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Centro Universitário do Distrito Federal – UDF Coordenação do Curso de Direito Luciana Ramos Ribeiro O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ATUAL Brasília 2011

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF Coordenação ... · Alguns casos são mais chocantes pelo modo como as crianças são encontradas. Outros não chegam a mídia e

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Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

Coordenação do Curso de Direito

Luciana Ramos Ribeiro

O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO SOB A

ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ATUAL

Brasília

2011

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Luciana Ramos Ribeiro

O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO SOB

A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ATUAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Ciências Jurídicas do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: José de Ribamar da Silva.

Brasília

2011

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Reprodução parcial permitida desde que citada a fonte.

Ribeiro, Luciana Ramos.

O concurso de pessoas no crime de infanticídio sob a ótica da legislação atual./Luciana Ramos Ribeiro– Brasília/DF, 2011.

60f.

Trabalho de conclusão de curso, apresentado à Faculdade de Ciências Jurídicas do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: José de Ribamar da Silva.

1. O concurso de pessoas no crime de infanticídio sob a ótica da legislação atual.

CDU

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Luciana Ramos Ribeiro

O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO SOB A ÓTICA DA

LEGISLAÇÃO ATUAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Ciências Jurídicas do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: José de Ribamar da Silva.

Brasília, 28 de maio de 2011.

Banca Examinadora

_________________________________________

Prof. José de Ribamar da Silva

Orientador

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

__________________________________________

Prof.(a) .

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

___________________________________________

Prof.(a) .

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

Nota: ______

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Este trabalho é dedicado em especial à minha

mãezinha Odila, como prova indubitável do meu

amor e gratidão para consigo. Dedico ainda à minha

irmã e minha sobrinha querida que com todo

incentivo e força também contribuíram para a

conclusão deste sonho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao responsável por todas

as minhas glórias e conquistas, meu senhor e meu

Deus, que me permitiu alcançar a tão sonhada

graduação.

Sinceros e grandiosos agradecimentos a minha mãe,

mulher forte e honrada, minha inspiração de vida e

exemplo de garra, pessoa que abdicou inúmeras

vezes de suas vontades para a concretização deste

NOSSO sonho.

Ao competente professor e orientador José de

Ribamar, obrigada pelo apoio, pelos ensinamentos,

pelas correções que certamente foram fundamentais

ao desfecho e conclusão deste trabalho e, por

consequência, a conclusão do tão sonhado curso de

graduação em Direito.

Aos amigos e amigas que sempre estiveram

presentes na minha vida, obrigada sempre pelo

apoio, pelos inúmeros momentos de alegria vividos,

pelo companheirismo, pela verdadeira AMIZADE

de vocês, essenciais na minha vida! Agradeço ainda

aos meus amigos e colegas que construir ao longo

dessa jornada, que, sem sombra de dívidas, fizeram

dias exaustos de aula, em alegres e divertidos, sem

vocês, o curso não seria o mesmo.

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RESUMO

O infanticídio é um crime recorrente que afeta a sociedade. De forma frequente, aparecem na mídia casos que revoltam a coletividade. Esta pesquisa faz um estudo do concurso de pessoas no crime de infanticídio sob a ótica da legislação brasileira. Inicialmente são apresentadas considerações gerais sobre o crime, seus sujeitos e objetos. Analisam-se alguns dos crimes contra a vida, dentro os quais podem destacar o homicídio e o aborto, assim como o crime de infanticídio. Em seguida, trata-se do crime e discutem-se conceitos relevantes ao infanticídio, como definição, histórico, circunstâncias, elementares, apenamento e sujeitos. Posteriormente, o instituto do concurso de pessoas é debatido em detalhe. Faz-se uma exposição mais detalhada acerca da literatura sobre o concurso de pessoas no crime de infanticídio. Apresentam-se a legislação atual e comparada, o apenamento, a jurisprudência e os conflitos dos casos de participação. Por fim, trata-se das tendências quanto ao assunto, a jurisprudência e apresentam-se as possibilidades de estudos futuros.

Palavras-chave : Infanticídio. Concurso de pessoas. Legislação comparada. Jurisprudência.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

1 DO CRIME ............................................................................................................... 4

1.1 CONCEITO DE CRIME ................................................................................................... 5

1.2 SUJEITOS E OBJETOS DO CRIME ............................................................................... 6

1.3 DOS CRIMES CONTRA A VIDA RELACIONADOS COM O INFANTICÍDIO .................. 8

1.3.1 Do Homicídio .............................................................................................................. 8

1.3.2 Do Aborto .................................................................................................................. 10

2 DO CRIME DE INFANTICÍDIO .............................................................................. 12

2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ....................................................................... 12

2.2 SUJEITOS DO DELITO ................................................................................................ 15

2.3 ELEMENTARES DO CRIME ......................................................................................... 15

2.3.1 Da Influência do Estado Puerperal ........... ............................................................... 16

2.3.2 Da Influência do Elemento Normativo Temporal .................................................... 17

2.3.3 Da Influência do Verbo “Matar”: Comprovar a V ida. .............................................. 18

2.3.4 Da Distinção entre Estado Puerperal e Depress ão Pós-Parto ............................... 20

2.4 DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS ................................................................................ 22

2.5 CONSUMAÇÃO, TENTATIVA E CRIME IMPOSSÍVEL ................................................ 23

2.6 PENA E AÇÃO PENAL ................................................................................................. 25

2.7 DISTINÇÃO ENTRE ABANDONO, INFANTICÍDIO, ABORTO E HOMICÍDIO .............. 25

3 DO CONCURSO DE PESSOAS ............................................................................ 27

3.1 DA NATUREZA JURÍDICA ............................................................................................ 27

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3.2 CONCURSO NECESSÁRIO E EVENTUAL ................................................................... 29

3.3 FORMAS DE CONCURSO DE PESSOAS .................................................................... 30

3.4 DA RELAÇÃO COM A TEORIA DA CAUSALIDADE ..................................................... 32

3.5 DOS REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS .................................................... 32

3.6 DA PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS .................................................... 34

3.7 COMUNICABILIDADE DE CONDIÇÃO, ELEMENTAR E CIRCUNSTÂNCIA ................ 35

4 CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO .... ............................ 37

4.1 CORRENTES DOUTRINÁRIAS ..................................................................................... 37

4.2 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO ATUAL E COMPARADA ................................................... 39

4.3 HIPÓTESES DE COMUNICABILIDADE ........................................................................ 40

4.4 TENDÊNCIAS QUANTO AO INFANTICÍDIO ................................................................. 44

4.5 CASOS DE IMPUNIBILIDADE ....................................................................................... 44

CONCLUSÃO ......................................... .................................................................. 46

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 49

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INTRODUÇÃO

Diversos casos de infanticídio são apresentados em telejornais no Brasil.

Alguns casos são mais chocantes pelo modo como as crianças são encontradas.

Outros não chegam a mídia e ficam apenas nas estatísticas policiais. No dia 21 de

março de 2010, uma catadora de lixo encontrou numa manhã de domingo, um feto

que estava dentro de um contêiner no conjunto Recanto das Ilhas, no bairro de São

Rafael em Salvador. Em 30 de dezembro do mesmo ano, outra criança é encontrada

em Ipirá-BA dentro de um saco plástico.

Neste ano, um circuito fechado de televisão flagrou o momento em que

um catador encontrou um bebê em um contêiner em São Paulo. Estes casos,

recentes na memória do brasileiro, exigem uma reflexão: houve alguma discussão

sociológica ou mesmo jurídica sobre o crime praticado? Quem ajuda a mãe no ato

pratica que crime? Deve ser julgado pelo mesmo crime da mãe?

Todos estes casos são exemplos de infanticídio, um crime pouco

analisado e discutido por alunos e estudiosos do direito por envolver pessoas mais

marginalizadas da sociedade que não têm acesso ou informação ou por envolver

raças e etnias distantes ou consideradas atrasadas, como os indígenas brasileiros.

Esta pesquisa retoma a discussão sobre o infanticídio, discutindo sua

evolução ao longo do tempo, o direito fundamental protegido, os conflitos que

surgem na participação de outros indivíduos além da mãe e as elementares do

crime. O foco do estudo é o concurso de pessoas no infanticídio e as discussões que

surgem deste assunto.

A definição do estado puerperal é uma elementar do crime discutida em

detalhe, sendo de fundamental importância para a discussão no concurso de

pessoas. O infanticídio se distingue do aborto por suas elementares de tempo e pelo

objeto tutelado. Ele é, ainda, crime próprio, simples, de forma livre, doloso, comissivo

e omissivo impróprio. É um crime que imprescinde de comprovação de que o

nascente encontre-se vivo, sendo a prova de vida crucial. Estas características

peculiares do crime criam um conflito no caso concreto na aplicação da lei.

A teoria do concurso de pessoas afirma que não se comunicam as

condições ou circunstâncias de caráter pessoal - de natureza subjetiva - de crime.

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Por outro lado, as elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam-se

entre os fatos cometidos pelos participantes, desde que tenham ingressado na

esfera do seu conhecimento. Os conflitos entre as duas posições no crime de

infanticídio e as peculiaridades do crime geram o interesse desta monografia, unindo

estes conceitos no caso do infanticídio, solucionando eventuais conflitos da teoria de

concursos de pessoas.

O Código Penal vigente, não tendo disposição sobre a matéria, obriga o

intérprete a analisar o problema diante das determinações dos art. 29 e 30. Se o

terceiro induz, instiga ou auxilia a parturiente a matar o filho, estará participando do

fato do infanticídio? E se a influência do estado puerperal é elementar do tipo,

comunica-se ao fator do coautor ou partícipe conforme o art. 30 do CPB? Como

resolver este aparente conflito?

Nesse contexto, a presente monografia tem como objetivo discutir a

possibilidade de terceiros atuarem como autores deste tipo penal, seja auxiliando a

mãe como coautor ou partícipe, seja como executor, recebendo o auxílio da

parturiente. A principal motivação da pesquisa será discutir a aplicação teórica do

concurso de pessoas em um crime que, apesar de definido em 1940 e não ter

sofrido muitas mudanças legais, desperta sentimentos intensos na sociedade e na

família. Esta é uma pesquisa do tipo pesquisa bibliográfica que busca a síntese e a

formação de um construto de conhecimento.

Neste estudo, há três perguntas fundamentais que buscam desenvolver o

objetivo retro mencionado: 1. Existe a possibilidade de terceiros atuarem como

autores deste tipo penal?; 2. Há jurisprudência de aplicação de penas ao concurso

de agente no crime de infanticídio?; 3. O estado puerperal é plenamente

comunicável a terceiro?

