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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL – UDF
COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO
LUCIANO ANDRÉ DA SILVEIRA E SILVA
A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AGENTES POLICIAIS NO
GERENCIAMENTO DE CRISES EM OCORRÊNCIAS COM REFÉNS
BRASÍLIA – DF
2011
CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL – UDF
COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO
LUCIANO ANDRÉ DA SILVEIRA E SILVA
A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AGENTES POLICIAIS NO
GERENCIAMENTO DE CRISES EM OCORRÊNCIAS COM REFÉNS
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de direito do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito Orientador: Professor Msc. Marcelo Ferreira de Souza.
BRASÍLIA – DF
2011
LUCIANO ANDRÉ DA SILVEIRA E SILVA
A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AGENTES POLICIAIS NO
GERENCIAMENTO DE CRISES EM OCORRÊNCIAS COM REFÉNS
Trabalho de conclusão de curso apresentado à coordenação de direito do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito Orientador: Professor Msc. Marcelo Ferreira de Souza.
Brasília – DF, _____ de _____________de 2011
Banca Examinadora:
___________________________________
___________________________________
Professor Msc. Marcelo F. de Souza (orientador)
Mestre
Professor UDF
__________________________________
Nota:__________________
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço ao Senhor Jesus pelo dom da vida e por mais esta oportunidade de concluir o bacharelado em direito. Também não poderia deixar de citar aqueles que me apoiaram na realização deste trabalho de Conclusão de Curso: Aos professores da universidade Cruzeiro do Sul e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. Ao meu amigo Nafêz Imamy Abud Cury, grande conhecedor do direito, pelo encorajamento a mim conferido. Ao mestre e orientador Professor Marcelo Ferreira de Souza, pelo apoio e atenção desprendidos. Meu muito obrigado!
Dedico à Doroth, minha querida esposa, por sempre me apoiar e por fazer minha existência mais feliz. Aos meus filhos Gabriel e Mariana, presentes de Deus. Aos meus pais Pedro e Neuza, pelo amor, cuidado, orações, enfim, por tudo que fizeram por mim. Meus irmãos Júlio, Sandra e Simone por sempre torcerem por mim.
RESUMO
No presente trabalho será realizado breve análise da responsabilidade penal dos
agentes policiais em ocorrências envolvendo reféns, sendo o trabalho baseado em
pesquisa bibliográfica e estudo de caso. Os órgãos policiais modernos utilizam o
gerenciamento de crise como um processo para solucionar crises que envolvam
reféns. Os agentes policiais envolvidos neste processo possuem responsabilidade
penal sobre os seus atos, uma vez que vidas humanas estão em risco. A
possibilidade de haver morte em situações críticas é alta, deparando-se o agente
policial com o binômio do gerenciamento de crise: salvar vidas e aplicar a lei. Para
que a ação do Estado, através dos suas instituições policiais tenha sucesso é
necessário que todo o processo seja conduzido com técnica e de acordo com a
legalidade prevista no arcabouço jurídico brasileiro. No caso de necessidade de uso
de força letal, devem estar presentes os requisitos que autorizem o Estado a utilizá-
la, via de regra, a legítima defesa de terceiro. Será analisada a aplicação do
aberratio ictus (crime aberrante) previsto no art. 73 do Código Penal Brasileiro, como
possível excludente de culpabilidade quando combinado com o art. 23 do mesmo
código, nos casos de erro de execução ou de acidente por parte do agente policial
autor do ato que resulte em morte de terceiros. Será analisada a responsabilidade
de todos os agentes policiais envolvidos no gerenciamento de crise e por fim um
estudo de caso que apresentará tanto aspectos técnicos quanto legais de caso real
de gerenciamento de crise ocorrido no Distrito Federal no ano de 2008.
Palavras-chave : Responsabilidade Penal. Gerenciamento de Crise. Aberractio
Ictus. Reféns. Perpetradores.
ABSTRACT
In the present work will be performed brief analysis of criminal liability for police
officers in incidents involving hostages, and the work is based on literature review
and case study. Police agencies use the modern crisis management as a process to
resolve crises involving hostages. Police officers involved in this process have
criminal liability on their actions, since human lives are at risk. The possibility of death
in critical situations is high, faced the police officer with the pair of crisis
management: to save lives and enforce the law. For state action through its law
enforcement agencies to be successful it is necessary that the whole process is
conducted according to technical and legal under the Brazilian legal system. In case
you need to use lethal force, must be present requirements allowing the state to use
it as a rule, the legitimate defense of third. Will examine the application of aberratio
ictus (aberrant crime) provided for in art. 73 of the Brazilian Penal Code, as a
possible exclusion of crime when combined with art. 23 of the Code, where a runtime
error or accident by the police officer author of the act resulting in death.
Consideration will be given the responsibility of all police officers involved in
managing the crisis and finally a case study that will present both technical and legal
aspects of real case-management crisis occurred in the Federal District in 2008.
Keywords: Crisis Management. Criminal Liability. Aberractio Ictus. Hostages.
Perpetrate.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
2 O ESTADO, AS INSTITUIÇÕES POLICIAIS E O GERENCIAMENTO DE
CRISE
14
2.1 O ESTADO E OS ÓRGÃOS POLICIAIS 14
2.2 A NEGOCIAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO NOS DIVERSOS CAMPOS DO
CONHECIMENTO
17
2.3 A HISTÓRIA DO GERENCIAMENTO DE CRISE NO MUNDO 18
2.3.1 A necessidade de mudança – Munique, 1972 19
2.4 A HISTÓRIA DO GERENCIAMENTO DE CRISE NO BRASIL 20
3 A RESPONSABILIDADE PENAL DO GERENTE DA CRISE, TIM E
TÁTICO E SNIPER
23
3.1 RESPONSABILIDADE PENAL, CONCURSO DE PESSOAS, DOLO,
CULPA E LEGÍTIMA DEFESA
23
3.2. DA NEGOCIAÇÃO PARA OUTRAS OPÇÕES TÁTICAS 27
3.2.1 Negociação tática 27
3.3 O GERENTE DA CRISE: DEVERES E RESPONSABILIDADE PENAL 28
3.4 MORTE DO REFÉM POR ERRO DO SNIPER 32
3.4.1 O sniper efetua disparo que atinge o perpetra dor e o refém,
causando a morte de ambos.
32
3.4.2 O Sniper efetua disparo que não atinge o perpetrado r, mas atinge
o refém, matando-o.
37
3.5 MORTE DO REFÉM POR ERRO DO TIME TÁTICO 34
4 ESTUDO DE CASO – ROUBO NA DROGARIA SANTA MARTA 36
4.1 ASPECTÓS TÉCNICOS 36
4.2 ASPECTO LEGAIS 43
4.2.1 Excludente de ilicitude 43
4.2.2 Inquérito policial militar 44
5 CONCLUSÃO 46
REFERENCIAS 49
10
1 INTRODUÇÃO
O objeto de estudo neste Trabalho de Conclusão de Curso é a
responsabilidade penal dos agentes policias no gerenciamento de crise em
ocorrências envolvendo reféns. Através de pesquisas realizadas por especialistas,
especialmente norte-americanos Noesner e Bolz do FBI, o gerenciamento de crise
surgiu como uma alternativa que pôde auxiliar na solução de crises com reféns onde
os riscos a vida é diminuído ao máximo (Monteiro, 2000, p. 10).
Muito se ouve falar sobre a responsabilidade do atirador de elite, ou
sniper como é mais conhecido, quando este é obrigado a agir, utilizando-se do tiro
de comprometimento contra eventual sequestrador ou outro causador de crise.
Todavia a doutrina de gerenciamento de crise adotada no Brasil
apresenta outros responsáveis pela condução do gerenciamento de crise: o gerente,
os negociadores e a equipe tática de policiais.
O Estado Democrático de Direito em que vivemos atualmente em
nosso país está alicerçado em fundamentos estabelecidos logo no artigo 1° da
Constituição Federal, entre os quais destacamos a dignidade da pessoa humana.
Também no artigo 5°, caput, está expresso: Art. 5° Todo são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiro s e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito a vida...
Portanto percebe-se que a dignidade da pessoa humana e o direito a
vida são bens indisponíveis, protegidos pela constituição e também pelas demais
leis em vigor no Brasil. Nos casos onde criminosos põe em risco a vida de terceiros,
o Estado é autorizado a agir, utilizando de todos os órgãos e recursos para a
solução.
A criminalidade está em crescimento no Brasil. Quase todos os dias os
jornais estampam notícias sobre a ação de criminosos. O crime é um fenômeno
social que se apresenta de formas variadas, dentre elas, a crescente utilização de
reféns para o alcance dos objetivos criminosos que normalmente visam à troca por
dinheiro ou bens materiais, garantia de fuga ou até mesmo da vida dos criminosos.
11
Diante dessa realidade crítica, as organizações policiais são cada vez
mais exigidas, a fim de proporcionarem uma resposta à altura do problema. A
preparação, o treinamento e os equipamentos para lidar com esse tipo de ocorrência
são ferramentas obrigatórias hoje nas polícias.
As ocorrências policiais têm sido cada vez mais observadas pela
sociedade, em especial pela mídia, aonde as exigências por resultados mais
eficientes e convincentes são esperadas por todos. Em especial, as ocorrências
onde há a tomadas de reféns não só atraem a atenção geral, mas coloca as
corporações policias no centro de uma crise em que qualquer deslize pode acabar
com a perda de vidas humanas. Neste sentido, a Negociação de Crise tem se
apresentado como alternativa plenamente capaz de atingir os resultados esperados
por todos os atores sociais nela envolvidos, qual seja: a preservação da vida e a
aplicação da lei. Como resultado do processo de gerenciamento de crise, poderá
ocorrer desde uma simples lesão corporal até a morte das pessoas envolvidas na
crise. Decorrente disto haverá a instauração de inquéritos que subsidiarão o órgão
ministerial para o oferecimento de denúncia, processo e julgamento.
