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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES VALE LTDA (COBREV)

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … · do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino ... gênero, divisão sexual do trabalho e família. A metodologia utilizada foi

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS

A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS

CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS

DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES

VALE LTDA (COBREV)

FORTALEZA

2013

ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS

A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS

CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS

DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES

VALE LTDA (COBREV)

Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação.

Orientação: Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto.

FORTALEZA

2013

ROSE CAROLINY RIBEIRO SANTOS

A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS

CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES: UM ESTUDO DOS RELATOS

DAS TRABALHADORAS DA EMPRESA COBRANÇA E REPRESENTAÇÕES

VALE LTDA (COBREV)

Monografia como pré­requisito para obtenção do titulo de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.

Data da Aprovação: ____/_____/____

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________

Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto (Orientadora)

Faculdade Cearense

_________________________________________________________

Profº. Ms. Mario Henrique de Castro Benevides

Faculdade Cearense

________________________________________________________

Profª. Ms. Valney Rocha Maciel

Faculdade Cearense

AGRADECIMENTOS

A Deus que iluminou os meus caminhos e me trouxe até aqui. A minha mãe Francisca Ribeiro por torcer e sempre estar ao meu lado, lutando pela minha vitória. Ao meu pai Francisco Ribeiro (in memoriam), onde estiver sei que está comigo e que sempre sonhou com minha vitória, o meu muito obrigada! A minha família por estar sempre me confortando nos momentos mais difíceis. Ao companheirismo, convivência, amor, carinho e o respeito de Rafael Melo cuja presença na minha vida é incondicional. Aos amigos que torceram por mim. A empresa COBREV pela acolhida.

A minha grande amiga Edilaine Sousa, por me proporcionar a realização da pesquisa de campo. A Prof.ª Socorro Letícia pela presença constante, contribuições e pela orientação para elaboração desta pesquisa. As mulheres trabalhadoras da COBREV que muito contribuíram para a realização desta pesquisa. A todos que direta e indiretamente torceram, acreditaram e contribuíram durante esta etapa da minha vida. Muito obrigada!

DEDICATÓRIA

A todas as mulheres que confiam na sua capacidade

de conquistar mais e novos espaços em suas vidas.

RESUMO

O objetivo desta monografia é decorrente de um olhar investigativo acerca da

condição feminina na sociedade, tendo como foco as consequências da inserção

das mulheres no mercado de trabalho para suas relações familiares, a partir da

divisão sexual do trabalho. Assim, pretende­se destacar as mudanças ocorridas no

interior das famílias, bem como os conflitos vividos pelas mulheres, dada sua

participação no trabalho fora de casa. Dialoga­se com as categorias analíticas:

gênero, divisão sexual do trabalho e família. A metodologia utilizada foi a pesquisa

qualitativa, utilizando­se como técnica central de coleta de informações, a entrevista

semiestruturada com oito mulheres da empresa COBREV, as quais foram os

principais sujeitos desta pesquisa. Utilizou­se ainda a pesquisa bibliográfica e

documental, em que se privilegiaram os estudos de autores como: Helena Hirata,

Cristina Bruschini, Heleieth Safioti, Joan Scott, Daniele Kergoat, dentre outros.

Conclui­se, que a inserção das mulheres no mercado de trabalho modifica a vida das

mulheres, haja vista a possibilidade de autonomia econômica. Ao mesmo tempo, a

responsabilidade do trabalho doméstico e familiar ainda é eminentemente feminino,

o que acarreta uma dupla jornada de trabalho em suas vidas.

Palavras – chaves: divisão sexual do trabalho, gênero, família.

ABSTRACT

The purpose of this monograph is the result of an investigative look about the

condition of women in society, focusing on the consequences of the inclusion of

women in the labor market to family relations, from the sexual division of labor. Thus,

it is intended to highlight the changes within families, as well as the conflicts

experienced by women, given their participation in work outside the home. Dialogues

with the analytical categories: gender, sexual division of labor and family. The

methodology was qualitative research, using as a central technique of gathering

information, the semi structured interviews with eight women COBREV Company,

which were the main subject of this research. Was also used to literature and

documents, in which privileged the study authors as: Helena Hirata, Cristina

Bruschini, Heleieth Safioti, Joan Scott, Daniele Kergoat, among others. It is

concluded that the inclusion of women in the labor market changes the lives of

women, given the possibility of economic autonomy. At the same time, the

responsibility of domestic and family work is still predominantly female, which carries

a double shift in their lives.

Key­words: sexual division of labor, gender, family

LISTAS DE ABREVIATURAS

CNDM ­ Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

CNPM – Conferência Nacional de Politicas para as Mulheres

DIEESE ­ Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico

IBGE ­ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ONGs ­ Organização não governamentais

ONU ­ Organização das Nações Unidas

OIT ­ Organização Internacional do Trabalho

PNUD ­ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

UNESCO ­ Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF ­ Fundo das Nações Unidas para a Infância

SUMÁRIO

Págs.

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10

1. PERCURSOS TEÓRICOS E METODOLOGICOS DA PESQUISA......................13

1.1 Os objetivos da pesquisa e a relação com Serviço Social...................................15

1.2 O percurso metodológico e o campo da pesquisa...............................................17

1.3 As mulheres como sujeitos da pesquisa: perfil das entrevistadas.......................20

2. RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO......23

2.1. Breve Histórico sobre a organização política das mulheres no Brasil................23

2.2. Gênero e Patriarcado: as relações de poder em questão...................................29

2.3. Divisão Sexual do Trabalho: base material das desigualdades de gênero........33

3. AS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS CONFIGURAÇÕES

FAMILIARES: O QUE OS SUJEITOS PENSAM?....................................................42

3.1. As atuais configurações de famílias ..................................................................42

3.2. As consequências do trabalho nas famílias das mulheres trabalhadoras da

COBREV....................................................................................................................50

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................58

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................60

ANEXOS....................................................................................................................64

1

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, as mulheres intensificaram suas lutas através do

enfrentamento à opressão e às desigualdades, a favor de sua emancipação

econômica e social. Atualmente, as mulheres trabalham fora de casa, porém em

condições de desvantagens em relação aos homens. A inserção das mulheres no

mercado de trabalho deve­se, principalmente, aos movimentos feministas e ao

reconhecimento social do papel feminino no mundo público.

Aos longos dos últimos anos, sobretudo a partir da década de 1970, as

mulheres têm alcançado muitas conquistas em suas lutas, pois estas vêm

reivindicando novos espaços no mercado de trabalho e na sociedade. Entretanto o

processo de reestruturação produtiva potencializou a exploração do trabalho

feminino, tendo como consequências para as mulheres, a realização de trabalhos

precários, salários mais baixos, dupla jornada de trabalho.

Esta monografia traz um olhar sobre as contradições, rupturas e continuidades,

que o processo de inserção das mulheres no mercado de trabalho trouxe no interior

das suas relações familiares, bem como para suas identidades como mulher, mãe,

trabalhadora.

O motivo que me levou à elaboração desta monografia foi adquirir

conhecimentos necessários sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho,

bem como compreender os desafios a serem enfrentados por elas, haja vista a

necessidade de conciliar trabalho e família. O interesse por essa temática surgiu a

partir de conversas informais que obtive ao conversar com mulheres que cumprem

uma “dupla jornada”, trazendo assim indagações a respeito do trabalho feminino,

como também, sua interação na sociedade contemporânea.

Diante desta problemática a pesquisa, portanto, centra­se no conhecimento

que esse estudo pode sobre a condição das mulheres, em vista de suas conquistas,

seus desafios. Visa também contribuir para compreensão de como essas mulheres

enfrentam os múltiplos obstáculos cotidianos, diante da sua permanência no

mercado de trabalho, tendo que conciliar o trabalho com as questões familiares,

2

mediante sua condição de gênero. Este estudo foi realizado com algumas

funcionárias de uma empresa privada chamada COBREV, que se situa em

Fortaleza.

Assim, a presente monografia desdobra­se em três capítulos, cujos conteúdos

sinteticamente foram estruturados conforme descritos abaixo:

O primeiro capítulo apresenta todo o processo de desenvolvimento da

pesquisa, além de uma aproximação mais direta com o objeto de estudo e com o

percurso de investigação, retratando ainda a relação da temática com a profissão de

Serviço Social. Serão abordados temas referentes à justificativa do presente estudo,

perpassando pela formulação do projeto e pela metodologia utilizada na pesquisa.

Conclui­se com uma configuração do perfil das entrevistadas. O supracitado projeto

divide­se, portanto, em três tópicos: O percurso metodológico e o campo da

pesquisa; os objetivos da pesquisa e a relação com Serviço Social e as mulheres

como sujeitos da pesquisa: perfil das entrevistadas.

No segundo capítulo, percorremos a bibliografia pertinente ao tema,

procurando apontar os pressupostos básicos das categorias de gênero e divisão

sexual do trabalho concomitante às falas de algumas mulheres. Apresentamos, a

priori, um breve histórico sobre a organização política das mulheres no Brasil, como

base para a discussão do conceito de gênero e patriarcado e suas relações de

poder. Conclui­se esse capítulo abordando a categoria divisão sexual do trabalho

como base material da questão de desigualdade de gênero.

No terceiro e último capítulo, procuramos desenvolver nossa análise em torno

das percepções das mulheres entrevistadas em relação às consequências que a

inserção no mercado de trabalho teve em suas vidas. Retrataremos as atuais

configurações de famílias e as consequências do trabalho para as famílias das

mulheres trabalhadoras da COBREV. Este último capítulo responderá nossas

indagações iniciais, presentes na construção do objeto de estudo.

Pretendemos com essa monografia compreender, a partir dos relatos das

entrevistadas, a articulação que as mesmas desenvolvem entre o exercício do

trabalho fora de casa e do trabalho doméstico e familiar. Buscamos ainda entender

3

as dificuldades encontradas pelas mulheres em competir no mercado de trabalho,

caracterizando as principais mudanças ocorridas ao longo da história e as distintas

atribuições repassadas socialmente a elas. Esse estudo, portanto, pauta­se no olhar

investigativo, tendo como base as relações sociais de gênero.

4

CAPÍTULO 1: PERCURSOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Este trabalho é decorrente de um olhar investigativo acerca da condição

feminina na sociedade, na qual analisamos as conseqüências da inserção das

mulheres no mercado de trabalho em suas relações familiares, tendo em vista a

divisão sexual do trabalho. Assim, buscaremos destacar as mudanças ocorridas no

interior das famílias e os conflitos vividos pelas mulheres, dada sua participação no

trabalho fora de casa.

Com a materialização do trabalho doméstico e familiar realizado,

prioritariamente, pelas mulheres, dada as construções das relações desiguais de

gênero, uma das questões que intencionamos na elaboração desta pesquisa

vincula­se aos grandes desafios sobre a dupla jornada de trabalho enfrentada pelas

mulheres na atualidade, para conciliar trabalho fora de casa e família.

O interesse em estudar esse tema que retrata a condição de vida das mulheres

trabalhadoras iniciou­se a partir de uma grande inquietação ao ingressarmos no

campo de estágio curricular, no Hospital Evandro Aires de Moura ­ HDEAM1, mais

1O HDEAM é uma unidade de urgência e emergência terciária, nas áreas de clínica geral, cirurgia geral e eletiva e traumatologia, vinculada a rede pública de saúde da Prefeitura Municipal de Fortaleza.

5

conhecido como Frotinha do Antônio Bezerra. Este por sua vez foi a porta de

entrada para nossa temática, pois ao depararmo­nos com uma grande quantidade

de mulheres que ali trabalham, percebemos os dilemas vividos por estas, a exemplo

da conciliação trabalho e família, da disputa com os homens no mercado de

trabalho, dada a natureza pública da ocupação e, da realização de trabalhos, muitas

vezes, precários, mas necessários.

Percebemos que existiam mulheres que demonstravam um grande

compromisso e prazer no que realizam. Apesar de diminuir o tempo dedicado aos

cuidados com a família e com o crescimento dos filhos, sentiam­se realizadas, pois

através da sua remuneração, poderiam oferecer melhores condições de vida a seus

filhos. Não obstante, muitas mulheres trabalham mais por necessidade material em

vista do seu próprio sustento e de sua família.