A pesquisa é organizada em quatro capítulos. No primeiro, serão

apresentadas as definições e os conceitos relacionados a crime. Alguns dos crimes

contra a vida serão discutidos de forma resumida, bem como a importância do bem

jurídico da vida. Em seguida, os tipos e as elementares de dois crimes contra a vida

relacionados com o infanticídio são apresentados de forma breve e as classificações

de crime relevantes para o desenvolvido do tema serão discutidas.

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No segundo capítulo, será feita uma revisão de literatura sobre o crime de

infanticídio. Seu conceito, sua evolução histórica e suas definições serão

apresentadas. Conceitos como as elementares do tipo serão discutidas, o lado

pericial e as peculiaridades do crime são descritas. Além disto, será apresentada

uma distinção entre o crime de infanticídio e alguns crimes de perigo ou contra a

vida.

No terceiro capítulo, tratar-se-á do concurso de pessoas. A natureza

jurídica, definições, formas e comunicabilidades de condições, elementares e

circunstâncias serão discutidas tendo em vista a discussão feita no próximo capítulo.

Uma breve descrição da comunicabilidade de condições é apresentada e os motivos

da possibilidade de conflito no caso concreto do infanticídio são mostrados.

No quarto capítulo, será tratado o concurso de pessoas no crime de

infanticídio. Apresentar-se-ão as correntes doutrinárias sobre o tema e as

possibilidades de resolução de conflitos entre as condições de comunicabilidade e

incomunicabilidade no caso do infanticídio. Será feita uma análise na legislação

atual, comparações com outros crimes e legislações e tendências no tema.

Na conclusão, serão examinadas as principais considerações finais sobre

o estudo, a análise e resposta das perguntas fundamentais, a resolução dos

conflitos teóricos do concurso de pessoas no caso do infanticídio e a possibilidade

de estudos futuros. Na parte final deste trabalho, será apresentado o referencial

teórico utilizado e as fontes bibliográficas.

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1 DO CRIME

O conceito de crime é o ponto inicial para a compreensão dos principais

institutos do crime de infanticídio, objeto central desta pesquisa. Há quatro sistemas

de conceituação do crime: formal, material, formal e material e formal, material e

sintomático. Formalmente, conceitua-se o crime sob o aspecto da técnica jurídica, do

ponto de vista da lei. Materialmente, tem-se o crime sob o aspecto ontológico,

visando à razão que levou o legislador a determinar como criminosa uma conduta

humana, a natureza dela danosa e consequências.1

Segundo Capez2, os dois primeiros sistemas são comuns a todos os

doutrinadores:

O aspecto material é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. No aspecto formal , o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo. (grifo nosso).

O terceiro sistema conceitua o crime sob os aspectos formal e material de

forma conjunta. O delito é uma infração da lei do Estado, promulgada para proteger

a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou

negativo, moralmente imputável e politicamente danoso. O quarto critério visa ao

aspecto formal e material do delito, incluindo na conceituação a personalidade do

agente.3

Dos quatro sistemas, dois predominam: o formal e o material. O primeiro

apreende o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma

penal. O segundo avança no conceito, olhando também aos elementos que dão

1 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.148. 2 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 134-135 3 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.148.

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conteúdo e razão de ser ao esquema legal. Este capítulo discute os conceitos

elementares da teoria do crime para conceituar o tema do infanticídio.4

1.1 CONCEITO DE CRIME

O conceito de crime é o ponto inicial para o estudo de qualquer tipo penal.

A exteriorização de uma conduta não é suficiente para definir o crime. A solução

encontrada pela legislação foi definir o crime em relação à pena que produz. A Lei

de Introdução ao Código Penal, no art. 1º, define formalmente o crime, in verbis5:

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulatividade.

No entanto, o crime não pode ser definido apenas pela sua pena. Outras

definições doutrinárias são necessárias. Para que haja crime é preciso uma conduta

humana positiva ou negativa. Mas nem todo comportamento do homem constitui

delito. Devido ao princípio da reserva legal, somente os descritos pela lei penal

podem ser considerados.6

Não basta, porém que o fato seja típico para que haja crime. É preciso

que seja antijurídico. Isto acontece porque as atividades do homem em sociedade

são complexas e os choques de interesse, às vezes, permite determinadas condutas

que, em regra, são proibidas, mas que não ensejam a aplicação de sanção. É o

caso da legítima defesa. Excluída a antijuricidade não há crime.7

4 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral. Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.148. 5 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 6 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral. Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.151. 7 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 134-135

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1.2 SUJEITOS E OBJETOS DO CRIME

Os sujeitos do crime são as pessoas ou entes relacionados à prática e

aos efeitos da empreitada criminosa. Dividem-se em sujeito ativo ou passivo. O

sujeito ativo é aquele que pratica a figura típica descrita na norma penal

incriminadora, sendo assim, animais e coisas não podem ser sujeitos ativos por lhes

falta o elemento vontade. Para que um indivíduo seja considerado sujeito ativo, é

necessário que tenha capacidade penal, que nada mais é do que o conjunto de

condições exigidas para que um sujeito possa se tornar titular de direitos ou

obrigações no campo do direito penal.8

Apenas o homem possui capacidade para delinqüir. Há crimes que podem

ser praticados por qualquer pessoa imputável. Outros reclamam determinada

posição jurídica ou de fato de agente para a sua configuração, por exemplo, a

qualidade de funcionário público, indispensável à existência do crime de peculato ou

de qualquer outro crime praticado por funcionário público contra a administração em

geral. Trata-se de uma condição jurídica do sujeito ativo.9

Em outros casos, o sujeito ativo precisa possuir uma especial capacidade

penal chamada de condição de fato e os crimes que os constituem recebem a

denominação de próprios, em contraposição aos delitos comuns, que podem ser

cometidos por qualquer pessoa. No crime de auto-aborto, exige-se que a agente

seja gestante.10

Os sujeitos ativos qualificados dos quais se exige capacidade penal

especial são chamados pessoas qualificadas – intranei. Aqueles dos quais se exige

tal qualidade não são destinatários especiais da norma penal, pois o mandamento

8 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.172. 9 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.163. 10 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.172.

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proibitivo que ela contém também se dirige aos extranei, que podem ser partícipes

da conduta punível.11

O fenômeno da capacidade especial do sujeito ativo se reveste de

relevante interesse na questão do concurso de agentes. Assim, embora sejam

próprios, por exemplo, os crimes de infanticídio e peculato, respondem por eles não

somente a mãe ou funcionário público, respectivamente, mas também o estranho

que deles porventura participe.12 Esta capacidade especial é de fundamental

interesse para esta pesquisa, pois diversos autores acreditam que esta condição

especial exige a comunicabilidade para aplicação da pena aos coautores do crime. 13

O sujeito passivo é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência

do crime. Para que seja encontrado é preciso questionar qual o direito tutelado. No

crime de homicídio, o direito é a vida e o homem é o seu sujeito passivo. Todo

homem como criatura viva pode ser sujeito passivo material de um crime. Dessa

forma, o incapaz pode ser sujeito passivo do delito, o recém-nascido pode ser vítima

de infanticídio e o menor em idade escolar é o sujeito passivo do abandono

intelectual. O homem pode ser sujeito passivo mesmo antes de nascer, pois o feto

tem direito à vida, sendo esta protegida pela punição do aborto.14

O objeto do delito é aquilo contra que se dirige a conduta humana que o

constitui. Ele é o bem, de natureza corpórea ou incorpórea, sobre a qual recai a

conduta criminosa. O objeto material é a pessoa ou coisa sobre que recai a conduta

do sujeito ativo, como o homem vivo no homicídio, a coisa no furto e o documento na

falsificação.15. Às vezes, o sujeito passivo coincide com o objeto material. É o que

11 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.166. 12 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.167-168. 13 ANDRADE, Bernadete; FASCIANI, Estela; COSTA, Tailson; Infanticídio – um crime de difícil caracterização e as políticas públicas de prevenção . Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v.7, n. 7, 2010, p. 255 14 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.46. 15 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.175.

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ocorre no homicídio, em que o homem é o titular do objeto jurídico e ao mesmo

tempo objeto material sobre o qual a ação incide materialmente.16

1.3 DOS CRIMES CONTRA A VIDA RELACIONADOS COM O INFANTICÍDIO

A vida é o bem jurídico mais valioso que um titular pode possuir. A

conservação da pessoa humana tem como condição primeira a vida que é condição

básica de todo direito individual, porque sem ela não há personalidade e sem esta

não há que se cogitar de direito individual. O respeito à vida humana é imperativo

constitucional que para ser preservado com eficácia recebe ainda a proteção penal.

Embora seja um direito público subjetivo, a vida também é um direito privado,

inserindo-se entre os direitos constitutivos da personalidade.17

A importância da vida justifica a proteção legal mesmo antes da existência

do homem, desde o início do processo da existência do ser humano e se estende

até o final quando ela se extingue. Sendo assim, é irrelevante a pouca probabilidade

do neonato sobreviver. Condições físico-orgânicas que demonstrem pouca ou

nenhuma probabilidade de sobreviver não afastam seu direito à vida, tampouco o

dever de respeito à vida imposto por lei.18

1.3.1 Do Homicídio

Matar alguém é o tipo mais conciso, objetivo, preciso e inequívoco do

Código Penal Brasileiro. Esta concisão representa a sua extraordinária amplitude,

pois o tipo não estabelece nenhuma limitação à conduta de matar alguém e nisso

reside toda a sua abrangência. O verbo matar, presente também no genocídio e no

infanticídio, indica uma conduta de forma livre, admitindo as mais variadas formas de

16 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.177. 17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.46. 18 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.46.

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atuar do agente para levar alguém à morte, excetuando-se apenas aquelas que

distinguidas por suas especificidades como o aborto e o suicídio.19

A consumação do crime ocorre quando da ação humana resulta a morte

da vítima. A morte se prova com o exame de corpo delito, que pode ser direto ou

indireto, conforme o art. 158 do CPP20. Na impossibilidade deste exame admite-se,

supletivamente, a produção da prova testemunhal, presente no art. 167 do CPP, que

somente será admissível quando também for impossível o exame de corpo de delito

indireto.21

O homicídio, por ser um crime material, também admite a tentativa. No

homicídio tentado, o agente deve agir dolosamente, isto é, deve querer a ação e o

resultado final que concretize o crime perfeito e acabado, qual seja, a morte de

alguém. 22 O tipo do homicídio não contém exigência de nenhuma qualidade pessoal

do sujeito ativo ou passivo, não sendo crime próprio, a exigir uma legitimidade ativa

ou passiva especial, desta forma qualquer pessoa pode ser sujeito ativo e passivo.

