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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE JORNALISMO CAIO ANDERSON RAMIRES CEPP COMUNICAÇÃO E REGÊNCIA MUSICAL: UM OLHAR SEMIÓTICO SOBRE OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO EM UMA ORQUESTRA SINFÔNICA FORTALEZA 2013

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … · musical ocorrer de forma efetiva. Importa ainda explicar que, em princípio, este trabalho não tem uma identidade propriamente

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE JORNALISMO

CAIO ANDERSON RAMIRES CEPP

COMUNICAÇÃO E REGÊNCIA MUSICAL: UM OLHAR SEMIÓTICO SOBRE OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO EM UMA ORQUESTRA SINFÔNICA

FORTALEZA 2013

CAIO ANDERSON RAMIRES CEPP

COMUNICAÇÃO E REGÊNCIA MUSICAL: UM OLHAR SEMIÓTICO SOBRE OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO EM UMA ORQUESTRA SINFÔNICA

A monografia apresentada à Faculdade Cearense, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Sob orientação do Prof. Ms. EDMUNDO BENIGNO e Coorientação do Prof. Dr. ALFREDO BARROS

FORTALEZA 2013

CAIO ANDERSON RAMIRES CEPP

COMUNICAÇÃO E REGÊNCIA MUSICAL: UM OLHAR SEMIÓTICO SOBRE OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO EM UMA ORQUESTRA SINFÔNICA

Monografia como pré-requisito para

obtenção do título de Bacharelado em

Comunicação Social, com habilitação

em Jornalismo, outorgada pela

Faculdade Cearense – Fac, tendo sido

aprovado pela banca examinadora

composta pelos professores.

Data de aprovação: ----/----/----.

BANCA EXAMINADORA

Prof: Edmundo M. Benigno, Ms.

Orientadora

Profa: Klycia Fontenele

Membro

Prof: Walter Lacerda

Membro

Coordenação do Curso

Membro

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que me deu forças para concluir este

trabalho.

A toda a minha família, em especial a minha mãe, Sr.ª Cristiane Ramires e

minha irmã, Flavia Tammy, que assistiram durante este período ás minhas

inquietações e sofrimentos, mas que nunca me deixou baixar a cabeça e

desistir.

A minha companheira e amiga Edyla Porto, que além de me ajudar nos

textos e no processo de evolução do trabalho, proporcionou momentos de

alegria, e deu força para que eu nunca viesse a desistir dos meus objetivos. .

Ao meu orientador Edmundo Benigno, que foi muito além do papel que lhe

cabe, mostrando os caminhos para realização deste trabalho, e ainda

iluminou de maneira especial os meus pensamentos, levando-me a buscar

mais conhecimentos. Sou muito grato.

Ao meu coorientador, Prof. Dr. Maestro Alfredo Barros, que acreditou no meu

trabalho desde o início e abriu as portas da Orquestra Sinfônica da

Universidade Estadual do Ceará para que se tornasse o meu laboratório de

pesquisa.

Aos meus professores - que me acolheram e contribuíram ativamente para

que eu viesse aprimorar meus conhecimentos - Klycia Fontenele, Luana

Amorim, Joana Dutra, Maria do Céu, Carlos Perdigão, Mara Cristina, Walter

Lacerda e Maria Elia.

Aos meus amigos de sala, em especial a Thaíla Cavalcante, Joyce Selena,

Esdras Gomes, Marcília Sousa, Alexsandra Catherinne, Leyliane Mariano,

Litay Montenegro, Ângelo Jorge, Sâmia Saraiva, Rhodinelles Braga,

Claudyane Oliveira, Benedito Machado, Antônio Laudenir, que sempre

acreditaram neste projeto de pesquisa.

"O símbolo é um signo em transformação nos interpretantes que

ele gerará, no longo caminho do tempo".

(Lúcia Santaella, 2000)

RESUMO

Este trabalho estuda a comunicação existente entre maestro e músico na orquestra sinfônica da Universidade Estadual do Ceará (OSUECE) a partir da teoria semiótica. Foram considerados para análise os conceitos – de Santaella (2007) e Peirce (2012) – relacionados a signo, objeto e interpretante e às relações existentes do signo em si mesmo e do signo em relação a seu objeto. Os níveis emocional, energético e lógico do interpretante dinâmico também foram considerados. Os materiais utilizados para análise foram: trechos de um vídeo no qual a orquestra executa a Quinta Sinfonia de Beethoven e tabelas com conceitos semióticos a serem identificados na relação maestro-músico. Como resultados, percebeu-se que: o signo em questão são os gestos do maestro, o objeto é a regência musical e os interpretantes estão na mente interpretadora dos músicos. Observou-se ainda que a linguagem visual – apresentada por meio dos gestos do maestro – é tão ou mais importante que a linguagem sonora para a comunicação ocorrer de forma efetiva.

Palavra Chave: Regência. Semiótica. Música.

RESUMÉN OU ABSTRACT

This work aproaches the communication between the conductor and the musician in the Symphonic Orchestra of the State University of Ceara (OSUECE) from a semiotic perspective. The concepts of Santaella (2007) and Peirce (2012) on sign, object and interpreter and also the existing relations of the sign itself and the sign in relation to its object were taken into account in the development of this work. The emotional, energetic and logical levels of the dynamic interpreter were also considered. The material used for the analysis were: passages of a video that shows the orchestra performing the fifth symphony of Beethoven and tables with semiotic concepts to be identified in the conductor-musician relation. The results showed that: the sign at issue is the gesture of the conductor, the object is the musical conducting and the interpreters are in the mind of the musicians. It was also observed that the visual language - here presented by yhe gestures of the conductor - is as important as or even more important for an effective communication than the score itself.

Keywords: Conducting. Semiotics. Music.

LISTA DE ILUSTRAÇÔES

FIGURA 1. Arquitetura Filosófica de Peirce ................................................. 31

FIGURA 2. Relação Triádica do Signo ......................................................... 36

FIGURA 3. O signo / Retirado de Santaella (2007) ...................................... 36

TABELA 1. As Tricotomias de Peirce ........................................................... 38

TABELA 2. Signo em Relação a si mesmo .................................................. 38

TABELA 3. Signo em relação ao seu objeto ................................................. 39

TABELA 4. Signo em relação ao seu interpretante ...................................... 40

TABELA 5. Objetivos da pesquisa ................................................................ 41

QUADRO 1. Orquestra Sinfônica da UECE, sob regência de

Alfredo Barros ............................................................................................... 43

QUADRO 2. Orquestra Sinfônica da UECE sob regência do maestro Alfredo

Barros ........................................................................................................... 43

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

OCC/UECE – Orquestra Contemporânea do Ceará / Universidade Estadual

do Ceará

OSUECE – Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual do Ceará

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11

1. APANHADO HISTÓRICO ................................................................. 14 1.1 A Orquestra Sinfônica ...................................................................14 1.2 A Orquestra e sua História Sinfônica............................................. 15 1.3 O maestro e o Regente ................................................................ 20 1.4 A orquestra em terras brasileiras.................................................. 23 1.5 A orquestra sinfônica cearense .................................................... 26

2. A SEMIÓTICA COMO TEORIA E MÉTODO PARA O ESTUDO DA

REGÊNCIA ....................................................................................... 28 2.1 Semiótica ..................................................................................... 28 2.2 Semiótica Peirceana .................................................................... 29

2.2.1 Arquitetura Filosófica de C.S. Peirce ................................ 30 2.2.2 A Fenomenologia .............................................................. 31 2.2.3 As Ciências Normativas .................................................... 33

2.3 Os três conceitos que envolvem o estudo dos signos ................. 34 2.3.1 A Divisão dos signos: as tricotomias ................................. 37

3. A REGÊNCIA E A SEMIÓTICA ......................................................... 40

3.1 Materiais ....................................................................................... 40 3.2 Procedimentos ............................................................................. 42 3.3 Sobre as Análises ........................................................................ 43 3.4 Análise e resultados ..................................................................... 44

3.4.1O Fenômeno musical ........................................................... 44 3.4.2 O signo, o objeto e o interpretante no processo de regência......................................................................................... 47 3.4.3 O signo em si mesmo ........................................................ 49 3.4.4 O signo em relação a seu objeto........................................ 51 3.4.5 O signo e seu interpretante ............................................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 56 REFERÊNCIAS ..................................................................................58 APÊNDICE A.......................................................................................63 APÊNDICE B.......................................................................................65 APÊNDICE C.......................................................................................66

11

INTRODUÇÃO

Há muito tempo, observamos que existe uma comunicação

bastante peculiar entre maestro e músicos em uma orquestra. A observação

nasceu no primeiro trabalho deste pesquisador como musicista de uma

orquestra. Assim, a curiosidade em compreender como os instrumentistas

entendiam a regência gerou uma impulsão para que esta pesquisa fosse

realizada. Com o passar do tempo, percebemos que seria possível investigar

esta comunicação usando algumas ferramentas teóricas para análise e assim

poder esclarecer as inquietações sobre tal comunicação.

Frente ao contexto citado, definimos o objetivo geral deste

trabalho: analisar a comunicação entre maestro e músicos em uma orquestra

sinfônica. Seus desdobramentos específicos se baseiam em classificar a

Fenomenologia na relação maestro-músico; explicar a comunicação gestual

(regência) e seus significados; analisar os objetos da regência e seus efeitos

interpretativos. Com tais intentos, foi utilizada como base teórica a Semiótica

estudada pelo pesquisador norte-americano, Charles S. Peirce e sua

arquitetura filosófica na tentativa de responder alguns questionamentos.

Entre eles, qual a relação dos fenômenos musicais com a regência? Como

explicar a comunicação gestual e seu significado? Quais efeitos

interpretativos influenciam na execução da música?

No primeiro capítulo, consideramos pertinente fazer um apanhado

histórico sobre a cultura das orquestras e mostrar a sua evolução, pautada na

inserção da figura do maestro, ampliação da estrutura física até a formação

de seu caráter sinfônico. Descrevemos também como foi construída essa

cultura orquestral no Brasil, ressaltando a importância dos compositores

nacionais e internacionais para o desenvolvimento da cultura erudita no

nosso país. No último tópico deste capítulo, apresentamos a Orquestra

Sinfônica da UECE, que foi o nosso laboratório de pesquisa.

No segundo capítulo, por sua vez, analisamos as bases teóricas

em torno da Semiótica de Peirce, pois ela - neste trabalho monográfico -

funciona como teoria e método para estudar a linguagem gestual usada pelo

12

maestro na comunicação com os músicos da orquestra. Descrevemos os três

tipos semioticistas usados por Peirce, que analisa qualquer forma de

linguagem, seja ela verbal ou não. Portanto, através da arquitetura filosófica

de Peirce, construímos o caminho que a pesquisa foi desenvolvida. Ainda

explicamos a Fenomenologia para classificar o signo e assim chegarmos à

análise tricotômica. Por fim, no fechamento desta etapa, analisamos o objeto

e o interpretante desta pesquisa.

Já no terceiro capítulo, abordamos a comunicação entre maestro e

músico da OSUECE. Assim, aplicamos a teoria semioticista usando os

conceitos de Santaella (2007), Peirce (2012) e Coelho Netto (2010). Ainda

classificamos as categorias de Primeiridade - que surge como o silêncio

regido pelo maestro. Secundidade - que surge como a reação da orquestra

sob a ação da regência do maestro, e Terceiridade - que pode ser explicada

resumidamente através da interpretação da música tocada.

No desenvolvimento desta etapa, utilizamos imagens do vídeo

colhido em um ensaio da orquestra, a qual tocava a Quinta Sinfonia de

Beethoven. Selecionamos três imagens para colocar em uma tabela na

efetuação da análise; e como o gestual do regente é importante e contribui

para os objetivos deste estudo, também foram inseridas ilustrações

representando a direção do movimento dos braços do maestro. Ainda

analisamos a relação signo, objeto e interpretante, que podem ser

representados respectivamente como gesto, regência e orquestra (músicos).

E igualmente examinamos a relação existente do signo em si mesmo e do

signo e seu objeto. Além disso, os níveis emocional, energético e lógico do

interpretante dinâmico também foram considerados.

Os materiais utilizados para a análise em foco foram: trechos de

um vídeo no qual a orquestra da UECE executa a peça Quinta Sinfonia de

Beethoven, e também tabelas com conceitos semióticos a serem

identificados na relação maestro-músico.

13

Por fim, como resultado desta pesquisa, percebemos que o signo

em questão são os gestos do maestro, o objeto é a regência musical e os

interpretantes estão na mente interpretadora dos músicos. Observou-se

também que a linguagem visual apresentada por meio de gestos do maestro,

é tão ou mais importante que a linguagem sonora para a comunicação

musical ocorrer de forma efetiva.