De acordo com Censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE)

2011, 53% das mulheres que continuam exercendo os papeis historicamente

destinadas à condição feminina, ou seja, ser mãe, esposa e dona­de­casa. A maioria

dessas mulheres tem idade acima de 60 anos ou mais, mulheres aposentadas e

aquelas que são avós que passam a cuidar de seus netos tendo um importante

papel hoje nas famílias.

As mudanças dos laços familiares e a vulnerabilidade que atinge as famílias demandam novos papéis, novas exigências para essas figuras, personagens que ganham relevo não só na relação afetiva com os netos, mas também como auxiliares na socialização das crianças ou mesmo no sei sustento, mediante suas contribuições financeiras (SARTI, 2008, pág.94).

No entanto, percebemos mudanças na identidade de gênero, dado o aumento

da participação das mulheres no mercado de trabalho. Hoje, aproximadamente

35,5%, das mulheres empregadas trabalham com carteira de trabalho assinada. No

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entanto, esse percentual é inferior aos dos homens, uma vez que 43,9% da

população masculina estão inseridos no mercado. O Censo revela ainda que 17,6%

da população feminina estão ocupando cargos no comércio, seguidas de

trabalhadoras de educação, saúde e serviço social. Ressaltamos que muitas dessas

profissões são tidas como tradicionalmente femininas e, portanto, menos

valorizadas. Percebemos que a hierarquia de gênero se mantém no mundo do

trabalho.

Pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Seade apontam que, pelo oitavo ano

consecutivo, a taxa de desemprego feminino recuou, passando de 14,7% em 2010

para 12,5% em 2011. Não obstante, a taxa de desemprego entre mulheres no Brasil

é cerca de 60% superior em relação a dos homens. Do total de desempregados do

país, 55% são mulheres. Percebemos que, elas têm mais dificuldades de encontrar

trabalho, além da remuneração ser inferior dos homens e da precarização de seus

empregos.

Podemos constatar que a dificuldade atual ainda consiste nas práticas tradicionais

de divisão sexual do trabalho, demonstrando os particularismos e preconceitos que

permeiam o processo da inserção da mulher no mundo do trabalho. Nesse sentido,

cabe ao Estado atuar nessa desigual responsabilização pelo trabalho doméstico e

familiar elaborando e executando políticas sociais que garantam a atuação das

mulheres que trabalham fora e forneçam base de segurança a elas em suas

históricas responsabilidades em casa, através de transporte escolar gratuito, escolas

com tempo integral, creches, lavanderias comunitárias, etc.

Essa configuração demonstra que, mesmo com toda a sobrecarga de papéis

dada à inserção no mercado de trabalho, muitas mulheres como forma de alcançar a

autonomia econômica ou, por conta das próprias necessidades materiais e de

sobrevivência financeira de suas famílias, adentram o mercado de trabalho na

atualidade.

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1.1. OS OBJETIVOS DA PESQUISA E A RELAÇÃO COM SERVIÇO SOCIAL

Nesse trabalho abordaremos as desigualdades de gênero, como uma das

expressões da questão social, uma vez que a discussão desse tema se apresenta

na vida cotidiana, além de ser um elemento importante para elaboração de políticas

sociais. Nesse debate, constatamos as desigualdades entre masculino e feminino,

desvalorizando os direitos das mulheres, os quais se configuram no âmbito das

relações sociais.

Segundo Iamamoto,

(...) a questão social não é focada exclusivamente como desigualdade social entre pobres e ricos, e nem como situação social problema, como foi historicamente encarada no Serviço Social, reduzida a dificuldades do individuo (...) a gênese das desigualdades sociais está no contexto da acumulação do capital, desigualdade de renda, de gênero, de propriedade e do poder, gerando assim a violência e a pauperização das formas de descriminação e exclusão social (IAMAMOTO, 2001, pág.59).

Em relação ao Serviço Social, a questão de gênero perpassa a profissão, uma

vez que esta é eminentemente feminina. Sabemos que desde seu surgimento na

década 1930, a profissão era formada por “moças da sociedade,” tendo como base

nos ideais da igreja católica e nos valores tradicionais no trato da questão social.

Também podemos citar, a forte presença das mulheres como usuárias dos serviços

sociais. Nessa acepção, o Serviço Social como profissão deve responder as

inúmeras expressões da questão social emergentes na sociedade com uma visão

crítica, reflexiva e empenhada com as circunstâncias reais, mediante uma atitude

investigativa ética e política para intervir sobre elas.

Para Iamamoto (2001), “a imagem social predominante da profissão é

indissociável de certos estereótipos socialmente construídos sobre a mulher na

visão mais tradicional e conservadora de sua inserção na sociedade [...]”. Entretanto,

a reconstrução de uma nova identidade está atrelada às lutas do movimento de

mulheres e feministas, o que permite construir novos valores para a essência da

profissão e da sociedade.

8

Na condição de pesquisadores sociais temos que estar atentos à realidade em

que estamos inseridos. O movimento desta realidade, portanto, nunca acaba, ou

seja, se renova, a partir das novas demandas colocadas. Precisamos compreender,

com olhar crítico, as relações sociais de gênero, para percebermos o que acontece

em nossas vidas e na vida das pessoas que utilizam os serviços em que

trabalhamos. E assim, contribuirmos para construção de uma nova sociabilidade

entre homens e mulheres.

Podemos perceber que nos dias atuais que é necessário romper com a visão

endógena, focalista. Nós, como assistentes sociais temos que alargar os horizontes,

ter um olhar para além do que é posto. Assim, é um dos grandes desafios dos

profissionais terem uma capacidade de decifrar a realidade e construir propostas

para as demandas que hoje necessitam dos nossos trabalhos, não sendo apenas

um mero executor terminal de políticas sociais, como diz Netto (1992).

Desse modo, a pesquisa é necessária para “o mergulho na realidade social”

como relata Iamamoto (2001), visando assim investigar e interpretar o objeto de

estudo no processo social, seus movimentos conflitantes e a relação entre os

indivíduos e sociedade. Com isso o Serviço Social pauta sua reflexão e intervenção

sobre as múltiplas expressões da questão social expressas nas contradições e

desigualdades socialmente produzidas, sejam no espaço público ou privado.

É nessa perspectiva que temos que olhar o trabalho das mulheres hoje na

sociedade, não só como mais uma força de trabalho no conjunto da classe

trabalhadora, mas como um trabalho exercido por sujeitos que têm especificidades.

Assim, indagamos: A partir da inserção das mulheres no mercado de trabalho quais

fatores históricos permanecem em suas vidas? Que fatores estruturais e subjetivos

são relevantes nesse processo? Qual o significado do trabalho na vida das mulheres

que se inserem no mercado de trabalho? Há acúmulo de tarefas? Na remuneração

de seus salários e nas condições de trabalho são percebidas as desigualdades de

gênero?

Desse modo, o presente estudo tem por objetivo mostrar a relevância da

divisão sexual do trabalho, no interior do espaço doméstico a partir da consolidação

9

das mulheres no mercado de trabalho e, ainda dar conta do trabalho doméstico e

familiar atribuídos historicamente a elas.

Diante desta problemática, as contribuições dessa pesquisa dar­se no sentido

de conhecer como se configura a realização do trabalho feminino assalariado, suas

conquistas, seus desafios. Pesquisamos também as formas como as mulheres

enfrentam os obstáculos de se manterem no mercado de trabalho, dado seu “destino

histórico” de serem as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e familiar.

1.2. O PERCURSO METODOLÓGICO E O CAMPO DA PESQUISA

Nos dias atuais, novos desafios são postos para a construção da igualdade

entre homens e mulheres. Muitas mulheres já inseridas na sociedade salarial ainda

sofrem com essas novas redefinições, pois muitas profissionais conciliam suas

tarefas fora do lar com a atividade doméstica e o cuidado de casa com os filhos. As

desigualdades de trabalho entre homens e mulheres tornaram visíveis as

desigualdades nas relações sociais de gênero. Assim, os fatos revelam que as

discriminações das mulheres no que diz respeito às condições de trabalho e salários

são históricas.

Percebemos hoje outro fenômeno que é bipolarização do trabalho feminino.

Assim uma parte das mulheres encontra­se em empregos precários, mal

remunerados, sem perspectiva de crescimento e temporários. Por outro lado,

algumas mulheres estão inseridas em empregos bens remuneradas com níveis

profissionais e salários elevados.

Essa pesquisa é de natureza qualitativa, a qual podemos observar e analisar

os significados dos relatos das entrevistadas, a partir da realidade em que esses

sujeitos estão inseridos. Segundo Minayo (1994),

[...] a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou, seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço

10

mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1994, pág.21).

A pesquisa, a partir de sua abordagem metodológica, resulta em um conjunto

de procedimentos utilizados na obtenção das informações sobre a realidade. A

coleta de dados se deu através de entrevista semiestruturada, permitindo maior

flexibilidade durante a abordagem e a obtenção de informações relacionadas ao

problema pesquisado.

Foram abordadas questões as mulheres acerca do trabalho doméstico e

familiar, informações referentes aos sentidos conferidos ao trabalho, à carreira, à

família e a condição de gênero das mulheres entrevistadas. Acreditamos que as

técnicas empregadas constituíram as que melhores se apropriaram aos nossos

objetivos, uma vez que podemos apreender as visões de mundo dos sujeitos

entrevistados.

Utilizamos também a pesquisa bibliográfica e documental para abordarmos as

questões teóricas do tema, bem como os documentos e pesquisas já elaborados

acerca do assunto. As categorias abordadas nessa pesquisa foram: gênero, família

e divisão sexual do trabalho.

Segundo Neto (1994), a pesquisa bibliográfica, Nada mais é que:

[...] colocar frente os desejos do pesquisador e os autores envolvidos em seu horizonte de interesse. Esse esforço em discutir ideias e pressupostos tem como lugar privilegiado de levantamento as bibliotecas, os centros especializados e arquivos. Nesse caso, trata­se de um confronto de natureza teórica que não ocorre diretamente entre pesquisador e atores sociais que estão vivenciando uma realidade peculiar dentro de um contexto histórico­social. (NETTO, 1992, pág. 53).

Ressaltamos as dificuldades enfrentadas para a nossa inserção nas empresas

e fábricas privadas, sobretudo naquelas em que as mulheres são a maioria das

trabalhadoras. Após várias tentativas em fábricas de castanha, têxtil, e de

confecções, entre outros segmentos, não desistimos do interesse nesse estudo e

tivemos a oportunidade de realizar a pesquisa de campo na empresa ora citada.

11

Ao adentrarmos na empresa, inicialmente, observamos um local onde as

pessoas pouco se comunicavam. Cada uma encontrava­se em sua sala e, muitas

por trabalhar em telemarketing eram isoladas em pequenas cabines individuais.

Um ambiente claro, mais de pouca conversa entre si, só se ouvia conversas por causa dos atendimentos telefônicos que ali eram realizados. Os supervisores andando de um lado a outro só observando o que as pessoas faziam a respeito de seus trabalhos. As pessoas só se falavam quando tinham um intervalo ou saiam para almoçar, foi um cenário frio que deparei ao entrar no ambiente. (Diário de Campo: 07/11/12).

No tocante ao campo empírico, a pesquisa foi realizada junto às mulheres

trabalhadoras da empresa COBRANÇA E REPRESENTACOES VALE LTDA

COBREV. É uma empresa do ramo cobrança de inadimplências de consumidores e

controle de pagamentos e recebimentos dos clientes, dentro das normas do código

de defesa do consumidor.

Segundo dados do site da empresa (2012), esta se configura como empresa de

grande porte há vinte e três anos no mercado, tem filiais em Fortaleza, Rio de

Janeiro, Recife e Sobral. Tem como filosofia proporcionar serviços de excelência no

mercado; oferecendo serviços diferenciados e qualificados, que garantam aos

clientes, comodidade, confiabilidade e agilidade; apoiar e incentivar programas que

visem à preservação do meio ambiente e a formação e conscientização de cidadãos,

gerarem emprego e renda. Sua missão é oferecer serviços com qualidade,

diferenciados e inovadores na recuperação de valores e pessoa, no âmbito do

mercado como um todo.

