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Centro Universitário Feevale Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade SIMONE BAMPI PRIMEIRA INFÂNCIA E SAÚDE PÚBLICA: A ESTIMULAÇÃO PRECOCE COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO SOCIAL Novo Hamburgo 2010

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SIMONE BAMPI

PRIMEIRA INFÂNCIA E SAÚDE PÚBLICA: A ESTIMULAÇÃO PRECOCE COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO SOCIAL

Novo Hamburgo 2010

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SIMONE BAMPI

PRIMEIRA INFÂNCIA E SAÚDE PÚBLICA: A ESTIMULAÇÃO PRECOCE COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO SOCIAL

Trabalho de Conclusão apresentado ao Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade como requisito para a obtenção do título de mestre em Inclusão Social e Acessibilidade.

Orientadora: Prof. Dra. Denise Macedo Ziliotto Co-orientadora: Prof. Dra. Eliana Perez Gonçalves de Moura

Novo Hamburgo

2010

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Bibliotecário responsável: Cássio Felipe Immig – CRB 10/1852

Bampi , Simone Primeira infância e saúde pública: a estimulação precoce como

estratégia de inclusão social / Simone Bampi. – 2010. 199 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade) –

Feevale, Novo Hamburgo-RS, 2010. Inclui bibliografia e apêndice. “Orientadora: Prof. Dra. Denise Macedo Ziliotto” ; “Co-Orientadora:

Prof. Dra. Eliana Perez Gonçalves de Moura”.

1. Crianças. 2. Saúde pública. 3. Inclusão social. I. Título.

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SIMONE BAMPI

PRIMEIRA INFÂNCIA E SAÚDE PÚBLICA: A ESTIMULAÇÃO PRECOCE COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO SOCIAL

Trabalho de Conclusão de mestrado aprovado pela banca examinadora em X de X de 2010, conferindo a autora o título de mestre em Inclusão Social e Acessibilidade.

Componentes da Banca Examinadora

Dra. Denise Macedo Ziliotto (Orientadora) Centro Universitário Feevale

Dra. Dinorá Tereza Zucchetti Centro Universitário Feevale

Dra. Rita Sobreira Lopes Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

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Dedico esse trabalho à Nathália, João Pedro e João

que me ensinaram, o quanto é necessário exercer a escuta, o cuidado e

estabelecer laços de afetos significativos e duradouros. Meu amor e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

A todos que de uma forma ou outra contribuíram para que esse trabalho fosse possível de ser realizado. A toda equipe do CAPSi que acolheu a pesquisa intensamente, em especial a duas grande parceiras de trabalho nesse percurso: Helen e Thaís. A Denise Ziliotto que com sua escuta cuidadosa e atenta proporcionou que momentos difíceis nesse percurso pudessem virar risos e produção. Obrigado pela transmissão. Aos colegas e professores do Mestrado pelas trocas de experiências, apoio e aprendizagens. Aos meus pais que ensinaram a grandeza do trabalho e da ética

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“Não sei se a vida é curta ou longa de mais para nós. Mas sei que nada do vivemos tem sentido, Se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe,

Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia,

Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo,

É o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa

demais, Mas que seja intensa, verdadeira, pura...

Enquanto durar.”

Cora Coralina

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RESUMO

A temática desta pesquisa centra-se na atenção à infância, no âmbito da saúde pública, especialmente na potencialidade da intervenção em Estimulação Precoce (EP) como clínica que compreende a criança como sujeito em desenvolvimento integral, a partir da perspectiva da Psicanálise e da Interdisciplina. A pertinência da pesquisa relaciona-se com a incipiente produção de novos modos de atenção em saúde para a primeira infância que, apesar de todas as conquistas relativas aos dos direitos, encontra visibilidade no campo da saúde habitualmente através do indicador de mortalidade infantil ou pela lógica da patologia, marcando o processo de exclusão social a que essa população está submetida. A metodologia empregada neste estudo foi a pesquisa-ação, orientada para a produção coletiva e consonante com os princípios do Sistema Único de Saúde. Teoricamente apresentam-se questões pertinentes aos processos dialéticos de exclusão/inclusão social, à construção de políticas públicas como estratégia de intervenção do Estado, aborda-se a concepção de infância como fruto de processos históricos, sociais, culturais e políticos e também descreve-se a convergência entre saúde pública e infância nos modos de cuidado, assim como o referencial da Psicanálise que sustenta a EP. A investigação e a intervenção centram-se inicialmente no mapeamento da demanda para intervenção em EP realizado em município de Novo Hamburgo (RS) a partir da análise de prontuários de recém-nascidos de alto risco para o desenvolvimento integral, internados em UTI neonatal do Hospital Municipal. Concomitantemente foram articuladas ações em âmbitos ampliados da saúde pública, como Centro de Atenção Psicossocial para Infância e Adolescência (CPSi), UBSs, Hospital Municipal e outros serviços que atendem essa população. Tais interlocuções possibilitaram subsidiar e discutir a construção de intervenções clínicas, institucionais e políticas que concebam a primeira infância como sujeito integral e de direitos. A pesquisa possibilitou instaurar a importância trabalho em rede para crianças de um a três anos, integrando profissionais, serviços e gestores na construção de estratégias para que a EP seja implementada como ferramenta de inclusão social para esta população em situação risco em seu desenvolvimento. Palavras-chave: Infância. Estimulação Precoce. Saúde Pública. Políticas Públicas. Inclusão Social.

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ABSTRACT

The theme of this research focuses on child care within the public health, particularly in the potential of intervention in Early Stimulation (ES) as a clinic that includes the child as a subject in full development, from the perspective of Psychoanalysis and Interdisciplina. The relevance of the research relates to the burgeoning production of new modes of health care to early childhood that despite all the achievements on human rights, is visible in the health field through the usual indicator of infant mortality or the logic pathology, marking the process of social exclusion that this population is subjected. The methodology used in this study was action-research oriented production, and in line with the principles of the Unified Health System theory presents issues relevant to the dialectical processes of social inclusion / exclusion, the construction of public policies as a strategy for State intervention, addresses the concept of childhood as a result of historical processes, social, cultural and political and also describes the convergence between public health and child care modes, as well as the reference of psychoanalysis which holds the EP. The research and intervention focus initially on mapping the demand for intervention in the EP held in the city of Novo Hamburgo (RS) from the analysis of records of infants at high risk for integral development, neonatal ICU, Hospital Municipal. At the same actions were articulated in expanded areas of public health, and Center for Psychosocial Care for Children and Adolescents (CPSI), care clinics, City Hospital and other services that serve this population. These dialogues allowed subsidize and discuss the construction of clinical interventions, institutional and political designs of early childhood as a subject and full rights. This research allowed us to establish the importance of networking for children aged one to three years, including professionals, managers and services in developing strategies for the ES will be implemented as a tool for social inclusion for this population that risk in their development. Keywords: Childhood. Early Intervention. Public Healt. Public Politics. Social Inclusion.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Esquema representativo da rede de saúde pública do município que participou da pesquisa.

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LISTA DE TABELA

Tabela 1 – Bairro de procedência das mães Tabela 2 - Procedência dos atendimentos – encaminhamentos Tabela 3 – Estado civil Tabela 4 – Escolaridade Tabela 5 – Ocupação / profissão Tabela 6 – Número de consultas pré-natal Tabela 7 – Naturalidade do recém-nascido Tabela 8 – Sexo Tabela 9 – Parto Tabela 10 – Motivo da internação Tabela 11 – Visitas durante o período da internação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................13 1 EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL: UMA DINÂMICA SOCIAL.......................17 1.1 PROCESSO HISTÓRICO.........................................................................................17 1.2 EXCLUSÃO/INCLUSÃO: PROCESSOS DIALÉTICOS.......................................23 1.3 O ESTADO NO PROCESSO DIALÉTICO DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL...........................................................................................................................29 1.4 CONSTRUÇÕES DE DIREITOS E CIDADANIA..................................................31 2 O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO.............................................................................................36 2.1 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO.............................................36 3 SAÚDE COMO POLÍTICA PÚBLICA...................................................................43 3.1 SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL..............................................................................45 3.2 SAÚDE COMO DIREITO: SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE..................................51 3.2.1 Desafios na gestão do SUS...................................................................................58 4 O DISCURSO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA.............................63 4.1 O NÃO LUGAR DA INFÂNCIA.............................................................................63 4.2 INFÂNCIA COMO ETAPA DA VIDA...................................................................66 4.3 A INFÂNCIA NO BRASIL......................................................................................71 4.4 A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS DO BRASIL................................74 5 INFÂNCIA E SAÚDE PÚBLICA: CONVERGÊNCIA.........................................82 5.1 PRÁTICAS FILANTRÓPICAS E MODOS DE CUIDAR DA INFÂNCIA...........84 5.2 HIGIENISMO E CONTROLE DOS CORPOS........................................................85 5.3 INTERVENÇÕES DO ESTADO NA ATENÇÃO À SAÚDE INFANTIL.............88 5.4 A SAÚDE COMO DIREITO NA INFÂNCIA.........................................................92 5.5 ESPECIFICIDADE DA INFÂNCIA: CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ......................................................................95 6 A APOSTA PELA ESTIMULAÇÃO PRECOCE.................................................102 6.1 O PRIMEIRO PROCESSO DE INCLUSÃO.........................................................102 6.2 CONSTRUÇÃO CLÍNICA.....................................................................................105 6.3 OUTRAS PERSPECTIVAS: MODELOS CONCEITUAIS..................................108 6.4 OS EIXOS CENTRAIS DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE EM UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA E INTERDISCIPLINAR....................................112 7 CONSTRUINDO VISIBILIDADE PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA...............120 8 O INSTITUCIONAL, POLÍTICO E CLÍNICO: A SIMULTANEIDADE DOS PERCURSOS...............................................................................................................126 8.1 PRIMEIRO PERCURSO........................................................................................126

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8.1.1 Tempo de inserção..............................................................................................127 8.1.2. Tempo de construção: Núcleo de Estimulação Precoce.................................130 8.1.3 Tempo da clínica.................................................................................................136 8.2 SEGUNDO PERCURSO........................................................................................138 8.2.1 Tempo de articulações com a rede de saúde pública.......................................139 8.2.2 Tempo de visibilidade: prontuário, onde se encontra o sujeito......................145 8.2.2.1 Dados das mães.................................................................................................147 8.2.2.2 Dados do recém-nascido...................................................................................154 8.3 TERCEIRO PERCURSO........................................................................................162 8.3.1 Tempo de investimento......................................................................................163 8.3.2 Conferência Municipal de Saúde: legitimidade das demandas sociais ........166 9 DESDOBRAMENTOS INSTITUCIONAIS..........................................................169 CONCLUSÃO..............................................................................................................174 REFERÊNCIAS...........................................................................................................180 ANEXO.........................................................................................................................195

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INTRODUÇÃO

Entendendo a relação entre saúde e infância como produção social, histórica,

cultural e política e tomando seus desdobramentos como objeto norteador da trajetória

em pesquisa, este estudo investe no âmbito da primeira infância, voltando-se

especialmente para a intervenção em Estimulação Precoce (EP) de bebês e crianças

pequenas que apresentam comprometimento em seu desenvolvimento integral ou estão

em situação de risco para estruturação psíquica. O recorte eleito nesse escopo situa-se

na importância de viabilizar coletivamente possibilidade de intervenção em EP no

Sistema Único de Saúde (SUS), dada a demanda reprimida e a urgência do atendimento

para essa população nesse período do desenvolvimento.

A relevância dessa questão é sustentada a partir da necessidade percebida

diante das dificuldades do sistema de saúde pública municipal em realizar diagnóstico

epidemiológico com indicadores que acenem para essa problemática, possibilitando

conhecer necessidades e demandas para essa população. Exemplificando essa questão, o

Ministério da Saúde (2008) iniciou um grupo de estudo, com o objetivo de realizar

diagnóstico das condições de atendimento oferecidas às pessoas com autismo e outros

transtornos mentais, buscando criar medidas para ampliação do acesso e qualificação da

atenção.

Segundo o coordenador do grupo, Pedro Delgado:

um dos maiores desafios para a área de Saúde Mental é a construção de uma rede voltada para a população de crianças e adolescentes, considerando suas peculiaridades e necessidades e que siga os princípios estabelecidos pelo SUS. O desafio é a construção e consolidação desta ‘rede pública ampliada’ para a atenção integral em saúde, formada por diferentes instituições, sob direção pública, capaz de garantir o acesso com qualidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).

Em julho de 2008, foi realizada em Brasília, a Oficina de Prioridades do

Ministério da Saúde, estabelecendo temas prioritários de pesquisa para o ano de 2008.

Entre esses se destacou, na área da Saúde Mental, a questão do atendimento à infância

no que diz respeito à expansão da rede de serviços, contribuindo para a melhora na

qualidade da atenção. A intenção de investigação, no âmbito governamental, reconhece

a importância da redução da lacuna assistencial com ênfase na atenção primária,

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levando em conta os determinantes sociais que incidem sobre a saúde mental e o

enfrentamento do estigma da exclusão social na sociedade.

A partir dessas premissas e da relevância assumida em inúmeros documentos

oficiais sobre a importância de ações que priorizem a infância, é necessário construir

novos dispositivos e modos de operar em saúde, contemplando a criança como sujeito

em desenvolvimento e de direitos. Nesse sentido, a pesquisa buscou inicialmente

abordar historicamente a construção das categorias de saúde e infância, com o objetivo

de compreender as relações estabelecidas que vieram a constituir a criança como objeto

de intervenção em saúde e os modos de atenção foram sendo implementados,

especialmente na esfera pública.

A metodologia empregada na pesquisa de campo/empírica foi a pesquisa-ação,

desenvolvida a através de uma proposta de trabalho coletivo no âmbito da saúde

pública. O escopo da pesquisa foi a rede de saúde pública do município de Novo

Hamburgo (RS), a partir do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência

(CAPSi), que inicialmente foi local de inserção e acolheu a pesquisa institucionalmente.

Na intenção de explicitar a demanda para atendimento em EP na população, foi

realizado mapeamento a partir da análise de prontuários de recém-nascidos internados

em UTI neonatal, possibilitando a expressão de uma realidade que não é discutida em

outros âmbitos na saúde pública local. A pesquisa realizou várias articulações para

conhecer as necessidades e demandas dos recém-nascidos e construir coletivamente,

com atores sociais atuantes na atenção em saúde pública, a visibilidade para que essas

crianças possam efetivamente ser acolhidas para além de suas patologias, mas como

sujeitos inscritos no social, como sujeitos de direitos e desejos.

Segundo Ladeira e Amaral (1999), inclusão social é um processo que se

prolonga ao longo da vida de um indivíduo e que tem por finalidade a melhoria da

qualidade de vida do mesmo. A partir dessa proposição, torna-se necessário investir em

estratégias de ação e políticas públicas que apostem em intervenções estruturantes e

preventivas e que contemplem o sujeito ao longo de todo o seu desenvolvimento, ou

seja, desde a sua concepção.

As intervenções na primeira infância promovem resultados sabidamente

estruturantes para a saúde integral do sujeito, potencializando o desenvolvimento

infantil e diminuindo o número de intercorrências nesse período, assim como a

mortalidade. A partir dessa premissa, entende-se que a produção de conhecimento

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acerca dessa questão, assim como a implementação de políticas públicas, pode

qualificar a atenção à saúde nessa faixa etária e possibilitar uma maior qualidade de vida

da população.

A aposta de que a Estimulação Precoce como área de conhecimento e de

intervenção interdisciplinar, sustentada em uma ética do sujeito pelo viés teórico-clínico

da Psicanálise, potencializa inúmeras possibilidades de trabalho com a infância, sendo

viável a sua aplicação na saúde pública. Em consonância com a proposta preconizada

pelo SUS, minimiza, no futuro, danos maiores à saúde integral da criança, bem como

dificuldades que ela possa vir a enfrentar em função das suas demandas específicas, seja

na saúde e outras áreas. A relevância de se construir propostas inovadoras de modos de

atenção em saúde à infância, principalmente em seus primeiros anos de vida, é

impreterível, contribuindo para que essa população tenha um melhor desenvolvimento

integral e que possa ir construindo a sua história de vida para além das suas limitações,

ou das que são impostas.

Na busca de convergências entre temas como processo dialético de

exclusão/inclusão social, saúde pública como direito, infância como sujeito em

desenvolvimento e de direitos, EP como intervenção ética e interdisciplinar, novas

brechas propõem uma construção coletiva de atendimento à infância. A pesquisa

procura disseminar o debate em rede sobre essas convergências e sobre como podem vir

a ser produzidos novos sentidos para a promoção da saúde, para que um dia o bebê que

experimenta as vias da exclusão pela sua diferença, possa viver e construir as suas

relações com os outros, criando, inventado e se descobrindo como sujeito de desejos e

de direitos. Aos atores sociais coube a implicação ética e ao tempo a potência da ação.

A dissertação está organizada com a seguinte forma: o primeiro capítulo

aborda a temática da exclusão/inclusão social como uma dinâmica social, realizando

uma leitura histórica culminando na construção de direitos e cidadania. O segundo

capítulo apresenta o papel das políticas públicas como estratégia de intervenção do

Estado acerca da temática da exclusão/inclusão social. O terceiro capítulo discorre sobre

a saúde pública no Brasil, desde a perspectiva histórica até a construção do SUS como

direito e a gestão dessa política pública. O quarto capítulo transcorre sobre a construção

de concepção de infância através da história, passando pela ausência de lugar simbólico

no social até a sua condição de sujeito de direitos. O quinto capítulo realiza uma análise

das práticas desenvolvidas na saúde pública em relação à infância, desde a atenção

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filantrópica até a especificidade dos CAPSi. O sexto capítulo traz a aposta da EP como

intervenção em saúde pública, apresentando sua concepção teórico-clínica sustentada

pela interdisciplina e pela Psicanálise. No sétimo capítulo é relatada a construção

metodológica da pesquisa e referenciada a apresentação dos percursos, forma em que é

sistematizada a intervenção teórica-empírica. No oitavo capítulo, inicia-se o relato dos

três percursos que norteiam a caminhada que a pesquisa percorreu, desdobrados em

tempos que marcam o processo institucional, político e clínico em simultaneidade. O

nono capítulo, por fim, apresenta os desdobramentos institucionais que foram ocorrendo

ao longo do período da pesquisa, articulados a partir dos referenciais teóricos

contemplados.

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1 EXCLUSÃO / INCLUSÃO SOCIAL: UMA DINÂMICA SOCIAL

A temática da exclusão/inclusão social é uma pauta contemporânea sendo

objeto de diversas áreas do conhecimento como Educação, Sociologia e Política, na

tentativa de ampliar a compreensão e explicar as ‘novas’ e complexas formas de

relações sociais que tem se estabelecido, principalmente quando se refere aos grupos

minoritários ou que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Ao longo deste capítulo, essa questão é abordada a partir da perspectiva teórica

interdisciplinar/transdisciplinar, perpassando por áreas de conhecimento, construindo

assim um caminho possível para que possamos compreender as relações e os afetos que

emergem nesse processo dinâmico de exclusão/inclusão. Conceber este contexto como

sócio-histórico, “que se configura pelos recalcamentos em todas as esferas da vida

social, mas é vivido como necessidade do eu, como sentimentos, significados e ações”

(SAWAIA, 2001, p.81), possibilita uma compreensão maior da temática, contemplando

questões éticas, da constituição do sujeito e da construção de políticas públicas em

saúde.

Contextualizar essa temática é necessário, pois abrange uma possibilidade

infindável de processos que, em comum, apresentam a fragilidade e muitas vezes, a

ruptura de vínculos sociais, como por exemplo, os loucos, os “deficientes”, as minorias

étnicas, religiosas, culturais, sexuais e a infância. Destaca-se que o cenário e o contexto

dessa temática é a sociedade brasileira, ocidental, capitalista, com todos os seus

desdobramentos advindos, passados mais de 500 anos.

1.1 PROCESSO HISTÓRICO

O desenvolvimento do conceito de exclusão social como algo não mais da

ordem individual, mas social, cuja origem deveria ser buscada nos princípios do

funcionamento da sociedade moderna foi atribuído a René Lenoir, em 1974,

identificando que as origens do problema social encontram-se na própria organização

social, não se tratando de pobreza individual, mas de disfunção social (WANDERLEY,

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2001; VÉRAS, 2001). A urbanização descontrolada seria produtora de segregações

sociais e raciais, provocando um distanciamento geográfico crescente que enfraquece as

solidariedades familiares, o êxodo rural, a inadaptação do sistema escolar, a perenidade

e crescimento das desigualdades de renda, de acesso aos cuidados.

Todos esses fatores seriam características das sociedades modernas, apontadas

como responsáveis e produtoras de exclusão. Segundo Wanderley (2001), a partir destas

formulações a temática da exclusão passou a traduzir a questão social contemporânea,

pois reflete um cenário vivido por muitas nações e cidadãos.

No Brasil, esse debate configura-se nas décadas de 60 e 70, trazendo a questão

da pobreza e a exclusão subjacente às contradições do modo de produção capitalista.

Nestas décadas, o intenso êxodo rural em busca de trabalho e melhores condições de

vida criaram um exército de mão-obra reserva e formas desiguais produtivas (VÉRAS,

2001). Vários estudos foram produzidos relativos a essa questão, destaca-se Lúcio

Kowarick1 em suas produções sobre a pobreza urbana no processo de industrialização

dependente.

Durante o período do chamado ‘milagre econômico’, entre os anos de 1968 e

1973, militares e setores conservadores da sociedade propuseram falsas soluções para as

questões sociais, desde propostas habitacionais para setores populares até o controle da

vida sindical dos trabalhadores. As propostas de modernização influenciaram as da

industrialização dependente, propondo que as populações marginalizadas pudessem

integrar-se ao novo mundo, urbano e moderno. Até a década de 70, vigoraram várias

concepções de marginalidade2, os estudos passaram a ver as relações econômicas e

sociológicas inerentes ao capitalismo como constitutivas do sistema produtivo. As

populações marginais aparecem como consequência da acumulação capitalista

(VÉRAS, 2001).

O termo exclusão social possui uma grande visibilidade no cenário político e

acadêmico internacional. Essa visibilidade pode ser explicada pela necessidade de

entender o fenômeno de empobrecimento, mesmo para os países europeus que, desde o

1Estudos produzidos por Kowarick referentes à temática: São Paulo: metrópole do subdesenvolvimento industrializado do milagre à crise. In: As lutas sociais e a cidade. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. Capitalismo e marginalidade na América Latina Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 2 Termo usado pela primeira vez por R. Park, em seu livro Human migration and the marginal man, de 1928. Fernando Henrique Cardoso et. al. Sobre teoria e método em sociologia, de 1971. Maria Célia Paoli, Desenvolvimento e marginalidade (VÉRAS, 2001).

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pós-guerra, teriam estendido à maioria de sua população condições de vida e de

integração social positivas. A utilização do termo exclusão social por cientistas sociais

ocorreu a partir dos anos 80, para designar fenômenos de desigualdades sociais, sendo

encontrado em trabalhos acadêmicos e na mídia, acompanhando o movimento

internacional. Nesse período de transição democrática, chamou-se atenção para as

questões da democracia, da segregação urbana, da importância do território para a

cidadania, os movimentos sociais e a falência das políticas sociais (VÉRAS, 2001).

Foi a partir da década de 90 que o conceito de exclusão social começou a ser

utilizado pelo meio intelectual e político para lidar com a categoria social de

estigmatizados, como mendigos, loucos, marginais e crianças (WANDERLEY, 2001).

O uso do termo foi difundido em vários cenários a tal ponto, que era possível pensar que

se inaugurava um novo capítulo no entendimento da questão social: a tendência à

precariedade, à marginalidade, antes periférica, tornou-se central; o recrutamento social

de pobres alargou-se à custa de novas fatias da população; a exclusão assumiu a cena

pública e tornou-se o grande medo do fim do século. A influência francesa nesse

processo de construção conceitual foi destacada por Atkinson, apresentando o conceito

de exclusão social:

O conceito de exclusão social é dinâmico, referindo-se tanto a processos quanto a situações consequentes (...) Mais claramente que o conceito de pobreza, compreendido muito frequentemente como referindo-se exclusivamente à renda, ele também estabelece a natureza multidimensional dos mecanismos através dos quais os indivíduos e grupos são excluídos das trocas sociais, das práticas componentes e dos direitos de integração social e identidade (...) ele vai mesmo além da participação na vida do trabalho, englobando os campos de habitação, educação, saúde e acesso a serviços (ATKINSON, 1998, p.109).

Essa conceituação ampliou o debate sobre o processo de exclusão, questão que

anteriormente era referida a inserção no mercado de trabalho e renda proveniente,

passou a também a envolver outros fatores que são decorrentes da ação ou da ausência

do Estado.

São referências autores como Castel (1995) e Paugam (1991 e 1996) no cenário

internacional Castel produziu uma análise histórica e socioantropológica sobre a questão

social centrada na crise da sociedade salarial, enfocando a emergência da relação

contratual de trabalho e os excluídos dessa, ao longo da constituição da sociedade

burguesa. Destaca-se seu estudo sobre diferentes formas de proteção social, que analisa

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a precarização das relações contratuais, da sociabilidade perversa e um panorama sobre

o futuro pautado pelo desmonte do Estado do Bem Estar Social. Castel (1995) utiliza o

termo desafiliação em relação ao termo exclusão e aborda os processos contemporâneos

de desestabilização dos estáveis, que seriam trabalhadores com uma sólida posição no

mercado formal de trabalho e que acabaram sendo retirados, excluídos desse meio.

Portanto, em função da manutenção da instabilidade social se tornam vulneráveis e

acabam referenciados na precariedade, como por exemplo, o desemprego de longa

duração ou recorrente. Somando-se a isso a inexistência ou déficit de lugares ocupáveis

na estrutura social, transformando-se em baixa de forças sociais, perdendo a identidade

de trabalhadores e percorrendo um difícil caminho (CASTEL, 1995).

Destacam-se outros autores que também são referência para essa temática,

como Bourdieu (1997), que estuda as dificuldades de determinados grupos sociais em

diferentes situações, dando destaque para a simbolização dos espaços e da

hierarquização social. Boaventura de Souza Santos (1995) aborda a temática da

desigualdade social e da exclusão, fazendo uma distinção entre a esfera

socioeconômica, na qual se situa a desigualdade social, da sociocultural relacionada à

exclusão.

No Brasil, vários trabalhos foram produzidos nessa época por Milton Santos,

Lúcio Kowarick, Pedro Jacobi, José Álvaro Moisés, Francisco de Oliveira, Eva Blay,

Lícia Valladares, Alba Zaluar, Ermínia Maricato, Raquel Rolnik, Paul Singer e

constituíram-se como referência para o debate e construção dessa questão atualmente. A

proposta de uma definição da questão social apresenta as classes populares como

vítimas do funcionamento negativo das estruturas sociais ou como resultado de um

processo de desestruturação social que as imerge em um mundo anômico. Martins

(1997) é um autor que adere a esse pensamento e formula que o termo exclusão social

passou a ser um rótulo, responsável e explicativo, por tudo o que acontecia. Considera

que o conceito exclusão é um equívoco que retrata imperfeitamente processos de

inclusão precária, instável e marginal, no conjunto das dificuldades e dos lugares

residuais na sociedade. Aponta que a palavra exclusão não é nova, e que a sociedade

capitalista nasceu com os excluídos, sendo sua máxima respeitar o mercado,

desenraizando e coisificando a todos, para depois incluir segundo a sua própria lógica.

A transitoriedade da exclusão para a inclusão está se tornando um modo de vida que

permanece, quase não havendo mais passagem de uma condição a outra. Esse modo de

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vida compromete a dignidade da pessoa, sua capacidade de ser cidadão, sua condição

humana do ponto de vista moral, político, subjetivo e simbólico como o autor nos

elucida:

Rigorosamente falando, só os mortos são excluídos, e nas nossas sociedades a completa exclusão dos mortos não se dá nem mesmo com a morte física: ela só se completa depois de lenta e complicada morte simbólica (MARTINS,1997, p.27).

O autor aborda a integralidade do sujeito em relação ao processo de exclusão e

inclusão a partir da lógica capitalista, onde a condição humana se degrada lentamente,

desde a perspectiva material até a simbólica e dos laços sociais.

Oliveira (1997) aborda a exclusão social como fruto da face econômica do

neoliberalismo globalizado e para ela não há nenhuma política assistencialista, porque

as classes dominantes desistiram de integrá-la, seja em relação à produção ou em

relação à cidadania. O objetivo é de segregação e confinamento entre as classes, com

um crescente distanciamento e incomunicabilidade, processo que é construído

socialmente. Com essa nova forma de estar na sociedade fragmentada, há certa

sociabilidade da separação e do confinamento, a comunicação midiática ocupa o lugar

da esfera pública, onde questões públicas e de interesse coletivo tornam-se apenas

espetáculo.

Os pobres passariam a desconfiar de si próprios, em um processo de

culpabilização popular:

[...] caminhando sobre o chão pavimentado pelo preconceito dos pobres contra os pobres, as classes dominantes no Brasil começaram a extravasar uma subjetividade antipública que segrega, elabora pela comunicação midiática uma ideologia antiestatal, fundada no grande desenvolvimento capitalista, na desindustrialização, na terciarização superior, da dilapidação financeira do Estado e da imagem de um Estado devedor (OLIVEIRA, 1997, p.15).

A ideia da não necessidade do público é exposta, onde o mercado se sobrepõe

ao Estado, sugerindo que as burguesias brasileiras acreditam que podem passar sem ele

e que a necessidade seria do Estado em relação à burguesia, ou seja, o Estado não ficaria

sem a burguesia ou sem a associação com o capital internacional. As questões públicas

tomam uma dimensão de espetáculo aos olhos dos sujeitos e o preconceito opera como

mediador das relações sociais, segregando a todos, independente da situação econômica

e social. O que se observa, nesse sentido, são situações onde a questão pública é

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apresentada pela mídia sob uma roupagem cinematográfica, fortalecendo a segmentação

entre os sujeitos que precisam do Estado e os que o governam. Nesse sentido, Oliveira

(1997) aponta que a exclusão está ligada ao desejo dos burgueses em demonstrar que os

domínios são diferentes, segregando e proibindo o dissenso, onde o social deve

subordinar-se ao econômico. A segregação, segundo o autor, seria caracterizada pela

criação de um campo semântico em que os significados dos direitos e conquistas

sociais, sustentados em direitos trabalhistas, civis, políticos e sociais, são transformados

em fatores causais da miséria, pobreza e exclusão, em obstáculo ao desenvolvimento

econômico e são tomados como ausência de cidadania.

Kowarick (1994 e 2003) atualiza a temática da desigualdade e inequidades

sociais, contextualizando no subdesenvolvimento industrializado e na existência do

subcidadão público. Segundo o autor, a matriz da desigualdade da sociedade brasileira

não reside em culpar os pobres por sua pobreza. Contudo, na atualidade de nossas

cidades, aparece de forma tão evidente que impede, cada vez mais, a afirmação de que

vivemos em uma sociedade aberta e competitiva, onde quem trabalha duro e

arduamente consegue ter êxito. Por outro lado, o problema da pobreza passa a ser menos

atribuído como de responsabilidade do Estado, mesmo porque a ação pública de

proteção sempre foi de pequena envergadura. Além disso, atualmente, ganha corpo a

percepção de que o Estado seja inoperante, ineficaz, corrupto, falido e que suas funções

devam ser reduzidas e substituídas por agentes privados, mais capacitados para

enfrentar as várias manifestações da marginalização social e econômica.

Os conceitos relativos à pobreza podem ser explicativos de como o setor

público tratou e trata as questões sociais e de políticas públicas. É importante destacar

que, embora associadas como sinônimos de um mesmo fenômeno, o da ruptura dos

vínculos sociais, a pobreza necessariamente não configura uma situação de exclusão

social, embora possa a ela constituir (WANDERLEY, 2001). A pobreza contemporânea

tem sido entendida como um fenômeno multidimensional, que atinge não somente os

pobres do passado, mas também novos segmentos da população, principalmente os que

não conseguem inserção no mercado formal de trabalho, que se configura mais de 50%

da população economicamente ativa no Brasil. No entanto, a pobreza não é fruto

somente da ausência de renda, mas também de outros fatores importantes, como a falta

ou a precariedade de acesso aos serviços essenciais, como, por exemplo, saúde,

educação, trabalho, cultura, lazer (KOWARICK, 2003).

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[...] a passagem do predomínio do termo pobreza para exclusão significou, em grande parte, o fim da ilusão de que as desigualdades sociais eram temporárias... A exclusão emerge, assim, no campo internacional como um sinal de que as tendências do desenvolvimento econômico se converteram. Agora – e significativamente – no momento em que o neoliberalismo se torna vitorioso por toda a parte, as desigualdades aumentam e parecem permanecer (NASCIMENTO, 1995, p.24).