O presente trabalho aborda a responsabilidade dos agentes policiais
envolvidos no gerenciamento de crise, desde o responsável por todo o processo de
gerenciamento, passando por todos os outros participantes do gerenciamento da
crise. Apresentaremos também as origens do uso da negociação como alternativa
nas crises envolvendo reféns, sua história, seus benefícios e riscos legais. Também
serão abordadas as hipóteses de erro com respectiva análise da responsabilidade
penal dos responsáveis pelo resultado, as excludentes e a competência para julgar o
fato. O método de pesquisa utilizado foi o da pesquisa bibliográfica e documental.
Enquanto o desenvolvimento dos grandes centros urbanos trouxe suas
novas realidades, e consequentemente, novas modalidades criminosas, as polícias
se depararam com novas exigências, novos crimes e criminosos audazes. Portanto,
o seguinte problema é apresentado: Qual e a responsabilidade penal dos agentes
policiais no gerenciamento de crise? A hipótese defendida é que a responsabilidade
penal pode ser de um só elemento, mas também de vários dentre os que estão
envolvidos no gerenciamento de uma crise. A ênfase da crise será naquela que há
reféns envolvidos.
12
Quando uma crise eclode as respostas que a polícia precisa dar não
são comuns nem rotineiras. As vidas que estão em jogo, a cobertura midiática, o
curto espaço de tempo e as demandas de pessoal qualificado e equipamentos
adequados são fatores que colocam em evidência a capacidade do Estado em
resolvê-la por meio de seus órgãos policiais.
Os primeiros estudos e treinamentos sobre negociação surgiram nos
EUA na década de 70. Nas diversas ocorrências policiais, o diálogo e a persuasão
eram os meios mais favoráveis para a resolução pacífica do conflito, dessa forma,
surgiram naquele país as primeiras equipes de policiais negociadores.
No Brasil os órgãos policiais foram tardios em perceber a necessidade
de policiais especialmente treinados para este mister. A partir da década de 90
poucas corporações policiais possuíam equipes de negociadores preparadas para
atuar.
Na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 2000, ocorreu um evento
crucial para a história da negociação policial no Brasil. Diante dos holofotes das
câmeras, o Brasil e o mundo viram o trágico desfecho de um assalto a ônibus: uma
refém foi morta pelo sequestrador após a polícia militar do Estado do Rio de Janeiro
falhar ao tentar neutralizá-lo.
O Distrito Federal (DF), unidade da federação de grande importância
no âmbito das decisões políticas nacionais, tem, atualmente, uma população de dois
milhões quinhentos e setenta mil cento e sessenta habitantes, segundo dados do
IBGE - Contagem da População 2010, publicada no Diário Oficial da União de
04/11/2010. Sua capital é a cidade de Brasília, sede dos três poderes da União e
das representações diplomáticas de vários países. O DF tem sido nos últimos anos,
palco de algumas ocorrências com tomadas de reféns, razão pela qual, faz-se
urgente aos órgãos policiais desta capital, uma postura profissional com a adequada
preparação técnica para atuar neste tipo de ocorrência.
Os crimes que têm como característica o uso de reféns como elemento
principal em seu modus operandi, trouxeram grandes problemas para as polícias em
todo o mundo, uma vez que o uso da força como alternativa principal de dissuasão
do criminoso também colocava em risco a vida de inocentes envolvidos nestas
situações (Monteiro, 2000).
13
Percebe-se que para combater essa modalidade criminosa, as velhas
técnicas são ineficazes (Mascarenhas, 1995, p. 16 e 17), dessa forma, surgiu a
necessidade de novos estudos, treinamentos e equipamentos a fim de se obter o
resultado esperado: refém libertado e criminoso neutralizado (preso ou morto)
conforme a demanda da situação.
Nesse sentido, firmou-se uma parceria entre os vários campos de
conhecimento: a psicologia para se compreender o perfil dos seqüestradores; a
dialética como competência para argumentar, discutir e raciocinar; a informática e a
tecnologia com suas possibilidades de processamento rápido da informação,
consultas a banco de dados criminais e equipamentos tecnológicos variados que
podem ser utilizados na resolução de crises (Mascarenhas, 1995; Monteiro 2000).
No capítulo 04 faremos um Estudo de Caso em ocorrência recente no
DF envolvendo Gerenciamento de Crise, para enfocar a hipótese de pesquisa que,
com base na leitura, apresenta a negociação em situações que envolvem a tomada
de reféns como técnica eficaz para solução eficaz e adequada, onde foram utilizadas
todas as alternativas táticas: negociação, time tático e snipper. Também será
analisado sob a ótica legal a responsabilidade penal dos agentes policiais que
atuaram na resolução desta crise.
14
2 O ESTADO, AS INSTITUIÇÕES POLICIAIS E O GERENCIAM ENTO DE CRISE
O Estado, única entidade dotada de poder soberano, é o titular
exclusivo do direito de punir (para alguns, poder-dever de punir). Mesmo no caso da
ação penal exclusivamente privada, o Estado somente delega ao ofendido a
legitimidade para dar início ao processo, isto é, confere-lhe o jus persequendi in
judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi. (CAPEZ, 2010,p. 43)
Crise é um evento ou acontecimento crucial que exige uma resposta
especial da polícia a fim de assegurar uma solução aceitável. (Monteiro, 2000, p. 7)
O Gerenciamento de Crise é o processo de identificar, obter e aplicar
os recursos necessários a antecipação, prevenção e resolução de uma crise
(Montero, 2000, p. 8).
O uso da força como vinha sendo utilizada há muito tempo pelas
corporações policias, foi aperfeiçoado com o surgimento das equipes táticas
especiais (SWAT – Special Weapons and Tatics – Armas e táticas especiais).
Todavia percebeu-se que nem sempre os resultados eram aceitáveis, uma vez que
as perdas de vidas decorrentes destas ações poderiam ser altas. A partir de então o
estudo de condição da saúde mental dos causadores das crises, passou a ser o
ponto de partida para a solução da crise. Percebeu-se que o diálogo, a conversação
eram mais eficazes que o uso da força num primeiro momento. (Mascarenhas, 1995
p. 21).
2.1. O ESTADO E SEUS ÓRGÃOS POLICIAIS
O Estado é pessoa jurídica territorial soberana, formada pelos
elementos povo, território e governo soberano. O Estado é um ente personalizado
(pessoa jurídica de direito público, no termos dos arts. 40 e 41 do nosso Código
Civil), apresentando-se tanto nas relações internacionais, no convívio com outros
Estados soberanos, quanto internamente – como sujeito capaz de adquirir direitos e
contrair obrigações na ordem jurídica. (ALEXANDRINO e PAULO, 2009, p. 34 ).
15
Das muitas obrigações que o Estado possui a Segurança Pública está
entre as mais importantes, por que dela decorrem a ordem pública e contribui
diretamente para o estado de bem-estar social da população.
Conforme ensina Fernando Capez (2007, p. 48), a autotutela remonta
aos princípios da civilização e caracteriza-se basicamente, pelo uso da força bruta
para satisfação de interesses. A própria repressão aos atos criminosos se fazia ora
em regime de vingança ou de justiça privada, ora pelo Estado, sem a interposição de
órgãos imparciais. Os dois traços característicos da autotutela são, portanto: a
ausência de juiz imparcial e a imposição da decisão por uma das partes à outra
(Cintra, Grinover e Dinamarco, 2008, p. 25).
Nas lições de Gilmar Mendes (Mendes e outros, p. 62, 2008), citando Max
Weber temos que:
O Estado moderno é uma associação de domínio com carácter institucional que tratou, com êxito, de monopolizar, dentro de um território, a violência física legítima como meio de domínio e que, para esse fim, reuniu todos os meios materiais nas mãos do seu dirigente e expropriou todos os funcionários feudais que anteriormente deles dispunham por direito próprio, substituindo-os pelas suas próprias hierarquias supremas
O Estado é o ente jurídico possui o direito de punir, exclusivamente. É
dotado de órgãos policiais, elencados na Constituição Federal, Capítulo III –
Segurança Pública, artigo 144, que são responsáveis pela segurança pública,
conforme se segue:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Quebrada a ordem pública por meio da prática de algum ato tipificado
como crime, o Estado tem o dever de agir, conforme determina o art. 301 do Código
de Processo Penal: “Art. 301 Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e
seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
A polícia federal destina-se a apurar infrações penais contra a ordem
política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da união ou de sua
entidades autárquicas e empresas públicas, e também a polícia judiciária da União,
conforme parágrafo 1° , incisos I, II, III, IV do art. 144 da Constituição Federal.
16
Percebe-se que pelo comando constitucional é o órgão policial com mais
atribuições entre os órgãos citados no artigo 144.
Às polícias civis, basicamente, cabe a polícia judiciária e a apuração das
infrações penais, ressalvadas as da competência da União e as penais militares,
conforme parágrafo 4° do artigo 144.
No comando constitucional do art. 144, parágrafo 6° cou be às polícias
militares a atividade de polícia ostensiva, para preservação da ordem pública.
Os órgãos policiais que tem atuado no gerenciamento de crises em nosso
país são as polícias militares e civis e, eventualmente, a polícia federal, caso a crise
ocorra em aeroportos ou estabelecimentos federais.
O regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares
do Brasil, aprovado pelo Decreto n° 88.777/1983, conc eitua ordem pública como
sendo o :
conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis no interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum
. A polícia, como conceitua Guido Zanobinie (1950 apud Moraes, 2004, p.
653) é a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera
administrativa, independentemente da sançao penal, as limitações que são impostas
pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da
segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos
penais.
A polícia administrativa também chamada de polícia preventiva, cuja
função consiste no conjunto de intervenções da administração, conducentes a impor
à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade. (Moraes, p.
653).
A segurança pública é um assunto amplo e com certeza não compete
somente aos órgãos de segurança pública a sua manutençao, mas a um conjunto de
órgãos públicos e ações governamentais para que a ordem pública e a paz social
sejam uma realidade em nosso país (Ferraz Jr, 1990, apud Moraes, p. 654).
17
2.2 A NEGOCIAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO NOS DIVERSOS CAMPOS DO
CONHECIMENTO
No gerenciamento de Crises a negociação talvez seja a técnica mais
importante, uma vez que por meio dela poderá se chegar a resolução da crise sem a
perda de vidas humanas. A negociação é uma arte. Também é uma técnica que se
apreende, que se aperfeiçoa, não obstante algumas pessoas já terem um talento
inato para negociar. Como uma técnica, ela pode ser utilizada em várias áreas do
conhecimento, tais como na diplomacia, no meio empresarial, nas relações sociais,
e também na área policial.