Importa ainda explicar que, em princípio, este trabalho não tem

uma identidade propriamente jornalística, mas estabelece uma reflexão entre

comunicação (regência), semiótica e música. Por natureza, a comunicação

possui uma estreita relação com as ciências da linguagem. Desta forma, não

podemos interpretar o signo1 musical como simples emoções despejadas por

um autor. É neste momento que a Semiótica surge como ferramenta para ser

trabalhada no ambiente musical. Assim, enxergamos uma reflexão sobre um

diálogo a respeito dos três assuntos, que em suma são estudados de

maneira isolada, mas que são estreitamente interligados.

Nesta etapa introdutória, torna-se importante ainda esclarecer que

até a data presente ainda não foi observado nenhum trabalho desta natureza,

o que demonstra certo ineditismo por parte desta pesquisa. E como pergunta

de partida usamos uma que se enquadra em toda a problemática: até que

ponto o maestro é importante para a orquestra?

Esperamos ter respondido tal indagação ao final deste estudo

monográfico.

.

1 Para Peirce signo é qualquer que apareça a mente de um interpretante (2010).

14

1. APANHADO HISTORICO

Neste capítulo iremos retratar todo o processo de construção da

orquestra ate o momento em que se caracteriza uma orquestra sinfônica. Em

meio a este processo, explicamos em um aspecto cronologia os momentos

marcantes que fizeram parte da estruturação das orquestras em nossa

atualidade.

Este processo é importante para ambientar o leitor e situar a

pesquisa, de forma que ao decorrer do texto, explicamos a formação de uma

orquestra e os fundamentos para que ela exerça seu papel.

1.1 A orquestra Sinfônica

Segundo Carpeaux (2011), orquestra é um grupo de

instrumentistas que executam peças de vários compositores de épocas

diferentes e interpreta obras sinfônicas ou de outros gêneros musicais. No

início, as formações eram pequenas, não havia a necessidade de um

regente, mas sim de um líder que marcasse a pulsação da música. Esse líder

utilizava um bastão ou movimentos corporais que indicavam o andamento da

peça tocada.

Sorce (2010) comenta que a orquestra sinfônica é composta por

cinco classes de instrumentos: cordas (violinos, violas, violoncelos,

contrabaixos e, em alguns casos, harpa), madeiras (flautas, flautins, oboés,

clarinetes, corne-inglês, fagotes, contrafagotes), metais (trompetes,

trombones, trompas, tubas), instrumentos de percussão (tímpanos, triângulo,

caixa, bombo, pratos etc) e instrumentos de teclas (piano, cravo, órgão).

O autor explica, ainda, que dentro dessas classes de instrumentos

existe uma hierarquia implicitamente aceita: cada secção tem um solista, que

será o líder do grupo e responsável pelos solos. Os violinos são divididos em

grupos: primeiros violinos e segundos violinos. O principal músico do primeiro

violino é denominado chefe (spalla2) responsável por toda a orquestra,

subordinado apenas ao maestro. Nos metais, o líder é o trompetista. Nas

2 Spalla é o nome dado ao primeiro-violino de uma orquestra. Ele fica na primeira estante à

esquerda do maestro (SORCE).

15

madeiras, o papel de líder é desempenhado pelo primeiro flautista (SORCE,

2010).

Carpeaux (2011) argumenta que, atualmente, as formações de

uma orquestra sinfônica e filarmônica podem chegar a mais de cem músicos

fixos. Praticamente não há diferenças entre elas, mas, se compararmos

esses dois modelos a uma orquestra de câmara, aparecerão algumas

distinções. Em uma orquestra de câmara3, o conjunto de músicos é bem

menor, costuma ter entre dezoito e quarenta músicos, divididos entre violinos,

violas, violoncelos e contrabaixos. Essa formação é propícia para executar a

música de câmara, ou seja, um tipo de música erudita para pequenos

ambientes, executada por poucos músicos.

Segundo Sorce (2010), não há uma diferença musical entre

orquestra filarmônica e sinfônica, a não ser pela natureza administrativa para

com os seus mantenedores. A sinfônica é mantida pelo Estado e os

componentes são recrutados através de concurso público, e a filarmônica é

fundada pelos integrantes e mantida por entidades particulares.

A orquestra sinfônica da UECE, a qual foi o nosso laboratorio de

pesquisa para este trabalho, é uma orquestra academica de carater sinfônico

por dois motivos: primeiro pelo fato de ser mantida financeiramente pela

Universidade Estadual do Ceará e o segundo motivo, esta na questão

estrutural da orquestra, a qual seu corpor funcional é composto por cinquenta

e dois músicos preenchendo todas as areas instrumentais específicas para

que seja uma orquestra de carater sinfônico.

1.2 A orquestra e sua história Sinfônica

A palavra Orquestra vem do grego “Orkhestra”, que significa lugar

para dançar. Este termo foi designado ao espaço físico do anfiteatro onde

cantores, dançarinos e músicos ficavam. Os instrumentos musicais eram

usados como acompanhamento para as vozes. A história da orquestra está

diretamente ligada à história da música instrumental, mas, em geral, a prática

foi sempre minoritária em relação à música vocal (BENNETT, 1989).

3 No caso, a palavra câmara é sinônimo de sala, quarto ou aposento pequeno (CARPEAUX,

2011, p. 28).

16

Na Itália, no século XVI, foram apresentadas as primeiras óperas,

diretamente influenciadas pelo drama interpretativo grego. Os primeiros

grupos classificados como orquestra vieram do veneziano Giovane Gabrielli4.

Seu intuito era formar grupos de instrumentistas para o acompanhamento de

suas Sinfonias Sacras. No mesmo período, em Florença, Claudio

Monteverdi5 também define uma orquestra para acompanhamento de sua

ópera L´Orfeo, composta em 1607 (ADLER, 2002).

No período barroco (1600 à 1750), a orquestra era baseada nos

instrumentos da família das violas. Os compositores formavam os primeiros

grupos instrumentais de timbres definidos, institucionalizando, assim, uma

certa formação instrumental que predominou por todo o século XVII. A

música barroca traz uma relação entre a música ocidental e a época cultural

homônima na Europa (CARPEAUX, 2011).

As orquestras do início do século XVIII já eram divididas por naipe6

de instrumentos de corda, que atualmente continuam sendo a base das

orquestras contemporâneas. Os compositores Corelli e Vivaldi se destacaram

como pioneiros na escrita para cordas (CARSE, 1964).

O período Barroco foi uma época de maior extensão e fecundidade

no aspecto cultural artístico. Para Harris7 (2005), o período barroco costitue

não apenas um estilo artístico, mas todo um período histórico. As mudanças

vindas com o espírito barroco se originaram em um grande respeito pela

tradição clássica, atrelado a um desejo de superalá com a criação de obras

originais em um contexto social. No campo musical, o período se inicia no

surgimento da ópera de Claudio Monteverdi, em 1600, até a morte de Johann

Sebastian Bach8, em 1750 (BENNETT, 1989).

4 Giovane Gabrielli foi um dos compositores mais importantes do final da renascença e do

período inicial do barroco. Uma de suas principais obras é Symphoniae Sacrae, que se tornou em uma coletânea de escritas para culto das vésperas na basílica de San Marco (CARPEAUX, 2011). 5 Monteverdi é considerado o maior compositor italiano de sua geração, foi considerado o

último madrigalista. Desenvolveu sua carreira como músico da corte do duque Vicenzo, e depois assumiu a direção musical da basílica de San Marco em Veneza (CARPEAUX, 2011). 6 Naipe da orquestra é como se chamam as classes de instrumentos que podem ser

divididos em cordas, madeiras, metais e percussão (PRIOLLI, 2010). 7 Tivemos acesso à obra original de Ann Harris em inglês, intitulada Seventeenth-century art

& architecture, de 2005. Tradução nossa. 8 Johann Sebastian Bach é tido como o maior compositor barroco, muitos o veem como o

maior compositor de todos os tempos. Entre suas peças mais importantes estão: Concerto

17

Logo depois veio a música clássica (1750 à 1810), quando surge a

música absoluta (ou pura), na qual a ideia dará um valor estético positivo à

qualidade musical. A criatividade será um elemento extramusical nesse

processo que predispõe o ouvinte a perceber e gerar seus próprios

significados. Isto só veio a se concretizar com o desenvolvimento das formas

de sonata, sinfonias, quarteto de cordas e concerto. As mudanças no

conceito musical do período também afetaram a construção dos instrumentos

e a maneira dos conjuntos orquestrais tocarem (CARSE, 1964).

Carse9 (1964) aponta que, durante o período clássico, a música

instrumental passou a ter maior importância que a vocal. Compositores

trocavam seus cravos por piano e acrescentavam mais instrumentos de

sopro em suas peças. Para o autor, no período clássico houve um rápido

crescimento e expansão da orquestra. A expansão se deu na maneira de

tocar dos conjuntos orquestrais. Os instrumentos auxiliares (flautim, corne-

inglês, clarinete-baixo e contra-fagotes) foram adicionados, aumentando os

naipes dos sopros.

A orquestra de Mannheim, dirigida pelo violinista Johann Stamitz,

foi a pioneira desta transformação, apontada como modelo pelos

compositores reconhecidos como os mestres do período clássico: Mozart,

Haydn e Beethoven. Estes compositores são responsáveis pela definição

moderna do gênero que pode ser chamado de orquestra clássica. Berlioz

(compositor) conduziu orquestras enormes nas quais os naipes de sopro,

metais e percussão foram duplicados e os naipes de cordas ampliados

proporcionalmente (ADLER, 2002).

No século XIX, houve o surgimento do romantismo (1810 à 1910)

frente a um dos períodos mais marcantes da história mundial. A revolução

Francesa causou profundas transformações não apenas no campo político,

mas em todas as estruturas de pensamentos no campo da filosofia, cultura e

artes. Pode-se afirmar que houve um “surto de liberalismo” que se traduzia

na defesa dos direitos do homem e liberdade de expressão. A música e a

de Brandenburgo, Missa em Si Menor, Tocata e Fuga em Ré Menor, a Arte da fuga e várias outras peças e cantatas. 9 Tivemos acesso à obra original de Adam Carse em inglês, intitulada The History of

Orchestration, de 1964. Tradução nossa.

18

arte, saem das restrições da nobreça e alcançam os salões dos palácios e

salas de concerto, conquistando um novo público (CANDÉ, 1994).

Os compositores românticos sentiram essa liberdade e buscaram

uma expressão mais intensa e vigorosa das emoções, revelando seus

sentimentos mais profundos. Ludwig Van Beethoven, compositor alemão que

viveu o período de transição do classicismo para o romantismo, foi

considerado o primeiro compositor romântico. Suas sinfonias revelavam uma

temática profundamente pessoal e interiorizada, e buscavam a libertação do

intelecto para alcançar o efeito da beleza da alma (WAGNER, 2010).

Segundo Candé (1994), outros compositores, como Chopin,

Tchaikovsky, Felix Mendelssohn, Liszt, Grieg e Brahms, levaram ainda mais

adiante o idealismo romântico de Beethoven, esquecendo, assim, o rigor

formal do classicismo para escrever músicas que demostrassem a expressão

mais intensa de suas emoções, revelando seus sentimentos mais profundos.

Carse (1964) aponta que as orquestras foram adaptadas a partir

de quando tentaram seguir tendências que aumentaram a participação de

instrumentos de sopro – fato decorrente da Revolução Francesa e da

popularidade das fanfarras e bandas militares. Para manter o equilíbrio

sonoro com o crescimento do naipe de metais, as madeiras também tiveram

um crescimento proporcional. Este aumento em ambos os naipes levou à

necessidade gigantesca de músicos do naipe das cordas para que o volume

pudesse ser equilibrado aos demais naipes da orquestra.

As óperas que se destacaram no período romântico ainda são

famosas na atualidade. Grandes compositores, como Verdi, Rossini, Wagner,

e o brasileiro Carlos Gomes, com suas óperas O Guarani, Fosca e O Escravo

têm obras que correspondem a esse período. Esses compositores usavam

grandes orquestras tornando as partes de solo cada vez mais difíceis

(CANDÉ, 1994).

Não somente o tamanho da orquestra aumentou, mas a sua utilização tem crescido e se sofisticado. Não importa o instrumento que desempenha uma determinada parte. [...] Entretanto, como a orquestra transformou-se em um enorme aparato e cada nota, acorde, timbre, e nuance torna-se uma parte integral da composição, foi necessário para codificar a arte da orquestração para que pudesse ser ensinada (CARSE, 1964, p. 337).