A empresa conta com oitenta e seis funcionários, dentre eles sessenta são do

sexo feminino. Localiza­se na Rua Perboyre e Silva, próximo ao Calçadão da

C.Rolim, no centro de Fortaleza. A maioria das trabalhadoras está lotada nos

serviços de telemarketing em que desempenham a função de cobrança. A carga

horária dessas mulheres é de seis horas diárias de trabalho, tendo uma média

salarial de um salário mínimo. Algumas ganham gratificações se conseguirem “bater

as metas” estipuladas pela empresa. Ressaltamos que as entrevistas foram

12

realizadas em espaços reservados na própria empresa, preservando o sigilo, no

intuito de manter a integridade dos entrevistados.

1.3 AS MULHERES COMO SUJEITOS DA PESQUISA: PERFIL DAS ENTREVISTADAS

Ao conversarmos com as mulheres pesquisadas, remetemo­nos a citação de

Massi (1992) que relata: “As mulheres vêm lutando por um espaço no mundo público

e ao mesmo tempo enfrentando todo tipo de problemas na conciliação das duas

esferas da vida...” (MASSI, 1992). É nessa concepção que estas vêm enfrentando

as inúmeras barreiras do seu dia­a­dia.

Nossas entrevistadas não fugiram à regra sendo mulheres que se levantam

cedo para iniciar seu dia de trabalho, cuidar das crianças, fazer o café, arrumar filhos

para o colégio, realizando todos os afazeres domésticos para não se atrasar à

chegada ao trabalho. Muitas delas conciliam suas tarefas em espaços curtos de

tempo, almoçam em casa, posteriormente retornam ao trabalho. À noite, depois de

um dia de trabalho fora de casa, inicia­se uma nova jornada, começa um “novo

expediente”, preparar o jantar, arrumar a casa, cuidar dos filhos e do marido. Enfim,

mais um dia se foi e outro virá com os mesmos desafios e com novos problemas a

serem enfrentados pelas mulheres no mundo moderno.

Antes do início das entrevistas, traçamos um perfil individual das entrevistas,

tendo por base os instrumentais individuais utilizados nas entrevistas, utilizaremos

nomes fictícios para preservar a garantia de identidade das entrevistadas. Dentre os

critérios para a realização das entrevistas destacam­se: mulheres maiores de 18

anos; trabalhadoras da empresa COBREV, casadas e com filhos.

13

Marfim – 25 anos, casada, tem um filha de 08 anos e um menino de 06 anos.

Cursou o 2° Grau. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de

cobrança com uma carga horária de 08 horas diárias.

Rosa – 22 anos, casada, tem um filho de 05 anos. Cursou o 2° Grau. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de cobrança com uma carga horária de

06 horas diárias.

Branca – 23 anos, casada, tem um filho de 07 anos. Cursou o 2° Grau. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de cobrança com uma carga horária de

06 horas diárias.

Pink – 26 anos, casada, tem um filho de 02 anos. Tem o 2° Grau incompleto. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de cobrança com uma carga horária

de 06 horas diárias.

Lilás – 23 anos, casada, tem uma filha de 05 anos. Está cursando faculdade de Recursos Humanos. Exerce a profissão de telemarketing, trabalha no setor de

cobrança com uma carga horária de 06 horas diárias.

A partir do embasamento dos dados expostos, podemos perceber que todas as

entrevistadas atendem aos os critérios instituídos como necessários à análise da

realidade e aos objetivos da pesquisa que almejamos. Foi de extrema importância o

contato que tivemos com essas mulheres, pois podemos enriquecer ainda mais a

pesquisa bibliográfica e realizar uma análise das expressões do seu cotidiano ali

colocado. Esperamos assim, analisar o que pudemos perceber de relevante em

suas falas.

No próximo capítulo, discorremos acerca das categorias gênero e divisão

sexual do trabalho, que embasam o nosso estudo, a fim de qualificar os dados

empíricos obtidos na pesquisa de campo.

14

CAPÍTULO 2: RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO

2.1. BREVE HISTÓRICO SOBRE A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NO BRASIL

A condição das mulheres, ao longo da história, apresenta mudanças sociais e

culturais. O termo “mulher indigna” era atrelado às mulheres prostitutas, sem

esperanças de vida social. Hoje, esse termo não tem mais significado, haja vista a

inserção pública das mulheres na sociedade. Isso ocorreu, sobretudo, por conta das

inúmeras lutas por seus direitos, dentre eles, a participação das mulheres no

mercado de trabalho. No entanto, percebemos que essa participação se dar em

condições, muitas vezes, inferiores com salários pouco atrativos, condições de

trabalho precário e cargos femininos baixos.

Durante o processo da Revolução Industrial, a luta contra a exploração do

sistema capitalista de produção permeava também as questões de gênero. Assim,

as mulheres começaram a luta por condições melhores de trabalho, reivindicando

direitos trabalhistas, igualdade de jornada de trabalho entre sexos e direito ao voto.

Diante dessa situação, a organização dos trabalhadores mediante o movimento

sindical e operário, no final do séc. XIX e início do séc. XX tinham como principais

reivindicações: a limitação da jornada de trabalho a 8 diárias e 48 semanais, a

proteção à maternidade, a luta contra o desemprego, a definição da idade mínima de

14 anos para o trabalho na indústria e a proibição do trabalho noturno de mulheres e

menores de 18 anos.

Com o desenvolvimento das cidades e com o surgimento da burguesia,

aparece uma nova forma de organização do trabalho que aos poucos foi se tornando

cada vez mais especializado. Novas ocupações foram surgindo, tais como,

chapeleiros, bordadeiras, costureiras. Com esse desenvolvimento econômico surge

a necessidade de mão­de­obra, favorecendo a integração e acesso das mulheres ao

15

trabalho. Porém, os seus salários eram inferiores ao dos homens e o trabalho

doméstico continuou sendo função exclusivamente feminina.

No início do século XIX, com a consolidação do sistema capitalista, inúmeras

mudanças ocorreram na produção e na organização do trabalho. No tocante ao

trabalho feminino, com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da

maquinaria, sobretudo, na era do fordismo, boa parte da mão­de­obra feminina foi

utilizada nas fábricas de tecelagem e de fiação de lã por serem considerada mão­de­

obra barata.

A Organização Internacional do Trabalho – OIT foi criada em 1919, como parte

do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Os princípios

fundamentais eram: a liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de

negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição

efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação no

emprego ou na ocupação (OIT, 2006).

As áreas de atuação da OIT no Brasil têm se articulado em torno das três

prioridades, quais sejam: a geração de melhores empregos, com igualdade de

gênero, oportunidades e de tratamento; erradicação do trabalho escravo e

eliminação do trabalho infantil, em especial em suas piores formas; fortalecimento

dos atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade

democrática (OIT, 2006).

No contexto brasileiro, as relações sociais no Brasil Colônia se desenvolveram

sob as sombras do patriarcalismo e do escravismo. Houve muitas opressões vividas

pelas mulheres, principalmente as mulheres negras, pois além do preconceito por

ser mulher, também sofreram por conta da sua condição de raça e etnia.

Estas mulheres, embora tenham presença expressiva no mercado de trabalho,

são mais expostas à precarização, a baixos salários e ao desemprego. De acordo

com Silva (2008), no Brasil, do total de mulheres negras, 21,7% encontram­se

empregadas nos serviços domésticos. Ou seja, de cada 100 mulheres negras,

aproximadamente 22 estão ocupadas nos serviços domésticos. (COAN, 2008).

16

Neste período, somente o sexo masculino tinha livre acesso ao domínio público sendo este o provedor das necessidades financeiras da família. As mulheres

em sua maioria ficavam responsáveis no período, com os afazeres do lar sendo,

portanto, excluída do trabalho produtivo.

Segundo Gilberto Freire (1933), a história da sociedade brasileira no período

da colonização, constituiu­se a partir do regime patriarcal e sob a influência da miscigenação de três raças: indígena, europeia e africana. Nessa ocasião, a família

brasileira pautava­se em um núcleo composto pelo chefe da família (patriarca), sua

esposa, filhos e netos, que eram os representantes principais. E ainda, um núcleo de

membros considerados secundários, formados por “filhos ilegítimos (bastardos)” ou

“de criação”, parentes, afilhados, serviçais, amigos, agregados e escravos.

Até o século XIX, aprender a ler só era permitido aos homens, pois as

mulheres não tinham direito à leitura, somente aos afazeres do lar e aos cuidados

com as crianças. O movimento feminista, por sua vez, lutava pela igualdade de

direitos entre mulheres e homens. Em 1920, nos EUA e na Inglaterra, se promulgou

o sufrágio. As mulheres nestes países começaram a lutar por direito ao voto,

favorecendo as mulheres o acesso à esfera pública. Sarti, (1988).

No Brasil, o direito ao voto passou a existir em 1932 Berta Lutz uma das

pioneiras do movimento feminista no Brasil, liderou o movimento de sufrágio e lutou pelo o direito ao voto livre das mulheres. Ela participou da Aliança Nacional de

Mulheres, garantindo às mulheres a igualdade de direitos políticos, os quais as

mulheres poderiam concorrer ao exercício da vida pública com igualdade aos

homens (Amaral, 2005).

As lutas femininas possibilitaram a construção de novos valores sociais e

culturais na luta pela democracia que se constituía na igualdade entre homens e

mulheres. Em nível mundial, após a década de 1940 cresceu consideravelmente a

incorporação do trabalho feminino no mercado de trabalho. Porém, no Brasil isso só

ocorreu com maior intensidade na década de 1970. As mulheres passaram a

adentrar de forma mais contundente o mercado de trabalho.

17

Saffioti (2007) ressalta o significado dos movimentos feministas:

Os movimentos feministas só são o que são hoje porque foi o que foram no passado. Hoje nós podemos questionar as bases do pensamento ocidental porque houve um grupo de mulheres que queimou sutiãs em praças públicas. O sutiã simbolizava uma prisão, uma camisa­ de ­ força, a organização social que enquadra a mulher de uma maneira e o homem de outra. A simbologia é essa: vamos queimar a camisa­de­força da organização social que aprisiona a mulher (SAFFIOTI, 2007, pág. 22).

O movimento feminista ganhou destaque na década de 1970, sendo

considerada nesta época a segunda geração do feminismo, com vários

acontecimentos marcantes. Segundo (Amaral, 2005), o feminismo nos anos 1960 e

de 1970 é chamado de “feminismo moderno” o qual vai radicalizar o principio da

igualdade. Assim, o movimento luta para que as mulheres não tenham somente

direitos iguais no sentido de votar, mas de terem direitos como cidadãos, da

igualdade no trabalho, da luta por salários iguais, da divisão de tarefas domésticas

com os homens, a exemplo de falar em público e não ficar restrito ao espaço privado

da casa. Essas são as bandeiras que o “novo feminismo” defende. Este movimento

fragmentou­se em diversas tendências, algumas correntes mais voltadas para os

direitos específicos das mulheres, como saúde sexual e reprodutiva e a

descriminalização do aborto. Outras mais centradas na luta social mais ampla, a

exemplo da divisão sexual do trabalho.

Com a explosão do golpe militar em 1964, as mulheres participaram

significantemente das grandes campanhas nacionais: pela nacionalização do

petróleo e pela paz mundial. Essas lutas marcaram a presença das mulheres na vida

pública. Nesta época, a oposição ao regime mobilizou as mulheres em passeatas,

manifestações e atos públicos.

Em 1975, o feminismo estava vinculado aos interesses populares. A luta por

direitos específicos se fundia com as questões gerais vigente da época. Este foi

considerado o Ano Internacional da Mulher. Foi criado o Centro da Mulher Brasileira

18

no Rio de Janeiro, onde se realizou a I Conferência Mundial da Mulher, promovida

pela Organização das Nações Unidas – ONU, reunindo mulheres interessadas em

discutir a condição feminina na sociedade, instituindo­se a partir de 1975 até 1985, a

Década da Mulher.

Por ser uma época marcada pela ditadura, neste mesmo ano foi criado o

Centro de Desenvolvimento da Mulher e a criação do Movimento Feminino pela

Anistia em São Paulo. Segundo Duarte (2003), este foi o momento em que o

movimento feminista esteve mais vivo, de forma a modificar os costumes e tornar as

reivindicações permitidas na sociedade. Nesta época, as reivindicações do

movimento feminista estavam vinculadas às melhores condições de vida, ao direito à

liberdade sexual e ao prazer; à luta pela legalização do aborto. As mulheres

tratavam de temas como mortalidade materna, mulheres na política, trabalho

feminino e dupla jornada, preconceito racial, entre outros.

