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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS
A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS
CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS
DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES
VALE LTDA (COBREV)
FORTALEZA
2013
ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS
A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS
CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS
DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES
VALE LTDA (COBREV)
Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação.
Orientação: Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto.
FORTALEZA
2013
ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS
A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS
CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS
DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES
VALE LTDA (COBREV)
Monografia como prérequisito para obtenção do titulo de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.
Data da Aprovação: ____/_____/____
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto (Orientadora)
Faculdade Cearense
_________________________________________________________
Profº. Ms. Mario Henrique de Castro Benevides
Faculdade Cearense
________________________________________________________
Profª. Ms. Valney Rocha Maciel
Faculdade Cearense
AGRADECIMENTOS
A Deus que iluminou os meus caminhos e me trouxe até aqui. A minha mãe Francisca Ribeiro por torcer e sempre estar ao meu lado, lutando pela minha vitória. Ao meu pai Francisco Ribeiro (in memoriam), onde estiver sei que está comigo e que sempre sonhou com minha vitória, o meu muito obrigada! A minha família por estar sempre me confortando nos momentos mais difíceis. Ao companheirismo, convivência, amor, carinho e o respeito de Rafael Melo cuja presença na minha vida é incondicional. Aos amigos que torceram por mim. A empresa COBREV pela acolhida.
A minha grande amiga Edilaine Sousa, por me proporcionar a realização da pesquisa de campo. A Prof.ª Socorro Letícia pela presença constante, contribuições e pela orientação para elaboração desta pesquisa. As mulheres trabalhadoras da COBREV que muito contribuíram para a realização desta pesquisa. A todos que direta e indiretamente torceram, acreditaram e contribuíram durante esta etapa da minha vida. Muito obrigada!
DEDICATÓRIA
A todas as mulheres que confiam na sua capacidade
de conquistar mais e novos espaços em suas vidas.
RESUMO
O objetivo desta monografia é decorrente de um olhar investigativo acerca da
condição feminina na sociedade, tendo como foco as consequências da inserção
das mulheres no mercado de trabalho para suas relações familiares, a partir da
divisão sexual do trabalho. Assim, pretendese destacar as mudanças ocorridas no
interior das famílias, bem como os conflitos vividos pelas mulheres, dada sua
participação no trabalho fora de casa. Dialogase com as categorias analíticas:
gênero, divisão sexual do trabalho e família. A metodologia utilizada foi a pesquisa
qualitativa, utilizandose como técnica central de coleta de informações, a entrevista
semiestruturada com oito mulheres da empresa COBREV, as quais foram os
principais sujeitos desta pesquisa. Utilizouse ainda a pesquisa bibliográfica e
documental, em que se privilegiaram os estudos de autores como: Helena Hirata,
Cristina Bruschini, Heleieth Safioti, Joan Scott, Daniele Kergoat, dentre outros.
Concluise, que a inserção das mulheres no mercado de trabalho modifica a vida das
mulheres, haja vista a possibilidade de autonomia econômica. Ao mesmo tempo, a
responsabilidade do trabalho doméstico e familiar ainda é eminentemente feminino,
o que acarreta uma dupla jornada de trabalho em suas vidas.
Palavras – chaves: divisão sexual do trabalho, gênero, família.
ABSTRACT
The purpose of this monograph is the result of an investigative look about the
condition of women in society, focusing on the consequences of the inclusion of
women in the labor market to family relations, from the sexual division of labor. Thus,
it is intended to highlight the changes within families, as well as the conflicts
experienced by women, given their participation in work outside the home. Dialogues
with the analytical categories: gender, sexual division of labor and family. The
methodology was qualitative research, using as a central technique of gathering
information, the semi structured interviews with eight women COBREV Company,
which were the main subject of this research. Was also used to literature and
documents, in which privileged the study authors as: Helena Hirata, Cristina
Bruschini, Heleieth Safioti, Joan Scott, Daniele Kergoat, among others. It is
concluded that the inclusion of women in the labor market changes the lives of
women, given the possibility of economic autonomy. At the same time, the
responsibility of domestic and family work is still predominantly female, which carries
a double shift in their lives.
Keywords: sexual division of labor, gender, family
LISTAS DE ABREVIATURAS
CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CNPM – Conferência Nacional de Politicas para as Mulheres
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ONGs Organização não governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
OIT Organização Internacional do Trabalho
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
Págs.
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1. PERCURSOS TEÓRICOS E METODOLOGICOS DA PESQUISA......................13
1.1 Os objetivos da pesquisa e a relação com Serviço Social...................................15
1.2 O percurso metodológico e o campo da pesquisa...............................................17
1.3 As mulheres como sujeitos da pesquisa: perfil das entrevistadas.......................20
2. RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO......23
2.1. Breve Histórico sobre a organização política das mulheres no Brasil................23
2.2. Gênero e Patriarcado: as relações de poder em questão...................................29
2.3. Divisão Sexual do Trabalho: base material das desigualdades de gênero........33
3. AS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS CONFIGURAÇÕES
FAMILIARES: O QUE OS SUJEITOS PENSAM?....................................................42
3.1. As atuais configurações de famílias ..................................................................42
3.2. As consequências do trabalho nas famílias das mulheres trabalhadoras da
COBREV....................................................................................................................50
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................60
ANEXOS....................................................................................................................64
1
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, as mulheres intensificaram suas lutas através do
enfrentamento à opressão e às desigualdades, a favor de sua emancipação
econômica e social. Atualmente, as mulheres trabalham fora de casa, porém em
condições de desvantagens em relação aos homens. A inserção das mulheres no
mercado de trabalho devese, principalmente, aos movimentos feministas e ao
reconhecimento social do papel feminino no mundo público.
Aos longos dos últimos anos, sobretudo a partir da década de 1970, as
mulheres têm alcançado muitas conquistas em suas lutas, pois estas vêm
reivindicando novos espaços no mercado de trabalho e na sociedade. Entretanto o
processo de reestruturação produtiva potencializou a exploração do trabalho
feminino, tendo como consequências para as mulheres, a realização de trabalhos
precários, salários mais baixos, dupla jornada de trabalho.
Esta monografia traz um olhar sobre as contradições, rupturas e continuidades,
que o processo de inserção das mulheres no mercado de trabalho trouxe no interior
das suas relações familiares, bem como para suas identidades como mulher, mãe,
trabalhadora.
O motivo que me levou à elaboração desta monografia foi adquirir
conhecimentos necessários sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho,
bem como compreender os desafios a serem enfrentados por elas, haja vista a
necessidade de conciliar trabalho e família. O interesse por essa temática surgiu a
partir de conversas informais que obtive ao conversar com mulheres que cumprem
uma “dupla jornada”, trazendo assim indagações a respeito do trabalho feminino,
como também, sua interação na sociedade contemporânea.
Diante desta problemática a pesquisa, portanto, centrase no conhecimento
que esse estudo pode sobre a condição das mulheres, em vista de suas conquistas,
seus desafios. Visa também contribuir para compreensão de como essas mulheres
enfrentam os múltiplos obstáculos cotidianos, diante da sua permanência no
mercado de trabalho, tendo que conciliar o trabalho com as questões familiares,
2
mediante sua condição de gênero. Este estudo foi realizado com algumas
funcionárias de uma empresa privada chamada COBREV, que se situa em
Fortaleza.
Assim, a presente monografia desdobrase em três capítulos, cujos conteúdos
sinteticamente foram estruturados conforme descritos abaixo:
O primeiro capítulo apresenta todo o processo de desenvolvimento da
pesquisa, além de uma aproximação mais direta com o objeto de estudo e com o
percurso de investigação, retratando ainda a relação da temática com a profissão de
Serviço Social. Serão abordados temas referentes à justificativa do presente estudo,
perpassando pela formulação do projeto e pela metodologia utilizada na pesquisa.
Concluise com uma configuração do perfil das entrevistadas. O supracitado projeto
dividese, portanto, em três tópicos: O percurso metodológico e o campo da
pesquisa; os objetivos da pesquisa e a relação com Serviço Social e as mulheres
como sujeitos da pesquisa: perfil das entrevistadas.
No segundo capítulo, percorremos a bibliografia pertinente ao tema,
procurando apontar os pressupostos básicos das categorias de gênero e divisão
sexual do trabalho concomitante às falas de algumas mulheres. Apresentamos, a
priori, um breve histórico sobre a organização política das mulheres no Brasil, como
base para a discussão do conceito de gênero e patriarcado e suas relações de
poder. Concluise esse capítulo abordando a categoria divisão sexual do trabalho
como base material da questão de desigualdade de gênero.
No terceiro e último capítulo, procuramos desenvolver nossa análise em torno
das percepções das mulheres entrevistadas em relação às consequências que a
inserção no mercado de trabalho teve em suas vidas. Retrataremos as atuais
configurações de famílias e as consequências do trabalho para as famílias das
mulheres trabalhadoras da COBREV. Este último capítulo responderá nossas
indagações iniciais, presentes na construção do objeto de estudo.
Pretendemos com essa monografia compreender, a partir dos relatos das
entrevistadas, a articulação que as mesmas desenvolvem entre o exercício do
trabalho fora de casa e do trabalho doméstico e familiar. Buscamos ainda entender
3
as dificuldades encontradas pelas mulheres em competir no mercado de trabalho,
caracterizando as principais mudanças ocorridas ao longo da história e as distintas
atribuições repassadas socialmente a elas. Esse estudo, portanto, pautase no olhar
investigativo, tendo como base as relações sociais de gênero.
4
CAPÍTULO 1: PERCURSOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Este trabalho é decorrente de um olhar investigativo acerca da condição
feminina na sociedade, na qual analisamos as conseqüências da inserção das
mulheres no mercado de trabalho em suas relações familiares, tendo em vista a
divisão sexual do trabalho. Assim, buscaremos destacar as mudanças ocorridas no
interior das famílias e os conflitos vividos pelas mulheres, dada sua participação no
trabalho fora de casa.
Com a materialização do trabalho doméstico e familiar realizado,
prioritariamente, pelas mulheres, dada as construções das relações desiguais de
gênero, uma das questões que intencionamos na elaboração desta pesquisa
vinculase aos grandes desafios sobre a dupla jornada de trabalho enfrentada pelas
mulheres na atualidade, para conciliar trabalho fora de casa e família.
O interesse em estudar esse tema que retrata a condição de vida das mulheres
trabalhadoras iniciouse a partir de uma grande inquietação ao ingressarmos no
campo de estágio curricular, no Hospital Evandro Aires de Moura HDEAM1, mais
1O HDEAM é uma unidade de urgência e emergência terciária, nas áreas de clínica geral, cirurgia geral e eletiva e traumatologia, vinculada a rede pública de saúde da Prefeitura Municipal de Fortaleza.
5
conhecido como Frotinha do Antônio Bezerra. Este por sua vez foi a porta de
entrada para nossa temática, pois ao depararmonos com uma grande quantidade
de mulheres que ali trabalham, percebemos os dilemas vividos por estas, a exemplo
da conciliação trabalho e família, da disputa com os homens no mercado de
trabalho, dada a natureza pública da ocupação e, da realização de trabalhos, muitas
vezes, precários, mas necessários.
Percebemos que existiam mulheres que demonstravam um grande
compromisso e prazer no que realizam. Apesar de diminuir o tempo dedicado aos
cuidados com a família e com o crescimento dos filhos, sentiamse realizadas, pois
através da sua remuneração, poderiam oferecer melhores condições de vida a seus
filhos. Não obstante, muitas mulheres trabalham mais por necessidade material em
vista do seu próprio sustento e de sua família.
De acordo com Censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE)
2011, 53% das mulheres que continuam exercendo os papeis historicamente
destinadas à condição feminina, ou seja, ser mãe, esposa e donadecasa. A maioria
dessas mulheres tem idade acima de 60 anos ou mais, mulheres aposentadas e
aquelas que são avós que passam a cuidar de seus netos tendo um importante
papel hoje nas famílias.
As mudanças dos laços familiares e a vulnerabilidade que atinge as famílias demandam novos papéis, novas exigências para essas figuras, personagens que ganham relevo não só na relação afetiva com os netos, mas também como auxiliares na socialização das crianças ou mesmo no sei sustento, mediante suas contribuições financeiras (SARTI, 2008, pág.94).