A negociação pode ser entendida como um processo que envolve uma ou
mais partes com interesses comuns e/ou antagônicos, que se encontram para
confrontar e discutir propostas explícitas com o objetivo de alcançar um acordo
(Fayed, 2003).
Na área diplomática, a negociação se mostra bastante efetiva para a
resolução dos mais diversos tipos de problemas envolvendo os países (Fayed,
2003). É com certa freqüência que ouvimos que determinado país enviou os seus
negociadores para outro país a fim de atuarem na busca de soluções para
determinado problema. A atuação desses profissionais ocorre nos mais diversos
assuntos de interesse das nações. As negociações internacionais têm como
característica o desafio em um contexto de interdependência, agenda internacional
múltipla, diversidade cultural, ideologia, língua e por fim a diversidade de legislação.
No campo empresarial, a negociação tem merecido especial atenção por
parte dos estudiosos do assunto (Fayed, 2003). Centros de Treinamento, cursos e
pós-graduações na área tem sido comuns no meio empresarial.
Nas relações sociais pode-se destacar as negociações que são realizadas
entre os sindicatos das diversas classes de trabalhadores (metalúrgicos, rurais,
comerciários e etc.) e os proprietários das indústrias/empresas. Nessas relações, a
negociação está sempre presente, pois profissionais com conhecimento sobre as
técnicas de negociação são muito importantes, uma vez que interesses comuns e
antagônicos estão em jogo. Questões como emprego, salários, planos de carreira,
produção industrial, estão no centro das negociações, não podendo deixar a
condução dessas negociações nas mãos de amadores.
18
2.3 A HISTÓRIA DO GERENCIAMENTO DE CRISE NO MUNDO.
Os fatores que levaram ao uso do gerenciamento de crise na atividade
policial são recentes, remontando há pouco mais de 40 anos. Devido ao seu
contexto histórico, de envolvimento nos grandes conflitos mundiais, os Estados
Unidos da América acabaram que desenvolvendo um ambiente interno que
proporcionou a ocorrência de eventos criminosos, onde a polícia daquele país não
estava preparada técnica, humana e tecnologicamente para enfrentar as novas
modalidades criminosas surgidas na década de 60 (Monteiro, 2000, p. 77).
Ainda segundo Monteiro (2000, p. 77), o aumento de incidentes
internacionais e nacionais como seqüestros de aviões e eventos politicamente
motivados, aliados à freqüência com que ocorriam episódios nas cidades
americanas envolvendo ex-combatentes da guerra do Vietnã, que apresentavam
problemas psicológicos adquiridos na guerra, que muitas vezes sem uma razão
aparente se encastelavam em diversos tipos de locais, como residências, bares,
comércios e atiravam em pessoas que passavam por seus caminhos. A polícia à
época não dispunha de armamento forte o suficiente para lidar com bandidos tão
treinados e fortemente armados como estes veteranos de guerra. Foi então que em
Los Angeles CA, no ano de 1967, o LAPD (Los Angeles Departament Police –
Departamento de Polícia de Los Angeles) criou um grupamento especial de policiais
treinados e fortemente armados, inicialmente denominados de SWT (Special
Weapons Team- Grupo Especial de Armas). Este grupo tático especial, que era
treinado para agir com rapidez e eficiência, foi criado em outros departamentos de
polícia americanos, quando recebeu a atual denominação de SWAT (Special
Weapons and Tatics – Armas e táticas Especiais). (Monteiro, 2000, p.77, 78).
Como exemplo de grupamentos semelhantes a SWAT no Brasil têm-se o
COT (Comando de Operações Táticas) do Departamento de Polícia Federal, e o
GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) da PMESP (Monteiro, 2000, p. 78). No
Distrito Federal destaca-se o COE (Comando de Operações Especiais) da PMDF, e
o COTE (Comando de Operações Táticas Especiais) da PCDF.
19
2.3.1 A necessidade de mudança - Munique, Alemanha – 1972
Nas olimpíadas de Munique, Alemanha, no ano de 1972, um fato viria a
mudar a história das ações policiais em ocorrências envolvendo reféns. Numa
atabalhoada ação da polícia Alemã, 22 pessoas, sendo 10 perpetradores1, 11 atletas
olímpicos da delegação Israelense e um policial, foram mortos. Este evento
culminou com a redução da credibilidade do uso do conceito SWAT de forma
indiscriminada em todos os tipos de eventos. Este acontecimento abriu caminho
para o uso de técnicas de saúde mental a partir do questionamento do estado
psicológico dos perpetradores, objetivando a solução do conflito sem expor a vida
das pessoas a danos ou até a morte ( Monteiro, 2000).
A partir de eventos como o de Munique, foram observados que em
determinados casos, o uso da força como alternativa principal, em ocorrências
envolvendo reféns, poderia trazer mais problemas do que soluções aceitáveis, como
a morte indiscriminada de reféns e perpetradores. Passou-se a perceber que o uso
da comunicação entre o negociador e o perpetrador poderia reduzir a tensão e as
demandas. O acordo feito em pequenos eventos poderia levar a rendição não
violenta, evitando mortos e feridos. Através da negociação, o perpetrador tinha como
motivação finalizar a situação não sendo morto pela polícia. (Noesner, 1999, p. 9,
apud Mascarenhas, 1995).
Com o desenvolvimento do conceito de negociação, pode-se observar o
surgimento de gerações da negociação, com a evolução dos conceitos e das
técnicas. Na primeira geração da negociação têm-se alguns fatores que marcaram o
desenvolvimento da técnica, tais como a classificação dos perpetradores em quatro
tipos: (a) emocionalmente perturbados, (b) criminosos encurralados na execução da
ação, (c) prisioneiros revoltados e (d) motivados politicamente (Monteiro, 2000, p. 21
e 22). O uso da força passou a ser opção secundária, por que entre outros efeitos
negativos, o surgimento de mártires políticos, poderia ser um resultado dessa opção.
Também foi descoberto que a relação surgida entre perpetrador - refém -
negociador era uma ferramenta de auxílio nas negociações (Monteiro, 2000, p. 23).
Na década de 80, a segunda geração da negociação foi marcada pelo
maior envolvimento de pessoas emocionalmente perturbadas e de criminosos
1 Perpetrador: é aquele que perpetra algo, neste trabalho tem o mesmo significado de sequestrador.
20
encurralados nos incidentes. Os fatores que marcaram esta geração foram: aumento
da compreensão das características do negociador, reconhecimento da efetividade
no trabalho de equipe de negociação, aprimoramento de técnicas verbais na
negociação; o negociador deixou de ser o único tomador de decisão. A ênfase no
uso de tecnologias de intervenção de crise em incidentes domésticos e escuta ativa
levou a adoção do termo Negociação de Crise (Noesner, 1999. p. 9).
2.4 A HISTÓRIA DO GERENCIAMENTO DE CRISE NO BRASIL
No Brasil, conforme observou Mascarenhas (1995, p. 21), o uso efetivo do
gerenciamento de crises/ negociação de crise nas ocorrências envolvendo reféns,
remonta a década de 1990. Esta história é repleta de eventos positivos e negativos.
O uso de pessoas estranhas ao ambiente policial na função de negociadores é ainda
hoje comum, mas a tendência é a da especialização. Juízes, padres, psicólogos,
políticos já apareceram no cenário da crise como negociadores, sem, contudo,
conhecerem o mínimo da técnica de negociar, confiando muitas vezes em sua
popularidade ou autoridade para se resolver a crise. O negociador improvisado
carece de preparo técnico e inexiste o compromisso entre ele e a polícia
(Mascarenhas, 1995, p.25).
Ainda, segundo Mascarenhas (1995. p. 29) quando eclodia a crise, após a
correria inicial e a tentativa da prisão dos criminosos, já contando às vezes com
algumas perdas humanas, se iniciava a negociação, já num elevado nível de
estresse. Neste momento as corporações policiais se deparavam com os seguintes
dilemas: Quem vai negociar? O que pode ser negociado? Daí, na maioria dos casos,
um policial se apresentava, ou então o primeiro policial que chegava a ocorrência
acabava assumindo a função de negociador. Casos trágicos como o de Adriana
Caringi, que foi morta por um atirador de elite do GATE – Grupo de Ações Táticas
Especiais, da PMESP, no dia 20 de março de 1990, começaram a expor, em nível
nacional, o despreparo das corporações na questão da negociação.
Adriana, de 23 anos, morava com a família numa casa da Rua Tucuna, na
zona oeste da cidade, invadida pelo assaltante Gilberto Palhares e sua cúmplice
Regiane Maria dos Santos. Avisada por um amigo da família, a polícia cercou o
local. Armado com um revólver, Palhares levou Adriana para a janela do andar de
21
cima da casa. O ladrão quebrou o vidro da janela e passou a fazer exigências, como
a de receber um carro blindado para a fuga. Agachado junto a um poste, com um
fuzil Belga nas mãos, o cabo Furlan estudou a cena por 20 minutos antes de atirar.
A bala percorreu 30 metros em diagonal e explodiu a cabeça de Palhares.
Entretanto a refém Adriana também foi atingida pelo projétil, morrendo nos braços
da mãe, Anna. A terceira vítima da operação foi Regiane, morta por policiais,
segundo testemunhas. Condenado em 1994 a dois anos de prisão, Furlan teve a
pena atenuada para um ano e dois meses pela Justiça Militar, que mais tarde
permitiu ao policial permanecer em liberdade. A família de Adriana ganhou na justiça
a indenização equivalente a 60 mil dólares na época, do governo do Estado de São
Paulo. (Folha de São Paulo, 1998).Neste caso fica a pergunta: a negociação poderia
ter ajudado a resolver a crise sem mortes?
Mas nenhum caso foi tão comovente como o acontecido em 12 de junho
de 2000, no Rio de Janeiro, quando a refém e o sequestrador morreram. Naquele
dia, o assaltante Sandro do Nascimento, armado e sob ação de drogas, praticou um
roubo num ônibus da linha 174, que fazia o trajeto Gávea-Central do Brasil. Ele
ameaçou matar diversos passageiros durante quase quatro horas. Cercado, Sandro
não cedia às negociações. Em um gesto de terrorismo, chegou a ordenar que os
reféns deitassem no chão do ônibus e a atirar ao redor deles, para assustá-los.