No decorrer da história, o movimento feminista pautou vários debates e

reflexões acerca da condição das mulheres, dentre elas, o discurso sobre o conceito

de gênero, que ampliam as categorias de feminino e masculino. A partir desse

movimento, iniciam as discussões acerca do conceito de gênero, ampliando os

estudos que tratavam das condições especificas das mulheres para olhares acerca

das relações sociais entre mulheres e homens. Conforme Knebel (2009) “os

indivíduos podem ser definidos a partir de sua construção social”, podendo­se

repensar os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher dentro da

sociedade.

Na década de 1980, o movimento se amplia e se diversifica, abrindo novos

espaços para discussão política e as lutas pela ampliação de sua representação nos

espaços públicos de poder e decisão. O movimento nesta década também focou

suas lutas em torno dos casos de violências contra as mulheres, evidenciados por

um manifesto de mulheres cujos maridos as espancavam e as matavam. Em 1980,

foi criado o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher.

A Constituição de 1988 significou um grande avanço do ponto de vista legal,

para os direitos das mulheres. Dentre as mudanças destacadas no texto

19

constitucional destacam­se a eliminação do domínio sexual e da figura de chefe da

família; o reconhecimento da união estável; a consolidação do divórcio; ampliou­se a

licença­maternidade; o direito à creche para os filhos. Passou­se a coibir a

discriminação da mulher no trabalho; foram criados direitos para as empregadas

domésticas e previu­se, ainda, a criação de mecanismos para coibir a violência

doméstica. Ficou estabelecido, no âmbito legal que sem distinção de sexo, a todo trabalho de igual valor correspondente salário igual.

Nos anos de 1990, o movimento feminista se institucionaliza através do

surgimento de várias organizações não­governamentais (ONGs) feministas no

Brasil. As “ONGs feministas” passam a pressionar o Estado, buscando influenciar

nas políticas públicas. Multiplicavam­se as várias modalidades de organizações e

identidades feministas. As mulheres pobres passaram a se articular nos bairros

através das associações de moradores, as operárias através dos departamentos

femininos de seus sindicatos e centrais sindicais. Já as trabalhadoras rurais, passam

a se organizar através de suas várias organizações. As mulheres, portanto,

começam a auto identificar­se com o feminismo, sobretudo, o feminismo de base

popular.

Ainda na década de 1990, foram criados também organismos de cooperação

internacional para o desenvolvimento como a Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento o (PNUD), e o Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF). Estas instituições atentam para o impacto das políticas de

desenvolvimento sobre a vida das mulheres. Nesse período, concretizaram­se novas

formas de organização da sociedade civil, mediante sua estruturação e de

mobilização, através da criação de redes, articulações e fóruns (PEIXOTO, 2010).

Nos anos 2000, o feminismo adentra várias esferas do governo e são

intensificadas as lutas pela implementação de políticas públicas para as mulheres.

No ano de 2004, ocorreu a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres em

Brasília, coordenada pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres,

vinculada ao governo federal e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

20

(CNDM) com o apoio do movimento de mulheres e feministas e das ONGs. Foi

realizado no país, um amplo processo de mobilização e preparação das mulheres

nos estados. A I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres culminou na

elaboração do Plano Nacional de Política para as Mulheres (PNPM), que teve

aprovação de orçamentos para saúde e educação, além da relevância de ações

afirmativas e os princípios da igualdade, equidade, da laicidade de Estado e da

intersetorialidade das ações para implementação de políticas públicas direcionadas

para as mulheres (PEIXOTO, 2010). A II Conferência Nacional de Políticas para as

Mulheres (II CNPM) foi realizada em agosto de 2007. O II PNPM expressou­se à

vontade política do Governo Federal em reverter o padrão de desigualdade entre

homens e mulheres em nosso País.

Em 2006, ressaltamos uma grande conquista relacionada ao enfretamento da

violência doméstica contra as mulheres, foi aprovada a Lei Maria da Penha, como

instrumento para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Atualmente, dentre as inúmeras conquistas das mulheres destacamos a

eleição de uma mulher Dilma Rousseff, como Presidente da República. Contudo,

ressaltamos que as lutas e conquistas das mulheres ainda são de ordem prioritária.

As jornadas de trabalho continuam extensas, tanto no trabalho como no âmbito

doméstico. Seus salários ainda são mais baixos em relação ao dos homens. As

mulheres ainda são discriminadas socialmente.

2.2. GÊNERO E PATRIARCADO: AS RELAÇÕES DE PODER EM QUESTÃO

Conforme pontuado anteriormente, o conceito de gênero emerge a partir da

década de 1970, através das estudiosas feministas. No Brasil, foi no fim dos anos

1980 que se iniciou a primazia dos estudos de gênero. No entanto, segundo Sartiori

(2001), foi a partir da publicação do artigo de Joan Scott, em 1987, intitulado

“Gênero: uma categoria útil de análise histórica” que, no contexto brasileiro, iniciou­

se a utilização dessa categoria como instrumento de análise das relações sociais

entre homens e mulheres.

21

Nas décadas de 1960 e 1970, já relatados anteriormente, as feministas

passaram a lutar por conquistas relacionadas à identidade feminina, como o direito

ao corpo e à liberdade sexual. Machado (2001) possibilita um melhor entendimento

da história do movimento feminista até o surgimento do conceito de gênero.

Segundo a autora, há três gerações de feministas: a primeira propunha a igualdade

de direitos entre homens e mulheres, pautada no paradigma da razão iluminista. A

segunda, pós­1968, a qual eram defendidos as diferenças radicais entre a

identidade feminina e masculina e, a terceira geração considerou­se o desejo de ser

mãe, buscando conciliar o tempo maternal com as questões políticas e históricas.

(MACHADO, 2001).O conceito de gênero é, portanto, formulado a partir das diferenças biológicas, entre mulheres e homens para explicitar que o sexo

estabelece culturalmente comportamentos específicos para homens e mulheres.

Scott (1991), vai definir que gênero vem a ser um elemento constitutivo de

relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, sendo

assim uma construção social e histórica dos sexos.Scott (1991) refere­se a um

sistema de relações de poder baseadas num conjunto de qualidades, papéis,

identidades e comportamentos opostos e hierarquizados atribuídos a mulheres e

homens. Tais relações constituem as identidades de homens e mulheres na

sociedade, a partir das relações de poder estabelecido entre mulheres e homens,

mulheres e mulheres, homens e homens.

Scott define:

O gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder, ou seja, gênero é um primeiro campo no seio da qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. O gênero, portanto não é o único campo, mas ele parece ter constituído em meio persistente e recorrente de dar eficácia à significação do poder em relação à identidade de gênero (SCOTT, 1991, pág.16).

Neste sentido, a compreensão de gênero é entendida como resultado das

práticas de homens e mulheres, de construções sociais sobre feminino e masculino

a partir das diferenças biológicas. Essas relações se dão em um contexto social e

22

histórico concreto. Portanto, gênero é um meio de decodificar o sentido e de

compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana.

Para Scott (1991), a definição de gênero envolve ainda quatro elementos que

podem operar em conjunto:

1. Símbolos que evocam múltiplas representações (por exemplo, Eva e Maria,

inocência e corrupção, virtude e desonra). Eles devem ser pesquisados em

suas modalidades e nos contextos específicos;

2. Conceitos normativos que evidenciam as interpretações e os significados dos

símbolos (doutrinas religiosas, regras sociais, cientificas, políticas), e que

remetem as afirmações dominantes dependentes da rejeição ou repressão de

possibilidades alternativas. Aqui o desafio das pesquisas seria revelar a

permanência eterna na representação binária e hierárquica de gênero;

3. Os sistemas de organização social, como as instituições, noções e

referências que devem ser incluídas nas análises, pois gênero é construído

tanto nos sistemas de parentesco quanto à política econômica.

4. Identidade subjetiva, em que o pesquisador pode examinar os modos pelos

quais as identidades de gênero são constituídas relacionando­se a atividades

educacionais, políticas, familiares, as organizações e representações sociais.

Enfim, Scott (1991) propõe observar os efeitos do gênero nas relações sociais

de maneira sistemática e concreta, conseqüentemente, podemos pensar nas

seguintes questões: como as instituições incorporaram as relações de gênero?

Quais são os efeitos sociais entre Estado totalitário e a masculinidade, os regimes

autoritários e controle da sexualidade feminina?

23

O conceito de relações de gênero nos trouxe várias contribuições. Podemos

afirmar que as identidades e papéis masculinos e femininos não são um fato

biológico, mas algo construído historicamente e que, portanto, podem ser

modificados.

As relações de poder hierárquicas dos homens sobre as mulheres são umas

das primeiras relações sociais. È a partir destas, que começamos a apreender o

mundo, e reproduzindo, portanto o conjunto da sociedade e das instituições.

Segundo (Nobre, 1997), estas relações se modificam e implicam uma nova

correlação de forças, construída pela auto­organização das mulheres e, mas

favoráveis a elas.

Saffioti (2004) adverte que “não basta que um dos gêneros conheça e pratique

as atribuições que lhe são conferidas pela sociedade; é imprescindível que cada

gênero conheça as responsabilidades direitas do outro gênero”. É necessário o

diálogo entre as partes, porque além de serem socialmente construídos, também

são definidos historicamente. Neste aspecto é necessário dar conta do caráter

dialético das relações sociais que definem gênero.

Historicamente, a teoria do patriarcado indica que as mulheres foram

subordinadas aos homens. Saffioti (2004) considera que o patriarcado é um caso

específico das relações de gênero, assim a ordem patriarcal de gênero ressalta a

dominação e exploração das mulheres pelos homens, configurando a opressão

feminina. A autora relata ainda que no interior das relações dominação­ exploração

da mulher, os dois pólos da relação possuem poder, mas de maneira desigual.

Podemos destacar a fala de uma das entrevistadas que fala das relações de poder

entre homens e mulheres:

“(...) eu trabalho fora para não depender do meu marido... quero ter independência financeira, pois com isso eu ganho um grande aprendizado... não quero saber de rotina de casa” (Rosa).

A pequena parcela de poder que cabe ao sexo feminino, dentro de uma

relação de subordinação, permite que as mulheres questionem a supremacia

24

masculina e encontrem formas de resistência. Os principais elementos da

dominação masculina tem sido o controle da sexualidade feminina; a conservação

da ordem hierárquica materializando a autoridade do masculino sobre o feminino.

Ainda a respeito do patriarcado, Saffioti (2004) acredita que o sistema patriarcal

e sua ideologia é imposta pela sociedade e pelo Estado. Para a autora o poder é

exercido pela figura do homem, branco e heterossexual. A estudiosa ressalta que a

sociedade é perpassada não apenas por discriminações de gênero, como também

de raça, etnia, classe social e orientação sexual. Saffioti (2004) acrescenta que a

grande contradição da sociedade atual é composta pelo nó “patriarcado, racismo e

capitalismo” vigente.

Neste sentido, a categoria gênero é importante por compreender as relações

complexas entre diversas formas de interação entre homens e mulheres, ou seja, a

reciprocidade de gênero está imbricada dentro de contextos específicos,

ultrapassando assim a perspectiva biológica que naturaliza as diferenças e as

desigualdades entre os gêneros. Ressaltamos ainda que, análise da categoria

perpassa a ciência humana e social pelas feministas da academia; referindo­se a

construção social do sexo biológico, a partir das diferenças percebidas entre os

sexos.

2.3. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: BASE MATERIAL DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO

Apesar dos grandes desafios enfrentados hoje, as mulheres têm tido um

grande avanço no mercado de trabalho. O crescimento na ocupação e no

reconhecimento quanto identidade, está acompanhada na evolução da economia.

As mesmas estão inseridas na sociedade como trabalhadoras, produtoras,

reprodutoras da força de trabalho através da realização das tarefas domésticas e

familiares. Mas a tecnologia uma revolução do trabalho, uma vez que se encontra no

25

amplo leque de indivíduos (homens e mulheres) que competem a classe

trabalhadora, sendo estes sujeitos coletivos capazes de impulsionar ações dotadas

de um sentido emancipador.

É válido lembrar que nas últimas décadas, as transformações acontecidas no

mundo do trabalho, devidos ao processo de reestruturação produtiva têm afetado o

trabalho e logo, a própria classe trabalhadora.