Em consequência desse processo, tem ocorrido uma ampla

“desresponsabilização do Estado em relação aos direitos de cidadania, e, no seu lugar,

surgem ações de cunho humanitário que tendem a equacionar as questões da pobreza

em termos de atendimento particularizado e local” (KOWARICK, 2003, p.77,grifo do

autor). Ao longo dos últimos anos tem se proliferado a organização de entidades civis

não governamentais, na tentativa de ocupar as lacunas que o Estado não consegue

atender, principalmente em áreas sociais e da educação.

Ainda merecem destaque os estudos de Sposati (1996), com seu trabalho sobre

a desigualdade no município de São Paulo e a necessidade de fundamentar a

importância da lei orgânica de assistência social.

Martins (1997) atribuiu ao excluído o fato de estar em situação de carência

material, mas acima de tudo, “ser aquele que não é reconhecido como sujeito, que é

estigmatizado, considerado nefasto ou perigoso à sociedade”, também pontua que uma

“categoria social ou grupo não pode ser reconhecido como sujeito, se não se reconhece

a si mesmo como sujeito e não atua como sujeito” (MARTINS, 1997, p. 16-17).

A concepção do termo e do conceito exclusão continua com contornos frágeis

como categoria analítica, abarcando significados nem sempre convergentes, o que

instiga para a continuidade dos estudos, pesquisas e intensos debates.

1.2 EXCLUSÃO/INCLUSÃO: PROCESSOS DIALÉTICOS

Na busca por delimitar a temática da exclusão social diante dos inúmeros

recortes e abordagens teóricas que a referendam como categoria analítica, optou-se por

abordá-la partir da concepção dialética, onde permanentemente ocorre o movimento de

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exclusão/inclusão social em um processo que não é fechado em si, mas transversalisado

pela ética, por afetos e pela produção de subjetividades.

Dessa forma, compreender o processo de exclusão/inclusão social como algo

dialético e não estanque, com fim em si mesmo, possibilita vislumbrar um movimento,

uma permeabilidade no campo social, por onde os sujeitos deslizam entre uma e outra

condição (SAWAIA, 2001).

A concepção dialética exclusão/inclusão amplia a discussão de desigualdade

articulada à justiça social, assim a exclusão passa a ser entendida como

“descompromisso político com o sofrimento do outro” (SAWAIA, 2001, p.8). É um

processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais,

políticas, relacionais e subjetivas. Configura-se como sutil e dialético, pois só existe em

relação à inclusão como parte constitutiva dela. “É processo que envolve o homem por

inteiro e suas relações com os outros” (SAWAIA, 2001, p.9), sendo também resultado

da dinâmica da sociedade, ou seja, produto dessa.

Essa dialética exclusão/inclusão é indissociável e se constitui na própria

relação, demonstrando a capacidade de uma sociedade existir enquanto um sistema de

relações. Assim, a exclusão é um fenômeno que contempla trajetórias de desvinculação

que podem percorrer diversos âmbitos, como a das relações sociais que, pela fragilidade

ou inexistência dos vínculos, pode acabar produzindo rupturas que conduzem ao

isolamento e ao estigma (WANDERLEY, 2001).

A dialética produz subjetividades variadas, que em uma escala, poderiam ser

sinalizadas desde o sentir-se incluído ou discriminado. Essas subjetividades não podem

ser explicadas por um único fator, como por exemplo, a determinação econômica, elas

“determinam e são determinadas por formas diferenciadas de legitimação social e

individual, manifestando-se como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e

inconsciência” (SAWAIA, 2001, p.9).

A partir dessa perspectiva de compreender e analisar processos relativos ao

movimento exclusão/inclusão social, pode-se pensar que os excluídos seriam os sujeitos

que estão na borda do social, pendurados por algo que minimamente ainda lhes dá a

condição de sujeitos, de sujeitos excluídos. É possível pensar que os excluídos não são

reconhecidos pela sociedade; mas essa não é uma questão apenas geográfica, material

ou econômica envolvendo trocas de mercado. Há uma desvalorização quanto às suas

produções, sejam elas econômicas ou expressões simbólicas, como sujeitos sociais, ou

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seja, o que emerge como trabalho, como capacidade, como conhecimento, expressão

artística, não é considerado enquanto tal, mas talvez como estorvo, desnecessário.

Colocar o olhar sobre o sujeito no processo exclusão/inclusão é situar no centro

desse debate a questão humana e das relações, de forma que, ao falar da dialética, fala-

se de “desejo, temporalidade e afetividade, ao mesmo tempo em que, de poder, de

economia e de direitos sociais” (SAWAIA, 2001, p.98). Questões pertinentes, mas que,

na grande maioria das vezes, são vistas como não relacionáveis.

Sawaia (2001) traz uma nova dimensão para pensar os processos de

exclusão/inclusão: a afetividade em um estatuto ético-político, que é compreender a

afetividade como

[...] a tonalidade e a cor emocional que impregna a existência do ser humano e se apresenta como: 1) sentimento: reações moderadas de prazer e desprazer, que não se refere a objetos específicos. 2) Emoção, fenômeno afetivo intenso, breve e centrado em fenômenos que interrompem o fluxo normal da conduta (SAWAIA, 2001, p.98).

Nesse sentido, a exclusão é compreendida como sofrimento, resgatando o

sujeito perdido, esquecido nas análises macrossociais. Essa dimensão potencializa o

sujeito, sem eximir o Estado de suas responsabilidades. É no sujeito que as várias

formas de exclusão se corporificam, sendo vividas através de inúmeros sentimentos e

necessidades. É o sujeito que sofre, embora esse sentimento não tenha a sua gênese no

sujeito, mas sim em intersubjetividades construídas socialmente. No caso da infância,

essa questão torna-se mais intensa, na medida em que o sujeito encontra-se em pleno

desenvolvimento, estruturando-se em sua fragilidade psíquica e à mercê destes

desdobramentos, que certamente deixarão marcas longitudinais.

Dessa forma, focar a exclusão/inclusão social a partir das emoções dos sujeitos

que a vivem é direcionar o olhar sobre o cuidado que o Estado tem com seus cidadãos.

“Elas são indicadores do (des)compromisso com o sofrimento do homem, tanto por

parte do aparelho estatal quanto da sociedade civil e de próprio indivíduo” (SAWAIA,

2001, p.99). É necessário pautar o sofrimento que atravessa e dilacera o cotidiano, a

capacidade de autonomia e a subjetividade, para que a política não se torne abstração.

Bourdieu (1998) aponta essa questão e propõe a substituição da economia de curta visão

pela economia da felicidade, dando visibilidade para o conhecimento dos homens, de

seu cotidiano e sofrimento.

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Para desenvolver o enfoque da exclusão, Sawaia (2001) confere o estatuto de

“ético-político” à afetividade, marcando o enfoque epistemológico e ontológico na

análise. Sawaia referencia autores como Heller, Espinosa e Vigotsky, pois abordam a

afetividade positivamente, como constitutiva do pensamento e da ação, tanto coletivos

como individuais, bons e ruins. Também como processo que se constitui e se atualiza de

acordo com os acontecimentos históricos. É um “fenômeno objetivo e subjetivo, que

constitui a matéria-prima básica à condição humana” (SAWAIA, 2001, p.100).

Em Espinosa, destaca sua principal obra Ética (1957), onde, para discutir sobre

democracia e liberdade, reflete sobre a paixão. Encontra um tratado das emoções, assim

como a forte ligação entre corpo e alma no comportamento do homem. Ao abordar essa

questão ético-política, incorporou-se o corpo do sujeito nas ciências humanas e em

especial na Psicologia Social, até então desencarnado e fora das análises econômicas e

políticas. Também constrói um sistema de ideias onde as “dimensões psicológica, social

e política se entrelaçam e se revertem uns nos outros, sendo todos fenômenos éticos e da

ordem do valor” (SAWAIA, 2001, p.101). Todos estes elementos se engendram para

construir fenômenos e análises discursivas éticas e políticas, sem desconsiderar o corpo

e os afetos.

Heller (1979, 1985, 1997), filósofa neomarxista da escola de Budapeste, pauta

suas reflexões sobre o psicológico como ético e sobre a emoção e as necessidades, como

fenômenos ideológicos e orientadores da vida em sociedade. A autora faz distinção

entre dor e sofrimento, pontuando que dor é próprio da vida, algo inevitável, que parte

do sujeito, das afecções do seu corpo, do encontro com outros corpos, estando

implicado com a capacidade de sentir. O sofrimento é a dor medida pelas injustiças

sociais, como por exemplo, estar submetido à fome, mas é algo que não é sentido por

todos como dor; é vivenciado como dor por quem vive a situação de exclusão, porém,

todos deveriam estar sentindo para que houvesse uma implicação como causa da

humanidade.

Outro autor que contribuiu significativamente para o entendimento da dialética

exclusão/inclusão social foi Vigotsky. Sua contribuição foi construir uma unidade de

análise do comportamento humano capaz de incluir todas as manifestações psicológicas.

Essa unidade é o significado, segundo Vigotsky (1993), que desempenha papel

fundamental na interligação das diferentes funções psicológicas e destas com o corpo e

com a sociedade. Apresenta a concepção de significado como fenômeno intersubjetivo,

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portanto social e histórico, que se reverte em ideologia e funções psicológicas distintas.

Vigotsky concebe que emoção e sentimento não são entidades absolutas ou lógicas do

psiquismo, mas significados radicados no cotidiano, que afetam o sistema psicológico

através da mediação das intersubjetividades. Foi este autor que influenciou a opção pelo

sofrimento e a sua qualificação como ético-político, constituindo-se em categoria de

análise do processo de exclusão/inclusão social.

Sawaia (2001) também utiliza, para a construção do sofrimento ético-político,

além dos autores usados, fatos históricos como justificativa da escolha conceitual para a

análise da exclusão, como, por exemplo, o banzo, doença misteriosa que matava o negro

escravo brasileiro. Ela é significativa desse conceito por sinalizar que o sofrimento

psicossocial pode ocasionar a morte biológica. O banzo é gerado pela tristeza de estar só

e ser humilhado, provocado pelas ações legitimadas pela política de exploração e

dominação econômica daquele período histórico.

O sofrimento ético-político abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela organização social (SAWAIA, 2001, p.104).

Dessa forma, o sofrimento ético-político aponta o cotidiano das questões

sociais dominantes ao longo da história, em especial a “dor que surge da situação social

de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade”

(SAWAIA, 2001, p.104). O seu oposto é a felicidade pública, ético-política “que é

sentida quando se ultrapassa a prática do individualismo e corporativismo para abrir-se

à humanidade” (SAWAIA, 2001, p.105).

Conhecer o sofrimento ético-político é analisar as formas sutis de espoliação

humana escondidas pela integração social, compreendendo a dialética exclusão/inclusão

como faces atualizadas de antigos problemas, como a desigualdade social, a injustiça e a

exploração. Sawaia (2001) destaca que uma das ideias-força desse período histórico é a

subjetividade e seus desdobramentos, a emoção e o sentimento pessoal. No entanto, ao

mesmo tempo em que são valorizados o afeto e a sensibilidade individual, assiste-se à

banalização do mal do outro, há uma insensibilidade ao sofrimento do outro. Os

sentimentos são banalizados e valorizados como fonte de satisfação em si mesmo,

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configurando dor e não sofrimento. A ênfase no eu, desencarnado e solitário, produz o

afastamento das questões públicas.

Elucidando a escolha pela expressão dialética exclusão/inclusão, Sawaia

(2001) faz referência a autores como Foucault e Baudrillard. Em Baudrillard, identifica

a perspectiva de que as oposições paradigmáticas são discriminantes sociais, assim

como, oposições conceituais redutoras na análise das diferenças - incluído, excluído -

são reversíveis entre si, mesclando-se e configurando-se na relação. A autora recorre aos

estudos de Foucault por abordarem a concepção de exclusão como processo dialético de

inclusão. O autor assinala que a inclusão social é processo de disciplinarização dos

excluídos, ou seja, processo de controle social e manutenção da ordem no social,

inserindo a exclusão no cenário da luta pelo poder.

Portanto, a ideia central da dialética exclusão/inclusão poderia ser entendida

também através da concepção marxista sobre o papel fundamental da miséria e da

servidão no sistema capitalista, onde o trabalhador é incluído pela sociedade, mas

alienado de seu esforço vital. Nessa concepção, a exclusão se insere nas estratégias

históricas de manutenção da ordem social, isto é, no constante movimento de formas de

desigualdade, como a mercantilização das coisas e do homem e a concentração de

riquezas, que se expressam de várias formas, como: segregação, guerras, miséria, etc.

A opção pela expressão dialética exclusão/inclusão marca “que são da mesma

substância e formam um par indissociável, que se constitui na própria relação. A

dinâmica entre elas demonstra a capacidade de uma sociedade existir como um sistema”

(SAWAIA, 2001, p.108). A análise da exclusão através do sofrimento, capta as nuances

vivenciadas em relação a esse processo complexo, configurado entre o pensar, sentir e

agir e as determinações sociais. Alguns pensadores, como Espinosa (1988), buscaram a

compreensão e esboçaram descrições desse processo. A maioria das análises baseia-se

em valores éticos universais, escolhendo um princípio regulador sobre o qual se pode

agir para minimizar os seus efeitos e atingir a emancipação, esse princípio é o da

humanidade (SAWAIA, 2001).

Espinosa (1988) denominou-o de potência de ação; ele fundamenta o conceito

de potência como o direito que cada sujeito tem de ser, de se afirmar e se expandir, cujo

desenvolvimento é a condição para atingir a liberdade. O seu contrário é a potência de

padecer (paixões tristes e alegrias passivas), que produz a servidão, situação em que se

coloca nas mãos do outro as ideias sobre as afecções do próprio corpo. “Potencializar

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pressupõe o desenvolvimento de valores éticos na forma de sentimentos, desejo e

necessidades, para superar o sofrimento ético–político (...) a ética só aparece no homem

quando ele percebe que o que maior bem faz para o seu ser, é um outro ser humano”

(SAWAIA, 2001, p.114).

Sawaia apresenta duas estratégia de enfrentamento da exclusão e que precisam

ser associadas, sendo uma de ordem material e jurídica e outra de ordem afetiva e

intersubjetiva. A primeira estratégia é de responsabilidade do poder público e a segunda

depende de cada sujeito. Propõe que, unificando essas dimensões, as políticas públicas

se humanizam com o fortalecimento da legitimidade social de cada sujeito pelo

exercício da legitimidade individual, produzindo encontros com profundidade

emocional e continuidade.

[...] é colocar a felicidade como critério de definição de cidadania e do cuidado que a sociedade e o Estado têm para com o seu cidadão, sem cair no excesso de negar as determinações estruturais e jurídicas, e enaltecer a estatização individualista, promovendo o enfraquecimento da política e das ações na esfera pública e aprisionando os homens em egos escravizados pela tirania do narcisismo e da intimidade (SAWAIA, 2001, p.116).

Pautar intervenções, práticas e políticas públicas por essa perspectiva seria no

mínimo interessante na perspectiva que a autora apresenta, na medida em que integra a

dimensão humana e social às decisões econômicas e políticas no enfrentamento ao

processo de exclusão social. É oportuno compreender como o Estado aborda o processo

de exclusão/inclusão em suas estratégias de intervenção na sociedade.

1.3 O ESTADO NO PROCESSO DIALÉTICO DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL

A partir da compreensão da exclusão/inclusão social como dialética, pode-se

abordar a relação do Estado e da sociedade como um sistema que mantém estratégias de

exclusão sintonizadas com o momento histórico e político. Na busca do enfrentamento

dessa problemática, se sobressai a importância do poder público e do comprometimento

ético-político de todos os atores sociais.

A democracia se configura como um espaço político onde é possível a

convivência dialética das diferenças, onde é viável viver a alteridade, processo que

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implica na constituição da falta e no encontro com o outro (NETO, 1998). Questão

relevante para o país, que se configura como uma Pátria democrática e que tem como

ferramenta de gestão democrática o controle social das políticas públicas.

Esse processo tem pelo menos duas matrizes de atuação diversas, mas

articuladas entre si. A primeira pode ser designada de “controle e acomodação social

pela naturalização dos acontecimentos (KOWARICK, 2003, p.77, grifo do autor)”. Ao

invés de culpabilizar os pobres, os mecanismos sociais se ocupam de desresponsabilizá-

los da situação em que se encontram. A naturalização do processo de exclusão/inclusão

social auxilia a compreender a origem da incidência dos mecanismos que promovem o

ciclo de reprodução da exclusão/inclusão social, representado pelo aceite, tanto social

como, muitas vezes, do próprio sujeito em processo de exclusão/inclusão social. Pode

ser expressa em afirmações ouvidas a todo o momento, como, por exemplo, “é assim e

não vai mudar”, “Deus quis assim”. Demonstra, contrariamente, a fragilização dos

vínculos sociais, onde a situação é tomada como uma fatalidade ou como algo natural.

Em consequência, há um descompromisso generalizado, na medida em que ocorre uma

dinâmica que produz a dialética exclusão/inclusão, pois ela é tomada como

inelutavelmente natural: “tornando o pobre um ‘não sujeito’, a pobreza é como que

‘naturalizada’ e as relações sociais tornam-se ‘naturalmente’ excludentes”

(NASCIMENTO, 1994, p. 301).

Na perspectiva do direito e do acesso aos serviços públicos, muitas vezes

ocorre uma distorção, sendo entendido como um favor e não como um direito que todo

o cidadão tem. O Estado tem um papel importante nesta questão, na medida em que

adota políticas que o eximem das suas funções sociais, terceirizando-as. Sendo esta

mais uma questão que reforça o circuito da exclusão/inclusão.

Nesta direção, o novo conceito de pobreza se associa ao de exclusão, vinculando-se às desigualdades existentes e especialmente à privação de poder de ação e representação e, nesse sentido, exclusão social tem que ser pensada também a partir da questão da democracia (WANDERLEY, 2001, p.23, grifo do autor).

A segunda matriz de controle e acomodação social pode ser designada de

“neutralização” (KOWARICK, 2003, p.78). Baseia-se tanto em artifícios de persuasão,

como em métodos de constrangimento e coação que conformam mecanismos para

reforçar as dinâmicas de subalternização. Configura-se como uma tentativa de manter

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cada um no seu lugar, em seu território. Mas há várias maneiras de demarcar o espaço

social dos pobres, dos loucos, deficientes, desqualificados de todas as ordens, basta

recorrer a elementos da história. Nessa direção, “encontram-se os mecanismos de

evitação e apartação presentes na sociabilidade cotidiana” (CALDEIRA, 1997, p.142).

Além disso, humilhação, extorsão, agressão, excesso de medicação, espancamento, são

violências, atos cotidianos praticados que também estão naturalizados. Essas práticas

acabam por se tornar eficientes formas de controle e de acomodação social, na medida

em que induzem à ideia de que sair do seu ‘devido’ lugar se trata de um ato bastante

arriscado e que poderá ter consequências severas e até fatais, para o sujeito em questão.

Estas reflexões não ignoram que os grupos, as categorias e as classes sociais se

movimentam no sentido de se mobilizarem e lutarem pela conquista de seus direitos.

Enfatizam, simplesmente, que no cenário atual nossa sociedade apresenta vastos

processos de vulnerabilidade socioeconômica e civil que conduzem ao que pode ser

designado de processo de descidadanização.

O processo de exclusão/inclusão social reatualiza as relações sociais, criando

novos padrões de relacionamento entre as pessoas e os grupos. Nesses novos padrões de

relacionamento, o outro nem sempre é visto e aceito como uma pessoa e/ou o laço da

solidariedade é fraturado, os vínculos sociais rompidos. Esse processo poderá criar um

ciclo vicioso, onde o estigma marca o sujeito e aponta a sua desqualificação, as suas

fragilidades e rupturas, reforçando o ciclo da exclusão/inclusão.

1.4 CONSTRUÇÃO DE DIREITOS E CIDADANIA

Na abordagem dos processos de exclusão/inclusão social é importante

contemplar a construção da dimensão do sujeito humano pelos documentos legais,

através do aprimoramento do Direito, enquanto disciplina que intervém na construção

da cidadania ao longo da história.

Foi a partir da Modernidade que o Direito passou a ter como referência a

garantia de direitos, mais especificamente a partir das Revoluções Americana e

Francesa, na segunda metade do século XVIII. Até esse período, as leis,

majoritariamente, não garantiam direitos, limitando-se a instituir deveres. Os indivíduos

destinatários das normas jurídicas nesse contexto eram tidos como objetos e não como

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sujeitos de direitos. Dessa forma, as leis não atribuíam direitos subjetivos ao indivíduo,

mas sim, prescreviam obrigações e aplicavam sanções nos casos de transgressão das

normas (NETO, 1998).

Na Modernidade, houve uma passagem da condição de submissão pela

escravidão e servidão, para a submissão contratual que organizou a teoria do Estado

moderno. Essa passagem marcou que a submissão deveria ocorrer a partir de critérios de

racionalidade, gerais e impessoais, sendo válidos para todos indistintamente. Há, nessa

perspectiva, o reconhecimento do outro como sujeito e assim assujeitado à Lei. Nesse

movimento surgiram os conceitos centrais da Modernidade, como democracia,

cidadania, sujeito de direitos, entre outros (NETO, 1998).

A burguesia teve papel determinante nesse processo, pois ela se contrapôs à

aristrocacia em seu discurso de privilégios e discriminações, que concedia à classe

dominante direitos que não eram estendidos às outras camadas sociais. A burguesia, por

sua vez, tinha um discurso universalizante que incluía todos como sujeitos jurídicos e de

direitos. A partir da ascensão da burguesia ao poder, novos princípios foram instituídos,

principalmente a submissão do poder ao Direito. O Direito passou a ter como uma das

suas funções primordiais a enunciação de direitos, mesmo quando não havia condições

sociais, políticas e econômicas suficientes para assegurá-los (NETO, 1998).

Todas essas mudanças tiveram profundas consequências, pois a burguesia não

poderia afirmar a universalidade dos direitos e da cidadania sem implicar-se nos

desdobramentos dessa afirmativa, pelo menos formalmente. “Sem a valorização da

democracia como regime político, não teria sido possível à burguesia legitimar seu

discurso universalizante” (NETO, 1998, p.228). Nesta base encontra-se o que sustenta o

discurso liberal, a liberdade de contrato, dinamicamente articulada à igualdade perante a

lei. A função do Estado nessa perspectiva é de garantir a liberdade contratual, intervindo

nas relações entre os sujeitos que supostamente estão em pé de igualdade jurídica,

garantindo assim a condição de dominação (NETO, 1998).

No ano de 1948, os países participantes da Organização das Nações Unidas

(ONU), em Assembleia Geral, elaboraram a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, documento que tem norteado os movimentos de definição de políticas

públicas na maioria desses países. A Declaração reconheceu que "todos os seres

humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade" (1948, art.

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1°). Esse reconhecimento da dignidade de todas as pessoas, da universalidade e

indivisibilidade dos direitos humanos, veio assegurar o direito de todos a saúde,

educação e mesmas oportunidades sociais. O texto conjugou o valor de liberdade ao

valor de igualdade, já que assumiu que não há liberdade sem igualdade, tampouco

igualdade sem liberdade. Neste contexto, o valor da diversidade se impõe como

condição para o alcance da universalidade e a indivisibilidade dos Direitos Humanos.

Num primeiro momento, a atenção aos Direitos Humanos foi marcada pela

tônica da proteção geral e abstrata, com base na igualdade formal, como se todos

tivessem as mesmas necessidades, não respeitando a individualidade e a singularidade

de cada pessoa. Mais recentemente, passou-se a explicitar a pessoa como sujeito de

direito, respeitado em suas peculiaridades e particularidades. O respeito à diversidade,

efetivado no respeito às diferenças, impulsiona ações de cidadania voltadas ao

reconhecimento de sujeitos de direitos, simplesmente por serem seres humanos. Suas

especificidades não devem ser elementos para a construção de desigualdades,

discriminações ou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de políticas afirmativas

de respeito à diversidade, voltadas para a construção de contextos sociais inclusivos e de

equidade.

A concepção de uma sociedade inclusiva se fundamenta numa lógica que

reconhece e valoriza a diversidade, como característica inerente à constituição de

qualquer sociedade. Partindo desse princípio e tendo como horizonte o cenário ético dos

Direitos Humanos, sinaliza-se a necessidade de se garantir o acesso e a participação de

todos a todas as oportunidades, independentemente das peculiaridades de cada sujeito

e/ou grupo social.

Na Constituição Federal brasileira de 1988, o princípio de dignidade da pessoa

humana é fruto desse processo ético e histórico; “estando na base da cidadania, na

noção de sujeito jurídico, da valoração ética e política da democracia e daí por diante”

(NETO, 1998, p. 229). A Constituição assumiu o princípio da igualdade como pilar

fundamental de uma sociedade democrática e justa, quando reza no caput do seu Art. 5°

que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida,

à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).

O Brasil tem definido políticas públicas e construído instrumentos legais que

garantem tais direitos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

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assumiu, formalmente, os mesmos princípios postos na Declaração Universal dos

Direitos Humanos. Além disso, introduziu, no país, uma nova prática administrativa,

representada pela descentralização do poder. A partir da promulgação desta

Constituição, os municípios foram contemplados com autonomia política para tomar as

decisões e implantar os recursos e processos necessários para garantir a melhor

qualidade de vida para os cidadãos que neles residem. Cabe ao município mapear as

necessidades de seus cidadãos, planejar e implementar os recursos e serviços que se

revelam necessários para atender ao conjunto de suas necessidades, em todas as áreas da

atenção pública.

Para que a igualdade seja real, ela tem que ser relativa. Isto significa que as

pessoas são diferentes, têm necessidades diversas e o cumprimento da lei exige que

sejam garantidas as condições apropriadas de atendimento as peculiaridades individuais,

de forma que todos possam usufruir as oportunidades existentes. Há que se enfatizar

que tratamento diferenciado não se refere à instituição de privilégios, e sim à

disponibilização das condições exigidas, na garantia da igualdade. É este princípio que

constitui a base para os direitos humanos. A primeira geração destes corresponde às

primeiras declarações de direitos, pautada pelos direitos individuais de liberdade, onde o

Estado intervinha somente para garantir as suas normativas. O que se destaca é

individuo imbuído de valor jurídico e ético. As consequências advindas, como a miséria

e a exclusão, e a influência do socialismo forçaram, principalmente após a Primeira

Guerra Mundial, o capitalismo liberal a reciclar-se. O que resultou na ampliação e no

estabelecimento de direitos sociais coletivos como, por exemplo, os direitos trabalhistas.

Esses constituem a segunda geração dos direitos humanos, sendo coletivos de igualdade

de condições, supondo ação positiva do Estado (NETO, 1998).

Atualmente, há uma terceira geração destes direitos, que são direitos difusos de

cidadania, como por exemplo, do desenvolvimento, onde a sociedade tem um papel

ativo para que esses direitos tenham eficácia. Uma quarta geração dos direitos humanos

está em construção, embora ainda existam direitos fundamentais, não respeitados, como

o direito à vida, não garantido a 9,7 milhões de crianças menores de cinco anos em todo

o mundo (UNICEF, 2008).

O Estado, na tentativa de garantir que os direitos sejam operados publicamente

e indistintamente a todos os cidadãos, desenvolveu estratégia de intervenção na

sociedade através das políticas públicas. O aprofundamento dessa temática é de extrema

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importância para a compreensão da ação do Estado na construção da cidadania e na

garantia de direitos, na tentativa de minimizar os efeitos do processo de exclusão social.

2 O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE

EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL

As políticas públicas têm como função primordial a promoção do

desenvolvimento humano nas suas várias dimensões - social, cultural, política, como

também, de corrigir as desigualdades constituídas nesse processo, especialmente

aquelas decorrentes da esfera da economia que, por suas contradições próprias, introduz

iniquidades incompatíveis com as noções de justiça que devem prevalecer em uma

sociedade democrática (BRASIL, 2002).

Almeida e Westphal (2001) conceituam políticas públicas “como ações,

programas, projetos, regulamentações, leis e normas que o Estado desenvolve para

administrar de maneira mais equitativa os diferentes interesses sociais”.

Nesse sentido, as políticas públicas expressam as estratégias que a sociedade,

especialmente os governos, têm escolhido para garantir e efetivar os direitos

proclamados nos textos legais. Elas são orientadas pelas metas estabelecidas na

proclamação brasileira, tanto quanto pelas demandas e necessidades concretas que os

grupos sociais e minorias expressam ou, ainda, pela exigência de remoção de

desigualdades persistentes que impedem ou dificultam a efetivação dos direitos dos

cidadãos.

Cabe destacar a especificidade das políticas públicas compensatórias que

integram o arcabouço institucional das políticas sociais. Sua matriz tem origem na

prática assistencialista e estruturam-se em valores de solidariedade, indispensáveis nas

sociedades modernas, fortemente diferenciadas e desiguais. Tais políticas, todavia, não

incorporam forçosamente valores de eqüidade. Costumam ser, por isso mesmo,

focalizados e não universais. Distinguem-se no interior das políticas sociais

comprometidas com a busca de maior eqüidade, por atenderem a uma clientela

específica. Na classificação de Abranches (1987), tal seletividade, baseada em critérios

de necessidade, é uma discriminação positiva. São, em geral, específicos e com duração

limitada, tendo caráter complementar e residual.

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Faz-se necessário, para compreensão da construção das políticas públicas,

revisitar sua história, a qual foi tecendo o modelo e modo de intervenção do Estado em

relação aos direitos cidadãos.

2.1. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO

Diante das questões sociais emergentes ao longo da história, o Estado tomou

posições que foram marcando sua função em relação à sociedade e suas demandas. O

Estado demonstrou momentos de maior resposta às demandas da sociedade e outros de

omissão, ambas as situações que foram moldando as estratégias de intervenção do

Estado na sociedade e sobre suas mazelas.

As ideias liberais de um Estado mínimo prevaleceram até o início do século

XX, onde eram asseguradas somente a ordem e a propriedade, e o mercado atuava como

regulador das relações sociais. O indivíduo ocupava uma posição na sociedade a partir

da sua inserção no mercado, da mesma forma que suas relações também eram pautadas

por essa premissa. Um dos efeitos decorrentes desse processo produtivo foi a exclusão

social dos indivíduos, tanto do mercado produtivo, como do uso dos bens e serviços

decorrentes (CUNHA, 2002).

Após a crise econômica de 1929, intensificaram-se os problemas e

desigualdades sociais e o desenvolvimento do capitalismo monopolista determinou

novas relações entre capital e trabalho, e entre estes e o Estado. Essa mudança fez com

que a elite econômica admitisse os limites do mercado como regulador, resgatando o

papel do Estado como “mediador civilizador, ou seja, com poderes políticos de

interferência nas relações sociais” (CUNHA, 2002, p.11). Dessa forma, as políticas

públicas surgiram como estratégia de intervenção e regulação do Estado em relação às

questões sociais.

Ao tomar para si a responsabilidade pela formulação e execução das políticas

públicas, o Estado tornou-se “arena de lutas por acesso à riqueza social” (SILVA, 1997,

p.189). Isso ocorre na medida em que as políticas públicas envolvem conflitos de

interesses e o Estado, muitas vezes, atendendo os interesses de uma parcela da

população em detrimento de outra. Cabe destacar a participação de diversos segmentos

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sociais que lutaram e lutam pela garantia de direitos civis, políticos e sociais. Exemplo

de movimento social e cidadania, foi a construção e consolidação do Sistema Único de

Saúde – SUS, como política pública, sustentado por diversos atores sociais.

As políticas públicas têm sido desenvolvidas pelo Estado como uma resposta

às demandas que emergem da sociedade, sendo expressão do compromisso público e de

intervenção a curto, médio e longo prazo. Desde essa perspectiva, a política pública

pode ser entendida como:

[...] linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em respostas às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito coletivo e não individual (DEGENNSZAJH, 2000, p.59).

Nesse sentido, compreender o termo público associado à política faz-se

elucidador, pois não é uma referência exclusiva ao Estado, mas sim à coisa pública, ou

seja, de todos, regida por uma mesma lei e com apoio de uma comunidade de interesse.

Assim, as políticas públicas podem e devem ser controladas pelos cidadãos, tendo como

seu instrumento potente o controle social, na medida em que também há diversos

interesses privados na construção das políticas públicas (CUNHA, 2000).

O processo de formulação de uma política pública envolve diversos atores

sociais e diferentes interesses que permeiam a luta por inclusão de determinada questão

na agenda pública, e posteriormente sua regulamentação como política pública, como,

por exemplo, a saúde.