Após horas de negociação, vários reféns foram libertados, restando
apenas um. O sequestrador Sandro desceu do ônibus segurando pelo pescoço a
professora Geísa Firmo Gonçalves e apontando uma arma contra o peito dela. Até
este momento as negociações estavam surtindo o efeito. Restava apenas uma
refém e o desfecho final de toda ação. Um policial do grupo de tático do BOPE da
PMERJ efetuou um tiro na direção do sequestrador, que revidou. A professora Geísa
foi atingida por tiros e morreu minutos depois. O assaltante, aparentemente sem
nenhum ferimento, foi dominado e levado em um carro do Gate (Grupo de Ações
Táticas Especiais), da PMESP. Ele chegou morto à delegacia, com indícios de
estrangulamento. Um capitão da PM assumiu que matou "o bandido em legítima
defesa, porque ele tentou pegar a arma de um policial”. Geisa, 20 anos, foi enterrada
dois dias depois, em Fortaleza (CE). O enterro reuniu 3.000 pessoas.
Somente a investigação e um estudo de caso poderão indicar as falhas
naquela operação. A negociação é a principal opção dentro do gerenciamento de
crises. Vários fatores poderiam ter interferido no resultado desta ocorrência. Não
22
poderíamos deixar de considerar que a opção do uso do atirador de elite neste caso
específico estaria condicionada a fatores políticos que poderiam ir além da
capacidade de decisão do gerente da crise, uma vez que aquela crise estava sendo
transmitida ao vivo pelos meios de comunicação. De fato, seria uma decisão difícil,
que infelizmente não temos como avaliar.
Após este evento a Secretaria Nacional de Segurança Pública -SENASP,
órgão da estrutura do Ministério da Justiça, organizou, através da Rede Nacional de
Ensino da Segurança Pública – RENAESP, uma série de cursos na área de
gerenciamento de crise e negociação, a fim de dotar as polícias brasileiras do
treinamento e da doutrina de gerenciamento e negociação de crises.
Na PMESP o primeiro curso de Negociação de Crises com Reféns foi no
ano de 2001. (Mascarenhas, 1995, p. 114). Na PMDF o curso pioneiro se deu em
2004, tendo nova edição em 2006.
No Departamento de Polícia Federal - DPF há o COT (Comando de
Operações Táticas), criado com o objetivo de atuar em crises cujo gerenciamento da
responsabilidade do DPF, como o apoderamento ilícito de aeronaves e crises cujo
teatro de operações se dê nas sedes de órgãos federais.
Portanto, enquanto que em outros países, como os Estados Unidos da
América, a negociação policial já completou 40 anos, no Brasil ainda não se
completou 20 anos.
23
3 A RESPONSABILIDADE PENAL DO GERENTE DA CRISE, DO NEGOCIADOR,
DO TIME TÁTICO E DO SNIPER
Conforme citado na introdução, a responsabilidade penal de alguns
agentes que participam de ocorrências onde há reféns. O policial conhecido como
sniper ou atirador de elite, normalmente é o mais visado quando, na sua atuação,
erra e causa a morte de inocentes. Entretanto, via de regra, o sniper não age
sozinho, ou quando bem quer. Este está sob o comando de alguém, que também
possui responsabilidade penal sobre o resultado de um gerenciamento de crise.
Também há o time tático
Neste capítulo analisaremos a responsabilidade dos agentes policiais que
atuam numa crise, além de alguns conceitos jurídicos que ajudarão no entendimento
do assunto proposto.
3.1 RESPONSABILIDADE PENAL, CONCURSO DE PESSOAS, DOLO, CULPA E
LEGÍTIMA DEFESA – CONCEITOS E NOÇÕES.
Segundo Heleno Fragoso (2006, p. 203), a responsabilidade penal é o
dever jurídico de responder pela ação delituosa que recai sobre o agente imputável.
A conduta típica e antijurídica é definida como crime na lei de acordo com
o entendimento dominante da doutrina brasileira, entre eles os renomados juristas
Damásio de Jesus, Celso Delmanto e Júlio Fabrini Mirabete.
O art. 18 do Código Penal Brasileiro classifica os crimes em dolosos e
culposos. Damásio de Jesus (2009, p. 283) define dolo como elemento subjetivo do
tipo. É a vontade de concretizar as características objetivas do tipo. Fernando Capez
(2007,p. 200) diz que o dolo é a vontade e a consciência de realizar os elementos
constantes do tipo penal, ou seja, a vontade manifestada pela pessoa humana de
realizar a conduta.
A culpa também se constitui elemento do tipo, segundo a teoria finalista
da ação. A conduta culposa torna-se típica a partir do instante em que não se tenha
manifestado o cuidado necessário nas relações com outrem, conforme afirma
Damásio (2009, p. 293). Culpa é a ausência de um dever objetivo de cuidado que
conduz a um resultado, embora não previsto, previsível objetivamente.
24
O agente atua com dolo, quando quer diretamente o resultado ou assume
o risco de produzi-lo; ou age com culpa, quando dá causa ao resultado em virtude
de sua imprudência, imperícia ou negligência (Greco, 2009, p. 151).
Os tipos que definem os crimes culposos, como se observa, são, em
geral, abertos, não descrevendo em que consiste o comportamento culposo (Capez,
2007, p. 207).
• O dolo direto
O agente quer determinado resultado, como a morte da vítima, por
exemplo, no homicídio.(Nucci, 2006, p. 187)
• O dolo eventual ou indireto
No magistério de Fernando Nucci (2006, p. 187), o dolo eventual ou
indireto é a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém
vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado,
mas unido ao primeiro.
• Culpa Inconsciente
De acordo com Mirabete (2007, p. 141), existe quando o agente não
prevê o resultado que é previsível. Não há no agente o conhecimento efetivo do
perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico alheio.
• Culpa Consciente
Ainda segundo Mirabete, ocorre quando o agente prevê o resultado, mas
espera, sinceramente, que não ocorrerá. O agente acredita que sua habilidade
impedirá o evento lesivo que está dentro de sua previsão
Baseado na teoria finalista, de autoria de Hans Welzel, Damásio de
Jesus,(2009, p. 231), ensina que:
O Direito não deseja apenas que o homem não realiza condutas dolosas, mas, também, que imprima em todas as suas atividades uma direção finalista capaz de impedir que produzam resultados lesivos. As ações que produzindo um resultado causal, são devidas à inobservância do mínimo de direção
25
finalista no sentido de impedir a produção de tal consequência, ingressam no rol dos delitos culposos.
Lembrando que, conforme citado por Capez ( 2007, p. 115) a conduta é a
ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade.
Ainda para se analisar a ausência da culpabilidade de determinado
agente, outros aspectos da lei penal podem ser considerados, tais como:
Descriminante Putativa, Erro Determinado por Terceiro (art. 20, §1° e §2° do Código
Penal), Coação irresistível e a Obediência Hierárquica art. 22). Além destes
aspectos há as excludentes de ilicitude, que isentam os autores do crime quando
estes praticam as condutas em Estado de Necessidade, em Legítima Defesa e em
Estrito Cumprimento do Dever Legal ou no Exercício Regular de Direito, do citado
diploma legal.
• Concurso de pessoas
Ocorre quando na violação da norma jurídico-penal decorre da ação de
mais de uma pessoa. Está previsto no Código Penal Brasileiro, Título IV, com a
denominação “concurso de pessoas” (Rocha, 2004, p. 416).
Para que ocorra o concurso de agentes, são indispensáveis 04 requisitos
(Mirabete, 2007, p. 227):
a) Pluralidade de condutas;
b) Relevância causal de cada uma das ações;
c) Liame subjetivo entre os agentes;
d) Identidade de fato
• Legítima defesa
Conforme citado no capitulo 1 desta monografia, a finalidade do
gerenciamento de crise é aplicar a lei (fazer com que os causadores de crise sejam
presos e processados) e preservar a vida (dos reféns e também dos causadores da
crise). Caso haja a necessidade de uso de força letal para colocar fim a crise e
libertar os reféns, entendemos que a principal causa que eximirá os agentes policiais
de eventual morte é a excludente de ilicitude da legitima defesa.
Legítima defesa, segundo Capez ( 2007. p 281) é causa de exclusão da
ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio
26
ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há aqui, uma
situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá
ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou
terceiro, legitimando a repulsa.
Fundamento: O Estado não tem condições de oferecer proteção aos
cidadãos em todos os lugares e momentos. Logo, permite que se defendam quando
não houver outro meio.
Requisitos:
a) Agressão injusta;
b) Atual ou iminente;
c) A direito próprio ou de terceiro;
d) Repulsa com meios necessários;
e) Uso moderado de tais meios;
f) Conhecimento da situação justificante.
Ao manterem pessoas sob sua custódia, os causadores de crise, em tese,
estarão cometendo o tipo penal do art. 148 do Código Penal Brasileiro, definido
como sequestro ou cárcere privado: “Art. 148. Privar alguém de sua liberdade,
mediante sequestro ou cárcere privado. Pena: - reclusão de um a três anos.”
Não obstante conceituar o que seja o sequestro ou o cárcere privado, o
legislador impôs a mesma pena para ambos, que é de uma a três anos de reclusão.
Ocorrida a crise, independente do perfil do causador desta, a polícia
deverá tomar medidas iniciando assim o processo chamado gerenciamento de crise.
Como já conceituado anteriormente, podemos resumir como o conjunto de medidas
que visam proporcionar o adequado tratamento ao caso, através de recursos
humanos qualificados (negociadores, time tático, sniper) e equipamentos
especializados (armas, aparelhos de comunicação, computadores e etc),
observadas as características específicas da crise (perfil do causador da crise, local
da crise e etc).
27
3.2. DA NEGOCIAÇÃO PARA OUTRAS OPÇÕES TÁTICAS
A missão básica do negociador é preservar vidas e aplicar a lei. Diante
dessas duas premissas básicas, a função de negociar logicamente não poderá ficar
nas mãos de pessoas não especializadas nem treinadas no amplo espectro da
doutrina de negociação.