Primeiramente, compreendemos a categoria trabalho a partir do pressuposto

marxista, de que o trabalho é central na vida das mulheres e dos homens. Neste

contexto, seria do próprio trabalho que os seres humanos, mediante a concepção

ontológica, como um ser natural, têm suas necessidades básicas materiais,

satisfeitas e se conhecerem como classe.

A esfera da produção ou o trabalho tem sua centralidade expressiva na vida

dos seres humanos, pois é a partir desta que nos tornamos seres sociais. Para

Lukács (1981), o trabalho sinaliza a passagem do ser biológico ao ser social, logo, o

ser social é resultado da própria práxis do ser humano.

Lukács, (1981), afirma que a consciência do homem tem sua origem “no

trabalho, para o trabalho e mediante o trabalho”. E, por isso, tem em si a

“possibilidade da própria “autorreprodução”. Apesar da esfera da produção ser

indispensável para que o ser humano se torne social, para o autor, o ser biológico

continua sendo a base para a reprodução do ser humano, porque mesmo sendo

constantemente modificada na relação com outros seres humanos, não significa que

é possível eliminar a base da reprodução humana.

Lukács ainda afirma que:A compreensão ontológica da reprodução social deve ser entendida, por um lado, tendo em conta que os homens e as mulheres têm um fundamento ineliminável: sua constituição física e sua reprodução biológica, e por outro lado, a reprodução se desenvolve em um ambiente cuja base é certamente a natureza, a qual é sempre cada vez mais modificada pelo trabalho, pela atividade dos seres humanos (LUKÀCS, 1990, Pág. 57).

26

Este é resultado da atividade dos homens no mundo, movidos por

necessidades objetivas. O trabalho exige daquele que o realiza certo domínio das

causalidades postas e dadas pelo real, que representa certo grau de conhecimento

das condições objetivas da natureza. Ao agir sobre o mundo, os homens vão

conhecendo, transformando­o e, ao mesmo tempo, transformando­se.

Segundo os estudos marxistas, o trabalho se dar através da relação entre o

homem e a natureza, em que este, através de uma projeção teleológica – constrói

idealmente o produto desejado.

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural [...] a fim de apropriar­se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá­la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 1983, pág. 149)

O homem é o único animal capaz de se realizar através do trabalho, uma vez

que possui a capacidade teleológica de pensar antes da realização do trabalho,

podendo assim planejá­lo. Este cria as próprias condições para sua reprodução

como ser social na sociedade, deixando que a consciência humana se adapte ao

meio ambiente e configure como sendo uma atividade autogovernada, ou seja,

agindo de acordo com as necessidades que são postas. Assim, é através do

trabalho que as necessidades humanas são supridas e, passam a surgir novas

necessidades, o que demanda um aperfeiçoamento e transformação do trabalho

humano e da sua capacidade de criar e evoluir. A transformação da natureza, isto é, o trabalho, de acordo com Marx (1983) se

realiza através de processos de trabalho que possui em componentes fundamentais

o seu potencial emancipador, para a construção do ser social, sendo o trabalho

fundamental para na vida humana.

Marx (1983), como crítico do sistema capitalista, afirma que os principais

embasamentos desta sociedade são pautados na apropriação privada e a

expropriação dos meios de produção do trabalhador.

27

Conforme o autor:

O capital operou a separação entre trabalhadores e meios de produção, entre o caracol e sua concha, aprofundando­se a separação entre a produção voltada para o atendimento das necessidades humano­sociais e as necessidades de auto­reprodução do capital (MARX, 1983, pág. 411).

No tocante a presença das mulheres no mercado de trabalho, Simone Beauvoir

(1949) ressalta que “se o mínimo necessário não é superior às capacidades da

mulher, ela torna­se igual ao homem no trabalho”, ou seja, não é argumento da força

física que vai determinar a permanência da mulher no mercado de trabalho e, sim

sua capacidade de desenvolver o trabalho tanto quanto um homem.

Na fala de uma das entrevistadas, o trabalho tem um lugar central em sua vida, dada

sua possibilidade de autonomia, a partir do salário advindo do trabalho:

“O trabalho para mim é tudo... hoje eu não me vejo sem trabalhar... não sei ficar em casa sem trabalhar... tenho minha independência, não preciso de ninguém para me dá as coisas que eu quero... quando eu quero vou lá e compro com meu dinheiro... (BRANCA).

A igualdade entre homens e mulheres, só poderá ser restabelecida quando os

dois sexos tiverem direitos iguais, mas essa libertação exige a entrada do sexo

feminino na atividade pública:

“A mulher só se emancipará quando puder participar em grande medida social na produção, e não for mais solicitada pelo trabalho doméstico senão numa medida insignificante. E isso só se tornou possível na grande indústria moderna, que não somente admite o trabalho da mulher em grande escala como ainda o exige formalmente...”. (BEAUVOIR, 1949, Pág. 75).

Sendo assim, a discussão a respeito do papel atual das mulheres,

comparativamente aos homens não se restringe à esfera do mercado de trabalho.

Homens e mulheres formam dois grupos sociais a partir de uma relação social

específica: as relações sociais de sexo. Estas como todas as relações sociais, têm

uma base material, no caso o trabalho, e se exprimem através da divisão social do

trabalho entre os sexos chamado: divisão sexual do trabalho.

28

A divisão sexual do trabalho não é vista como resultado de um “destino

biológico”, mas de construções sociais, nas relações humanas. A autora insiste que

“homens e mulheres são mais que uma coleção de indivíduos biologicamente

distintos. Eles formam grupos sociais que estão engajados em uma relação social

específica: as relações sociais de sexo” (KERGOAT, 2003).

A divisão sexual do trabalho estabelece assimetria, hierarquia e valor

diferenciados sobre os trabalhos masculinos e femininos. Estudo de Kergoat (2003)

e Hirata (2002) relatam que as mulheres reproduzem os papéis e padrões

determinados como masculinos e femininos e são colocadas numa situação de

desigualdade no trabalho. Ainda que, em alguns casos, se efetive a invalidação do

“teto de vidro” e, muitas mulheres ultrapassaram essas barreiras.

A divisão sexual do trabalho assume formas conjunturais e históricas e é

estabelecida como prática social, ora conservando tradições que ordenam tarefas

masculinas e tarefas femininas no espaço de trabalho, ora criando modalidades da

divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas relações de

trabalho masculinas e femininas é demonstrada não apenas na divisão de tarefas,

mas nos critérios que determinam a qualificação das tarefas, nos salários, na

disciplina do trabalho. A divisão sexual do trabalho não é tão somente uma

decorrência da distribuição do trabalho por ramos ou setores de atividade, senão

também o princípio organizador da desigualdade no trabalho (LOBO, 1991).

A divisão sexual do trabalho não cria a subordinação e a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho, mas recria uma subordinação que existe também nas outras esferas do social. Portanto a divisão sexual do trabalho está inserida na divisão sexual da sociedade com uma evidente articulação entre trabalho de produção e reprodução. E a explicação pelo biológico legitima esta articulação. O mundo da casa, o mundo privado é seu lugar por excelência na sociedade e a entrada na esfera pública, seja através do trabalho ou de outro tipo de prática social e política, será marcada por este conjunto de representações do feminino (OLIVEIRA, 1998, Pág. 252).

Portanto na visão de algumas autoras, gênero, classe e raça são categorias

coextensivas no dizer de Kergoat, e um nó, no dizer de Saffioti. Essas duas

29

preposições se referem a gênero e à divisão sexual do trabalho. A divisão sexual do

trabalho, como base material do sistema de sexo­gênero concretiza e dá

legitimidade às ideologias, representações e imagens de gênero. Estas por sua vez

fazem o mesmo movimento em relação às práticas cotidianas que segregam as

mulheres nas esferas reprodutivas e produtivas, num eterno processo de mediação.

(CARLOTO, 2002).

Segundo Hirata (2002), o trabalho reprodutivo é aquele voltado para a

reprodução dos seres humanos e da força de trabalho, o que inclui as tarefas

domésticas e os cuidados com as crianças e os/as doentes, sendo todas estas

atividades conferidas às mulheres. Já o trabalho na esfera produtiva é aquele

indispensável para a produção da vida material, ou seja, trazem bens de consumo e

serviço, realizado no espaço público, sendo atribuído aos homens.

O termo “divisão sexual do trabalho” aplica­se na França, a duas acepções de

conteúdos distintos. Trata­se, de um lado, de uma acepção sociográfica: estuda­se a

distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e

nas profissões, e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; e se

analisa como ela se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos

(KERGOAT, 2003).

A forma atual da divisão sexual do trabalho acontece simultaneamente ao

desenvolvimento do capitalismo. Portanto, o trabalho assalariado como sendo

trabalho produtivo, não teria se fundado sem a existência do trabalho doméstico,

dado como trabalho reprodutivo. A divisão sexual do trabalho nos mostra que essas

desigualdades são sistemáticas e que se articulam através de uma reflexão sobre os

processos mediante os quais a sociedade diferencia para hierarquizar as atividades.

A divisão sexual do trabalho, conforme Hirata (2002) é estabelecido sob dois

princípios: o da separação, em que existem trabalhos de mulheres e trabalhos de

homens, e, incluso nesta separação, às mulheres estão destinadas ao trabalho

doméstico. O outro é o principio da hierarquização em que os trabalhos dos homens

têm mais valor social do que o das mulheres.

30

A hierarquia social do masculino e do feminino estabelece a inferioridade e a subordinação quanto à classe, e essa modalidade esta longe de ser esgotar no mercado de trabalho. As fronteiras do feminino e do masculino se deslocam... Trazendo novos contornos da divisão sexual do trabalho apoiando na hierarquia social sobre o masculino e feminino na sociedade (HIRATA, 2002, pág.25).

No debate da divisão sexual do trabalho, as relações hierárquicas entre homens

e mulheres estabelecem um dos mecanismos para a sustentação da subordinação

da mulher, impondo ambos lugares distintos e desiguais no mercado de trabalho,

expandindo­se para outros setores da vida social. A isto se sobrepõe uma

diminuição dos custos com a reprodução da força de trabalho. Esta divisão,

portanto, baseia­se nas relações de gênero dominantes. Neste sentido, o tema da

divisão sexual do trabalho parece expressivo nas análises das relações de trabalho

e repercute no cotidiano das vidas dos trabalhadores/as.

Segundo Hirata;As conseqüências dessa evolução feminina são múltiplas, mas pode­se dizer que uma das importantes consiste no fato do modelo de trabalho precário, vulnerável e flexível pode constituir um modelo de trabalho que prefigura um regime por vir de assalariamento masculino e feminino. As mulheres podem ser mais facilmente cobaias de experimentações sociais porque são menos protegidas, tanto pela legislação do trabalho quanto pelas organizações sindicais, e são mais vulneráveis. (HIRATA,2002, pág.25).

As intensas alterações atenuadas pelas políticas neoliberais, haja vista a

globalização da economia e a abertura comercial têm potencializado as

desigualdades de gênero. Mesmo com todas essas alterações, houve um

crescimento importante da mão­de­obra feminina no mercado de trabalho.

O relato de uma das entrevistadas reforça que apesar dos conflitos existentes,

as mulheres têm obtido um grande crescimento tanto pessoal quanto profissional ao

adentrarem o mundo do trabalho.

“Apesar de o trabalho ser cansativo, eu me gratifico muito em trabalhar... tive uma grande oportunidade aqui...um grande aprendizado na minha vida

31

profissional.. pois estou concluindo os meus estudos e, quando eu terminar meus estudos eu quero crescimento profissional”( LILÁS).

No sistema de reestruturação produtiva, as mulheres têm tido uma presença massiva na economia informal, ou em trabalhos em domicílio. Além disso, há o

acúmulo de afazeres como a dupla jornada, devido à necessidade de conciliar o

trabalho remunerado com o trabalho doméstico e o cuidado com crianças e com os

maridos. As mulheres recebem os salários mais baixos, apesar do bem como o seu

grau de escolaridade ser mais alto que o dos homens. Podemos citar dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) IBGE, 56,7% das mulheres

tinham nível superior em contraposição a 43,3% homens. Ainda de acordo com o

estudo, outra atividade de trabalho preponderantemente realizada pelas mulheres, e

praticamente invisível na sociedade, é a realização dos afazeres domésticos. Do

total das mulheres ocupadas, 87,9% declaram cuidar dos afazeres e do total dos

homens, 46,1%. O numero médio de horas na semana dedicado a esses afazeres é

de 20,9 para mulheres e de apenas 9,2 para os homens. Com todas essas

dificuldades e avanços, as mulheres ainda procuram oportunidade para ascensão

profissional, qualificação, formação política e profissional.