No entanto, percebemos mudanças na identidade de gênero, dado o aumento
da participação das mulheres no mercado de trabalho. Hoje, aproximadamente
35,5%, das mulheres empregadas trabalham com carteira de trabalho assinada. No
6
entanto, esse percentual é inferior aos dos homens, uma vez que 43,9% da
população masculina estão inseridos no mercado. O Censo revela ainda que 17,6%
da população feminina estão ocupando cargos no comércio, seguidas de
trabalhadoras de educação, saúde e serviço social. Ressaltamos que muitas dessas
profissões são tidas como tradicionalmente femininas e, portanto, menos
valorizadas. Percebemos que a hierarquia de gênero se mantém no mundo do
trabalho.
Pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Seade apontam que, pelo oitavo ano
consecutivo, a taxa de desemprego feminino recuou, passando de 14,7% em 2010
para 12,5% em 2011. Não obstante, a taxa de desemprego entre mulheres no Brasil
é cerca de 60% superior em relação a dos homens. Do total de desempregados do
país, 55% são mulheres. Percebemos que, elas têm mais dificuldades de encontrar
trabalho, além da remuneração ser inferior dos homens e da precarização de seus
empregos.
Podemos constatar que a dificuldade atual ainda consiste nas práticas tradicionais
de divisão sexual do trabalho, demonstrando os particularismos e preconceitos que
permeiam o processo da inserção da mulher no mundo do trabalho. Nesse sentido,
cabe ao Estado atuar nessa desigual responsabilização pelo trabalho doméstico e
familiar elaborando e executando políticas sociais que garantam a atuação das
mulheres que trabalham fora e forneçam base de segurança a elas em suas
históricas responsabilidades em casa, através de transporte escolar gratuito, escolas
com tempo integral, creches, lavanderias comunitárias, etc.
Essa configuração demonstra que, mesmo com toda a sobrecarga de papéis
dada à inserção no mercado de trabalho, muitas mulheres como forma de alcançar a
autonomia econômica ou, por conta das próprias necessidades materiais e de
sobrevivência financeira de suas famílias, adentram o mercado de trabalho na
atualidade.
7
1.1. OS OBJETIVOS DA PESQUISA E A RELAÇÃO COM SERVIÇO SOCIAL
Nesse trabalho abordaremos as desigualdades de gênero, como uma das
expressões da questão social, uma vez que a discussão desse tema se apresenta
na vida cotidiana, além de ser um elemento importante para elaboração de políticas
sociais. Nesse debate, constatamos as desigualdades entre masculino e feminino,
desvalorizando os direitos das mulheres, os quais se configuram no âmbito das
relações sociais.
Segundo Iamamoto,
(...) a questão social não é focada exclusivamente como desigualdade social entre pobres e ricos, e nem como situação social problema, como foi historicamente encarada no Serviço Social, reduzida a dificuldades do individuo (...) a gênese das desigualdades sociais está no contexto da acumulação do capital, desigualdade de renda, de gênero, de propriedade e do poder, gerando assim a violência e a pauperização das formas de descriminação e exclusão social (IAMAMOTO, 2001, pág.59).
Em relação ao Serviço Social, a questão de gênero perpassa a profissão, uma
vez que esta é eminentemente feminina. Sabemos que desde seu surgimento na
década 1930, a profissão era formada por “moças da sociedade,” tendo como base
nos ideais da igreja católica e nos valores tradicionais no trato da questão social.
Também podemos citar, a forte presença das mulheres como usuárias dos serviços
sociais. Nessa acepção, o Serviço Social como profissão deve responder as
inúmeras expressões da questão social emergentes na sociedade com uma visão
crítica, reflexiva e empenhada com as circunstâncias reais, mediante uma atitude
investigativa ética e política para intervir sobre elas.
Para Iamamoto (2001), “a imagem social predominante da profissão é
indissociável de certos estereótipos socialmente construídos sobre a mulher na
visão mais tradicional e conservadora de sua inserção na sociedade [...]”. Entretanto,
a reconstrução de uma nova identidade está atrelada às lutas do movimento de
mulheres e feministas, o que permite construir novos valores para a essência da
profissão e da sociedade.
8
Na condição de pesquisadores sociais temos que estar atentos à realidade em
que estamos inseridos. O movimento desta realidade, portanto, nunca acaba, ou
seja, se renova, a partir das novas demandas colocadas. Precisamos compreender,
com olhar crítico, as relações sociais de gênero, para percebermos o que acontece
em nossas vidas e na vida das pessoas que utilizam os serviços em que
trabalhamos. E assim, contribuirmos para construção de uma nova sociabilidade
entre homens e mulheres.
Podemos perceber que nos dias atuais que é necessário romper com a visão
endógena, focalista. Nós, como assistentes sociais temos que alargar os horizontes,
ter um olhar para além do que é posto. Assim, é um dos grandes desafios dos
profissionais terem uma capacidade de decifrar a realidade e construir propostas
para as demandas que hoje necessitam dos nossos trabalhos, não sendo apenas
um mero executor terminal de políticas sociais, como diz Netto (1992).
Desse modo, a pesquisa é necessária para “o mergulho na realidade social”
como relata Iamamoto (2001), visando assim investigar e interpretar o objeto de
estudo no processo social, seus movimentos conflitantes e a relação entre os
indivíduos e sociedade. Com isso o Serviço Social pauta sua reflexão e intervenção
sobre as múltiplas expressões da questão social expressas nas contradições e
desigualdades socialmente produzidas, sejam no espaço público ou privado.
É nessa perspectiva que temos que olhar o trabalho das mulheres hoje na
sociedade, não só como mais uma força de trabalho no conjunto da classe
trabalhadora, mas como um trabalho exercido por sujeitos que têm especificidades.
Assim, indagamos: A partir da inserção das mulheres no mercado de trabalho quais
fatores históricos permanecem em suas vidas? Que fatores estruturais e subjetivos
são relevantes nesse processo? Qual o significado do trabalho na vida das mulheres
que se inserem no mercado de trabalho? Há acúmulo de tarefas? Na remuneração
de seus salários e nas condições de trabalho são percebidas as desigualdades de
gênero?
Desse modo, o presente estudo tem por objetivo mostrar a relevância da
divisão sexual do trabalho, no interior do espaço doméstico a partir da consolidação
9
das mulheres no mercado de trabalho e, ainda dar conta do trabalho doméstico e
familiar atribuídos historicamente a elas.
Diante desta problemática, as contribuições dessa pesquisa darse no sentido
de conhecer como se configura a realização do trabalho feminino assalariado, suas
conquistas, seus desafios. Pesquisamos também as formas como as mulheres
enfrentam os obstáculos de se manterem no mercado de trabalho, dado seu “destino
histórico” de serem as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e familiar.
1.2. O PERCURSO METODOLÓGICO E O CAMPO DA PESQUISA
Nos dias atuais, novos desafios são postos para a construção da igualdade
entre homens e mulheres. Muitas mulheres já inseridas na sociedade salarial ainda
sofrem com essas novas redefinições, pois muitas profissionais conciliam suas
tarefas fora do lar com a atividade doméstica e o cuidado de casa com os filhos. As
desigualdades de trabalho entre homens e mulheres tornaram visíveis as
desigualdades nas relações sociais de gênero. Assim, os fatos revelam que as
discriminações das mulheres no que diz respeito às condições de trabalho e salários
são históricas.
Percebemos hoje outro fenômeno que é bipolarização do trabalho feminino.
Assim uma parte das mulheres encontrase em empregos precários, mal
remunerados, sem perspectiva de crescimento e temporários. Por outro lado,
algumas mulheres estão inseridas em empregos bens remuneradas com níveis
profissionais e salários elevados.
Essa pesquisa é de natureza qualitativa, a qual podemos observar e analisar
os significados dos relatos das entrevistadas, a partir da realidade em que esses
sujeitos estão inseridos. Segundo Minayo (1994),
[...] a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou, seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
10
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1994, pág.21).
A pesquisa, a partir de sua abordagem metodológica, resulta em um conjunto
de procedimentos utilizados na obtenção das informações sobre a realidade. A
coleta de dados se deu através de entrevista semiestruturada, permitindo maior
flexibilidade durante a abordagem e a obtenção de informações relacionadas ao
problema pesquisado.
Foram abordadas questões as mulheres acerca do trabalho doméstico e
familiar, informações referentes aos sentidos conferidos ao trabalho, à carreira, à
família e a condição de gênero das mulheres entrevistadas. Acreditamos que as
técnicas empregadas constituíram as que melhores se apropriaram aos nossos
objetivos, uma vez que podemos apreender as visões de mundo dos sujeitos
entrevistados.
Utilizamos também a pesquisa bibliográfica e documental para abordarmos as
questões teóricas do tema, bem como os documentos e pesquisas já elaborados
acerca do assunto. As categorias abordadas nessa pesquisa foram: gênero, família
e divisão sexual do trabalho.
Segundo Neto (1994), a pesquisa bibliográfica, Nada mais é que:
[...] colocar frente os desejos do pesquisador e os autores envolvidos em seu horizonte de interesse. Esse esforço em discutir ideias e pressupostos tem como lugar privilegiado de levantamento as bibliotecas, os centros especializados e arquivos. Nesse caso, tratase de um confronto de natureza teórica que não ocorre diretamente entre pesquisador e atores sociais que estão vivenciando uma realidade peculiar dentro de um contexto históricosocial. (NETTO, 1992, pág. 53).
Ressaltamos as dificuldades enfrentadas para a nossa inserção nas empresas
e fábricas privadas, sobretudo naquelas em que as mulheres são a maioria das
trabalhadoras. Após várias tentativas em fábricas de castanha, têxtil, e de
confecções, entre outros segmentos, não desistimos do interesse nesse estudo e
tivemos a oportunidade de realizar a pesquisa de campo na empresa ora citada.
11
Ao adentrarmos na empresa, inicialmente, observamos um local onde as
pessoas pouco se comunicavam. Cada uma encontravase em sua sala e, muitas
por trabalhar em telemarketing eram isoladas em pequenas cabines individuais.
Um ambiente claro, mais de pouca conversa entre si, só se ouvia conversas por causa dos atendimentos telefônicos que ali eram realizados. Os supervisores andando de um lado a outro só observando o que as pessoas faziam a respeito de seus trabalhos. As pessoas só se falavam quando tinham um intervalo ou saiam para almoçar, foi um cenário frio que deparei ao entrar no ambiente. (Diário de Campo: 07/11/12).
No tocante ao campo empírico, a pesquisa foi realizada junto às mulheres
trabalhadoras da empresa COBRANÇA E REPRESENTACOES VALE LTDA
COBREV. É uma empresa do ramo cobrança de inadimplências de consumidores e
controle de pagamentos e recebimentos dos clientes, dentro das normas do código
de defesa do consumidor.
Segundo dados do site da empresa (2012), esta se configura como empresa de
grande porte há vinte e três anos no mercado, tem filiais em Fortaleza, Rio de
Janeiro, Recife e Sobral. Tem como filosofia proporcionar serviços de excelência no
mercado; oferecendo serviços diferenciados e qualificados, que garantam aos
clientes, comodidade, confiabilidade e agilidade; apoiar e incentivar programas que
visem à preservação do meio ambiente e a formação e conscientização de cidadãos,
gerarem emprego e renda. Sua missão é oferecer serviços com qualidade,
diferenciados e inovadores na recuperação de valores e pessoa, no âmbito do
mercado como um todo.
A empresa conta com oitenta e seis funcionários, dentre eles sessenta são do
sexo feminino. Localizase na Rua Perboyre e Silva, próximo ao Calçadão da
C.Rolim, no centro de Fortaleza. A maioria das trabalhadoras está lotada nos
serviços de telemarketing em que desempenham a função de cobrança. A carga
horária dessas mulheres é de seis horas diárias de trabalho, tendo uma média
salarial de um salário mínimo. Algumas ganham gratificações se conseguirem “bater
as metas” estipuladas pela empresa. Ressaltamos que as entrevistas foram
12
realizadas em espaços reservados na própria empresa, preservando o sigilo, no
intuito de manter a integridade dos entrevistados.