Na década de 80, os movimentos sociais lutaram pelo fim do regime autoritário

e pela redemocratização da sociedade, foram atores sociais fundamentais na definição

das novas formas de organização e gestão das políticas públicas. A descentralização do

poderes e funções do Estado foi pauta contínua, como sinônimo de democracia. Os

questionamentos desses atores quanto às características históricas das políticas públicas,

analisadas como “seletivas, fragmentadas, excludentes e setorizadas”

(DEGENNSZAJH, 2000, p.61) e quanto à incorporação das demandas da sociedade nas

decisões políticas, resultaram em dois princípios que fundamentaram o processo de

descentralização: a democratização e a participação (CUNHA, 2000).

A Constituição Federal de 1988 redefiniu o papel do governo federal, que

passou a assumir a coordenação das políticas públicas, enquanto os municípios

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passaram a executar a maior parte dessas políticas. O formato federativo previu a

transferência de diversas atribuições, responsabilidades e recursos da instância federal

para os estados e municípios, bem como a autonomia destes para definir a organização e

gestão das políticas. Essas definições são importantes para operar avanços na

administração pública, mas em alguns casos, têm levado ao formalismo, devido à

tradição centralizadora do governo federal, o não reconhecimento das diversidades e

diferenças apresentadas pelos estados e municípios, e a não efetivação da transferência

de recursos da União e dos estados para os municípios, compatíveis com as demandas

locais (CUNHA, 2000).

A redemocratização consagrou a participação popular na gestão das políticas

públicas, ao propor bases para experiências que contribuíram para a ampliação da esfera

pública, tomada como o espaço privilegiado, onde as questões que afetam a sociedade

podem ser expressas, debatidas e tematizadas pelos diversos atores sociais. Essas

experiências modificaram a relação entre Estado e sociedade, na medida em que criaram

novos canais de participação popular, como por exemplo, os conselhos de saúde, que

têm atuado na cogestão das questões relativas às políticas públicas de saúde. O desafio

dos conselhos nos níveis municipal, estadual e federal é debater e deliberar sobre

determinados temas, estabelecendo alianças que definam as agendas públicas,

representando os interesses coletivos. Outro desafio é transformar suas deliberações em

ações do poder público. A gestão social de uma política pública pode ser entendida

como uma ação que se desenvolve por meio da interação negociada entre o setor

público e sociedade, pressupondo interrelação contìnua entre o poder público, os

cidadãos e as organizações representativas (CUNHA, 2000).

A efetividade das ações desenvolvidas tem demandado dos gestores o aumento

da capacidade e da qualidade técnica, o aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão

(diagnóstico, plano, sistema de informação, monitoramento e avaliação de resultados

das ações e de impacto da política), formação e qualificação dos recursos humanos,

eficiência na aplicação de recursos públicos e habilidades gerenciais que viabilizem

novas estratégias (CUNHA, 2000).

Algumas ações advindas das políticas públicas têm sido organizadas em

sistemas descentralizados e participativos, constituídos pela administração pública,

gestores, conselhos, entidades e organizações prestadoras de serviços, compondo a rede

prestadora de serviços. Pode-se entender por rede a

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interconexão de agentes, serviços, entidades governamentais e não-

governamentais, que se vinculam em torno de interesses comuns, seja na

prestação de serviços ou na produção de bens, estabelecendo vínculos

horizontais de interdependência e complementaridade entre si (CARVALHO,

1997, p.10 – 11).

As redes de serviços e atores sociais têm demonstrado sua importância na

captação e aplicação dos recursos públicos e privados, no fortalecimento institucional

das organizações que as compõem, pela capacidade da troca de experiências, na

construção de pactos para execuções de ações. Desempenham relevante papel político

de transformação social, através de mobilizações de ações coletivas nos espaços

públicos, na representação de interesses dos cidadãos, assim como pela inovação de

processos e metodologias de trabalho. A organização da rede contempla a efetividade

das parcerias estabelecidas entre governo e sociedade civil, “visando à qualidade dos

serviços prestados e resolutividade dos sistemas com clara definição dos mecanismos,

estratégias de ações, papéis e responsabilidades entre prestadores de serviço, usuários e

gestores” (CUNHA, 2000, p. 18).

A implementação e funcionamento ético dos sistemas locais das políticas

públicas representam, de certa forma, a responsabilização dos governos pela assistência

à saúde, educação, infância, entre outras, a ser garantida e prestada a todo cidadão no

seu âmbito de jurisdição. Ao mesmo tempo em que as políticas públicas são

desenvolvidas, também se faz necessário o desenvolvimento da capacidade técnica,

administrativa e política dos gestores e de todos os atores sociais que integram os

sistemas e as redes (CUNHA, 2000).

Os gestores têm como responsabilidade e atribuição a coordenação do sistema

e a incorporação de estratégias que viabilizem o planejamento, monitoramento e

avaliação dos resultados alcançados pelas ações, assim como o impacto das políticas na

qualidade de vida dos cidadãos e a estruturação de ações para enfrentamento das

questões emergentes. Dessa forma, a regulamentação específica de cada política pública

determinou sua organização em sistemas de cogestão constituídos por conselhos, fundos

e planos de gestão (CUNHA, 2000).

Os conselhos foram criados por projeto de lei e são paritários (representação do

governo e sociedade civil), sendo também responsáveis pela gestão, pois possuem

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caráter deliberativo quanto às políticas públicas e atuam no âmbito da esfera pública,

definindo a agenda pública que representa os interesses coletivos. Como fóruns de

participação legal, exercem o controle público sobre ações e decisões governamentais,

debatem projetos tornando-os públicos, estabelecem acordos e alianças, explicitam

conflitos, em espaços que permitem a viabilidade de operacionalização dos sistemas.

Sua estruturação e funcionamento possibilitam à sociedade civil organizada construir

demandas a partir do desejo comum e inserí-las na agenda governamental, visando o

debate e a sua implementação sob forma de políticas públicas (CUNHA, 2000).

Outro instrumento de gestão das políticas é o plano. Exemplifica-se através do

plano municipal de saúde, que pode ser compreendido como um pacto entre governo e

sociedade, explicitando a intenção política do governo para a gestão, seus princípios,

diretrizes, estratégias de ação e metas, assim como intervenções para o fortalecimento

do sistema local. É instrumento de planejamento estratégico importante para o

desenvolvimento de políticas, embora, às vezes, seja tomado apenas como cumprimento

formal, habilitando o município para o recebimento de verba federal (CUNHA, 2000).

Atualmente, as exigências quanto à gestão social “apontam para a necessidade

de renovação dos processos técnico-burocráticos, tradicionalmente desenvolvidos no

setor público” (CUNHA, 2000, p.21). Faz-se necessária a adoção de modelos de gestão

mais flexíveis e participativos, horizontais, envolvendo a participação de todos os atores

sociais nas decisões e ações a serem desenvolvidas. Movimento que apontaria para uma

nova relação entre Estado e sociedade, operacionalizando mudanças na cultura das

instituições públicas e em seus agentes. Potencializar a capacidade propositiva da

sociedade civil também é um fator que necessita ser desenvolvido, pois as marcas

históricas do clientelismo e paternalismo ainda não foram minimizadas.

É nesse cenário que é feito o recorte sobre a infância, onde se observa que

apesar de possuir legislação específica como sujeito de direitos, assim como políticas

públicas direcionadas para essa fase da vida, as crianças continuam sendo atendidas de

forma insuficiente e desigual. As políticas de atenção, educação e saúde da criança são

setoriais, tanto no que concerne ao financiamento quanto nas atribuições e

competências: saúde que pensa a saúde; educação que pensa a educação, e assim por

diante. Reconhece-se que, em muitos aspectos, essa prática teve sua razão de ser; no

entanto, ao fomentar o isolamento setorial, provoca excessiva fragmentação dos

programas desenvolvidos, gerando posturas concorrenciais além de dispersão, lacunas e

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superposição de recursos (BRASIL, 2002). Esse talvez seja um dos motivos que geram

a insuficiência no atendimento e iniquidade.

Na análise da gestão de ações e programas sociais, podem-se observar soluções

locais criativas e iniciativas de grande sensibilidade; entretanto, constata-se que muitas

delas têm sido implementadas de forma pontual, sem realizar uma análise maior e mais

ampla da situação da infância no contexto, comprometendo a continuidade de seus

efeitos, reduzindo sua eficiência, eficácia e efetividade.

Há uma dimensão de universalidade na proclamação dos direitos, pois o

direito, ao contrário de necessidades, carências e interesses, não é particular e

específico, mas geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes

sociais (BRASIL, 2002). Significa, portanto, que as políticas públicas têm em seu bojo

a dimensão da universalização, que é própria da concepção de direitos.

Na perspectiva da universalização, as políticas públicas devem garantir o

acesso aos serviços públicos a todos os cidadãos. No caso das políticas de atenção à

infância, tais serviços devem ser vistos como um conjunto contínuo e integrado de

ações e equipamentos para a promoção, prevenção e proteção, voltados para a criança e

sua família, buscando-se a integralidade da abordagem e do atendimento. É preciso,

ainda, lembrar que se deve garantir a igualdade neste acesso, sem preconceitos ou

privilégios de qualquer espécie.

Assim, a igualdade de acesso e a integralidade da abordagem são dimensões

constitutivas da universalização dos direitos, tarefa fundamental das políticas públicas.

É importante refletir sobre o significado da universalização dos direitos numa sociedade

como a nossa, em que a assimetria das condições de acesso aos serviços públicos, a

miséria e a iniquidade da vida de grandes contingentes populacionais indicam um

quadro de exclusão social que inviabiliza a existência de uma vida digna para milhões

de crianças. Numa situação de desigualdade extrema, como a que vivem muitas das

famílias que têm entre seus membros crianças de até seis anos de idade, é necessário

que, à universalização, se agreguem estratégias de focalização de públicos, de forma a

garantir a dimensão da equidade na efetivação dos direitos (BRASIL, 2002).

Para isso, lembrar que equidade significa a capacidade de tratar alguém – que

se encontra submetido a condições desiguais em relação às condições vividas pelos

demais – de forma a garantir-lhe os mesmos direitos de todos. No plano das políticas

públicas, significa construir estratégias que focalizem os grupos em maior situação de

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exclusão social, propondo serviços, ações e instrumentos que possibilitem a esses

grupos melhores condições de inserção social, e, por essa via, alcançar um maior grau

de efetivação de seus direitos e de qualidade de vida.

Nessa perspectiva, o direito a ter direitos se refere tanto à capacidade cidadã de

fazer valer os direitos já estabelecidos na ordem legal de uma sociedade, quanto às

ações que transformam, por meio das lutas e polêmicas que ocorrem no terreno social,

determinadas demandas reconhecidas publicamente como relevantes e universais, em

novos direitos que passam a integrar os textos legais. Mas, se é animador o quadro das

definições legais e da formulação de políticas públicas, verifica-se que muito ainda

precisa ser feito na garantia dos direitos. No campo da saúde pública, ocorreram muitos

avanços, mas encontram-se iniquidades que ainda não foram superadas. É necessário

um processo ético e coletivo que foque os sujeitos em questão na construção de uma

gestão cidadã das políticas públicas.

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3 SAÚDE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Abordando a questão da política pública no campo da saúde, é importante

descrever como foi sendo construída a dimensão da saúde como um direito e situar

como as políticas públicas para a infância nesse campo são pensadas e

operacionalizadas.

A saúde como política pública, ou seja, a saúde pública, “é por sua

permanência, e com a parcela de sua essência, que ela se afirma e se impõe como

verdade, verdade essa que se relativiza nos momentos de crise, de conflitos sociais,

resultantes de relações de classes antagônicas e contraditórias” (MASSAKO, 1994,

p.16). No cotidiano, a saúde pública apresenta-se com seus atos, intervenções,

instituições, decisões, ou seja, como um sistema de normas e regras sancionadas

legalmente, no entanto a estrutura que a determina nem sempre é visível. A consciência

crítica torna-se necessária no entendimento sobre questões relativas à saúde pública,

onde o seu papel é redefinido constantemente atrelado a sua importância social, onde os

interesses de diferentes segmentos da população abortam a sua neutralidade,

demonstrando a saúde pública como um fenômeno político.

A saúde pode ser vista de forma dicotômica em relação ao seu objeto

(indivíduo/coletivo), suas ações (médica/sanitária) e suas responsabilidades

(privada/pública), produzindo fragmentações e contribuindo para a alienação dos atores

sociais envolvidos, reforçando a visão dicotômica. Parece haver um funcionamento de

circuito que se autoalimenta, que tem origem na concepção de um Estado que representa

os interesses gerais da sociedade.

A origem da saúde pública no Brasil emerge como parte integrante da

institucionalização e consolidação de um Estado burguês, que foi formado a partir da

crise e da desintegração do regime colonial português. Fato que imprime características

específicas à saúde pública brasileira, que surgiu sob o impacto do desenvolvimento

capitalista e de constituição de um regime republicano. Este cenário refletiu na

institucionalização da saúde pública, fosse na seleção de áreas específicas de

intervenção ou na construção de uma estrutura burocrática que lhe permitiu direcionar a

forma de acesso, os tipos de serviços e os bens a serem distribuídos (MASSAKO,

1994).

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu em 1948, saúde como o

completo bem-estar físico, mental e social, o que revela a necessidade de entender saúde

como um processo que envolve a integralidade em relação ao sujeito, ou seja, saúde não

é apenas a ausência de doenças.

A Lei federal n.8.080, de 1990, que dispõe sobre as condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, em seu artigo 3º coloca:

A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990).

A saúde como um bem, ao longo da história, passou a ter um valor econômico

e fundamental para a vida, associada à sua capacidade de determinar o seu modo de

produção e a possibilidade de o sujeito ter acesso à e posse da saúde. A partir dessa

questão excludente, a saúde foi redimensionada, emergindo como uma prática social,

resultante da contradição entre capital e trabalho, das diferentes classes sociais

representadas na sociedade “constituindo-se em elemento importante na reprodução

capitalista, seja em nível infra ou supraestrutural” (MASSAKO, 1994, p. 20).

É no movimento das relações sociais, através dos processos e da divisão social

do trabalho, que foi construído o objeto da saúde pública, “encoberto, ideologicamente,

pelas inúmeras designações como: coletividade, indigência, carência, ou seja, um grupo

de indivíduos que, aparentemente, não possuem, ou aos quais falta, algum atributo

necessário àquilo que a sociedade considera fundamental à integração social”

(MASSAKO, 1994, p.20).

Na sociedade capitalista, o atributo essencial é o trabalho, dessa forma, pode-se

propor que parte dos cidadãos não têm acesso ao trabalho, estando impossibilitados de

ter acesso aos bens de consumo e serviços necessários à sobrevivência, ou ainda, não

possuem saúde suficiente para integrar-se ao mercado de trabalho e processo produtivo.

À sociedade capitalista interessa o fluxo, sustentado por uma quantidade de força de

trabalho, não importando a qualidade. Massako (1994) aponta que é nesse processo que

residem os limites da saúde pública, que tem como objetivo ser regida por critérios

qualitativos, mas necessita atender a lógica quantitativa. Nessa lógica, ela também deve

atender aos interesses das outras classes sociais, a fim de que não ocorra a rápida

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transmissão e disseminação de doenças que ultrapassam as classes sociais e cujo

controle ainda é desconhecido. Este aspecto é um dos objetivos principais da saúde

pública, que é “o controle de determinados tipos de doenças, passíveis de serem

transmitidas às classes dominantes, e não todas ou quaisquer doenças que em nada

afetam as outras classes e, se as afetam, não trazem consequências tão graves como para

a classe trabalhadora” (MASSAKO, 1994, p. 20).

É no processo de negação das contradições sociais, que é um dos fatores para o

aparecimento de doenças, na dificuldade de solucionar os problemas geradores de

doenças, que a saúde pública emerge e se sustenta como possibilidade de proporcionar,

potencializar saúde.

3.1 SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

A evolução dos modelos de atenção em saúde no Brasil acompanha o

desenvolvimento sócio histórico político. O processo que gerou a Reforma Sanitária

Brasileira, o papel dos movimentos sociais na área da saúde e seus desdobramentos, na

formulação e implementação de políticas públicas na saúde, ocorreram ao longo do

processo de transição para a democracia (BORDIN, 2002).

Estabelecendo uma perspectiva histórica, identifica-se que no século XIX a

saúde pública cuidava dos problemas coletivos, como epidemia, vigilância e

regulamentação de aspectos da vida econômica e social que interessassem a essa

dinâmica, como alimentos, remédios, meio ambiente, entre outros. A doença e o seu

tratamento eram considerados privados, ficando sob a responsabilidade de cada pessoa a

busca pelo seu atendimento. A assistência hospitalar pública tinha o caráter de

assistência social, na medida em que abrigava e excluía socialmente os portadores de

psicose, tuberculose e hanseníase. A atenção aos pobres e desvalidos ficou por conta da

filantropia (NUNES; et al., 1999).

A saúde pública no Brasil, no início do século XX, esteve voltada para ações

coletivas que dispunham de instrumentos de intervenção mais eficientes que a

assistência médica individual. O sanitarismo campanhista era a principal característica

da política de saúde. São desse período as campanhas contra a tuberculose, a realização

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de ações no combate às endemias. Associada à área do seguro social para trabalhadores

urbanos do setor privado, começaram a surgir iniciativas do modelo médico assistencial

que se consolidou a partir da década de 60 (CARVALHO; et al., 2001).

Em 1919 ocorreu a intervenção do Estado, através do seguro de acidentes de

trabalho, sendo da década de 20 a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões

(CAP). A lei Elói Chaves n. 4682/23, de janeiro de 1923, criou a primeira CAP, dos

ferroviários, sendo este modelo rapidamente multiplicado nos anos seguintes. As CAPs

eram entidades públicas com ampla autonomia em relação ao Estado, foram instituídas

como um contrato compulsório, organizadas por empresas, tendo sua gestão através de

representação direta de empregados e empregadores, com finalidade assistencial. Nesse

modelo o Estado instituiu, participou do financiamento tripartite (empregados,

empregadores e União), normatizou, mas não participou da gestão diretamente

(NUNES; et al., 1999).

As classes assalariadas urbanas, que até então eram assistidas pelo sistema de

trocas ou pela filantropia, passaram a ser destinadas aos serviços de atenção médica

individual, prestados pelas CAPs, que compravam serviços médicos do setor privado. A

partir desse movimento, instituiu-se uma divisão de responsabilidades em relação à

saúde, onde o Estado ficou responsável pelas medidas coletivas de saúde,

principalmente as de controle das endemias, que eram obstáculos para o

desenvolvimento da economia. Enquanto a origem dos recursos para essas medidas era

oriunda da arrecadação orçamentária, a assistência médica individual era financiada por

recursos oriundos das contribuições (NUNES; et al., 1999).

É também a partir desse momento que tem origem uma das características da

saúde no país, que é a concepção de assistência médica, sendo mais restrita que a de

saúde, como de responsabilidade da esfera privada e não pública. Não se constituiu a

saúde como um direito do cidadão e dever do Estado, mas sim a assistência médica

como um serviço ao qual se tem acesso, a partir da inserção no mercado de trabalho

formal (NUNES; et al., 1999).

A partir da revolução de 30, as mudanças no cenário mundial e nacional, com a

ascensão de Getúlio Vargas ao poder, a quebra da bolsa de Nova Iorque e a crise do

café, provocaram o deslocamento da economia para os centros urbanos. Surgiu, com

isso, um contingente formado por trabalhadores assalariados, principalmente

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industriários. O Estado tinha um caráter interventor sobre a sociedade, pois estava sob o

regime ditatorial (CARVALHO et al., 2001).

Na década de 30, ocorreu a formação dos Institutos de Aposentadoria e

Pensões (IAPs), que institucionalizaram o seguro social de acordo com as classes

assalariadas urbanas e com setor de atividade econômica. Com o funcionamento de

autarquias, os institutos eram geridos pelo Estado, contando com recursos financeiros de

origem tripartite. Destaca-se também a criação do Ministério da Educação e Saúde neste

mesmo período, que passou a coordenar as ações de saúde de caráter coletivo

(CARVALHO; et al., 2001).

Com o período pós-Segunda Guerra Mundial, o Brasil enfrentou o aumento do

desemprego e a precarização das condições sociais. Em muitos países, desenvolveu-se a

concepção do Estado do bem-estar social, com o aumento significativo de investimentos

estatais nas áreas sociais. No Brasil, os desdobramentos desse período refletiram na

seguridade social, onde a previdência social passou a servir como instrumento político

eleitoral do governo (CARVALHO; et al., 2001).

Com o apogeu do desenvolvimento econômico na década de 50, iniciou um

processo de aprofundamento da dicotomia entre atenção médica curativa e medidas

preventivas coletivas, paralelamente à dicotomia entre os serviços públicos e privados

de saúde. Na assistência preventiva, a prática de campanhas foi mantida, sendo

desenvolvidos vários serviços de combates às endemias. Em 1953, foi criado o

Ministério da Saúde, mas com verba escassa (CARVALHO; et al., 2001).

O início da década de 60 foi marcado pelo descontentamento da população,

que exigia mudanças estruturais. Em 1964, intensificou-se o impasse entre as

necessidades políticas de atendimento às demandas da população e a impossibilidade de

contemplá-las. Nesse contexto ocorreu o golpe militar, com a centralização do poder no

governo federal (CARVALHO; et al., 2001). Até 1966, quando ocorreu a unificação do

sistema previdenciário, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social

(INAMPS), os IAPs e os CAPs conviviam na prestação de serviços médicos à

população trabalhadora formal. No entanto, com as grandes transformações que foram

ocorrendo na sociedade brasileira, sobretudo os processos de industrialização e

urbanização, os serviços previdenciários de saúde foram sendo pressionados pelas

demandas dos trabalhadores sem outros serviços médicos alternativos a esse modelo, a

não ser uma pequena rede de estabelecimentos filantrópicos e de uma insuficiente rede

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pública hospitalar, ambulatorial e de atenção primária (NUNES; et al., 1999). Além da

unificação, aumentou o papel regulador do Estado e ocorreu a exclusão dos

trabalhadores da gestão da previdência, ficando apenas com a função de financiamento

(CARVALHO; et al., 2001).

Começou a ter maior importância o atendimento às ocorrências

epidemiológicas, que resultam ou são agravadas pelas condições de vida e de trabalho.

O atendimento médico individual se beneficia com o avanço tecnológico, qualificando o

diagnóstico e a terapêutica. A partir desse movimento, houve o crescimento de um

complexo médico-industrial e hospitalar, respaldado por normas que beneficiaram a

contratação de serviços terceiros.

O sanitarismo campanhista, por não responder às necessidades de uma economia industrializada, deveria ser substituído por um outro modelo ... construído concomitantemente ao crescimento e a mudança qualitativa da Previdência Social Brasileira (MENDES, 1996, p.147).

Este modelo foi denominado como modelo médico-assistencial privatista e

vigorou até meados dos anos 1980. Teve como seu financiador o Estado, também

prestador de serviço à população não integrada economicamente, o setor privado

nacional como prestador de serviços e o setor privado internacional como produtor de

insumos (equipamentos biomédicos e medicamentos) (MENDES, 1996). As principais

características desse modelo foram “o privilégio da prática médica curativa, individual,

assistencialista e especializada, em detrimento da saúde pública, e a criação, mediante

intervenção estatal, de um complexo médico-industrial privado, orientado para a

geração de lucro” (MENDES, 1999, p.151).

Até a década de 70, essas diferenças se acentuaram, numa divisão entre tarefas

e clientelas. É a partir da segunda metade da década que a rede pública de serviços de

saúde passa a assumir também a assistência médica individual. Uma das características

desse período foi à expansão da cobertura que gradualmente foi ampliando a assistência.

Em 1971, passou a incluir os trabalhadores rurais, em 1972 as empregadas domésticas e

em 1973, os autônomos (CARVALHO, 2001).

O cenário, na época, era configurado pela ampliação da seguridade social e da

assistência médica a novas categorias sociais, além da forma de contratação por parte de

empresas privadas sem controle da previdência, que criavam condições para a corrupção

que acabou produzindo uma crise econômica na previdência. Com o objetivo de

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minimizar essa situação, em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência

Social (MPAS) com a vinculação de várias entidades (CARVALHO, 2001).

Em 1975, com a lei 6229/75, foi criado o Sistema Nacional de Saúde,

reafirmando as especialidades preferenciais das tarefas a cargo da Previdência Social e

do Ministério da Saúde. Paralelamente foi ratificada a situação dos serviços vinculados

ao Ministério da Saúde, que passou a contemplar também a assistência médica

individual. A rede pública de serviços passou a sofrer um processo de sucateamento,

como consequência da falta de prioridade nas políticas públicas (CARVALHO, 2001).

Estabeleceu-se uma divisão social do trabalho entre os ministérios da

Previdência e Assistência Social, criado em 1974, e o da Saúde, que data de 1953,

organizando a seletividade da clientela para os seus respectivos serviços de saúde. O

primeiro destinou-se à população inserida formalmente no mercado de trabalho, e o

segundo ministério às populações de baixa renda, normalmente excluídas do trabalho

formal. Esse processo consolidou a assistência médica como um direito contratual,

compulsório e contributivo, em oposição à assistência médica filantrópica e pública,

para a população carente, ou excluída do mercado de trabalho.

Como decorrência, estabeleceu-se uma diferenciação entre os setores urbano e

rural em termos de acesso e disponibilidade de equipamentos médicos, associada a uma

diferenciação e estigmatização da clientela. Desenvolveu-se uma divisão entre carentes/

excluídos orientados para o setor público e filantrópico, e assalariados/incluídos

orientados por intermédio da previdência social, para o setor privado, e mais

recentemente também passaram a ser orientados para o setor público.

Esse processo de privatização do público, algo que não é inerente somente à

área da saúde, tem como consequência a lógica do lucro, estando em sintonia com o

processo capitalista e excludente da nossa sociedade. Em decorrência desse processo,

observa-se uma distribuição desigual dos equipamentos de saúde em todo o país,

principalmente quando se compara as dimensões regionais, urbano e rural e da rede

pública.

Desde a perspectiva da lógica que rege as políticas públicas de saúde, tem-se

um modelo de “assistência médica de alta densidade tecnológica, principalmente nos

procedimentos de diagnóstico e terapêutico” (NUNES; et al., 1999, p.18). Algumas

terapêuticas de alta complexidade acabam ficando por conta do serviço público, já que

não possibilitam o lucro visado pela rede privada, exemplo disso é o atendimento ao

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HIV/AIDS. Superada a divisão de trabalho entre o público e o privado, na medida em

que o setor público também atende as demandas individuais de foco curativo, atreladas

aos programas segmentados, prática tradicional da saúde pública, como por exemplo,

programa maternoinfantil, saúde do trabalhador, “e não através de políticas integradas

por um novo modelo de atenção à saúde, sem a contraposição entre práticas curativas e

preventivas” (NUNES; et al., 1999, p.19).

Portanto, a saúde pública em nosso país, desde os seus primórdios, convive

com a dicotomia entre o enfoque curativo e preventivo. Os princípios da saúde pública

respondem às medidas de caráter coletivo, com o objetivo de cobrir a maior parte da

população como, por exemplo, as campanhas sanitárias de combate à febre amarela,

varíola, dengue, entre outras.

Diante do cenário social do fim do milagre econômico e da situação da saúde,

foi fomentado o debate pela busca de reformas nas políticas de saúde, ganhando corpo o

movimento da Reforma Sanitária, com a proposta de formulação do pensamento crítico

na política de saúde. Tal proposta integra-se ao movimento de oposição ao golpe militar

de 1964. Nos departamentos de medicina preventiva brasileiros, surgem ideias sobre

medicina comunitária e o conceito de atenção primária à saúde, sistematizado pela

Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata,

em setembro de 1978, promovido pela Organização Mundial de Saúde e difundido para

os países em desenvolvimento (CARVALHO; et al., 2001).

A inexistência de uma política integrada de saúde e o modelo excludente do

desenvolvimento econômico das últimas décadas geraram uma prática na saúde

diferenciada para as diferentes camadas da população. “A lógica da pobreza de recursos

cuidando da carência” (NUNES et al., 1999, p.20) sinalizou a ausência de prioridade

para investimentos públicos no setor, por parte do Estado, nas três esferas de poder,

associava-se ao atendimento diferenciado da população previdenciária.

Como decorrências, as políticas de saúde, que sempre tiveram pouca verba

pública, foram institucionalizando um acesso desigual da população aos serviços de

saúde, ao mesmo tempo em que estigmatizante. “Elas instituem, de um lado, a

concepção – e seu reverso, o comportamento – da clientela como carente, e de outro,

uma diferenciação entre os assalariados por níveis de renda e padrões de inserção da

economia” (NUNES; et al., 1999, p.21). O que ficou marcado nesse processo público de

construção de atenção à saúde foi a concepção de direito, se é que assim pode ser

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nominado, como um privilégio vinculado à contribuição previdenciária, ou à adesão de

seguro saúde privado.

A prática de medicalização da saúde foi sendo normatizada, criando uma falsa

ideia de que todos os problemas de saúde deveriam ser resolvidos buscando um médico,

que não poderia deixar de medicar. O serviço público de saúde ficou sobrecarregado, na

medida em que o setor privado tinha uma clientela selecionada e os serviços contratados

pelos órgãos públicos estimulavam a utilização, pois o contrato era por serviço prestado.

Este passou a ser buscado pela população sem cobertura previdenciária e que não tinha

acesso aos serviços privados. Exemplo disso é a ambulancioterapia, que demonstra o

estado de sucateamento e de insuficiência da saúde, assim como a falta de investimento

no setor; “fruto da política estatal de favorecimento do setor privado, através da compra

de seus serviços ou de financiamento para investimentos de infraestrutura” (NUNES; et

al., 1999, p. 21).

3.2 SAÚDE COMO DIREITO: O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Durante as décadas de 70 e 80, muitos estudos sobre a saúde no Brasil foram

desenvolvidos, atrelados ao movimento da reforma sanitária e dos intelectuais da área

da saúde coletiva, tendo como marca comum a cidadania e a saúde como direito. As

múltiplas propostas que emergem apresentavam princípios de “estatização dos serviços

de saúde, na constituição do Sistema Único de Saúde, na descentralização, na

universalização e na equidade do direito à saúde” (NUNES; et al., 1999, p.23). Esses

princípios foram sendo traduzidos e aperfeiçoados em atos concretos nos anos

posteriores, como produto do complexo movimento de forças entre os setores

progressistas, articulados com o reformismo, e os conservadores. Exemplos desse

processo foram as Ações Integradas de Saúde (AIS) com os primeiros convênios

assinados com os Estados, data do ano 1983, os Sistemas Unificados e Descentralizados

de Saúde (SUDS) como os primeiros convênios em 1987, e o texto da Constituição

Federal de outubro de 1988 (NUNES; et al., 1999).

A concepção de saúde que foi sendo construída no movimento sanitário

ultrapassou os limites do saber e da prática estritamente médica, contribuindo com o

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entendimento da produção social de saúde e da doença; porém, não se constatava

mudanças significativas na prática. Todo esse processo de mudança exigiu a construção

de um novo saber teórico e prático, assim como o resgate da saúde pela política.

Buscou-se enfrentar as questões que a saúde apresentava diante da sua especificidade,

para que conquistasse o seu lugar pertinente no escopo das questões sociais.

Ressaltando a sua importância e prioridade por parte de diferentes grupos sociais e

políticos (NUNES; et al., 1999).

Em outubro de 1980, sob o regime militar e diante da crise na saúde, os

Ministérios da Saúde e da Previdência Social apresentaram um anteprojeto do Programa

Nacional de Serviços Básicos de Saúde, o PREV-SAÚDE, que não foi sustentado pelo

próprio governo federal, sob a alegação da falta de recursos financeiros para a sua

implementação. Pouco tempo depois, foi implantado o Pacote da Previdência, que

estabeleceu o aumento da contribuição previdenciária e instituiu o Conselho Consultivo

de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), que tinha como objetivo

controlar as despesas. Como resultado dessa ação foi lançado o Plano CONASP – Plano

de Reorientação da Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social

(CARVALHO; et al., 2001).

Dentro de sua proposta de racionalização dos gastos, o principal

desdobramento do Plano CONASP foi a implantação das Ações Integradas em Saúde

(AIS), projeto intersecretarias entre a Saúde, Previdência Social e Educação e Cultura,

que visava a “reorganização institucional da assistência à saúde, com o objetivo de

evitar ações paralelas e simultâneas entre as instituições sanitárias” (CARVALHO; et

al., 2001, p. 37). Os princípios que orientavam as AIS eram os seguintes:

universalidade no atendimento; integralidade e equidade da atenção; regionalização e hierarquização dos serviços; descentralização das ações e do poder decisório; democratização através da participação da sociedade civil e do controle pelos usuários, planejamento e controle efetivo pelo setor público sobre o conjunto do sistema, incluindo os setores filantrópico e privado (CARVALHO; et al., 2001, p. 37).