19

As evoluções ao longo do século XX tendenciaram os

compositores do ocidente a abandonarem a orquestra como meio privilegiado

de expressão musical, esgotando as formas musicais tradicionalmente

associadas à orquestra, especialmente a ópera, sinfonia, concertos e poemas

sinfônicos10. Mas estes compositores recriaram a tradição a seu modo,

usando uma linguagem sinfônica peculiar, especialmente quanto à linguagem

harmônica e às combinações de timbres, mesmo mantendo o grupo

orquestral em sua forma tradicional do fim do século XIX (CARSE, 1964).

A tendência ao abandono da grande orquestra e de suas formas tradicionais pode ser comparada a uma crise geral do período que ficou conhecido como Belle époque, [...] Artistas, os primeiros a sentirem e expressarem esta crise do mundo burguês, que só ficou realmente patente com o estouro da 1ª Guerra Mundial. [...] A crise se fez sentir na escrita orquestral de várias formas, ficou mais difícil juntar grandes orquestras (SORCE, 2010, p. 67).

Sorce (2010) enfatiza que a orquestra se transformou em um

grupo instrumental dedicado a executar músicas dos séculos XVIII e XIX ou

de instrumentistas que representam a música do século XX e XXI. Os grupos

menores passam a ser usados pelos compositores, que os utilizam com

maior variedade de instrumentos.

A grande característica desse século é a quantidade de

instrumentos percussivos, que ganham notoriedade e variedade, assumindo

uma gama ilimitada de instrumentos, expandindo a palheta orquestral a

níveis inimagináveis, acompanhando, assim, a tendência geral da

importância dos timbres frente aos fatores melódicos e harmônicos, bem

como o enriquecimento no valor rítmico.

A orquestra tem sido muita coisa para muitos compositores. Tem sido um servidor do grande, um suporte para medíocre, e uma capa para os fracos. No passado tiveram um santuário em suas vidas através da obra de grandes imortais, no presente ofegam depois de esforço do progresso recente. O estudo da orquestração e seu futuro está tão completamente escondido como estava no final do século XVI (CARSE, 1964, p. 335).

O surgimento da orquestra está atrelado a uma autonomia e a uma

padronização dos grupos instrumentais, seguindo uma tendência evolutiva no

10

Poema Sinfônico é uma peça orquestral que se baseia em poemas, pinturas, romances ou algo do gênero que descreva os fatos, histórias ou imagens com detalhes e com a preocupação em seguir um programa preestabelecido. No entanto, não tem uma forma predeterminada, podendo adotar a forma que o compositor achar melhor (CANDÉ, 1994, p. 132).

20

aspecto cultural urbano e burguês. A música é uma arte necessária para

manter o equilíbrio da humanidade, sabemos o quanto as melodias nos

remetem a lembranças, revivendo o passado nostálgico de nossas vidas,

passado esse que nos leva ao universo das orquestras, cuja experiência

musical faz um maestro fluir a essência sentimental expressa nas linhas

melódicas de uma composição musical. “A orquestra é certamente uma das

mais nobres criações da civilização ocidental” (ADLER, 1964, p. 3).

1.3 O Maestro e o Regente

Segundo Lago (2002), a figura do maestro profissional surgiu na

segunda metade do século XIX – à época do Romantismo (1810 à 1910) –

como um artista autônomo, intérprete dotado de personalidade e senso

próprio de recriação. Sua principal função é interpretar a obra musical,

indicando para os músicos como executar e expressar o pensamento do

compositor.

A regência passa a ser o meio que o maestro usará para controlar

e coordenar a direção dos músicos, respondendo ao andamento, dinâmicas,

acentos, fraseados do conjunto e sonoridade dos instrumentos.

A necessidade de um elo interpretativo entre o compositor e seus

intérpretes (músicos), alguém especializado em dirigir orquestras e que o

triângulo Compositor-Regente-Músico, é extremamente importante para

prover o equilíbrio da massa orquestral que o romantismo desencadeou.

A figura do maestro surgiu da necessidade de se manter em uniformidade rítmica e expressiva, todos os planos sonoros de uma obra sinfônica, que aumentou gradativamente com a evolução da música e o crescimento das orquestras, tornando-se impossível todos tocarem ao mesmo tempo, no mesmo rítmo e em equilíbrio (BAPTISTA, 2000, p. 79).

Nos períodos barroco e clássico, não existia propriamente a figura

do maestro. Os conjuntos instrumentais eram compostos por cerca de vinte

músicos. O equilíbrio sonoro se fazia por concordância de todos, era rara a

perda do tempo. Em obras mais complexas, como sinfonias clássicas, a

21

marcação do tempo era feita pelo Kapellmeister11 (mestre-capela),

Konzertmeister12 (concertista-violinista principal) ou pelo cravista que fazia o

acompanhamento.

Os primeiros regentes13 usavam as mãos ou utilizavam um bastão

para auxiliar na marcação do tempo, batendo-o no chão produzindo uma

marcação sonora dos tempos fortes de cada compasso14. A marcação usada

por esse bastão foi o início de uma relação de comunicação entre o regente e

os músicos dentro da orquestra15.

A regência envolve, portanto, vários aspectos musicais, gestuais,

vocais, didático, pedagógico e psicológico. Esses aspectos são cruciais para

o dever de representar as expressões artísticas e musicais de um grupo de

pessoas, mesmo que elas possuam habilidades artísticas heterogêneas.

Os gestos convencionais que foram estabelecidos no decorrer da

história possibilitam uma comunicação compreensiva dentro da orquestra,

fazendo com que estabeleça uma comunicação homogênea entre o grupo

(SADIE, 1994).

Dominar a técnica de orquestração nos leva a uma compreensão mais profunda da sensibilidade com que os grandes mestres da composição terem lidado com a orquestra sinfônica e como cada um fez este notável instrumento servir suas idéias musicais das formas mais claras e mais vividas (CARSE, 1964, p. 32).

O posicionamento do regente frente à orquestra influencia

seriamente na execução de uma peça. Deve conservar a posição na qual

todos os integrantes da orquestra vejam seus gestos. Através dela, manterá

uma comunicação gestual (não-verbal), que é fundamental para que os

músicos compreendam a execução correta dos trechos musicais e as

marcações de andamento da peça tocada. Nesse processo entre regente e

11

Kapellmeister (mestre-capela) é uma palavra alemã que significa função de uma pessoa. Era designada para alguém responsável pela música numa capela. Johann Sebastian Bach era um kapellmeister do príncipe Leopoldo Anhalt-Kothen (SADIE, 1994, p. 168). 12

Konzertmeister: Em português, concertista, título dado ao líder do grupo dos primeiros violinos (SADIE, 1994, p. 168). 13

Regente é o responsável por conduzir a orquestra. A forma gestual a qual conduz os músicos se chama regência. Em uma orquestra sinfônica esse papel é desempenhado pelo maestro (BAPTISTA, 2000). 14

Compasso é a divisão de um trecho musical escrito na partitura, os compassos são divididos na partitura por linhas verticais desenhadas sobre a pauta (BOHUMIL, 2000, p. 55). 15

O uso do bastão caiu em desuso quando o italiano Jean Baptiste Lully (1632-1687) compositor da corte de Luís XIV, feriu-se acertando o próprio pé, que infeccionou, e logo em seguida veio gangrenar ocasionando sua morte (BAPTISTA, 2000).

22

músico, é estabelecida uma relação semiótica, a qual levará a um process

gerador de sentido sobre a música ouvida (SADIE, 1994).

Segundo Sadie (1994), o violinista e compositor alemão Ludwig

Spohr (1784-1859) começou a usar a batuta16 por volta de 1820, mas o

primeiro a utilizá-la foi Carl Maria Von Weber (1786-1826). A popularidade

deste recurso criado para auxiliar na marcação da música foi crescendo e os

regentes já não precisavam fazer movimentos tão grandes. Pequena e leve,

a batuta permitia a visualização fácil do tempo, assim, foram resolvidos os

problemas da regência instrumental.A regência atinge a sua plenitude

quando se liberta da uniformidade rítmica e emerge da imaginação criadora

do interpretante numa descrição altamente expressiva da obra (BAPTISTA,

2000, p. 79).

Como bem destaca Lago (2002, p. 31), o trabalho mais importante

para o maestro é “interpretar a obra musical, indicando para os músicos

como executar e expressar o pensamento do compositor”. O maestro assume

o ato de expressar sua compreensão para com a peça musical. A regência

mostra o caminho que a orquestra deve seguir para executar a peça musical.

Um outro lado do maestro é visto por trás das cortinas, seu trabalho não se

resume a comandos e gestos em cima do palco. O papel de diretor da

orquestra também é desempenhado por ele.

Sylvio Lago (2002), em seu livro A Arte da Regência, discute a

forma como deve dirigir e organizar ensaios e apresentações, educar e

disciplinar músicos. O autor diz que

As orquestras tornaram-se populares por todo o mundo; maestros, celebridades [...] as formas orquestrais se organizaram e passaram a ter um padrão de qualidade [...] o maestro transforma-se em pensador da música e no grande ator da expressão interpretativa (LAGO, 2002, p.32).

A prática em dirigir uma orquestra cresce com o passar dos anos.

A importância e complexidade existentes nas novas formas de orquestra

demandam um envolvimento maior do maestro na direção artística da

orquestra (LAGO, 2002).

16

Batuta é um bastão pequeno e leve, em geral de madeira ou fibra de vidro. Os maestros usam como extensão do braço para facilitar a regência (BAPTISTA, 2000).

23

1.4 A Orquestra em terras brasileiras

No século XVIII, as atividades musicais no Brasil eram bastante

intensas. Uma estrutura institucional e educacional já se fazia presente em

todas as classes sociais. Pequenas orquestras particulares se multiplicavam.

Teatros e salas de concertos foram construídas em diversas cidades,

especialmente Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. As igrejas também

apresentavam uma rica variedade musical (TREVISAN, 1978).

Segundo Trevisan (1978), na segunda metade do século XVIII,

surgiram os primeiros compositores brasileiros, tais como José Joaquim

Emerico Lobo de Mesquita, Manoel Dias de Oliveira, Francisco Gomes da

Rocha e Marcos Coelho. Estes escreviam peças com elementos rococós17 e

influências da matriz clássica. Esses compositores brasileiros representavam

a evolução na estrutura musical. Os padres jesuítas, em 1549, deram início

ao processo de educação musical.

Rodrigues (2003) afirma que a música erudita se inicia com a

vinda da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, transferindo, assim, a

sede do reinado para o Brasil. Criou-se uma nova situação cultural na qual o

país passa a ocupar o posto de maior força cultural de toda a América, pelo

fato da família real portuguêsa trazer toda a cena artística e cultural para o

Brasil . Dom João VI trouxe consigo uma biblioteca musical vasta, mandou vir

cantores e uma centena de músicos – Na maioria italianos gabaritados para

montar uma grande orquestra. O rei reorganizou a Capela Real18 e mandou

construir o Teatro Real de São João. Assim, o fio condutor da atividade

musical no país foi criado, dando início ao Classicismo no Brasil.

A bagagem cultural europeia foi transplantada para o Brasil,

impulsionando as atividades musicais. O primeiro grande compositor

brasileiro foi Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), um dos

fundadores da Irmandade de Santa Cecília no Rio, Mestre da Capela Real da

Sé, e compositor de obras como a Missa Pastoril, o Officium de 1816,

17

Rococó: movimento artístico/cultural europeu que surgiu na França após a libertação religiosa do estilo barroco. Muitos o consideravam como variação profana do Barroco (SADIE, 1994). 18

Capela Real: Instituição religiosa fundada no Rio de Janeiro em 1808 com o objetivo de organizar eventos religiosos com uma qualidade musical presente nas ocasiões (MARIZ, 2005).

24

Abertura Zemira, Abertura em Ré Maior. O Maestro Lutero Rodrigues diz que:

“Considero sua Sinfônia Fúnebre19, composta em 1790, a obra inaugural da

música sinfônica brasileira, apesar de serem compostas para uma orquestra

reduzida” (RODRIGUES, 2003, p. 8).

Em 1816, o compositor austríaco Sigismund Neukomm (1778-

1858), autor da Missa Réquiem20 em memória de Luís XVI, da França,

chegava ao Brasil com o objetivo de representar a tradição europeia. Sua

permanência se estendeu até 1821. Compôs cinquenta obras, em sua

maioria para grandes orquestras. Neukomm dobrava a quantidade de alguns

instrumentos, como trombones e todas as madeiras (RODRIGUES, 2003).