Ele é um crime comum, material, simples, de dano, instantâneo e de forma livre. 23

Ao homicídio simples é cominada pena de reclusão, de seis a vinte anos

definida no art. 121, caput. O homicídio qualificado é qualificado é punível com pena

de reclusão de doze a trinta anos. A competência para processo e julgamento do

homicídio doloso, tanto na forma simples como qualificada é o Tribunal do Júri,

conforme preceituado no art. 5º, XXXVIII, CF. A ação penal é pública

incondicionada.24

19 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.51. 20 BRASIL. Código de processo penal . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 21 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.62. 22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.62. 23 JESUS, Damásio. Direito penal: Segundo Volume . 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.18. 24 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro . Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.74.

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1.3.2 Do Aborto

O aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto. O

bem jurídico tutelado é a vida do ser humano em formação. Quando o aborto é

provocado por terceiro, o tipo penal protege também a incolumidade da gestante.25

Este crime se diferencia do homicídio por duas particularidades. A primeira é em

relação ao objeto da proteção legal e a outra em relação ao estágio da vida que

protege. O aborto não protege a pessoa humana, mas a sua formação embrionária.

Além disto, em relação ao aspecto temporal, somente a vida intrauterina, ou seja,

desde a concepção até momentos antes do início do parto. No auto-aborto, a autora

é a gestante e o produto da concepção o sujeito passivo. No aborto provocado por

terceiro, o autor pode ser qualquer um, havendo dupla subjetividade.26

Exige-se a prova de vida do sujeito passivo imediato. A morte deve ser

resultado direto dos meios abortivos. Não importa o momento da provocação

durante a evolução fetal. A proteção penal ocorre desde a fase em que as células

germinais se fundem, com a resultante constituição do ovo, até aquela em que se

inicia o processo de parto. Além disto, é necessário que o objeto material seja

produto de desenvolvimento fisiológico normal, não há tutela penal específica na

chamada gravidez molar, em que há o desenvolvimento anormal do ovo.27

Caso sejam vários os fetos, a morte dada a eles conduz ao concurso de

delitos. 28 O aborto atinge o momento consumativo com a produção do resultado

morte do feto. Se o feto já estava morto quando da provocação, há crime impossível

por absoluta impropriedade do objeto, o mesmo ocorrendo quando a gravidez não

existe. É admissível a tentativa quando, provocada a interrupção da gravidez, o feto

não morre por circunstâncias alheias ao sujeito. 29

25 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.158. 26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.159. 27 JESUS, Damásio. Direito penal: Segundo Volume . 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.122. 28 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.108-109. 29 JESUS, Damásio. Direito penal: Segundo Volume . 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.122.

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Para o auto-aborto e o aborto consentido é cominada pena de detenção

de um a três anos - art. 124, CPB. O aborto provocado por terceiro sem o

consentimento da gestante é punível com pena de reclusão de três a dez anos,

conforme o art. 125, CPB; quando, porém, estiver presente o consentimento

daquela, a pena cominada é a de reclusão de um a quatro anos seguindo o art. 126,

CPB. Por fim, o aborto trata-se de delito de competência do tribunal do júri de acordo

com art. 5, XXXVIII, CF/88 e o auto aborto e o aborto consentido admitem

suspensão condicional do processo.30

30 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro . Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.108-109.

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2 DO CRIME DE INFANTICÍDIO

O bem jurídico mais importante é a vida, tanto em seu aspecto

biopsicológico quando no aspecto coletivo. A vida é o direito primordial assegurado

pelo Estado como um direito fundamental. A morte do filho por uma mãe desvirtuada

por abalos físicos e psicológicos advindo da influência da gravidez é uma dos crimes

que mais afeta a sociedade.

2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Durante a história da humanidade, o crime de infanticídio recebeu as mais

diversas formas de definição legal e de punição, variando da impunidade absoluta à

severidade brutal das penas.31 A diferenciação na forma de punir o infanticídio

apresentou uma progressão lenta e gradativa que acompanha o desenvolvimento da

sociedade humana, indo ao encontro de suas angústias e anseios.32

Em um primeiro momento chamado de período permissivo, que vai até

meados do século V a.C., o infanticídio não constituía crime, sendo sua prática

bastante comum e para a qual não havia reprovação por parte das leis ou dos

costumes. O infanticídio era comum em rituais religiosos, havendo registro de

sacrifícios aos Deus. 33

Num segundo período, chamado período favorável ao filho, que durou do

século V ao século XVIII d.C., caracterizou-se pela reação social e jurídica em favor

das vítimas do infanticídio. Sob a influência do cristianismo, o infanticídio passou a

31 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.114. 32 COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.1508, 18 agosto 2007, p.1-2 33 COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.1508, 18 agosto 2007, p. 3-4

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ser gravíssimo punido com a morte. 34 Na Idade Média não se diferenciava a figura

do homicídio do infanticídio. O Direito Romano também não os discriminava, sendo a

distinção feita somente no século XVIII. 35

O terceiro período chamado de favorável à mulher iniciou-se por volta do

século XVIII e subsiste até hoje na maioria das legislações penais do mundo

ocidental.36 O Código Criminal de 1830 tipificava o crime de infanticídio, nos

seguintes termos: “Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar sua

desonra: pena de prisão com trabalho por um a três anos”.37

Ao homicídio cominava a pena de morte no máximo e a prisão com

trabalho por vinte anos. O terceiro que matasse recém-nascido nos primeiros sete

dias de vida sujeitava-se a uma pena de três a doze anos de prisão. Essa orientação

considerava a morte de um infante menos desvaliosa que a morte de um adulto.38

Este fato forjava a seguinte contradição: o legislador considerava

infanticídio o fato cometido por terceiros e sem o motivo de honra, impondo a pena

de três a doze anos, enquanto o homicídio simples instituía pena mais dura como a

morte.39

No Direito Germânico, considerava-se infanticídio tão-somente a morte

dada ao filho pela mãe. O Direito Canônico punia com severidade a morte do filho

pelos pais – havida como homicídio -, baseado na debilidade da vítima, na violação

dos deveres de proteção e cuidado pelo titular do pátrio poder e na premeditação

que, em geral, supõe tal delito.40

34 COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.1508, p.3-4 35 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.114. 36 COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.1508, p.4. 37 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.114. 38 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.143. 39 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral. Primeiro Volume . 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.440. 40 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.92.

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No Brasil, o Código Criminal do Império de 1830 previu penas reduzidas

não apenas para a mãe que matasse o filho recém-nascido para ocultar desonra

própria, mas também para o terceiro que o fizesse, ainda que não imbuído de

semelhante propósito, instituindo privilégio, já que estabelecia margens penais

reduzidas para a morte dada a uma criança, sem qualquer restrição.41

O Código Penal de 189042 deu ao infanticídio a seguinte tipificação, in

verbis:

Matar recém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias do seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte: pena – de prisão celular por seis a vinte e quatro anos. Se o crime for perpetrado pela mãe, para ocultar a desonra própria: pena de prisão celular por três a nove anos.

O legislador de 1890 cominou para o infanticídio a mesma pena que

cominara para o homicídio, tornando injustificável a distinção dos dois tipos de

crimes. Somente quando o infanticídio fosse praticado pela mãe e por motivo de

honra aquele diploma legal previa sensível abrandamento da pena.43

Por fim, o Código Penal de 1940, no seu art. 123, consagrou a seguinte

previsão de que o crime consistia em matar, sob a influência do estado puerperal, o

próprio filho, durante o parto ou logo após. Constata-se que legislação sobredita

ampliou a concepção de infanticídio que era adotada pelo Código Penal de 1890, já

que este diploma legal admitia como sujeito passivo somente o recém-nascido nos

seus primeiros sete dias de vida. Esta mudança foi implementada em diversos

países, como será visto mais a frente.44

41 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro . Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.93. 42 GUIMARÃES, Roberson. O crime de infanticídio e a perícia médico-legal . Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 2003. 43 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.143. 44 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.114.

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O bem jurídico do crime de infanticídio, a exemplo do homicídio, é a vida

humana. Protege-se a vida do nascente e do recém-nascido. Comparativamente ao

crime de homicídio apresentam-se duas particularidades: uma em relação aos

sujeitos do crime e outra em relação ao período da vida a que se destina essa

proteção legal.45

2.2 SUJEITOS DO DELITO

Os sujeitos do crime são as pessoas ou entes relacionados à prática e

aos efeitos da empreitada criminosa. Dividem-se em sujeito ativo ou passivo. O

sujeito ativo é aquele que pratica a figura típica descrita na norma penal

incriminadora, sendo assim, animais e coisas não podem ser sujeitos ativos por lhes

falta o elemento vontade. Para que um indivíduo seja considerado sujeito ativo, é

necessário que tenha capacidade penal, que nada mais é do que o conjunto de

condições exigidas para que um sujeito possa se tornar titular de direitos ou

obrigações no campo do direito penal.46

Somente a mãe pode ser sujeito ativo do crime de infanticídio e desde

que se encontre sob a influência do estado puerperal, tratando-se de crime próprio

que não pode ser praticado por qualquer um. O sujeito passivo é “o próprio filho”,

palavra que abrange não só recém-nascido como também o nascente, diante de

elementar contemplada no próprio dispositivo, durante o parto ou após. O feto sem

vida não pode ser sujeito passivo, nem de infanticídio nem de homicídio.47

2.3 ELEMENTARES DO CRIME

O principal princípio que fundamenta a consideração do crime de

infanticídio é o estado puerperal como elementar normativa. O estado puerperal

45 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.144. 46 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.172. 47 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.143.

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pode determinar a alteração do psiquismo da mulher dita normal. Ou seja, este

estado existe sempre, durante ou após o parto, mas nem sempre produz as

perturbações emocionais que podem levar uma mãe a matar seu próprio filho.48

Capez49 afirma que o delito de infanticídio, segundo as legislações penais

pátria e estrangeira, pode fundar-se em um dos seguintes critérios:

a) critério psicofisiológico – a atenuação da pena leva em conta o desequilíbrio fisiopsíquico da mulher parturiente; b) o critério psicológico – a minoração da pena tem em vista especial motivo de honra, como a gravidez extra-matrimonial, que gera angústia e desespero na genitora, levando-a a ocultar o ser nascente.

Para a análise das elementares do crime e dos critérios adotados para o

infanticídio, três influências precisam ser analisadas: a influência do estado

puerperal, da circunstância de tempo e da comprovação de vida.