Objetivamente, pela primeira vez, as prefeituras receberam recursos públicos

federais da Previdência, mediante pagamento pelos serviços prestados (médico,

odontológico e de enfermagem). Esse financiamento possibilitou um acréscimo de

recursos aos serviços municipais de saúde, que em sua maioria eram incipientes e

sustentados pelo baixo investimento do orçamento municipal. O financiamento era uma

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parceria entre INAMPS, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, com a

constituição de um fundo único para subsidiar os serviços estaduais e municipais

(CARVALHO; et al., 2001).

Com essas medidas, muitos estados e municípios avançaram, no sentido de

fortalecer a rede básica ambulatorial, aumentando a capacidade de atendimento à

demanda, a contratação de recursos humanos, a revisão do papel dos serviços privados

e, em alguns casos, a participação popular na gestão. As AIS foram reconhecidas como

um marco na área da saúde pela amplitude, cobriram cerca de 90% da população

brasileira (CARVALHO; et. al, 2001). Elas complexibilizaram a construção de um novo

modelo tecnológico em saúde e a superação da diferenciação e estigmatização da

população atendida entre carentes e não carentes, ou seja, trabalhadores formalmente

inseridos no mercado de trabalho ou excluídos deste.

No processo de estabelecimento de serviços na saúde pública e de suas

estratégias, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), foi implantado

em julho de 1987, com o decreto n. 94.657. Tinha como objetivos: contribuir para a

consolidação e desenvolvimento qualitativo das AIS, com a criação de Sistemas

Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados e com diretrizes que reconheciam a

necessidade e reformulação do Sistema Nacional de Saúde e redefinir as atribuições dos

três níveis de governo. As consequências principais do SUDS foram a concentração de

poder nas secretarias estaduais de saúde e o início do desmonte do INAMPS

(CARVALHO; et al., 2001).

Nessa época, o País viveu o período de transição democrática, a ditadura tinha

acabado e iniciava-se a Nova República, sendo marcante a preparação para o processo

Constituinte. Com a realização da Assembleia Nacional Constituinte, que definiu a nova

ordem jurídica e institucional, foi convocada a 8ª Conferência Nacional de Saúde, com

o objetivo de debater uma nova proposta de estrutura e de política para a saúde. A

Conferência foi realizada em 1986, com ampla participação de vários atores sociais, foi

discutida a situação de saúde no País e aprovado o relatório que passou a constituir o

Projeto de Reforma Sanitária Brasileira, legitimado pelos segmentos sociais

identificados com os interesses sociais, sendo levado à Assembleia Nacional

Constituinte em 1987, onde ocorreu intenso debate entre progressistas e conservadores

(CARVALHO; et al., 2001).

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Esse embate mobilizou o Movimento Sanitário Nacional, que buscou

sensibilizar os constituintes a aprovarem os marcos da Reforma Sanitária no texto

constitucional, adotando o princípio de a saúde ser um direito de todos e dever do

Estado. O êxito desse movimento foi a incorporação de teses e conclusões da 8ª

Conferência Nacional de Saúde ao texto da Constituição Federal Brasileira. A

Conferência produziu desdobramentos nos trabalhos desenvolvidos pela Comissão

Nacional de Reforma Sanitária que, sintetizando as ideias principais da Conferência

definiu as bases da Reforma: participação, equidade, descentralização, integralidade e

universalização (CARVALHO; et al., 2001).

Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República, que

encerrou um ciclo de instabilidade da República que soma sete dissoluções do Congresso, cinco governos provisórios, duas renúncias de presidentes, três presidentes impedidos de tomar posse, cinco depostos, um morto por suicídio, três ditaduras, 10 governos autoritários, 12 estados de sítio, dois estados de guerra, 21 leis constitucionais da era Vargas (1937-1945), 17 atos institucionais na ditadura militar (1964-1985), 19 rebeliões militares, cassações de mandatos eletivos, prisões de parlamentares, banimentos, exílios, intervenções em sindicatos e universidades, censura à imprensa, prisões, torturas, assassinatos políticos e de ativistas populares (DE LAVOR; et al., 2008, p.21).

A nova Constituição produziu mudanças no papel do Estado e alterou o sistema

público de saúde, potencializou novas relações entre as diferentes esferas do governo e

novos papéis entre os atores do setor que contribuíram para o surgimento do Sistema

Único de Saúde (SUS). A Constituição apresenta no capítulo da Seguridade Social o

sistema de saúde, cabe destacar os seguintes artigos: artigo 196: apresenta a saúde como

“direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988), garantindo universalidade e

igualdade de acesso às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação; artigo

197: define ações e serviços de saúde como de relevância pública; artigo 198: constitui

o SUS, através da rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços públicos de

saúde sustentados pela descentralização, atendimento integral e participação popular.

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera do governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da comunidade (BRASIL, 1988).

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Portando tais proposições, contrariavam as propostas vigentes na área das

políticas públicas, pois se buscava a focalização de programas sociais, e o SUS

pretendia a universalização da atenção. O SUS primava pela integralidade da atenção,

em oposição ao Estado que funcionava como regulador de mercado e que prestava

apenas alguns serviços considerados estratégicos. A diretriz que fundamentou a

construção do SUS reconheceu a existência de limites e dificuldades nos sistemas de

saúde existentes, e por essa perspectiva crítica o SUS acrescentou dois outros princípios

que podem ser considerados inovadores, sendo eles o controle social, visando formas

democráticas diretas e de gestão participativa; e a descentralização, passando os

municípios a serem responsáveis pela gestão e organização local do sistema de saúde.

Ao governo federal e estadual coube a coordenação e o apoio sistemático, buscando

assegurar o caráter único e nacional à rede descentralizada.

Para a efetiva implementação do SUS, foram aprovadas as Leis Orgânicas da

Saúde (Leis n. 8.080 e 8.142), contemplando seus princípios, diretrizes e condições para

o seu funcionamento. A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, detalhou a

organização das ações e serviços referentes à gestão, direção, competências e

atribuições de todos os níveis de governo. Em 28 de dezembro do mesmo ano, esta lei

foi complementada pela Lei 8.142, que dispõe sobre a participação da comunidade na

gestão e os processos intergovernamentais de recursos. Esta legislação determina que o

SUS deve prestar assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção

e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das

atividades preventivas (CARVALHO; et al., 2001).

Em relação ao financiamento do SUS, a Lei n. 8.142 estabeleceu as condições

necessárias para o repasse de recursos aos estados e municípios, que devem apresentar

os seguintes elementos:

- Conselho de saúde: órgão colegiado, permanente e deliberativo, composto por

representantes do governo, usuários, trabalhadores e prestadores de serviço. Tem como

finalidade exercer o controle social sobre a implementação e gestão do SUS.

- Fundo de saúde: conta onde serão depositados e movimentados os recursos

financeiros, sob a fiscalização do Conselho de Saúde.

- Plano de saúde: lastro das programações e atividades que serão desenvolvidas

em todos os níveis de gestão.

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- Relatório de gestão: instrumento de acompanhamento da execução do plano

de saúde e da aplicação dos recursos recebidos.

-Contrapartida de recursos: em relação ao respectivo orçamento

- Comissão de elaboração de plano de carreira, cargos e salários (pccs),

previsto dois anos para a sua implantação.

Para regulamentar o processo de descentralização proposto, foi editada pelo

Presidente do INAMPS, através da resolução n. 273, de 17 de julho de 1991, a Norma

Operacional Básica n. 01/91. O objetivo era o de instituir o arranjo previsto na

legislação para a gestão descentralizada, porém esta norma descaracterizou os principais

objetivos do SUS ao redefinir a lógica de transferência de recursos aos estados e

municípios que passaram a receber por produção de serviço de saúde.

Estados e municípios passaram a receber por produção de serviços de saúde, nas mesmas tabelas nacionais existentes para o pagamento dos prestadores privados, impondo um modelo de atenção à saúde voltado para a produção de serviços e avaliado pela quantidade de procedimentos executados, independentemente da qualidade e dos resultados alcançados. Ou seja, continuou prevalecendo a estrutura de compra de serviços privados de saúde do INAMPS, agora aplicado aos gestores públicos estaduais e municipais (OLIVEIRA, 1998, p.129).

Além do modelo de saúde que ficou oficializado, também foi reforçada a

ênfase nas intervenções curativas, pois a referida tabela não previa remuneração de

ações promocionais e preventivas, contrapondo o princípio da integralidade. No cenário

político, lideranças do movimento da reforma sanitária, insatisfeitos com a política

setorial, demandavam a realização da IX Conferência Nacional de Saúde. Em agosto de

1992, foi realizada a Conferência com o tema: “Municipalização da saúde, condição

indispensável para a efetiva implantação do SUS”. A Conferência formulou estratégias

para a descentralização, que foram divulgadas no documento “Descentralização das

ações e serviços de saúde – a ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei”. Este

documento, após ser avaliado por vários atores da área da saúde, recebeu uma nova

versão, constituindo-se na Norma Operacional Básica n. 01/93 (NOB 01/93), aprovada

pelo Conselho Nacional de Saúde e publicada em maio de 1993, através da Portaria do

Ministério da Saúde n. 545 (CARVALHO; et al., 2001).

Em julho de 1993, ocorre a extinção do INAMPS, através da Lei n. 8.689,

contribuindo para o cumprimento da legislação em relação à questão da

descentralização. O INAMPS era uma política antagônica aos SUS, com uma visão

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hospitalocêntrica superada, muito corrompido, custo alto, muito poderoso, o que o SUS

não era (DE LAVOR; et al., 2008). Assim, as funções, competências e atividades do

INAMPS passaram a ser realizadas pelas três instâncias do governo. No entanto, no ano

de 1996, apenas 63% dos municípios estavam habilitados em alguma modalidade de

gestão e três quartos dos recursos federais destinados à saúde ainda eram repassados

através do pagamento por produção de serviço. A partir dessa situação, surgiu a

proposta de uma nova norma operacional, a NOB n. 01/96 (NOB 01/96). As principais

mudanças que adviram da NOB foram relativas ao repasse financeiro, com transferência

regular e automática fundo a fundo, possibilitando autonomia para a gestão

descentralizada, incentivos para a mudança de modelo de atenção e avaliação dos

resultados (CARVALHO; et al., 2001).

No ano 2000, a habilitação de acordo com a NOB/96 atingia mais de 99% dos

municípios. Através do processo de descentralização, tiveram visibilidade alguns

problemas na interrelação dos sistemas municipais e estaduais de saúde. Observou-se

que os municípios não são heterogêneos, com diferenças significativas quanto à

capacidade de gerir um sistema complexo de saúde, no caso dos municípios pequenos,

em contrapartida, a necessidade de municípios maiores de terem mais de um sistema

completo em sua abrangência. Essa mesma situação também foi repetida no âmbito

estadual. A NOB/96, através da Programação Pactuada e Integrada (PPI), tinha como

proposta a regulação, mas que não foi implementada, de modo que superasse as

dificuldades burocráticas de acesso da população entre os municípios e os estados

(CARVALHO; et al., 2001).

No enfrentamento dessa questão, em janeiro de 2001 foi proposto, através de

Portaria n. 95 do Ministério da Saúde, a Norma Operacional da Assistência à Saúde

(NOAS-SUS 014/2001), que se organizou pela proposição de três estratégias

articuladas:

1) Regionalização e organização da assistência.

2) Fortalecimento da capacidade de gestão do SUS.

3) Revisão dos critérios de habilitação dos estados e município.

Atualmente, o SUS passa por um período de transição, no qual ainda

predominam restos do antigo modo de organizar a atenção, sendo centrado em hospitais

e especialistas, com pequeno grau de coordenação e de planejamento da assistência e

com uma saúde pública voltada a Vigilância Sanitária e Epidemiológica. As

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necessidades e os direitos da população “ainda são secundários na lógica do modelo de

gestão vigente” (SANTOS apud DE LAVOR, et al., 2008, p.28), no qual predominam

os interesses dos trabalhadores de saúde, dos prestadores de serviço, da indústria de

medicamentos e do modelo econômico. Ocorre que esse modo de operar é um obstáculo

ao SUS, produzindo gastos inadequados às necessidades de saúde e ao movimento da

reforma do sistema (CAMPOS, 2006).

A atenção básica, na qual a população mais desassistida tem algum acesso, na

média nacional tem baixa qualidade e resolutividade, “não consegue constituir-se na

porta de entrada preferencial do sistema, nem reunir potência transformadora na

estruturação do novo modelo de atenção preconizado pelos princípios constitucionais”

(SANTOS apud DE LAVOR, et al., 2008, p.28). Os serviços de média e alta

complexidade, cada vez mais congestionados, reprimem oferta e demanda, no qual os

princípios de integralidade e equidade pouco avançaram, produzindo práticas de saúde

que permanecem centradas nos procedimentos médicos.

Atualmente, o sistema público de saúde tem uma demanda de 75% da

população, os outros 25% acessam os planos privados de saúde, onde deste total quase

33 milhões são crianças de zero a nove anos de idade (IBGE, 2000). O SUS configura-

se como uma das maiores políticas públicas de inclusão social, porem não avançou o

suficiente, sendo um projeto inacabado, segundo sanitaristas como Gastão Wagner,

Nelson Rodrigues dos Santos, Gilson Carvalho (RADIS, 2008).

3.2.1 Desafios na gestão do SUS

Neste processo de implementação e gestão do SUS, duas diretrizes centrais são

a municipalização da atenção e a descentralização da gestão, ficando a cargo dos

estados e municípios a organização do SUS. Para tanto, se fez necessário sistematizar e

organizar o trabalho a ser desenvolvido, planejando as ações e contemplando os

potenciais econômicos, tecnológicos, políticos, administrativos, qualitativos,

distributivos e preventivos dos municípios. A materialização deste trabalho, no nível

municipal, ocorre ao longo do processo de formulação do Plano Municipal de Saúde

(BORDIN, 2002).

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Nesse sentido, é decisivo que a gestão municipal possa se organizar, na medida

em que precisa tomar decisões na resolução dos problemas de saúde que são múltiplos e

impossíveis de serem todos resolvidos, seja pela escassez de recursos financeiros, por

serem mal utilizados ou distribuídos, ou pelo grande número de demandas. Pensar os

múltiplos e complexos problemas e demandas na saúde é também contemplar a

necessidade de articulações e propostas intersetoriais, na medida em que o processo

socioeconômico tem relação no perfil de morbimortalidade, questão que delimita o

processo de exclusão/inclusão em nossa sociedade (BORDIN, 2002).

Os recursos destinados à saúde poderão ser incrementados dentro de critérios de racionalização, mas não ao nível de satisfação de todas as necessidades, exatamente porque são limitados, e sofrem um processo de concorrência com os demais setores. Em decorrência dessa situação, o setor saúde terá que estabelecer prioridades e o grau em que devem ser atendidas, bem como deverá determinar o uso mais eficiente dos recursos disponíveis (CAMPOS; TINOCO, 1984, p.44).

O processo de planejamento em saúde pode ser sistematizado da seguinte

forma: diagnóstico, discussão, decisão, programação, execução e avaliação (BORDIN,

2002). Os momentos de diagnóstico, discussão e avaliação compõem o que se chama de

sistema de vigilância epidemiológica, que pode ser definido como:

O conjunto de atividades que permite reunir a informação indispensável para conhecer, a cada momento, o comportamento ou a história natural de uma doença e detectar ou prever mudança que possa ocorrer por alteração dos fatores condicionantes com a finalidade de recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas, eficientes, que levem à prevenção e controle dessa doença (FERREIRA, 1990, p.33).

Normalmente, são adotados pela gestão em saúde indicadores de saúde, uma

medida indireta de saúde coletiva, através do uso de índices de mortalidade, como

exemplo, temos os programas e políticas de saúde voltados para a primeira infância

elaborados a partir do índice de mortalidade infantil. Assim, há o paradoxo que é o de

‘medir’ e avaliar saúde pelo número de óbitos.

Uma das questões relevantes no trabalho em saúde é poder definir critérios

para a definição de prioridades, pois diariamente os gestores são tomados por demandas

de diversas ordens e origens. Na impossibilidade de atender a todas, seja por falta de

recursos financeiros ou humanos, é importante definir um foco de intervenção nas ações

em saúde. Em última instância, o estabelecimento de prioridades significa delimitar

quem é o primeiro, ou seja, entre os problemas de saúde existentes e conhecidos, qual:

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a) irá iniciar a série e precederá os outros em tempo, lugar ou categoria; b) é o mais importante, o mais distinto, o mais notável entre todos da mesma espécie, classe, raça, nacionalidade, etc; c) o melhor, do ponto de vista da intervenção e resultados; d) é essencial, indispensável, fundamental, principal à manutenção do gênero de primeira necessidade ao setor saúde, qual seja, a vida (BORDIN, 2002, p.54).

Não existem orientações padronizadas quanto ao estabelecimento de

prioridades para o sofrimento e a preservação da vida humana,

mas sim critérios, definidos à priori como sugestões a serem aplicadas com flexibilidade, voltadas à estruturação de ações em saúde que busquem um equilíbrio entre os serviços curativos e preventivos, entre as atividades desenvolvidas em ambiente hospitalar ou em outras áreas; que decidam os procedimentos que priorizem determinados problemas de saúde, grupos de idade ou grupos de profissionais; e selecionem os meios econômicos (pessoal e material) necessários os cumprimento de metas pré-estabelecidas, compatibilizando quantidade e qualidade (OMS, 1967).

Dentro do processo de definição de critérios de prioridade, destacam-se três

abordagens: magnitude do evento, transcendência do problema e vulnerabilidade. A

magnitude corresponde ao número de pessoas acometidas pela doença ou agravo pela

população. Está relacionada ao conceito de morbidade. A transcendência corresponde

ao dano causado pelo problema, relacionando ao conceito de mortalidade e letalidade. É

importante destacar que algumas doenças, como doenças mentais, de baixa letalidade,

podem apresentar elevada transcendência, pelo dano residual gerado como, por

exemplo, incapacidade mental, rejeição social.

Este critério de transcendência do dano envolve uma decisão política, quando se considera a vida do adulto mais importante que a da criança e a desta mais importante que a do velho e vice-versa. Em face desse critério se estabelecem coeficientes de ponderação, onde o grupo eleito como preferencial receberia maior peso (TINOCO, 1984, p. 141).

O critério de transcendência tem sido utilizado pelo julgo de outros fatores de

ponderação por grupos etários, pelos potenciais anos de vida perdidos, ou ainda, pelo

custo econômico e social demandado à sociedade pelo agravo da saúde, o que configura

uma transcendência social.

Vulnerabilidade é definida como a possibilidade de redução de um

determinado problema de saúde, frente a uma intervenção conhecida. A vulnerabilidade

depende da tecnologia médico-terapêutica, sendo considerada quanto à morbidade e

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mortalidade, quando alguns problemas de saúde podem ser evitados totalmente ou

parcialmente. O seu modo usual de representação é percentual, sendo transposta para

uma escala de zero, onde não capacidade para prevenção, a 100%, como as doenças

passíveis de prevenção por vacinação.

É significativa a dificuldade de se quantificar o nível de vulnerabilidade dos

problemas de saúde, mesmo os mais usuais, o que pode potencializar o caráter subjetivo

da mesma. Dessa forma, sua operacionalização ocorre pela razão entre coeficientes de

mortalidade do local a ser estudado frente a uma situação estimada, vislumbrando que

percentual seria passível de redução. Outra forma de operacionalização é pelo arbítrio

de graus de vulnerabilidade que poderiam ser alcançados com tecnologia (BORDIN,

2002, p. 56).

A partir dessas questões norteadoras, há uma clara demanda e necessidade de

se priorizar a atenção à saúde e desenvolvimento integral das crianças, seja pelo índice

de mortalidade infantil, enfatizando os anos de vida perdidos, sendo que muitos dos

motivos que levam ao óbito poderiam ser evitados.

O debate acerca dos critérios de determinação de prioridades em saúde

explicita uma determinada concepção de sociedade. Bordin (2002) aponta, de forma

extremada, que essas concepções podem ser alocadas em dois pólos, sendo estes

permeados por outras nuances. Os dois pólos são: o favorecimento da capacidade

produtiva científico-tecnológica e de solidariedade universal. Sendo definidas as

prioridades em saúde pela concepção científico-tecnológica englobando produção,

desenvolvimento, alocação de recursos humanos, todas as pessoas com agravos

incapacitantes seriam vistos como cidadãos de segundo nível e, por isso, diminuição de

recursos alocados ou a inexistência. Dando margem também para propostas eugênicas.

De outro lado, a concepção de solidariedade universal, pautada pelo valor ético e moral

do valor da vida, justificaria a alocação de um volume maior de recursos a um número

reduzido de pessoas com agravos incapacitantes de saúde, mesmo que a chance de

sobrevida seja ínfima.

A definição de prioridades em saúde traz a compreensão de como se deve

estruturar as políticas sociais na área da saúde, independente de em qual esfera

governamental esteja alocada a questão. Dessa forma, desenvolver ações no campo da

saúde pública para a infância é definir como prioridade uma etapa da vida fundamental,

mas vulnerável e que muitas vezes encontra-se excluída da pauta da gestão, ou é vista

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apenas como um indicador de desenvolvimento social. Nesse sentido, é importante a

compreensão da infância como um processo histórico, social, cultural e político,

contribuindo para desenvolver ações realmente voltadas para as necessidades reais dessa

população. Assim, é fundamental o entendimento de como a infância foi sendo

construída, através das categorias elencadas acima, ao longo da história.

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4 O DISCURSO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA

A concepção de infância é recente na linha do tempo, emergiu na lenta

transição da vida gregária para a vida privada, coincidindo com o aparecimento das

primeiras imagens de crianças, representadas como delicados anjos. As concepções de

infância foram mudando ao longo da história e dos movimentos sociais e políticos,

atribuindo contorno e produzindo diferentes modos de ser criança.

Pode-se pautar esse processo de construção da infância como tendo início no

século XVI (ARIÉS, 1981), porém, continua em processo de construção, pois a infância

não é algo estanque, mas plural, no sentido de que existem muitas infâncias, que são

constituídas pela cultura, história, política, elementos que a emergiram como recorte da

vida. Outro ângulo são as crianças adjetivadas, trata-se das crianças que são fruto da

violência social e que necessitam de um qualificativo para terem visibilidade. São as

crianças desnutridas, maltratadas, abusadas, vendidas, desaparecidas, etc (MÜLLER,

2001). Nesse sentido, se faz necessário entender como a criança foi se constituindo

como ator social e sujeito de direitos, e hoje como é vista, se realmente é considerada

como sujeito em desenvolvimento e com necessidades específicas, merecedora de

cuidados, respeito e direitos. Dessa forma, pode-se dizer que existem as infâncias e não

apenas uma única.

Devem ser consideras influências básicas na construção das infâncias, sendo

uma as tendências civilizatórias, e a outra, um contexto mais particularizado. Nesse

sentido, o desenvolvimento de diferentes características das infâncias ocorre em função

da trama dos processos de interdependência das forças que atuam sobre ela (MÜLLER,

2001). A criança, historicamente, é um dos públicos mais focados quando se aborda os

processos de exclusão/inclusão social, no entanto, é fundamental para o aprofundamento

desta questão o entendimento desses movimentos e dos modelos conceituais que

sustentam as políticas públicas e as práticas advindas.

4.1 O NÃO LUGAR DA INFÂNCIA

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Retornando para a história da civilização, pode-se realizar um panorama de

como a criança foi se constituindo como sujeito de direitos e sendo enunciada pelo

discurso social. Os desdobramentos que foram sendo construídos, ao longo da história

da infância, ainda deixam seus resquícios que, por vezes, podem ser celebrados como

vitórias da humanidade, como por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA); porém, o não cumprimento da legislação por parte de todos os atores sociais,

vivido como uma derrota, contribui para a fragilidade da infância no discurso e nos

laços sociais, que se evidencia no cuidado que o Estado despende às crianças.

No Oriente Antigo, o Código de Hamurábi (1728/1686 a.C.) mostrava o valor

moral transmitido através do conteúdo de sentenças e decisões do rei. Constava no

Código o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram

seus pais, também poderiam ser arrancados os olhos do filho adotivo que pensasse em

retornar aos pais biológicos (AZAMBUJA, 2006).

Os antigos gregos, pouca ou quase nenhuma atenção dispensavam às crianças,

pois em suas pinturas e estátuas não se encontrava a imagem de crianças. Na civilização

espartana, a educação era direcionada para a obediência à autoridade e para o

desenvolvimento das aptidões físicas, que eram fundamentais em um Estado

militarizado. A Lei das XXII Tábuas, utilizada em Roma, entre os anos 303 e 304,

autorizava o pai a matar o filho que nascesse com alguma deficiência física, mediante o

julgamento de cinco vizinhos. Outra lei do mesmo documento afirmava que o pai tinha,

sobre os filhos nascidos de casamento legítimo, o direito de vida, morte e poder de

vendê-los (AZAMBUJA, 2006).

No século XV, a mortalidade infantil era muito alta, causado não só pelas más

condições higiênicas, pobreza, escassez de informações, mas também pelos maus tratos

a que eram submetidas, abandonos e infanticídios, geralmente realizados pelos pais ou

amas-de-leite, revelando uma mentalidade de indiferença pelas crianças. A Igreja e o

poder público consideravam-nas como inacabadas e pecadoras enquanto não fossem

batizadas. As crianças eram identificadas como excremento e os recém-nascidos eram

chamados de ecreme, e a palavra latina merda deu origem à francesa, merdeux, que

significa criança pequena (MÜLLER, 2001). Surgiram asilos para atender as crianças

abandonadas. Nesse mesmo período, começou a emergir um discurso sobre a criança

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em seus primeiros anos de vida, atento às questões da lactação, desmame, dentição,

canção de ninar e passeio, regime alimentar e os primeiros passos (AZAMBUJA, 2006).

Durante muitos séculos, as pessoas eram alertadas quanto ao infortúnio de

serem pais, pois sabiam que não é tarefa fácil. No século XVI, o poeta francês Eustache

Deschamps escreveu: “feliz é aquele que não tem filhos, pois os bebês nada mais são do

que choro e odores fétidos; eles trazem somente problemas de ansiedade” (HEYWOOD,

2004, p.63). Em relação à questão da ansiedade ele tem razão, pois os filhos e as

crianças em geral desafiam a ocuparmos um novo lugar a cada instante, nos remetendo

à nossa própria infância.

Do século XVI até a Revolução Francesa, em 1789, ocorreram fatos

mundialmente significativos que influenciaram na relação dos adultos com as crianças.

Espanha e Portugal dominaram os mares, a Inglaterra tornou-se industrializada e

converteu-se em potência econômica. Nos século XVI e XVII, Descartes inovou nas

ciências com o racionalismo. O Estado e a Justiça intervinham na vida das pessoas, que

viviam cada vez mais de forma desigual, em função das diferenças econômicas e

sociais. Nesse período, a vida foi se particularizando. A infância foi modificada nas

representações iconográficas, aparecia com aspectos de ingenuidade, graciosidade e

brincadeiras. No século XVIII, eram representadas em seu contexto, apareciam no

centro das imagens e por fim sozinhas (ARIÉS, 1981).

A possibilidade das crianças participarem da vida emocional dos pais

potencializou o surgimento do sentimento da necessidade de serem moldados de acordo

com as motivações parentais. Era comum a utilização de castigos, de punições físicas e

espancamentos na rotina das crianças, situação que permanece, refletindo o lugar da

criança no laço parental e social. Os pensadores da época justificavam aos pais que

cuidassem de seus filhos para que não recebessem más influências (AZAMBUJA,

2006). As crianças eram consideradas frágeis e débeis, que deviam ser protegidas para

garantir a honra no futuro. Nesse sentido, a vida das crianças foi sendo tutelada pelo

padre da família e por outros atores que vão surgindo e sendo reconhecidos com o

tempo, como o médico e o professor (MÜLLER, 2001). Nesse período, era observado

um interesse pela higiene e saúde física da criança. Com o desenvolvimento industrial,

os filhos passaram a contribuir com a renda familiar logo que possível. Ocorreram altas

taxas de natalidade.

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No ano de 1841, foi aprovada uma das primeiras leis sobre a limitação do

tempo de trabalho nas fábricas, direcionada à proteção das crianças, “marcando a

primeira guinada de um direito liberal rumo a um direito social” (ÁRIES, 1981, p.148).

No século XIX, a Igreja e a aristocracia perderam o protagonismo para a

burguesia e a industrialização. Também ocorreu a descoberta humanista da

especificidade da infância e da adolescência como idades da vida. Com a ascensão do

individualismo, a casa tornou-se o espaço privado e a rua, o público. O lugar da criança

passou a ser o da instituição familiar. A criança passou a ser objeto de investimento

existencial, ocupando lugar central na família, que “torna-se um lugar de afetividade,

onde se estabelecem relações de sentimentos entre o casal e o filho, lugar de atenção

(bom ou mau)” (ÁRIES, 1981, p.15).

O parto, o nascimento, eram momentos delicados e difíceis, tanto para a mãe

como para o bebê. A taxa de mortalidade maternoinfantil era altíssima, sendo entre 150

e 300 para mil nascidos vivos, durante o século XIX e início do século XX. Quando a

mãe morria no parto ou no período pós-natal, era grande a chance de o bebê também

não sobreviver. Dessa forma, os pais não investiam muito em seus filhos pequenos, pois

não era certa a sua sobrevivência (MAUAD, 2000). Então, não apostavam em alguém

que não estava “pronto” para enfrentar as dificuldades da vida e também não era visto

realmente como um sujeito, uma pessoa em desenvolvimento.

Eram outros pressupostos que balizavam a relação dos pais com seus filhos e

da sociedade com as crianças; os laços parentais e sociais eram muito frágeis, não

garantindo a sobrevivência da criança. As práticas de cuidados e criação estavam

remetidas a um segundo plano, pois a necessidade de sobrevivência e subsistência dos

pais fazia com que, muitas vezes, as crianças fossem abandonadas na rua ou entregues a

outros (MAUAD, 2000). Atualmente, essa ainda é uma prática corrente, embora a ética

que balize as relações entre pais e filhos, crianças e sociedade seja outra, a do cuidado,

da proteção e tutela garantidas pelo Estado, no entanto, ainda observa-se a fragilidade

dos vínculos parentais e sociais

4.2 INFÂNCIA COMO ETAPA DA VIDA

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No século XIX, a criança passou a ser considerada, tanto pela perenização da

linhagem quanto pelo reconhecimento de certa especialidade dessa etapa da vida,

inspirando carinhos e cuidados. Desde o momento em que a mulher sabia que estava

grávida até os sete anos de idade, quando se considerava que a criança tinha superado as

diferentes doenças, ditas da infância, tudo era incerteza e expectativa. O sentimento da

morte de um filho era compensado pelo nascimento de outro (MAUAD, 2000). A

ausência de vacinação regular, o pouco conhecimento de doenças contagiosas e as más

condições de higiene possibilitavam o adoecimento das crianças, muitas vezes levando à

morte. A autora assinala que os sentimentos em relação à morte da criança eram

diferentes de acordo com o tempo de convivência, caracterizando que o afeto não se

dava a priori, mas sim um sentimento pautado em uma relação de convívio e trocas. Na

medida em que crescia o sentimento de pesar pela morte de uma criança, também

crescia a preocupação e os cuidados para a sua sobrevivência. A partir disso, nasceu

uma tendência com uma série de procedimentos para as diferentes etapas da infância,

com ênfase especial para os recém-nascidos e crianças até sete anos. A partir de 1850,

na Europa, o filho passou a ser considerado como um objeto de amor dos pais e sua

morte a ser motivo de luto para os adultos. Nesse período os manuais de educação

sinalizam para a prece infantil e maternal, como forma de aproximar mães e filhos em

torno da aprendizagem da oração.

Os cuidados com filho eram delegados à mãe, que geralmente eram meninas,

em nossos dias, adolescentes. Quanto mais rica a família, mas distante a criança ficava

da mãe, tinham inúmeras pessoas para ajudar a cuidar dos filhos, não apenas parentes,

mas também amas-de-leite, damas, pajens. Naquela época, as mulheres tinham muitos

filhos com pequenos intervalos entre uma gestação e outra, dessa forma a amamentação

era vista como um trabalho exaustivo. Por isso, eram comuns as ‘amas-de-leite’, que

criavam os filhos da corte, na medida em que as mulheres mais abastadas podiam

escolher amamentar seus filhos ou não (MAUAD, 2000).