Mariz (2005) comenta que em 1821 o rei retornou para Lisboa e

levou consigo toda a corte e, consequentemente, todo o movimento erudito

sofreu uma parada. Com a independência do Brasil (1822), veio uma série de

acontecimentos que deterioaram a política do país, afetando diretamente os

músicos da Capela Imperial e a cena cultural brasileira. Cartas pedindo

melhores condições de trabalho foram enviadas para o imperador Dom Pedro

I. Em 1831, músicos da orquestra foram cortados em consequência da

instabilidade política. Assim, a Capela Imperial é dissolvida, ficando apenas

alguns músicos (MARIZ, 2005).

Por volta de 1833, em meio aos tempos difíceis, surge a figura de

Francisco Manuel da Silva, discípulo do Padre José de Maurício e seu

sucessor na Capela Imperial. Estudou com Sigismund Neukomm, com quem

aprendeu a tocar alguns instrumentos e a compor. Sua competência e

importância organizacional o levaram a fundar o Conservatório de Música do

Rio de Janeiro (1841). Além disso, foi regente titular do Teatro Lírico

Fluminense, regente da Ópera Nacional e sua principal composição foi o Hino

Nacional Brasileiro. Sua obra demonstra a passagem do Classicismo para o

Romantismo (MARIZ, 2005).

O período Romântico no Brasil é marcado por uma fase

conturbada na qual os movimentos de origens europeias foram adaptados à

19

Sinfonia Fúnebre: é uma peça para orquestra construída na forma de sonata com seu andamento baseado em um cortejo fúnebre. Em algumas culturas, é tida como a maior homenagem realizada a um ente querido (SADIE, 1994). 20

Réquiem: uma solenidade (missa) religiosa composta para um funeral em honra aos mortos. O termo “Réquiem” significa dar-lhe o repouso eterno (MARIZ, 2005).

25

natureza exótica do passado histórico brasileiro, criando, assim, uma nova

identidade com bases nativistas. Neste campo, destaca-se Antônio Carlos

Gomes (1836-1896), que relaciona temas nacionalistas com estética

europeia nas suas composições. Algumas de suas peças que merecem

destaque são “II Guarany” e “Lo chiavo”, que conquistaram espaço em

teatros europeus (CASTAGNA, 1995).

Segundo Castagna (1995), o surgimento da música nacionalista é

fruto de uma autenticidade brasileira que trazia como conceito o rico folclore

nacional. Os compositores utilizavam seus temas eruditos, seguindo a linha

da escola estrangeira, construindo, assim, suas peças musicais. Um dos

precursores desse movimento foi Brasílio Itiberê da Cunha, que compôs uma

rapsódia21 intitulada “A Sertaneja”, para piano, escrita entre 1866 e 1869.

Nomes como Luciano Gallet e Alexandre Levy também fizeram parte dessa

corrente. Mesmo formados em escola europeia, mas buscavam incorporar os

elementos nativos em sua produção (CASTAGNA, 1995).

Almeida (1964) explica que o cearense Alberto Nepomuceno

(1864-1920) é considerado o pai do nacionalismo na música brasileira. Ele

compôs Dança dos Negros (1887), uma das primeiras peças de motivos

étnicos brasileiros, que mais tarde chamar-se-ia Batuque, da Série Brasileira.

Em 1895, Nepomuceno realizou um concerto histórico: apresentou

pela primeira vez uma série de canções em português, de sua autoria, no

Instituto Nacional de Música. Iniciou a reforma do Hino Nacional Brasileiro em

1907, tanto na execução musical quanto na letra de Osório Duque Estrada.

Essa postura lhe rendeu bastante críticas, mas, no mundo artístico, ele era

conhecido como incentivador dos talentos nacionais (ALMEIDA, 1964).

Em 1922, surge na cena musical brasileira o compositor Villa

Lobos, pesquisador musical brasileiro que viria a ser o maior nome do

nacionalismo no país. Com ele, outros compositores abordariam o tema, tais

como: Camargo Guarnieri, Luís Cosme, Osvaldo Lacerda, Guerra-Peixe,

Radamés Gnatalli etc. (RODRIGUES, 2003). Villa Lobos teve uma boa

relação com o governo de Getúlio Vargas, isso lhe proporcionou um papel

21

Termo usado para definir uma melodia de temas conhecidos, pode ser extraída de óperas e operetas, chegando a ser próxima ao improviso. Sergei Rachmaninoff compôs uma variação sobre um tema de Niccolò Paganini, intitulada Rapsódia sobre um tema de Paganini (SADIE, 1994).

26

importante para a vida musical do país, conseguindo introduzir o canto

orfeônico em todas as escolas de nível médio (MARIZ, 2005), expandindo a

cultura musical em todo território nacional.

No ano de 1932, no Rio de Janeiro, cria-se a Orquestra do Theatro

Municipal, a primera orquestra subvencionada pelo governo. Em 1939, em

São Paulo, é criada a Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo. Um ano

depois é criada, no Rio de Janeiro, a Orquestra Sinfônica Brasileira. Esse

período é marcado pela criação das orquestras brasileiras, funcionando como

organismos sinfônicos, trabalhados e ensaiados regularmente (RODRIGUES,

2003).

O maestro Alfredo Barros (2013) explica que atualmente, em

termos de ensino musical e grupos de interpretação, o Brasil se encontra em

uma posição relativamente boa, levando em conta a sua pequena historia de

poucos séculos, embora não se possa comparar a outros países do ocidente.

Mesmo nesta relativa situação, a música erudita ainda recebe um apoio

oficial escasso na questão do crescente numero de escolas e novos músicos

ali formados, e do público apreciador. (BARROS, 2003).

1.5 A orquestra sinfônica cearense

No ano de 2010, surge em Fortaleza a primeira Orquestra

Sinfônica do Estado, intitulada Orquestra Sinfônica da UECE (OSUECE). A

OSUECE é uma orquestra de caráter acadêmico dirigida pelo maestro

Alfredo Barros22. É formada por cinquenta músicos distribuídos nos naipes

das madeiras, metais, percussão e cordas. O que diferencia essa orquestra

das profissionais, além do nível técnico no instrumento e bagagem musical, é

a quantidade de músicos e instrumentos que pode ser considerada suficiente

para que seja considerada uma orquestra de carater sinfônico. A orquestra

acadêmica promove o crescimento técnico e musical de seus integrantes,

realizando concertos solos e dividindo a responsabilidade das decisões

técnicas e estéticas que devem ser aplicadas no repertório (BARROS, 2013).

22

O maestro possui mestrado em Música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em Composição pela The University of Texas at Austin (2007). Atualmente, é coordenador do curso de Música da Universidade Estadual do Ceará e regente titular da Orquestra Sinfônica da UECE.

27

O projeto da OSUECE foi idealizado pelo maestro Alfredo Barros

que desenvolve projetos artísticos dessa natureza desde 1988, durante o

período de sua graduação em Composição e Regência, na Universidade

Federal da Bahia (UFB). O processo de institucionalização da orquestra

possibilitou um caminho para o desenvolvimento da música erudita no Estado

do Ceará, com ênfase no desenvolvimento acadêmico e direcionamento

artístico. Foi por ato oficial do Reitor da UECE, professor Assis Araripe, que o

processo de institucionalização foi concluído, no dia 22 de dezembro de

2011, possibilitando assim a criação da primeira Orquestra Sinfônica do

Estado, de natureza pública, sediada em uma instituição pública de ensino

superior (BARROS, 2013)

O projeto tem chamado a atenção de músicos importantes,

professores de festivais e regentes, como o violista Carlos Boltes (chileno

radicado nos Estados Unidos da America), que, em julho de 2011, solou com

a Orquestra no concerto para Viola e Orquestra de G. P. Telemann, no teatro

José de Alencar. A violista Camila Meirelles, professora de viola da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), também solou o

concerto para Viola e Orquestra de Radamés Gnatalli, em outubro de 2011,

no teatro José de Alencar. Houve ainda, a participação especial da OSUECE

no show da cantora Marina de La Riva, em janeiro de 2012, no teatro Via Sul.

A OSUECE apresenta um repertório vasto, no qual se destacam

as composições de jovens compositores cearenses do curso de Bacharelado

em Composição da UECE, que desenvolvem trabalhos composicionais, tais

como arranjos e adaptações de grandes obras populares e obras do

repertório tradicional sinfônico. A Orquestra Sinfônica da UECE é um

laboratório não só para músicos, mas também para pesquisadores que

queiram usufruir da orquestra como fonte de pesquisa.

28

2. A SEMIÓTICA COMO TEORIA E MÉTODO PARA O ESTUDO

DA REGÊNCIA

Atualmente, todas as correntes contemporâneas que estudam a

música, seguem e preservam a liberdade de usufruir os elementos

experimentais. A produção brasileira é imensa e impulsiona a criatividade de

seus compositores.

O surgimento de novos recursos que reavaliam conceitos da

semiótica musical criando novos panoramas é uma pequena parte do grande

mundo que pode representar a música (ROSS, 2009).

Wisnik (1989) aponta que a semiótica musical nos permite

posicionar a música em diferentes frequências de linguagem, combinando e

se interpretando na questão som e tempo, apontando com toda força para

uma linguagem não-verbal.

2.1 Semiótica

Segundo Lúcia Santaella (2007), semiótica é a ciência cujo

objetivo é investigar todas as linguagens possíveis. Winfried Nöth (1995)

descreve a semiótica como a “ciência dos signos e dos processos

significativos (semiose23) na natureza e na cultura” (NÖTH, 1995, p. 19).

A preocupação em estudar a linguagem surgiu há alguns séculos

atrás, bem antes do termo semiótica ser criado. O filósofo Platão tem vários

diálogos sobre a linguagem, nos quais ele se preocupa em definir signo e

estruturar um modelo triádico partindo dos componentes: Nome, Ideia e

Coisa (RAMPAZZO, 2005). Winfried Nöth24 (1995) explica que a palavra

semiótica veio ser empregada em 1964, pelo húngaro Thomas Sebeok,

através de uma coletânea intitulada: Abordagens para semiótica25.

Segundo Raymond Durval (2011), o estudo semiótico só ganhou

notoriedade em meados do século XIX, com o surgimento quase simultâneo

23

Segundo Peirce, semiose significa o processo de significação (2010). 24

Tiveram acesso à obra original em inglês de título Handbook of Semiotics, 1995. Tradução nossa. 25

“Approaches to semiotics” (NÖTH, 1995, p. 21).

29

de três modelos de análise sígnica: a semiologia, a semiótica da cultura e a

semiótica peirciana.

O primeiro modelo elencado – a semiologia – é o modelo criado

pelo Linguista Ferdinand Saussure (1857-1913), que estuda a linguagem

verbal. Para Saussure, o signo tem um caráter diádico que define sua

imagem acústica (significante) e a ideia que temos na mente em relação a

qualquer palavra (significado). Saussure concebe a semiologia como a

ciência geral dos signos.

O segundo modelo apontado – a semiótica da cultura – é também

conhecido como semiótica russa, criado por Viesse-Iovski e Potiebniá, que

investiga as experiências artístico-culturais. Este modelo optou por buscar

compreender os mecanismos geradores dos signos na cultura (linguagem,

literatura, comunicação não-verbal, visual, mito e religião). Dentre alguns

trabalhos percursores estão o sincretismo primitivo, formalismo russo, arte do

cubo-futurismo e as pesquisas linguísticas do círculo de Moscou, no qual

deve ser ressaltada a teoria do dialogismo do círculo intelectual de Mikhail

Bakhtin (NÖTH, 1995).

O terceiro modelo é a semiótica criada pelo cientista lógico Charles

Sanders Peirce (1890-1910), que tem como base a fenomenologia, uma

quase ciência que estuda o signo em geral (DURVAL apud QUEIROZ,

FINCK, 2010).

O estudo deste trabalho abordará a semiótica de Charles Peirce,

pelo fato da pesquisa analisar uma comunicação gestual, e compreendermos

que a semiótica peirceana nos oferece as ferramentas teóricas necessarias

para realizar a analise na comunicação musical em uma orquestra sinfônica

entre maestro e músicos.

2.2 Semiótica Peirceana

O norte-americano Charles Sanders Peirce foi considerado um

gênio do século XX. Seu interesse e habilidade intelectual o levou a estudar

diversas áreas da ciência, ate chegar à ciência lógica e, através dos métodos

lógicos, criou a sua teoria semiótica (SANTAELLA, 2002). A teoria semiótica

30

elaborada por Peirce era inédita, apesar de ter estudado filósofos como

Platão, Aristóteles e Kant.

Coelho Netto (2010) explica que Peirce tem manuscritos que

cobrem cerca de setenta mil páginas. Destas, dez mil foram publicadas e

consideradas importantes para a filosofia e fundamentos de sua obra

semiótica. A semiótica peirceana é algo maior que uma simples ciência, é

uma filosofia científica da linguagem (SANTAELLA, 2012).