O negociador deve ser um policial com treinamento específico. Por ser a
negociação a quase totalidade do gerenciamento de crise, o negociador servirá de
intermediário entre os causadores da crise e o gerente da crise, que é o comandante
da cena de ação ou teatro de operações. O negociador catalisa o processo dialético
entre as exigências dos causadores da crise, a postura da polícia, na busca de uma
solução aceitável, apresentando-se como uma verdadeira relação tese x antítese =
síntese.
O trabalho do negociador tem como objetivo o mesmo que o do grupo de
ação tática (SWAT), qual seja, resgatar pessoas tomadas como reféns. Todavia a
arma do negociador é a dialética, a paciência, a técnica.
Portanto, quando a negociação não está avançando no objetivo de libertar
os reféns e há evidencias de que o perpetrador poderá agir contra a vida dos reféns,
é o momento de serem tomadas decisões para o uso do sniper do time tático
(Monteiro, 2000, p. 92, 93)
3.2.1 Negociação Tática
Quando o uso da força letal for a melhor opção, o negociador não deve
ser afastado, mas deve se utilizado para o que se chama de negociação tática,
oferecendo informações e preparando perpetradores e reféns para a opção tática
escolhida.
Esta preparação tática do negociador pode ser dividida em 03 maneiras
(Monteiro, 2000, p. 50):
1. Coleta de informações;
2. Técnicas de otimização de risco – história cobertura (história fictícia
com o fim específico de ganhar tempo, distrair, acalmar, forjar uma
28
situação), ganho de tempo, facilitação das condições para
desenvolvimento da síndrome de Estocolmo, Rapport; e,
3. Técnicas de negociação específicas para ações táticas – Ingresso de
pessoas sob pretexto diversos (levar comida, atendimento médico etc.),
Introdução de um cavalo de tróia (dispositivo, arranjo de tarefas para os
perpetradores a fim de facilitar a ação do grupo tático, identificação do
perpetrador líder, possibilitar aproximação de veículo ou equipamento
necessários a ação do grupo tático).
Portanto, na negociação tática, o negociador trabalhará para proporcionar
ao sniper as condições para efetuar o tiro de comprometimento. Neste caso o
negociador foi elemento que cooperou para que o objetivo do uso do sniper fosse
atingido, ou seja, a morte do perpetrador.
3.3 – O GERENTE DA CRISE: DEVERES E RESPONSABILIDADES
O gerente da crise é o comandante do gerenciamento de crise. É o
profissional preparado para gerenciar as equipes de negociadores, do time tático e
os atiradores de elite, ou snipper.
Uma das primeiras atividades que o Gerente deve fazer num local de
crise é procurar identificar qual o perfil do causador da crise (perpetrador), por que a
partir desta classificação ele definirá a estratégia para a resolução da crise.
Uma classificação aceita universalmente sobre os tipos de perpetradores
(causadores de crise) classifica-os em quatro tipos fundamentais (SOSA, 2000, p.
03):
1. Criminosos profissionais;
2. Emocionalmente perturbados;
3. Terrorista por motivação política;
4. Prisioneiros em revolta (amotinados).
1. Criminosos profissionais : São aqueles que provocam uma crise
geralmente por acidente, devido a uma ação da polícia que os flagra em
alguma ação delituosa. A fim de sobreviver e/ou tentar sua fuga, o
criminoso toma pessoas como reféns a fim de tê-los como garantia e
29
meios de alcançar seus objetivos. Observa-se no Brasil que grande
parcela dos causadores de reféns estão classificados nesta categoria
(Frank Bolz, 1987).
2. Emocionalmente perturbado : pode ser desde uma pessoa com
problemas psicológicos ou mesmo alguém que não conseguiu lidar com
alguma frustração (término de relacionamento amoroso, problemas
familiares e etc.) que acaba praticando atos que redundem em crises. Sua
ocorrência no Brasil também é considerável, tendo como exemplo recente
o caso da adolescente Eloá em Santo André, SP, em outubro de 2008,
onde o seu ex- namorado, Lindemberg Alves, de 22 anos, inconformado
com o fim do relacionamento, manteve Eloá refém após invadir a
residência da jovem, e depois de 100 horas do sequestro, Lindemberg
efetuou disparos contra Eloá e outra refém, a adolescente Nayara. Eloá
veio a óbito no dia seguinte. Este tipo de causador de crise gera grande
expectativa no trabalho da polícia, uma vez que os causadores de crise
não são criminosos habituais, mas estão naquela situação devido a
problemas emocionais ou psicológicos. Uma solução diferente da
negociação, como o uso do atirador de elite ou do time tático, torna-se
muito sensível. Como seria a reação da sociedade se logo no início da
crise em Santo André, o comandante da operação tivesse dado a ordem
para o atirador de elite atuar, colocando assim fim à crise através da morte
de Lindemberg? Será que os grupos de direitos humanos, os operadores
do direito e toda sorte de especialistas de plantão não estariam avaliando
e condenando a ação da polícia? Diante da hipótese aventada percebe-se
que este tipo de causador de crise requer da polícia um trabalho com
muita atenção e técnica.
3. Terrorista por motivação política : Sem dúvida alguma é o mais difícil
causador de crise para se lidar. Suas ações são calculadas e bem
planejadas. É a que causa a maior repercussão na mídia. A divulgação
das ações desses tipos de causadores de crise constitui, na maioria das
vezes, o principal objetivo da crise. No Brasil esta categoria de causadores
de eventos críticos foi muito ativa durante o período do governo militar , no
30
início da década de 70. Uma subespécie desta categoria são os
terroristas por motivação religiosa. Suas crenças e convicções são
inegociáveis. A dificuldade da negociação se dá pela dificuldade da
racionalização através do diálogo.
4. Prisioneiro em revolta : são os causadores de crises existentes em
penitenciárias/presídios, onde os presos tomam os funcionários daqueles
estabelecimentos ou os visitantes como reféns. Sua principal motivação é
o desejo de fuga. No Distrito Federal este tipo de crise é tratado no
decreto N° 23.607, de 19 de fevereiro de 2003 – Gere nciamento de Crise
penitenciária e pelo decreto N° 24.013, de 02 de setem bro de 2003 –
Gerenciamento de Crise Juvenil.
A doutrina determina que do gerente, via de regra, deve partir a ordem
para qualquer ação que pode resultar na morte do causador da crise (Monteiro,
2000,p. 36). Esta ordem poderá ser para o atirador de elite executar o tiro de
comprometimento ou para o time tático adentrar ao local e efetuar o resgate dos
reféns.
Havendo a morte do causador da crise por ação do atirador de elite ou por
ação do time tático, decorrente de ordem do gerente da crise, poderá surgir o que a
doutrina e a lei penal chamam de concurso de agentes. A questão é: poderá o
gerente da crise ser responsabilizado penalmente em conjunto com aqueles que
foram responsáveis pela morte de pessoas, caso haja erro na execução da ação do
sniper ou do time tático?
No caso do gerente ser o autor da ordem para uma ação que resulte na
morte de alguém (perpetrador ou refém), analisemos, primeiramente se é caso de
co-autoria, isto é em caso de morte do refém por erro na execução do tiro de
comprometimento por parte do sniper.
Bitencourt ( 2010, p. 98), conceituando a co-autoria diz nos que:
a doutrina brasileira, à unanimidade, admite a co-autoria em crime culposo, rechaçando, contudo, a participação. Pode existir na verdade um vínculo subjetivo na realização da conduta, que é voluntária, inexistindo, contudo, tal vínculo em relação ao resultado, que não é desejado. Os que cooperam na causa, isto é, na falta do cuidado do dever objetivo, agindo sem a atenção devida, são co-autores. Nesse aspecto, a concepção brasileira, assemelha-se na essência, com a alemã, ao sustentar que toda contribuição causal a um delito não doloso equivale a produzi-lo na
31
condição de autor, para os alemães, na de co-autor, para os brasileiros, pois, como dizia Wezel, a co-autoria é uma forma independente de autoria... A coautoria é autoria. Por isso, cada co-autor há de ser autor (Wezel, Derecho Penal alemán, p. 158). Assim, passageiro que induz o motorista de táxi a dirigir em velocidade excessiva e contribui diretamente para um atropelamento, que para os alemães seria autor, para os espanhóis seria simples partícipe, e, para a doutrina brasileira, co-autor.
Pela Teoria do Domínio do Fato, ajuda-nos a compreender melhor a
situação colocada:
O domínio do fato é um conceito regulativo (Roxin – Henckel); não é um
conceito onde é possível dar uma fórmula fechada, senão que depende das
circunstâncias totais do fato mesmo. Somente na presença de todas as
circunstâncias se pode estabelecer quem “ domine o fato”.
O gerente da crise, que após análise das circunstancias da crise, decide
pelo uso da força letal está em um vínculo psicológico com o sniper, que praticará a
conduta, ainda que não em relação ao resultado, concorrendo ambos para o
resultado lesivo se “obrarem com culpa em sentido estrito” (Mirabete, 2007, p. 234).
O gerente da crise, que deu a ordem, verificou ser esta a melhor alternativa para
solucionar aquela crise, após ter sido tentada através da negociação.
Se na execução do tiro pelo sniper, ou da entrada tática, pelo time tático,
houver falta de cuidado objetivo, inobservância de regra de segurança ou mesmo
imperícia do atirador, estaremos diante de um homicídio ou de uma lesão corporal,
na modalidade culposa.
Todavia, por analogia, após receber a ordem de atirar, o sniper erra o tiro,
por “acidente ou erro na execução” entendemos que deverá ser utilizado para a
análise jurídica do caso o art. 73 do Código Penal. Este artigo determina que o
agente responde como se tivesse praticado o crime contra a quela, atendendo-
se ao disposto no parágrafo 3° do art. 20 deste Cód igo (grifo nosso), haverá
causa de excludente de criminalidade para ambas as ações.
Nesse sentido, é o que recomenda a jurisprudência pátria:
Se o agente estava procedendo em legítima defesa e houve erro na execução, nem por isso deixa a justificativa invocada de ser admissível, se comprovada. Em relação ao terceiro atingido terá havido mero acidente ou erronia no uso dos meios de execução. E quem diz acidentalidade diz causa independente da vontade do agente (MARREY apud FRANCO et al., 2001, p. 1370).