Fazendo contraponto a essa questão cultural, surge, no fim do século XVIII,

literatura médica que incentivava as mães a amamentarem seus filhos com o seu leite

materno, enfatizando a amamentação como precondição para um crescimento saudável.

No entanto, a Medicina era incipiente, entrando somente na vida de poucos abastados.

Mesmo com essa orientação, muitas mulheres preferiam não amamentar seus filhos para

se ocupar de outras questões, como por exemplo, a beleza e a entrada na vida pública

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(HEYWOOD, 2004). Fundamentados nas teses dos filósofos como Rosseau e Bouffon,

os Tratados de educação física dos meninos (MAUAD, 2000, p.161) foram os

precursores das noções de puericultura, valorizando a vida ao ar livre, a liberdade no

brincar e os cuidados com a higiene. Tudo isso era muito diferente de como os filhos

eram criados até então, pois o modo de criar era passado de mãe para filha, com

orientações de que o bebê ficasse dentro de casa, bem enrolado e protegido e

amamentado pela ama-de-leite.

Em muitos países da Europa, era comum os bebês serem amarrados,

enfaixados com tecidos que impediam qualquer movimento com o corpo, ficando em

contato direto com fezes e urinas por períodos prolongados. Os bebês eram enfaixados

para manter-se aquecidos, acreditava-se que teriam ossos fortes e postura ereta, além de

distinguir a criança de um animal e evitar que fossem mordidos por animais domésticos.

No Brasil, essa forma de cuidado também foi disseminada pela colonização dos

imigrantes (MAUAD, 2000).

A higiene e os cuidados pessoais não eram realizados com as crianças

pequenas, pois várias crenças e práticas eram utilizadas em benefício da saúde e do bem

estar das crianças, embora hoje nos pareçam absurdas e seriam tomadas como

negligência. Um exemplo dessas crenças era não lavar as fraldas, mas secá-las, pois se

acreditava no poder curativo da urina (MAUAD, 2000).

Outro ponto que chama atenção na relação entre pais e filhos, ao longo da

história da humanidade, são o infanticídio e o assassinato dos filhos. Heywood (2004)

destaca que, ao longo da história, houve momentos com números elevados de morte de

crianças de até um ano de idade. Esse índice foi decrescendo; no entanto, o assassinato

de um bebê não era reconhecido como crime. Várias civilizações tinham como código

legal a exposição aberta do infanticídio. Na Islândia no século X, o pai tinha o direito de

mandar matar o filho caso ele fosse ilegítimo, deformado ou se a família não

conseguisse sustentá-lo. O que fica claro, nesse movimento de constituição da infância e

do reconhecimento da criança como sujeito, é que em muitos lugares a criança ainda

não era acolhida como digna de viver, qualquer desvio do esperado era resolvido com a

morte do filho.

Com o advento da prática cristã, esse cenário aos poucos foi mudando, mas na

maioria das vezes, o assassinato de um bebê era visto como pecado e não como crime,

cabendo à Igreja dar a punição aos pais (HEYWOOD, 2004). Essa era uma questão

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vinculada à moral e à religiosidade, na medida em que a criança ainda não era

reconhecida como um sujeito de direitos e que necessitava de cuidados para o seu

desenvolvimento. A Igreja exerceu um importante papel nesse período, mesmo pela

lógica cristã, de que algo escapava ao humano no ato de matar os filhos, e que por isso,

alguma punição deveria ocorrer, se não ainda reconhecida pelo Estado, mas pela Igreja.

Na Idade Moderna, a Igreja começou a perder a sua importância, aumentando o

espaço leigo na organização da sociedade e do Estado. Na Europa nos séculos XV e

XVI, iniciou um movimento de fiscalização e punição pela aplicação de leis, sendo o

foco as mães solteiras, em relação à morte de seus filhos recém-nascidos. No entanto, os

pais casados conseguiam passar impunes pelo assassinato de seus filhos, não havia

como saber exatamente o motivo da morte das crianças, assim era possível colocar que

tinha ocorrido um ‘acidente’. Um facilitador para isso, além da fragilidade do Direito,

era a inexistência da autópsia, que começou a ser realizada no século XVII

(HEYWOOD, 2004).

Segundo Heywood (2004), o infanticídio e o assassinato dos filhos tiveram sua

origem na miséria. Até o final do século XIX, ocorreu um grande número de abortos

tardios. Observa-se que o infanticídio ao longo da história ficou vinculado à mãe

solteira, assim como os processos judiciais eram focados nelas. A mulher que passava

por essa situação tinha a sua reputação abalada, sendo mandada embora de casa,

perdendo o trabalho e ficando em uma posição difícil para encontrar um novo

relacionamento amoroso.

No início do século XX, a melhora do padrão de vida fez com que a prática do

infanticídio fosse menos utilizada. Também ocorreu diminuição nas taxas de

mortalidade infantil, na medida em que começou a aumentar o interesse pela

maternidade e pela educação das crianças. As primeiras preocupações sociais com a

criança surgiram na Inglaterra, França e Alemanha. No ano de 1837, Augusto Frederico

Froebel fundou o primeiro jardim de infância na Alemanha, iniciando um modelo de

cuidado com crianças pequenas. Na Inglaterra, em 1872 e 1897, foram aprovadas leis de

Proteção à Vida Infantil, iniciando outro estatus para a criança no meio social. As

pessoas que cometiam o crime do infanticídio também começaram a ser vistas dentro de

um contexto mais amplo, deixando de ser “monstros” e passando, muitas vezes, a serem

vistas como vítimas da situação de miséria, da intolerância e da sedução masculina. No

século XX, as mães que matavam seus filhos costumavam ser consideradas como

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doentes mentais, precisando assim de tratamento psiquiátrico em vez de punição

(HEYWOOD, 2004). O que não deixava de ser uma punição, na medida em que o

tratamento para a loucura era a exclusão da pessoa do meio onde vivia, passando a

receber tratamento em manicômios distantes e sem prognóstico de alta. Atualmente,

temos os manicômios judiciais que não diferem muito dessa ética do “cuidado” em

saúde mental do século passado.

Outra prática comum era o abandono dos filhos, sendo alto o nível

principalmente nos séculos XVIII e XIX. A maioria das crianças era abandonada com

pouca idade, entre o nascimento e os três meses de vida. A probabilidade de o bebê

sobreviver era mínima, mesmo que estivesse sob os cuidados de um hospital para

enjeitados. Invariavelmente, os pais deixavam seus filhos em lugares de circulação de

pessoas, como igrejas, mercados ou casas de pessoas ricas, pensando na possibilidade

de o filho ser adotado. Ao longo do período moderno, foram sendo criadas instituições

especializadas para crianças, de forma que cada vez menos se encontraram crianças

enjeitadas nas ruas.

Sobreviver não era tarefa fácil para a maioria da população, principalmente

para as crianças. Durante o século XIX, o abandono das crianças na roda dos expostos

ou o recolhimento delas em instituições de abrigamento eram fatos que revelavam as

dificuldades de muitas famílias para garantir a sobrevivência de seus filhos.

Acreditavam que essa era uma maneira de sobrevivência de seus filhos e de tentarem

contornar a pobreza que se agravava cada vez mais. Os hospitais para expostos e as suas

rodas dos expostos possibilitavam que os pais deixassem a criança de forma anônima.

Em um muro da instituição, havia um espaço rotatório onde a criança era deixada, e

girado o eixo, a criança ía para dentro do da instituição. Foi uma forma encontrada em

diversos países da Europa e no Brasil para desestimular o infanticídio. Existem

evidências históricas de que os grandes períodos de abandono dos filhos estão ligados à

situação de crise econômica. “O sinal mais terrível da pobreza que levava muitas mães a

se afastar de um filho era o estado miserável nos quais os bebês chegavam às casas de

enjeitados, como pequenos fardos, doentes e mal enrolados em pedaços de pano velho e

sujo” (HEYWOOD, 2004, p.105).

Os pais tentavam deixar claro que gostariam de reaver seus filhos quando a

situação estivesse melhor. Muitas vezes, deixavam objetos e cartas melancólicas junto à

criança. No entanto, havia uma política de que os pais não pudessem reaver os seus

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filhos, na medida em que se pensava que a instituição poderia criar melhor as crianças

do que os próprios pais que as enjeitaram (HEYWOOD, 2004).

Entre a vida e a morte, havia a mínima possibilidade da vida se sustentar a

essas crianças que eram expostas, oferecidas a outros e à própria sorte. Embora a

infância fosse compreendida como uma etapa da vida, muito ainda teria que se avançar

para que as crianças ocupassem outro lugar no estatuto social.

4.3 A INFÂNCIA NO BRASIL

Resgatar a infância na história do Brasil possibilita entender como a criança foi

lentamente ocupando um lugar no contexto social e se constituindo como sujeito de

direitos. Inicia-se esse resgate histórico no século XVI, onde a atividade rural é a base

econômica do país, sustentada pelo regime de escravidão que também contribuiu para a

manutenção do poder da família patriarcal.

Em meados do século XVII, o Brasil alcançou sucesso econômico e tornou-se

um país exportador. Com o tempo, foram sendo modificadas as características políticas,

econômicas e sociais, na medida em que os interesses portugueses e nacionais não eram

mais os mesmos. No século XVIII, cresceu a economia comercial e de crédito junto

com a agrícola. As cidades litorâneas desenvolveram-se. O poder, que antes era apenas

dos proprietários de terras, passou a ser disputado pela aristocracia e pela burguesia

(MÜLLER, 2001).

A família até então era constituída por escravos e membros consanguíneos ou

não, todos estavam sujeitos aos mandos do proprietário da terra, pois ele sempre tinha a

última palavra em qualquer situação, era autoridade máxima. Essa grande família

possuía como referência o dono das terras, que também era dono da vida das pessoas

que dependiam dele economicamente. A ideia construída de uma grande família feliz e

patriarcal foi difundida na cultura brasileira através do medo a um novo Deus, amparada

na moralidade cristã, que se fundamenta a partir de ideias sobre pecados e castigos.

Em contrapartida, ocorreu a reação indígena às violências civilizadoras nas

aldeias missionárias, provocando fugas e abandono de mulheres e crianças. Para os

escravos negros, afastados de suas famílias de origem, a ideia de uma nova família

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significava criar novos laços de solidariedade em um contexto de opressão, assim como

também para reivindicar lotes de terra. A proposta matrimonial e familiar era

desconhecida pelos índios e pelos negros, sendo parcialmente assumida pelos

portugueses, foi sendo implantada através dos séculos no país (FREYRE, 1992).

Em 1808, a corte portuguesa veio para o Brasil, por fruto de pressões inglesas e

francesas. A organização da sociedade não sofreu grandes alterações, a camada social

dominante era formada pelos proprietários de terras e comerciantes. A Constituição do

Império entrou em vigor no ano de 1824, com influências de ideias liberais europeias,

adotando conceitos de liberdade econômica e de soberania nacional. Apesar de a

Constituição afirmar que a liberdade era inalienável da pessoa, a escravidão foi mantida

e os escravos eram ignorados (MÜLLER, 2001).

A chegada das primeiras crianças portuguesas ao Brasil foi marcada pelo

desamparo. Na condição de órfãs do Rei, eram enviadas com a incumbência de casarem

com os súditos da Coroa. Poucas mulheres vinham nas embarcações e as crianças eram

“obrigadas a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos” (PRIORE, 2000,

p.19).

A vida das crianças sofreu mudanças significativas a partir dessa época, pois as

ideias do que era aceitável socialmente foram sendo introduzidas no cotidiano e nos

costumes brasileiros. A mentalidade do controle caracterizou esse período, ocorreu uma

idealização para as crianças não escravas, onde predominava o controle do

comportamento e das palavras. A espontaneidade não era valorizada, sendo vista como

má educação. As novas normas, com origem europeia, só eram destinadas às crianças da

classe dominante, sendo as outras destinadas à falta dessa educação (MÜLLER, 2001).

Em 1823, no Brasil, o termo criança apareceu pela primeira vez no contexto da

construção do Estado, com os discursos sobre a expansão da instrução e do ensino à

população. Foi somente com o funcionamento das primeiras instituições de ensino

superior que o tema adquiriu maior relevância, especialmente na Medicina (RIZZINI,

1997). Cabe destacar que as crianças viviam afastadas de suas famílias. As ricas eram

enviadas para escolas privadas, os pobres e os índios para as casas de acolhida, escolas

públicas que funcionavam como internato. Os negros eram separados de suas famílias

pela sua venda ou aluguel, como mão-de-obra. Exemplo disso é o anúncio veiculado

pelo Jornal do Comércio em 1850, que dizia “Se vende ou aluga uma rica mucama com

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muito bom leite, parida de dois meses, se vende com cria ou sem ela” (MAGALHÃES;

GIACOMINI, 1983, p.77).

A roda dos expostos foi uma das instituições que teve maior tempo de vida,

iniciando em 1726, em Salvador, na Bahia, e sendo fechada somente em 1950. Por

muito tempo, foi a única instituição no Brasil a atender crianças abandonadas,

cumprindo um importante papel com essa população e com a sociedade. No Rio Grande

do Sul, a primeira roda dos expostos foi criada no ano de 1837, na Santa Casa em Porto

Alegre. Também foram criadas rodas de expostos em Rio Grande (1838) e Pelotas

(1849) (MARCÍLIO, 1999).

A partir de 1860, foram sendo criadas inúmeras instituições de proteção à

infância, sendo públicas ou privadas. Após 1871, as crianças oriundas das camadas

pobres da sociedade, que incluíam os filhos dos escravos livres, passaram a receber

atenção de profissionais de várias áreas.

Na década de 1880, o limite entre o poder do Estado e os direitos individuais

foi se configurando no discurso educativo. Foi nesse contexto que apareceu, pela

primeira vez, a questão de que as crianças eram cidadãs de direitos. A partir desse

momento, o Estado passou a ter responsabilidade sobre elas. Diante desse argumento, as

crianças passaram a ter direito à educação, no entanto, esse direito não foi estendido às

crianças negras (MÜLLER, 2001).

Em relação às crianças negras, cabe destacar a lei 2.040, popularmente

conhecida como a Lei do Ventre Livre (28/09/1871). No entanto, muitas crianças filhas

de escravos permaneceram sendo exploradas pelos senhores, ou desvalorizadas como

mão-de-obra, sendo abandonadas pelos patrões de suas mães, contribuindo para

aumentar a camada de desassistidos (AZAMBUJA, 2006).

No início do século XX, a filantropia teve a função de substituir a caridade,

contemplando a organização da assistência diante das novas exigências sociais,

políticas, econômicas e morais no Brasil. Aos poucos, a criança foi tendo um lugar

parcial de reconhecimento como sujeito, mas ainda não era um cidadão de direitos, o

que vem ocorrer anos mais tarde (MARCÍLIO, 1999).

Ao longo da história, foi sendo construída uma forma de cuidar das crianças,

uma ética do cuidado, que veio sendo resignificada nas relações do cotidiano, no estar

junto com o outro. Esse outro, a criança, foi ocupando lugares diferentes e, portanto,

importância e funções distintas através dos séculos. Passou do lugar de morte, de não

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aposta, para o lugar de quem carrega consigo a possibilidade de um futuro melhor, mais

humano, menos mortífero; um lugar de possíveis apostas, de sujeito.

4.4 A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS NO BRASIL

Na Europa do século XIX, o termo cidadão não tinha o mesmo significado da

atualidade para a infância. A criança era reconhecida como tal, mas apenas exerceria

sua cidadania3 quando adulta. No Brasil, o entendimento atual é de que a criança,

enquanto cidadã, pode usufruir de seus direitos sustentados em lei, no entanto, nem

sempre os mesmos são assegurados.

A partir da proclamação da República, houve expectativa de que o regime

político democrático traria garantias à população, anunciando uma nova nação que tinha

o ímpeto de ser referência para a América do Sul. Porém, o país foi construindo

estratégias sustentadas em sua realidade sócio-histórica, que foram marcadas por

acontecimentos como a sociedade escravocrata, o patrimonialismo, a crise da sociedade

salarial, a fragilidade da sociedade que é cooptada pelo Estado, entre outros

(CARVALHO, 2004).

Nesse novo cenário, muitas crianças vivenciaram crueldades e maus tratos,

desde o núcleo familiar até os confrontos com a polícia, passando por instituições como

a escola, o trabalho, internatos e a rua. A dificuldade de viver levou muitos pais a

abandonarem seus filhos à própria sorte, gerando uma nova demanda no atendimento

social com problemas de dimensões de ordem de Estado com políticas sociais e

legislações específicas. No século XIX, as pessoas que moravam no subúrbio ou em

situações irregulares e impróprias passaram a ser prioridade do atendimento social.

Estas pessoas eram vistas frequentemente trocando de parceiros, constituindo famílias

numerosas, com filhos desnutridos e sem escolaridade e que cresciam sem os cuidados

necessários para o seu desenvolvimento integral. Tinham inúmeras carências, como

3 Cidadania pode ser definida como: “estatuto oriundo do relacionamento existente entre uma pessoa natural e uma sociedade política, conhecida como o Estado, pelo qual a pessoa deve a este obediência e a sociedade lhe deve proteção” (SILVA, 1987, p.177).

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econômica, cultural, emocional que as impeliam para a criminalidade, onde, muitas

vezes, tornavam-se delinquentes (PASSETTI, 2000).

A disseminação da ideia de que a falta da família estruturada era a origem dos

criminosos comuns e dos ativistas políticos fez com que o Estado assumisse a educação,

saúde e punição para crianças e adolescentes pobres; “tendo sempre como objetivo a

tentativa de conter a alegada delinquência latente nas pessoas pobres” (PASSETTI,

2000, p.348).

A partir disso, a integração das pessoas na sociedade desde a infância passou a

ser tarefa do Estado, através de políticas sociais especiais destinadas às crianças e

adolescentes oriundas de famílias desestruturadas, com o objetivo de diminuir a

delinquência e a criminalidade. Nesse movimento das políticas assistencialistas

gerenciadas pelo Estado, a proposta era manter as coisas no seu lugar, ou seja, não havia

uma preocupação com as questões estruturais que geravam a desigualdade, mas sim,

amenizar o risco que a elite sofria, na medida em que os interesses da sociedade são

representados pelo Estado (SCHWARTZMAN, 1988).

No ano de 1905, o Congresso de Budapest classificou os menores necessitados

de proteção especial em três categorias, apontando alternativas para o atendimento: 1)

os física e moralmente abandonados, ainda inocentes, para os quais seria suficiente a

escola premonitória; 2) os física e moralmente abandonados, mas já viciados; e por fim

3) os delinquentes, sendo que para os dois últimos a recomendação de tratamento eram

os reformatórios. As escolas premonitórias e os reformatórios eram instituições

educativas, refletindo a visão da época de que todo o problema da criminalidade

infantojuvenil se resumia na questão da educação. Até o início do século XX, a criança

era vista como um objeto de domínio da Igreja. É no mesmo período que a ciência,

representada pelas áreas da medicina, direito e pedagogia, passa a contribuir para a

formação de um novo entendimento e atendimento à criança, abrindo possibilidades

para uma concepção de reeducação baseada na ciência e não apenas na religião

(AZAMBUJA, 2006).

Foi no século XX que se constituiu, como expressão emblemática do conjunto

dos direitos humanos, o conceito do "direito a ter direito". Esse conceito busca expressar

a condição essencial de cidadania dos sujeitos humanos como elemento fundamental da

noção de direitos. Ser cidadão é condição indispensável para portar, exercer e criar

direitos. Portanto, conceber a criança como sujeito de direitos é considerá-la como um

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cidadão na sua condição própria de criança, no seu presente, como portador de direitos e

capaz de exercê-los (BRASIL, 2002).

Durante o século XX, o Estado passou a zelar pela família monogâmica e

estruturada, buscando a preservação da ordem social, a educação estatal e a integração

de crianças e adolescentes pobres através do trabalho. O Código Civil brasileiro de 1916

imprimiu importantes alterações no campo jurídico, substituiu a expressão “posse dos

filhos” por “proteção à pessoa dos filhos”; disciplinou a adoção e o pátrio poder,

possibilitou o reconhecimento da filiação a qualquer tempo; à mãe legítima era

concedido o exercício do pátrio poder, na falta ou impedimento do pai; abriu também a

possibilidade de investigação de paternidade em casos expressos, entre outras inovações

(AZAMBUJA, 2006).

A partir 1920, as políticas sociais e as ações governamentais começaram a

ocupar o lugar das instituições religiosas no atendimento a essa população. Em 1921,

no Rio de Janeiro, foi criado o serviço de Assistência e Proteção à Infância Abandonada

e Delinquente. O I Congresso Brasileiro sobre a Infância ocorreu no ano seguinte, e em

1923 foi inaugurado o Juizado de Menores, na mesma cidade. Iniciou-se o debate social

sobre a questão da infância, ainda atrelada à questão da normatização e da delinquência,

dando origem ao Primeiro Código de Menores, Decreto 17.943 A, de 12/10/1927

(AZAMBUJA, 2006).

A primeira tentativa de sustentar os direitos da criança internacionalmente

ocorreu em 1924, com a Declaração de Genebra, ratificada pela Liga das Nações. O

texto foi o marco inicial na luta pelos direitos da infância. Em 1948, a Declaração

Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas reafirmou o direito a cuidados e

assistência especial para as crianças. No mesmo ano, a Declaração de Genebra,

mediante a sua revisão, constituiu-se como base para a Declaração dos Direitos da

Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1959 (AZAMBUJA, 2006). A

importância desse documento está na implicação que propõem a todos os segmentos

sociais no cuidado com a infância e na garantia de seus direitos.

No Brasil, em 1964, diante da ausência de políticas voltadas para o amparo

social das crianças, o Governo instituiu a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor

(FUNABEM), por meio da Lei 4.513/64. A prioridade desta política era de prevenção e

controle dos problemas que envolviam as crianças, usando mecanismo que levassem ao

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ajustamento destas, para que não continuassem a ser problemas para o Estado e para a

sociedade.

O segundo Código de Menores, criado em outubro de 1979, foi um instrumento

jurídico que passou a inspirar as práticas sociais na abordagem da questão, cujo texto se

orientava, fundamentalmente, para a integração sociofamiliar do menor, modificando a

visão do problema. Porém, o Código trouxe poucas transformações às ações correntes.

As principais críticas a ele feitas, pelos documentos que fundamentaram a criação do

atual Estatuto da Criança e do Adolescente, centram-se no seu caráter arbitrário e na

adoção das noções de menor em situação irregular e de periculosidade, o que legitimava

qualquer mandado judicial de reclusão (AZAMBUJA, 2006).

Com o fim do regime militar e com a abertura política, o movimento social

começou a pedir a revisão da Constituição Federal e em 1988, foi promulgada uma nova

Constituição, para um novo período de governo democrático (PASSETTI, 2000). A

partir da nova legislação, consolidou-se a condição de sujeito de direitos às crianças e

adolescentes, através do artigo 227.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

A Constituição de 1988 pontua a necessidade de atenção integral à criança e ao

adolescente, em todas as esferas da vida, comprometendo todos os atores sociais na

construção e manutenção de políticas públicas e serviços que subsidiem o

desenvolvimento e os direitos dos mesmos.

Com o avanço das ciências e a mobilização da sociedade civil para promover

mudanças no atendimento às crianças e adolescentes, iniciou-se a partir de 1980 um

período de debates e ações civis na construção de uma nova legislação, que

“privilegiasse as conquistas constitucionais de proteção integral e atendimento

prioritário à infância” (AZAMBUJA, 2006, p.52). A partir desse movimento, surgiram

duas vertentes opostas: uma defendendo a revogação da legislação existente; e outra

propondo uma revisão, pois sustentava a coexistência do Código de Menores com a

nova Constituição Federal. O sucesso da primeira vertente foi fruto de vários

movimentos nacionais, cabendo destacar a Carta de Natal (19/08/1989), o Encontro

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Nacional de Promotores de Justiça, realizado em São Paulo, em agosto de 1989, o

documento elaborado em 12 de outubro de 1989, pela Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB), a Carta-Compromisso de Belo Horizonte, oriunda do XXVI Congresso

Brasileiro de Pediatria e a Moção do Conselho Nacional de Secretários de Educação

apresentada no Pará, no mesmo ano (AZAMBUJA, 2006).

A Convenção Internacional pelos Direitos das Crianças produziu princípios

que influenciaram a legislação brasileira, e também foram adotados pela Assembleia

Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. A Convenção destacou o

reconhecimento dos direitos fundamentais à infância, desde o direito à sobrevivência, ao

desenvolvimento, entre outros. Outro desdobramento importante foi a Reunião da

Cúpula Mundial em Favor da Infância, em 1990, com representações de todos os países,

destacando a prioridade máxima para a infância (AZAMBUJA, 2006).

Em 12 de abril de 1990, a Funabem foi substituída pela Fundação Centro

Brasileira para a Infância e Adolescência (FCBIA). O papel da instituição era o de

formular e coordenar as políticas públicas em defesa dos direitos das crianças e

adolescentes, assim como prestar assessoria técnica às entidades que executassem as

políticas. A Fundação foi extinta em 1995, já na vigência do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) (AZAMBUJA, 2006).

Com a retomada do regime político democrático, em 13 de julho 1990, pela lei

n. 8.069, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela primeira vez as

crianças são tratadas como sujeitos de Direito pelo Estado (PASSETTI, 2000). As

principais inovações do ECA, do ponto de vista jurídico, foram os avanços na

explicitação e na regulamentação dos direitos e garantias das crianças e dos

adolescentes. Passou-se a considerá-los como seres humanos em desenvolvimento,

portanto, dignos de proteção especial pela família, sociedade e Estado, em regime de

responsabilidade compartilhada.

A grande transformação advinda da criação do novo estatuto foi a mudança no

enfoque: em vez de proteger a sociedade dos menores infratores, propõe-se garantir a

proteção à criança e ao adolescente na condição de seres em desenvolvimento. Esses

passaram a ser concebidos não mais como meros objetos de medidas judiciais e sim

como sujeitos de direitos.

Como lei ordinária, o ECA deu corpo aos dispositivos da Constituição

Brasileira de 1988, que garante às crianças e aos adolescentes direitos relativos a todas

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as dimensões do desenvolvimento humano: física, intelectual, emocional, moral,

espiritual e social. O ECA redimensionou o papel do Estado em relação às políticas

sociais. No âmbito nacional tem a função de orientar e supervisionar as ações, mas

reduz o atendimento, abrindo espaço para que as organizações não-governamentais

(ONGs) executem as ações. Inicia uma nova forma de administração do Estado, onde o

mínimo de atendimento é desempenhado pelo Estado, norteado por uma política de

arrecadação de impostos de empresas investidas em ONGs que, por sua vez, se

responsabilizam pelo atendimento de crianças e adolescentes em situação de

vulnerabilidade social. O atendimento sendo realizado pelas ONGs sinaliza para os

cortes de custos governamentais nas áreas de atendimento social, exigidos pelas novas

dimensões da globalização. As ONGs vão ocupando o cenário público e político, na

medida em que o ideário neoliberal alinha-se ao Estado que reduz seus investimentos

sociais, ao mesmo tempo em que cresce a legitimidade das organizações da sociedade

civil (PASSETTI, 2000) .

Desde esse período, instaurou-se no Brasil uma nova era dos direitos da criança

e adolescente, que provocou mudanças significativas na política de atendimento a essa

população, com a criação dos Conselhos de Direitos nas esferas nacional, estadual e

municipal. Os Conselhos de Direitos têm a função de ser o articulador entre o Estado e a

sociedade na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Como desdobramento da

nova legislação, os dois Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH I e II), de

1996 e 2001, respectivamente, contemplaram propostas de ações governamentais na

área da infância e adolescência, a curto, médio e longo prazos (AZAMBUJA, 2006).

O que se observa, ao longo desse percurso de construção da criança como

sujeito de direitos, é um novo paradigma em relação à infância, pautado pela proteção

integral. Velhas práticas jurídicas, sociais e educacionais, aos poucos vão sendo

substituídas por outras que potencializam a criança em seu desenvolvimento e como

cidadão.

Desde o século XX, as carências infantis de todas as ordens têm sido

associadas a uma questão ampla que é a do desenvolvimento econômico, reconhecido

como o ponto central para a solução dos problemas. A infância como uma questão

pública tem sido cada vez mais considerada um dado subordinado ao tema do

desenvolvimento e, considerando-se que os poderes governamentais estão incapacitados

para gerir e fomentar o desenvolvimento econômico, retiram-se dos mesmos poderes e

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obrigações de pensar e gerir a infância como questão de Estado. “Isso é um risco à

civilização ou, para dizer de outra forma, um alimento substancioso à barbárie”

(FREITAS, 1999, p.10).

O resgate histórico sinaliza que a infância está vinculada através dos tempos às

mulheres, quanto ao papel e função destinados a elas; à família, em relação aos seus

conceitos idealizados e forma efetiva de existir; ao trabalho infantil, que continua

existindo; e à escola, em referência ao tempo, ao espaço e qualidade de vida e

estratégias que em momentos oscilam como controle dos corpos, do comportamento,

ora como potencialidade destes.

Outros elementos também fazem parte dessa construção e foram ocorrendo

com diferentes matizes ao longo da história. O saber científico, o poder público e a

Igreja como forças importantes da sociedade, construindo e interferindo no conceito e

na vida da criança. A cultura, muitas vezes, sendo resistência às forças dominantes. As

diferentes classes sociais e as diferenças entre elas, resultando em processos de exclusão

social. As leis e seus desdobramentos implicando no funcionamento da sociedade, assim

como na sua regulação. A família que passou e ainda passa por diferentes

configurações, atualmente reconhecida em lei. A violência social contra a criança, desde

os maus tratos incorporados à cultura, até os massacres.

Somos herdeiros, mais do que nunca, daquela herança que reflete a ousadia dos que um dia disseram não à escravidão, daqueles que ousaram combater uma das formas mais perversas de violação de todos os direitos que existiu na sociedade brasileira, e lutaram, se associaram e se articularam para libertar um grupo de brasileiros que, pelo motivo de ter uma cor de pele diferente, era sacrificado como nós já conhecemos. Nós também somos herdeiros de todas aquelas mulheres que teimaram um dia em dizer que queriam votar neste país e que não queriam ser discriminadas porque elas tinham uma condição sexual diferente da condição do homem. E nós somos herdeiros daqueles meninos e meninas que ao longo destes 500 anos vêm resistindo e lutando só para sobreviver, só para poder acordar todo dia e ter um prato de comida, ter uma casa para viver, uma roupa para vestir e sonhar por frequentar oito anos de escola. E nós somos, hoje, os operadores desta herança histórica de luta e resistência neste país (SILVA, 2000).

Nessa perspectiva, pode-se pensar que a ideia de infância descontextualizada

seria ingênua ou um mero discurso. Identifica-se que não foi fácil o reconhecimento das

crianças como sujeitos de direitos, A noção de infância não é, portanto, uma categoria

natural do desenvolvimento humano, mas uma noção construída historicamente que está

vinculada a campos de saber, tais como a Psicologia, a Pedagogia, a Pediatria, entre

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outros, e de modos de governo sobre os indivíduos. Ao falar de infância, remete-se a

uma construção discursiva que determina posições de ser e viver a infância, tanto por

parte dessas crianças quanto de seus pais, mães, instituições escolares, etc. (CRUZ; et.

al, 2005). O infantil é um dispositivo criado pela modernidade para diferenciar as

crianças - sujeitos pequenos e de pouca idade – dos adultos. É um dispositivo que incita

as crianças a se produzirem em infantis ideais e de acordo com modelos estabelecidos

de como ser criança (CORAZZA, 2000).

O conceito de infância tem pautado a formulação das políticas públicas, linhas

de trabalho das instituições e dos serviços que atendem essa população. A infância

brasileira na atualidade pode ser vista de ângulos diferentes, sendo que se destaca a

criança na lei, que com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990)

passou a ter a condição de criança cidadã, o que compreende entender que são sujeitos de

direitos.

Encontrar o ponto de convergência entre infância e saúde pública auxilia no

entendimento de como as práticas em saúde foram compreendendo a infância e

desenvolvendo intervenções, através de políticas públicas em saúde para essa população.

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5 INFÂNCIA E SAÚDE PÚBLICA: CONVERGÊNCIAS

Articular a infância e a saúde pública como dois marcos de conquistas sociais,

históricas e políticas configura-se como pertinente, pois foi visto nos capítulos

anteriores que a construção dessas concepções foi significativa, potencializando que

outras formas de operar no social fossem possíveis. Assim será feito o resgate histórico

do campo em comum entre essas duas categorias, de infância enquanto sujeito em

desenvolvimento e saúde pública, como direito fundamental.