2.2.1 Arquitetura Filosófica de C.S. Peirce

Luiz Vargas (1998), explica que Peirce construiu sua arquitetura

filosófica no intuito de estudar as verdades que podemos observar no

universo das experiências comuns. Toda essa arquitetura é montada sobre a

fenomenologia, “uma quase ciência que investiga os modos como

apreendemos qualquer coisa que apareça a nossa mente” (SANTAELLA,

2007, p. 2). Abaixo inserimos um gráfico utilizado por Lúcia Santaella no livro

O que é Semiótica para visualizarmos a arquitetura filosófica peirceana

(SANTAELLA, 2012, p. 41).

Figura 1. Arquitetura Filósofica de Peirce

31

2.2.2. A Fenomenologia

Santaella (2007) explica que a fenomenologia é uma quase-ciência

que estuda qualquer coisa que aparece à mente. Para Peirce, a

fenomenologia é uma arte observacional que revela o mundo ao seu redor,

responsável por analisar todo e qualquer fenômeno.

Peirce (apud SANTAELLA, 2012) aponta a existência das

categorias fenomológicas. Na fenomenologia, encontram-se três categorias

universais que se apresentam em todos os fenômenos presentes à mente: a

primeiridade, a secundidade e a terceiridade.

Segundo Santaella (2007), a primeiridade está diretamente ligada

ao acaso, ao primeiro contato como experiência, o modo daquilo ser tal como

é, sem referência alguma a um outro semelhante, ou seja, na primeiridade há

a sensação do ineditismo. Santaella (2012), comenta que a primeiridade é

composta por pura qualidade, que o tempo presente da consciência no

sentido primeiro (primeiridade) é presente e inicialmente original, coberto de

espontaneidade e liberdade.

A secundidade está atrelada à ideia de dependência, dualidade,

aqui e agora, pertinente a todo fenômeno (ação e reação). Para Peirce

(2010), a secundidade está na relação de um primeiro com um segundo,

porém, desconsiderando um terceiro. Santaella (2002), diz que a

secundidade está ligada diretamente às ideias de dependência, dualidade,

conflito, ação e reação, surpresa, dúvida etc.

A terceiridade está relacionada com a generalidade, crescimento,

intelecto – como estabelecer relações entre causa e efeito – ou simplesmente

pode ser tudo que se refere a um processo mediativo (TIBÉRIO, 2009).

Santaella (20120) explica que a terceiridade aproxima um primeiro

de um segundo formando uma síntese intelectual, ou pensamento em signo

que compreende representação e interpretação.

Por exemplo: O azul, simples e positivo azul, é um primeiro. O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul, é um segundo. A síntese intelectual, elaboração cognitiva – o azul no céu, ou o azul do céu, é um terceiro (SANTAELLA, 2012, p. 79).

Tibério (2009) destaca como a terceiridade se estabelece também

em uma outra função temporal, a intencionalidade, que permite estabelecer

32

uma relação causal, permitindo alguma forma de conhecimento sobre as

coisas, pois sem esse conhecimento prévio estabelecido pela relação de

casualidade seria impossível o conhecimento.

Santaella (2007) afirma que podemos entender a terceiridade se

manifestando no signo da seguinte forma.

Visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete) (SANTAELLA, 2007, p. 7).

Juliana Silva (2009) aponta que as três categorias podem ser

resumidas em “ver, atentar para, e generalizar” (SILVA, 2012, p. 2). Com

isso, as categorias fenomenológicas concentram-se no que seja proveniente

dos sentidos e que sejam pensáveis, para assim serem classificados e

analisados fenomenologicamente (ANDRADE, 2011).

Pelo fato da fenomenologia ser a porta de entrada para a

arquitetura filosófica de Peirce, iremos iniciar com a aplicação das categorias

universais, marcando assim o início das análises que serão abordadas no

próximo capítulo, com foco na comunicação entre maestro e músico.

Boulez (1986), explica que as categorias peirceanas podem ser

reclassificadas no aspecto musical da seguinte forma: em relação à

primeiridade, a música se justifica como uma arte, pois diz respeito principalmente ao propósito estético, entre eles, admirabilidade em si mesma. A Secundidade da música remete ao seu aspecto de ofício, isto é, à sua práxis, a música só de fato existe quando executada. Enquanto a terceiridade, a música é uma ciência tanto quanto envolve aprendizado, conhecimento musical, desenvolvimento contínuo e a existência de uma comunidade de músicos, ouvintes e musicólogos (BOULEZ, 1986 apud MARTINEZ, 1999, p. 4).

Martinez (2003) explica que considerando as categorias

fenomenológicas de Peirce, tem-se como primeiridade a qualidade dos

fenômenos acústicos, pois é a partir da materialidade musical que se irá

definir a existência da música. Esse aspecto é independente de qualquer

outro, simplesmente aquilo que é. Martinez (2003) usa como exemplo a peça

4´33” de John Cage, na qual se pode ter uma ideia clara de ouvir música em

sua primeiridade.

33

A secundidade se faz presente ao toque de um instrumento, ao

canto, à vibração da nota tocada por um flautista, ou seja, tudo que esteja

relacionado à ação e reação.

Já a terceiridade está relacionada à semiose, mediação. O

pensamento musical interpreta a ideia da música e traduz os signos em

outros signos.

Tudo que a fenomenologia analisa demanda uma observação

atenta sobre os fenômenos, e para analisar é preciso abrir os olhos mentais e

compreender as categorias que são onipresentes (ANDRADE, 2011).

Essas categorias se apresentam em qualquer fenômeno e em todo

o tempo. No entanto, algumas delas se destacam dependendo da natureza

desse fenômeno. Portanto, tais categorias também podem ser vistas na

comunicação entre regente e músicos de uma orquestra como será

aprofundado no próximo capítulo.

2.2.3 As Ciências Normativas

A fenomenologia fornece a base para o desenvolvimento das

ciências normativas: Estética, Ética e Lógica, cuja a função é estudar os

nossos sentimentos, condutas e pensamentos (SANTAELLA, 2007).

A estética está na base da ética assim como a ética está na base da lógica. A estética visa determinar o que deve ser o ideal último, o bem supremo para o qual a nossa sensibilidade nos dirige. [...] Permitir e agir para que as idéias, condutas e sentimentos razoáveis tenham a possibilidade de se realizar. É para esse admirável que nosso empenho ético e a força de nossa vontade devem ser conduzidos (SANTAELLA, 2007, p. 3).

Santaella (2002) explica que a lógica, também chamada de

semiótica, é necessária para conduzir as leis do pensamento e das condições

da verdade, mas para que tal função seja realizada, deve antes se debruçar

sobre as condições dos signos, estudando a sua transmissão de significado

de uma mente para outra.

Assim, pelo fato de haver um acúmulo de tarefas, a lógica ou

semiótica se divide em três ramos:

1. Gramática especulativa, estuda os mais variados tipos de signo

e suas possibilidades de pensamento.

34

2. Lógica crítica, estuda a condução do pensamento, em que os

signos se estruturam. “Abdução, indução ou dedução” (SANTAELLA, 2002, p.

XII).

3. Metodêutica ou Retórica especulativa, analisa os métodos e as

origens dos tipos de raciocínio (SANTAELLA, 2007).

Santaella (2007) explica que a gramática especulativa também

pode ser chamada de teoria geral dos signos. Seu objetivo é estudar todos os

signos e suas possibilidades de pensamento. A teoria geral dos signos nos

fornece definições e classificações para analisarmos todos os tipos de

linguagens, sinais, códigos etc. Ela serve como base para os outros ramos da

semiótica.

Os conceitos que são trabalhados na teoria geral dos signos nos

permitem compreender e analisar os elementos em qualquer processo

existente, sejam eles signos verbais, não-verbais ou naturais: gestos, fala,

escrita, sons etc.

A natureza e os poderes de referência dos signos nos permitem

usufruí-la como metodologia de análise para este trabalho, cuja compreensão

dos signos irá nos dar uma ideia de sons produzidos, gerando vários tipos de

efeitos capazes de provocar no receptor.

2.3 Os três conceitos que envolvem o estudo dos signos

O estudo dos signos envolve três atores: o próprio signo, o objeto

e o interpretante. Para que uma mente interpretadora se relacione com um

objeto é necessária a existência do signo, que representará o objeto dentro

de determinados limites. A mente que interpreta não se relaciona diretamente

com o objeto senão por mediação de um signo.

Para Peirce (2012), signo é o que de certo modo representa algo

para alguém. Esse algo é o que se chama de objeto do signo que causa um

efeito na mente interpretadora, denominado de interpretante. As três

denominações formam a relação triádica do signo, que pode ser

35

representada graficamente, segundo a proposta de Ogden & Richards26

(NETTO, 2010).

Figura 2 – A relação triádrica do signo

Santaella (2012) explica que o signo está no lugar do objeto,

portanto, “o signo é uma coisa que representa uma outra coisa”

(SANTAELLA, 2012, p. 90).

Uma coisa só aparece como signo de uma outra coisa se, na mente de quem a perceber, surgir uma terceira coisa (vinda de experiências anteriores), a partir da qual a interpretação daquela primeira coisa possa ser realizada (FERNANDES, 2009, p. 3).

Para uma melhor compreensão das relações entre signo, objeto e

interpretante, Santaella (2007) elaborou um esquema (figura 2) que aponta

para a existência de dois tipos de objeto – imediato e dinâmico – e dois tipos

de interpretante – também imediato e dinâmico.

SIGNO

Figura 3 – O signo / Retirado de Santaella (2007)

26

O gráfico foi retirado do livro Semiótica, Informação e Comunicação (J. TEIXEIRA COELHO NETTO, 2010, p. 56).

36

Pelo esquema apresentado, percebe-se que o signo é composto

pelo seu fundamento (que pode ser uma qualidade, um singular ou uma lei,

como será visto mais adiante), por um objeto e interpretante imediatos.

Isso implica que o objeto imediato esteja dentro do signo, e diz

respeito à referência que o signo faz ao que representa – o objeto dinâmico.

O interpretante imediato também está dentro do signo e está

relecionado ao potencial efeito que o signo pode causar em uma mente

interpretadora. É aquilo que o signo esta apto a produzir em uma mente e a

sua natureza dirá o que ele pode produzir (SANTAELLA, 2012). Já o efeito

real que causa, caracteriza o interpretante dinâmico.

Um bom exemplo para explicar tal esquema é utilizado por

Benigno (2012) ao utilizar uma caricatura da presidente Dilma Roussef como

referência. A caricatura é o signo. Os traços e elementos que remetem à

presidente podem ser encarados como o objeto imediato, pois estão dentro

do signo – a caricatura. A pessoa da presidente em si, nesse caso, é o objeto

dinâmico.

O potencial de humor que existe na caricatura, aliado ao potencial

de se interpretar que a figura ali representada é a da presidente da república

é o que pode ser considerado interpretante imediato. O interpretante

dinâmico é aquilo que o signo efetivamente produz na mente singular e

subdivide-se em três níveis: emocional, energético, lógico (SANTAELLA,

2007).

O nível emocional está relacionado a uma qualidade de

sentimento. Uma música quando ouvida, por exemplo, pode desencadear

uma série de emoções. É capaz de despertar sentimentos.

O nível energético corresponde a uma ação física ou mental, que

exige que o interpretante desperdice algum tipo de energia. No caso da

música, ao ser ouvida despertar o choro ou mesmo uma dança, tem-se o

nível energético em evidência.

O nível lógico se manifesta por meio de uma regra interpretativa

internalizada na mente do interpretante. Se ele elabora pensamentos em

cima do que ouve, por exemplo, pode-se dizer o nível lógico se apresenta.

37

2.3.1 A Divisão dos signos: as tricotomias

Peirce (2012), propõe a existência de dez tricotomias e mais de

sessenta classes de signos, porém, neste trabalho serão estudadas apenas

as duas primeiras tricotomias: a que estuda o signo em si mesmo e a que

estuda o signo em relação ao seu objeto.

Categorias fenomenológicas

Signo em relação a si mesmo

Signo em relação ao objeto

Signo em relação ao interpretante

Primeiridade Quali-signo Ícone Rema

Secundidade Sin-signo Índice Dicente

Terceiridade Legi-signo Símbolo Argumento

Tabela 1 – As tricotomias de Peirce / Adaptado de Santaella (2012)

A primeira tricotomia se refere ao signo em si. Nela, estão

presentes os fundamentos dos signos. Santaella (2007), explica que é

preciso ter três propriedades formais para que as coisas funcionem como

signo: sua qualidade (quali-signo), sua existência (sin-signo) e seu caráter de

lei (legi-signo). “Pela qualidade tudo pode ser signo, pela existência, tudo é

signo, e pela lei, tudo deve ser signo” (SANTAELLA, 2007, p. 12). Tudo pode

ser signo mesmo possuindo outras propriedades.