32
Parece-nos, portanto, que tal raciocínio seria também aplicável ao
comandante do teatro de operações que emanou a ordem para o tiro, posto que
amparado também pelo objetivo final de salvaguardar a vida do refém.
3.4 MORTE DO REFÉM POR ERRO DO SNIPPER
O sniper ou atirador de precisão ou atirador de elite, é o profissional
habilitado para realizar o tiro de comprometimento, que visa neutralizar o
perpetrador através do uso de força letal. Ele utiliza para tanto armamento
adequado, com equipamentos especiais, tais como luneta, telêmetro2 e a munição
própria para aquele mister.
O sniper só poderá agir quando a negociação não estiver mais
avançando, e após exaustiva avaliação do gerente da crise que, auxiliado pelo
comandante do grupo de negociadores e do grupo tático, toma a decisão do uso de
força letal através do tiro de comprometimento (Mascarenhas, 1995, p. 39).
Neste sentido, somente no caso de legítima defesa do refém o sniper
poderá atuar, amparado assim por esta excludente, situação na qual não haverá o
crime.
Todavia, por ser tratar de ação humana, a atuação do sniper poderá
resultar em falha, ou seja, poderá ter como resultado a morte de pessoas que
originalmente não havia intenção do sniper acertar.
Vejamos as hipóteses decorrentes do tiro de comprometimento efetuado
pelo atirador de elite policial.
3.4.1 O sniper efetua disparo que atinge o perpetra dor e o refém, causando a
morte de ambos.
O sniper errou na execução da ação de atirar, acertando não somente o
alvo originou, ou seja, o causador da crise, mas também acertou aquele que
tencionava defender, abatendo o causador da crise que coloca sua vida em risco.
2 é um dispositivo de precisão destinado à medição de distâncias em tempo real. Pode ser óptico,
quando baseado em um mecanismo de focalização, ou ultrasônico (eco-telêmetro ou telêmetro acústico), quando utiliza reflexos sonoros.
33
O caso merecesse aprofundada análise.
Se o sniper não toma os cuidados necessários para a realização do tiro,
como por exemplo, não observa a trajetória do tiro supondo que ele atingirá somente
o perpetrador, mas acaba atingindo o refém, poderemos estar diante de um situação
de culpa consciente.
Caso o sniper visualize que pode atingir o refém, mas dado a gravidade
da situação, como por exemplo, o perpetrador está na iminência de atentar contra a
vida do refém, mesmo diante do risco, o sniper não vê outra alternativa a não ser
efetuar o disparo vindo a acertar acidentalmente o refém, qual será sua
responsabilidade penal diante deste fato?
Todavia, sendo os exemplos acima casos de acidente ou erro na
execução, o art. 73 do código penal brasileiro, é o que melhor resolve a questão,
sendo o caso de Aberratio ictus.
Art.73 Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o
agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no parágrafo 3° do art. 20 deste Código. No caso
de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se
a regra do art. 70 deste código.
Neste sentido, Rogério Greco (2009, p. 367), ao citar o exemplo do
agente que visa legitima defesa e acaba acertando outra pessoa, diz-nos que:
Pode ocorrer que determinado agente, almejando repelir agressão injusta,
agindo com animus defendendi, acabe ferindo outra pessoa que não o seu
agressor, ou mesmo a ambos (agressor e terceira pessoa). Nesse caso,
embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra pessoa que não o seu
agressor, o resultado advindo da aberração no ataque (aberratio ictus)
estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não
podendo, outrossim, por ele responder criminalmente.
Portanto entendemos que poderá haver a causa de excludente de
criminalidade em relação a morte do perpetrador objetivo primário do tiro e, também,
em relação a morte da vítima, amparado pela legítima defesa de terceiros, conforme
art. 23, II, c/c a parte final do art. 73, ambos do Código Penal:
“Art 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: [...] II- Em legitima defesa. Art.73 Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
34
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra a quela, atendendo-se ao disposto no parágrafo 3° do art. 20 deste Código . No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste código.”
O perpetrador, que ameaçava a vida dos reféns, foi morto por ação
legítima do sniper, havendo, contudo, concurso formal, haja vista que uma única
conduta acabou ceifando também a vida do refém. Mas como o art. 73 determina
que o agente responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-
se ao disposto no parágrafo 3° do art. 20 deste Código, haverá causa de excludente
de criminalidade para ambas as ações.
Contudo convém que para configurar a legítima defesa, sejam observados
seus requisitos, conforme já citados no item 2.1.1, deste trabalho.
3.4.2 - O Sniper efetua disparo que não atinge o pe rpetrador, mas atinge o
refém, matando-o.
A intenção do atirador era atingir o perpetrador, e não o refém. Contudo,
por erro ou acidente no momento do disparo, este erra o alvo e atinge
equivocadamente o refém, vindo este a óbito.
O professor Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 411) fornece-nos um
exemplo que se aplica bem a presente situação hipotética: “Ao desferir o tiro,
alguém esbarra no braço do agente, causando o desvio no ataque (citação de
Damásio, Código Penal anotado, p. 189). Afinal como poderia o agente prever o
esbarrão em seu braço?”
A situação em análise poderá tratar-se, também, de erro na execução,
prevista no art. 73 do Código Penal. Entendemos que o enquadramento da ação do
sniper no art. 73, se daria na hipótese de acidente, haja vista que a possibilidade de
sniper atirar no perpetrador e atingir o refém, poderá ocorrer mais por acidente, ou
quase que por exclusivamente por acidente, do que por erro.
Neste sentido, entendemos haver causa de excludente de ilicitude, haja
vista determinar o art. 73, que deve ser considerado que tivesse praticado o crime
(que no caso, não haverá crime, como já visto) contra aquela (perpetrador).
35
Pode haver também a hipótese do erro ser invencível, ou seja, aquele
quando inexistirem cuidados objetivos que, observados, pudessem evitar a
ocorrência do erro. (Rocha, 2004, p. 169).
36
3.5 MORTE DO REFÉM POR ERRO DO TIME TÁTICO
O time tático, também conhecido como grupo tático é a opção mais letal
do gerenciamento de crise. Ele é composto de agentes policiais (civis ou militares)
com treinamento especial. E composto de 05 a 10 homens. Além do treinamento e
do comprometimento com o grupo, todos assumem o compromisso de matar, caso a
situação exija. (Monteiro,, 2000, p. 78, 79).
Não só perpetradores e reféns podem ser mortos com a atuação do time
tático, mas também os próprios policiais que compõem o time tático correm sério
risco de morte.
Portanto o grau de letalidade da ação do time tática é altíssimo, devendo
a sua utilização ser realizada somente quando a vida dos reféns é ameaçada por
alguma ação potencialmente letal à vida dos reféns.
Do ponto de vista legal, a utilização do time tático só encontra guarida na
excludente de criminalidade da legítima defesa de terceiros. “Art 23. Não há crime
quando o agente pratica o fato:I – Em estado de necessidade; II- Em legitima
defesa.”
Havendo erro na ação do time tático poderá estar presente a situação
configurada com erro escusável ou invencível, caracterizados como excludentes da
punibilidade, dentro das chamadas descriminantes putativas no direito penal
brasileiro.
Greco (2009. p 305) ensina que: “quando falamos de descriminante
putativa, estamos querendo dizer que o agente atuou supondo encontrar-se numa
situação de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever
legal ou de exercício regular de direito”.
Há relatos de utilização de time tático onde a dificuldade de saber quem é
refém e quem é perpetrador, ou a utilização de reféns como “escudo” são os
maiores causadores de mortes de refém. (Monteiro,2000, p. 93)
37
4 ESTUDO DE CASO – O ROUBO NA DROGARIA SANTA MARTA : ASPECTOS
TÉCNICOS E LEGAIS
No dia 20 de agosto de 2008, na cidade de Ceilândia – DF, na drogaria
Santa Marta, um fugitivo da Penitenciária da PAPUDA, ROGER DO ARTE PINTO,
de 22 anos, em uma tentativa frustrada de assalto, tomou seis funcionários da
drogaria com reféns.
Foi utilizado o gerenciamento de crise como meio para a solução do
evento crítico. No incidente foram utilizados três de um total de quatro opções táticas
disponíveis no gerenciamento de crise, quais sejam: negociação, time tático e
atirador de elite (a 4ª opção seria a utilização de munição química). Este fato foi
marcado pela utilização de força letal, através do sniper da PMDF para por fim a
crise.
Além dos aspectos técnicos faremos um breve estudo dos aspectos legais
e judiciais decorrentes da ação dos policiais que utilizaram o gerenciamento de crise
como processo para solucionar esta ocorrência com reféns.
4.1 – ASPECTOS TÉCNICOS.
• Definição do tipo da crise:
2° Grau - Altíssimo Risco: De acordo com o Plano de Ope rações N°
04/06 (Operação Gerente), baseado na doutrina difundida a nível mundial em
gerenciamento de crise, a ocorrência em Ceilândia foi classificada como crise de 2°
Grau ou Altíssimo Risco, que é aquela em que o perpetrador tomou pessoa(s) como
refém(ns), ou a si próprio (suicida), dispõe de arma (independente de seu poder
letal) e possui o controle da situação no ambiente da crise.
• Tipo de Causador de Crise:
Criminoso Profissional - interrompido pela ação da polícia, motivado pelo
desejo de fuga.
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• Data do Evento:
20 de agosto de 2008.
• Localidade:
QNM 18, Conj. B, Drogaria Santa Marta, Ceilândia-DF.
• Ponto Crítico:
QNM 18, conjunto B, Interior da Drogaria Santa Marta.
• Início:
07h30minh
• Término:
12h50min
• PEC (Perpetrador de Evento Crítico):
ROGER DO ARTE PINTO, 22 anos, nascido em 01 de novembro de
1986. Fugitivo do Centro de Detenção Provisória (CDP – Complexo Penitenciário da
Papuda), condenado por roubo, porte Ilegal de arma e formação de quadrilha;
• Reféns:
1) José Ivaldo Valadares da Silva, 39 anos - balconista;
2) Silas Almeida da Silva, 22 anos, o gerente da loja;
3) Desiré Cristina Aleixo Nunes, 23 - atendente;
4) Nielson Rodrigo Rêgo Marques, 23 - subgerente;
5) Alex Lopes Lisboa, 18 - office-boy;
6) Regina Chaves, 26 anos - caixa.