1.3 AS MULHERES COMO SUJEITOS DA PESQUISA: PERFIL DAS ENTREVISTADAS
Ao conversarmos com as mulheres pesquisadas, remetemonos a citação de
Massi (1992) que relata: “As mulheres vêm lutando por um espaço no mundo público
e ao mesmo tempo enfrentando todo tipo de problemas na conciliação das duas
esferas da vida...” (MASSI, 1992). É nessa concepção que estas vêm enfrentando
as inúmeras barreiras do seu diaadia.
Nossas entrevistadas não fugiram à regra sendo mulheres que se levantam
cedo para iniciar seu dia de trabalho, cuidar das crianças, fazer o café, arrumar filhos
para o colégio, realizando todos os afazeres domésticos para não se atrasar à
chegada ao trabalho. Muitas delas conciliam suas tarefas em espaços curtos de
tempo, almoçam em casa, posteriormente retornam ao trabalho. À noite, depois de
um dia de trabalho fora de casa, iniciase uma nova jornada, começa um “novo
expediente”, preparar o jantar, arrumar a casa, cuidar dos filhos e do marido. Enfim,
mais um dia se foi e outro virá com os mesmos desafios e com novos problemas a
serem enfrentados pelas mulheres no mundo moderno.
Antes do início das entrevistas, traçamos um perfil individual das entrevistas,
tendo por base os instrumentais individuais utilizados nas entrevistas, utilizaremos
nomes fictícios para preservar a garantia de identidade das entrevistadas. Dentre os
critérios para a realização das entrevistas destacamse: mulheres maiores de 18
anos; trabalhadoras da empresa COBREV, casadas e com filhos.
13
Marfim – 25 anos, casada, tem um filha de 08 anos e um menino de 06 anos.
Cursou o 2° Grau. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de
cobrança com uma carga horária de 08 horas diárias.
Rosa – 22 anos, casada, tem um filho de 05 anos. Cursou o 2° Grau. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de cobrança com uma carga horária de
06 horas diárias.
Branca – 23 anos, casada, tem um filho de 07 anos. Cursou o 2° Grau. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de cobrança com uma carga horária de
06 horas diárias.
Pink – 26 anos, casada, tem um filho de 02 anos. Tem o 2° Grau incompleto. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de cobrança com uma carga horária
de 06 horas diárias.
Lilás – 23 anos, casada, tem uma filha de 05 anos. Está cursando faculdade de Recursos Humanos. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de
cobrança com uma carga horária de 06 horas diárias.
A partir do embasamento dos dados expostos, podemos perceber que todas as
entrevistadas atendem aos os critérios instituídos como necessários à análise da
realidade e aos objetivos da pesquisa que almejamos. Foi de extrema importância o
contato que tivemos com essas mulheres, pois podemos enriquecer ainda mais a
pesquisa bibliográfica e realizar uma análise das expressões do seu cotidiano ali
colocado. Esperamos assim, analisar o que pudemos perceber de relevante em
suas falas.
No próximo capítulo, discorremos acerca das categorias gênero e divisão
sexual do trabalho, que embasam o nosso estudo, a fim de qualificar os dados
empíricos obtidos na pesquisa de campo.
14
CAPÍTULO 2: RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO
2.1. BREVE HISTÓRICO SOBRE A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NO BRASIL
A condição das mulheres, ao longo da história, apresenta mudanças sociais e
culturais. O termo “mulher indigna” era atrelado às mulheres prostitutas, sem
esperanças de vida social. Hoje, esse termo não tem mais significado, haja vista a
inserção pública das mulheres na sociedade. Isso ocorreu, sobretudo, por conta das
inúmeras lutas por seus direitos, dentre eles, a participação das mulheres no
mercado de trabalho. No entanto, percebemos que essa participação se dar em
condições, muitas vezes, inferiores com salários pouco atrativos, condições de
trabalho precário e cargos femininos baixos.
Durante o processo da Revolução Industrial, a luta contra a exploração do
sistema capitalista de produção permeava também as questões de gênero. Assim,
as mulheres começaram a luta por condições melhores de trabalho, reivindicando
direitos trabalhistas, igualdade de jornada de trabalho entre sexos e direito ao voto.
Diante dessa situação, a organização dos trabalhadores mediante o movimento
sindical e operário, no final do séc. XIX e início do séc. XX tinham como principais
reivindicações: a limitação da jornada de trabalho a 8 diárias e 48 semanais, a
proteção à maternidade, a luta contra o desemprego, a definição da idade mínima de
14 anos para o trabalho na indústria e a proibição do trabalho noturno de mulheres e
menores de 18 anos.
Com o desenvolvimento das cidades e com o surgimento da burguesia,
aparece uma nova forma de organização do trabalho que aos poucos foi se tornando
cada vez mais especializado. Novas ocupações foram surgindo, tais como,
chapeleiros, bordadeiras, costureiras. Com esse desenvolvimento econômico surge
a necessidade de mãodeobra, favorecendo a integração e acesso das mulheres ao
15
trabalho. Porém, os seus salários eram inferiores ao dos homens e o trabalho
doméstico continuou sendo função exclusivamente feminina.
No início do século XIX, com a consolidação do sistema capitalista, inúmeras
mudanças ocorreram na produção e na organização do trabalho. No tocante ao
trabalho feminino, com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da
maquinaria, sobretudo, na era do fordismo, boa parte da mãodeobra feminina foi
utilizada nas fábricas de tecelagem e de fiação de lã por serem considerada mãode
obra barata.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT foi criada em 1919, como parte
do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Os princípios
fundamentais eram: a liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de
negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição
efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação no
emprego ou na ocupação (OIT, 2006).
As áreas de atuação da OIT no Brasil têm se articulado em torno das três
prioridades, quais sejam: a geração de melhores empregos, com igualdade de
gênero, oportunidades e de tratamento; erradicação do trabalho escravo e
eliminação do trabalho infantil, em especial em suas piores formas; fortalecimento
dos atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade
democrática (OIT, 2006).
No contexto brasileiro, as relações sociais no Brasil Colônia se desenvolveram
sob as sombras do patriarcalismo e do escravismo. Houve muitas opressões vividas
pelas mulheres, principalmente as mulheres negras, pois além do preconceito por
ser mulher, também sofreram por conta da sua condição de raça e etnia.
Estas mulheres, embora tenham presença expressiva no mercado de trabalho,
são mais expostas à precarização, a baixos salários e ao desemprego. De acordo
com Silva (2008), no Brasil, do total de mulheres negras, 21,7% encontramse
empregadas nos serviços domésticos. Ou seja, de cada 100 mulheres negras,
aproximadamente 22 estão ocupadas nos serviços domésticos. (COAN, 2008).
16
Neste período, somente o sexo masculino tinha livre acesso ao domínio público sendo este o provedor das necessidades financeiras da família. As mulheres
em sua maioria ficavam responsáveis no período, com os afazeres do lar sendo,
portanto, excluída do trabalho produtivo.
Segundo Gilberto Freire (1933), a história da sociedade brasileira no período
da colonização, constituiuse a partir do regime patriarcal e sob a influência da miscigenação de três raças: indígena, europeia e africana. Nessa ocasião, a família
brasileira pautavase em um núcleo composto pelo chefe da família (patriarca), sua
esposa, filhos e netos, que eram os representantes principais. E ainda, um núcleo de
membros considerados secundários, formados por “filhos ilegítimos (bastardos)” ou
“de criação”, parentes, afilhados, serviçais, amigos, agregados e escravos.
Até o século XIX, aprender a ler só era permitido aos homens, pois as
mulheres não tinham direito à leitura, somente aos afazeres do lar e aos cuidados
com as crianças. O movimento feminista, por sua vez, lutava pela igualdade de
direitos entre mulheres e homens. Em 1920, nos EUA e na Inglaterra, se promulgou
o sufrágio. As mulheres nestes países começaram a lutar por direito ao voto,
favorecendo as mulheres o acesso à esfera pública. Sarti, (1988).
No Brasil, o direito ao voto passou a existir em 1932 Berta Lutz uma das
pioneiras do movimento feminista no Brasil, liderou o movimento de sufrágio e lutou pelo o direito ao voto livre das mulheres. Ela participou da Aliança Nacional de
Mulheres, garantindo às mulheres a igualdade de direitos políticos, os quais as
mulheres poderiam concorrer ao exercício da vida pública com igualdade aos
homens (Amaral, 2005).
As lutas femininas possibilitaram a construção de novos valores sociais e
culturais na luta pela democracia que se constituía na igualdade entre homens e
mulheres. Em nível mundial, após a década de 1940 cresceu consideravelmente a
incorporação do trabalho feminino no mercado de trabalho. Porém, no Brasil isso só
ocorreu com maior intensidade na década de 1970. As mulheres passaram a
adentrar de forma mais contundente o mercado de trabalho.
17
Saffioti (2007) ressalta o significado dos movimentos feministas:
Os movimentos feministas só são o que são hoje porque foi o que foram no passado. Hoje nós podemos questionar as bases do pensamento ocidental porque houve um grupo de mulheres que queimou sutiãs em praças públicas. O sutiã simbolizava uma prisão, uma camisa de força, a organização social que enquadra a mulher de uma maneira e o homem de outra. A simbologia é essa: vamos queimar a camisadeforça da organização social que aprisiona a mulher (SAFFIOTI, 2007, pág. 22).
O movimento feminista ganhou destaque na década de 1970, sendo
considerada nesta época a segunda geração do feminismo, com vários
acontecimentos marcantes. Segundo (Amaral, 2005), o feminismo nos anos 1960 e
de 1970 é chamado de “feminismo moderno” o qual vai radicalizar o principio da
igualdade. Assim, o movimento luta para que as mulheres não tenham somente
direitos iguais no sentido de votar, mas de terem direitos como cidadãos, da
igualdade no trabalho, da luta por salários iguais, da divisão de tarefas domésticas
com os homens, a exemplo de falar em público e não ficar restrito ao espaço privado
da casa. Essas são as bandeiras que o “novo feminismo” defende. Este movimento
fragmentouse em diversas tendências, algumas correntes mais voltadas para os
direitos específicos das mulheres, como saúde sexual e reprodutiva e a
descriminalização do aborto. Outras mais centradas na luta social mais ampla, a
exemplo da divisão sexual do trabalho.
Com a explosão do golpe militar em 1964, as mulheres participaram
significantemente das grandes campanhas nacionais: pela nacionalização do
petróleo e pela paz mundial. Essas lutas marcaram a presença das mulheres na vida
pública. Nesta época, a oposição ao regime mobilizou as mulheres em passeatas,
manifestações e atos públicos.
Em 1975, o feminismo estava vinculado aos interesses populares. A luta por
direitos específicos se fundia com as questões gerais vigente da época. Este foi
considerado o Ano Internacional da Mulher. Foi criado o Centro da Mulher Brasileira
18
no Rio de Janeiro, onde se realizou a I Conferência Mundial da Mulher, promovida
pela Organização das Nações Unidas – ONU, reunindo mulheres interessadas em
discutir a condição feminina na sociedade, instituindose a partir de 1975 até 1985, a
Década da Mulher.
Por ser uma época marcada pela ditadura, neste mesmo ano foi criado o
Centro de Desenvolvimento da Mulher e a criação do Movimento Feminino pela
Anistia em São Paulo. Segundo Duarte (2003), este foi o momento em que o
movimento feminista esteve mais vivo, de forma a modificar os costumes e tornar as
reivindicações permitidas na sociedade. Nesta época, as reivindicações do
movimento feminista estavam vinculadas às melhores condições de vida, ao direito à
liberdade sexual e ao prazer; à luta pela legalização do aborto. As mulheres
tratavam de temas como mortalidade materna, mulheres na política, trabalho
feminino e dupla jornada, preconceito racial, entre outros.
No decorrer da história, o movimento feminista pautou vários debates e
reflexões acerca da condição das mulheres, dentre elas, o discurso sobre o conceito
de gênero, que ampliam as categorias de feminino e masculino. A partir desse
movimento, iniciam as discussões acerca do conceito de gênero, ampliando os
estudos que tratavam das condições especificas das mulheres para olhares acerca
das relações sociais entre mulheres e homens. Conforme Knebel (2009) “os
indivíduos podem ser definidos a partir de sua construção social”, podendose
repensar os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher dentro da
sociedade.