O objetivo de buscar essa articulação é compreender como a saúde tem tomado

a criança e os cuidados que a ele dirige, seja através de programas específicos, políticas

públicas ou outras intervenções, entendendo assim os diferentes modos de vincular

saúde e infância. É com o intuito de promover um distanciamento da afirmação de uma

concepção de infância e criança como categorias fixas e naturalizadas que a análise

volta-se, “[...] mas para os discursos que nos fazem dizer o que dizemos sobre o infantil,

outorgando sentidos aos conceitos que se constroem sobre o mesmo, a partir de

determinadas categorizações, medidas e comparações” (HILLESHEIN, 2008, p. 37).

Até o momento, pode-se identificar, através da história da infância, que só foi

possível a saúde em relação à infância emergir como questão, quando o Estado passou a

investir na vida da população e, por isso, investiu naqueles que antes eram adultos

pequenos, mas que passaram a ser vistos como crianças. É neste sentido que esse

capítulo se articula, problematizando as condições de possibilidade para o aparecimento

da criança como objeto das políticas públicas de saúde no Brasil. Esse período

corresponde à construção de políticas públicas de saúde no Brasil e ocorreu a partir de

meados da proclamação da República até a institucionalização do SUS. Mais

especificamente, o período em que a saúde passou a ser uma política pública e assumiu

características de saúde pública.

O período histórico de 1889 a 1988, como processo de construção da Saúde

Pública no Brasil, é, também, e não por acaso, o período de desenvolvimento do

racionalismo no Brasil. O racionalismo como forma de conhecer o mundo, a partir do

século XVII, marcou o desaparecimento das similitudes (magia, superstições e crenças)

como forma de conhecer as coisas e inaugurou a natureza da ordem científica, alterando

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o modo como as pessoas passaram a conhecer a si mesmas (FOUCAULT, 2007). A

racionalidade, a partir do Estado moderno, passou a orientar o conjunto da conduta

humana e não apenas os aspectos que dizem respeito à produção de conhecimento.

Passou-se a racionalização da gestão do indivíduo através da biopolítica, como forma de

controle sobre a vida da população. A biopolítica, como um controle contínuo sobre a

vida, conduziu a uma ampliação do saber sobre a população, vinculando saber e poder

na produção de modos de existência na modernidade.

Nessa época, o Brasil viveu a necessidade de fazer o país crescer e progredir

para romper com o atraso, a ignorância e a barbárie que imperou durante o Império.

Nesse momento, foi preciso emancipar-se e criar uma identidade nacional. Também foi

necessário reformular as bases econômicas e sociais que estavam baseadas no modelo

escravista de exploração da mão-de-obra. Foi, portanto, necessário investir na produção

de trabalhadores livres, foi preciso educar e dar assistência à saúde dos trabalhadores em

potencial. Para tanto, foi fundamental modificar as estruturas de saúde existentes no

Brasil Colônia, pois até aquele momento a população esteve à mercê de métodos

precários, como a realização de sangrias e purgações que levou à morte muitas pessoas.

Assim como as práticas mágicas e místicas que eram utilizadas pela grande maioria da

população.

A necessidade de garantir mão-de-obra para atuar nas novas estruturas de

trabalho deflagrou um processo de investimento do Estado na vida da população. Foi

preciso investir na saúde das pessoas e na construção de uma política de saúde que

garantisse as necessidades emergentes. Diante disso, a saúde passou a ser uma

preocupação do Estado quando a vida das pessoas, em especial a vida produtiva, passou

a ser uma necessidade ao desenvolvimento das estruturas produtivas capitalistas. É

nesse contexto que a criança passou a ter importância para o Estado e deixou de ser

objeto de interesse apenas da família e da Igreja para tornar-se uma questão de cunho

social e de competência administrativa do Estado (RIZZINI, 1997).

Dessa forma a saúde passou a ser uma prática do Estado e iniciou suas

configurações de uma saúde pública, fundamentando-se no discurso racionalista e

cientifícista e, portanto, em uma noção de verdade sobre a saúde da população. O

conceito de saúde emergente na época compreendeu saúde como decorrente de

processos biológicos e esquemas binários e se pautou em intervenções técnicas que

procuraram moldar e reformar os sujeitos de acordo com modelos previamente

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definidos como normal/anormal e saudável/doentio. Essa racionalidade organizou as

intervenções em saúde a partir de modelos dicotômicos individual e coletivo, privado e

público, biológico e social, curativo e preventivo, saúde e doença, normal e patológico.

A criança era identificada dentro desses modelos dicotômicos: é criança aquele

sujeito que ainda não é um adulto e que, portanto, precisa de investimento. A infância

como uma etapa da vida foi definida minuciosamente em suas características baseadas

naquilo que daria condições de resultar em um adulto bem desenvolvido fisicamente,

cognitivamente e psiquicamente, saudável, racional, bem sucedido, apto ao trabalho e

adepto dos valores morais da sociedade. Uma série de saberes científicos foi

desenvolvida a partir da identificação da criança normal e da criança anormal,

conhecimentos baseados em quantificações e médias estatísticas (crescimento normal e

crescimento anormal, desenvolvimento na média e desenvolvimento fora da média). As

crianças consideradas fora dessas médias passaram a ser anormais e, portanto,

necessitavam de intervenções que as aproximassem ao máximo da normalidade infantil.

A saúde pública constituiu um modo de ser criança e tornou patologia o restante.

5.1 PRÁTICAS FILANTRÓPICAS E MODOS DE CUIDAR DA INFÂNCIA

As intervenções na saúde pública iniciaram incipientes no começo do século

XX, com a inspeção das amas de leite, passando progressivamente para a higiene e

assistência à criança. Inicialmente, as práticas em saúde ligadas às instituições foram

direcionadas às crianças pobres e restringiam-se basicamente à entrega das crianças para

a Roda dos Expostos, questão que já foi abordada em capítulo anterior (MARCÍLIO,

1999). Os médicos higienistas, diante do altíssimo índice de mortalidade das crianças

que viviam nessas casas, começaram a investir na saúde destas. Estes, a partir de

argumentos baseados na moral e nos conhecimentos adquiridos pela ciência médica,

eram contrários à permanência das Rodas.

A ampliação da saúde como questão para o Estado foi decorrência da

mobilização de atores sociais e entidades filantrópicas em torno de questões como a

fome, a desnutrição e da própria questão nacional. Como consequência, foram fundadas

entidades filantrópicas destinadas às crianças e, entre 1901 e 1927, houve proliferação

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dessas instituições. A filantropia surgiu em decorrência da laicização do Estado a partir

do período pós-república e consistia em parcerias entre filantropos e o Estado para

realizarem práticas assistencialistas aos pobres. O desenvolvimento da filantropia no

Brasil está associado à emergência da sociedade liberal, no contexto de

desenvolvimento do capitalismo como expressão do sentido moderno de

humanitarismo.

A filantropia entrou em cena para atender às demandas impostas pela instituição de uma nova ordem política, econômica e social. A força da filantropia resultou da urgência em ajustar as bases do Estado liberal, na lógica capitalista, à realidade da sociedade moderna, uma espécie de ajuste entre liberdade e ordem; mercado livre e trabalho (RIZZINI, 1997, p. 94).

A partir da filantropia, o médico Arthur Moncorvo Filho, em 1899, criou o

Instituto de Proteção e Assistência à Infância, que realizava atendimentos médicos de

forma filantrópica e outras atividades de assistência às crianças realizadas pelas esposas

dos associados. Até 1921, Moncorvo Filho teria organizado 21 institutos desse gênero

no Brasil. Também por iniciativa de Moncorvo Filho criou-se, em 1919, o

Departamento Nacional da Criança, órgão responsável pela assistência às mães e a

crianças e adolescentes com auxílios privados e públicos. A proposta era tornar o

Departamento um órgão público de cuidado à infância, pois ele acreditava que o poder

público deveria assumir o papel reservado aos pais das crianças pobres para protegê-las

da miséria e delinquência (WADSWORTH, 1999).

As reformas em prol da criança caracterizaram o movimento de adaptação das

instituições às demandas do sistema capitalista emergente. Assim, a prática filantrópica

era carregada do interesse de salvá-las das más influências que a sociedade às expunha,

na tentativa prevenir que se tornassem viciosas e ociosas. A medicina social, afinada

com o interesse de preservar a criança, tomou-a como objeto de intervenção a partir das

noções de higiene, como condição primordial para se atingir o progresso do país. O

Estado, através das ações filantrópicas, buscou o controle da sociedade de forma a

desviá-la do imoralismo e da ociosidade, vinculando o discurso médico às necessidades

do capitalismo emergente (RIZZINI, 1997).

5.2 HIGIENISMO E CONTROLE DOS CORPOS

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A medicina, neste contexto de capitalismo emergente, fomentou a preocupação

do Estado com a saúde da população, que passou a ter influência nos rumos que

marcaram as intervenções estatais. Dentre as consequências advindas, entre os anos de

1890 a 1900, nas principais cidades brasileiras, os médicos higienistas receberam

incentivos do governo federal para ocupar cargos importantes na administração pública.

O objetivo era resolver as situações de epidemias de varíola, febre amarela, peste

bubônica, febre tifóide e cólera, que eram efeitos das transformações sociopolíticas e

econômicas que aconteceram no Brasil, devido ao desenvolvimento das indústrias que

acarretaram um inchaço das cidades. Este aumento acelerado e sem planejamento gerou

problemas de saneamento básico e violência nas cidades que se encontravam

despreparadas para receber as pessoas.

O pano de fundo para as intervenções higienistas e saneadoras da sociedade se

baseou no positivismo, nas teorias evolucionistas e eugênicas, que apostavam que a

ciência, através de seus conhecimentos, poderia promover o desenvolvimento e

modernização do país. As teorias evolucionistas influenciaram no modo como se

identificou a infância, e a população em geral, nesse sentido, a infância foi definida

como uma etapa que antecede a vida adulta, e as classes pobres, como populações que

precisam ser investidas para que se desenvolvam. Dado o reconhecido atraso do Brasil e

as incontáveis dificuldades de seu povo, o trabalho do Estado era não só o de educar as

crianças para uma nação forte, mas a de educar um povo-criança, um povo que se

encontrava ainda em sua fase de infância (RIZZINI, 1997).

Em função da industrialização, as crianças foram iniciadas precocemente nas

atividades produtivas e também nas atividades ilegais como forma de garantir a

sobrevivência. As crianças foram exploradas pelas indústrias que as contrataram com

salários inferiores aos dos adultos. As péssimas condições trabalhistas se intensificaram

com as más condições do ambiente de trabalho a que eram expostas, desde o ar

impregnado de partículas nocivas até a alta exposição a acidentes de trabalho. Os

higienistas começaram a considerar insalubres e inadequadas as condições de trabalho

impostas às crianças. E, por consequência, foram denunciando-as, principalmente, os

altos índices de crianças vítimas de tuberculose. Chamavam atenção para as jornadas

excessivas de trabalho e, principalmente, para o esforço contínuo e intenso a que eram

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submetidos os organismos infantis ainda em desenvolvimento e muitas vezes frágeis

(MOURA, 2004).

Os higienistas, através de suas práticas saneadoras, buscaram intervir sobre os

focos da doença e da desordem, que foram identificados basicamente nas camadas mais

pobres da população. Diante disso, a pobreza passou a ser entendida como um problema

social que impedia o progresso da sociedade, necessitando de intervenções, de forma a

normalizá-las e moralizá-las. Houve uma série de investimentos nas características

biológicas da população, no sentido de potencializá-las e assegurar-lhes a sujeição dos

corpos para aumentar sua utilidade de acordo com as necessidades do Estado. Uma das

consequências disso foi o investimento na criança e na medicalização (MOURA, 2004).

O investimento na criança, com o intuito de formar adultos saudáveis e aptos às

características do sistema produtivo do país, gerou uma fragmentação no modo como a

criança foi definida, a “criança normal” e a “criança anormal”. A partir dessa dicotomia,

a medicina interviu na infância através de um viés preventivo, promovendo uma

pedagogização da população com o objetivo de prevenir o desenvolvimento anormal da

criança. A anormalidade da criança, como por exemplo, com mal-formações congênitas,

com dificuldade de aprendizagem e delinquentes, seria caracterizada como o que foge

da ordem dominante e que sai do controle da sociedade. Esse movimento consistiu em

uma moralização da natureza e numa naturalização da moral (LOBO, 2000).

A família foi responsabilizada pela sobrevivência e evolução das crianças, para

garantir que esse período de desenvolvimento se tornasse útil. A criança foi identificada

como um projeto em potencial, que era preciso moldar, moralizar e civilizar, para

garantir o desenvolvimento da nação. Isso gerou uma intensificação na relação entre

pais e filhos e uma série de práticas direcionadas à criança foram inventadas em função

de obrigações de saúde: “obrigações de ordem física (cuidados, contatos, higiene,

limpeza, proximidade atenta); amamentação das crianças pelas mães; preocupação com

um vestuário sadio; exercícios físicos para assegurar o bom desenvolvimento do

organismo: corpo a corpo permanente e coercitivo entre os adultos e as crianças”

(FOUCAULT, 2004, p. 199).

O processo de investimento na infância pelas práticas de poder incitou a

construção de diferentes saberes especializados sobre as crianças. Muitas disciplinas

passaram a produzir conhecimentos sobre a criança: psicologia, pedagogia, direito,

medicina, pediatria, etc. Deve-se ter claro que não há produção de saberes neutros, pois

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o saber é sempre político. Saber e poder constituem-se mutuamente, “não há relação de

poder sem a constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo

saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo

tempo, um lugar de formação de saber” (MACHADO, 2004, p. XXI). Por isso, os

saberes sobre a criança, na medida em que afirmam verdades sobre ela, a classificam e

delimitam segundo determinados modelos de sujeito.

A criança foi tomada pela medicina como forma de diminuir a mortalidade

infantil através de intervenções de formação moral, física e intelectual, de forma a ditar

regras e normas de preparo e aperfeiçoamento dos futuros “homens da sociedade”. A

investida higienista na moralização da criança resultou na transformação da família que,

organizada ainda nos moldes da estrutura colonial, precisou de intervenções para atingir

os ideais higienistas. Impôs-se à família uma educação física, moral, intelectual e sexual

inspiradas nos preceitos sanitários da época (COSTA, 2004).

A intervenção higienista esteve associada à noção de que as famílias que não se

adequassem aos moldes morais eram consideradas desestruturadas e, por consequência,

produtoras de crianças delinquentes e abandonadas. O Estado passou a intervir para

conter o abandono e a delinquência, como tentativa de barrar o avanço da imoralidade

na sociedade. Estas intervenções visaram integrar os indivíduos na sociedade por meio

de políticas públicas especiais destinadas às crianças das famílias desestruturadas,

principalmente através do método da internação. Associou-se o tratamento médico a

medidas jurídicas no combate ao indivíduo perigoso (PASSETI, 2004). Nesse contexto,

surgiu outra dicotomização no entendimento da infância: as crianças das famílias pobres

e “desestruturadas” foram identificadas como delinquentes, ligadas às instituições como

o presídio, o orfanato e o asilo, e passaram a ser nominadas como “menor”. E a criança

das famílias abastadas e consideradas “normais”, passou a ser considerada parâmetro de

normalidade infantil, ou seja, a criança (BULCÃO, 2002).

5.3 INTERVENÇÕES DO ESTADO NA ATENÇÃO DA SAÚDE INFANTIL

A criança passou a ser um problema do Estado, e este começou a desenvolver

intervenções para que se garantisse a essas crianças a possibilidade de serem o futuro do

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país. Foi nesse contexto que começou a ser instituída uma série de documentos,

regulamentos e datas que oficializaram a criança como sujeito de preocupação e

investimentos por parte do Estado.

O destaque para a questão da infância iniciou com os imigrantes que chegaram

ao Brasil, para atuar nos grandes centros urbanos, contribuindo para chamar a atenção

dos governantes diante os direitos humanos e, por conseguinte, das crianças. No ano de

1922, foi realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância. Em 1932,

“... Getúlio Vargas... o primeiro Chefe da Nação a preocupar-se com a importância que

assumia para nós a proteção à infância e maternidade... na sua mensagem de Natal,

ecoando por todo o Brasil, conclamou os Interventores para tão patriótica cruzada...”

(ARQUIVOS DE HIGIENE, apud MASSAKO, 1994, p.87).

Nesse caminho, foi criado, em 1923, o regulamento de proteção aos menores

abandonados, através do decreto nº. 16.272, reconhecendo a situação de pobreza como

geradora de crianças abandonadas.

Em comemoração ao dia 12 de outubro, institucionalizado pelo decreto n.

4.867 de 1924, como dia da festa da criança em todo o país, nessa empreitada foram

realizadas sessões solenes, visitas e distribuições de brinquedos, concursos de robustez,

publicação de artigos sobre a criança e intensa propaganda nos rádios e jornais. Como

marca destes dois momentos a criança foi enaltecida como o futuro da nação:

[...] atendendo à necessidade fundamental de zelar pelo aperfeiçoamento da raça e defender as fontes de renovação do organismo da nacionalidade, o governo da República sob a direção esclarecida do Presidente Getúlio Vargas traçou para todo o país um largo programa de proteção à maternidade, à infância, à adolescência... o Governo Nacional empenha-se decididamente na valorização do elemento humano nacional e no preparo eugênico e racial da infância e da juventude para que elas possam enfrentar e vencer as inegáveis dificuldades da vida social contemporânea (ARQUIVOS DE HIGIENE, apud MASSAKO, 1994, p.87).

O investimento na criança tendo o racionalismo, a eugenia e positivismo como

norteadores, foi claramente partidário da construção de um modelo ideal de crianças,

onde deveriam ser brancas, limpas, sadias, educadas e de famílias estruturadas. O

agraciamento pela criança branca e saudável colocou a eugenia como parâmetro do que

deveria ser incentivado na sociedade. Dessa forma, devia ser evitado o cruzamento entre

diferentes raças e ocorria a separação dessas no contexto social.

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No ano de 1937, o presidente Getúlio Vargas instituiu a Ditadura do Estado

Novo com o Programa de Reconstrução Nacional, que pretendeu articular educação,

saúde e cultura como prioridades. Dentre outras coisas, centralizou o poder

governamental na instância federal e bloqueou as reivindicações sociais. As reformas de

1937 demarcaram uma posição particular da saúde da criança nas propostas para a

política de saúde. Neste ano foi criado o Instituto Nacional da Criança e a Divisão de

Amparo à Maternidade e à Infância que, logo depois, em 1940, foi extinta com a criação

do Departamento Nacional da Criança (DNCr). Em 1942, Vargas criou a Legião

Brasileira de Assistência, instalando postos de puericultura em muitos municípios.

A segunda Constituição do governo Vargas, de 1937, tomou a criança como

objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, rompendo com a fronteira

entre público e privado assegurada pelo pensamento liberal. A criança passou a ser

responsabilidade do Estado.

Art.127: A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda ou educação, e cria para o Estado o dever de provê-las de conforto e dos cuidados indispensáveis à sua preservação física e moral (BRASIL, 1937).

Em 1945, foi realizada a Semana da Criança e a Campanha da Redenção da

Criança. Para essa campanha foi solicitada a colaboração de todos

[...] para que, por intermédio do rádio, imprensa e palestras, soasse, em todos os lares, a voz amiga dos batalhadores da Cruzada do Bem, a penetrar fundo nos ambientes Sagrados da família para pedir aos ricos a sobra de suas migalhas em prol de tão noblitante campanha e aos pobres a cooperação de sua frequência aos serviços de assistência à Maternidade e Infância, mantidos pelos poderes públicos e instituições particulares, nos Centros de Saúde ou Postos de Puericultura... que, por certo, valorizada a saúde de seus filhos, terão maior desenvolvimento econômico, maior fomento à riqueza pública (ARQUIVOS DE HIGIENE, apud MASSAKO, 1994, p.88).

O Estado intensificou sua atuação na atenção à criança em 1940, com o

desenvolvimento do Departamento Nacional da Criança. A partir dos 50, com o

processo de reconstrução nacional, após a Segunda Guerra Mundial de 1942, emergiu a

proposta de atenção maternoinfantil. No mesmo período, em Assembleia da ONU, as

ações da UNICEF foram estendidas a quase todos os países do mundo. Em 1959, a

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ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a criança passou a ser

considerada, pela primeira vez na história, prioridade absoluta e sujeito de Direitos em

nível mundial. No mesmo segmento à Declaração Universal dos Direitos Humanos, a

declaração dos direitos das crianças está calcada num modelo universalizante de

infância que considera esse período a partir de determinados modos de ser.

A partir do período da ditadura militar, especialmente entre 1968 e 1974,

conhecido como o período do Milagre Econômico, o Brasil foi elevado a 8º potência

econômica capitalista. A saúde foi utilizada como propaganda pelos militares como

forma de divulgar as conquistas da ditadura. No entanto, nesse período, houve uma

crescente redução do orçamento do Ministério da Saúde e uma grande restrição de suas

funções. Os problemas de saúde da população aumentaram, em decorrência do escasso

investimento em distribuição de água tratada e de coleta de esgoto.

Em decorrência dos problemas sociais da Segunda Guerra e da instauração da

Guerra Fria, durante a ditadura militar no Brasil foi criado a Doutrina de Segurança

Nacional (DSN) e a proposta de Desenvolvimento da Comunidade (DC). A DSN e a

DC foram base para a criação do projeto Casulo, primeiro programa de educação

infantil de massa implantado pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1977.

A existência de desigualdades sociais foi explicada através de processos de

causas circulares, onde os pobres estavam, por insuficiência, desintegrados do processo

de desenvolvimento. Para por fim a esta desintegração foi necessário atuar, de forma

integrada, nas áreas da saúde, alimentação e educação, principalmente junto às crianças,

prevenindo-as do destino que a pobreza lhes reservava (ROSEMBERG, 2003, p. 146-7).

Em 1977, foi definida pelo Ministério da Saúde a vacinação obrigatória para

menores de um ano de idade em todo o Brasil e aprovado o modelo de Caderneta de

Vacinação. Em 1983, a Divisão Nacional Materno Infantil (DINSAMI) elaborou o

Programa de Assistência Integral da Mulher e da Criança (PAISMC) com o objetivo de

reduzir a morbimortalidade materna e infantil, incrementando a cobertura e a

capacidade resolutiva da rede pública de serviços de saúde do país. Posteriormente,

houve a separação do programa da mulher, passando, então, a ser denominado

Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC) hoje NAISC - Núcleo de

Atenção Integral à Saúde da Criança.

Em 1986, foi criada a Campanha Zé Gotinha, personagem símbolo da

erradicação da poliomielite. Um ano depois, foi assinado pelo Presidente da República o

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plano de ação quinzenal (1987/1991), prevendo a erradicação da paralisia infantil no

país até 1990.

A saúde da criança, na década de 80, atingiu um nível de práticas de cuidado à

saúde da criança que esteve associado a um conjunto de leis, regulamentos e lógicas de

intervenção para garantir o desenvolvimento do capitalismo. No entanto, se baseou em

práticas que reforçaram um modo de ser criança que universalizou a infância como

efeito de uma tecnologia política que tomou os traços biológicos da população como

elementos da gestão do Estado e dos indivíduos. A criança da saúde pública é aquela

criança que precisa ser investida de práticas para que se atinja um fim determinado,

tornar-se o adulto produtivo e saneado. A saúde pública, nesse sentido, se organizou

como um regime de verdade, que prescreveu modos universalizantes e práticas

sanitárias que não consideravam a ordem simbólica e histórica ao analisar as condições

de vida e saúde das populações. Assim, os profissionais de saúde não consideravam a

significação diferencial dos corpos, realizando-se, então, práticas de assepsia

(BIRMAN, 2005).

A saúde pública, na modernidade, se construiu por um conjunto de práticas que

enunciaram a verdade do sujeito criança e o ligou a uma determinada identidade.

Produzindo, dessa maneira, o sujeito infantil, ao mesmo tempo em que estabeleceu o

adulto como parâmetro de normalidade, isto é, racional e moral, como meta do processo

de assujeitamento da criança. A infância é considerada pela saúde pública como um

período crucial do desenvolvimento humano em que deve receber maiores cuidados,

sendo esta fase importante para a garantia de um futuro saudável.

5.4 A SAÚDE COMO DIREITO NA INFÂNCIA

O final da década de 1970 marcou os primeiros esforços para a produção de

outros modelos de atenção à saúde da população. Nesse período, começou o

questionamento das bases teóricas, políticas e econômicas do fazer em saúde no Brasil.

O país vivia os últimos anos da Ditadura Militar e estava sendo influenciado pelos

movimentos internacionais que apontavam para outros modos de fazer saúde. Dentre

esses movimentos, destaca-se a Declaração de Alma-Ata, Conferência Internacional

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sobre cuidados primários de saúde, de 1978, que estabeleceu como prioridade a

proposta de atenção básica como uma crítica às intervenções em saúde que investiam

apenas na recuperação da saúde e na prevenção da doença. A saúde foi definida como

completo bem-estar físico, mental e social e não apenas como ausência de doença ou

enfermidade. A saúde foi assumida como um direito humano fundamental, e oferecer os

melhores níveis de saúde passou a ser a mais importante meta social mundial. Assumiu-

se que a promoção e proteção da saúde dos povos são essenciais para o contínuo

desenvolvimento econômico e social e contribuem para a melhor qualidade de vida e

para a paz mundial. As ações de saúde da criança, assim como as demais ações de

saúde, passariam a ser consideradas em seu âmbito de cuidados primários de saúde.

No mesmo viés da proposta de saúde de Alma-Ata, foi constituído o

movimento da medicina integral, que intensificou a crítica à prática médica privatista,

universalizante e biológica centrada. Esse movimento questionou a postura fragmentária

que os médicos tinham com seus pacientes e o fato de estarem inseridos em um sistema

que privilegiou as especialidades pautadas em sistemas anátomo-fisiológicos. A

medicina integral pressupôs que a integralidade era uma recusa dos médicos a reduzir

práticas que consideravam apenas o aparelho ou sistema biológico e o foco centrado na

doença. A partir de 1970, o movimento de Saúde Coletiva no Brasil estendeu-se às

demais profissões da área da saúde (MATTOS, 2001). No mesmo período, foram

criados a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) e o

Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES). Movimentos estes que deram subsídio

para o desenvolvimento da reforma sanitária, que formulou críticas à medicalização da

sociedade e ao saber médico e à sua racionalidade.

A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, representou o

movimento de transformação do quadro da saúde no Brasil, possuindo caráter

democrático e dinâmico processual. Esta conferência deu suporte para a elaboração da

Constituição Federal de 1988, a qual incorporou a nova lógica referida pelos princípios

da reforma sanitária e da saúde coletiva. A Saúde Coletiva é um campo científico

produtor de saberes e conhecimentos acerca da saúde que influenciou e influencia o

processo de construção do SUS. É um âmbito de práticas onde se realizam ações em

diferentes organizações e instituições, de saúde ou não, por diferentes atores sociais.

Não se constitui, assim, um paradigma científico, mas um campo científico que compõe

as práticas de saúde do SUS em conjunto com os demais movimentos na construção das

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políticas públicas de saúde (PAIM; ALMEIDA FILHO, 2000). O SUS delineia-se como

alternativa ética e política ao modelo de assistência à saúde, na medida em que se

configura como um modelo de atenção integral à saúde da população. Saúde passa a ser

direito dos cidadãos e seus serviços e ações devem ser providos de forma

descentralizada e submetidos ao controle social.

A saúde coletiva, como um campo de conhecimento e de práticas, contribui

para recolocar a saúde como um problema a ser conhecido e que necessita de

intervenções e políticas públicas de saúde que dêem conta da crítica ao modelo de saúde

pública. Este conceito de saúde não considera apenas a dimensão biológica, mas inclui

as dimensões simbólica, ética e política, privilegiando-se sua composição de forma

interdisciplinar e transdisciplinar.

Desde o início do SUS, a infância possui um campo específico de organização,

formulação e execução de políticas. A saúde da criança está inserida como uma ação

programática estratégica dentro da Atenção à Saúde. Para o Ministério da Saúde,

atenção à saúde “é tudo que envolve o cuidado com a saúde do ser humano, incluindo as

ações e serviços de promoção, prevenção, reabilitação e tratamento de doenças”

(BRASIL, 2008). E ações programáticas estratégicas são conteúdos programáticos,

normas técnico-gerenciais, métodos e instrumentos que reorientem o modelo de atenção

à saúde. O objetivo é promover o desenvolvimento de estratégias que permitam a

organização da atenção à saúde, dando ênfase à atenção básica, visando fortalecer o

acesso, a equidade e a integralidade das ações e serviços prestados etc (BRASIL, 2008).

A saúde da criança no Ministério da Saúde é operada pela Área técnica de

Saúde da Criança e Aleitamento Materno e tem como objetivo elaborar, desenvolver e

apoiar as diretrizes políticas e técnicas para atenção integral à saúde da criança de 0 a 10

anos de idade, junto aos estados e municípios da união. Essa área é organizada a partir

da concepção de atenção integral, sustentada pela lógica do cuidado capaz de articular a

saúde como um processo que vincula ações e serviços de promoção, prevenção,

reabilitação e tratamento de doença. A noção de cuidado vincula-se à discussão ética na

saúde, pois questiona os modos do fazer saúde e a relação entre profissionais e usuários.

O cuidado em saúde coloca o usuário como o centro das intervenções. As

necessidades dos sujeitos são o ponto de partida para construção de um novo modo de

operar a gestão do cuidado em saúde. A gestão do cuidado deve ser realizada por

trabalhadores comprometidos éticopoliticamente com a defesa da vida individual e

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coletiva. O processo de trabalho não estaria centrado na realização de protocolos e

procedimentos de forma burocrática, mas no trabalho vivo em ato, que opera com a

invenção do trabalho em função das necessidades demandadas pelos sujeitos. Intervém,

assim, com tecnologias de relação, através do encontro entre profissionais e usuários,

oferecendo um grau de liberdade na escolha do modo de fazer a produção do cuidado

(MERHY, 2002).

As políticas públicas de saúde direcionadas à infância oferecem uma cobertura

integral à saúde da criança. Para isso, criaram uma série de intervenções de promoção,

prevenção, terapêutica e recuperação de saúde. A principal preocupação do Ministério

da Saúde com a saúde da criança é a diminuição dos índices de mortalidade que, em sua

maioria, podem ser evitados com ações resolutivas e qualificadas de prevenção e

promoção de saúde.

De acordo com a Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e

Redução da Mortalidade Infantil (BRASIL, 2005) a atenção à saúde da criança deve

garantir o direito de acesso aos serviços de saúde, com enfoque na integralidade do

indivíduo e da assistência, que garantam a resolutibilidade adequada e promovam a

equidade ao assumir o desafio da conformação de uma rede única integrada de

assistência. O Ministério da Saúde, ao criar uma área técnica especifica em relação à

atenção integral à saúde da criança, toma a infância como um momento de vida

específico que deve ser investido de cuidados e atenção.

Dentre as inúmeras frentes de trabalho preconizadas pelo SUS, destaca-se a

atenção em saúde mental para infância, na medida em que apresenta uma proposta de

clínica ampliada e de rede, atenta a todas as questões do desenvolvimento integral nessa

etapa da vida.

5.5 ESPECIFICIDADES DA INFÂNCIA: CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

A sociedade brasileira e o Estado têm um compromisso de resgate da dívida

histórica de reversão de um enfoque institucionalizante, estigmatizante e excludente no

tratamento das questões sociais e sanitárias, que atingem importante parte da população,

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em especial das camadas mais desfavorecidas economicamente, produzindo um novo

olhar e novas práticas de cuidado em saúde mental. As ações dirigidas às crianças e

adolescentes atravessaram uma história circunscrita a um ideário de proteção, que,

paradoxalmente, redundou na construção de um modelo de assistência com forte

tendência à institucionalização e em uma concepção segmentada, não integradora, da

população infantojuvenil.

No início do século XX, se propagou a importância da assistência a crianças e

adolescentes, principalmente porque eles representavam um futuro diferenciado para a

nação brasileira, engendrou-se um conjunto de medidas, calcadas na lógica higienista e

de inspiração normativo jurídica, que expandiu sobremaneira a oferta de instituições

fechadas para o cuidado de crianças e adolescentes, em sua maioria sob a tutela do

campo filantrópico. O discurso hegemônico sobre a importância da criança na

organização da sociedade não teve como correspondente a tomada de responsabilidade

do Estado que, por outro lado, oficializava o modelo em curso e a concepção da criança

a ser assistida: a deficiente social (pobre), a deficiente mental e a moral (delinquente). O

resultado desse processo que visou a assistência às crianças e adolescentes foi, por um

lado, a institucionalização do cuidado e, por outro, a criminalização da infância pobre,

gerando um quadro que, no limite, é um quadro de abandono e exclusão.

Nas tramas desse processo, passaram imperceptíveis, mas não isentas de suas

consequências nefastas, uma legião de crianças portadoras de transtornos mentais.

