacultura: isto , uma dada sociedade, num determinadomomento, s consegue produzir uma determinada classe denotcias.

    A reflexo sobre as aes ideolgica, histrica e do meio fsico

    e tecnolgico so contribuies do autor teoria schudsoniana. A ao

    ideolgica se refere tanto cultura profissional que define a ideologia

    jornalstica quanto ao carter jornalstico de manter em vista as

    fronteiras do que seja legtimo e aceitvel socialmente. A ao

    tecnolgica diz respeito s modificaes que a tecnologia permite ao

    fabrico e difuso das notcias. E a ao da histria em curso nos faz

    compreender que em determinadas pocas certas classes de

    acontecimentos sejam mais ou menos noticiveis.

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    36

    Assim, a definio do que seja notcia em sentido amplo,

    perpassa a discusso no apenas do que seja importante, mas tambm

    destes fatores que concorrem para que esta construo que

    identificamos como sendo a notcia seja uma forma de ver, perceber e

    conceber a realidade (Pereira Jr: 2003, p.64), ou ainda uma

    representao social da realidade cotidiana produzida institucionalmente

    que se manifesta na construo de um mundo possvel (Alsina: 1996,

    p.18, traduo nossa), um bem de consumo perecvel (Tuchman: 1996,

    p.181), ou, na conceituao de Martinez Alberto (apud Alsina: 1996,

    p.181), um fato verdadeiro, indito ou atual, de interesse geral, que se

    comunica a um pblico que pode ser considerado massivo, uma vez que

    tenha sido reconhecido, interpretado e valorado pelos sujeitos

    promotores que controlam o meio utilizado para a difuso (traduo

    nossa).

    Desta forma, concordando com os autores citados, mas

    interessados em propor uma viso ao mesmo tempo consoante e

    complementar, utilizaremos neste trabalho a conceituao de notcia

    enquanto acontecimento tornado pblico nos meios de comunicao por

    obedecer a uma srie de critrios estabelecidos pela instituio

    publicizadora jornalistas e empresas jornalsticas , em

    conformidade com fatores como as pessoas e organizaes envolvidas

    no fabrico da notcia, a cultura, a ideologia, a histria, a tecnologia e a

    prpria sociedade fornecedora da matria-prima noticivel, sendo

    reconhecido como tal pelo pblico consumidor e que, por isso, irrompe

    do mundo cotidiano e ganha espao na mdia impressa e tempo nos

    meios audiovisuais como uma estria do cotidiano.

    E o Jornalismo se ocupa deste produto. a notcia a sua

    matria bsica. Existem diferentes notcias, que podem ser dadas em

    diferentes formatos. Tuchman (1983: 59) identifica cinco tipos de

    notcias: duras, sbitas, brandas ou leves, em desenvolvimento e

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    notcias de seqncia. Esta classificao, explica a autora, diferencia

    tipos de contedos ou de temas.

    A notcia dura representa o que de interesse pblico,

    questes importantes para as pessoas enquanto cidads. J a notcia

    branda trata de questes interessantes, comumente identificadas com

    relatos de interesse humano. Mas a autora lembra que difcil

    diferenciar se um dado acontecimento importante ou interessante ou

    se interessante e importante ao mesmo tempo e que, por isso, o

    mesmo acontecimento pode ser tratado como relato de uma notcia

    dura ou como relato de uma notcia branda (Ibdem: p.61, traduo

    nossa).

    Se existe dificuldade de distino entre notcias duras e

    brandas, o mesmo ocorre entre as notcias sbitas e em

    desenvolvimento e as de seqncia. Notcias sbitas e em

    desenvolvimento so como subclassificaes das notcias duras e, no

    caso das sbitas, se definem pelos acontecimentos no programados,

    imprevistos, que devem ser processados e publicizados com rapidez. As

    notcias em desenvolvimento se referem a situaes de emergncia,

    que no se esgotam em sua irrupo no espao pblico e continuam a

    gerar fatos novos.