O poder público tem grande responsabilidade em modificar as desigualdades

sociais de gênero das relações de poder entre os sexos, cabe ao poder público,

através de políticas públicas que incorporem a perspectiva de gênero na sua agenda

política. O mesmo Estado é responsável por políticas que atravessam diretamente o

cotidiano destas mulheres, tais como escolas e creches, que dada a devida

importância, podem possibilitar a liberação do tempo utilizado na vida doméstica

para o desenvolvimento profissional e, conseqüentemente, a qualificação da

presença da mulher no mercado de trabalho.

Contudo, podemos dizer que a conquista da autonomia econômica através das

políticas de geração de renda, precisa ser rediscutida, a fim de que se incorporem os

elementos essenciais que pertencem atualmente ao debate acerca das relações de

gênero, e em especial divisão sexual do trabalho, enquanto categoria essencial para

32

a compreensão da organização das práticas sociais na sociedade, bem como os

aspectos fundante que invisibilizaram a ascensão feminina no processo de

construção da história.

As compreensões destes fatores possuem categorias próprias, não deixando

de estar imbricados na relação social, permitindo às políticas sociais a inclusão da

discussão da questão de gênero, de modo, que fortaleça o compromisso com a

desconstrução das práticas sociais, que, historicamente, invisibilizaram o trabalho da

mulher, podendo, neste sentido, avançar para além da reprodução de ações e

discursos que ainda persistem na focalização na mulher, sem considerá­la como

sujeito de direito.

Assim, a luta entre diferenças entre homens e mulheres não são um processo

natural, elas são socialmente construídas pela sociedade, sendo um produto

histórico, variável no tempo e no espaço. Deste modo é necessária e urgente a

reorganização da divisão do trabalho, de forma a proporcionar um maior

compartilhamento das atividades, bem como a construção de políticas públicas que

possibilitem às mulheres as mesmas oportunidades de trabalho existentes aos

homens, a fim de se construir mais horizontes entre os gêneros que possam ser

reproduzidas e mantidas no âmbito do privado e do público.

33

CAPITULO 3: AS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO E AS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: O QUE OS SUJEITOS PENSAM?

3.1. AS ATUAIS CONFIGURAÇÕES DE FAMÍLIAS

Atualmente, as mudanças nos estudos sobre família resultam das

transformações vivenciadas pelas famílias na realidade. Tais mudanças são

decorrentes de inúmeros fatores, dentre eles, destaca­se: o ingresso maciço das

mulheres no mercado de trabalho, apontando para evidências de que os modelos de

conciliação entre trabalho pago e vida familiar baseados na clássica dupla "homem

provedor" e "mulher cuidadora" vêm sendo alterados.

As mulheres permanecem como as principais "cuidadoras", mas o trânsito

entre o espaço doméstico e o mundo público se constitui um dado contemporâneo,

em que os homens também vêm dividindo tarefas, mesmo que lentamente. Osterne

(2004) esclarece que a família é um princípio de construção da realidade incorporada pelos próprios indivíduos, partindo de algo imposto pelo coletivo e

socialmente construído. No caso do Brasil, um aspecto que merece destaque

particular é o que se refere ao tamanho e à composição das famílias (BERQUÓ,

2002). A intensificação do ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a partir da

década de 1970, contribuiu para essa uma mudança substancial nos arranjos

familiares no país.

Historicamente o termo família é derivado do latim famulus, originado na Roma

Antiga, que quer dizer “escravo doméstico”, ou seja, era designado somente para o

grupo de escravos pertencentes a um mesmo homem, a qual esta relação estava

imbricada com os trabalhos na agricultura. O patriarca desta composição familiar

tinha grande poder sobre todos os membros e detinha os direitos de vida e morte

sobre eles (ENGELS, 1997).

Na contemporaneidade, porém, a família, portanto, é uma sociedade instituída

de elementos que cultivam laços afetivos entre seus membros, como: pai, mãe,

34

filhos, os quais por fazerem parte desta sociedade compartilham do mesmo espaço,

cultura, valores éticos, que norteiam a trajetória desta sociedade.

“Família para mim é tudo. É tudo que eu tenho sem ela não vivo... são meus filhos, meu marido, minha mãe e meu pai, Meu sentimento de família é muito forte, eu valorizo muito isso... acho que sem a família é impossível. O vazio é enorme” (Lilás)

“Família para mim é tudo, é meu refúgio, minha proteção... minha família é tudo sem ela eu não vivo... eu não poderia ter família melhor que a minha sou realizada pela que eu tenho claro que todas têm alguns desentendimentos, mas a minha é ótima... não preciso de outra”. (Marfim)

Percebemos na fala de uma das entrevistadas, que essas mulheres dão um

grande significado à família, como sendo um lugar de acolhimento, de amparo,

chegando a atribuir à família o sentido de sua vida.

Os estudos da família brasileira estão vinculados a dois posicionamentos

conceituais específicos: o primeiro projeta­se a partir do modelo de família patriarcal

como sendo um modelo histórico da família brasileira; e o segundo, está vinculado

no modelo revisto.

Neste primeiro momento, a família patriarcal foi tomada como 'civilizadora', o

modelo hegemônico, conferindo a seus membros a preservação de uma ordem

social. Entretanto, havia outras organizações familiares possíveis, “apêndices” e

complementos daquela estrutura patriarcal. A ideia de constituição da família

patriarcal acabou influenciando também, a compreensão de formação da sociedade

brasileira e marcou todo um período de produção intelectual acerca do tema.

O segundo momento é marcado pela percepção de que o poder absoluto da

família patriarcal encobriu outras formas de organizações familiares que se

organizaram por todo o território nacional e refletiam as possibilidades de

sobrevivência de uma população numerosa numa sociedade desigual. Ainda que a

família patriarcal tenha existido e sido extremamente importante, é preciso sempre

lembrar que ela certamente não existiu sozinha, nem comandou do alto da varanda

35

da casa grande o processo total de formação da sociedade brasileira, nem

tampouco era uma parcela significativa no todo populacional.

A família patriarcal era, logo, a espinha dorsal da sociedade e exercia os

papéis de procriação, administração econômica e direção política. Na casa­grande,

coração e cérebro das prestigiosas fazendas, nasciam os numerosos filhos e netos

do patriarca, traçavam­se os destinos da fazenda e educavam­se os futuros

dirigentes do país. A unidade da família devia ser resguardada a todo custo, e, por

isso, eram comuns os casamentos entre parentes. A fortuna do clã e suas

propriedades se mantinham assim indivisíveis sob a chefia do patriarca. (FREYRE,

1943). Percebemos assim, que predominava na família patriarcal, a dominação

masculina do homem por excelência.

A estrutura doméstica patriarcal era caracterizada pela primazia do núcleo

conjugal e predominância da autoridade masculina, vista na figura do chefe,

“coronel”. Esse modelo também apresentava a imposição seguida de rigidez e

hierarquização ao determinar os papéis dos membros da família e, principalmente, o

controle da sexualidade feminina.

Mesmo não sendo o único modelo de organização de família da época, a

família patriarcal era nada mais do que uma forma dominante de constituição social

e política, esta teve uma grande influência histórica no ordenamento social e, é

considerada por Freyre como o órgão de formação social brasileira.

A família não o individua, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador do Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo­se na aristocracia colonial mais poderosa de América. (FREYRE, 1943, Pág.18)

Com o advento da industrialização no Brasil, ocorreram grandes modificações

no status atribuído à família. O capitalismo industrial proporcionou duas mudanças

cruciais nessa instituição, sendo a primeira, a união da família para vencer as

controvérsias da luta pela vida, a segunda transformação foi enfraquecimento como

36

grupo extenso, não tendo condições de subsistir perante o ambiente de

proletarização.

A divisão social de classes e de trabalho advinda da sociedade industrial

provocou uma segregação entre casa e local de trabalho, fazendo com que

houvesse grandes alterações na família, a exemplo das mudanças nos papéis

sociais dos membros da família e o favorecimento de uma nova estrutura familiar

menor e mais intimista. Freyre (1943) que diz a divisão sexual de trabalho e

proveniente do trabalho de campo, quase todos entregues as mulheres, como o de

dentro de casa, também principalmente feminino... às mulheres, porém na época,

trabalhavam mais que os homens”

Deste modo, o modelo de família nuclear burguesa, ou seja, aquela formada

por pai, mãe e filhos, adquire centralidade no século XVIII, na Europa ocidental. No

Brasil, esse modelo de família após a chegada da Corte portuguesa, o que trouxe

consigo novas exigências à sociedade brasileira.

As transformações da família se deram a partir da chegada da Corte

Portuguesa ao Rio de Janeiro. Com o início de uma vida social na Colônia, acelera­

se o processo de urbanização, a população aumenta consideravelmente, novos

valores e elemento cultural modernizadores pautados no modo de vida europeu são

introduzidos na sociedade, estabelecendo uma nova ordem social e política.

(PEIXOTO, 2010).

De acordo com Osterne (2004), essa família é interiorizada socialmente como

natural. Esse modelo de família teria sido instalado, primeiramente junto à

burguesia, antes de ser estendido para todas as demais classes sociais,

caracterizando­se pela autoridade restrita aos pais, sendo centrada na criança no lar

e no patrimônio.

A autora relata que:

Com o aparecimento da escola, da privacidade do lar, da ênfase na igualdade entre os filhos, da manutenção das crianças, junto aos pais no núcleo conjugal, do sentimento de família em íntima relação com o sentimento de classe, valorizado pelas instituições, sobretudo pela igreja,

37

inicia­se o que se convencionou chamar: família nuclear burguesa. (OSTERNE, 2004, pág. 35)

De fato, diante do cenário da época, o sentido de ruptura que muitas dessas

mudanças adquirem é maior na vida mulheres. Isso, contudo, não define a natureza

das relações como menos conflitantes. Os espaços familiares são lugares onde

circulam e são geridos bens materiais e simbólicos que nem sempre são passíveis

de consensos entre seus pares. Não só a individuação abre espaços para maiores

demandas pessoais, como também as condições de uso e de acesso aos recursos

tendem a ser objeto de conflitos (SCALON, 2006).

Em contrapartida, as relações intrafamiliares não são apenas derivadas dos

sentidos subjetivos conferidos por seus membros ou ainda pela dinâmica interna ao

ambiente doméstico. Elas são mediadas também por aspectos exógenos,

decorrentes dos modos de organização da vida pública e dos lugares em que os

indivíduos ocupam e disputam nessas esferas. As dinâmicas organizacionais e o

acesso a determinados tipos de recursos têm impacto sobre a vida familiar e

conjugal, tanto quanto estas influenciam as disposições e as chances dos indivíduos

na vida pública.

As configurações do grupo familiar hoje se apresentam em função da

necessidade de conviver em um grupo. Sendo a família o primeiro grupo que

referência e de proteção e a socialização dos indivíduos, independente das múltiplas

configurações e representações que a família contemporânea apresente. A mesma

se estabelece num caminho de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações

sociais aos membros inseridos. No relato de uma das entrevistadas percebemos a

importância do “compartilhar”, da divisão do trabalho na família.

[...] é claro que a gente tem que trabalhar e compartilhar com o marido pra ter uma renda, porque a gente precisa criar os filhos, a gente precisa ajudar em casa, porque hoje em dia é difícil uma casa em que só o homem trabalha, hoje em dia não existe mais isso, a mulher também tem que ajudar na renda de casa. (Branca)

38

No entanto, a partir desse relato, fica evidente que o sentido financeiro que a

entrevistada dar a seu trabalho, ou seja, que a renda provinda de seu trabalho está

associada a uma “ajuda” na renda familiar e, o principal provedor permanece sendo

o marido, dentro de um regime de complementação e hierarquização do trabalho

entre homens e mulheres. Desta forma, podemos indagar conforme escrito por

Almeida (2007) que a renda da mulher ainda é tida como “complementar”, mesmo

quando esta é a única fonte de renda da família.