Incluídas na rubrica de deficientes, como, aliás, todas as outras, transformaram-se em

objeto de exclusão ou mesmo de puro desconhecimento por parte das áreas responsáveis

pelas ações oficiais de cuidado.

A proposta de implementação de novas diretrizes veio com a Constituição de

1988 e com a construção do SUS, questões que já foram abordadas em capítulos

anteriores. Na mesma medida e por força do Movimento da Reforma Psiquiátrica

Brasileira, o país viu-se obrigado a redesenhar suas diretrizes, a base de seu modelo

assistencial e o objeto de sua intervenção. Foi sob a égide desse novo ideário que se

constituiu no Brasil a gestão da saúde mental no SUS, cuja responsabilidade principal é

promover a efetiva substituição do antigo modelo asilar por uma rede de cuidados de

base territorial e comunitária (BRASIL, 2005).

A III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em dezembro de 2001,

marcou a construção de uma política pública de saúde mental para a infância e

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adolescência. O CAPS foi definido como modo operacional, como um pólo de base

territorial que está sempre em referência à pluralidade de modalidade de serviços

existentes na rede. Os Centros de Atenção Psicossocial para Infância e Adolescência

(CAPSi) são os serviços da rede pública de saúde que se ocupam de oferecer

atendimento em saúde mental para essa população, a partir dos princípios propostos

pela Reforma Psiquiátrica. Os CAPSi passaram a ser regulamentados a partir da Portaria

336, de 19 de fevereiro de 2002, configurando-se como serviço em saúde mental,

constituindo-se como referência para a população, atendendo a critérios

epidemiológicos, com as seguintes características:

a) constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária destinado a crianças e

adolescentes com transtornos mentais;

b) possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de

entrada da rede assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial,

definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), de acordo com a

determinação do gestor local;

c) responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da

demanda e da rede de cuidados em saúde mental de crianças e adolescentes no âmbito do

seu território;

d) coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de

unidades de atendimento psiquiátrico a crianças e adolescentes no âmbito do seu

território;

e) supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas

de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, na atenção à

infância e adolescência;

f) realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam

medicamentos essenciais para a área de Saúde Mental regulamentados pela

Portaria/GM/MS no 1.077, de 24 de agosto de 1999, e medicamentos excepcionais,

regulamentados pela Portaria/SAS/MS n. 341, de 22 de agosto de 2001, dentro de sua

área assistencial;

g) funcionar de 8 às 18 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da

semana, podendo comportar um terceiro turno que funcione até às 21 horas.

A assistência prestada ao paciente no CAPSi inclui as seguintes atividades:

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a) atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre

outros); b) atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte

social, entre outros); c) atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional

de nível superior ou nível médio; d) visitas e atendimentos domiciliares; e) atendimento à

família; f) atividades comunitárias enfocando a integração da criança e do adolescente na

família, na escola, na comunidade ou quaisquer outras formas de inserção social; g)

desenvolvimento de ações intersetoriais, principalmente com as áreas de assistência

social, educação e justiça (BRASIL, 2004).

O serviço destina-se à atenção diária e atendimento de crianças e adolescentes

gravemente comprometidos psiquicamente. Estão incluídos nessa categoria os portadores

de autismo, psicoses, neuroses graves e todos aqueles que, por sua condição psíquica,

estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais. A experiência acumulada

em serviços que já funcionavam segundo a lógica da atenção diária indica que se

ampliam às possibilidades do tratamento para crianças e adolescentes quando o

atendimento tem início o mais cedo possível, devendo, portanto, os CAPSi estabelecerem

as parcerias necessárias com a rede de saúde, educação e assistência social ligadas ao

cuidado da população infantojuvenil.

As psicoses da infância e o autismo infantil são condições clínicas para as quais

não se conhece uma causa isolada que possa ser responsabilizada por sua ocorrência.

Apesar disso, a experiência clínica permite indicar algumas situações que favorecem as

possibilidades de melhora, principalmente quando o atendimento tem início o mais cedo

possível, observando-se as seguintes condições: o tratamento tem mais probabilidade de

sucesso quando a criança ou adolescente é mantida em seu ambiente doméstico e

familiar, as famílias devem fazer parte integrante do tratamento, quando possível, pois

observa-se maior dificuldade de melhora quando se trata a criança ou adolescente

isoladamente, o tratamento deve ter sempre estratégias e objetivos múltiplos,

preocupando-se com a atenção integral a essas crianças e adolescentes, o que envolve

ações não somente no âmbito da clínica, mas também ações intersetoriais. É preciso

envolver-se com as questões das relações familiares, afetivas, comunitárias, com a

justiça, a educação, a saúde, a assistência, a moradia etc. A melhoria das condições gerais

dos ambientes onde vivem as crianças e os adolescentes tem sido associada a uma melhor

evolução clínica para alguns casos. As equipes técnicas devem atuar sempre de forma

interdisciplinar, permitindo um enfoque ampliado dos problemas, recomendando-se a

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participação de médicos com experiência no atendimento infantil, psicólogos,

enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais, para formar

uma equipe mínima de trabalho. A experiência de trabalho com famílias também deve

fazer parte da formação da equipe. Deve-se ter em mente que no tratamento dessas

crianças e adolescentes, mesmo quando não é possível trabalhar com a hipótese de

remissão total do problema, a obtenção de progressos no nível de desenvolvimento, em

qualquer aspecto de sua vida mental, pode significar melhora importante nas condições

de vida para eles e suas famílias. Atividades de inclusão social em geral e escolar em

particular devem ser parte integrante dos projetos terapêuticos (BRASIL, 2004).

A partir dessas questões elencadas, faz-se necessário uma outra postura dos

serviços e da rede de atendimento em relação à primeira infância, no sentido de

estabelecer cuidados e atenção atentos ao desenvolvimento integral do bebê,

identificando fatores de risco para o desenvolvimento integral. Como afirma Laznik

(2004, p.31), “a prática clínica nos ensina como as instaurações do aparelho psíquico se

fazem precocemente, o que nos faz lamentar não tê-las [as crianças] encontrado mais

cedo, quando o jogo ainda não estava decidido”. O que aponta a importância do período

sensível para as diferentes aquisições na primeira infância e “mesmo que a plasticidade

do aparelho psíquico permita que suplências possam se fazer, a idade na qual intervimos

é um dado central” (LAZNIK, 2004, p.31). Esta mesma concepção permeia a

Classificação Diagnóstica 0 – 3 (1997, p. 9), que ressaltam “a importância da prevenção e

tratamento precoce na criação e restauração de condições favoráveis para o

desenvolvimento e saúde mental da criança pequena”.

Os números em relação à incidência e prevalência epidemiológicas dos

distúrbios do desenvolvimento e dos transtornos mentais na infância são imprecisos na

grande maioria dos países em desenvolvimento. Estudos indicam variações

consideráveis, entre 10 e 20% da população infantil podem sofrer de um ou mais

problemas mentais, de acordo com o relatório da OMS (OMS, 2001). Este relatório

também afirma que os transtornos mentais são comuns durante a infância e

adolescência, porém a atenção dispensada a essa população é insuficiente, tanto em

relação ao diagnóstico, quanto ao tratamento, assim como formulações de políticas

públicas acerca destas questões.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA),

através das Diretrizes Nacionais para a Política de Atenção Integral à Infância e à

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Adolescência, em relação a atenção à saúde, propõe como diretriz: “Assegurar serviços

de saúde especializados para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento à criança e ao

adolescente portador de necessidades especiais, tanto físicas quanto mentais”

(CONANDA, 2000). Pontuando dessa forma a importância do atendimento pelo SUS

que abarque essas questões.

Recente pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde (KUPFER et all, 2009)

desenvolveu 31 indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil (IRDI),

sendo o maior objetivo da pesquisa, incluir os indicadores psíquicos na ficha de

acompanhamento do crescimento e desenvolvimento do Ministério da Saúde. Dessa

forma seria possível que riscos para o desenvolvimento psíquico também fossem

avaliados pelos profissionais que atendem o bebê e a criança pequena na atenção básica.

É necessário criar dispositivos de intervenção para que a clínica com essa população

possa acontecer de forma que contemple o sujeito não apenas como objeto de

intervenção, mas sim como em desenvolvimento.

O termo cuidado deriva do latim cura e em sua forma mais antiga foi utilizado

num contexto das relações de amor e amizade. Do ponto de vista etimológico, pode-se

citar entre as suas principais significações: atitude de preocupação ou de inquietação pela

pessoa amada, desvelo, solicitude, colocar atenção, bom trato e diligência por uma pessoa

amada ou por um objeto de estimação. 4 Como se observa, o cuidado sempre remete ao

outro, pois o ato de cuidar só aparece quando a existência de alguém passa a ser

importante. Quando isto ocorre, se passa a participar do destino, do sofrimento e da vida

dessa pessoa. Ao retomar esse sentido original da palavra cuidado, mostra-se que o ato de

cuidar não só envolve a ética, mas implica em ser ético. O Ministério da Saúde ao expor

os princípios para uma política nacional de saúde mental infantojuvenil5, propõe que as

linhas gerais das políticas públicas de saúde mental sejam assentadas numa lógica do

cuidado, a qual é abordada como uma estratégia para construir o lugar social para o

outro.6

4 Ver Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo Cunha, Ed. Nova Fronteira, 2 ed., 1982, p. 232. 5 Ver Revista Caminhos para uma Política de Saúde Mental InfantoJuvenil, Brasília, 2005, p.11-14. 6 O ministério da Saúde estabelece os seguintes princípios para nortear a política nacional de saúde mental infantojuvenil: enfocar a criança ou o adolescente como um sujeito; acolhimento universal; encaminhamento implicado; construção permanente da rede; entender o território como o lugar psicossocial do sujeito; e intersetorialidade na ação do cuidado.

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Com esses avanços cabe especialmente aos CAPSi, como serviço que

sistematiza a rede de atenção, potencializar ações intersetoriais que promovam o

desenvolvimento de estratégias para que os bebês e as crianças pequenas possam, quando

necessário, receber atenção adequada em saúde visando o seu desenvolvimento integral.

Nesse sentido há uma aposta de que os bebês e as crianças pequenas possam chegar mais

cedo para tratamento, o que poderia minimizar os efeitos de quadros graves, como por

exemplo, o autismo, assim como tratar sintomas que podem aparecer desde os primeiros

meses de vida do bebê. Esses quadros constituem situação de risco para a criança, por se

tratar de um momento fundamental na constituição psíquica, e por isso se beneficiaria da

intervenção clínica em EP.

O CAPSi, como propositor e articulador da rede em saúde mental, é o espaço

privilegiado para construir coletivamente uma proposta de intervenção que tenha essas

diretrizes de trabalho.

6 A APOSTA PELA ESTIMULAÇÃO PRECOCE

Diante da realidade das intervenções desenvolvidas em saúde pública

preconizadas pelo SUS e do modo que as políticas públicas compreendem a infância, se

propõe a intenção de fomentar novos modos de atenção e cuidado que contemplem não

apenas a questão orgânica, mas os processos que compõe a possibilidade de constituição

do sujeito psíquico, social, histórico, cultural e político, na composição de um único

sujeito.

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Dessa forma, a proposição da EP como uma clínica possível no âmbito da

saúde pública, dimensionando a criança como sujeito em processo de desenvolvimento

integral se faz pertinente. É a partir dessa premissa que discorrer sobre a importância da

EP para a infância em situação de risco para o desenvolvimento toma relevância, pois é

necessário e urgente que se possa construir novas formas e modos de operar em saúde

focando essa população. Neste capítulo será apresentado o referencial teórico da

Psicanálise que sustenta a proposta de intervenção em EP, outras perspectivas e

modelos conceituais de EP, os eixos centrais da EP a partir da perspectiva da

Psicanálise e da interdisciplina na proposição da intervenção.

6.1 O PRIMEIRO PROCESSO DE INCLUSÃO

A criança ao nascer é um organismo repleto de reflexos motores sem uma

intenção, mas a partir da intervenção da mãe ou de quem desenvolve a função materna,

esse organismo imaturo do ponto de vista neuropsicomotor, se faz corpo. A partir do

momento do nascimento, o bebê que nasce ocupa um lugar de dependência na relação

com a mãe, exigindo uma produção de sentidos frente aos seus movimentos e todos os

tipos de produções corporais. A mãe toma o corpo do seu bebê e o unifica através do

seu olhar, apostando, antecipando o sujeito psíquico (OLIVEIRA-MENEGOTTO,

2006, p.89).

Quando nasce o bebê, não nasce o bebê que foi idealizado pelos pais, mas sim

o bebê real, que por inúmeros motivos, pode ter nascido com características

completamente diferentes das sonhadas ou com alguma patologia. O bebê real nunca

corresponde ao ideal dos pais; esse impacto nos pais do não nascimento do filho

idealizado pode tomar dimensões comprometedoras para o desenvolvimento do bebê.

Geralmente isso ocorre quando há um diagnóstico de transtornos do desenvolvimento

neuropsicomotor, pois reduzem-se os sonhos e planos na família em relação ao bebê: é

como se não fosse mais possível sonhar com as conquistas futuras do filho, como

seguir, por exemplo, a carreira profissional dos pais. Em contrapartida, aparece o

impacto do não querer, da angústia, da raiva, da perplexidade e da procura de

justificativas, dando início a um processo de desequilíbrio familiar, do luto do filho

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ideal, do imaginário. Os pais não conseguem mais fazer essa unificação do bebê, não

sonham mais com um futuro para o seu filho, é como se tudo estivesse perdido,

ocorrendo em alguns casos, dificuldades dos pais em tomarem o filho nesse lugar.

Para que o bebê inicie os seus primeiros passos em direção ao seu

desenvolvimento psíquico, é necessário que a mãe ou quem faça a função materna

suponha nele um sujeito, ou seja, faça uma aposta e uma antecipação no bebê que está

se estruturando como sujeito psíquico. Esse movimento da mãe em relação ao seu bebê

diz respeito às interpretações e significados dos seus atos, movimentos, balbucios,

choro; a mãe fala com o seu bebê e o incorpora em sua fala, mais conhecida como

manhês7 (JERUSALINSKY, 2002,). É necessário que a mãe faça com que o bebê fale

através dela, e isso ocorre quando ela supõe que há um sujeito no seu bebê, que tem

algo a lhe dizer. Então a mãe precisa e deve desejar o seu bebê, para depois ela supor ser

desejada por ele, ou seja, que ele a tem como mãe e faz qualquer coisa para agradá-la e

continuar sendo também desejado por sua vez pela mãe; forma-se ai um circuito

necessário para o desenvolvimento do bebê.

Outro ponto fundamental nesse processo é a alternância da presença e ausência

da mãe, o que possibilita ao bebê a instalação da demanda, ou seja, a busca por palavras

e gestos que lhe permitam ser escutado e visto pelo outro, algo que represente a mãe em

sua ausência ou mesmo algo que garanta a sua presença, o seu retorno. Como por

exemplo, o choro, pois através desta manifestação o bebê espera ser respondido em sua

demanda e a mãe por sua vez, vai dando significações a este ato do bebê. É por isso que

a mãe difere os choros do seu filho, supondo, criando um saber e o identificando quando

é de fome, sono, ou a demanda por um colinho.

O afastamento da mãe provoca no bebê a possibilidade do desejo endereçado a

ela, pois ele sente a sua falta e passa a desejar o desejo da mãe, encarnado no seu desejo.

Essa separação entre a mãe e o seu filho “só é possível a partir da interferência de um

discurso que, operando na mãe a castração, coloca ambos diante da referência a um

terceiro” (JERUSALINSKY, apud OLIVEIRA-MENEGOTTO, 2006, p.90). Esse

terceiro, que é representado pela função paterna, opera a separação entre a mãe e o bebê,

pois chega um momento em que é necessário que a mãe possa separar-se do seu filho

7 Atualmente no Brasil o termo manhês tem sido utilizado para denominar o modo com que as mães costumam falar com seus bebês: incidência de picos prosódicos, sintaxe simplificada, diminutivos, repetição silábica e o uso de voz mais alta que o normal.

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para que ele vá constituindo as suas demandas e comece a criar outras relações para

além do corpo materno, comece a ter curiosidade pelo seu entorno. É toda essa operação

que ocorre na relação mãe-bebê que possibilita a inscrição do sujeito no registro

simbólico e a constituição do sujeito do desejo.

A filiação é justamente esse encontro simbólico entre o bebê e seus pais, um

encontro que remete à inscrição simbólica, a partir do circuito de desejo que foi

estabelecido entre o bebê e seus pais. Os pais acolhem o bebê como filho e assim o

tomam, dando sentido, produzindo sentidos em todas as suas manifestações, através do

modo como tratam as questões que o bebê lhes demanda, apostando e respeitando o

bebê, que vai se constituindo como sujeito psíquico. É fundamental que o bebê seja

tomado por esse laço da filiação, caso isso não ocorra ou tenha interferências teremos

consequências no desenvolvimento do bebê, podendo dificultar a constituição do sujeito

psíquico, já que o modo como se produziu essa inscrição acarreta em efeitos que vão

acompanhar a criança por toda a sua vida.

São nesses primeiros anos de vida, nesses primeiros olhares, nessas primeiras

antecipações e apostas que ocorrem experiências fundantes para a constituição do

sujeito psíquico e suas aquisições instrumentais como a linguagem, psicomotricidade e

cognição; e para a própria formação neuroanatômica.

Com os avanços da neurologia, destacando o conceito de neuroplasticidade, em

nenhum outro momento da vida se pode contar com a extrema permeabilidade que

caracteriza o tempo de ser criança. Isso nos mostra que, mesmo que muitas

características orgânicas já estejam dadas ao nascer, as experiências de vida têm um

papel decisivo na constituição global da criança. Essas experiências, ou seja, as

relações, os laços e vínculos afetivos que a criança vai estabelecendo com os outros,

podem permitir que ela tire o máximo proveito das suas potencialidades orgânicas, ou

podem produzir marcas simbólicas com efeitos limitantes maiores e mais graves que os

impostos por uma patologia orgânica (JERUSALINSKY, 2005).

O cérebro, no entanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações no órgão físico. O homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial constituição da natureza humana. (KOHL, 1993, p.24).

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Dessa forma, se faz fundamental que a estimulação da criança, em seus

primeiros anos de vida, transborde de sentidos e estes vão se dando, se desdobrando na

relação com outro, a partir do olhar e do lugar que o outro lançou e sustentou para a

criança. No entanto, a inadequação, o estímulo pelo estímulo e a carência de

estimulação são fatores que podem diminuir o ritmo e a qualidade do desenvolvimento

global da criança. É importante situar a palavra estímulo, pois o seu sentido dependerá

do contexto no qual estará inserida, dessa forma é preciso clarear como ela opera na

clínica com bebês. É considerado estímulo aquilo que faz marca, que produz inscrição

através de uma série significante de um Outro encarnado, ou seja, quem faz a função

materna, produzindo efeitos constitutivos no bebê (JERUSALINSKY, 2002).

A Estimulação Precoce é a clínica que trabalha com essa orientação.

Poderíamos pensar simplesmente em uma estimulação que ocorresse cedo, numa idade

tenra, no entanto, a Estimulação Precoce abre, inscreve inúmeras possibilidades para as

crianças. O que vai ser fundamental é como essa intervenção será dirigida e que rumos

irá tomar. Sem dúvida dependerá da orientação teórico-prática da equipe.

6.2 CONSTRUÇÃO CLÍNICA

A Estimulação Precoce surgiu na década de 60, em diferentes partes do mundo,

de forma simultânea, mas independentes, sendo que despontou com mais ênfase nos

Estados Unidos e na Argentina. Na Argentina iniciou com a neuropediatra Lydia Coriat

no Hospital de Niños. Ela foi pioneira no tratamento com bebês, pois nos Estados

Unidos a Estimulação Precoce estava voltada para crianças maiores de três anos de

idade. Todo esse movimento que ocorreu na Argentina iniciou com Coriat em função do

seu interesse clínico por crianças pequenas, onde acabou escolhendo como tema para a

sua tese de doutorado a maturação neurológica do lactente. Nesta mesma época, em

1958, em Paris, Jacques Lacan escreveu o texto A Direção da Cura, e no campo da

genética, Dr. Lejeune descobriu a trissomia do cromossoma 21. Então Coriat foi para

Paris para estudar com Lejeune e começou a se inquietar com os resultados das novas

descobertas e acontecimentos no atendimento aos pacientes com Síndrome de Down:

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“Nem a redução clássica, nem as medicações habituais, evitavam a profunda

deterioração da maioria destas crianças” (CORIAT, 1997, p. 42). No entanto, foi com

uma determinada paciente para Coriat, pois a menina, ao longo do seu tratamento de

seis meses, teve um aumento no seu quociente intelectual em 20 pontos, o que

normalmente ocorria era o contrário. Ela se fez a seguinte questão: “Qual era a

diferença em relação a outras crianças?” (CORIAT, 1997, p. 43). Neste caso, a paciente

teve o atendimento de uma psicóloga.

Nessa época, ela realizou a sua primeira parceria com um psiquiatra e

psicanalista, o Dr. Waksman. Ela percebeu que o empecilho para o desenvolvimento da

criança não era o seu problema orgânico e “sim o contexto psicológico no qual se

desdobrava a sua vida” (CORIAT, 1997, p.82). Ficou claro que, desde o início da

Estimulação Precoce, houve a necessidade de interlocução com outras especialidades,

sendo a primeira a que tratasse do conhecimento sobre o sujeito e o seu contexto

psicológico. Coriat percebeu que o orgânico colocava os limites na velocidade do

desenvolvimento, mas o deterioramento psíquico era de outra ordem.

Para construir a clínica da Estimulação Precoce, ela buscou o saber de outras

especialidades, constituindo desde o seu início uma prática interdisciplinar. A partir da

década de 70, entrou na equipe de trabalho Alfredo Jerusalinsky, que é psicanalista e

conhecedor da teoria piagetiana. Nessa época, a Estimulação Precoce era vista pela Dra.

Coriat da seguinte forma: “A Estimulação Precoce deve ser realizada através de técnicas

psicopedagógicas e psicomotoras, com fundamentos teóricos baseados no conhecimento

da teoria da maturação neurológica, da teoria do desenvolvimento cognitivo, e da teoria

do desenvolvimento afetivo” (CORIAT, 1997, p.46).

O que era chamado de “teoria do desenvolvimento afetivo” era a Psicanálise, e

a partir de 1975, algumas teorias lacanianas começaram a ser tomadas pelo corpo

teórico que sustentava a prática clínica. Maud Mannoni e Donald Winnicott faziam

parte das leituras diárias. Coriat faleceu no ano de 1980, mas sua equipe continuou sob a

direção de Alfredo Jerusalinsky. Em 1985, encontrava-se um panorama muito

semelhante ao de hoje: a Estimulação Precoce era a sensação do momento. Começaram

a surgir diversas modalidades clínicas com consequências e resultados obtidos

diferentes umas das outras, nem sempre contemplando o desenvolvimento global e a

constituição do sujeito psíquico.

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Ao longo dos anos 80, a equipe de trabalho precisou novamente recorrer à

Psicanálise para situar com maior precisão a origem dos efeitos positivos obtidos na

clínica. Na medida em que chegavam crianças de dois anos em diante na clínica, muitas

delas já haviam passado por outros atendimentos, observava-se uma nova configuração

de seres humanos, como robôs, desprovidos de desejo, “o único problema para aquele

que desejasse outra coisa, era a passividade e a estupidez extrema” (CORIAT, 1997,

p.48). Remeter esse quadro em que se encontravam essas crianças a causas orgânicas

não tinha mais sentido, pois já se sabia que a desestruturação psíquica e quadros como,

por exemplo, o autismo e a psicose, são frutos do lugar simbólico ao qual são destinadas

a essas crianças.

Outro ponto que motivou o retorno à Psicanálise foi a dificuldade de encontrar

respostas para aquelas crianças que, mesmo acompanhadas pela equipe desde recém-

nascidas, continuavam, ao término do tratamento em Estimulação Precoce, com traços

evidentes de desconexão ou de paralisia no seu desenvolvimento global. Então novas

questões foram lançadas: “Como surge o desejo?”, “Como nasce um sujeito real?”

“Como propiciá-lo desde a nossa intervenção?” (CORIAT, 1997, p. 50). Essas questões

deram um redimensionamento na clínica de Estimulação Precoce realizada pela equipe,

que tomou como foco o primeiro giro da constituição do bebê como sujeito, ou seja,

propiciar o surgimento do desejo.

Ao longo da história de construção da Estimulação Precoce, se constituiu uma

formulação de trabalho que privilegia o sujeito em questão, portanto não tendo como

foco a patologia já instalada ou em vias de, mas sim tendo a perspectiva de que o sujeito

está em constituição. Assim tem origem em uma perspectiva médica - a pediatria - e vai

extrapolando os limites colocados pela especialidade, construindo uma prática

interdisciplinar. A Psicanálise então é tida como um referencial teórico que vai dar

sustentação a esta prática, na medida em que novas questões acerca do sujeito e do seu

tratamento vão sendo produzidas pelos sucessos ou insucessos do tratamento. O que se

solidificou na clínica com bebês foi o surgimento do sujeito do desejo, ou seja, neste

primeiro tempo o que fica em jogo é o giro que vai possibilitar a constituição do sujeito

psíquico. A Psicanálise só terá sentido quando articulada com os saberes das outras

especialidades, construindo em conjunto um corpo teórico-prático que busque olhar o

bebê e encontrar nele as respostas para continuar construindo o seu caminho.

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6.3 OUTRAS PERSPECTIVAS: MODELOS CONCEITUAIS

Os programas de Estimulação Precoce apresentam diferentes fundamentações

teóricas, objetivos e modelos variados. O que é unânime é seu caráter indispensável, não

só para os bebês com necessidades especiais, como também para a população de alto

risco ou em condições de vulnerabilidade psíquica. Nesta seção, serão apresentados três

modelos conceituais que dão sustentação para as diferentes práticas em Estimulação

Precoce.

Muitas vezes, observa-se que não há um olhar e não há escuta em relação

ao bebê; apenas é vista a doença, o déficit que a criança traz em seu corpo ou em seu

comportamento como marca real ou simbólica. Às vezes, a fala do profissional traz a

sentença de morte: ‘o seu filho tem tal doença, não fará tais coisas e necessita de tal

tratamento’. É como se o orgânico predestinasse e determinasse a vida da criança, não

havendo outras possibilidades, ou seja, a subjetividade, o sujeito não é levado em conta,

a história dessa família não tem nada a dizer. O que fica de lado nessa situação é tudo o

que diz respeito ao sujeito e ao meio em que ele está inserido, como por exemplo, sua

família, escola, comunidade, cultura, entre outros aspectos. A questão da

permeabilidade e da plasticidade neural não são levadas em conta nesta perspectiva,

pois o caráter genético-constitucional diminui a importância das experiências precoces e

as relações com os pais e com o meio (JERUSALINSKY, 2005). Nessa perspectiva, o

bebê é encaminhado para algum tipo de tratamento, como por exemplo, psicologia,

fonoaudiologia, psicomotricidade, entre outros, somente quando o profissional de

referência não sabe mais o que fazer com ele e a sua suposta doença ou diferença. Ou

ainda quando apresenta sintomas que se enquadrem em um quadro psicopatológico, o

que em ambos os casos é prejudicial para o bebê. Outra questão observada é a conduta

de espera, pois até que o quadro da patologia se configure, se espera; no entanto, está

forma de intervir está centrada na doença e não na saúde e leva à perda de um tempo

decisivo para os efeitos de uma intervenção.

As crianças são os homens do futuro. Quer dizer que eles existirão um dia, mas por enquanto é como se ainda não existissem. Ora, nós existimos: estamos vivos, sentimos, sofremos. Nossos anos de infância são anos de uma vida verdadeira. Por que nos mandam aguardar, e o quê? (KORCZAK, 1983, p.152).

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País (1996) denomina esse modelo conceitual de físico-natural, no qual o

objeto, ou seja, o bebê, mas não em sua totalidade e sim suas partes, como por exemplo,

o olho que não vê, é abordado somente em relação ao que é necessário à investigação. O

profissional aborda o objeto-bebê a partir da sua disciplina e se ocupa de encontrar

respostas válidas cientificamente dentro da sua metodologia, aplicando a sua série de

práticas, intervenções que a sua hipótese diagnóstica exige. Dentro dessa concepção a

subjetividade deve ser rechaçada e isto é exigido pelo rigor científico, assim conseguirá

realizar um diagnóstico objetivo e justificar as suas intervenções que têm por fim

modificar o objeto-bebê, ou seja, o olho que não vê. A subjetividade da família e do

bebê também não são levadas em conta, e o que eles têm a dizer só interessa, na medida

em que serve para auxiliar no diagnóstico.

Outro modelo amplamente difundido na área da saúde é o que define o homem

como um objeto biopsicossocial e a sua saúde como um estado de equilíbrio. Nesse

caso, o bebê é tomado como um objeto indivisível, é um ser único, mas não fica claro o

que mantém essa unificação (PAÍS, 1996). Todas as possibilidades, dimensões humanas

que são viáveis dentro da metodologia científica são consideradas neste modelo, menos

a do sujeito. Dessa forma, acabam identificando as necessidades do objeto-bebê para

manter o estado de equilíbrio. São propostas inúmeras e simultâneas intervenções pelas

diferentes áreas, já que cada déficit deve ser atendido e reabilitado para voltar ao estado

de equilíbrio. O objetivo é o de restabelecer a função, como se tivesse um sentido em si

mesmo, em uma abordagem que se detém à área que corresponde a cada especialista.

Não há nenhuma preocupação com o que dá sentido às funções e o que as sustenta, que

é o deslocamento significante que a criança coloca na ação. Isso é o que observamos,

muitas vezes, nos serviços de Estimulação Precoce, onde um estímulo sensorial é

lançado em direção à dificuldade da criança, ao órgão comprometido, e se espera a

resposta de tal órgão, se excluindo a possibilidade de apropriação que a criança poderá

chegar a fazer desta função quando reabilitada. Ou seja, se estimula a perna e o

esperado é que ela simplesmente se mexa, nada mais do que isso.

Neste tipo de funcionamento, opera uma demanda, e o bebê é tomado como

objeto que corresponda a essa demanda, sem ocorrer nenhuma articulação com a

suposição de sujeito, ou seja, não se espera da criança nada além da resposta adequada,

não se espera que ela não faça porque não está com vontade, não se espera que ela

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transgrida essa expectativa e faça outra coisa, produza uma outra possibilidade

(JERUSALINSKY, 2002). O que vemos é que não ocorre a antecipação do sujeito

psíquico, não há desejo, não há outra possibilidade a não ser aquela de um bebê

resposta, de um bebê objeto. O Outro não sustenta a criança em suas possíveis

articulações, sinalizando para a construção de uma cadeia significante, aonde ela vai

mexer a perna porque deseja chutar a bola e fazer um gol.

E por fim, o modelo que toma a conceituação psicanalítica em seu corpo

teórico-prático, onde o objeto, ou seja, o homem possui as dimensões biológica,

psicológica e social, mas elas se articulam, se integram através da linguagem, e é nesse

“entre” que ocorre o processo subjetivo. “O homem como objeto biopsicossocial não

escapa desta definição, (construção discursiva) só que fala e, ao falar, engendra a quarta

dimensão humana: a do sujeito” (PAÍS, 1996, p.27). O homem nesta dimensão é o

sujeito de desejo, que se desdobra como possível no campo dos significantes. Nesta

clínica de Estimulação Precoce sustentada pela Psicanálise, os terapeutas colocam-se na

posição fundante, ou seja, sustentam um espaço de possibilidades para que o sujeito do

desejo, tanto nos pais como na criança, possa emergir e fazer suas funções, criando

novas possibilidades de filiação e de autoria. A função da Psicanálise nesta clínica não é

a de menosprezar ou colocar em segundo plano os conhecimentos teórico-práticos das

outras áreas, mas sim oferecer um eixo ético que sustente uma intervenção

interdisciplinar.

É a partir desse modelo conceitual que a Estimulação Precoce desenvolveu

uma clínica sustentada pelo corpo teórico da Psicanálise em uma equipe interdisciplinar.

Segundo Jerusalinsky (2005), três pontos fundamentais ocorrem na clínica da

Estimulação Precoce sustentada pela interdisciplina. O primeiro é o de trabalhar a

representação, as fantasias que a patologia da criança assume no discurso social como

um todo – família, terapeutas, sociedade – já que estas podem ter um efeito muito mais

negativo do que o limite orgânico em si. O segundo ponto é a forma como ocorre a

intervenção com bebês e crianças, a qual se dá através do lúdico, da brincadeira e dos

cuidados dos pais no cotidiano. Assim, o conhecimento clínico é colocado a serviço de

situações espontâneas, do inusitado do dia-a-dia, em detrimento de técnicas que

dificultam ou anulam o estabelecimento dos laços que são fundantes do sujeito. Em

terceiro lugar, evitar as múltiplas intervenções, pois podem gerar efeitos desagregadores

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psiquicamente tanto para a criança como para os pais, já que a intervenção ocorre em

um tempo onde o paciente ainda não tem o seu eu constituído.