    J as notcias de seqncia so acontecimentos pr-

    programados que se constituem numa srie de relatos sobre o mesmo

    tema e tais relatos so baseados em acontecimentos que ocorrem

    durante um determinado espao de tempo. As referidas tipificaes,

    porm, no devem ser vistas como classificaes fechadas, porque as

    notcias so dinmicas, assim como dinmicos so a sociedade e o

    Jornalismo.

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    1.3 Jornalismo: em busca de uma definio

    Se a vida social uma sucesso catica de acontecimentos, o

    Jornalismo pode ser encarado como uma entre muitas formas de tentar

    pr ordem a esse caos ao transformar alguns desses acontecimentos

    em notcias (Pena: 2005, p.22), categorizando-os e distribuindo-os por

    sees temticas a partir das caractersticas semelhantes que

    apresentam, num processo de enquadramento que os torna

    reconhecveis e aceitveis enquanto notcias por parte da sociedade.

    Inmeras so as tentativas de reduzir esse ordenamento a

    uma conceituao satisfatria ou que, pelo menos, contemple um

    dentre seus vrios aspectos, uma dentre as vrias facetas em que se

    apresenta. Por isso, h quem defina o Jornalismo a partir de suas

    relaes com o poder institudo, julgando-o como o quarto poder, ou

    como uma forma de reproduzir e manter os processos de dominao na

    sociedade capitalista (Marcondes Filho: 1989), ou seguindo esta mesma

    linha de raciocnio ao coloc-lo no rol dos aparelhos ideolgicos de

    Estado (Althusser: 1989). O Jornalismo tambm pode ser definido por

    seu carter industrial, j que produz um tipo de mercadoria mpar no

    contexto da indstria cultural (Adorno e Horkheimer: 2002).

    J outros pesquisadores preferem defini-lo a partir de sua

    relao com o tempo, com o espao e com a sociedade como um todo.

    Assim, Jos Marques de Melo (2003) trabalha com a noo de

    jornalismo como comunicao de atualidades. Jornalismo tambm

    um bem social (Pena: 2005), um servio pblico (Sousa: 2002), uma

    forma de dar voz, teoricamente, a todos os setores da sociedade. Ou

    ainda uma arena de representaes, um campo ideolgico onde se d a

    batalha por mentes e coraes (Knightley:2002).

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    Jornalismo tambm uma atividade definida pelas tcnicas

    compartilhadas pelos membros da comunidade profissional, tcnicas

    que do ao texto jornalstico as caractersticas que o distinguem dos

    textos artsticos, literrios, publicitrios, dentre outros. E no apenas as

    tcnicas de redao, mas o tratamento, o enfoque dado ao material

    informativo e o prprio contedo veiculado ajudam a definir o que seja

    Jornalismo.

    Tal como propomos um conceito generalista de notcia para

    guiar nossos passos nesta pesquisa, tambm estamos preocupados em

    chegar a um conceito de Jornalismo que possa ser tensionado com o

    conceito de Entretenimento nos captulos seguintes. Se a notcia uma

    construo, e se a definimos sob esta perspectiva, o Jornalismo pode

    ser encarado como um grande painel: um catlogo onde as peas que

    ajudam a construir a percepo do que real para o cidado comum

    esto colocadas. um mosaico de estrias. Traquina (2004:21) diz que

    o jornalismo um conjunto de estrias, estrias da vida, estria

    das estrelas, estrias de triunfo e tragdia.

    Como mosaico de estrias, nada lhe escapa, desde que possa

    ser enquadrado no sistema de critrios e valores que os construtores

    desse mosaico observam antes de colocar cada pea em seu lugar at

    que a figura do que concebem como realidade aparea. Assim,

    propomos uma abordagem do Jornalismo enquanto uma atividade

    intelectual que rene um conjunto de tcnicas, objetivas e subjetivas,

    de publicizao de acontecimentos que mobilizam a sociedade e ajudam

    a construir uma realidade para o pblico, atravs de relatos de estrias

    as notcias que contemplam todos os aspectos da vida social.