2.3.1 Da Influência do Estado Puerperal

O critério de estado puerperal adotado pelo CPB não foi o puramente

biológico, físico, mas sim a fusão deste critério com o de natureza psicológica, o

critério psicofisiológico.50

A mesma posição é adotada por Capez51 que afirma:

O critério adotado pelo nosso Código Penal é o psicofisiológico, pois o art. 123 do Código Penal faz menção ao estado puerperal que se trata de um estado de perturbações que acometem as mulheres, de ordem física e psicológica decorrentes do parto. Ocorre, por vezes, que a ação física deste pode vir a acarretar transtornos de ordem mental na mulher, produzindo sentimentos de angústia, ódio, desespero, vindo ela a eliminar a vida do próprio filho.

48 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.145. 49 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.117. 50 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.226. 51 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.218.

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Portanto, é necessário sempre avaliar no caso concreto, através de

peritos-médicos se o puerpério acarretou o desequilíbrio psíquico de modo a diminuir

a capacidade de entendimento e auto-inibição da parturiente.

Havendo dúvida acerca do puerpério, o delito de infanticídio não deve ser

afastado, uma vez que incide aqui o princípio do in dubio pro reo, pois do contrário a

mãe teria que responder pelo delito mais grave: o homicídio. Como exemplo, existe

jurisprudência reiterada nos tribunais como no caso abaixo:

Infanticídio – Homicídio qualificado . Não havendo indícios suficientes de que a ré, ao matar a filha, logo depois de ter esta nascido, tivesse agido sob influência do estado puerperal, deve ser submetida a júri por homicídio, não por infanticídio. 52

Ou seja, o estado puerperal é um conjunto de sintomas fisiológicos que

têm início com o parto e findam algum tempo após. Embora exista normalmente, o

estado puerperal nem sempre ocasiona perturbações emocionais capazes de

culminar na morte dada ao filho pela própria mãe.53

2.3.2 Da Influência do Elemento Normativo Temporal

A circunstância de tempo – durante o parto ou logo após – é elemento

normativo do tipo. Não importa se começa antes ou vai além, o fato é que,

infalivelmente, com maior ou menor intensidade, ocorre durante o parto ou logo

após, isto é, no período mencionado no Código, podendo ou não a indispensável

relação com o crime. Com efeito, ele pode ir além, mas para efeitos do Código

importa sua influência durante ou após o parto.54

52 TJPR – RecSenEst 0157169-9. Paranavaí – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Gil Trotta Teles – DJPR 18.10.2004. 53 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro . Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.99-100. 54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.147.

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A expressão durante o parto indica o momento a partir do qual o fato

deixa de ser considerado como aborto e passa a ser entendido como infanticídio.

Dessa forma, o marco inicial para o raciocínio correspondente à figura típica do

infanticídio é, efetivamente, o início do parto. Do ponto de vista médico e da

doutrina, o início do parto pode ocorrer em três momentos: a) com a dilatação do

colo do útero, b) com o rompimento da membrana amniótica e c) com a incisão das

camadas abdominais no parto cesariana.55

Quanto à expressão logo após, entende-se em geral, que ela implica a

realização imediata e sem intervalo da conduta delituosa.56 Ela acontece antes da

fase de quietação, isto é, o período em que se afirma o instinto maternal.57

2.3.3 Da Influência do Verbo “Matar”: Comprovar a V ida.

Para que a mãe responda pelo delito de infanticídio é imprescindível a

comprovação de que o nascente ou neonato encontrava-se vivo, pois caso contrário,

trataria de hipótese de crime impossível. Apesar de parecer redundante, o elemento

normativo “MATAR” pressupõe vida anterior, sendo a comprovação etapa chave. A

prova de vida do nascente é crucial para o crime.58

A comprovação da vida exige o conhecimento de duas ciências: o direito

e a medicina. Diversos autores peritos médicos procuram conceituar esta diferença e

os doutrinadores do direito utilizam estas definições médico-legais para caracterizar

o crime.59 Existem exames de comprovação de vida do nascente, ou seja, aquele

55 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.221. 56 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro . Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.99. 57 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.221. 58 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal . São Paulo: Malheiros, 2005, p.197-198. 59 GUIMARÃES, Roberson. O crime de infanticídio e a perícia médico-legal . Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 2003.

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que ainda se encontrava no processo de expulsão do útero materno, bem como do

neonato, isto é, aquele que acabara de nascer.60

Maranhão61 aponta duas provas de vida que dizem respeito ao nascente:

o tumor de parto, os edemas locais, conseqüência das compressões sofridas pela porção do organismo fetal que alcança as aberturas genitais da parturiente e a reação vital, lesões produzidas intra vitam que permitem detectar se a morte do feto nascente foi provocada.

Em relação ao neonato, são utilizadas provas que demonstram ter havido respiração, sendo chamadas de docimasias respiratórias. Além destas, podem ser usadas as docimasias não respiratórias, baseadas na pesquisa de saliva no estômago do feto, a constatação de bactérias E. coli no tubo gastroentérico e exames vasculares.

A distinção entre vida autônoma e vida biológica revela-se desnecessária.

Haverá infanticídio a partir do início do parto se a criança estiver biologicamente

viva. Não há que indagar da capacidade de vida autônoma. A ausência de vitalidade

é irrelevante, de forma que pouco importa a condição de maturidade, de

desenvolvimento, de conformação ou de força do neonato vivo.62

Embora o CPB tenha adotado um caráter técnico-pericial, alguns

doutrinadores do direito, minimizam a importância da prova pericial. Se mesmo com

todos estes exames disponíveis de prova de vida, não houver exame pericial

comprovando a vida do nascente ou do neonato, a parturiente pode responder pelo

crime de infanticídio, ao se socorrer da prova testemunhal, conforme definido pelo

art. 167 do Código Penal. Este artigo afirma que não sendo possível o exame de

corpo delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá

suprir-lhe a falta.63

60 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.226. 61 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal . São Paulo: Malheiros, 2005, p.197-198. 62 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro . Volume 2, parte especial. 5ª Ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2006, p.98. 63 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.224.

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2.3.4 Da Distinção entre Estado Puerperal e Depress ão Pós-Parto

A distinção entre estado puerperal e depressão pós-parto exige o

conhecimento de duas ciências: o direito e a medicina. O Código Penal Brasileiro

fala em estado puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas

sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. Ele se distingue de puerpério,

que é o fato da mulher dar a luz. O puerpério pode originar uma perturbação

psíquica, que seria o estado puerperal, porém isso não é uma regra, acometendo

somente algumas mulheres.64

A doutrina médico-legal não é consensual em relação a este tema.

Segundo Maranhão65,

O estado puerperal é uma situação sui generis, um estado transitório, incompleto, caracterizado por defeituosa atenção, deficiente senso-percepção e que confunde o objetivo com o subjetivo.

O conceito de depressão pós-parto é complexo e na medicina, ele se

difere de outros conceitos como transtornos puerperais e manifestações depressivas

da gravidez. No entanto, não há no Manual de Diagnóstico e Estatístico de

Transtornos mentais, na sua quarta edição e com texto revisado, uma descrição

para cada um destes estados. 66 O parto normalmente não induz transtornos de

gravidade, embora possa produzir pequenos transtornos psicológicos como

emotividade exacerbada e depressão pós-parto, sendo raros os casos de psicose

puerperal.67

A depressão pós-parto, conhecida como DPP, ocorre de 10 a 20% dos

casos de puerpério. A manifestação desse quadro acontece, na maioria dos casos, a

64 GUIMARÃES, Roberson. O crime de infanticídio e a perícia médico-legal . Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 2003. 65 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal . São Paulo: Malheiros, 2005, p.202. 66 MORAES, Inacia Gomes da Silva; PINHEIRO, Ricardo Tavares; da Silva, Ricardo Azevedo e all. Prevalência da depressão pós-parto e fatores associ ados . Revista de Saúde Pública, 2006; 40, p. 65 67 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina legal . São Paulo: Saraiva, 2005, p. 208.

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partir das primeiras quatro semanas após o parto, alcançando habitualmente sua

intensidade máxima nos seis primeiros meses. Os sintomas mais comuns são

desânimo persistente, sentimentos de culpa, alterações do sono, idéias suicidas,

temor de machucar o filho, diminuição do apetite e da libido, diminuição do nível de

funcionamento mental e presença de ideias obsessivas ou supervalorizadas. 68

Menor escolaridade e baixo nível socioeconômico são os fatores mais

comumente associados com DPP. Entre os fatores psicossociais que mais

apresentam associação aparecem o baixo suporte social, história de doença

psiquiátrica, tristeza pós-parto, depressão pré-natal, baixa autoestima, gravidez não

planejada, tentativa de interromper a gravidez, transtorno disfórico pré-menstrual e

sentimentos negativos em relação à criança.69

Outros autores definem a depressão pós-parto como uma das síndromes

psiquiátricas pós-parto. A melancolia da maternidade, caracterizada por choro,

irritabilidade, mudanças rápidas de humor e, até mesmo, euforia não é considerada

um transtorno e seria uma síndrome mais branda. A depressão pós-parto seria uma

síndrome intermediária, caracterizada por sintomas semelhantes à depressão. A

psicose pós-parto tem por sintomas a confusão, despersonalização, insônia e

alucinação proeminente sendo a pior síndrome psiquiátrica pós-parto. Através do

uso de questionários em um ambiente não psiquiátrico, os autores sugerem a

avaliação do estado puerperal por esta classificação.70

Neste aspecto, diversos autores médicos estabeleceram critérios

objetivos para diferenciar os transtornos. Camacho, Ribeiro, Cantilino fazem uma

extensa revisão de literatura sobre as classificações e listam diversas escalas e

68 MORAES, Inacia Gomes da Silva; PINHEIRO, Ricardo Tavares; da Silva, Ricardo Azevedo e all. Prevalência da depressão pós-parto e fatores associ ados . Revista de Saúde Pública, 2006; 40, p. 65 69 MORAES, Inacia Gomes da Silva; PINHEIRO, Ricardo Tavares; da Silva, Ricardo Azevedo e all. Prevalência da depressão pós-parto e fatores associ ados . Revista de Saúde Pública, 2006; 40, p. 65 70 MESTIERI, L.H.M.; MENEGUETTE,R.I.; MENEGUETTE, C. Estado Puerperal , Revista Fac. Méd. Sorocaba, v.7,n.1, 2005, p.5-10, p.5.