Na década de 1980, o movimento se amplia e se diversifica, abrindo novos
espaços para discussão política e as lutas pela ampliação de sua representação nos
espaços públicos de poder e decisão. O movimento nesta década também focou
suas lutas em torno dos casos de violências contra as mulheres, evidenciados por
um manifesto de mulheres cujos maridos as espancavam e as matavam. Em 1980,
foi criado o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher.
A Constituição de 1988 significou um grande avanço do ponto de vista legal,
para os direitos das mulheres. Dentre as mudanças destacadas no texto
19
constitucional destacamse a eliminação do domínio sexual e da figura de chefe da
família; o reconhecimento da união estável; a consolidação do divórcio; ampliouse a
licençamaternidade; o direito à creche para os filhos. Passouse a coibir a
discriminação da mulher no trabalho; foram criados direitos para as empregadas
domésticas e previuse, ainda, a criação de mecanismos para coibir a violência
doméstica. Ficou estabelecido, no âmbito legal que sem distinção de sexo, a todo trabalho de igual valor correspondente salário igual.
Nos anos de 1990, o movimento feminista se institucionaliza através do
surgimento de várias organizações nãogovernamentais (ONGs) feministas no
Brasil. As “ONGs feministas” passam a pressionar o Estado, buscando influenciar
nas políticas públicas. Multiplicavamse as várias modalidades de organizações e
identidades feministas. As mulheres pobres passaram a se articular nos bairros
através das associações de moradores, as operárias através dos departamentos
femininos de seus sindicatos e centrais sindicais. Já as trabalhadoras rurais, passam
a se organizar através de suas várias organizações. As mulheres, portanto,
começam a auto identificarse com o feminismo, sobretudo, o feminismo de base
popular.
Ainda na década de 1990, foram criados também organismos de cooperação
internacional para o desenvolvimento como a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento o (PNUD), e o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF). Estas instituições atentam para o impacto das políticas de
desenvolvimento sobre a vida das mulheres. Nesse período, concretizaramse novas
formas de organização da sociedade civil, mediante sua estruturação e de
mobilização, através da criação de redes, articulações e fóruns (PEIXOTO, 2010).
Nos anos 2000, o feminismo adentra várias esferas do governo e são
intensificadas as lutas pela implementação de políticas públicas para as mulheres.
No ano de 2004, ocorreu a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres em
Brasília, coordenada pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres,
vinculada ao governo federal e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
20
(CNDM) com o apoio do movimento de mulheres e feministas e das ONGs. Foi
realizado no país, um amplo processo de mobilização e preparação das mulheres
nos estados. A I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres culminou na
elaboração do Plano Nacional de Política para as Mulheres (PNPM), que teve
aprovação de orçamentos para saúde e educação, além da relevância de ações
afirmativas e os princípios da igualdade, equidade, da laicidade de Estado e da
intersetorialidade das ações para implementação de políticas públicas direcionadas
para as mulheres (PEIXOTO, 2010). A II Conferência Nacional de Políticas para as
Mulheres (II CNPM) foi realizada em agosto de 2007. O II PNPM expressouse à
vontade política do Governo Federal em reverter o padrão de desigualdade entre
homens e mulheres em nosso País.
Em 2006, ressaltamos uma grande conquista relacionada ao enfretamento da
violência doméstica contra as mulheres, foi aprovada a Lei Maria da Penha, como
instrumento para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Atualmente, dentre as inúmeras conquistas das mulheres destacamos a
eleição de uma mulher Dilma Rousseff, como Presidente da República. Contudo,
ressaltamos que as lutas e conquistas das mulheres ainda são de ordem prioritária.
As jornadas de trabalho continuam extensas, tanto no trabalho como no âmbito
doméstico. Seus salários ainda são mais baixos em relação ao dos homens. As
mulheres ainda são discriminadas socialmente.
2.2. GÊNERO E PATRIARCADO: AS RELAÇÕES DE PODER EM QUESTÃO
Conforme pontuado anteriormente, o conceito de gênero emerge a partir da
década de 1970, através das estudiosas feministas. No Brasil, foi no fim dos anos
1980 que se iniciou a primazia dos estudos de gênero. No entanto, segundo Sartiori
(2001), foi a partir da publicação do artigo de Joan Scott, em 1987, intitulado
“Gênero: uma categoria útil de análise histórica” que, no contexto brasileiro, iniciou
se a utilização dessa categoria como instrumento de análise das relações sociais
entre homens e mulheres.
21
Nas décadas de 1960 e 1970, já relatados anteriormente, as feministas
passaram a lutar por conquistas relacionadas à identidade feminina, como o direito
ao corpo e à liberdade sexual. Machado (2001) possibilita um melhor entendimento
da história do movimento feminista até o surgimento do conceito de gênero.
Segundo a autora, há três gerações de feministas: a primeira propunha a igualdade
de direitos entre homens e mulheres, pautada no paradigma da razão iluminista. A
segunda, pós1968, a qual eram defendidos as diferenças radicais entre a
identidade feminina e masculina e, a terceira geração considerouse o desejo de ser
mãe, buscando conciliar o tempo maternal com as questões políticas e históricas.
(MACHADO, 2001).O conceito de gênero é, portanto, formulado a partir das diferenças biológicas, entre mulheres e homens para explicitar que o sexo
estabelece culturalmente comportamentos específicos para homens e mulheres.
Scott (1991), vai definir que gênero vem a ser um elemento constitutivo de
relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, sendo
assim uma construção social e histórica dos sexos.Scott (1991) referese a um
sistema de relações de poder baseadas num conjunto de qualidades, papéis,
identidades e comportamentos opostos e hierarquizados atribuídos a mulheres e
homens. Tais relações constituem as identidades de homens e mulheres na
sociedade, a partir das relações de poder estabelecido entre mulheres e homens,
mulheres e mulheres, homens e homens.
Scott define:
O gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder, ou seja, gênero é um primeiro campo no seio da qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. O gênero, portanto não é o único campo, mas ele parece ter constituído em meio persistente e recorrente de dar eficácia à significação do poder em relação à identidade de gênero (SCOTT, 1991, pág.16).
Neste sentido, a compreensão de gênero é entendida como resultado das
práticas de homens e mulheres, de construções sociais sobre feminino e masculino
a partir das diferenças biológicas. Essas relações se dão em um contexto social e
22
histórico concreto. Portanto, gênero é um meio de decodificar o sentido e de
compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana.
Para Scott (1991), a definição de gênero envolve ainda quatro elementos que
podem operar em conjunto:
1. Símbolos que evocam múltiplas representações (por exemplo, Eva e Maria,
inocência e corrupção, virtude e desonra). Eles devem ser pesquisados em
suas modalidades e nos contextos específicos;
2. Conceitos normativos que evidenciam as interpretações e os significados dos
símbolos (doutrinas religiosas, regras sociais, cientificas, políticas), e que
remetem as afirmações dominantes dependentes da rejeição ou repressão de
possibilidades alternativas. Aqui o desafio das pesquisas seria revelar a
permanência eterna na representação binária e hierárquica de gênero;
3. Os sistemas de organização social, como as instituições, noções e
referências que devem ser incluídas nas análises, pois gênero é construído
tanto nos sistemas de parentesco quanto à política econômica.
4. Identidade subjetiva, em que o pesquisador pode examinar os modos pelos
quais as identidades de gênero são constituídas relacionandose a atividades
educacionais, políticas, familiares, as organizações e representações sociais.
Enfim, Scott (1991) propõe observar os efeitos do gênero nas relações sociais
de maneira sistemática e concreta, conseqüentemente, podemos pensar nas
seguintes questões: como as instituições incorporaram as relações de gênero?
Quais são os efeitos sociais entre Estado totalitário e a masculinidade, os regimes
autoritários e controle da sexualidade feminina?
23
O conceito de relações de gênero nos trouxe várias contribuições. Podemos
afirmar que as identidades e papéis masculinos e femininos não são um fato
biológico, mas algo construído historicamente e que, portanto, podem ser
modificados.
As relações de poder hierárquicas dos homens sobre as mulheres são umas
das primeiras relações sociais. È a partir destas, que começamos a apreender o
mundo, e reproduzindo, portanto o conjunto da sociedade e das instituições.
Segundo (Nobre, 1997), estas relações se modificam e implicam uma nova
correlação de forças, construída pela autoorganização das mulheres e, mas
favoráveis a elas.
Saffioti (2004) adverte que “não basta que um dos gêneros conheça e pratique
as atribuições que lhe são conferidas pela sociedade; é imprescindível que cada
gênero conheça as responsabilidades direitas do outro gênero”. É necessário o
diálogo entre as partes, porque além de serem socialmente construídos, também
são definidos historicamente. Neste aspecto é necessário dar conta do caráter
dialético das relações sociais que definem gênero.
Historicamente, a teoria do patriarcado indica que as mulheres foram
subordinadas aos homens. Saffioti (2004) considera que o patriarcado é um caso
específico das relações de gênero, assim a ordem patriarcal de gênero ressalta a
dominação e exploração das mulheres pelos homens, configurando a opressão
feminina. A autora relata ainda que no interior das relações dominação exploração
da mulher, os dois pólos da relação possuem poder, mas de maneira desigual.
Podemos destacar a fala de uma das entrevistadas que fala das relações de poder
entre homens e mulheres:
“(...) eu trabalho fora para não depender do meu marido... quero ter independência financeira, pois com isso eu ganho um grande aprendizado... não quero saber de rotina de casa” (Rosa).
A pequena parcela de poder que cabe ao sexo feminino, dentro de uma
relação de subordinação, permite que as mulheres questionem a supremacia
24
masculina e encontrem formas de resistência. Os principais elementos da
dominação masculina tem sido o controle da sexualidade feminina; a conservação
da ordem hierárquica materializando a autoridade do masculino sobre o feminino.
Ainda a respeito do patriarcado, Saffioti (2004) acredita que o sistema patriarcal
e sua ideologia é imposta pela sociedade e pelo Estado. Para a autora o poder é
exercido pela figura do homem, branco e heterossexual. A estudiosa ressalta que a
sociedade é perpassada não apenas por discriminações de gênero, como também
de raça, etnia, classe social e orientação sexual. Saffioti (2004) acrescenta que a
grande contradição da sociedade atual é composta pelo nó “patriarcado, racismo e
capitalismo” vigente.
Neste sentido, a categoria gênero é importante por compreender as relações
complexas entre diversas formas de interação entre homens e mulheres, ou seja, a
reciprocidade de gênero está imbricada dentro de contextos específicos,
ultrapassando assim a perspectiva biológica que naturaliza as diferenças e as
desigualdades entre os gêneros. Ressaltamos ainda que, análise da categoria
perpassa a ciência humana e social pelas feministas da academia; referindose a
construção social do sexo biológico, a partir das diferenças percebidas entre os
sexos.
2.3. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: BASE MATERIAL DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO
Apesar dos grandes desafios enfrentados hoje, as mulheres têm tido um
grande avanço no mercado de trabalho. O crescimento na ocupação e no
reconhecimento quanto identidade, está acompanhada na evolução da economia.
As mesmas estão inseridas na sociedade como trabalhadoras, produtoras,
reprodutoras da força de trabalho através da realização das tarefas domésticas e
familiares. Mas a tecnologia uma revolução do trabalho, uma vez que se encontra no
25
amplo leque de indivíduos (homens e mulheres) que competem a classe
trabalhadora, sendo estes sujeitos coletivos capazes de impulsionar ações dotadas
de um sentido emancipador.
É válido lembrar que nas últimas décadas, as transformações acontecidas no
mundo do trabalho, devidos ao processo de reestruturação produtiva têm afetado o
trabalho e logo, a própria classe trabalhadora.
Primeiramente, compreendemos a categoria trabalho a partir do pressuposto
marxista, de que o trabalho é central na vida das mulheres e dos homens. Neste
contexto, seria do próprio trabalho que os seres humanos, mediante a concepção
ontológica, como um ser natural, têm suas necessidades básicas materiais,
satisfeitas e se conhecerem como classe.