    Tambm ajudam a definir o Jornalismo a natureza dos meios

    de difuso da informao. Jornalismo em veculo impresso diferente

    de Jornalismo em veculo audiovisual, embora existam semelhanas e

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    linhas norteadoras comuns. Estudos sobre Jornalismo geralmente

    versam sobre a imprensa mais propriamente dita, deixando em um

    segundo plano o telejornalismo. quase como se os autores, boa parte

    deles e isso sem deixarem explcito em lugar algum, no considerassem

    como tal o Jornalismo de televiso. como se a distncia fosse muito

    grande, muito intransponvel. Reflexo para o prximo captulo.

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    2 TELEVISO E JORNALISMO

    A informao televisiva oferecida ao consumo como testemunho docotidiano e como espetculo; a novela de cada dia.Jos Manuel Morn

    Sem dvidas, o Jornalismo praticado pela mdia impressa

    diferente daquele praticado na televiso. So diferenas estruturais

    relacionadas com o meio, e a concepo de Jornalismo e de notcia

    muda em virtude dessas diferenas. Mas tambm existem semelhanas,

    j que, apesar das particularidades, h uma noo geral de Jornalismo

    partilhada pela mdia.

    O telejornalismo deve ser pensado como mais um produto da

    grade de programao das emissoras, que deve obedecer a um padro

    identitrio comum a todos os outros programas, guardadas as

    especificidades relativas ao gnero e ao status de cada um. Mas, para

    refletir e discutir os conceitos ligados ao telejornalismo, preciso antes

    fazer um exerccio de reflexo e discusso sobre o prprio veculo

    televiso.

    Este captulo comea, ento, com tal exerccio. A televiso,

    enquanto veculo de comunicao massiva e, no caso da sociedade

    brasileira, meio de comunicao por excelncia, nico modo de contato

    com o mundo exterior da maioria dos cidados, guarda aspectos que

    merecem e precisam ser levados em considerao para que se

    possa compreender por que o telejornalismo como e por que as

    notcias em televiso so como so.

    Falamos, especificamente, das caractersticas do meio, do seu

    poder de penetrao social, do prprio papel social que a TV

    desempenha na sociedade brasileira e de como tudo isso se encontra no

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    telejornalismo oferecido na tela. Consideramos til, tambm, no deixar

    de comentar a influncia do modelo oferecido pela Rede Globo na

    constituio da identidade televisiva brasileira.

    2.1 Televiso: aspectos tericos

    A televiso um meio de comunicao destinado a um pblico

    imenso, annimo e heterogneo, constituindo-se no apenas numa

    transformao radical, mas numa revoluo comunicacional que

    comeou com a expanso da imprensa no sculo XIX, ganhou impulso

    com o rdio e o cinema nas primeiras dcadas do sculo seguinte e

    levou para dentro dos lares, a partir de 1950, um mundo em sons e

    imagens.

    Desde a sua insero no mundo social at hoje, a televiso

    passou por inmeros avanos tecnolgicos introduo do video-tape,

    da cor, de novas possibilidades de captao da imagem, etc. mas seu

    carter permaneceu imutvel, qual seja, reunir indivduos que tudo

    tende a separar e oferecer-lhes a possibilidade de participar de uma

    atividade coletiva (Wolton: 1996, p.15), uma forma de aliana entre o

    individual e o coletivo, entre o indivduo e a comunidade. Desta aliana

    possvel apreender quatro aspectos bsicos inerentes ao meio e que

    ajudam a compreender algumas das caractersticas de suas mensagens:

    a televiso um meio massivo, intimista, dispersivo e seletivo (Maciel:

    1995).