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instrumentos que facilitam a classificação para psiquiatras e médicos legistas.71

Andrade, Vieira e Santana listam os transtornos possíveis e formas de classificá-los

considerando o ciclo de vida da mulher.72

Segundo estes doutrinadores, a diferença no estado puerperal, portanto,

seria um conceito médico, definido por instrumento apropriado e por meio de perícia

técnica e especializada. Há correntes doutrinárias no Direito que contestam esta

afirmação. Nucci73 defende que o correto é presumir que é o estado puerperal

quando o delito ocorre imediatamente após o parto, sendo imprescindível apenas

detectar se não se trata de uma psicose. Em caso de dúvida, a solução mais

favorável deve ser sempre a mais utilizada.

2.4 DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS

O crime pode ser praticado pelo agente a título de dolo direto ou eventual.

Não há a modalidade culposa no crime de infanticídio. Há duas posições na doutrina

se a mãe culposamente matar o filho durante o parto ou logo após, sob a influência

do estado puerperal.74

A primeira diz que o fato será penalmente atípico. Segundo esta posição

doutrinária, adotada por principalmente por Damásio de Jesus, a genitora não

responderá nem por infanticídio nem por homicídio. O fato será penalmente atípico

devido à absoluta incompatibilidade entre a perturbação psíquica da genitora e

71 CAMACHO, R.S.; CANTINELLI, F.S.; RIBEIRO, C.S.; CANTILINO, A.; GONSALEZ, B.K.; BRAGUITTONI, E.; RENNÓ JR., R.; Transtornos psiquiátricos na gestação e no puerpéri o: classificação, diagnóstico e tratamento . Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006 72 ANDRADE, L.H.S.G.; VIANA, M.C.; SILVEIRA, C.M. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos da mulher . Ver. Psiq. Clinica. 33 (2); 43-54, 2006, p.43-44. 73 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.634. 74 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.179.

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prudência exigível do homem mediano nas circunstâncias concretas, cuja quebra do

dever caracterizaria a culpa.75

A segunda posição, defendida por diversos autores como Nelson Hungria,

Julio Fabbrini Mirabete, Cezar Roberto Bitencourt, Fernando Capez e Magalhães

Noronha defendem que neste caso a mãe responderá pelo delito de homicídio

culposo. O principal argumento de Capez76 é que a capacidade pessoal de previsão

do agente, afetada pelo estado puerperal, pertence ao terreno da culpabilidade e ao

do fato típico. Por esta razão, sendo o fato objetivamente previsível e a conduta

qualificada, quando comparada ao comportamento de uma pessoa normal, como

imprudente, negligente ou imperita estará presente a culpa. As deficiências de

ordem pessoal da gestante devem ser vistas posteriormente na culpabilidade.77

2.5 CONSUMAÇÃO, TENTATIVA E CRIME IMPOSSÍVEL

O crime consumado é aquele em que foram realizados todos os

elementos constantes de sua definição legal. Ele se distingue do crime exaurido, que

é aquele no qual, o agente após atingir o resultado consumativo, continua a agredir

o bem jurídico, procurando dar-lhe uma nova destinação ou tenta tirar novo proveito,

fazendo cm que sua conduta continua a agredir o bem jurídico.78 Para que haja a

consumação do crime de infanticídio é indispensável à existência do sujeito passivo,

que só pode ser alguém nascente ou recém-nascido.79

A tentativa é a não consumação de um crime cuja execução foi iniciada

por circunstâncias alheias à vontade do agente, sendo que as infrações penais

75 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.179. 76 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.120-121. 77 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.226. 78 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263. 79 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.151.

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culposas e preterdolosas, as contravenções penais, os crimes omissivos próprios e

os crimes habituais não admitem a tentativa.80 Como crime material, o infanticídio

admite tentativa e esta se aperfeiçoa quando, apesar da ação finalista do sujeito

ativo, a morte do filho não sobrevém por circunstâncias estranhas à vontade

daquele. Iniciada a ação de matar, esta pode ser interrompida por alguém que

impede a sua consumação.81

A grande dificuldade é distinguir a tentativa de homicídio da tentativa de

infanticídio. Se o estado puerperal não for caracterizado pelo critério fisiopsíquico, o

homicídio será o crime.

Segundo a jurisprudência do TJDFT, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. JÚRI. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E ERRO O U INJUSTIÇA NO TOCANTE À APLICAÇÃO DE PENA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA INFANTICÍDIO. IMPOSSIBILIDADE. PENA DOSIMETRIA. RECURSO PARCIALME NTE PROVIDO: Conduta da agente que, na espécie, se amolda à figura típica do homicídio (tentativa), pois não evidenciando que agira sob a influência do estado puerperal. Evento morte que somente não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, já que a recém-nascida, no momento em que sofria insuficiência respiratória aguda, devido à asfixia por confinamento, foi encontrada por vizinhos e prontamente socorrida. Decisão do Conselho de Sentença com suporte em versão idônea constante do conjunto probatório. Pena reduzida em razão da parcial favorabilidade das circunstâncias judiciais. 82

Haverá crime impossível quando por ineficácia absoluta do meio ou por

absoluta impropriedade do objeto é impossível consumar-se o crime.83 Isto ocorre no

infanticídio, quando a mãe, supondo estar viva, pratica o fato com a criança já morta

80 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 270. 81 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . Volume II. 6. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p.226. 82 TJDFT. Acordão 477.644 . Disponível em: <http://juris.tjdft.jus.br/docjur/476477/477644.doc>. Acesso em: 08 mai. 2011. 83 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.177.

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e que não existirá crime, igualmente, quando a criança nasce morta e a mãe com

auxílio de alguém, procura desfazer-se do cadáver abandonando-o em lugar ermo.84

2.6 PENA E AÇÃO PENAL

A pena cominada ao delito de infanticídio é a de detenção de dois a seis

anos sendo incabível, de acordo com a posição majoritária da doutrina, a proposta

de suspensão condicional do processo, conforme definido pela Lei nº 10.259, de 12

de julho de 2001, que regulamentou os Juizados Especiais no âmbito da Justiça

Federal. Não há previsão de qualificadoras, majorantes ou minorantes especiais.85

A ação penal relativa ao crime de infanticídio é de iniciativa pública

incondicionada. Como toda ação penal pública, admite ação privada subsidiárias se

houver inércia do Ministério Público.86

2.7 DISTINÇÃO ENTRE ABANDONO, INFANTICÍDIO, ABORTO E HOMICÍDIO

Nos termos do art. 123 do CPB que define o infanticídio, o fato, para ser

qualificado deve ser praticado durante ou logo após o parto. O parto se inicia com a

dilatação, em que se apresentam as circunstâncias caracterizadoras das dores e da

dilatação do colo do útero.

Após, vem a fase de expulsão, em que o nascente é impelido para a parte

externa do útero. Por fim, há a expulsão da placenta, com a expulsão desta, o parto

84 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.147. 85 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156. 86 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156.

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está terminado. A morte do sujeito passivo, em qualquer das fases do parto, constitui

delito de infanticídio.87

A conduta infanticida não se confunde com a descrita no art. 134, §2º do

CPB. Neste último, trata-se de crime de perigo, em que o agente quer tão-somente

abandonar, livrar-se do bebê, que é a personificação da sua desonra pessoa e com

isso, quer ou aceita colocá-lo em situação perigosa para sua vida, sua saúde, um

dolo que não chega a ser o de dano ou vontade.

O resultado morte que agrava a pena do agente é de ter decorrido apenas

culposamente, sem ser querido, nem sequer aceito. Assim segue a jurisprudência do

TJSP: 88 O estado puerperal elementar do crime pode determinar se outros crimes

foram cometidos, daí a grande importância de defini-lo corretamente no caso

concreto. Uma relação de causalidade entre o estado puerperal e ação delituosa

praticada é indispensável; esta tem que ser consequência da influência daquele, que

nem sempre produz perturbações psíquicas na mulher.89

O indigitado “estado puerperal” pode apresentar quatro hipóteses: a) o

puerpério não produz nenhuma alteração na mulher, b) acarreta-lhe perturbações

psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho, c) provoca

doença mental e d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo a

capacidade de entendimento ou de determinação.

Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na

terceira, a parturiente é isenta de pena em razão da sua inimputabilidade e na

quarta, terá uma redução de pena em razão da sua semi-imputabilidade.90 A maior

parte da defesa da parturiente trabalha sob esta orientação.

87 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.107. 88 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.119. 89 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.146. 90 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.146.

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3 DO CONCURSO DE PESSOAS

A infração penal nem sempre é realizada por somente um agente.

Algumas vezes para se assegurar o sucesso da empreitada criminosa, dois ou mais

sujeitos se unem para repartir tarefas e realiza a figura delitiva. Esta situação se

denomina concurso de pessoas. O concurso de pessoas também é conhecido por

codeliquência, concurso de agentes ou concurso de delinquentes.91

Como concurso de pessoas não é definido no CPB, é necessário buscar

sua conceituação na doutrina. Os artigos 29 e 30 do CPB afirmam que o indivíduo

que concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida da

culpabilidade, sendo que as circunstâncias e as condições de caráter pessoal não se

comunicam. O mesmo não é válido para as elementares que se comunicam.

O Código Penal anterior ao de 1940 classificava os agentes do crime em

autores e cúmplices. Ao lado da coautoria, existia a cumplicidade. Nessa

sistemática, autor era quem resolvia e executava o delito. O cúmplice

desempenhava um papel subalterno. O Código também estabelecia um critério

classificador das várias formas de participação.92

3.1 DA NATUREZA JURÍDICA

A natureza jurídica do concurso de pessoas permite a discussão se na

coautoria e na participação, há um ou vários crimes.93 Há três teorias de destaque

surgiram com a finalidade de distinguir e apontar a infração penal cometida por cada

um dos seus participantes.94

91 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358-359. 92 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 374-375. 93 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.408. 94 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.409-410.

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A primeira seria a teoria pluralista. Para ela, haveria tantas infrações

penais quantos fossem o número de autores e partícipes. A cada participante

corresponderia uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um

resultado igualmente particular. Esta teoria seria como cada autor ou partícipe

tivesse praticado a sua própria infração penal, independentemente da sua

colaboração para com os demais agentes.95

A segunda teoria seria a dualista que distingue o crime praticado pelos

autores daquele cometido pelos partícipes. Para esta teoria, haveria uma infração

penal para os autores e outra para os partícipes. A consciência e a vontade de

concorrer num delito próprio conferem unidade ao crime praticado pelos autores; a

de participar no delito de outrem atribui essa unidade ao praticado pelos cúmplices.96

A terceira teoria seria a monista, também conhecida como unitária. Essa

teoria, adotada pelo nosso Código Penal, aduz que todos aqueles que concorrem

para o crime incidem nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade.