A esfera da produção ou o trabalho tem sua centralidade expressiva na vida
dos seres humanos, pois é a partir desta que nos tornamos seres sociais. Para
Lukács (1981), o trabalho sinaliza a passagem do ser biológico ao ser social, logo, o
ser social é resultado da própria práxis do ser humano.
Lukács, (1981), afirma que a consciência do homem tem sua origem “no
trabalho, para o trabalho e mediante o trabalho”. E, por isso, tem em si a
“possibilidade da própria “autorreprodução”. Apesar da esfera da produção ser
indispensável para que o ser humano se torne social, para o autor, o ser biológico
continua sendo a base para a reprodução do ser humano, porque mesmo sendo
constantemente modificada na relação com outros seres humanos, não significa que
é possível eliminar a base da reprodução humana.
Lukács ainda afirma que:A compreensão ontológica da reprodução social deve ser entendida, por um lado, tendo em conta que os homens e as mulheres têm um fundamento ineliminável: sua constituição física e sua reprodução biológica, e por outro lado, a reprodução se desenvolve em um ambiente cuja base é certamente a natureza, a qual é sempre cada vez mais modificada pelo trabalho, pela atividade dos seres humanos (LUKÀCS, 1990, Pág. 57).
26
Este é resultado da atividade dos homens no mundo, movidos por
necessidades objetivas. O trabalho exige daquele que o realiza certo domínio das
causalidades postas e dadas pelo real, que representa certo grau de conhecimento
das condições objetivas da natureza. Ao agir sobre o mundo, os homens vão
conhecendo, transformandoo e, ao mesmo tempo, transformandose.
Segundo os estudos marxistas, o trabalho se dar através da relação entre o
homem e a natureza, em que este, através de uma projeção teleológica – constrói
idealmente o produto desejado.
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural [...] a fim de apropriarse da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificála, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 1983, pág. 149)
O homem é o único animal capaz de se realizar através do trabalho, uma vez
que possui a capacidade teleológica de pensar antes da realização do trabalho,
podendo assim planejálo. Este cria as próprias condições para sua reprodução
como ser social na sociedade, deixando que a consciência humana se adapte ao
meio ambiente e configure como sendo uma atividade autogovernada, ou seja,
agindo de acordo com as necessidades que são postas. Assim, é através do
trabalho que as necessidades humanas são supridas e, passam a surgir novas
necessidades, o que demanda um aperfeiçoamento e transformação do trabalho
humano e da sua capacidade de criar e evoluir. A transformação da natureza, isto é, o trabalho, de acordo com Marx (1983) se
realiza através de processos de trabalho que possui em componentes fundamentais
o seu potencial emancipador, para a construção do ser social, sendo o trabalho
fundamental para na vida humana.
Marx (1983), como crítico do sistema capitalista, afirma que os principais
embasamentos desta sociedade são pautados na apropriação privada e a
expropriação dos meios de produção do trabalhador.
27
Conforme o autor:
O capital operou a separação entre trabalhadores e meios de produção, entre o caracol e sua concha, aprofundandose a separação entre a produção voltada para o atendimento das necessidades humanosociais e as necessidades de autoreprodução do capital (MARX, 1983, pág. 411).
No tocante a presença das mulheres no mercado de trabalho, Simone Beauvoir
(1949) ressalta que “se o mínimo necessário não é superior às capacidades da
mulher, ela tornase igual ao homem no trabalho”, ou seja, não é argumento da força
física que vai determinar a permanência da mulher no mercado de trabalho e, sim
sua capacidade de desenvolver o trabalho tanto quanto um homem.
Na fala de uma das entrevistadas, o trabalho tem um lugar central em sua vida, dada
sua possibilidade de autonomia, a partir do salário advindo do trabalho:
“O trabalho para mim é tudo... hoje eu não me vejo sem trabalhar... não sei ficar em casa sem trabalhar... tenho minha independência, não preciso de ninguém para me dá as coisas que eu quero... quando eu quero vou lá e compro com meu dinheiro... (BRANCA).
A igualdade entre homens e mulheres, só poderá ser restabelecida quando os
dois sexos tiverem direitos iguais, mas essa libertação exige a entrada do sexo
feminino na atividade pública:
“A mulher só se emancipará quando puder participar em grande medida social na produção, e não for mais solicitada pelo trabalho doméstico senão numa medida insignificante. E isso só se tornou possível na grande indústria moderna, que não somente admite o trabalho da mulher em grande escala como ainda o exige formalmente...”. (BEAUVOIR, 1949, Pág. 75).
Sendo assim, a discussão a respeito do papel atual das mulheres,
comparativamente aos homens não se restringe à esfera do mercado de trabalho.
Homens e mulheres formam dois grupos sociais a partir de uma relação social
específica: as relações sociais de sexo. Estas como todas as relações sociais, têm
uma base material, no caso o trabalho, e se exprimem através da divisão social do
trabalho entre os sexos chamado: divisão sexual do trabalho.
28
A divisão sexual do trabalho não é vista como resultado de um “destino
biológico”, mas de construções sociais, nas relações humanas. A autora insiste que
“homens e mulheres são mais que uma coleção de indivíduos biologicamente
distintos. Eles formam grupos sociais que estão engajados em uma relação social
específica: as relações sociais de sexo” (KERGOAT, 2003).
A divisão sexual do trabalho estabelece assimetria, hierarquia e valor
diferenciados sobre os trabalhos masculinos e femininos. Estudo de Kergoat (2003)
e Hirata (2002) relatam que as mulheres reproduzem os papéis e padrões
determinados como masculinos e femininos e são colocadas numa situação de
desigualdade no trabalho. Ainda que, em alguns casos, se efetive a invalidação do
“teto de vidro” e, muitas mulheres ultrapassaram essas barreiras.
A divisão sexual do trabalho assume formas conjunturais e históricas e é
estabelecida como prática social, ora conservando tradições que ordenam tarefas
masculinas e tarefas femininas no espaço de trabalho, ora criando modalidades da
divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas relações de
trabalho masculinas e femininas é demonstrada não apenas na divisão de tarefas,
mas nos critérios que determinam a qualificação das tarefas, nos salários, na
disciplina do trabalho. A divisão sexual do trabalho não é tão somente uma
decorrência da distribuição do trabalho por ramos ou setores de atividade, senão
também o princípio organizador da desigualdade no trabalho (LOBO, 1991).
A divisão sexual do trabalho não cria a subordinação e a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho, mas recria uma subordinação que existe também nas outras esferas do social. Portanto a divisão sexual do trabalho está inserida na divisão sexual da sociedade com uma evidente articulação entre trabalho de produção e reprodução. E a explicação pelo biológico legitima esta articulação. O mundo da casa, o mundo privado é seu lugar por excelência na sociedade e a entrada na esfera pública, seja através do trabalho ou de outro tipo de prática social e política, será marcada por este conjunto de representações do feminino (OLIVEIRA, 1998, Pág. 252).
Portanto na visão de algumas autoras, gênero, classe e raça são categorias
coextensivas no dizer de Kergoat, e um nó, no dizer de Saffioti. Essas duas
29
preposições se referem a gênero e à divisão sexual do trabalho. A divisão sexual do
trabalho, como base material do sistema de sexogênero concretiza e dá
legitimidade às ideologias, representações e imagens de gênero. Estas por sua vez
fazem o mesmo movimento em relação às práticas cotidianas que segregam as
mulheres nas esferas reprodutivas e produtivas, num eterno processo de mediação.
(CARLOTO, 2002).
Segundo Hirata (2002), o trabalho reprodutivo é aquele voltado para a
reprodução dos seres humanos e da força de trabalho, o que inclui as tarefas
domésticas e os cuidados com as crianças e os/as doentes, sendo todas estas
atividades conferidas às mulheres. Já o trabalho na esfera produtiva é aquele
indispensável para a produção da vida material, ou seja, trazem bens de consumo e
serviço, realizado no espaço público, sendo atribuído aos homens.
O termo “divisão sexual do trabalho” aplicase na França, a duas acepções de
conteúdos distintos. Tratase, de um lado, de uma acepção sociográfica: estudase a
distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e
nas profissões, e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; e se
analisa como ela se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos
(KERGOAT, 2003).
A forma atual da divisão sexual do trabalho acontece simultaneamente ao
desenvolvimento do capitalismo. Portanto, o trabalho assalariado como sendo
trabalho produtivo, não teria se fundado sem a existência do trabalho doméstico,
dado como trabalho reprodutivo. A divisão sexual do trabalho nos mostra que essas
desigualdades são sistemáticas e que se articulam através de uma reflexão sobre os
processos mediante os quais a sociedade diferencia para hierarquizar as atividades.
A divisão sexual do trabalho, conforme Hirata (2002) é estabelecido sob dois
princípios: o da separação, em que existem trabalhos de mulheres e trabalhos de
homens, e, incluso nesta separação, às mulheres estão destinadas ao trabalho
doméstico. O outro é o principio da hierarquização em que os trabalhos dos homens
têm mais valor social do que o das mulheres.
30
A hierarquia social do masculino e do feminino estabelece a inferioridade e a subordinação quanto à classe, e essa modalidade esta longe de ser esgotar no mercado de trabalho. As fronteiras do feminino e do masculino se deslocam... Trazendo novos contornos da divisão sexual do trabalho apoiando na hierarquia social sobre o masculino e feminino na sociedade (HIRATA, 2002, pág.25).
No debate da divisão sexual do trabalho, as relações hierárquicas entre homens
e mulheres estabelecem um dos mecanismos para a sustentação da subordinação
da mulher, impondo ambos lugares distintos e desiguais no mercado de trabalho,
expandindose para outros setores da vida social. A isto se sobrepõe uma
diminuição dos custos com a reprodução da força de trabalho. Esta divisão,
portanto, baseiase nas relações de gênero dominantes. Neste sentido, o tema da
divisão sexual do trabalho parece expressivo nas análises das relações de trabalho
e repercute no cotidiano das vidas dos trabalhadores/as.
Segundo Hirata;As conseqüências dessa evolução feminina são múltiplas, mas podese dizer que uma das importantes consiste no fato do modelo de trabalho precário, vulnerável e flexível pode constituir um modelo de trabalho que prefigura um regime por vir de assalariamento masculino e feminino. As mulheres podem ser mais facilmente cobaias de experimentações sociais porque são menos protegidas, tanto pela legislação do trabalho quanto pelas organizações sindicais, e são mais vulneráveis. (HIRATA,2002, pág.25).
As intensas alterações atenuadas pelas políticas neoliberais, haja vista a
globalização da economia e a abertura comercial têm potencializado as
desigualdades de gênero. Mesmo com todas essas alterações, houve um
crescimento importante da mãodeobra feminina no mercado de trabalho.
O relato de uma das entrevistadas reforça que apesar dos conflitos existentes,
as mulheres têm obtido um grande crescimento tanto pessoal quanto profissional ao
adentrarem o mundo do trabalho.
“Apesar de o trabalho ser cansativo, eu me gratifico muito em trabalhar... tive uma grande oportunidade aqui...um grande aprendizado na minha vida
31
profissional.. pois estou concluindo os meus estudos e, quando eu terminar meus estudos eu quero crescimento profissional”( LILÁS).
No sistema de reestruturação produtiva, as mulheres têm tido uma presença massiva na economia informal, ou em trabalhos em domicílio. Além disso, há o
acúmulo de afazeres como a dupla jornada, devido à necessidade de conciliar o
trabalho remunerado com o trabalho doméstico e o cuidado com crianças e com os
maridos. As mulheres recebem os salários mais baixos, apesar do bem como o seu
grau de escolaridade ser mais alto que o dos homens. Podemos citar dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) IBGE, 56,7% das mulheres
tinham nível superior em contraposição a 43,3% homens. Ainda de acordo com o
estudo, outra atividade de trabalho preponderantemente realizada pelas mulheres, e
praticamente invisível na sociedade, é a realização dos afazeres domésticos. Do
total das mulheres ocupadas, 87,9% declaram cuidar dos afazeres e do total dos
homens, 46,1%. O numero médio de horas na semana dedicado a esses afazeres é
de 20,9 para mulheres e de apenas 9,2 para os homens. Com todas essas
dificuldades e avanços, as mulheres ainda procuram oportunidade para ascensão
profissional, qualificação, formação política e profissional.