A tarefa de transferência de valores e padrões de comportamento servirá de

subsídios orientadores no desenvolvimento de novos grupos sociais, e é na família

que provêm valores de autoridade, obediência e respeito em relação na inserção de

seus membros na sociedade.

“Nesse processo de construção, a família pode se constituir no decorrer de sua vida ou em alguns momentos de sua vida, tanto num espaço de felicidade como num espaço de infelicidade. Tanto num espaço de desenvolvimento para si e para seus membros, como num espaço de limitações e sofrimentos ”(MIOTO, 1997, pág. 119).

Em linhas gerais podemos afirmar que houve diminuição no tamanho e

diversificação nos arranjos familiares – hoje é grande o número de famílias

monoparentais, reconstituídas, concomitante à clássica nuclear. Há também um

aumento do número de mulheres chefes de família juntamente com o ingresso

constante das mulheres no mercado de trabalho, conforme descrito anteriormente.

Isso faz com que as mulheres, em muitos casos, dividam as responsabilidades de

manutenção da família, provocando uma revisão de comportamentos entre os

sexos. Diniz (1999) revela que:

...Nas últimas duas décadas, analisar as famílias, no Brasil, significa debater sobre um processo que tem comportado profundas modificações. Dentre os quais podem ser destacados: “(...) queda no tamanho médio das famílias; redução da taxa de fecundidade; ingresso maciço de mulheres no mercado de trabalho, movimento que não corresponde necessariamente à conquista de igualdade de condições entre homens e mulheres trabalhadores (as)” (MORGADO, 2004, pág. 9).

39

A família é, portanto, uma instituição social que garante a participação efetiva

e a identificação de seus membros com o seu grupo social, pois é nela que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. É onde se forma a nossa

primeira identidade social, sendo a família a mediadora entre o indivíduo e a

sociedade.“Esta ideologia foi fortalecida, por um lado, pela ligação direta que faz entre os fatos naturais (sexo, nascimento, morte) e a família e, por outro, pela importância que a experiência afetiva familiar passou a ter na vida das pessoas, no contexto de uma sociedade industrial cada vez mais desumanizada” (MIOTO, 1997, pág.117).

Com as alterações no mundo do trabalho, com o aumento número de

desempregos e de trabalhos precários, as mulheres, muitas vezes, acabam

assumindo a responsabilidade financeira da família. Esse fato, de certo modo, abala

a autoridade masculina, uma vez que a chefia da família se desloca do papel

historicamente atribuído aos homens, como provedor.

Sarti (2004) questiona a ideia da família se constituir como núcleo, sobretudo,

nas populações em situação de pobreza. Afirma que as famílias pobres se

estabelecem em rede familiar, que ultrapassa os limites da casa. As mulheres chefes

de família, ao terem de trabalhar, transferem responsabilidades dos filhos para tia,

avó, vizinha, etc. Há uma coletivização dos cuidados pelas crianças, em que se

estabelece uma lógica de obrigações morais entre as próprias mulheres. Os laços

consangüíneos já não são tão importantes, as relações com os parentes levam em

consideração a capacidade de oferecer algo a si mesmo ou a outrem, receber,

retribuir e confiar. Para a autora, entre os pobres a família é como rede de

sociabilidade e ajuda mútua. A família é uma referência que organiza e ordena sua

percepção do mundo social, dentro e fora do mundo familiar. (SARTI, 1997).

A família não é apenas o elo afetivo mais forte dos pobres, o núcleo da sua sobrevivência material e espiritual, o instrumento através do qual viabilizam seu modo de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social. Em poucas palavras, a família é uma questão ontológica para os pobres. Sua importância não é funcional, seu valor não é meramente instrumental, mas

40

se refere à sua identidade de ser social e constitui o parâmetro simbólico que estrutura sua explicação no mundo. ( SARTI, 1997, pág. 33).

A família para os pobres associa­se aqueles em quem se pode confiar. Como

não há status ou poder a ser transmitido, o que define a extensão da família entre os

pobres é a rede de obrigações que se estabelece: são da família aqueles com quem

se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dão aqueles,

portanto para com quem se têm obrigações. São essas redes de obrigações que

delimitam os vínculos, fazendo com que as relações de afeto se desenvolvam dentro

da dinâmica das relações descritas neste capítulo. (SARTI, 2008).

A modernização trouxe mudanças nos estilos de vida de homens e mulheres,

especialmente na fase de desenvolvimento pós­industrial, gerando, também,

transformações inevitáveis em termos de valores culturais. Tais valores operam

como impulsionadores decisivos de diferenças de gênero, assim como geracionais

na sociedade, de mudanças de acordo com os diferentes níveis de desenvolvimento

social, político e econômico.

Atualmente, a família vem adquirindo uma centralidade nas políticas sociais.

Entretanto, a maior parte dessas políticas está diretamente vinculada aos programas

de transferência de renda, sendo as mulheres as principais responsáveis familiares

pelo desempenho dessas políticas no âmbito da família, o que acarreta um acúmulo

de trabalho para as mulheres. Como afirma Faleiros:

“No Brasil, a maioria das medidas de intervenção estatal realizam uma transferência de recursos, dos mais pobres aos mais ricos. É verdade que as medidas de assistência realizam certa redistribuição de renda, mas limitadas sempre a um nível mínimo, a uma clientela restrita e com um controle rígido. As lutas pelas igualdades de acesso, pela eqüidade alcançam resultado parcial, já que as condições gerais de produção de desigualdade são mantidas” (FALEIROS, 2000, pág.69).

Nesse sentido, é notório que devido ao avanço tecnológico e a ampliação das

indústrias e dos serviços, o mercado de trabalho, está cada vez mais exigente,

buscando mão de obra qualificada e especializada. Desta forma, o mercado de

41

trabalho torna­se mais excludente, sendo os pobres os mais atingidos por essas

exigências. Assim, é indispensável a criação de programas mais amplos, de atenção

aos membros das famílias que possibilitem continuamente o seu acesso, por

exemplo, à profissionalização e a inserção no mercado de trabalho.

“É fundamental, portanto, a criação de serviços amplos de atenção familiar que se caracterizem como um ‘continuum’ ao longo do clico vital, enfatizando aspectos preventivos e promocionais. São oportunidades de crescimento que precisam ser trabalhadas para a conquista da maturidade afetiva, social, intelectual, moral e espiritual” (OLIVEIRA, 1997, pág.36).

É muito comum o homem ou a mulher atribuírem à família suas frustrações

que são adquiridas fora do lar como: advindas do trabalho, meios de transporte,

baixos salários, violência urbana, entre outras. Esses são aspectos resultantes da

falta de uma política públicas sociais que afirme legitimidade os seus direitos, como

cidadã. Diante desse contexto, percebemos hoje que muitas famílias brasileiras

enfrentam numerosos problemas. São conflitos de várias ordens e diversos graus de

complexidade, ocasionados por uma situação de agravamento das suas condições

de sobrevivência e existência na sociedade atual.

No próximo item abordaremos em nossas análises questões referentes às

mulheres trabalhadoras, as quais se concretizam a partir das práticas, valores e

papéis estabelecidos no mercado de trabalho entre homens e mulheres em todos os

espaços de sociabilidade.

3.2. AS CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO NAS FAMÍLIAS DAS MULHERES TRABALHADORAS DA COBREV

Ao discorrermos sobre a categoria família no item anterior, percebemos que a

família tida socialmente como legítima, “normal”, que se interioriza no imaginário da

maioria das pessoas, caracteriza­se como um conjunto de indivíduos aparentados

que se ligam entre si por alianças, casamentos, filiação, adoção ocasional ou

42

afinidade. É pressuposto comum que esses indivíduos habitem um mesmo teto.

Nessa ótica, a imagem mais instantânea que se tem de uma família é aquela

composta por pai, mãe e filhos vivendo numa mesma casa.

Essa imagem corresponde a um modelo, o tradicional modelo da família

nuclear burguesa. Essa família, considerada natural, uma vez apresentada com a

aparência de ter sempre existido dessa forma, é de fato, uma invenção recente

como Bourdieu (1996). As famílias aparecem não como produto de atos de

construção, mas como entidade estável, constante e resistente no mundo das

coisas.

Assim, o termo família,

Passa de uma ficção nominal a grupo real, cujos membros estão unidos por intensos laços afetivos, é preciso levar em conta todo o trabalho simbólico e prático que tende a transformar a obrigação de amar em disposição amorosa e a dotar cada um dos membros da família de um ‘espírito de família’ gerador de devotamentos, de generosidades (...). As estruturas de parentesco e a família como corpo só podem se perpetuar ao preço de uma criação continuada do sentimento familiar (...). (BOURDIEU, 1996, pág.130).

No decorrer da história, percebemos que a situação das mulheres varia no

tempo e no espaço. As mulheres têm sido agentes ativos na história da humanidade.

No entanto, percebemos as relações de desigualdades que estas mulheres

enfrentam, sobretudo, diante das relações com os homens. A participação feminina

no mercado de trabalho foi fruto dos avanços das lutas feministas. Entretanto, a

maioria das situações vividas pelas mulheres tem sido nos espaços de trabalho,

pautada por salários incompatíveis com suas funções e qualificações, quando

comparados aos salários dos homens, além do desenvolvimento de múltiplos

papéis, decorrente do nível de polivalência exigida pelo mercado, dentre outros.

As mudanças sociais vinculadas aos processos de trabalho alteraram também

o modelo de família patriarcal, que não mais permanecia adequado às novas formas

de reorganização do processo produtivo. De acordo com Oliveira, (2007) “trata­se de

uma verdadeira revolução, que tem se processado nos costumes, na sexualidade,

no casamento, afetando de forma marcante o padrão de família”. A partir de então, o

43

antigo modelo patriarcal foi gradativamente se modificando e, as mulheres passaram

a assumir novas funções, não diretamente vinculadas aos cuidados domésticos e

familiares, mas sim atividades fora do âmbito doméstico, liberando­as assim para

mercado de trabalho. Uma das entrevistadas retrata que,

“Trabalho para não depender do meu marido (...) trabalho significa crescimento profissional, deixar de ser dona­de­casa, independência financeira. Significa amor, gosto do que faço, é liberdade, quero comprar o que quero... não gosto de ficar presa.” (Pink)

O sentimento de autonomia demostrado no relato acima está diretamente

vinculado à presença dessa mulher no mercado de trabalho. É com esse

pensamento que essas mulheres hoje vêm enfrentando muitos obstáculos para

estarem no mercado de trabalho.

A inserção das mulheres no mercado de trabalho se estabeleceu como dito

anteriormente, com o avanço do capitalismo industrial. A partir daí é constituída,

mais definitivamente, a separação entre o mundo da produção e o mundo

doméstico. Dessa forma, as mulheres ao se incluírem no mercado de trabalho,

apesar de ser ainda de modo desigual ao homem, pois continua existindo

preconceito e discriminação passam a conquistar direitos.

Conforme Freitas (2007),

Embora se verifique uma maior valorização de certas carreiras femininas, as mulheres ainda ocupam maior parte dos postos mais instáveis e de remuneração mais baixa, evidenciando a permanência das igualdades das relações sociais entre os sexos. (FREITAS, 2007, pág. 56)

As lutas do feminismo, a partir da década 1960, provocaram mudanças nos

papéis desempenhados pelas mulheres na família e na sociedade, através das

reivindicações pela igualdade entre os gêneros. Destaca­se a luta pelo acesso das

mulheres ao mercado de trabalho em condições iguais a dos homens.

44

No Brasil, as mulheres como sujeitos do feminismo, participaram da luta contra

a ditadura, contra a violação dos direitos humanos e outras práticas de opressão e

dominação, exigindo liberdade e igualdade de direitos. Esses anos foram marcados

pela revolução sexual e cultural.