    A televiso massiva porque seu pblico medido sempre em

    milhes de telespectadores. Uma mensagem televisiva abrangente e

    no conhece limites, a no ser os tcnicos, para a recepo. Hoje no

    h quem no assista TV, que tambm um meio intimista porque,

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    apesar de se dirigir a um pblico heterogneo e numeroso, o discurso

    dirigido a cada telespectador em particular. Desta forma, a televiso se

    coloca na articulao entre os nveis individual e coletivo.

    Mas, por se tratar de um veculo parte da moblia do lar, a

    televiso acaba por ser dispersiva, dividindo as atenes com os

    afazeres domsticos, a leitura, os rudos provenientes da rua ou de

    cmodos prximos de onde o aparelho est instalado. Para superar esta

    dificuldade, a mensagem deve ser simplificada e atraente. E em

    conseqncia de sua dispersividade, ela igualmente seletiva: nem

    tudo o que o telespectador gostaria de ver ele realmente o ver na

    televiso.

    A limitao de tempo faz com que um telejornal, por exemplo,

    faa uma rigorosa seleo do que vai levar ao conhecimento da

    audincia. preciso salientar, porm, que a seleo das mensagens no

    parte apenas de quem produz a TV, mas tambm de quem a assiste

    porque a oferta variada de produtos em canais diversos faz com que o

    telespectador tenha uma autonomia limitada sobre o que quer ver.

    A par destas quatro caractersticas bsicas, a televiso pode

    ser encarada como uma forma de lao social entre os indivduos que se

    projetam nas experincias expostas na tela. A televiso no apenas o

    conjunto de seus programas e contedos: tambm uma forma de

    cultura social que, de acordo com Vilches (1996:13), estabelece uma

    relao comunicativa baseada na cumplicidade e no apenas, ou

    necessariamente, na intransponvel dualidade entre dominantes e

    dominados.

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    Numa perspectiva prxima, Wolton (1996) defende ser a

    televiso generalista3 um meio de forjar e manter laos sociais via

    um mecanismo de identificao, no de manipulao ou dominao

    porque, para o autor, o pblico saberia assistir s imagens que recebe e

    no jamais passvel, nem neutro. O pblico filtra as imagens em

    funo dos seus valores, ideologias, lembranas, conhecimentos

    (Ibdem: p.6). Porm, esta no a opinio dominante entre os tericos

    que se ocupam da televiso.

    A opinio dominante entre os pesquisadores que se dedicam

    ao estudo da televiso pode ser sintetizada na afirmao de Bourdieu

    (1997:20), para quem a TV explora como nenhum outro meio de

    comunicao as paixes mais primrias das pessoas e que, por seu

    alcance, ela um formidvel instrumento de manuteno da ordem

    simblica, uma ordem de violncia e opresso exercida por aqueles

    que dominam o acesso aos meios de comunicao, produo e ao

    consumo dos bens culturais, simblicos. Em ltima instncia, a violncia

    simblica seria mais uma manifestao de fora do poder capitalista.

    Bourdieu se alinha aos intelectuais que tm uma viso prxima

    acerca do Jornalismo dentro de uma perspectiva frankfurtiana de que os

    meios de comunicao de massa estariam servio de uma indstria

    cultural alienante:

    Uma parte da ao simblica da televiso, no plano dasinformaes, por exemplo, consiste em atrair a ateno parafatos que so de natureza a interessar a todo mundo, dos quaisse pode dizer que so omnibus isto , para todo mundo. Osfatos-nibus so fatos que, como se diz, no devem chocarningum, que no envolvem disputa, que no dividem, queformam consenso, que interessam a todo mundo, mas de ummodo tal que no tocam em nada de importante. As notcias de

    3 O termo televiso generalista, Wolton utiliza em contraposio televiso temtica,segmentada. A televiso generalista corresponde aos canais abertos que oferecem programaspara todos os tipos de pblico com os mais variados interesses. A televiso temtica , emgrande parte, os canais fechados que oferecem uma programao montada a partir deinteresses de uma audincia que se restringe aos assuntos enfocados.