• Elementos essenciais de inteligência:
a) Perpetrados - totalmente conhecido;
b) Reféns - 06;
c) Objetivo (local da crise) - conhecido;
39
d) Arma – revolver Cal. 38.
• Evento Crítico:
O perpetrador, ROGER DO ARTE PINTO, estava com um revólver 38
com 06 munições.
• Exigências:
Um carro para fugir do local.
Comentário: A doutrina de gerenciamento de crise orienta que uma crise estática
nunca deve se tornar uma crise móvel. Portanto esta exigência do PEC não poderia
ser atendida, uma vez que a crise se tornando móvel, uma perseguição
cinematográfica poderia ter ocorrido nas ruas de Ceilândia. O PEC poderia se dirigir
a localidades onde haveria maior concentração de pessoas, tomar mais reféns... ou
seja, imprevisível.
• Negociador Primário:
Soldado Edmar, primeiro policial a chegar ao local, e iniciar as
negociações com o PEC.
Comentário: O Soldado Edmar, foi o primeiro policial a iniciar as conversações.
Apesar de não ter especialização em negociação, o chefe da equipe de negociação
resolveu usar o Sd Edmar na função de negociador primário, tendo em vista haver
iniciado as conversações e estabelecido o que a psicologia chama de rapport, ou
seja, entre ele e o perpetrador surgiu um vínculo cooperativo, um sentimento de
confiança, onde as negociações começaram a se desenrolar com sucesso. Durante
toda a negociação, o Soldado Edmar esteve sob a orientação direta da equipe de
negociadores.
• Equipe de Negociação:
A equipe de negociação era formada por 05(cinco) policiais, sendo 01
major, 02 tenentes e um sargento.
• Gerente da Crise:
O Tenente Coronel comandante do 8° BPM.
40
Comentário: A Operação Gerente orienta que o gerente de crise é o Comandante
da Unidade Policial Militar que é responsável pelo policiamento ostensivo e
preventivo onde ocorre a crise.
• Auxiliar Técnico do Gerente da Crise:
Tenente Coronel comandante do Batalhão de Operações Especiais.
• Unidade da Polícia Militar responsável pela Área:
8° BPM, que exerceu papel fundamental na contenção, i solamento,
negociação primária e acionamento do BOPE.
• Relações com a Mídia:
A Seção de Comunicação Social da PMDF esteve presente no local da
crise, organizando o ambiente para a imprensa trabalhar e mantendo-a informada do
andamento das negociações.
• Isolamento da área:
Realizado pela PATAMO/BOPE, podendo ser considerado muito bom,
tendo em vista que o ponto crítico se situava no centro comercial da cidade de
Ceilândia, onde havia grande aglomeração de pessoas. A imprensa foi colocada em
local determinado pelo Gerente da Crise.
O 8° BPM também apoiou o isolamento do local. Foi fo rmado um
perímetro externo e outro interno. Como a área a ser isolada era muito grande, foi
empregado um efetivo grande para o isolamento
• Contenção da crise:
A contenção da crise pode ser considerada excelente, pois os policiais
que chegaram no início da ação mantiveram o perpetrador Roger dentro da farmácia
evitando assim que ele se deslocasse a outros locais onde poderia haver a captura
de mais reféns ou até mesmo uma troca de tiros entre o perpetrador e a polícia. A
farmácia, devido os medicamentos que ali existiam, pôde ser considerada um local
sensível para a negociação, tendo em vista que o perpetrador chegou a ingerir
algumas cápsulas do remédio ROLPHINOL, que tem efeitos alucinógenos.
41
• Duração da crise:
Aproximadamente cinco horas e vinte minutos.
• Equipamentos e pessoal qualificado:
A equipe de ação tática do COE/BOPE, estava utilizando todos os
equipamentos necessários para o assalto tático, caso fosse necessário.
Havia no local 02 (dois) atiradores de elite armados com fuzis calibre 7,62
posicionados para o pronto emprego.
Os negociadores estavam identificados com coletes azuis, cor que,
segundo estudos da área de cromoterapia, tem ação positiva no animo das
pessoas.
• Linha de Negociação:
Identificado o tipo de crise e o perfil do perpetrador, a linha de negociação
passou a ser a recomendada pela doutrina. Como o perfil do perpetrador era o de
criminoso profissional, a sua motivação principal era o desejo de fuga. A equipe de
negociação conseguiu libertar 04 (quatro) reféns, na primeira hora de negociação,
restando apenas 02 (dois) reféns, que foram libertados após o término do
gerenciamento.
• Fatores críticos:
As 08h30minh, o perpetrador Roger, efetuou um disparo no interior da
farmácia, fato que se repetiu às 11h03minh. Ele demonstrava que não queria se
entregar, ficando de posse dos dois últimos reféns até o desfecho final. Um fato
interessante é que Roger se apresentou com o falso nome de FRANCINALDO, fato
que dificultou o trabalho de Inteligência (levantamento de dados de perpetrador.)
Observou-se que o perpetrador não queria se entregar de forma alguma,
querendo fugir do local em um veículo. Em determinado momento ele pediu que sua
avó fosse trazida até o local, mas ele não se lembrava do endereço da mesma nem
o telefone. Próximo ao final da crise Roger queria falar com sua irmã, mas também
não se lembrava do número do telefone dela.
42
• Solução adotada:
Através de equipamento denominado escuta direcional, a equipe de
negociação obteve informações de que o perpetrador Roger estava planejando
tentar sair da farmácia a qualquer custo. Por volta de 12h45minh, Roger ameaçou
matar a refém Regina caso Alex, outro refém, não saísse do interior da farmácia e
buscasse o carro que estava estacionado em frente, a fim de fugir neste carro (o
carro era de um dos reféns). Alex saiu do interior da farmácia e correu para dentro
do veículo GM Celta que estava em frente à farmácia que estava com a chave na
ignição. Alex entrou no carro, deu marcha ré e o posicionou na entrada da farmácia.
• Opção tática N° 02 – Grupo de assalto tático:
Diante desta situação, e visando não permitir que Roger e a refém
Regina, que estava em seu poder, saíssem do local, o gerente da crise ordenou que
o grupo tático entrasse em ação. Os policiais do COE – Comando de Operações
Especiais tiraram Alex do interior do veículo. O perpetrador Roger reagiu desferindo
disparos de arma de fogo contra a equipe de policiais.
• Opção tática N° 03 – Atirador de Elite
No momento em que os policiais do COE retiravam Alex do interior do
veículo, Roger disparou sua arma na direção dos policiais e de Alex. Imediatamente,
em questão de segundos, o sniper, que se encontrava posicionado em local
estratégico, neutralizou Roger com um disparo certeiro de seu fuzil,
• Desfecho da Crise
Roger veio a óbito no local. A refém Regina que estava com o braço de
Roger envolto em seu pescoço há horas, escapou. Era o fim do seqüestro.
• Apreciação do Gerenciamento:
A análise dessa crise leva à inevitável conclusão de que ela foi, em todas
as suas etapas, bem gerenciada.
Porém, entende-se que por vezes o emprego de materiais que estão
ausentes, poderia facilitar o processo de gerenciamento e a solução da crise, como
43
por exemplo, a utilização de barricadas para isolar o trânsito e os transeuntes, que
foram mantidos em seu local com o uso de viatura e vários policiais.
Um grupo de intervenção foi empregado, composto de 06 homens e um
atirador de precisão. Não houve considerações políticas que pudessem interferir no
processo de gerenciamento, inclusive ressaltando o comportamento profissional do
Comandante do 8° BPM, que a todo tempo trabalhou co ordenado e auxiliado pelo
Comandante do BOPE, até o desfecho da ocorrência. Ressalta-se ainda a
dificuldade do levantamento de informações sobre o causador da crise tendo em
vista o mesmo ter fornecido nome falso e estar usando trajes que dificultaram sua
identificação.
Foi possível entender que mesmo negociando fardado, o negociador
primário conseguiu estabelecer um vínculo de confiança com o causador da crise. A
presença do fardamento, a princípio, não apresentou nenhum obstáculo pra o
processo de negociação. Objetivamente analisada à luz da doutrina, a crise do na
drogaria Santa Marta em Ceilândia, apresentou os seguintes pontos positivos:
a) A total colaboração da vizinhança local, que forneceu logística adequada. A
farmácia próxima ao local da crise foi usada como Posto de Comando para o
gerenciamento da crise;
b) A disciplina dos policiais da 8° BPM e BOPE, no forne cimento de informações e
controle da área de contenção;
c) O conhecimento técnico do Gerente da crise que empregou toda a doutrina
prevista na Operação Gerente e o auxilio do comandante do BOPE ao gerente da
crise, atuando com assessor técnico;
d) A qualidade técnica da equipe de negociação e dos policiais do grupo tático;
e) Rapidez no planejamento e estratégias de ação;
f) A rápida resposta da PMDF em atender a crise acionando os meios necessários
para esse tipo de evento;
g) A possibilidade de apresentar à população do DF, o grau técnico em que se
encontra a PMDF, no atendimento de ocorrências de natureza complexa, com
pessoal qualificado e equipamentos adequados;
h) Repercussão positiva nos veículos de comunicação.
Porém foram verificadas as seguintes dificuldades:
44
b) Dificuldade no levantamento de informações do causador da crise, que foram
amenizadas pela ação da atividade de inteligência;
c) Ausência de equipamento de comunicação eficiente no início da crise. Era
possível ouvir as comunicações via HT pelo simples fato de estar perto do local;
• Conclusão da operação gerente
Nesta ocorrência, todos os reféns saíram vivos e ilesos. A única exceção
foi o assaltante Roger que foi morto por um atirador de elite do BOPE/PMDF, em
ação legal, respaldada pela excludente de crime da legítima defesa de outrem, haja
vista que no momento em que Roger foi atingido pelo Snipes ele estava atirando
contra os policiais que resgatavam o refém Alex. Roger ainda estava de posse da
refém Regina, segurando-a pelo pescoço, com um revolver carregado em uma de
suas mãos efetuando disparos. A possibilidade de Roger tentar matá-la como um
ato de derradeiro desespero e em seguida se suicidar eram iminentes naquele
momento.