As mulheres começaram a sair do espaço doméstico para estudar, trabalhar,

estabelecer relações fora do casamento e participar de sindicatos e partidos políticos

dentre outros. Na condição de sujeitos das suas ações, podemos elencar que as

mulheres foram vítimas de preconceitos, acusadas de desviar os “bons costumes” e

responsabilizadas pela ruptura dos padrões da moral vigente. Nessa acepção,

Castells (1999) destaca que essas relações de desigualdades estão vinculadas as

estruturas patriarcais. O autor relata que,

As relações de desigualdades de gênero se sustentam nas estruturas do patriarcalismo que se caracteriza “pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher, que permeia todas as organizações da sociedade, da produção do consumo, à política, à legislação e à cultura. Além desses lugares, o patriarcado expressa­se também no campo do discurso, da linguagem, da subjetividade e símbolos. Essas manifestações permeiam as relações sociais dentro e fora do espaço doméstico/privado” (CASTELLS, 1999, pág. 169).

Coelho (2006) coloca ainda, que só no início dos anos 1990 as mudanças

ocorridas no trabalho e na modernização da sociedade provocaram uma redefinição

nas identidades masculina e feminina. Essas mudanças e conquistas ocorreram

devido ao trabalho e à modernização da sociedade. Passa­se nesse período a

haver uma relativa divisão de tarefas domésticas, passando os homens a se

envolverem mais com as tarefas do dia a dia do lar. Há também o aumento da chefia

feminina no âmbito doméstico, assim as mulheres em algumas famílias, assumem o

sustento financeiro parcial ou total da família. Conforme relato de uma das

entrevistadas:

“Trabalho significa pra mim é crescimento profissional, deixar de ser dona­de­casa, dividir com meu marido as despesas e não ficar só dependendo dele para comprar minhas coisas e do meu filho... Prefiro trabalhar e dividir tudo com meu marido não só o dinheiro, mas também as tarefas de casa e a educação de nossos filhos”. (Lilás)

45

Podemos ver que neste relato que o trabalho feminino é uma grande fonte de

gratificação e obtenção de sucesso na sua vida, em que elas passam a ocupar

espaços públicos e de reconhecimento até então negados às mesmas. O fato é que

mesmo com a quebra do isolamento do lar e participação na esfera pública, este

processo de entrada no mercado de trabalho se arrasta até os dias atuais em um

processo de retrocessos e conquistas.

É perceptível na contemporaneidade que, mesmo depois de muitas batalhas,

as mulheres ainda recebem salários proporcionalmente menores que os homens e

dificilmente assumem cargos de chefia.

Apesar de terem adentrado em massa no mundo do trabalho no Último século, as mulheres ainda ganham menos e dificilmente conseguem chegar aos últimos degraus da hierarquia de empresas e de outras instituições publicas. (MOREIRA, 2006, pág.126).

Há os que acreditam que isso é uma conseqüência vinda do acúmulo de tarefas

desempenhadas pelas mulheres para conciliar o trabalho fora de casa e as tarefas

domésticas. Uma das razões para haver tão poucas mulheres em cargos de

comandos nas empresas, em todo o mundo, é a opção de um grande número delas

pela diminuição da carga de trabalho. (Diniz, 2004).

O homem, de modo geral, ainda continua ausente na divisão das tarefas domésticas. Por não ter conquistado a equidade de gênero na esfera privada, ou seja, a participação do masculino nas tarefas da casa, a mulher assume uma carga de trabalho no espaço público semelhante ou mais exaustivo do que a do trabalhador masculino. (DINIZ, 2004, pág. 04).

Este cenário apresenta repercussões positivas para as mulheres. Segundo o

autor a mulher é portadora de uma espécie de licença da sociedade. Enquanto o

homem ainda é cobrado, principalmente pelo sucesso profissional, para as mulheres

isso é uma possibilidade, não uma obrigação. Mesmo porque, infelizmente, ainda há

a ideia de que a identificação com a profissão como fonte de sucesso é algo mais

presente nos homens do que nas mulheres.

46

Contraditoriamente, inúmeras mulheres estão saindo da condição de

coadjuvante no mercado de trabalho e assumindo funções mais estratégicas nas

empresas. Hoje as mulheres têm maior nível de escolaridade, o que possibilita

maiores oportunidades de trabalho. Com tantas conquistas no mercado de trabalho,

ainda observamos no cenário atual uma desigualdade de cargos, funções e salários

com relação aos homens.

“Quando eu terminar meus estudos eu quero crescimento profissional. Eu acho muito importante trabalhar, pois se minha filha ficar doente eu tenho dinheiro não precisa pendurar conta... às vezes nem vejo minha filha quando saio, ela está dormindo e quando chego também esta dormindo, chego tarde da aula e não dá tempo de chegar e pegar ela acordada. É muito ruim, mais na frente, eu vou ter reconhecimento profissional e poder suprir tudo que hoje eu faço pela minha filha e minha família.” (Lilás)

É notório na fala dessa mulher entrevistada que a necessidade de crescimento

profissional, mediante os esforços cotidianos de conciliar trabalho e maternidade.

Entretanto, sua vontade de realização profissional é mais forte, mesmo que para

isso, a mesma fique ausente do convívio com a filha causando­lhe, de certo modo,

algum tipo de sofrimento e culpa.

Soares (2003), indaga que as mulheres têm uma função de cuidado da família,

mas são oferecidas oportunidades de ascensão no mercado de trabalho,

possibilitando­as usufruírem das conquistas que esses espaços oferecem a elas, o

que influencia a construção da cidadania.

Sarti (2007) observa uma questão a respeito da proporcionalidade das

responsabilidades dentro do lar. A autora relata que o trabalho para a mulher não é

um problema em si, pois a mesma está acostumada a trabalhar, porém manter o

respeito e a autoridade exercida pelo homem é superar um universo peculiar no seu

contexto.

Segundo Wagner (2005),

A necessidade de analisar e compreender a coexistência dos aspectos modernos e tradicionais nas famílias contemporâneas nos últimos 15 anos

47

revelou um considerável aumento no número de pesquisas sobre a divisão de gênero nessas atividades domésticas. Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos têm constatado que a divisão das tarefas domésticas ainda tende a seguir padrões relativamente tradicionais. Mesmo nas casas onde as mulheres têm um ganho financeiro maior do que os maridos, ou mesmo naquelas onde os maridos estão desempregados, elas realizam uma quantidade muito maior de atividades no trabalho doméstico que eles. (WAGNER, 2005, pág.182).

O autor mostra que apesar das mulheres trabalharem fora, estas mulheres

acabam acumulando funções e responsabilidades antigas com as novas

responsabilidades de sustento do grupo familiar. O estereótipo de gênero, por vezes,

se combina ao estereótipo dos afazeres, sendo algumas consideradas tarefas

predominantemente femininas e outras masculinas. Nessa ótica o trabalho

doméstico exercido pelo homem é visto como uma “ajuda” à mulher e não como

responsabilidade do homem no zelo pela casa.

Desta forma, entendemos que as questões trazidas pelo feminismo como: o

enfrentamento das desigualdades, a autonomia, a relação feminina com público e

privado, o direito ao corpo, democratização das relações de poder entre os sexos,

dupla jornada das mulheres, direitos reprodutivos e sexuais, o enfrentamento da

violência contra a mulher, dentre outras, vêm sendo incluídas numa agenda política

que hoje ultrapassa o próprio movimento de mulheres e no cotidiano, visibilidade,

sobretudo no tocante à autonomia das mulheres como trabalhadora.

Agregamos a partir desta inserção das mulheres ao mercado de trabalho, o

processo de exploração destas no trabalho. As mulheres têm assumido mais um

papel em meio à sociedade: a de trabalhadora assalariada. Contudo, isso não

diminui suas responsabilidades no âmbito da família e da casa. Portanto, determina

uma acumulação de tarefas demandadas socialmente como: a mãe e esposa,

algumas vezes, até em condição de subalternidades ao marido.

Conforme visto, enfatizamos que, atualmente, muitas famílias estejam sendo

“chefiada” por mulheres, porém a lógica patriarcal ainda parece bastante presente

na divisão das tarefas. As mulheres ainda são responsáveis pelo cuidado da casa e

dos filhos, mesmo que cumpra uma longa jornada de trabalho “fora de casa”. Os

resquícios do patriarcado legitimam consagra a dupla jornada de trabalho feminino.

48

Essa dupla jornada materializa­se em suas responsabilidades com os serviços

da casa, cuidados com os filhos e geração de renda. Essa realidade está

configurada no sentido de trabalho percebido pelas mulheres entrevistadas.

Conciliar o tempo de trabalho dentro e fora de casa é condição atual na vida das

mulheres entrevistadas.

Percebemos ainda que o trabalho é uma fonte de reconhecimento social para

elas, mesmo que estejam trabalhando dentro de condições subalternas,

proporcionando uma possibilidade de conquista de espaço na sociedade, uma vez

que se encontram inserida no processo de produção que lhes confere, além de

cidadania antes negada, um resgate do seu próprio desejo de ser reconhecida como

mulher trabalhadora.

49

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora, no século passado, as mulheres tenham presenciado inúmeras

mudanças e conquistas no que se refere à presença destas no mercado de trabalho,

há de ressaltarmos que esse fato não extinguiu a separação entre homens e

mulheres nos processos de desenvolvimento do trabalho, permanecendo ainda uma

divisão sexual do trabalho na sociedade.

Estudar a temática de gênero, com foco nas mulheres é algo encantador. No

início deste trabalho, a nossa pretensão era de resgatar um pouco da história das

mulheres e também a relação referente ao trabalho e à família, na conciliação entre

as duas esferas. No decorrer da pesquisa, após as leituras de textos de autores que

fundamentam a teoria, pudemos ter um cenário mais vasto em torno da análise das

entrevistas realizadas com as mulheres trabalhadoras da COBREV. Percebemos o

quão é importante para suas vidas a permanência no mercado de trabalho, mesmo

que para isso haja certa ausência dos cuidados com a família.

À luz das categorias de gênero e divisão sexual do trabalho, foi possível

analisar que essa relação entre trabalho fora de casa e trabalho doméstico e familiar

expressa às formas de construção social do masculino e do feminino; compreende

que homens e mulheres, apesar da forma desigual, ocupam hoje tanto as esferas

públicas quanto privadas. Cada um exerce papéis sociais legitimados femininos e

masculinos e que, tais papéis não são naturais, portanto podem ser modificados.

A forma das mulheres entrevistadas conciliarem seu trabalho fora de casa com

as responsabilidades essenciais às funções de mãe e/ou esposa é proveniente de

uma tradição a qual ainda se encontra enraizada a ideia do poder patriarcal e do

homem como provedor da família. Reforçamos ainda que as funções exercidas no

âmbito doméstico também são consideradas trabalho, embora não remuneradas,

nem valorizadas pela sociedade.

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Um fato conflitante encontrado nas análises dos resultados foi que, mesmo que

as mulheres entrevistadas estejam conquistando seus espaços no mundo público e

sua autonomia econômica e social, em suas falas ratificam a permanência dos

cuidados da casa e da família, além da atenção ao marido. Isso é visto como algo

naturalizado, o que potencializa a dupla jornada de trabalho.

Este trabalho se encerra privilegiando uma questão que está centrada no

âmbito das aspirações femininas, isto é: o que anseiam as mulheres do século XXI?

A partir dos relatos das entrevistadas, percebemos que ao se depararem com uma

série de possibilidades a partir das conquistas no campo subjetivo, político, social,

estas apresentam em seus discursos questões conflitantes no que tange a

exigências de dar conta de seus múltiplos papéis de esposa, mãe, dona de casa,

trabalhadora, dentro e fora do lar, numa sociedade que ainda é reconhecidamente

sexista.

Essas mulheres expressaram mediante suas falas, as contradições que

permeiam o cotidiano de suas vidas. A intensa jornada de trabalho é algo cansativo,

que mostra as permanências dos papéis historicamente destinados a elas. No

entanto, essas permanências acontecem mediante um cenário de mudanças, a

partir de sua inserção no mercado de trabalho que vai garantir certa autonomia

econômica, ainda que sejam mulheres que exercem um trabalho precário, repetitivo

e com baixos salários.

Contudo, esse estudo não chega a respostas conclusivas, ele aponta algumas

reflexões iniciais sobre a condição feminina. Algo importante para o Serviço Social,

em vista de ser uma profissão eminentemente feminina e também porque a maioria

das usuárias dos serviços sociais são mulheres. Reforçamos ainda que as

desigualdades de gênero são expressões vivas da questão social que é o objeto de

trabalho profissional. Por fim, esperamos que a pesquisa ora realizada possa

contribuir para estudos posteriores e mais aprofundados acerca do tema.

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ANEXOS