O poder público tem grande responsabilidade em modificar as desigualdades
sociais de gênero das relações de poder entre os sexos, cabe ao poder público,
através de políticas públicas que incorporem a perspectiva de gênero na sua agenda
política. O mesmo Estado é responsável por políticas que atravessam diretamente o
cotidiano destas mulheres, tais como escolas e creches, que dada a devida
importância, podem possibilitar a liberação do tempo utilizado na vida doméstica
para o desenvolvimento profissional e, conseqüentemente, a qualificação da
presença da mulher no mercado de trabalho.
Contudo, podemos dizer que a conquista da autonomia econômica através das
políticas de geração de renda, precisa ser rediscutida, a fim de que se incorporem os
elementos essenciais que pertencem atualmente ao debate acerca das relações de
gênero, e em especial divisão sexual do trabalho, enquanto categoria essencial para
32
a compreensão da organização das práticas sociais na sociedade, bem como os
aspectos fundante que invisibilizaram a ascensão feminina no processo de
construção da história.
As compreensões destes fatores possuem categorias próprias, não deixando
de estar imbricados na relação social, permitindo às políticas sociais a inclusão da
discussão da questão de gênero, de modo, que fortaleça o compromisso com a
desconstrução das práticas sociais, que, historicamente, invisibilizaram o trabalho da
mulher, podendo, neste sentido, avançar para além da reprodução de ações e
discursos que ainda persistem na focalização na mulher, sem considerála como
sujeito de direito.
Assim, a luta entre diferenças entre homens e mulheres não são um processo
natural, elas são socialmente construídas pela sociedade, sendo um produto
histórico, variável no tempo e no espaço. Deste modo é necessária e urgente a
reorganização da divisão do trabalho, de forma a proporcionar um maior
compartilhamento das atividades, bem como a construção de políticas públicas que
possibilitem às mulheres as mesmas oportunidades de trabalho existentes aos
homens, a fim de se construir mais horizontes entre os gêneros que possam ser
reproduzidas e mantidas no âmbito do privado e do público.
33
CAPITULO 3: AS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: O QUE OS SUJEITOS PENSAM?
3.1. AS ATUAIS CONFIGURAÇÕES DE FAMÍLIAS
Atualmente, as mudanças nos estudos sobre família resultam das
transformações vivenciadas pelas famílias na realidade. Tais mudanças são
decorrentes de inúmeros fatores, dentre eles, destacase: o ingresso maciço das
mulheres no mercado de trabalho, apontando para evidências de que os modelos de
conciliação entre trabalho pago e vida familiar baseados na clássica dupla "homem
provedor" e "mulher cuidadora" vêm sendo alterados.
As mulheres permanecem como as principais "cuidadoras", mas o trânsito
entre o espaço doméstico e o mundo público se constitui um dado contemporâneo,
em que os homens também vêm dividindo tarefas, mesmo que lentamente. Osterne
(2004) esclarece que a família é um princípio de construção da realidade incorporada pelos próprios indivíduos, partindo de algo imposto pelo coletivo e
socialmente construído. No caso do Brasil, um aspecto que merece destaque
particular é o que se refere ao tamanho e à composição das famílias (BERQUÓ,
2002). A intensificação do ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a partir da
década de 1970, contribuiu para essa uma mudança substancial nos arranjos
familiares no país.
Historicamente o termo família é derivado do latim famulus, originado na Roma
Antiga, que quer dizer “escravo doméstico”, ou seja, era designado somente para o
grupo de escravos pertencentes a um mesmo homem, a qual esta relação estava
imbricada com os trabalhos na agricultura. O patriarca desta composição familiar
tinha grande poder sobre todos os membros e detinha os direitos de vida e morte
sobre eles (ENGELS, 1997).
Na contemporaneidade, porém, a família, portanto, é uma sociedade instituída
de elementos que cultivam laços afetivos entre seus membros, como: pai, mãe,
34
filhos, os quais por fazerem parte desta sociedade compartilham do mesmo espaço,
cultura, valores éticos, que norteiam a trajetória desta sociedade.
“Família para mim é tudo. É tudo que eu tenho sem ela não vivo... são meus filhos, meu marido, minha mãe e meu pai, Meu sentimento de família é muito forte, eu valorizo muito isso... acho que sem a família é impossível. O vazio é enorme” (Lilás)
“Família para mim é tudo, é meu refúgio, minha proteção... minha família é tudo sem ela eu não vivo... eu não poderia ter família melhor que a minha sou realizada pela que eu tenho claro que todas têm alguns desentendimentos, mas a minha é ótima... não preciso de outra”. (Marfim)
Percebemos na fala de uma das entrevistadas, que essas mulheres dão um
grande significado à família, como sendo um lugar de acolhimento, de amparo,
chegando a atribuir à família o sentido de sua vida.
Os estudos da família brasileira estão vinculados a dois posicionamentos
conceituais específicos: o primeiro projetase a partir do modelo de família patriarcal
como sendo um modelo histórico da família brasileira; e o segundo, está vinculado
no modelo revisto.
Neste primeiro momento, a família patriarcal foi tomada como 'civilizadora', o
modelo hegemônico, conferindo a seus membros a preservação de uma ordem
social. Entretanto, havia outras organizações familiares possíveis, “apêndices” e
complementos daquela estrutura patriarcal. A ideia de constituição da família
patriarcal acabou influenciando também, a compreensão de formação da sociedade
brasileira e marcou todo um período de produção intelectual acerca do tema.
O segundo momento é marcado pela percepção de que o poder absoluto da
família patriarcal encobriu outras formas de organizações familiares que se
organizaram por todo o território nacional e refletiam as possibilidades de
sobrevivência de uma população numerosa numa sociedade desigual. Ainda que a
família patriarcal tenha existido e sido extremamente importante, é preciso sempre
lembrar que ela certamente não existiu sozinha, nem comandou do alto da varanda
35
da casa grande o processo total de formação da sociedade brasileira, nem
tampouco era uma parcela significativa no todo populacional.
A família patriarcal era, logo, a espinha dorsal da sociedade e exercia os
papéis de procriação, administração econômica e direção política. Na casagrande,
coração e cérebro das prestigiosas fazendas, nasciam os numerosos filhos e netos
do patriarca, traçavamse os destinos da fazenda e educavamse os futuros
dirigentes do país. A unidade da família devia ser resguardada a todo custo, e, por
isso, eram comuns os casamentos entre parentes. A fortuna do clã e suas
propriedades se mantinham assim indivisíveis sob a chefia do patriarca. (FREYRE,
1943). Percebemos assim, que predominava na família patriarcal, a dominação
masculina do homem por excelência.
A estrutura doméstica patriarcal era caracterizada pela primazia do núcleo
conjugal e predominância da autoridade masculina, vista na figura do chefe,
“coronel”. Esse modelo também apresentava a imposição seguida de rigidez e
hierarquização ao determinar os papéis dos membros da família e, principalmente, o
controle da sexualidade feminina.
Mesmo não sendo o único modelo de organização de família da época, a
família patriarcal era nada mais do que uma forma dominante de constituição social
e política, esta teve uma grande influência histórica no ordenamento social e, é
considerada por Freyre como o órgão de formação social brasileira.
A família não o individua, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador do Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindose na aristocracia colonial mais poderosa de América. (FREYRE, 1943, Pág.18)
Com o advento da industrialização no Brasil, ocorreram grandes modificações
no status atribuído à família. O capitalismo industrial proporcionou duas mudanças
cruciais nessa instituição, sendo a primeira, a união da família para vencer as
controvérsias da luta pela vida, a segunda transformação foi enfraquecimento como
36
grupo extenso, não tendo condições de subsistir perante o ambiente de
proletarização.
A divisão social de classes e de trabalho advinda da sociedade industrial
provocou uma segregação entre casa e local de trabalho, fazendo com que
houvesse grandes alterações na família, a exemplo das mudanças nos papéis
sociais dos membros da família e o favorecimento de uma nova estrutura familiar
menor e mais intimista. Freyre (1943) que diz a divisão sexual de trabalho e
proveniente do trabalho de campo, quase todos entregues as mulheres, como o de
dentro de casa, também principalmente feminino... às mulheres, porém na época,
trabalhavam mais que os homens”
Deste modo, o modelo de família nuclear burguesa, ou seja, aquela formada
por pai, mãe e filhos, adquire centralidade no século XVIII, na Europa ocidental. No
Brasil, esse modelo de família após a chegada da Corte portuguesa, o que trouxe
consigo novas exigências à sociedade brasileira.
As transformações da família se deram a partir da chegada da Corte
Portuguesa ao Rio de Janeiro. Com o início de uma vida social na Colônia, acelera
se o processo de urbanização, a população aumenta consideravelmente, novos
valores e elemento cultural modernizadores pautados no modo de vida europeu são
introduzidos na sociedade, estabelecendo uma nova ordem social e política.
(PEIXOTO, 2010).
De acordo com Osterne (2004), essa família é interiorizada socialmente como
natural. Esse modelo de família teria sido instalado, primeiramente junto à
burguesia, antes de ser estendido para todas as demais classes sociais,
caracterizandose pela autoridade restrita aos pais, sendo centrada na criança no lar
e no patrimônio.
A autora relata que:
Com o aparecimento da escola, da privacidade do lar, da ênfase na igualdade entre os filhos, da manutenção das crianças, junto aos pais no núcleo conjugal, do sentimento de família em íntima relação com o sentimento de classe, valorizado pelas instituições, sobretudo pela igreja,
37
iniciase o que se convencionou chamar: família nuclear burguesa. (OSTERNE, 2004, pág. 35)
De fato, diante do cenário da época, o sentido de ruptura que muitas dessas
mudanças adquirem é maior na vida mulheres. Isso, contudo, não define a natureza
das relações como menos conflitantes. Os espaços familiares são lugares onde
circulam e são geridos bens materiais e simbólicos que nem sempre são passíveis
de consensos entre seus pares. Não só a individuação abre espaços para maiores
demandas pessoais, como também as condições de uso e de acesso aos recursos
tendem a ser objeto de conflitos (SCALON, 2006).
Em contrapartida, as relações intrafamiliares não são apenas derivadas dos
sentidos subjetivos conferidos por seus membros ou ainda pela dinâmica interna ao
ambiente doméstico. Elas são mediadas também por aspectos exógenos,
decorrentes dos modos de organização da vida pública e dos lugares em que os
indivíduos ocupam e disputam nessas esferas. As dinâmicas organizacionais e o
acesso a determinados tipos de recursos têm impacto sobre a vida familiar e
conjugal, tanto quanto estas influenciam as disposições e as chances dos indivíduos
na vida pública.
As configurações do grupo familiar hoje se apresentam em função da
necessidade de conviver em um grupo. Sendo a família o primeiro grupo que
referência e de proteção e a socialização dos indivíduos, independente das múltiplas
configurações e representações que a família contemporânea apresente. A mesma
se estabelece num caminho de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações
sociais aos membros inseridos. No relato de uma das entrevistadas percebemos a
importância do “compartilhar”, da divisão do trabalho na família.
[...] é claro que a gente tem que trabalhar e compartilhar com o marido pra ter uma renda, porque a gente precisa criar os filhos, a gente precisa ajudar em casa, porque hoje em dia é difícil uma casa em que só o homem trabalha, hoje em dia não existe mais isso, a mulher também tem que ajudar na renda de casa. (Branca)
38
No entanto, a partir desse relato, fica evidente que o sentido financeiro que a
entrevistada dar a seu trabalho, ou seja, que a renda provinda de seu trabalho está
associada a uma “ajuda” na renda familiar e, o principal provedor permanece sendo
o marido, dentro de um regime de complementação e hierarquização do trabalho
entre homens e mulheres. Desta forma, podemos indagar conforme escrito por
Almeida (2007) que a renda da mulher ainda é tida como “complementar”, mesmo
quando esta é a única fonte de renda da família.