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    45

    variedades consistem nessa espcie elementar, rudimentar, dainformao que muito importante porque interessa a todomundo sem ter conseqncias e porque ocupa tempo, tempoque poderia ser empregado para dizer outra coisa. Ora, otempo algo extremamente raro a televiso. E se minutos topreciosos so empregados para dizer coisas to fteis, queessas coisas to fteis so de fato muito importantes namedida em que ocultam coisas preciosas (Ibdem: p.23).

    Apesar de no desprezarmos a contribuio terica tanto do

    socilogo francs quanto daqueles que defendem uma linha similar,

    entendemos ser a televiso mais que esse instrumento de dominao e

    manuteno de uma ordem burguesa de organizao social. Televiso,

    concordamos com Machado (2003: pp.10-11), um dispositivo

    audiovisual atravs do qual uma civilizao pode exprimir a seus

    contemporneos os seus prprios anseios e dvidas, as suas crenas e

    descrenas, as suas inquietaes, as suas descobertas e os vos de sua

    imaginao. 4

    Bucci (1996:12) diz para quem julga que a televiso faz o que

    bem entende com a audincia que

    No bem assim (...). ela no determina o que cada um vaifazer ou pensar, no h um crebro maquiavlico por trs decada emissora procurando doutrinar a massa acrtica (...); amassa de telespectadores no obedece irrefletidamente o quev na televiso; o que acontece que a televiso se apresentacom os mecanismos necessrios para integrar expectativasdiversas e dispersas, os desejos e as insatisfaes difusas,consegue incorporar novidades que se apresentemoriginalmente fora do espao que ela ocupa e, em suadinmica, vai dando os contornos do grande conjunto, com umtratamento universalizante das tenses.

    4 Uma outra perspectiva conceitual acerca da televiso oferecida por Muniz Sodr em AAntropolgica do Espelho (Petrpolis: Vozes, 2002): o autor considera que a televiso aprincipal expresso de uma nova forma de vida, a bios-media, em que a vida cotidiana passapara o campo do virtual e do simulacro na, e graas a, interferncia da mdia nas relaeshumanas. O homem , nessa perspectiva, potencial produto e produtor, alimento e alimentadordesse sistema miditico. No desprezamos a valiosa contribuio do autor, mas, nesta pesquisaem particular, optamos pelo vis emprestado ao estudo da televiso por Arlindo Machado porconsiderarmos mais pertinente aos objetivos especficos deste trabalho.

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    Os defeitos to prontamente apontados e criticados, muitas

    vezes so caractersticas mal compreendidas da televiso. Por exemplo,

    onde Bourdieu v apenas censura, o que, de fato e no fundo, existe

    um conjunto de rotinas de produo e critrios de noticiabilidade que

    ajudam a definir o que ou no noticivel por se enquadrar ou no nas

    regras de produo jornalstica5.

    Sua to proclamada superficialidade, to denunciada

    espetacularidade, seu condenado poder de fascnio e sua alegada

    alienao cultural encontram explicao terica na prpria constituio

    do veculo. Porque a televiso um eletrodomstico procura de uma

    necessidade que possa legitim-la socialmente, conforme comentrio de

    Sodr (1984:14). Por esta razo, Vilches (1996:15) sai em sua defesa

    afirmando que a televiso uma forma de expressar experincias

    culturais e estticas diversas que acabam por relativizar o conceito de

    realidade e, por isso, ele comenta que a televiso no boa nem m

    em si: apenas um meio que expe o mito da sociedade atual atravs

    do narrativo, do fantstico e do ritual da cotidianidade, sem buscar a

    objetividade da realidade da forma que fazem as cincias (traduo

    nossa).