Para a teoria monista, existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele

concorreram, autores ou partícipes. Neste caso, embora o crime seja praticado por

diversas pessoas, permanece único e indivisível.97

Há hipóteses em que o CPB acatou a teoria pluralística, em que a

conduta do terceiro constitui outro crime. Todos são casos descritos pelas normas

como delitos autônomos. O art. 124 do CPB na sua segunda parte descreve o fato

de a agente consentir que outrem lhe provoque aborto, enquanto o art. 126 descreve

a conduta de provocar aborto com o consentimento da gestante. Outros casos são o

crime de corrupção ativa e passiva - arts. 333 e 317 - e os crimes de falso

testemunho e corrupção de testemunha - arts. 342 e 343.98

95 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.409-410. 96 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.410. 97 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.410. 98 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.409-410.

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3.2 CONCURSO NECESSÁRIO E EVENTUAL

Os crimes podem ser monossubjetivos ou plurissubjetivos. No primeiro

caso, só podem ser cometidos por um único sujeito. No segundo caso, há pluridade

de agentes. Em face da diversidade do modo de execução, os crimes

plurissubjetivos apresentam várias formas. Há os crimes de condutas paralelas,

onde há comportamento de auxílio mútuo, tendo os agentes a intenção de produzir o

mesmo evento, como nos casos de quadrilha ou bando, como no exemplo de

formação de quadrilha.99

Existem os crimes de condutas convergentes, onde estas se manifestam

na mesma direção e no mesmo plano, mas tendem-se a se encontrar, como o crime

de bigamia. Há, ainda, os crimes de condutas contrapostas, onde os agentes

realizam comportamentos contra a pessoa, que por sua vez, comporta-se da mesma

maneira e é também sujeito ativo do delito, como no exemplo da rixa. 100

Há ainda hipóteses em que a pluralidade de sujeitos é da própria

essência do tipo penal. Este conceito permite diferenciar o concurso necessário do

concurso eventual. O concurso necessário ocorre nos crimes plurissubjetivos, onde

o concurso é descrito pelo preceito primário da norma penal incriminadora, enquanto

fala-se em concurso eventual quando, podendo o delito ser praticado por uma só

pessoa, é cometido por várias, não existindo a previsão do concurso no tipo. 101

O princípio segundo o qual quem, de qualquer modo, concorre para o

crime incide nas penas a ele cominadas, somente é aplicável aos casos de concurso

eventual, com exclusão do concurso necessário. Neste, como a norma incriminadora

exige a prática do fato por mais de uma pessoa, não há necessidade de estender-se

a punição a todos que o realizam, porque o delito é cometido materialmente, sendo

os agentes co-autores. 102

99 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.401. 100 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.401-402. 101 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.401-402. 102 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.401.

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3.3 FORMAS DE CONCURSO DE PESSOAS

Diversos motivos levam os sujeitos a agirem em concurso, seja para

garantir a execução do delito, seja para assegurar a impunidade. A doutrina define

diversas formas de concurso de agentes. O autor é aquele que executa diretamente

a conduta descrita pelo núcleo do tipo penal, ocasião em que será reconhecido

como autor direto ou autor executor. Ele poderá ser, também, aquele que se vale de

outra pessoa, que lhe serve como instrumento para a prática de infração penal,

sendo chamado de autor indireto ou mediato.103

O autor indireto executa a conduta expressa pelo verbo típico da figura

delitiva, sendo também autor quem realiza o fato por intermédio de outrem ou quem

comanda intelectualmente o fato.104 O CPB105 prevê expressamente quatro casos de

autoria mediata a saber: a) erro determinado por terceiro - art. 20, § 2º, b) coação

moral irresistível - art. 22, primeira parte, c) obediência hierárquica - art. 22, segunda

parte e d) caso de instrumento punível em virtude de condição ou qualidade pessoal

- art. 62, III, segunda parte. Além dessas hipóteses, a autoria mediata também

ocorre quando o autor se vale de interposta pessoa que não pratica qualquer

comportamento doloso ou culposo, em virtude da presença de uma causa de

exclusão da ação. 106

Discute-se na doutrina se é cabível a coautoria no crime comissivo

próprio. Para um conjunto de doutrinadores, não caberia este caso, de modo que, se

duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa ferida, podendo cada uma

delas fazê-lo sem risco pessoal, ambas cometerão o crime de omissão de socorro,

isoladamente, não se concretizando a hipótese de concurso de agentes. Para um

segundo conjunto de doutrinadores, é possível a coautoria no crime omissivo

próprio, desde que haja adesão voluntária de uma conduta a outra. Ausente o

103 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.417-419. 104 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.403. 105 BRASIL. Código penal brasileiro . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848compilado.htm >. Acesso em: 11 mar. 2011. 106 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.418.

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elemento subjetivo, cada agente responderá de forma autônoma pelo delito de

omissão de socorro.107

Partícipe é o sujeito que não praticando atos executórios do crime,

concorre de qualquer modo para a sua realização. Ele não realiza a conduta descrita

pelo preceito primário da norma, mas realiza uma atividade que contribui para a

formação do delito. Segundo ele, a participação pode ocorrer em qualquer uma das

fases do iter criminis: cogitação, preparação, execução e consumação. Considerada

de forma isolada a conduta do executor, pode acontecer inclusive antes da

cogitação: caso da determinação ou do induzimento.108 Se a autoria é a atividade

principal, a participação será uma atividade acessória, dependente da principal,

assim, para que se possa falar de um partícipe, é necessário que exista um autor de

fato.109

Neste sentido, o doutrinador Capez110:

Dois aspectos definem a participação: a) vontade de cooperar com a conduta principal, mesmo que a produção do resultado fique na inteira dependência do autor e b) cooperação efetiva, mediante uma atuação concreta acessória da conduta principal.

Não existe descrição típica específica para quem auxilia, instiga ou induz

outrem a realizar a conduta principal, mas tão somente para quem pratica

diretamente o próprio verbo do tipo. Desse modo, ao interprete restaria a dúvida de

como proceder à adequação típica sem ofensa ao princípio da reserva legal.111

107 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 365. 108 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.403. 109 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.417-419. 110 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358-359. 111 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367.

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3.4 DA RELAÇÃO COM A TEORIA DA CAUSALIDADE

A participação está ligada à tipicidade e à conduta e não ao nexo de

causalidade. Na adequação típica, com subordinação direta, o fato se amolda ao

modelo legal de forma imediata, sem a interferência de outro dispositivo, como no

caso do homicídio simples. Na adequação típica de subordinação mediata, o fato

não se enquadra imediatamente na norma penal incriminadora, exigindo-se para isto

o concurso de outro dispositivo, como no exemplo na participação por induzimento,

instigação e auxílio.112

Segundo Damásio de Jesus113:

Na participação existe ampliação espacial e pessoal do tipo, pois a descrição delitiva, com o concurso da regra do art. 29 não abrange somente o comportamento que se amolda imediatamente no seu núcleo, estendendo-se também às condutas que, de qualquer modo, concorrem para a realização do crime. A concorrência acede à ação do executor material. Esta, sim, não prescinde do nexo com o resultado.

Ou seja, nos crimes materiais exige-se o nexo de causalidade entre ação

e resumo. O art. 13, caput, do CPB só é aplicável ao autor direto, tendo em vista que

a relação dali é objetiva, entre conduta e resultado. Enquanto isto, o art. 29, caput

114, que regula o comportamento do partícipe é de ordem normativa e não material.

3.5 DOS REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS

O concurso de pessoas é a cooperação desenvolvida por mais de uma

pessoa para o cometimento de uma infração penal.115 A participação pode se dar

112 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.405. 113 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.405. 114 BRASIL. Código penal brasileiro . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848compilado.htm >. Acesso em: 11 mar. 2011. 115 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.363.

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por três formas: instigação, induzimento e material. No instigamento, o agente tem

uma idéia em mente, sendo esta apenas reforçada pelo partícipe. No induzimento, o

agente não tem a idéia de cometer o crime, mas ela é colocada em sua mente. Na

participação material, o partícipe presta ajuda efetiva na preparação ou execução do

delito. 116

Segundo Nucci117, são requisitos para o concurso de agentes:

a) a existência de dois ou mais agentes; b) a relação de causalidade material entre as condutas desenvolvidas e o resultado; c) o vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si; d) o reconhecimento da prática da mesma infração para todos e e) a existência de fato punível.

A pluralidade de agentes e de condutas é requisito indispensável à

caracterização do concurso de pessoas. Além disto, alega que a relação de

causalidade deve possuir relevância para o cometimento da infração penal, a

ausência de relevância de conduta fará com que o agente não seja responsabilizado

penalmente pelo resultado.118

Para que haja concurso de agentes, exigem-se duas condutas, quais

sejam duas principais, realizadas pelos autores, ou uma principal e outra acessória,

praticadas, respectivamente por autor e partícipe.119

O terceiro requisito diz respeito ao chamado liame subjetivo, isto é, o

vínculo psicológico que une os agentes para a prática da mesma infração penal. Se

não for possível vislumbrar o liame subjetivo entre os agentes, cada um responderá,

isoladamente, por sua conduta.120

Sem que haja um concurso de vontades objetivando um fim comum,

desaparecerá o concurso de agentes, surgindo em seu lugar a autoria colateral.

116 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 373. 117 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.367-368. 118 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.407-409. 119 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 371. 120 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.407-409.

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Embora seja imprescindível que as vontades se encontrem para a produção do

resultado, não se exige prévio acordo, bastando apenas que uma vontade adira à

outra.121

O quarto requisito necessário à caracterização do concurso de pessoas é

a identidade de infração penal, ou seja, os agentes unidos pelo liame subjetivo,

devem querer praticar a mesma infração penal. Seus esforços devem convergir ao

cometimento de determinada e escolhida infração penal. Por fim, esta infração deve

ser punível pela legislação penal.122

3.6 DA PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS

Segundo o caput do art. 29 do CPB, os agentes que, de qualquer modo

concorrem para o crime, incidem nas penas a este cominada na medida da sua

culpabilidade.123 A culpabilidade é um juízo de censura, de reprovabilidade, que

recai sobre a conduta do agente. Embora agindo em concurso, dois agentes

resolvam pratica determinada infração penal, pode-se concluir, dependendo da

hipótese que a conduta de um deles é mais censurável do que a outra, razão pela

qual deverá ser punida mais severamente.124

Além disto, nos termos do art. 29, § 1º, se a participação dor de menor

importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. A redução da pena,

presente a circunstância exigida é obrigatória e a expressão “participação” deve ser

entendida em sentido amplo, abrangendo as formas moral e material e só tendo

aplicação quando a conduta do partícipe demonstra leve eficiência causal. Esta

redução da pena é conseqüência do princípio segundo o qual a punibilidade dos

121 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral . Volume 1.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 372. 122 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.407-409. 123 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.363. 124 GRECO, Rogério. Curso de direito penal . 12. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010, p.417-419.