Portanto, os dois grandes objetivos da negociação foram alcançados,
quais sejam a preservação da vida e o cumprimento da lei. No gerenciamento de
crises, a negociação é a principal tática. Quando não for possível negociar mais,
ainda tenta-se negociar mais um pouco...
Neste caso concreto está completamente comprovada a eficácia da
negociação de crise em ocorrência com reféns. A utilização de pessoal qualificado e
de equipamento adequado demonstrou que a preparação e o treinamento são itens
imprescindíveis nas polícias atualmente. Não há mais espaço para amadorismo.
4.2 ASPECTOS LEGAIS
A negociação de crise foi o principal meio utilizado no gerenciamento
desta crise. Contudo, devido às circunstâncias, foi necessária a utilização de força
letal para a salvaguarda da vida dos reféns que ainda estavam sob a custódia do
perpetrador (dois reféns, sendo um homem e uma mulher).
4.2.1 Excludente de ilicitude.
45
Por tratar-se de policiais militares em serviço, a legislação utilizada para
análise do feito foi a Penal Militar. (Decreto lei n° 1001/69 – Código Penal Militar).
O art. 42 do Código Penal Militar, determina: “art. 42. Não há crime
quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – legítima defesa;
III – em estrito cumprimento do dever legal; IV – em exercício regular de direito.”
O perpetrador Roger efetuou um disparo em direção ao time tático da
PMDF que efetuava a retirada do refém Alex do interior de um veículo em frente a
porta da farmácia. Com tal atitude o criminoso colocou não só a vida dos policiais
em risco, mas também do refém que estava sendo resgatado pelo time tático e
potencialmente pela refém Regina que ainda estava em poder do perpetrador. Roger
praticou, em tese, a conduta tipificada no art. 121 do Código Penal, na modalidade
tentada.
Diante da injusta agressão, que naquele momento era atual, contra o
direito a vida de pessoas, os requisitos da legítima defesa estavam todos presentes,
autorizando o Estado a utilizar de seus meios para fazer cessar a agressão.
O assessor técnico do gerente da crise, o tenente coronel comandante do
BOPE/PMDF autorizou o sniper a agir tão logo verificou a agressão do perpetrador
contra a vida da refém e dos policiais.
O sniper da PMDF com um único tiro certeiro, efetuado há uma distância
de aproximadamente 100 metros, atingiu fatalmente Roger.
Nenhum refém e nenhum policial foi atingido, ficando todos incólumes à
agressão do perpetrador.
4.2.2 Inquérito policial militar
Por tratar-se de infração penal militar, foi registrada a ocorrência na
Corregedoria da Polícia Militar, local em que foram tomadas todas as medidas legais
(declaração do sniper, apreensão do armamento e instauração de Inquérito).
Foi instaurado o Inquérito n° 2008.001.0075.298 pel a Corregedoria da
Polícia Militar do Distrito Federal, haja vista o sniper, autor do fato, ser policial militar
em serviço quando da realização do tiro de comprometimento.
4.2.2.1 Das Provas
Além dos depoimentos do sniper, dos reféns e das testemunhas, foram
realizadas vários exames periciais conforme se segue:
46
1. Laudo Cadavérico do perpetrador R. A. P., 22 anos;
2. Laudo de Exame de Corpo de Delito;
3. Laudo de Exame de Arma de Fogo;
4. Laudo de Confronto Balístico;
5. Laudo de Exame de Morte Violenta;
Importante ressaltar que as provas elencadas acima foram cruciais para a
caracterização de que a atuação do sniper da PMDF foi amparada pela excludente
de ilicitude da legitima defesa (art. 42, II do Código Penal Militar).
Em pesquisa ao site do TJDFT o IPM recebeu o número de processo
2008.01.1.142223-5, que foi arquivado definitivamente por ter o Ministério Público
deixado de oferecer denúncia em desfavor do policial militar, haja vista ter entendido
que a ação do agente do Estado foi em legítima defesa da refém e dos policiais
militares agredidos injustamente pelo perpetrador, conforme abaixo:
Circunscrição: 1 – BRASÍLIA
Processo: 2008.01.1.142223-5
Data Dist.: 31/10/2008
Vara: 21 – AUDITORIA MILITAR DO DF
Andamento: ARQUIVAMENTO DEFINITIVO 13072010 CX 942 OF BX309
47
5 CONCLUSÃO
Após o término do trabalho que resultou neste estudo sobre
responsabilidade penal, pode-se afirmar que o gerenciamento de crise é hoje uma
ferramenta crucial para as polícias do Brasil lidarem com as mais diversas crises,
dentro de um contexto mais técnico e juridicamente mais seguro. Os atores
envolvidos num processo de gerenciamento possuem grande responsabilidade
sobre suas decisões e atitudes tomados no desenvolvimento de uma crise.
A linha que separa uma ação legítima de uma ação criminosa é muito
tênue para aqueles que são operadores da ampla, delicada e sensível atividade da
segurança pública. Ao lidarem com o bem mais precioso do ser humano – a vida – o
legislador impôs uma série de cuidados que devem ser observados para que não
ocorram ações desprovidas da devida legalidade. Um dos aspectos que excluem o
crime, a legítima defesa de terceiro, foi apresentado como o principal elemento que
torna a legal o uso de força letal em ocorrências envolvendo reféns.
Especial atenção foi dada para o crime aberrante, do art. 73 do diploma
penal brasileiro, que abrange não só o erro na execução, mas também o acidente
quando da efetivação do tiro de comprometimento pelo atirador de elite – sniper- Tal
situação não é de fácil comprovação na jurisprudência pátria, haja vista a pouca
ocorrência de tais erros no gerenciamento de crise no Brasil. O caso mais famoso do
país envolveu o Cabo da PMESP, Marco Antonio Furlan, que em março de 1990
atingiu com um único disparo o perpetrador e a refém, levando ambos a óbito.
Nesse episódio, o julgador condenou o policial Furlam por homicídio culposo em
relação a morte de refém, Adriana Caringi. Máxima data Vênia, entendemos que
poderia haver a aplicação do art. 73 do CPB, c/c art. 23, isentando o policial da
responsabilidade sobre a morte da refém Adriana, por ter sido o fato um acidente
quando da realização do disparo.
A função de atirador de elite – sniper-, possui muitos ônus, e quase
nenhum bônus. Além do stresse do treinamento diário, da responsabilidade em caso
de atuação em ocorrências reais, a possibilidade de responder a um inquérito e/ou
processo é permanente na vida deste profissional.
A partir das experiências acima relatadas, pode-se dizer que a
negociação de crise não é uma tarefa fácil e não pode ser colocada nas mãos de
amadores para ser executada. Há pouco mais de dois anos, o seqüestro da
48
adolescente Eloá, em Santo André – SP, emocionou nosso país. O desfecho trágico,
com a morte da refém Eloá, fez do GATE, Grupo de Ações Táticas Especiais da
PMESP, alvo de ferrenhas críticas durante semanas. Para aqueles que realmente
são especialistas em negociação e gerenciamento de crise, ficou claro que o
comando da operação em Santo André não foi fácil tendo em vista os aspectos
políticos envolvidos aliados a cobertura dos meios de comunicação, o que tornou o
trabalho de gerenciamento alvo das atenções. A negociação tem seus riscos,
inclusive com a morte de reféns. O treinamento, a difusão da doutrina e a aquisição
de equipamentos são essenciais para a busca do êxito e da preservação das vidas
de todas as pessoas vítimas de um seqüestro.
Também o caso do ônibus 174, em junho de 2000 do Rio de Janeiro,
expôs as dificuldades da realização correta do gerenciamento de crise. Além de um
documentário com cenas reais do caso, houve um filme que retratou o episódio.
Basta uma simples análise, que será verificado que o sniper poderia e deveria ter
abatido aquele causador de crise, logo no início da crise. Não o fez. O resto é
história, e trágica.
O tempo e os recursos não abundaram para a realização desta obra.
Limitei-me à pesquisa bibliográfica, por meio da qual pude conhecer um pouco mais
sobre os aspectos que envolvem a responsabilidade penal e também sobre o
trabalho e estudo realizado por diversos profissionais, de doutrinadores a
operadores do direito no Brasil e do mundo.
A era em que vivemos é conhecida como a era do conhecimento, e
caracterizada pela circulação de informações de forma rápida e abundante, nunca
vista anteriormente na história da humanidade. Esta difusão do conhecimento trouxe
aos órgãos policiais a oportunidade de inovação e modernização de técnicas. É
cada vez maior o número de equipes de gerenciamento e negociação de crise nas
polícias Brasileiras. O uso da negociação e mediação está se difundido,
proporcionando a criação de a cultura de paz, onde os conflitos são revolvidos pelo
diálogo e a dissuasão e não pelo uso da força somente.
Não sendo possível a negociação, a ação tática, do uso de atiradores de
elite, agentes químicos e do grupo de ação tática, devem estar plenamente
disponíveis. Policiais qualificados e especializados, com alto nível de instrução, são
o reflexo de uma sociedade em evolução, que almeja uma polícia moderna,
49
promotora dos direitos humanos, atuando preventivamente e, sendo necessário,
repressivamente.
Dentro do que foi apresentado no capítulo 04 sobre o caso real de
negociação, verifica-se que a hipótese de que a negociação bem conduzida é uma
alternativa eficaz para a solução de crises envolvendo a tomada de reféns. O sniper
agiu na hora certa e dentro da legalidade, eliminou o causador da crise, com o uso
de força letal. O inquérito atestou a legalidade de sua ação, sendo que o órgão do
MP nem ofereceu denúncia em desfavor do policial. Todos os sete reféns tiveram
suas vidas preservadas, e o causador da crise foi morto pela polícia, contudo dentro
do princípio legal da excludente de ilicitude da legítima defesa de terceiro. Com a
negociação as soluções são mais aceitáveis, direcionadas pela legalidade e para a
preservação da vida.
Através da utilização das técnicas, táticas e princípios da negociação,
observados os aspectos legais da responsabilidade penal, pode-se alcançar os dois
primordiais objetivos que norteiam a atividade de gerenciamento de crise e
negociação: Preservar vidas e aplicar a lei.
50
REFERÊNCIAS
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