A tarefa de transferência de valores e padrões de comportamento servirá de
subsídios orientadores no desenvolvimento de novos grupos sociais, e é na família
que provêm valores de autoridade, obediência e respeito em relação na inserção de
seus membros na sociedade.
“Nesse processo de construção, a família pode se constituir no decorrer de sua vida ou em alguns momentos de sua vida, tanto num espaço de felicidade como num espaço de infelicidade. Tanto num espaço de desenvolvimento para si e para seus membros, como num espaço de limitações e sofrimentos ”(MIOTO, 1997, pág. 119).
Em linhas gerais podemos afirmar que houve diminuição no tamanho e
diversificação nos arranjos familiares – hoje é grande o número de famílias
monoparentais, reconstituídas, concomitante à clássica nuclear. Há também um
aumento do número de mulheres chefes de família juntamente com o ingresso
constante das mulheres no mercado de trabalho, conforme descrito anteriormente.
Isso faz com que as mulheres, em muitos casos, dividam as responsabilidades de
manutenção da família, provocando uma revisão de comportamentos entre os
sexos. Diniz (1999) revela que:
...Nas últimas duas décadas, analisar as famílias, no Brasil, significa debater sobre um processo que tem comportado profundas modificações. Dentre os quais podem ser destacados: “(...) queda no tamanho médio das famílias; redução da taxa de fecundidade; ingresso maciço de mulheres no mercado de trabalho, movimento que não corresponde necessariamente à conquista de igualdade de condições entre homens e mulheres trabalhadores (as)” (MORGADO, 2004, pág. 9).
39
A família é, portanto, uma instituição social que garante a participação efetiva
e a identificação de seus membros com o seu grupo social, pois é nela que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. É onde se forma a nossa
primeira identidade social, sendo a família a mediadora entre o indivíduo e a
sociedade.“Esta ideologia foi fortalecida, por um lado, pela ligação direta que faz entre os fatos naturais (sexo, nascimento, morte) e a família e, por outro, pela importância que a experiência afetiva familiar passou a ter na vida das pessoas, no contexto de uma sociedade industrial cada vez mais desumanizada” (MIOTO, 1997, pág.117).
Com as alterações no mundo do trabalho, com o aumento número de
desempregos e de trabalhos precários, as mulheres, muitas vezes, acabam
assumindo a responsabilidade financeira da família. Esse fato, de certo modo, abala
a autoridade masculina, uma vez que a chefia da família se desloca do papel
historicamente atribuído aos homens, como provedor.
Sarti (2004) questiona a ideia da família se constituir como núcleo, sobretudo,
nas populações em situação de pobreza. Afirma que as famílias pobres se
estabelecem em rede familiar, que ultrapassa os limites da casa. As mulheres chefes
de família, ao terem de trabalhar, transferem responsabilidades dos filhos para tia,
avó, vizinha, etc. Há uma coletivização dos cuidados pelas crianças, em que se
estabelece uma lógica de obrigações morais entre as próprias mulheres. Os laços
consangüíneos já não são tão importantes, as relações com os parentes levam em
consideração a capacidade de oferecer algo a si mesmo ou a outrem, receber,
retribuir e confiar. Para a autora, entre os pobres a família é como rede de
sociabilidade e ajuda mútua. A família é uma referência que organiza e ordena sua
percepção do mundo social, dentro e fora do mundo familiar. (SARTI, 1997).
A família não é apenas o elo afetivo mais forte dos pobres, o núcleo da sua sobrevivência material e espiritual, o instrumento através do qual viabilizam seu modo de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social. Em poucas palavras, a família é uma questão ontológica para os pobres. Sua importância não é funcional, seu valor não é meramente instrumental, mas
40
se refere à sua identidade de ser social e constitui o parâmetro simbólico que estrutura sua explicação no mundo. ( SARTI, 1997, pág. 33).
A família para os pobres associase aqueles em quem se pode confiar. Como
não há status ou poder a ser transmitido, o que define a extensão da família entre os
pobres é a rede de obrigações que se estabelece: são da família aqueles com quem
se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dão aqueles,
portanto para com quem se têm obrigações. São essas redes de obrigações que
delimitam os vínculos, fazendo com que as relações de afeto se desenvolvam dentro
da dinâmica das relações descritas neste capítulo. (SARTI, 2008).
A modernização trouxe mudanças nos estilos de vida de homens e mulheres,
especialmente na fase de desenvolvimento pósindustrial, gerando, também,
transformações inevitáveis em termos de valores culturais. Tais valores operam
como impulsionadores decisivos de diferenças de gênero, assim como geracionais
na sociedade, de mudanças de acordo com os diferentes níveis de desenvolvimento
social, político e econômico.
Atualmente, a família vem adquirindo uma centralidade nas políticas sociais.
Entretanto, a maior parte dessas políticas está diretamente vinculada aos programas
de transferência de renda, sendo as mulheres as principais responsáveis familiares
pelo desempenho dessas políticas no âmbito da família, o que acarreta um acúmulo
de trabalho para as mulheres. Como afirma Faleiros:
“No Brasil, a maioria das medidas de intervenção estatal realizam uma transferência de recursos, dos mais pobres aos mais ricos. É verdade que as medidas de assistência realizam certa redistribuição de renda, mas limitadas sempre a um nível mínimo, a uma clientela restrita e com um controle rígido. As lutas pelas igualdades de acesso, pela eqüidade alcançam resultado parcial, já que as condições gerais de produção de desigualdade são mantidas” (FALEIROS, 2000, pág.69).
Nesse sentido, é notório que devido ao avanço tecnológico e a ampliação das
indústrias e dos serviços, o mercado de trabalho, está cada vez mais exigente,
buscando mão de obra qualificada e especializada. Desta forma, o mercado de
41
trabalho tornase mais excludente, sendo os pobres os mais atingidos por essas
exigências. Assim, é indispensável a criação de programas mais amplos, de atenção
aos membros das famílias que possibilitem continuamente o seu acesso, por
exemplo, à profissionalização e a inserção no mercado de trabalho.
“É fundamental, portanto, a criação de serviços amplos de atenção familiar que se caracterizem como um ‘continuum’ ao longo do clico vital, enfatizando aspectos preventivos e promocionais. São oportunidades de crescimento que precisam ser trabalhadas para a conquista da maturidade afetiva, social, intelectual, moral e espiritual” (OLIVEIRA, 1997, pág.36).
É muito comum o homem ou a mulher atribuírem à família suas frustrações
que são adquiridas fora do lar como: advindas do trabalho, meios de transporte,
baixos salários, violência urbana, entre outras. Esses são aspectos resultantes da
falta de uma política públicas sociais que afirme legitimidade os seus direitos, como
cidadã. Diante desse contexto, percebemos hoje que muitas famílias brasileiras
enfrentam numerosos problemas. São conflitos de várias ordens e diversos graus de
complexidade, ocasionados por uma situação de agravamento das suas condições
de sobrevivência e existência na sociedade atual.
No próximo item abordaremos em nossas análises questões referentes às
mulheres trabalhadoras, as quais se concretizam a partir das práticas, valores e
papéis estabelecidos no mercado de trabalho entre homens e mulheres em todos os
espaços de sociabilidade.
3.2. AS CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO NAS FAMÍLIAS DAS MULHERES TRABALHADORAS DA COBREV
Ao discorrermos sobre a categoria família no item anterior, percebemos que a
família tida socialmente como legítima, “normal”, que se interioriza no imaginário da
maioria das pessoas, caracterizase como um conjunto de indivíduos aparentados
que se ligam entre si por alianças, casamentos, filiação, adoção ocasional ou
42
afinidade. É pressuposto comum que esses indivíduos habitem um mesmo teto.
Nessa ótica, a imagem mais instantânea que se tem de uma família é aquela
composta por pai, mãe e filhos vivendo numa mesma casa.
Essa imagem corresponde a um modelo, o tradicional modelo da família
nuclear burguesa. Essa família, considerada natural, uma vez apresentada com a
aparência de ter sempre existido dessa forma, é de fato, uma invenção recente
como Bourdieu (1996). As famílias aparecem não como produto de atos de
construção, mas como entidade estável, constante e resistente no mundo das
coisas.
Assim, o termo família,
Passa de uma ficção nominal a grupo real, cujos membros estão unidos por intensos laços afetivos, é preciso levar em conta todo o trabalho simbólico e prático que tende a transformar a obrigação de amar em disposição amorosa e a dotar cada um dos membros da família de um ‘espírito de família’ gerador de devotamentos, de generosidades (...). As estruturas de parentesco e a família como corpo só podem se perpetuar ao preço de uma criação continuada do sentimento familiar (...). (BOURDIEU, 1996, pág.130).
No decorrer da história, percebemos que a situação das mulheres varia no
tempo e no espaço. As mulheres têm sido agentes ativos na história da humanidade.
No entanto, percebemos as relações de desigualdades que estas mulheres
enfrentam, sobretudo, diante das relações com os homens. A participação feminina
no mercado de trabalho foi fruto dos avanços das lutas feministas. Entretanto, a
maioria das situações vividas pelas mulheres tem sido nos espaços de trabalho,
pautada por salários incompatíveis com suas funções e qualificações, quando
comparados aos salários dos homens, além do desenvolvimento de múltiplos
papéis, decorrente do nível de polivalência exigida pelo mercado, dentre outros.
As mudanças sociais vinculadas aos processos de trabalho alteraram também
o modelo de família patriarcal, que não mais permanecia adequado às novas formas
de reorganização do processo produtivo. De acordo com Oliveira, (2007) “tratase de
uma verdadeira revolução, que tem se processado nos costumes, na sexualidade,
no casamento, afetando de forma marcante o padrão de família”. A partir de então, o
43
antigo modelo patriarcal foi gradativamente se modificando e, as mulheres passaram
a assumir novas funções, não diretamente vinculadas aos cuidados domésticos e
familiares, mas sim atividades fora do âmbito doméstico, liberandoas assim para
mercado de trabalho. Uma das entrevistadas retrata que,
“Trabalho para não depender do meu marido (...) trabalho significa crescimento profissional, deixar de ser donadecasa, independência financeira. Significa amor, gosto do que faço, é liberdade, quero comprar o que quero... não gosto de ficar presa.” (Pink)
O sentimento de autonomia demostrado no relato acima está diretamente
vinculado à presença dessa mulher no mercado de trabalho. É com esse
pensamento que essas mulheres hoje vêm enfrentando muitos obstáculos para
estarem no mercado de trabalho.
A inserção das mulheres no mercado de trabalho se estabeleceu como dito
anteriormente, com o avanço do capitalismo industrial. A partir daí é constituída,
mais definitivamente, a separação entre o mundo da produção e o mundo
doméstico. Dessa forma, as mulheres ao se incluírem no mercado de trabalho,
apesar de ser ainda de modo desigual ao homem, pois continua existindo
preconceito e discriminação passam a conquistar direitos.
Conforme Freitas (2007),
Embora se verifique uma maior valorização de certas carreiras femininas, as mulheres ainda ocupam maior parte dos postos mais instáveis e de remuneração mais baixa, evidenciando a permanência das igualdades das relações sociais entre os sexos. (FREITAS, 2007, pág. 56)
As lutas do feminismo, a partir da década 1960, provocaram mudanças nos
papéis desempenhados pelas mulheres na família e na sociedade, através das
reivindicações pela igualdade entre os gêneros. Destacase a luta pelo acesso das
mulheres ao mercado de trabalho em condições iguais a dos homens.
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No Brasil, as mulheres como sujeitos do feminismo, participaram da luta contra
a ditadura, contra a violação dos direitos humanos e outras práticas de opressão e
dominação, exigindo liberdade e igualdade de direitos. Esses anos foram marcados
pela revolução sexual e cultural.
As mulheres começaram a sair do espaço doméstico para estudar, trabalhar,
estabelecer relações fora do casamento e participar de sindicatos e partidos políticos
dentre outros. Na condição de sujeitos das suas ações, podemos elencar que as
mulheres foram vítimas de preconceitos, acusadas de desviar os “bons costumes” e
responsabilizadas pela ruptura dos padrões da moral vigente. Nessa acepção,
Castells (1999) destaca que essas relações de desigualdades estão vinculadas as
estruturas patriarcais. O autor relata que,
As relações de desigualdades de gênero se sustentam nas estruturas do patriarcalismo que se caracteriza “pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher, que permeia todas as organizações da sociedade, da produção do consumo, à política, à legislação e à cultura. Além desses lugares, o patriarcado expressase também no campo do discurso, da linguagem, da subjetividade e símbolos. Essas manifestações permeiam as relações sociais dentro e fora do espaço doméstico/privado” (CASTELLS, 1999, pág. 169).