Signo em relação a si mesmo

Descrição

Quali-signo Não aparece. Portanto, não pode funcionar como signo sem estar encarnado em algum objeto que apresente cor, cheiro, som, sentimento, texturas ou volume etc.

Sin-signo É o existente, o que existe. O existente tem potencial suficiente para funcionar como signo. Ele aponta para aquilo de que faz parte: uma frase, um sinal, a forma de piscar, um gesto etc.

Legi-signo Funciona como lei. Seu papel é fazer com que o singular (sin-signo) se amolde a sua generalidade como as palavras, as leis do direito, convenções sociais etc. (SANTAELLA, 2007).

Tabela 2 – Signo em relação a si mesmo / Elaborada a partir de Santaella (2007, 2012)

As três propriedades citadas habilitam as coisas a funcionarem

como signo. Elas podem muito bem operar juntas: as leis incorporam o

38

singular nas suas réplicas, ou seja, o singular se adéqua à generalidade da

lei. Todo singular é sempre composto de qualidades.

Quase todas as coisas estão sob a lei, assim Santaella (2007)

enfatiza que na maioria das vezes as três propriedades operam

conjuntamente. Em alguns casos, a qualidade fica proeminente, caso visível

na arte, música, poesia etc (SANTAELLA, 2007).

A segunda tricotomia refere-se às relações entre signo e seu

objeto dinâmico. Como são três os fundamentos de um signo, serão três os

tipos de relação entre signo e o objeto a que denota. Quando o fundamento é

um quali-signo, o ícone será a sua relação com o objeto. Se for um sin-signo,

o índice será a sua relação com o objeto. Se for legi-signo, a sua relação com

o objeto será um símbolo (SANTAELLA, 2007).

Relação do signo com o objeto

Descrição

Ícone

Tem uma relação de semelhança com o provável objeto representado. Como o ícone está relacionado ao quali-signo, que é quase um signo, a relação de semelhança com o objeto se limita às qualidades dele. Nessa relação, o ícone aparece porque o quali-signo sugere seu objeto por similaridade. Um exemplo pode ser a cor azul que quando aparece à mente lembra o céu.

Índice

O que dá fundamento ao índice é a existência (sin-signo) concreta. Para agir como índice, o signo deve se considerar parte de outro existente para o qual aponta e faz parte. As nuvens escuras que indicam chuva ou a fumaça que indica fogo são exemplos desse signo.

Símbolo

Signo que se refere ao objeto em virtude de uma associação de ideias produzidas por uma convenção. Seu fundamento é o legi-signo. Um símbolo não indica uma coisa, ele denota um gênero de coisa. São socialmente convencionados e mutáveis, assim eles são arbitrários. A cor branca como símbolo da paz, placas de trânsito, o hino nacional que representa o Brasil, são exemplos dessa classe de signo.

Tabela 3 – Signo em relação ao seu objeto / Elaborada a partir de Santaella (2012) e Santaella (2007)

A terceira tricotomia27 de Peirce se refere a relação do signo com

seu interpretante que são divididos em três elementos segundo Peirce: rema,

dicente e argumento.

Relação do signo com o interpretante

Descrição

Rema Signo que representa esta ou aquela espécie de objeto possível, na lógica

27

Embora não sejam considerados para o estudo do objeto em questão neste trabalho, é necessário citar sua existência a título de conhecimento para o leitor.

39

trata-se da interpretação do intérprete sobe uma qualidade singular do signo. Ex: As rosas são amarelas. O rema está no predicativo é “são amarelas”, pois trata-se da qualidade do signo. Uma palavra isolada, ou seja, fora de um conxteto também é considerada um rema.

Dicente Signo de existência real para seu interpretante. É um signo que provoca um despertar de uma reação crítica em seu intérprete. Ele é altamente informativo. Ex: “meu carro é preto”, “o nosso salário está baixo demais” etc.

Argumento

Signo que para seu interpretante é signo de lei. O signo argumento expressa o juízo da verdade, de forma a evidenciar as condições da verdade de uma conclusão: Ex: Comprei um carro preto pelo fato de gostar da cor e a concessionária o vende mais barato por não ser uma cor metálica.

Tabela 4 – Signo em relação ao seu objeto / Elaborada a partir de Santaella (2012) e Santaella (2007), Bense (2000) e Peirce (2012)

Tendo apresentado os principais conceitos e definições que

envolvem a teoria semiótica peirciana, faz-se necessário que sejam aplicados

ao objeto de estudo deste trabalho: a regência. É o que se fará no próximo

capítulo.

40

3. A REGÊNCIA E A SEMIÓTICA

Este trabalho se apresenta como uma pesquisa de análise

semiótica da linguagem musical que o maestro e músico utilizam para se

comunicar em uma orquestra. Como se falou nos capítulos anteriores, essa

comunicação envolve uma linguagem verbal e não-verbal, além de utilizar,

também, uma linguagem sonora.

A ideia inicial deste trabalho foi desenvolvida em cima de uma

metodologia qualitativa e pesquisa participante, cujo objetivo foi observar os

fenômenos no ambiente natural de sua ocorrência, analisá-los

semioticamente para que resultados pudessem retornar ao grupo pesquisado

e aplicados de uma forma benéfica.

Os materiais coletados foram: a gravação de vídeo da Orquestra

Sinfônica da UECE executando Quinta Sinfonia de Beethoven em um

concerto; resultados de entrevistas em profundidade com músicos de várias

estantes da orquestra e chefes de naipe e maestro; e anotações sobre as

observações presenciadas nos ensaios da orquestra.

O trabalho se estrutura em um estudo com abordagem qualitativa

que visa analisar semioticamente a comunicação entre maestro e músico em

uma orquestra sinfônica. A proposta do estudo qualitativo tem a importância

de interpretar a dimensão simbólica existente em diversos espaços sociais,

preocupando-se em traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo

social (LUIS, 1996).

3.1 Materiais

Os materiais utilizados para a realização desta pesquisa foram:

A) O vídeo da orquestra Sinfônica da UECE, no qual apresenta a peça

Sinfonia No. 5 de Beethoven – 1 er mov28, em um ensaio geral no auditório

central do bloco de música da Universidade Estadual do Ceará. As imagens

foram coletadas pelo pesquisador.

28 Primeiro movimento da peça Quinta Sinfonia de Beethoven.

41

B) A tabela 1 (presente no capítulo 2 e aqui novamente reproduzida)

considerando as categorias fenomenológicas, o signo em relação a si mesmo

e o signo em relação ao seu objeto.

Categorias fenomenológicas

Signo em relação a si mesmo

Signo em relação ao objeto

Signo em relação ao interpretante

Primeiridade Quali-signo Ícone Rema

Secundidade Sin-signo Índice Dicente

Terceiridade Legi-signo Símbolo Argumento

Tabela 1 – As tricotomias de Peirce / Adaptado de Santaella (2012)

As classificações citadas acima foram usadas para analisar a

comunicação gestual do maestro para, assim, estudar a linguagem gestual

usada por maestros em uma orquestra sinfônica.

A classificação de Santaella também inclui a relação do signo com seu

interpretante (rema, dicente e argumento), porém, considerou-se mais

adequado a esta pesquisa, analisar os efeitos decorrentes do signo ao

encontrar uma mente interpretadora para assim alcançar o objetivo deste

trabalho. Esses efeitos, segundo Peirce (2010), podem ser: emocional,

energético e lógico.

C) Questionários semi-estruturados para coleta de informações junto

ao regente e aos músicos. A finalidade é realizar entrevistas em profundidade

para analisar os efeitos (emocional, energético e lógico) causados na mente

interpretadora dos músicos e identificar a importância da figura do maestro

frente à orquestra.

Em um primeiro momento, foi feito um estudo nos materiais que

foram elencados nos itens anteriores.

O vídeo coletado no ensaio geral da OSUECE foi estudado e

analisado para a escolha das melhores imagens que serviram para a

pesquisa. Por um problema de acústica da sala atrelado a uma máquina de

qualidade mediana, a filmagem foi um pouco prejudicada. Devido a essas

situações, tivemos que fazer um recorte do vídeo para assim poder realizar a

análise semiótica com o material. O vídeo possui 4’52”, mas a análise parte

dos 3’38” aos 4’00”.

O trecho foi escolhido pelo fato de ser o momento da peça no qual

o maestro acentua bastante a regência permitindo ver com clareza os seus

42

gestos. Percebe-se, em um primeiro olhar, as fortes expressões da música,

quando o maestro surge com mais expressividade, mais euforia, tornando os

movimentos mais perceptíveis e facilitando as observações.

3.2 Procedimentos

O vídeo foi coletado no auditório do bloco de música da

Universidade Estadual do Ceará, Itaperi, local sede da Orquestra Sinfônica

da UECE. A coleta das imagens aconteceu no dia 17 de maio, às 14h,

período em que a orquestra preparava a peça para ser apresentada no

segundo semestre da temporada 2013 de concertos sinfônicos.

Dois momentos de imagens foram retirados do vídeo descrito

acima. O primeiro momento (quadro 1) escolhido pode ser visto no vídeo no

tempo de 3´38” a 3´40”. O segundo momento (quadro 2) pode ser visto no

vídeo em: 3´55” a 4´00”. Esses quadros contêm três imagens que

representam o momento de maior expressividade na música executada pela

orquestra e regência do maestro.

Todos esses materiais foram analisados, através da semiótica de

Peirce. Em um primeiro momento, o material passou por uma análise

fenomenológica, procurando estudar a fenomenologia na relação maestro e

músico, para depois o signo ser analisado tricotomicamente.

Quadro 1

Tempo: 3’38” a 3’40”

43

Quadro 2

Tempo: 3’55” a 4’00”

A pesquisa foi realizada na Orquestra Sinfônica da UECE. O

pesquisador entrevistou músicos e maestro com perguntas previamente

formuladas. Trechos das entrevistas também foram transcritos e analisados.

A entrevista em profundidade com questionários semiestruturados

tem perguntas previamente formuladas, mas com a possibilidade de adaptar

as questões ao caminho que a entrevista toma (DUARTE, BARROS, 2012)

Algumas perguntas foram geradas no decorrer da entrevista, permitindo que

a pessoa entrevistada aprofunde o tema se necessário.

3.3 Sobre as Análises

Após a escolha do material para o trabalho, iniciou-se a análise do

fenômeno existente na relação maestro e músico. Usufruiu-se da semiótica

peirceana para classificar as categorias fenomenológicas e, assim, responder

qual a importância da figura do maestro frente à orquestra. Utilizou-se o

quadro 1 de imagens, que foi escolhido para representar o vídeo, e assim,

concluiu-se o estudo fenomenológico.

Após categorizar o fenômeno, partiu-se para a análise da relação

do signo em si e do signo com seu objeto. Utilizou-se um segundo quadro de

imagens (quadro 2) para se identificar os quali-signos, sin-signos e legi-

signos – provenientes da primeira tricotomia – e os ícones, índices e

símbolos – da segunda tricotomia.

44

Ao se identificar a relação do signo com o objeto, foram

destacados os objetos imediato e dinâmico do signo e se trabalhou a

explicação sobre o que significam os gestos da regência.

Por acharmos mais relevante à pesquisa o estudo dos efeitos

causados pelos signos nas mentes interpretadoras – a mente dos músicos da

orquestra – não se destacou nesse estudo a relação do signo com o

interpretante. Foram utilizadas as entrevistas como material primordial para

esta análise. Estudaram-se as respostas dos quatro músicos entrevistados

para analisar os efeitos (emocional, energético e lógico) e, assim, entender

como eles agem ao interpretar a comunicação gestual do maestro.

3.4 Análise e resultados

Após termos compreendido as questões teóricas da semiótica,

iremos neste tópico dar inicio as análises, para depois mostrarmos os

resultados da nossa pesquisa. Em um primeiro momento iremos classificar o

nosso objeto de pesquisa na fenomenologia de Peirce,

3.4.1 O Fenômeno musical

Entende-se que a fenomenologia, é a porta de entrada para a

arquitetura filosófica de Peirce. Assim, as categorias fenomenológicas,

funcionarão como ponto de partida necessário para a análise dos fenômenos

musicais, nos quais as ferramentas analíticas vêm dos conceitos semióticos.

(SANTAELLA, 2007).