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participantes é determinada de acordo com a sua culpabilidade, tomada no sentido

de reprovabilidade social.125

3.7 COMUNICABILIDADE DE CONDIÇÃO, ELEMENTAR E CIRCUNSTÂNCIA

Existem determinadas condições, elementares e circunstâncias que não

se transmitem aos coautores ou partícipes, pois devem ser consideradas

individualmente no contexto do concurso de agentes. Segundo Damásio de

Jesus126:

[...] condições são as relações do sujeito com o mundo exterior e com outras pessoas ou coisas, como as de estado civil, parentesco ou emprego. Elementares são elementos típicos do crime, dados que integram a infração penal. Circunstâncias são dados acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade do crime, mas afetam a sua gravidade.

Estas circunstâncias são separadas em dois grupos: a circunstância de

caráter pessoal e a condição de caráter pessoal. Estes dois grupos são retirados do

CPB, que no art. 30 preceitua “não se comunicam as circunstâncias e as condições

de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.127

A circunstância de caráter pessoal é a situação ou particularidade que

envolve o agente, sem constituir elemento inerente a sua pessoa, como no caso de

uma confissão. A condição de caráter pessoal é o modo de ser ou a qualidade

inerente à pessoa humana, como no caso da menoridade ou da reincidência.128

Há determinadas circunstâncias ou condições de caráter pessoal que são

integrantes do tipo penal incriminador, de modo que, pela expressa disposição legal,

transmite-se aos demais coautores e partícipes, como por exemplo, a condição ser

125 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.428. 126 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.440. 127 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.372-373. 128 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.372-373.

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funcionário público – elementar do delito de peculato, motivo pelo qual se transmite

ao coautor. 129

Para a resolução dos conflitos referentes a um caso concreto, a

participação de cada concorrente adere à conduta e não à pessoa dos outros

participantes. O doutrinador Damásio de Jesus faz um resumo das regras de

comunicação aplicadas: a) não se comunicam as condições ou circunstâncias de

caráter pessoal (de natureza subjetiva), b) a circunstância objetiva não pode ser

considerada no fato do partícipe ou coautor se não ingressou na esfera do seu

conhecimento e c) as elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal,

comunicam-se entre os fatos cometidos pelo participante, desde que tenham

ingressado na esfera do seu conhecimento.130

Assim, segundo este autor, quando um dado é simplesmente

circunstância ou condição do crime, aplicam-se as duas primeiras regras; quando é

elementar aplica-se a última.131 A contraposição entre as duas posições gera o

interesse desta pesquisa que é aplicação destes conceitos no caso do infanticídio. O

infanticídio envolve condições de caráter pessoal que não se comunicam e

elementares de caráter pessoal que se comunicam. O conflito entre estas duas

posições devido às particularidades do crime e as tentativas de solucioná-lo é

discutido no próximo capítulo.

129 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.363. 130 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.435. 131 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.435.

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4 CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO

A comunicabilidade da influência do estado puerperal gera polêmica no

meio jurídico devido ao fato do delito se constituir em crime próprio onde somente a

mãe poderia praticar a conduta. O debate doutrinário tem grande importância na

rotina dos tribunais porque a mãe que mata o próprio filho, pratica infanticídio, uma

forma privilegiada de homicídio, e virtude do seu estado, ela recebe uma pena

bastante atenuada em relação à prevista no art. 121 do Código Penal Brasileiro.132

4.1 CORRENTES DOUTRINÁRIAS

Há duas posições sobre a comunicabilidade da influência no estado

puerperal. Uma corrente de doutrinadores como Roberto Lyra, Magalhães Noronha,

Frederico Marques, Basileu Garcia, Bento de Faria e Damásio de Jesus sustenta a

comunicabilidade da influência do estado puerperal. Neste sentido, Bitencourt 133

afirma que:

Ninguém discute o fato de que a influência do estado puerperal constitui uma elementar típica do infanticídio. Essa unamidade sobre a natureza dessa circunstância pessoal torna estéril a discussão sobre a sua comunicabilidade. Como elementar do tipo, ela se comunica e o terceiro que contribuir contribuirá para a prática de infanticídio, (...), [sendo] a justiça ou injustiça do abrandamento da punição do terceiro participante inconsistente para afastar a orientação do CPB.

Para esta corrente, a influência do estado puerperal constituir elementar

do crime de infanticídio porque o art. 30 do CPB dispõe formalmente que

elementares do crime são comunicáveis entre os fatos dos participantes, sendo que

para responder tão-só por infanticídio, deve ter participação meramente acessória na

132 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.112-113. 133 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.152.

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conduta da autora principal, induzindo, instigando ou auxiliando a parturiente a matar

o próprio filho.134

Esta argumentação encontra respaldo no IV Congresso Nacional de

Direito Penal e Ciências Afins, realizado no Recife em agosto de 1970, que se

pronunciou a respeito da questão da participação de terceiro no crime de infanticídio.

Segundo os doutrinadores, que transformaram este entendimento em projeto à

Comissão de Reforma do Código Penal, o crime de infanticídio é privilegiado e

autônomo, pois a circunstância subjetiva ou psicológica especialíssima da honoris

causa incide na qualidade e não apenas na quantidade do delito. E, em se tratando

de elementar do tipo se comunica aos coparticipes.135

Outra corrente de doutrinadores, como Nelson Hungria, Heleno Claudio

Fragoso, Galdino Siqueira, Aníbal Bruno e Salgado Martins, entende que o referido

estado não se comunica, e, por isto, o participante deve responder pelo crime de

homicídio. Para esta corrente, o estado puerperal, apesar de elementar, não se

comunica ao partícipe, o qual responderá por homicídio, evitando-se que este se

beneficie de um privilégio imerecido.136

Nucci137 ao tratar sobre o assunto em discussão descreve que:

Restam poucos autores que sustentam a possibilidade de punir por homicídio aquele que tomou parte no infanticídio praticado pela mãe, ou mesmo quando executou o núcleo do tipo, a pedido da mãe, que não teve forças para fazê-los sozinha. São diversos os argumentos nessa ótica, mas em suma, todos voltados a corrigir uma injustiça promovida pela própria lei penal, que deveria ter criado uma exceção pluralística à teoria monística, mas não o fez.

A idéia dos que defendem a incomunicabilidade é que o art. 30 do CPB

não abrange as condições personalíssimas que informam os chamados delicta

134 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.111. 135 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.442. 136 CAPEZ, Fernando. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.120-121. 137 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Parte Especia l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.375.

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excepta, sendo conceitualmente inextensíveis e impedindo a unidade do título do

crime. Assim a “influência do estado puerperal” no infanticídio, embora elementar,

não se comunicaria aos cooperadores que responderiam pelo tipo comum do

crime.138

Bittencourt139 critica estes argumentos de defesa da incomunicabilidade.

Nelson Hungria criou uma circunstância elementar inexistente no ordenamento jurídico brasileiro: o estado puerperal seria uma circunstância personalíssima e por isto não se comunicaria a outros participantes da infração penal. Com essa afirmação, Hungria pretendia afastar a aplicação do art. 30 do CPB que estabelece a não comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Uma terceira corrente entende que o estado puerperal é comunicável,

mas não alcança as hipóteses de autoria ou coautoria, beneficiando somente o

partícipe, que auxilia a parturiente e não realiza a conduta nuclear do tipo.

4.2 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO ATUAL E COMPARADA

Para alguns doutrinadores, apesar de ser opinião dominante, constitui

absurdo o partícipe ou coautor acobertar-se sob o privilégio do infanticídio, porque a

conduta dele muitas vezes representa homicídio caracterizado. Isto ocorre porque a

legislação brasileira não cuidou de elaborar norma específica a respeito da

hipótese.140

Alguns códigos eliminaram o crime de infanticídio, o que elimina a

discussão do concurso de pessoas para o crime. O atual Código Penal da Espanha

eliminou o crime de infanticídio, passando tipificar a conduta de infanticida como

homicídio doloso simples, com pena de prisão de dez a quinze anos. Outras

138 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.442. 139 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.152. 140 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.111.

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legislações como a Inglaterra, Turquia, Egito, Mônaco e Groelândia não fazem

qualquer menção quanto ao crime de infanticídio. Em outras legislações, os códigos

penais tratam de dirimir quaisquer dúvidas. Por exemplo, o Código Penal Italiano

inseriu em seu contexto um dispositivo especial, evitando dúvida sobre a pena a ser

imposta ao que favorece a autora principal, após dizer que o infanticídio pode ser

cometido por outra pessoa que não a própria.141

Em algumas outras legislações, o benefício se estende a diversas

pessoas. No Código Penal Francês, uma pessoa qualquer pode utilizá-lo. No

argentino, mãe ou parentes próximos. No espanhol, mãe ou avós maternas.142

4.3 HIPÓTESES DE COMUNICABILIDADE

A literatura traz a discussão para o campo prático, examinando três

hipóteses para o caso. Essas hipótese serão analisadas nos tópicos que se seguem:

a. A mãe e o terceira realizam a conduta do núcleo

Para a maior parte dos autores, este caso está plenamente caracterizado

como uma coautoria no crime de infanticídio se a mãe vem a se adequar à descrição

típica do infanticídio.143 Nessas circunstâncias, ante a comunicabilidade das

elementares, determinadas pelo art. 30 do CPB, o terceiro se beneficia deste

privilégio por meio da norma extensiva da coautoria. 144

Bitencourt145 critica a solução adotada, mas diz que é a única solução

legal-formal:

141 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.111. 142 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.111. 143 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.152. 144 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.442. 145 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.152.

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O terceiro se beneficia deste privilegium por meio da norma do art. 30, sob a pena de violar-se o princípio da teoria monística, adotada pelo Código Penal Brasileiro. De lege lata, esta é a solução técnico-jurídica, a despeito da injustiça social.