    Essa diversidade de experincias partilhadas, mediadas pelas

    ondas hertzianas, ajuda a construir no apenas os laos sociais, o

    sentimento de povo em comunidade como afirma Wolton, mas tambm

    a prpria realidade. No caso da televiso brasileira, por exemplo, ela foi

    capaz de criar um elo entre os indivduos de todas as partes do pas

    forjando uma idia de identidade nacional, entendendo por identidade a

    definio de Castells (1999:22) como sendo a fonte de significao e

    5 Bourdieu toca na questo das rotinas e dos critrios, mas categorizando-os como censura aoafirmar que no h discurso (...) nem ao (...) que, para ter acesso ao debate pblico, nodeva submeter-se a essa prova de seleo jornalstica, isto , a essa formidvel censura que osjornalistas exercem, sem sequer saber disso, ao reter apenas o que capaz de lhes interessar,de prender sua ateno, isto , de entrar em suas categorias, em sua grade, e ao relegar insignificncia ou indiferena expresses simblicas que mereceriam atingir o conjunto doscidados (1997:67).

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    experincia de um povo. Identidade esta talvez no nacional, mas

    miditica. Afinal, como afirma Wolton (1996:16),

    A fora da televiso est no religamento dos nveis daexperincia individual e da coletiva. Ela a nica atividade afazer a ligao igualitria entre ricos e pobres, jovens e velhos,rurais e urbanos, entre os cultos e os menos cultos. Todomundo assiste televiso e fala sobre ela. Qual outra atividade, hoje, to transversal? Se a televiso no existisse, muitagente sonharia em inventar um instrumento capaz de reunirtodos os pblicos.

    Mesmo assumindo uma postura otimista, porm crtica, sobre

    a televiso, no deixamos de refletir acerca de seu papel poltico e do

    peso das foras econmicas que a viabilizam. Afinal, a TV no Brasil

    um servio e uma concesso pblica que segue o modelo de

    organizao, administrao e gesto da empresa privada que e que,

    por isso, precisa buscar fontes de financiamento na publicidade,

    garantida a partir do bom desempenho da audincia de seus produtos.

    Mas, outra vez, pontuamos que esta mais uma caracterstica da TV e

    no um defeito inerente.

    Ao contrrio dos meios impressos, o veculo audiovisual se

    organiza em funo do tempo, em uma grade de programao que

    garante a oferta quase contnua de imagens com prerrogativas e status

    diferentes. A programao deve ser atraente o bastante para conquistar

    a ateno dos telespectadores e, por meio deles, a dos anunciantes que

    possam financiar a sobrevivncia dos programas e da prpria instituio

    televisiva privada.

    Neste sentido, a televiso precisa oferecer aquilo que, supe-

    se, o telespectador pretende encontrar nela: entretenimento,

    informao, servios de utilidade pblica ou o que quer que seja. Mas,

    dada a constituio social e econmica da sociedade contempornea

    e, assinale-se, no apenas a brasileira , onde o acesso a variadas

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    formas de lazer e bens culturais no est a pleno alcance de todos, a

    televiso acabou por transformar-se na maneira mais prtica e barata

    de entretenimento para a imensa maioria das pessoas. Logo, a

    televiso, que um eletrodomstico em busca de uma funo social

    conforme dito anteriormente, acabou por se transformar em um veculo

    de entretenimento por excelncia.

    No estamos querendo dizer com isso que no haja nada alm

    de entretenimento na televiso. A informao est l, a utilidade pblica

    est l, uma aparente democratizao da informao e de uma forma

    de cidadania mediada est l. S que est de forma a conservar uma

    unidade identitria que leva o telespectador a interessar-se pelo fluxo

    televisual como um todo, incluindo os (cada vez maiores) espaos

    dedicados publicidade6.

    Assim, a televiso tambm um negcio, mas um negcio

    diferenciado, to particular, que mesmo sendo a indstria cultural que

    , fora-nos a buscar no apenas explicaes econmicas que nos

    ajudem a entend-la e a seus produtos. No caso da televiso brasileira,

    por exemplo, e faremos isso mais adiante, possvel apontar para uma

    srie de fatores histricos interligados aos aspectos econmicos,

    polticos, tcnicos e sociais que mobilizaram e ainda mobilizam o nosso

    sistema audiovisual.