Coelho (2006) coloca ainda, que só no início dos anos 1990 as mudanças
ocorridas no trabalho e na modernização da sociedade provocaram uma redefinição
nas identidades masculina e feminina. Essas mudanças e conquistas ocorreram
devido ao trabalho e à modernização da sociedade. Passase nesse período a
haver uma relativa divisão de tarefas domésticas, passando os homens a se
envolverem mais com as tarefas do dia a dia do lar. Há também o aumento da chefia
feminina no âmbito doméstico, assim as mulheres em algumas famílias, assumem o
sustento financeiro parcial ou total da família. Conforme relato de uma das
entrevistadas:
“Trabalho significa pra mim é crescimento profissional, deixar de ser donadecasa, dividir com meu marido as despesas e não ficar só dependendo dele para comprar minhas coisas e do meu filho... Prefiro trabalhar e dividir tudo com meu marido não só o dinheiro, mas também as tarefas de casa e a educação de nossos filhos”. (Lilás)
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Podemos ver que neste relato que o trabalho feminino é uma grande fonte de
gratificação e obtenção de sucesso na sua vida, em que elas passam a ocupar
espaços públicos e de reconhecimento até então negados às mesmas. O fato é que
mesmo com a quebra do isolamento do lar e participação na esfera pública, este
processo de entrada no mercado de trabalho se arrasta até os dias atuais em um
processo de retrocessos e conquistas.
É perceptível na contemporaneidade que, mesmo depois de muitas batalhas,
as mulheres ainda recebem salários proporcionalmente menores que os homens e
dificilmente assumem cargos de chefia.
Apesar de terem adentrado em massa no mundo do trabalho no Último século, as mulheres ainda ganham menos e dificilmente conseguem chegar aos últimos degraus da hierarquia de empresas e de outras instituições publicas. (MOREIRA, 2006, pág.126).
Há os que acreditam que isso é uma conseqüência vinda do acúmulo de tarefas
desempenhadas pelas mulheres para conciliar o trabalho fora de casa e as tarefas
domésticas. Uma das razões para haver tão poucas mulheres em cargos de
comandos nas empresas, em todo o mundo, é a opção de um grande número delas
pela diminuição da carga de trabalho. (Diniz, 2004).
O homem, de modo geral, ainda continua ausente na divisão das tarefas domésticas. Por não ter conquistado a equidade de gênero na esfera privada, ou seja, a participação do masculino nas tarefas da casa, a mulher assume uma carga de trabalho no espaço público semelhante ou mais exaustivo do que a do trabalhador masculino. (DINIZ, 2004, pág. 04).
Este cenário apresenta repercussões positivas para as mulheres. Segundo o
autor a mulher é portadora de uma espécie de licença da sociedade. Enquanto o
homem ainda é cobrado, principalmente pelo sucesso profissional, para as mulheres
isso é uma possibilidade, não uma obrigação. Mesmo porque, infelizmente, ainda há
a ideia de que a identificação com a profissão como fonte de sucesso é algo mais
presente nos homens do que nas mulheres.
46
Contraditoriamente, inúmeras mulheres estão saindo da condição de
coadjuvante no mercado de trabalho e assumindo funções mais estratégicas nas
empresas. Hoje as mulheres têm maior nível de escolaridade, o que possibilita
maiores oportunidades de trabalho. Com tantas conquistas no mercado de trabalho,
ainda observamos no cenário atual uma desigualdade de cargos, funções e salários
com relação aos homens.
“Quando eu terminar meus estudos eu quero crescimento profissional. Eu acho muito importante trabalhar, pois se minha filha ficar doente eu tenho dinheiro não precisa pendurar conta... às vezes nem vejo minha filha quando saio, ela está dormindo e quando chego também esta dormindo, chego tarde da aula e não dá tempo de chegar e pegar ela acordada. É muito ruim, mais na frente, eu vou ter reconhecimento profissional e poder suprir tudo que hoje eu faço pela minha filha e minha família.” (Lilás)
É notório na fala dessa mulher entrevistada que a necessidade de crescimento
profissional, mediante os esforços cotidianos de conciliar trabalho e maternidade.
Entretanto, sua vontade de realização profissional é mais forte, mesmo que para
isso, a mesma fique ausente do convívio com a filha causandolhe, de certo modo,
algum tipo de sofrimento e culpa.
Soares (2003), indaga que as mulheres têm uma função de cuidado da família,
mas são oferecidas oportunidades de ascensão no mercado de trabalho,
possibilitandoas usufruírem das conquistas que esses espaços oferecem a elas, o
que influencia a construção da cidadania.
Sarti (2007) observa uma questão a respeito da proporcionalidade das
responsabilidades dentro do lar. A autora relata que o trabalho para a mulher não é
um problema em si, pois a mesma está acostumada a trabalhar, porém manter o
respeito e a autoridade exercida pelo homem é superar um universo peculiar no seu
contexto.
Segundo Wagner (2005),
A necessidade de analisar e compreender a coexistência dos aspectos modernos e tradicionais nas famílias contemporâneas nos últimos 15 anos
47
revelou um considerável aumento no número de pesquisas sobre a divisão de gênero nessas atividades domésticas. Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos têm constatado que a divisão das tarefas domésticas ainda tende a seguir padrões relativamente tradicionais. Mesmo nas casas onde as mulheres têm um ganho financeiro maior do que os maridos, ou mesmo naquelas onde os maridos estão desempregados, elas realizam uma quantidade muito maior de atividades no trabalho doméstico que eles. (WAGNER, 2005, pág.182).
O autor mostra que apesar das mulheres trabalharem fora, estas mulheres
acabam acumulando funções e responsabilidades antigas com as novas
responsabilidades de sustento do grupo familiar. O estereótipo de gênero, por vezes,
se combina ao estereótipo dos afazeres, sendo algumas consideradas tarefas
predominantemente femininas e outras masculinas. Nessa ótica o trabalho
doméstico exercido pelo homem é visto como uma “ajuda” à mulher e não como
responsabilidade do homem no zelo pela casa.
Desta forma, entendemos que as questões trazidas pelo feminismo como: o
enfrentamento das desigualdades, a autonomia, a relação feminina com público e
privado, o direito ao corpo, democratização das relações de poder entre os sexos,
dupla jornada das mulheres, direitos reprodutivos e sexuais, o enfrentamento da
violência contra a mulher, dentre outras, vêm sendo incluídas numa agenda política
que hoje ultrapassa o próprio movimento de mulheres e no cotidiano, visibilidade,
sobretudo no tocante à autonomia das mulheres como trabalhadora.
Agregamos a partir desta inserção das mulheres ao mercado de trabalho, o
processo de exploração destas no trabalho. As mulheres têm assumido mais um
papel em meio à sociedade: a de trabalhadora assalariada. Contudo, isso não
diminui suas responsabilidades no âmbito da família e da casa. Portanto, determina
uma acumulação de tarefas demandadas socialmente como: a mãe e esposa,
algumas vezes, até em condição de subalternidades ao marido.
Conforme visto, enfatizamos que, atualmente, muitas famílias estejam sendo
“chefiada” por mulheres, porém a lógica patriarcal ainda parece bastante presente
na divisão das tarefas. As mulheres ainda são responsáveis pelo cuidado da casa e
dos filhos, mesmo que cumpra uma longa jornada de trabalho “fora de casa”. Os
resquícios do patriarcado legitimam consagra a dupla jornada de trabalho feminino.
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Essa dupla jornada materializase em suas responsabilidades com os serviços
da casa, cuidados com os filhos e geração de renda. Essa realidade está
configurada no sentido de trabalho percebido pelas mulheres entrevistadas.
Conciliar o tempo de trabalho dentro e fora de casa é condição atual na vida das
mulheres entrevistadas.
Percebemos ainda que o trabalho é uma fonte de reconhecimento social para
elas, mesmo que estejam trabalhando dentro de condições subalternas,
proporcionando uma possibilidade de conquista de espaço na sociedade, uma vez
que se encontram inserida no processo de produção que lhes confere, além de
cidadania antes negada, um resgate do seu próprio desejo de ser reconhecida como
mulher trabalhadora.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora, no século passado, as mulheres tenham presenciado inúmeras
mudanças e conquistas no que se refere à presença destas no mercado de trabalho,
há de ressaltarmos que esse fato não extinguiu a separação entre homens e
mulheres nos processos de desenvolvimento do trabalho, permanecendo ainda uma
divisão sexual do trabalho na sociedade.
Estudar a temática de gênero, com foco nas mulheres é algo encantador. No
início deste trabalho, a nossa pretensão era de resgatar um pouco da história das
mulheres e também a relação referente ao trabalho e à família, na conciliação entre
as duas esferas. No decorrer da pesquisa, após as leituras de textos de autores que
fundamentam a teoria, pudemos ter um cenário mais vasto em torno da análise das
entrevistas realizadas com as mulheres trabalhadoras da COBREV. Percebemos o
quão é importante para suas vidas a permanência no mercado de trabalho, mesmo
que para isso haja certa ausência dos cuidados com a família.
À luz das categorias de gênero e divisão sexual do trabalho, foi possível
analisar que essa relação entre trabalho fora de casa e trabalho doméstico e familiar
expressa às formas de construção social do masculino e do feminino; compreende
que homens e mulheres, apesar da forma desigual, ocupam hoje tanto as esferas
públicas quanto privadas. Cada um exerce papéis sociais legitimados femininos e
masculinos e que, tais papéis não são naturais, portanto podem ser modificados.
A forma das mulheres entrevistadas conciliarem seu trabalho fora de casa com
as responsabilidades essenciais às funções de mãe e/ou esposa é proveniente de
uma tradição a qual ainda se encontra enraizada a ideia do poder patriarcal e do
homem como provedor da família. Reforçamos ainda que as funções exercidas no
âmbito doméstico também são consideradas trabalho, embora não remuneradas,
nem valorizadas pela sociedade.
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Um fato conflitante encontrado nas análises dos resultados foi que, mesmo que
as mulheres entrevistadas estejam conquistando seus espaços no mundo público e
sua autonomia econômica e social, em suas falas ratificam a permanência dos
cuidados da casa e da família, além da atenção ao marido. Isso é visto como algo
naturalizado, o que potencializa a dupla jornada de trabalho.
Este trabalho se encerra privilegiando uma questão que está centrada no
âmbito das aspirações femininas, isto é: o que anseiam as mulheres do século XXI?
A partir dos relatos das entrevistadas, percebemos que ao se depararem com uma
série de possibilidades a partir das conquistas no campo subjetivo, político, social,
estas apresentam em seus discursos questões conflitantes no que tange a
exigências de dar conta de seus múltiplos papéis de esposa, mãe, dona de casa,
trabalhadora, dentro e fora do lar, numa sociedade que ainda é reconhecidamente
sexista.
Essas mulheres expressaram mediante suas falas, as contradições que
permeiam o cotidiano de suas vidas. A intensa jornada de trabalho é algo cansativo,
que mostra as permanências dos papéis historicamente destinados a elas. No
entanto, essas permanências acontecem mediante um cenário de mudanças, a
partir de sua inserção no mercado de trabalho que vai garantir certa autonomia
econômica, ainda que sejam mulheres que exercem um trabalho precário, repetitivo
e com baixos salários.
Contudo, esse estudo não chega a respostas conclusivas, ele aponta algumas
reflexões iniciais sobre a condição feminina. Algo importante para o Serviço Social,
em vista de ser uma profissão eminentemente feminina e também porque a maioria
das usuárias dos serviços sociais são mulheres. Reforçamos ainda que as
desigualdades de gênero são expressões vivas da questão social que é o objeto de
trabalho profissional. Por fim, esperamos que a pesquisa ora realizada possa
contribuir para estudos posteriores e mais aprofundados acerca do tema.
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