A principal explicação da doutrina para esta solução é a intenção da lei

beneficiar a mãe quando pratica o fato sob a influência do estado puerperal. Se o

homicídio fosse tomado como fato e a mãe fosse auxiliada por terceiro o crime seria

de maior gravidade do que quando praticado o fato sob a influência do estado

puerperal. Se o infanticídio for considerado, mãe e terceiro responderiam por esse

delito, sob a pena de quebra do princípio unitário que vige no concurso de

pessoas.146

No entanto, esta regra pode ter exceções. Um cuidado importante é a

análise do elemento subjetivo que orientou a conduta do terceiro. Se no fato, houver

o desvio subjetivo de condutas, art. 29, §2º, ou seja, “se algum dos concorrentes

quis participar de crime menos grave, ser lhe-á aplicada a pena deste”. Além disto, a

pena será aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado

mais grave. 147 No entendimento de Bittencourt 148:

Na verdade o legislador reconheceu uma diminuição de capacidade na puérpera, admitindo que o seu grau de discernimento e determinação é sensivelmente menor. O terceiro, por sua vez, em pleno uso de suas faculdades mentais e psicossomáticas, pode aproveitar-se das condições fragilizadas da puérpera para praticar a ação de matar o filho daquela. Ora, nesse caso, o terceiro age com dolo de matar alguém, age com dolo de homicídio, que, diríamos, é um dolo qualificado, pois tinha a finalidade adicional de utilizar a puérpera como instrumento para a obtenção do resultado previamente pretendido, que dar morte ao nascente ou recém-nascido.

Neste caso, o terceiro responderia normalmente pelo crime de homicídio,

que foi o crime que efetivamente praticou. Já a parturiente, em razão do seu estado

146 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.112-113. 147 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.153-154. 148 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.153-154.

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emocional perturbado pelos efeitos do puerpério, não pode ter sua situação

agravada. Logo, não pode responder pelo homicídio a que responde o terceiro.149

b. A mãe mata a criança com a participação do terceiro

Se a mãe mata a criança, o fato principal é o infanticídio, a que acede a

conduta do terceiro, que também deve responder por esse delito. Qualquer solução

diversa só haveria que existisse texto expresso a este respeito. A questão é clara e

não há controvérsia sobre a decisão. A decisão da comunicação ao terceiro segue a

lógica da elementar do crime.150

c. O terceiro mata a criança com a participação da mãe

Neste caso, a doutrina é controversa. Alguns autores defendem o

homicídio para o terceiro, outros defendem que os dois respondem por infanticídio. A

origem da dúvida é o conflito entre a vontade do agente e a previsão do art. 29 do

Código Penal Brasileiro, que estabelece a especial condição do partícipe.

Segundo Damásio de Jesus 151:

Segundo entendemos, o terceiro deveria responder pelo delito de homicídio. Entretanto, diante da formulação típica desse crime em nossa legislação, não há como fugir à regra do art. 30: como a influência do estado puerperal e a relação de parentesco são elementares do tipo, comunicam-se entre fatos dos participantes. Diante disto, o terceiro responde pelo crime de infanticídio. Não deveria ser assim, o crime do terceiro deveria ser homicídio.

149 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.153-154. 150 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.113. 151 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.111.

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Em relação a idéia acima defendida por Damásio de Jesus,

Bittencourt 152 discorda frontalmente:

Inquestionavelmente, o fato principal praticado pelo terceiro é homicídio. Não podemos esquecer que o acessório segue o principal, e, pela solução proposta pelo mestre Damásio, opera-se uma inversão, pois o principal estaria seguindo o acessório, ou seja, em vez de as elementares do tipo principal (homicídio) estenderem-se ao partícipe, seriam as condições pessoais desta que se estenderiam ao fato principal.

Para resolver o conflito, pode-se argumentar que a reforma de 1984

adotou como regra, a teoria monística, determinando que todos os participantes de

uma infração penal incidam nas sanções de um único e mesmo crime, e, como

exceção, admite a concepção dualista, mitigada, distinguindo a atuação de autores e

partícipes, permitindo uma mais adequada dosagem de pena de acordo com a

efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada partícipe, na medida da

culpabilidade perfeitamente individualizada.153

Assim, embora o fato principal praticado pelo terceiro configure o crime de

homicídio, certamente a mãe quis participar de crime menos grave, havendo aí, o

desvio subjetivo de condutas, devendo a partícipe responder pelo crime menos

grave do qual quis participar, ou seja, o infanticídio.154

152 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.153-154. 153 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.155. 154 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: Parte Especial 2 – dos cr imes contra a pessoa . 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156.

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4.4 TENDÊNCIAS QUANTO AO INFANTICÍDIO

Os doutrinadores sugerem que a principal solução para este problema

deveria ser a modificação dos crimes de homicídio e infanticídio. Segundo Damásio

de Jesus155:

Para nós a solução do problema está em transformar o delito de infanticídio em tipo privilegiado de homicídio. Assim na definição típica do art. 121 do CPB teríamos duas formas de atenuação da pena. A primeira já contida no § 1º, referente aos motivos de relevante valor moral ou social e domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. A segunda causa do privilégio seria a do infanticídio. Dessa forma, o delito autônomo do art. 123 seria transformado em causa de atenuação de pena do homicídio, no lugar onde se encontra hoje o homicídio qualificado.

Dessa maneira, a honoris causa e a relação de parentesco não mais

seriam elementares do crime de infanticídio, mas circunstâncias legais específicas

de natureza pessoal ou subjetiva do homicídio e, em caso de concurso de agentes,

incomunicáveis.156

4.5 CASOS DE IMPUNIBILIDADE

O art. 31 do Código Penal Brasileiro afirma que “o ajuste, a determinação

ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis,

se o crime não chega, pelo menos a ser tentado”. A lei atribui o termo impunibilidade

ao fato e não ao agente. O ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio são

condutas atípicas.157

155 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Especial . Segundo Volume. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.113-114. 156 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte Geral . Primeiro Volume. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.447. 157 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.377.

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O ajuste é o acordo ou pacto celebrado entre pessoas, a determinação é

a decisão tomada para alguma finalidade, instigação é a sugestão ou estímulo à

realização de algo e auxílio é a ajuda ou assistência dada a alguém.158

158 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral . Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.377.

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CONCLUSÃO

Este trabalho desenvolveu uma análise crítica do concurso de pessoas ao

crime de infanticídio, descrito no art. 123 do Código Penal Brasileiro, descrevendo

todas as divergências e dificuldades de interpretação do tema. O infanticídio é um

crime assemelhado ao homicídio onde ocorre a destruição da vida do neonato pela

mãe que se encontrara sob a influência do estado puerperal.

A teoria do concurso de pessoas afirma que não se comunicam as

condições ou circunstâncias de caráter pessoal - de natureza subjetiva - de crime.

Por outro lado, as elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam-se

entre os fatos cometidos pelos participantes, desde que tenham ingressado na

esfera do seu conhecimento.

A solução do conflito entre estas duas posições motivou esta pesquisa. O

Código Penal vigente, não tendo disposição sobre a matéria, obriga o intérprete a

analisar o problema diante das determinações dos art. 29 e 30. O trabalho discutiu a

possibilidade de terceiros atuarem como autores deste tipo penal, seja auxiliando a

mãe como coautor ou partícipe, seja como executor, recebendo o auxílio da

parturiente.

A pesquisa foi dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo, foram

apresentadas as definições e os conceitos relacionados a crime. Alguns crimes

contra a vida foram discutidos de forma resumida. No segundo capítulo, foi feita uma

revisão bibliográfica sobre o crime de infanticídio. No terceiro, tratou-se do concurso

de pessoas: a natureza jurídica, a evolução histórica e suas definições. No último

capítulo, foi tratado o tema de concurso de pessoas no crime de infanticídio.

As perguntas fundamentais foram respondidas e discutidas com base na

legislação atual do Código Penal e nas discussões das ideias dos doutrinadores. A

legislação comparada e os Códigos Penais do passado suportaram as respostas. A

posição majoritária dos doutrinadores prima pela aplicabilidade do artigo 30, com

relação à comunicabilidade das elementares do crime, pois a influência do estado

puerperal constitui elementar do crime de infanticídio.

Diante da formulação típica do crime de infanticídio em nossa legislação,

não há como fugir à regra do art. 30, uma que a influência do estado puerperal é

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elementar do crime de infanticídio e, sendo elementar torna-se comunicável ao

coautor ou partícipe.

Não foram encontradas jurisprudências de aplicação de penas nos

Tribunais Superiores e nos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, São Paulo, Rio

de Janeiro, Minas Gerais e Brasília pelos casos, apesar haver uma discussão teórica

e objetiva, os juízes procuram sempre tratar o crime como uma questão de homicídio

privilegiado favorecendo a mãe e os coautores.

A maior parte dos doutrinadores acredita que o estado puerperal é

plenamente comunicável a terceiro. No entanto, é necessária a análise do elemento

subjetivo que orientou a conduta do terceiro. Se no fato, houver o desvio subjetivo

de condutas, há uma diminuição de capacidade na puérpera, admitindo que o grau

de discernimento e determinação dele é sensivelmente menor. O terceiro, por sua

vez, em pleno uso de suas faculdades mentais e psicossomáticas, pode aproveitar-

se das condições fragilizadas da puérpera para praticar a ação de matar o filho

daquela.

Ora, nesse caso, o terceiro age com dolo de matar alguém, age com dolo

de homicídio, que, diríamos, é um dolo qualificado, pois tinha a finalidade adicional

de utilizar a puérpera como instrumento para a obtenção do resultado previamente

pretendido, que dar morte ao nascente ou recém-nascido. Neste caso, o terceiro

responderia normalmente pelo crime de homicídio, que foi o crime que efetivamente

praticou. Já a parturiente, em razão do seu estado emocional profundamente

perturbado pelos efeitos do puerpério, não pode ter sua situação agravada. Logo,

não pode responder pelo homicídio a que responde o terceiro.

Esta pesquisa não se esgota com esta monografia. O tema infanticídio

possibilita diversos campos de estudos futuros. A análise dos projetos de mudança

do Código Penal que alteram o crime pode ser uma importante fonte de informações

e análise.

A comunicabilidade, discutida neste estudo é, sem dúvida, injusta, pois

somente a mulher pode sofrer perturbações psíquicas puerperais, e para ser

beneficiada desse privilégio, deve ficar comprovada essa perturbação. Outro tema

de estudo futuro poderia ser a eliminação da figura autônoma do infanticídio e a

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transformação deste em tipo privilegiado do homicídio, terminando com a discussão

sobre este tema de coautoria.

Uma terceira possibilidade de estudo futura é modificação da expressão

sob a influência do estado puerperal para distúrbios psiquiátricos puerperais muito

mais apropriados às definições médico-legais e classificados na CID-10

(Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionadas à

Saúde). Por fim, outros estudos futuros poderiam propor a discussão de um Estatuto

para o recém-nascido no mesmo molde da legislação específica para a proteção das

mulheres e dos idosos.

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REFERÊNCIAS

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