Antes de iniciar, cabe aqui uma breve descrição das categorias as

quais iremos utilizar para esta análise. Santaella (2007) explica que as

categorias se resumem a qualquer coisa que se apresenta à percepção e à

mente, e afirma que toda e qualquer coisa se enquadra nessas três

categorias:

45

Fenomenologia Descrição

Primeiridade Está presente nas qualidades, originalidade, acaso, sentimento, liberdade

Secundidade Está presente nas ideias de conflito, ação e reação, dualidade, surpresa, etc.

Terceiridade Se refere à generalidade, é o efeito que o signo irá provocar em um intérprete baseado em uma lei.

Tabela 5 – As categorias fenomenológicas / Tabela adaptada de Santaella (2012).

Aplicar a análise fenomenológica na comunicação existente entre

maestro e músicos responderá a primeira questão específica deste trabalho

que procura caracterizar a fenomenologia nesta relação. Foram utilizadas

imagens da regência e trechos das entrevistas com os personagens da

orquestra para fundamentar a análise.

Elaborou-se uma tabela com três imagens que ilustram a

execução do trecho da Quinta Sinfonia de Beethoven sob a regência do

maestro Alfredo Barros, cujos gestos mostram a atenção e a firmeza

necessárias para que possa conduzir uma orquestra. Das imagens, ilustrou-

se o movimento do maestro e a partir daí estabeleceu-se a análise

fenomenológica. As imagens presente nas tabelas correspondem ao tempo

que varia entre 3’38” à 3’40”.

Fenomenol

ogia

Imagem Movimentaç

ão

Descrição

Primeiridade

A música que acompanha o signo

regencial surge como silêncio, no

qual a qualidade constrói o

ambiente propício para que

músicos e maestro possam se

concentrar.

O silêncio conduzido pela regência

do maestro pode ser visto nesta

figura: o maestro sustenta seus

gestos em uma pausa simulando o

momento de preparação para o

início da peça.

A concentração nesse momento de

silêncio também soa como tensão

e ansiedade, que só serão

desfeitos com a execução da

regência do maestro.

46

Secundidade

A resposta à regência surge com a

execução dos instrumentistas que

compõem a orquestra, como por

exemplo, o vibrar das notas

tocadas nos tutti29

.

Nesta imagem podemos observar

essa ação, que é de baixar os

braços firmemente, gerando uma

reação da orquestra, na qual a

música ouvida soa como reação

aquele gesto determinado pelo

pulso firme do maestro.

Os gestos do maestro irão permitir

a materialidade musical, ou seja, a

resposta dos instrumentos na

questão sonora. Assim, essas

características respondem a ação

e reação, que caracterizam a

secundidade

Terceiridade

Interpretar a ideia da música

tocada gera uma conexão entre

qualidade e fato, fazendo com que

aconteça a interpretação da

música.

Conhecendo o compositor e o

período no qual a peça foi

composta, o maestro idealiza como

a orquestra deve soar (tocar) se

impõe e organiza as dinâmicas

musicais que devem conter na

peça (MARTINEZ, 2003).

Tabela 6 – Análise fenomenológica / Elaborada pelo autor

29

Todos os músicos devem tocar (PRIOLLI, 2005).

47

“A peça Quinta Sinfonia de Beethoven é uma peça de estilo

romântico, na qual as dinâmicas musicais devem ser mais vibrantes,

acentuadas e expressivas” (VIEIRA, 2008, p. 48). Essas informações são

passadas para os músicos sob as formas verbais e não verbais. Antes de

iniciar a execução, o maestro explica como deve ser tocado o trecho musical

e, através do gesto, ele constrói uma referência de como o som deve fluir,

segundo o que ele interpreta das partituras.

Observou-se que os fenômenos musicais existentes nessa relação

comunicativa entre músicos e maestro em uma orquestra não é totalmente

imprevisível: o que está na memória dos músicos e do maestro estimula o

processo de interpretação que, em um momento terceiro – terceiridade –

permite construir e fixar hábitos.

Percebeu-se também que existe um intenso jogo de fenômenos

que ocorre de músicos para maestro e de maestro para músicos,

proporcionado pela percepção (primeiridade), pela ação e reação

(secundidade) e pela lei (terceiridade). Temos aí um processo

fenomenológico cíclico, que só se encerrará quando o maestro reger a última

nota.

Assim, conclui-se que o maestro assume um papel fundamental

frente à orquestra: sua regência carrega a responsabilidade em conduzir

várias pessoas pelo mesmo caminho interpretativo, no qual os gestos

regenciais transmitem mensagens através de uma coreografia a fim de

expressar os significados acústicos da música tocada.

3.4.2 O signo, o objeto e o interpretante no processo de regência

De acordo com Peirce (2012), como visto no segundo capítulo, a

semiótica existe à base de três conceitos: signo, objeto e interpretante.

Santaella (1983) explica que o signo é qualquer coisa que aparece à mente

interpretadora. Assim, entendemos que o signo é uma coisa que representa

outra coisa, seu objeto. Ele representa seu objeto para um intérprete, que por

sua vez produz na mente desse intérprete uma outra coisa que está

relacionada ao objeto, pela mediação do signo.

48

Seguindo esses pontos ideológicos, podemos classificar o signo,

objeto e interpretante no nosso trabalho da seguinte forma:

Conceitos Definição Conceito neste

trabalho Justificativa

Signo Qualquer coisa que aparece à mente interpretadora

Gesto

Os gestos executado pelo maestro surge como signo nesta relação, pelo fato de ser o sinal visual para que os músicos percebam o que o maestro designa.

Objeto

Representado pelo objeto

Regência

A regência representa para os músicos a linguagem na qual o maestro utiliza para indicar como a música deve ser executada.

Interpretante

Ação da mente interpretadora em relação ao signo

Orquestra

Os efeitos causados pela interpretação da regência na mente interpretadora, que no caso são os músicos da orquestra.

Tabela 7 – Análise dos conceitos que envolvem as relações do signo/ Elaborada pelo autor.

30

Martinez (2013) explica que a semiótica peirceana oferece

instrumental suficiente para analisar a comunicação musical em diferentes

esferas, traduzindo teoricamente todas as questões. Nesta pesquisa, iremos

analisar os gestos do maestro pelo fato de haver uma linguagem que foi

pouco estudada e explorada por outros pesquisadores. Compreender essa

linguagem regencial e analisar o que ela provoca em uma mente

interpretadora pode ser o caminho para solucionar os problemas

interpretativos que circulam nesse ambiente orquestral. Assim, precisa-se

focar na questão visual para se perceber os gestos da regência e assim,

analisá-los.

Para o estudo desses elementos, destaca-se o período no vídeo

compreendido entre 3´55 e 4’00. Para que a compreensão fique mais fácil,

30

Gráfico retirado do Livro O que é Semiótica de Santaella (2012).

49

elaborou-se um quadro com as imagens existentes no período anteriormente

citado, ilustrando os movimentos a que elas correspondem.

Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3

Imagem

Movimento

correspondente

Tabela 8: Orquestra Sinfonica da UECE, sob a regência de Alfredo Barros.

3.4.3 O signo em si mesmo

No aspecto da primeira tricotomia – o signo em si mesmo – o signo

é a linguagem gestual utilizada pelo maestro para se comunicar com os

músicos ao executar uma peça musical.

Os gestos são produzidos com movimentos dos braços e mãos.

Uma batuta31 é usada para que os sinais se tornem mais precisos e visíveis.

Geralmente a mão direita marca o ritmo da música. É extremamente

importante o maestro conduzir a orquestra dentro da métrica musical que a

peça pede. Wagner (apud WALKIN, 2013) explica que o trabalho do regente

está contido na sua capacidade de indicar o tempo correto.

31

A Batuta é o instrumento usado pelo maestro não apenas para marcar o tempo da música, mas também para moldar as frases dos instrumentos, com movimentos delicados transmite à orquestra o tipo de som que deve ser produzido.

50

A mão esquerda dirá as entradas e as dinâmicas, para assim obter

dos músicos um colorido orquestral na peça tocada. Por exemplo: indicar a

entrada para um solo e como esse solo deve ser executado, como as notas

devem ser tocadas em determinado trecho, etc.

Um gesto mais horizontal pode pedir uma qualidade mais lírica, disse James Depreist, diretor de estudos orquestrais e de regência da Jullliard School. Um gesto para baixo imite um movimento de arco de violino, disse Bicket, pode colorir o ataque. De acordo com Gilbert, mesmo quando marca o tempo em notas longas, o regente deve procurar comunicar a qualidade sonora que busca, por meio do movimento da batuta (WALKIN, 2013, p. 23).

As expressões faciais, também fazem parte dessa comunicação. O

olhar traduz a satisfação ou insatisfação em determinados trechos que a

orquestra venha a tocar. Não olhar para o solista quando estiver executando

o seu solo pode ajudá-lo a ter um desempenho melhor sem ceder ao

nervosismo. A postura do maestro pode influenciar na questão da execução

da orquestra, como por exemplo, inclinar o corpo para trás pode significar

para a orquestra que toque mais suave.

A respiração é um ponto importante para iniciar uma regência,

marca o momento de preparo para execução de toda a orquestra. As cordas

precisam ser incentivadas tanto quanto os instrumentos de sopro. Uma

respiração errada pode afetar a música. A respiração está ligada com as

formas de executar a peça, uma respiração forte e aguda gera um som mais

nítido e audível.

Tendo caracterizado melhor o signo deste trabalho, pode-se partir

para a análise do signo em si mesmo, como mostra a tabela abaixo:

Conceito Signo em si mesmo

(1a. Tricotomia)

Descrição

Signo

Quali-signo

As qualidades estão representadas ao se olhar para um maestro gesticulando frente a todos os músicos, quase que desenhando algo, criando formas que em um primeiro olhar não parece haver sentido.

Sin-signo

É possível perceber que os fazem parte da regência musical e sua singularidade pode ser vista nas formas dos sinais que o maestro usa para que os músicos o compreendam.

O maestro constrói signos prontos para significar, únicos, que futuramente possuíram seus significados.

Legi-signo A lei que se aplica a esse contexto está relacionada ao que os músicos chamam de alfabetização musical

51

ou educação musical.

Pode ser percebida na segunda imagem da sequência acima, quando o maestro aponta para um dos músicos orientando para um solo que deverá entrar com o seu sinal.

Tabela 9: A 1a. tricotomia na regência.

3.4.4 O signo em relação a seu objeto

No aspecto da segunda tricotomia – o signo em relação ao seu

objeto – o objeto é a regência e a forma como esta regência e o gesto se

relacionam dão origem ao ícone, índice e símbolo deste estudo.

Antes, porém, é preciso lembrar a existência de dois objetos nos

estudos de Pierce. São eles: objeto imediato e dinâmico. A tabela abaixo os

descreve de forma didática:

Objeto Descrição

Imediato

É o objeto como o próprio signo representa.

É aquilo que supõe que o objeto seja.

O objeto imediato está dentro do signo e seu papel é mediar à relação do signo

com seu objeto dinâmico.

Objeto Imediato é a aparência gráfica do signo ou acústica

Dinâmico O próprio objeto.

Tabela 10: Os objetos imediato e dinâmico. Tabela elaborada de acordo com Coelho Neto (2010) e Santaella (2007).

Pensando no signo estudado neste trabalho, percebe-se que o

objeto imediato é composto pelos movimentos gestuais do maestro (sentido e

direção), que indicam a regência musical. O objeto dinâmico desse signo é a

regência, o que o signo está representando, ou seja, o gesto realizado torna

possível distinguir a forma como deve ser tocada a peça.

Os movimentos compõem o signo e apontam para a regência

determinando como os músicos devem interpretar e executar a peça que

contém ideias de nuances musicais e dinâmicas descritas nos gestos do

maestro.

52

A regência é uma arte que mistura dança e gestos, envolvendo

corpo e alma em um processo físico gestual que denota a personalidade

musical do condutor da orquestra. O papel da regência é dar vida à música

interpretada pela orquestra.

Conceito Signo em relação ao

objeto (2a. Tricotomia)

Descrição

Relação do signo

com o objeto

Ícone

Os gestos que compõe a segunda imagem da

sequência acima regida pelo maestro têm uma

relação de semelhança com o que de fato é.

A imagem do maestro gesticulando e apontando para

um músico sugere que ele esteja informando o tempo

da música para a entrada do solo.

Índice

As mãos erguidas do maestro exibidas na terceira

imagem da sequência da tabela 4 indica a marcação

do tempo da música na mão direita e mais sonoridade

na mão esquerda.

Pode-se dizer que nesse momento o maestro está

pedindo mais sonoridade naquele trecho da música.

Símbolo

Os gestos do maestro simbolizam a regência que é a

linguagem comunicativa de músicos e maestro em

uma orquestra. Tais movimentos implicam em uma

série de significados previamente convencionados.