    De volta aos aspectos tericos pertinentes a este tpico, no

    podemos deixar de contemplar outra caracterstica fundamental da

    televiso nas sociedades contemporneas: que ela, como todos os outros

    media, ajuda a construir uma noo de realidade. Uma realidade

    mediada. A realidade tal como a conhecemos socialmente construda,

    no dada aprioristicamente (Berger e Luckmann: 1995). Vrios fatores

    6 A televiso fica com metade de todos os gastos com publicidade no Brasil, gastos querepresentam algo em torno de 1% do PIB (Pereira Jr.: 2002)

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    determinam e contribuem para esta construo, no apenas os media

    eles no agem isoladamente, mas so peas fundamentais neste

    processo porque a complexidade da vida social contempornea faz

    aumentar a dependncia das pessoas pelas imagens (incluindo textos e

    narrativas) miditicas, conforme depreendemos das palavras de Mayo

    (2004:16):

    A crescente complexidade da vida social faz com que muitos deseus aspectos escapem percepo direta, e que por issoaumente a dependncia de carter vicrio dosespectadores com respeito a uns meios de comunicao que,de maneira massiva e incessante, produzem e difundemdeterminadas imagens da sociedade e da realidade (traduonossa).

    O processo de produo da realidade nos meios de

    comunicao o resultado de uma prtica determinada por certas

    rotinas submetidas a uma lgica organizacional e profissional que

    permitem aos media selecionar o que deve ser publicizado e levado ao

    conhecimento pblico, logo, tornado realidade. Essas rotinas

    produtivas, conforme comentadas no primeiro captulo, obedecem a

    uma categorizao da matria-prima os acontecimentos da sociedade

    de forma a facilitar a montagem de um grande painel do real.

    Os acontecimentos sociais passam assim pelo crivo dos

    produtores miditicos que tipificam os fatos em quadros de referncia

    pr-estabelecidos. O que no se encaixa em nenhum dos quadros

    reconhecidos e aceitos pelos media fica fora da realidade miditica,

    implicando tambm sua ausncia da realidade do cidado de uma

    sociedade midiatizada.

    Cada vez mais as pessoas moldam suas concepes de

    realidade a partir da experincia vivida atravs de uma mediao

    televisiva. O que est fora da TV tambm est fora do alcance de parte

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    significativa da sociedade. O que est fora da TV por no se encaixar

    em seus quadros de referncia tambm est fora dos quadros de

    referncia para aqueles a quem a TV o espelho do real.

    Mas, que realidade a televiso produz? A realidade televisiva

    no pode ser considerada apenas como algo alienado e distante do dia-

    a-dia, porque a que a televiso vai buscar inspirao. O que acontece

    que a televiso um aparato de produo cultural que obedece a

    critrios prprios para transformar os fatos do cotidiano em fico,

    humor, notcia, aventura, em outras palavras, programao.

    O telejornalismo uma pea chave nessa programao. E o

    produto que reclama credibilidade para que seja aceito como espelho do

    real para um pblico que v diante dos olhos, numa profuso de

    imagens, no apenas um espelho, mas uma janela que se abre para

    que ele possa ver e conhecer o que est perto e longe, o que lhe

    afeta poltica, social e economicamente e o que lhe distrai, o que lhe

    entristece, o que lhe alegra.

    O telejornal leva ao telespectador um real fragmentado,

    tipificado, categorizado, um mosaico de imagens e um quebra-cabea

    de informaes que pautam as conversas das pessoas. O mesmo

    acontece com outro produto-chave da televiso brasileira: as

    telenovelas. Assim, a televiso fornece a referncia sobre o que falar e,

    em alguns casos, sobre como falar. uma fora de agendamento social

    somente possvel em uma sociedade midiatizada, numa redefinio do

    espao pblico que passa a ser o espao de uma mdia dominada pela

    televiso.

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    2.2 A televiso no Brasil