Tabela 6: A 2a. tricotomia na regência.

3.4.5 O signo e seu interpretante

Interpretante é a ação que ocorre na mente interpretadora

(SANTAELLA, 2012). De acordo com a autora, apoiada nos pensamentos de

Pierce, pode-se afirmar a existência dos interpretantes imediato e dinâmico.

A tabela abaixo explica os dois termos:

Interpretante Descrição

Imediato

O interpretante Imediato consiste no que o signo está apto a produzir em

uma mente interpretadora.

Dinâmico

O interpretante Dinâmico se refere ao efeito que o signo irá gerar em

qualquer mente interpretadora, esse efeito pode ser dividido em três

níveis: Emocional, Energético e Lógico

Tabela 7: Os interpretantes imediato e dinãimico. Tabela elaborada de acordo com Coelho Neto (2010) e Santaella (2012).

53

O interpretante imediato está ligado ao potencial interpretativo que

o signo (regência) está apto a produzir quando encontrar uma mente

interpretadora. Santaella (2012) explica que há signos que são interpretáveis

na forma de qualidade de sentimento, outros por meio de pensamentos em

uma seríe infinita, e há outros por meio de experiências ou ação. A regência

faz isso. Através dos movimentos das mãos, o maestro não dirá apenas o

andamento da música, mas também as nuances32 musicais que dirão como a

peça deve ser tocada.

Após encontrar as mentes interpretadoras, o nível de Interpretante

Dinâmico entra em ação. Observa-se que a comunicação entre o maestro e

os músicos da orquestra funciona à base de regras com as quais os músicos

já estão habituados, e que constroem uma significação lógica para com os

gestos do maestro. Assim, percebe-se que o efeito de caráter lógico está

constantemente presente nessa relação comunicativa.

Como o interpretante está relacionado ao efeito que o signo causa

na mente interpretadora, nada mais apropriada que recorrer à interpretação

dos próprios músicos da orquestra para saber o que eles interpretam quando

entram em contato com os gestos do maestro.

Com base nas afirmações de Jônatas Gaudêncio, primeiro

clarinete da OSUECE, “Geralmente ele (maestro) combina comigo o que ele

quer que seja ouvido e eu tento segui-lo ao máximo com seus gestos, às

vezes decoro as passagens para ficar olhando só para o Maestro”. Entrevista

cedida em maio de 2013.

Nos ensaios da OSUECE, percebemos que a referencialidade é

aplicada a todo instante, para que não seja esquecido o gesto definido como

referência a alguma nuance musical. Marcelo de Souza, segundo trompete

da OSUECE,

O maestro ergue os braços e todos fazem silêncio total, ficamos em estado de alerta que dura não mais que uns cinco segundos, tempo suficiente para perceber que os braços erguidos do maestro irão baixar. A música só começa quando ele baixa os braços e nós tocamos. Nos ensaios, o que mais passamos são as entradas, solos e fim da música. Não podemos começar a tocar sem a indicação da regência, é ela que guia a gente na questão do ritmo e

32

Nuance é um termo utilizado na música que se refere ao desempenho das frases musicais, sons e acordes. A distinção entre a dinâmica e as expressões também fazem parte. (ROHOLT, 2010)

54

dinâmica. Sem ela, ficamos sem uma referência, mesmo com a partitura na nossa frente. (Marcelo de Souza, segundo trompete da OSUECE).

Todas essas características descritas acima saltam frente a

possíveis mentes interpretadoras. Considerando o estudo da análise do

interpretante dinâmico, percebe-se que o efeito de caráter lógico é bastante

presente na relação maestro e músico.

Ao perguntarmos se os músicos se emocionam ao interpretar uma

peça e se isso poderia atrapalhar no rendimento musical, vários músicos da

orquestra afirmaram que as emoções acontecem com frequência, mas é

preciso atenção para que a música não seja afetada negativamente.

Percebo que me desligo das coisas ao redor, minha concentração aumenta quando toco. Fico mais atento, visualmente e auditivamente, ao que está acontecendo para poder dar o melhor de mim mais e mais. Às vezes interfere quando eu deixo de pensar no que estou fazendo durante a execução, e passo a agir de maneira espontânea. Algumas músicas são tão lindas que os arrepios são inevitáveis e quando eu solo nesses momentos faço o máximo para que a minha emoção soe junto com o som do meu instrumento (Jônatas Gaudêncio, entrevista cedida em maio de 2013).

O efeito de caráter emocional se faz presente nas relações

interpretativas musicais. Segundo o discurso acima, percebe-se que esse

efeito tanto pode ser ruim para o andamento da peça, como também pode

ser ótimo. Sendo bem aplicado na sonoridade do instrumento, pode melhorar

a qualidade sonora nos solos.

O efeito de caráter energético é necessário tanto para o músico

quanto para o maestro, que para executarem suas funções dentro da

orquestra é preciso que desempenhem uma “força física” para fazer com que

a música seja executada. Em vários momentos presenciamos os efeitos

Energético e Lógico atuando juntos. É o que acontece quando há os ataques

(momento no qual toda a orquestra toca forte um determinado trecho da

música) no início da peça 5a sinfonia. Para que ela seja executada, os efeitos

energéticos que correspondem à ação física – que neste caso é tocar o

instrumento – e o efeito Lógico – que representa o símbolo da regência do

maestro, no qual, os músicos internalizaram para referenciar o momento e

como deverá ser tocada ao se apresentarem.

55

Segundo as observações do pesquisador deste trabalho, ao

presenciar a apresentação da Quinta Sinfonia, o que se pode perceber é que

em alguns trechos, se ouviam-se todos os instrumentos executando suas

partes, complementando-se, formando uma massa sonora estonteante.

Alguns músicos demonstraram sinais visíveis de satisfação que logo

podemos relacionar com dos três efeitos, agindo harmonicamente em suas

performances. Enquanto o maestro controlava a massa sonora para não fugir

da nuance, alguns sorrisos tímidos eram vistos em seu rosto. Identificou-se aí

o ápice da comunicação entre maestro e músicos, que esbanjavam em suas

expressões os três efeitos do interpretante dinâmico: emocional, energético e

lógico.

56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa a semiótica se mostrou ferramenta importante para

análise da relação maestro – músico. Com base nas análises realizadas

nesta pesquisa, percebe-se que a sonoridade é importante nessa relação,

mas o aspecto visual, manifestado por meio dos gestos que envolvem a

regência – se não for mais importante – é tão importante quanto o aspecto

sonoro para concretizar o processo de comunicação entre as partes, pois os

gestos indicam como a música deve ser tocada, para se alcançar uma

sonoridade mais próxima da perfeição.

Constatou-se, também, que a presença do diálogo entre maestro e

músico é fundamental para que a comunicação possa se concretizar sobre o

interpretante dinâmico e seu efeito lógico, formando a base para que a

comunicação possa ser assimilada.

Percebeu-se ainda que existe uma relação em comum acordo

entre as duas partes: maestro e músico. Ao conhecer o limite da segunda, o

primeiro trabalha para que nos ensaios esses limites técnicos possam ser

extintos. Para isso, muitas vezes o maestro trabalha a experiência musical e

técnica individual, que faz a diferença na questão da transmissão da

mensagem, sendo assim entendida e respondida musicalmente pelos

músicos.

Observou-se, também, que existem algumas modalidades

linguísticas e técnicas para instrumentos de cordas, sopros e percussão, das

quais o maestro usufrui para comunicar suas expressões e nuances

musicais.

A busca de um entendimento preciso nos significados da regência

traz para o maestro o maior dos problemas em uma orquestra, os erros de

interpretação regencial dos músicos para com os gestos do maestro.

Entende-se que a questão de falhas na interpretação de uma peça, pode ser

corrigida na regência, porém uma falha na interpretação da regência pode ser

um grande problema em um concerto musical. Em entrevista o maestro

Alfredo Barros, destaca que nas orquestras sinfônicas profissionais trabalham

incessantemente para que as coisas (regência, músico e música) estejam em

seus respectivos lugares.

57

Apesar dos resultados alcançados, acredita-se que a comunicação

maestro-músico envolve muito mais do que foi observado neste trabalho

monográfico. Poderia ser estudado, por exemplo, o papel da plateia nessa

relação. Mas esse é um tema de um próximo trabalho.

58

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63

APÊNDICE A

MÚSICO TEMA DISCURSO FRAGMENTADO

Jônatas

Gaudêncio

Sobre a Regência

Acho que a regência serve para

unificar as idéias de cada músico, pois

todos pensam de maneiras diferentes,

e nem todo mundo se identifica com a

ideia do outro, assim com um regente

a frente, todos seguem uma mesma

ideia e o grupo se torna um só.

Geralmente ele (maestro) combina

comigo o que ele quer que seja ouvido

e eu tento segui-lo ao máximo com

seus gestos, as vezes decoro as

passagens para ficar olhando só para

o Maestro.

Linguagem

Técnica do

instrumento

O clarinete é um instrumento de sopro

que possui uma palheta para se

produzir o som, então se deve soprar

dobrando o lábio inferior para dentro

da boca, formando assim uma cama

para a palheta, morder na parte de

cima e fechar o lábio superior para

que não vaze ar. Se deve soprar de

maneira constante fazendo pressão

com o diafragma e para separar as

notas se coloca a língua na ponta da

palheta para cortar a sua vibração.

As interpretações

gestuais e os

significados

Identicamente não, pois são pessoas

diferentes que vivem coisas diferentes

e pensam diferente, mas tem coisas

"padrões" que sempre saem iguais.

Acho que muitas vezes sim, outras

não, pois já tive algumas reclamações

de erros que já fiz nas apresentações,

mas ainda sou estudante e tenho

minhas deficiências para serem

corrigidas.

64

As emoções ao

executar uma

música

Regência é a forma como o maestro

"toca", como ele passa para os

músicos a sua interpretação das

músicas que estão sendo tocadas. Faz

com que eu me sinta mais a vontade

com a música, eu costumo ficar

nervoso em apresentações,

principalmente quando se tem solos

para mim, mas quando conheço a

ideia que o compositor pede, o

período histórico em que essa peça foi

composta, ou a própria história que

essa peça traz, eu consigo me apreciar

tocando, pelo fato de saber o que

estou tocando, assim perco o

nervosismo e além de ser quem toca,

naquele momento também sou quem

escuta, quem aprecia.

65

APÊNDICE B

MÚSICO TEMA DISCURSO FRAGMENTADO

Mário Eliezer

(segundo violino)

Sobre a Regência

A regência tem fundamental

participação no controle rítmico e

fraseológico da música. Caso a

figura do Maestro não existisse em

algumas obras mais complexas,

como: as sinfonias, os concertos

românticos, dentre outros, as várias

pulsações e interpretações

individuais dos músicos poderiam

deixar a música pobre em conteúdo

musical.

O papel do

Maestro

A arte de comandar vários músicos

(que possuem várias interpretações

individuais), assumida pela figura do

Maestro ou Regente. Este deve

somar os esforços dos músicos em

uma única interpretação.

As interpretações

gestuais e os

significados

Na qualidade da interpretação da

música. Fico mais atento,

visualmente e auditivamente, ao que

está acontecendo para poder dar o

melhor de mim mais e mais.

Algumas músicas são tão lindas que

os arrepios são inevitáveis.

66

APÊNDICE C

MÚSICO TEMA DISCURSO FRAGMENTADO

Marcelo de Souza

(segundo

trompete)

Sobre a Regência

É uma atividade onde o Maestro,

responsável pelo trabalho final da

interpretação da orquestra, conduz a

orquestra de forma q

Sobre a

interpretação da

regência

Com bastante ensaios e com a

participação da orquestra é possível, o

maestro deve deixar claro qual a sua

intenção. Que ela atenda a suas

necessidades. É importante, pois além

de conduzir todos os músicos de uma

forma unificada, ainda faz com que

outros aspectos musicais sejam

trabalhados de maneira geral. apesar

de ser uma tarefa difícil, pois a música

ao meu ver é muito subjetiva. Mas

sempre procuro me esforçar ao

máximo para compreender a intenção

do maestro

As interpretações

gestuais e os

significados

Identicamente não, pois são pessoas

diferentes que vivem coisas diferentes

e pensam diferente, mas tem coisas

"padrões" que sempre saem iguais.

Acho que muitas vezes sim, outras

não, pois já tive algumas reclamações

de erros que já fiz nas apresentações,

mas ainda sou estudante e tenho

minhas deficiências para serem

corrigidas.

As emoções ao

executar uma

música

Percebo que me desligo das coisas ao

redor, minha concentração aumenta

quando toco ou estudo.

Interfere quando eu deixo de pensar

no que estou fazendo durante

a execução e passo a agir de maneira

espontânea.