Esse é um ponto fundamental dentro da questão da clínica em Estimulação

Precoce sustentada pelo referencial teórico da Psicanálise, que é o respeito ao sujeito,

este sujeito que está se desenvolvendo como um sujeito de desejo. Dessa forma, a

interdisciplina propõe uma clínica de um espaço comum, onde o conhecimento das

diferentes áreas não se esgota, criando uma articulação abrangente. Para que esse

movimento ocorra, é necessário que cada especialista seja capaz de se arriscar para além

da fronteira de seus conhecimentos, que possa questionar o seu saber e fazer uma escuta

das outras especialidades, que de certa forma acaba evidenciando os limites existentes

em todas as especialidades. Como nos pontua PAÍS (1996, p.30) a interdisciplina é uma

“...integração de uma rede de significações mais amplas em que as especialidades

adquirem sentido, aportando suas diferenças no marco da produção teórico-clínica”.

Assim, surge um novo espaço discursivo, onde a concepção acerca do sujeito é

compartilhada por todas as disciplinas, ou seja, há uma ética em comum a todos e que

sustenta a prática clínica, nesse caso, as múltiplas intervenções que podem ter efeitos

deteriorantes na constituição do sujeito psíquico e no desenvolvimento como um todo,

não ocorrem com a criança, preservando-a e respeitando-a como sujeito.

O profissional que trabalha a partir dessa perspectiva na clínica de Estimulação

Precoce tem um papel fundamental e fundante, pois é ele que vai realizar as

intervenções e sustentar a transferência, quando falamos de um trabalho com terapeuta

único. Isso não quer dizer que ele trabalha sozinho ou isolado, não é uma ilha, mas sim

um braço de uma equipe interdisciplinar continente, que nos bastidores compõem as

intervenções e dá sustentabilidade para uma clínica de possível e de qualidade.

O sucesso do trabalho nos programas de Estimulação Precoce é observado

quando se constata a experiência da equipe, e que esta seja composta pelos profissionais

das diversas áreas, como psicologia, pedagogia, neuropediatria, nutrição,

fonoaudiologia, assistência social, entre outros que forem necessários, sustentados em

uma prática interdisciplinar. Se houve dúvidas em algum momento sobre os benefícios

do trabalho com bebês e crianças pequenas, a Declaração de Salamanca (1994) traz a

importância do atendimento em estimulação precoce, no seu item 51 sobre a educação

infantil aponta que: “o sucesso da escola inclusiva depende em muito da identificação

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precoce, avaliação e estimulação de crianças pré-escolares com necessidades

educacionais especiais desde as primeiras idades”.

Dessa forma, os programas de atendimento em Estimulação Precoce e mesmo

outros que atendam crianças devem ser desenvolvidos e orientados no sentido de

potencializar o desenvolvimento global da criança, reconhecendo o princípio da

inclusão social. No entanto, isso só é possível em um trabalho conjunto, de parcerias

entre os profissionais que atuam na clínica de Estimulação Precoce e os profissionais

que trabalham com crianças de um modo geral, seja na área da saúde, da educação e de

assistência social.

6.4 OS EIXOS CENTRAIS DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE EM UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA E INTERDISCIPLINAR : A INTERVENÇÃO

A partir da retrospectiva da história da Estimulação Precoce, é importante ater-

se aos eixos centrais que sustentam esta clínica, são eles: a constituição do sujeito, a

transferência e interdisciplina.

O trabalho com bebês intervém no tempo das primeiras inscrições, das

primeiras marcas simbólicas, que pontuarão se o bebê estará em condições de apropriar-

se do domínio do seu corpo e de explorar o seu redor. As experiências de vida que

possuem efeitos constituintes para um bebê estão fundamentalmente na relação, no laço,

no vínculo que estabelece com o seu interlocutor, ou seja, as pessoas que fazem as

funções paterna e materna. Destaca-se a noção de função, pois nem sempre os pais são

os que exercem essas funções. É a partir do laço estabelecido com o bebê que emerge

um sentido simbólico para a sua existência; e só a partir da sua constituição como

sujeito que as possíveis explorações de objetos passam a ter alguma significação,

sentido para o bebê. No entanto, essa vinculação nem sempre é estabelecida de uma

forma que possibilita ao bebê se estruturar como sujeito. Muitas vezes, isso ocorre

porque o bebê não nasceu como os seus pais sonhavam, idealizavam. Ele nasceu com

uma diferença que é significativa, que marca para os pais que o filho idealizado não

nasceu, e sim o filho real que junto traz a marca da diferença, através de um diagnóstico

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patológico ou da falta desse, na medida em que o diagnóstico pode levar anos para ser

fechado ou conclusivo.

“Pode-se dizer que uma das funções mais importantes da estimulação precoce é

oficiar de ponte específica para que o ponto no qual o bebê nasceu diferente não acabe

por invadir e alterar os demais aspectos de sua vida” (CORIAT,1997, p.119). É nesse

sentido que a Estimulação Precoce intervém, “produzindo o que podemos chamar de

prevenção secundária” (JERUSALINSKY, 2005, p.31) e detectando precocemente os

sintomas clínicos da primeira infância. O objetivo da intervenção em Estimulação

Precoce é favorecer, facilitar a constituição subjetiva do bebê, reduzindo o máximo

possível as limitações que a patologia o impõe, o que não é tarefa fácil ou simples.

Nesse trabalho é fundamental não considerar apenas as limitações orgânicas que a

patologia coloca para o bebê, mas também as limitações imaginárias produzidas pelo

modo em que a patologia foi representada e apresentada aos pais. Isso ocorre na medida

em que o bebê está sujeitado ao simbólico dos pais, e é no laço com os pais que a

patologia assumirá sua representação (JERUSALINSKY, 2002).

O modo como o bebê é tomado pelos pais no circuito de desejo e demanda é

constituinte para o seu desenvolvimento como sujeito e para a possibilidade de

diferentes realizações instrumentais, ou seja, “que em nome de um desejo, possa utilizar

os diferentes esquemas psicomotores, cognitivos ou de comunicação como efetivas

aquisições” (JERUSALINSKY, 2005, p.32). A existência de uma patologia pode

dificultar a formação desse circuito, gerando secundariamente danos que não são

impostos pela patologia em si, mas sim pela representação simbólica e pelos efeitos

imaginários atribuídos a ela. Então, se percebe algo que é da ordem da limitação

orgânica passa a operar como obstáculo simbólico e imaginário no estabelecimento da

filiação. O diagnóstico de que algo não está bem com o bebê, ou seja, que realmente

possa haver uma patologia orgânica, pode desencadear a falta de investimento por parte

dos pais no bebê. Tudo isso passa a ocorrer no tempo em que são fundamentais esses

investimentos, onde começava a se articular uma promessa de futuro para o bebê, no

entanto se sobressai o diagnóstico, que situa o bebê a partir da falha, do déficit. Muitas

vezes, isso ocorre quando o bebê não é convocado, nomeado pelo seu nome, mas sim

pela patologia que tem; e essa situação ocorre em vários espaços de circulação social, na

escola, nos serviços de saúde e inclusive na família.

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A clínica em Estimulação Precoce opera justamente nessa brecha que se abriu

quando os pais pensam que não sabem o que fazer ou como fazer com o bebê que tem

em casa, pois certamente não basta alimentá-lo, trocá-lo e fazê-lo dormir, para que ele

se desenvolva como um sujeito e possa responder aos pais. O desenvolvimento do bebê

não ocorre por si só como um processo puramente biológico. É preciso ater-se aos

aspectos instrumentais e estruturais do desenvolvimento, na medida em que nos bebês

ocorre uma indiferenciação dos aspectos instrumentais. Os aspectos instrumentais são a

psicomotricidade, a aquisição da linguagem, aprendizagem, hábitos de vida e processos

de socialização, ou seja, são os recursos que o bebê ou a criança utilizam para poder por

em prática o que a sua estruturação demanda. Já os aspectos estruturais são definidos

pelo aparelho biológico, especialmente o sistema nervoso central, e a estruturação do

sujeito psíquico. (JERUSALINSKY, 2002).

A distinção entre os aspectos estruturais e os aspectos instrumentais do desenvolvimento (...) se especifica na diferença (...) entre aquilo que permite a existência de um sujeito do desejo e, do outro lado, aquilo que constitui as funções imaginárias do eu, através das quais o sujeito desdobra suas relações com a realidade (CORIAT apud JERUSALINSKY, 2002, p. 73).

Os diversos aspectos instrumentais do desenvolvimento estão na sua origem

indiferenciados. Por isso, para o bebê uma mesma experiência articula inscrições

fundamentais que servirão de base para a construção dos mais variados aspectos

instrumentais, que progressivamente, vão se diferenciando e se tornando cada vez mais

específicos e complexos. Como por exemplo, o ato de sucção do bebê no seio materno

engloba uma série de acontecimentos, como afetivo, cognitivo, comunicação,

alimentação, socialização, entre outros, que estão aglomerados em um único processo,

mas progressivamente ocorrerá a dissociação desses aspectos instrumentais.

Por isso, é fundamental que o profissional que trabalha com a primeira infância

tenha conhecimentos acerca desse processo por qual passa o bebê e possa estar

sustentado em uma clínica interdisciplinar, na medida em que estão em jogo os aspectos

reais da patologia e da constituição psíquica. Assim os aspectos instrumentais e

estruturais estão completamente intrincados no processo de desenvolvimento do bebê.

Dessa forma, a Estimulação Precoce é uma clínica que trabalha com a possibilidade de

instauração dos dois aspectos do desenvolvimento, na medida em que o bebê não se

desenvolve apenas pelos aspectos instrumentais e nem apenas pelos estruturais, os dois

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aspectos são fundamentais e indissociáveis para o desenvolvimento. A partir dessa

perspectiva, o trabalho com bebês na clínica em Estimulação Precoce ocorre de forma

interdisciplinar, possibilitando a permanente interlocução entre as diferentes disciplinas.

Pois, no momento da constituição no qual se encontra o bebê, as questões levantadas

pela clínica não são respondidas apenas por uma área de conhecimento, mas sim pelo

que emerge de novo na articulação entre as mais diversas disciplinas

(JERUSALINSKY, 2002).

Para a prática clínica, é necessário um único profissional que esteja à frente da

direção do tratamento, operando as intervenções clínicas a partir da escuta dos pais e da

leitura das produções do bebê. Muitas vezes, poderá ocorrer a intervenção de um outro

profissional, na medida em que outras demandas vão surgindo no atendimento, seja para

uma intervenção pontual, seja para uma outra escuta dos pais, enfim, muitas

possibilidades podem surgir na clínica.

A partir destas questões é interessante pensar qual o real sentido do estímulo na

clínica de Estimulação Precoce, que é o que aponta Jerusalinsky (2002, p.64) sendo o da

“inscrição que produz enlaçamento entre um real orgânico e uma tela simbólica”. Entra

em jogo o modo como o bebê é situado, desde que lugar é convocado a responder na

cena clínica: do lugar de objeto a ser estimulado ou como suposto sujeito? Quando o

bebê é convocado como suposto sujeito, suas manifestações são enunciadas como suas

produções, ou seja, o que o bebê faz é reconhecido pelo outro e assim assume o caráter

de realização. O que ocorre é um deslocamento da patologia e do determinismo sobre o

destino e as aquisições do bebê, abrindo uma brecha para que os pais possam olhar para

além das dificuldades orgânicas, reconhecendo em seu filho um sujeito em constituição

que produz realizações. O sorriso então passa a existir como intencional, deixar cair o

brinquedo no chão pode tornar-se no quis jogar o brinquedo no chão; o bebê passa a ser

visto como alguém capaz, o que começa a produzir uma outra ordem no simbólico dos

pais, onde eles possam então realmente inscrever o bebê no laço de filiação.

O que ocorre é o simbólico operando na organização orgânica e que aparece

nos momentos mais simples dos pais com o bebê, como por exemplo, a troca de fraldas,

a alimentação, o brincar, entre outros tantos que vão ao mesmo tempo constituindo um

corpo erógeno e a possibilidade de advir o sujeito do desejo. Sem dúvida alguma, esses

são cuidados essenciais e fundantes, mas o que potencializa essa inscrição é a forma

como são realizados, de que forma a criança é manipulada e segurada durante esses

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momentos, vai dizer muito da relação que está se estabelecendo entre o bebê e quem o

cuida, ou seja, quem faz a função materna. Winniccott (1983, 2001, 2006) traz

claramente essas questões da importância dos processos de maternagem e os cuidados

primários. Fazem parte desse processo de relação que os pais estabelecem com o bebê o

brincar, o falar em manhês, o supor que o bebê tem algo a dizer, etc. “O

desenvolvimento do bebê só pode ocorrer no contexto da confiança que decorre do fato

de ele ser segurado e manipulado” (WINNICOTT, 2006, p.86).

“O outro não é um estímulo nem um estimulante, mas a instância que, desde

seu olhar, organiza na criança a sua autoimagem corporal e, desde seu discurso, recorta

no olho, na boca, em cada ‘buraco’ da criança, a sombra de um objeto inexistente que,

por isso, será incessantemente buscado” (JERUSALINSKY, 2005, p.64). Essa questão

baliza de forma pontual a intervenção em Estimulação Precoce, orientando o trabalho

no sentido de potencializar subjetivamente, simbolicamente, todo o entorno em volta da

criança, trazendo para a clínica desde os cuidados essenciais, no manejo com a criança,

a sua rotina, funções que Winnicott8 pontuou como holding, até o mais delicado sentido

que os pais dão aos primeiros balbucios de seu filho.

Através do seu saber inconsciente, os pais estimulam seus filhos, na medida em

que lançam apostas na relação entre eles. Assim a constituição psíquica e o

desenvolvimento da criança não são resultados dos efeitos dos estímulos sensoriais, do

automatismo estímulo-resposta, “mas da sujeição dos mesmos ao crivo simbólico, à

rede significante do Outro encarnado na mãe” (JERUSALINSKY, 2002, p.58). O

estímulo direcionado ao bebê só fará sentido se estiver articulado em uma rede

simbólica. É isso que os pais fazem com os seus filhos, lançam um estímulo, como por

exemplo, uma música que está articulada à história desse bebê, cantam, dançam, fazem

uma festa, batem palmas. Nestes momentos, estão sendo realizadas as apostas que os

pais fazem nesse bebê, o antecipando como sujeito.

Contemplando essas questões, é fundamental que na clínica se sustentem as

funções maternas e paternas, pois é a partir dessas funções que se estabelecem

8 O holding é descrito por Winnicott como uma fase em que a mãe ou o cuidador: “protege da agressão fisiológica; leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente...e a falta de conhecimento por parte deste da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo; inclui a rotina completa do cuidado dia e noite adequada a cada bebê; segue também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico quanto psicológico” (WINNICOTT, 1983, p.48)

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referências simbólicas pelas quais os estímulos que rodeiam as crianças adquirem

alguma significação, algum sentido. De nada serve a criança falar, se esta fala não

estiver ligada à transmissão simbólica que situe a criança singularmente, como uma

pessoa única, pertencente a uma família e a uma comunidade, sociedade; enfim, que

ocorra a filiação. Estar inscrito na filiação, ser endereçado aos ideais parentais e sociais,

é condição para que o sujeito possa constituir-se, para que tenha desde onde constituir

uma versão própria da sua vida, realizando os seus próprios desejos e construindo suas

autorias. “O tratamento em estimulação precoce é o de propiciar a produção/parição de

um sujeito do desejo, o que equivale a dizer que não nos interessa a produção de

autômatos por melhor que funcionem” (CORIAT, 1997, p.72).

Para que o bebê possa ir se constituindo como sujeito de desejo nos casos em

que ele é tomado como fracassado ou um estranho no ninho, é fundamental que no

atendimento em Estimulação Precoce os seus pais sejam escutados e sustentados em

suas funções materna e paterna. O bebê é trazido por seus pais para atendimento, é em

relação a ele que os pais trazem a sua preocupação ou queixa, ou seja, o bebê é falado

pelos pais. Então os pais supõem um saber ao profissional, que este saberá como tratar

ou operar a cura no bebê, ou seja, embora o paciente seja o bebê, a transferência é

sustentada pelos seus pais. Essa demanda dos pais ao profissional mostra a presença de

uma fratura na base da sustentação simbólica, sem a qual os pais não têm como situar o

bebê e nem o exercício de suas funções materna e paterna.

A intervenção do profissional não consiste em responder à demanda de

consertar, recuperar o bebê, o que implicaria em tomá-lo como um simples objeto para a

satisfação dos pais. Na verdade, os pais supõem que seja o profissional que detém o

saber e os conhecimentos necessários sobre o que fazer com o seu filho. É importante

que o profissional ocupe esse lugar, para que os pais possam sustentados pela

transferência desdobrar seu saber sobre o filho. Na medida em que os pais designam ao

profissional os conhecimentos sobre o bebê ficam impossibilitados de se dirigirem a ele

e de cuidá-lo no dia-a-dia, não antecipando nada que diga respeito à possibilidade dele

ser tomado como sujeito. É ao profissional que endereçam as questões sobre o futuro do

bebê. É necessário que o profissional possa sustentar esse endereçamento dos pais e

possa articulá-las à suposição do sujeito que situe o bebê como capaz de certas

realizações, armando o espaço para que de fato possa ocorrer, e aos pais, que possam se

reposicionar diante das mesmas. Na medida em que o profissional vai se distanciando

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da certeza dos prognósticos da patologia e vai abrindo para os pais a possibilidade de

lançarem suas dúvidas e questionamentos sobre a mesma, outras apostas podem então

ser realizadas, pois não há mais certezas imutáveis sobre o destino do bebê e sim

inúmeras possibilidades para o ele.

Nessa perspectiva a transferência não é estabelecida com o paciente bebê, mas

sim em seus pais. O profissional deverá escutá-los, “ler no bebê o que nele foi escrito,

brincar com ele, perguntar-lhe o que quer, supor sua resposta e construir com os pais o

caminho a seguir, em função do desejo destes” (CORIAT, 1997, p.55). É fundamental

que o profissional possa abrir espaço para que os saberes inconscientes parentais sobre o

bebê possam emergir no espaço clínico e se situar de tal forma que possa colocar a

demanda que lhe é dirigida a trabalhar. Dessa forma, talvez seja possível que os pais

possam articular questões sobre e principalmente para o seu bebê, como por exemplo, o

que esperam dele, o que querem dele, o “che vuoi?” ou “que queres de mim?. Essas

questões implicam em um sujeito em relação ao seu desejo que se apresenta no ato da

enunciação, ou seja, que os pais possam reconhecer a implicação do seu desejo na

construção de um futuro para o bebê (JERUSALINSKY, 2002).

Se inicialmente, na transferência que foi endereçada ao profissional pelos pais

operou uma posição de regressão, desde a qual esse teria o conhecimento de como criar

seu filho, há um risco para o bebê quando essa posição se perpetua no tratamento. O

risco é justamente dos pais não poderem se implicar desde o seu saber inconsciente em

relação ao bebê. Assim, só lhes resta perguntar diante dos mais variados especialistas a

pergunta que eles certamente poderiam responder desde o seu saber inconsciente: “o

que sabe e o que podemos esperar de nosso filho?”. É como se eles como pais nada

pudessem saber a respeito do filho, ou talvez não queiram realmente saber. Na medida

em que responder pela criação de um filho, independente de ele ter problemas de

desenvolvimento, “implica não só a possibilidade de transmissão e realização de certos

ideais, também implica deparar-se com a privação, frustração e castração que

comportam a impossibilidade de plena realização dos mesmos” (JERUSALINSKY,

2002, p.131).

Então, é necessário que os pais se impliquem numa aposta, colocando em jogo

a possibilidade de um futuro para o seu bebê, para que a sua constituição como sujeito

não esteja fadada ao fracasso. É somente na medida em que as interrogações pelo desejo

sejam sustentadas pelos pais em relação ao bebê, que será viável num segundo

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momento, que elas possam ser realizadas pela própria criança. Supor um sujeito no bebê

é condição para que ele possa vir a ser, para que ele possa ter um corpo e utilizar as

diferentes aquisições instrumentais em nome de um desejo, que um dia possa ser o

desejo de aprender, de criar.

Vocês acham a nossa linguagem pobre e desajeitada, porque não dominamos a gramática. Por isso acreditam que nós pensamos pouco e pouco sentimos. Nossas crenças são ingênuas, porque não possuímos o saber que está nos livros, e o mundo é muito grande. Entre nós, a tradição substitui a lei escrita. Vocês não compreendem os nossos rituais e nem percebem a natureza dos nossos problemas. Somos criaturas extremamente complexas, fechadas, desconfiadas e camufladas; e nem a bola de cristal nem o olho do sábio lhes dirão qualquer coisa a nosso respeito, se vocês não tiverem confiança em nós e identificação conosco (KORCZAK, 1983, p.83).

É necessário transmitir para o bebê a sua história e o seu lugar simbólico do

ideal dos pais e social, para num segundo momento ele, já como criança, possa então

aprender, construir novas possibilidades, novos conhecimentos, e isso ninguém poderá

fazer por ele (JERUSALINSKY, 2002).

Diante do trabalho clínico ou educativo, temos que estar vigilantes quanto à

possibilidade de abafar com o saber técnico o que a criança deseja saber, fechando a

partir da técnica, todo o espaço de subjetividade que na criança está se constituindo.

Então a criança nada falará, e seu silêncio fará sintoma no corpo, porque o que não se

diz, de alguma maneira emerge, se manifesta. Quando não se manifesta no simbólico,

manifesta-se no real do corpo. Porque o que foi calado, embora tenha sido coberto pela

técnica, de algum modo fala.

Esse talvez seja um dos maiores cuidados que os profissionais que trabalham

com crianças devam ter: escutar, escutar, escutar, infinitamente escutar e apostar nelas

como sujeitos de desejo, capazes de realizações. Em muitos espaços que trabalham com

crianças pequenas, como escolas, UBS, hospitais, entre outros, chegam para algum tipo

de atendimento, bebês, crianças, mas não sujeitos psíquicos em constituição. Assim

como os seus pais ou cuidadores que estão ali, mas não como sujeitos de desejo, que

produzem um olhar, uma escuta, apostas, antecipações, demandas que muitas vezes não

vão além do que o diagnóstico e o prognóstico médico indicam. Esse é um quadro que

encontra-se também na atenção em saúde pública para a primeira infância, reduzindo

toda a dimensão do desenvolvimento a essas questões. Cabe destacar que a patologia

pode e deve ser tomada dentro de um contexto ampliado, histórico, cultural, social e

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político, pois foi nesse processo que as doenças foram sendo construídas na relação

entre o social e o sujeito. É nesse entre que a EP se propõe a operar, criando um espaço

de possibilidades, para o que muitas vezes, está marcado como impossibilidade,

fracasso, doença, patologias de todas as ordens, apostando e investindo nos sujeitos que

estão em processo de constituição psíquica.

A saúde pública tem um compromisso com essa questão, na medida em que é

necessário desenvolver novas estratégias de intervenção, visando superar modelos

ultrapassados de atenção em saúde que estigmatizam, excluem e não investem nos

sujeitos como potentes, ou seja, como potência de vida, de desejos.

7 CONSTRUINDO VISIBILIDADE PARA A PRIMEIRA INFÃNCIA

A metodologia empregada para o desenvolvimento desta pesquisa busca

consonância com a temática, tendo como pregorrativa uma lógica e uma política de

transformação, de construção coletiva social. A partir desta consideração, identifica-se

na Pesquisa-ação (PA) a sustentação necessária, dada a característica social da

investigação, de base empírica, realizada em estreita associação com uma ação ou

resolução de um problema coletivo. A escolha dessa metodologia ocorre na medida em

que se fez necessária uma construção de conhecimento crítico e coletivo, prospectando

uma proposta de atendimento em Estimulação Precoce para a saúde pública. A proposta

da pesquisa, desde o seu início, teve o caráter de construção coletiva, envolvendo todos

os atores sociais que se sentissem convocados a participar desse processo. Dessa forma,

foi necessário buscar uma metodologia que abarcasse mudanças e transformações ao

longo do percurso, as quais são próprias de um trabalho coletivo, processual e ético.

A PA, enquanto proposta de construção de conhecimento crítico e, portanto,

comprometida com uma ação política e social transformadora, surgiu, nos anos 1960, do

compromisso de cientistas sociais, educadores, profissionais de saúde e outros agentes

sociais com os interesses e necessidades dos setores populares. Segundo Hollanda

(1993), a PA propõe-se a transformar o objeto em sujeito do conhecimento, rompendo

com a tradicional relação saber-poder e suas pretensões de um sujeito de conhecimento

objetivo e neutro na pesquisa científica.

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Em meio às polêmicas que acompanham o debate da PA, Reason (1994),

advoga a PA como ‘pesquisa do novo paradigma’ e, enquanto tal, portadora de novas

estratégias de produção de conhecimentos que colocam em cena um ‘objeto’, antes

subalterno, que se torna, através da apropriação do processo de produção do saber,

sujeito de conhecimento. Segundo Reason (1994), esta postura de pesquisa incorpora

uma emergente visão de mundo, onde os seres humanos são cocriadores da sua

realidade e têm, portanto, capacidade para desvendá-la, compreendê-la e, através da

práxis – conhecimento aliado à ação política, transformá-la.

A PA pontua que a experiência vivida no cotidiano, quando ressignificada,

através de processos reflexivo críticos, é passível de transformação, assim como a

inseparabilidade entre conhecimento e ação, teoria e práxis. Como Coraggio (apud

HOLLANDA, 1993), postula-se que, através da PA, é possível construir, a partir da

problematização da vida e do trabalho cotidiano, o alargamento da consciência crítica,

no sentido de compreender a sociedade que promove incessantemente o movimento de

exclusão da maioria da população, e buscar alternativas que promovam a inclusão

social. Desde essa perspectiva, a pesquisa se propõe, em conjunto com atores sociais –

trabalhadores em saúde, rede atenção em saúde, gestores, usuários – a desenvolver um

processo crítico de construção na atenção em saúde aos bebês e crianças pequenas,

focando a intervenção em EP.

Kurt Lewin, psicólogo alemão que cunhou o termo Pesquisa - Ação, enfatiza a

inclusão do pesquisador no processo de pesquisa e ressalta que o trabalho de

investigação - entrevistas, análise de dados, dinâmicas de grupo, devolução - transforma

o objeto investigado. Assim articula-se uma nova forma de investigar e agir sobre o

campo social, associando, muitas vezes, pesquisa e política. Este movimento aprofunda

a ruptura com os enfoques tradicionais de pesquisa e amplia as bases teórico-

metodológicas das pesquisas participativas, enquanto proposta de atuação

transformadora da realidade, apostando em intervenções micropolíticas na experiência

social (ROCHA; AGUIAR, 2003).

Dessa forma, a pesquisa é momento de produção teórica e, sobretudo, de

produção do objeto e daquele que opera a pesquisa; assim a pesquisa é intervenção, já

que sempre se está implicado. Em relação à implicação do pesquisador, a análise

institucional desenvolveu o conceito de implicação, que visa pôr fim à suposta

neutralidade científica, destacando que o importante é desenvolver “um novo espírito

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científico”, no qual o pesquisador está implicado com o seu campo, onde sua

“intervenção modifica o objeto de estudo, transformando-o” (LOURAU, 2004, p.82). A

grande contribuição que este conceito traz é de que não há pólos estáveis sujeito –

objeto, mas que a pesquisa ocorre no espaço do entre, desestabilizando tais pólos e

respondendo por sua transformação. “Estar implicado (realizar ou aceitar a análise de

minhas próprias implicações) é, ao fim de tudo, admitir que eu sou objetivado por

aquilo que pretendo objetivar; fenômenos, acontecimentos, grupos, ideias, etc.”

(LOURAU, 2004, p.148).

Orientado por essas abordagens, compreende-se que conhecer não é representar

uma realidade pré-existente, mas sim um processo de invenção de si e do mundo

(KASTRUP, 1999). Assim, sujeito e objeto são engendrados de modo indissociável por

suas próprias ações. Nesse sentido, essa pesquisa se propôs a construir, inventar, criar,

em parceria com diversos atores sociais, o seu objetivo de desenvolver uma proposta de

EP para a saúde pública. Nesta pesquisa colocou-se o desafio da construção coletiva do

conhecimento, o que significou sensibilidade em relação às falas, atitudes, intervenções

de todos os atores envolvidos, que em muitos momentos se revelaram como

perturbadores, frustrantes, e em outros, como mais um passo no longo caminho em

construção.

A escolha em realizar a pesquisa na cidade de Novo Hamburgo ocorreu pelo

conhecimento anterior da inexistência de trabalho em EP na rede pública de saúde,

constatado em estudo anterior9. O município conta com CAPSi que já desenvolveu

experiências nesse sentido, mas não se efetivaram. Outro dado relevante é que o

município apresenta índice de mortalidade infantil significativo, apesar de contar em sua

rede de saúde com UTI neonatal e programas direcionados que atendem à primeira

infância. Nesse sentido, o município se configura como campo pertinente, na medida

em que equipamentos de saúde, desde atenção básica até a alta complexidade, compõe à

rede de saúde do município, porém com dificuldades em efetivar ações que

compreendam à primeira infância em sua integralidade.

O roteiro da pesquisa foi elaborado de acordo com a proposta metodológica de

Thiollent (2000). O autor propõe que o roteiro da pesquisa-ação seja flexível, não

havendo rigidez em suas fases, na medida em que as questões da pesquisa vão sendo

9 Estudo desenvolvido Educação Inclusiva Estimulação Precoce: um encontro possível? (BAMPI, Simone, 2007).

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trabalhadas com os atores sociais e outras problemáticas podem surgir, sendo

necessário, então, adequar às novas demandas e necessidades que emergem. Assim, o

processo de pesquisa tornou-se vivo, sendo difícil estar reduzido ao planejamento feito

inicialmente, pois na medida em que a pesquisa avançou novas configurações foram

surgindo e delineando um novo percurso. Nesse movimento de abertura e de construção

coletiva, não foi possível permanecer fixo ao projeto da pesquisa, que contava com uma

estrutura mais definida e sistematizada em fases. Novas configurações foram ocorrendo

em campo junto aos atores sociais, sinalizando o próximo caminho a ser tomado, sendo

necessário transpor o que o projeto de pesquisa preconizava, para ir construindo

coletivamente. Assim, pesquisa e intervenção estiveram associadas por todo o percurso,

produzindo ações clínicas, institucionais e políticas.

Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados dois tipos de dados: os

dados primários compostos por diário de campo das reuniões com as equipes e

profissionais dos serviços envolvidos na pesquisa e seminários / eventos voltados para a

temática da pesquisa. Em relação a essa questão os locais (amostra) que compuseram

foram: CAPSi, NUTRIR, Amigos do Bebê, Centro de especialidades médicas, gestores

da saúde, Primeira Infância Melhor (PIM), Hospital Municipal, UBSs e Conferência

Municipal de Saúde. Os dados buscados nesses espaços se configuraram como

pertinentes e elucidadores ao modo de atenção à primeira infância nos diferentes níveis

de complexidade em saúde. Caracterizando como cada espaço se situou, diante da

proposta de trabalho apresentada, como parceiro ou não na ação coletiva. O recurso

empregado na construção de uma possível rede de trabalho foi através de reuniões com

os serviços, mais especificamente, com profissionais que têm atuação junto à primeira

infância na área da saúde. Outro recurso significativo foi o Núcleo de EP, onde debates

e construções teórico-práticas clínica e institucional foram possíveis de articulação.

Os dados primários foram sendo construídos a partir das intervenções

desenvolvidas ao longo da pesquisa, que se configuraram como reuniões que ocorreram

com diferentes serviços da rede de saúde pública do município, participação em eventos

voltados para a questão da primeira infância e saúde pública. Construindo assim,

material que retrata a construção de um processo que se deu de forma coletiva,

articulando diversos atores sociais, potencializando a visibilidade para questões

pertinentes à pesquisa. Esse material foi registrado em forma de diário de campo.

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Os dados secundários referem-se aos indicadores coletados nos prontuários dos

recém-nascidos internados na UTI Neonatal do Hospital Municipal, com objetivo de

mapear a demanda no município para atendimento em EP, na medida em que havia

pouca sistematização e análise dos registros, acerca das necessidades de atendimento

das crianças pequenas neste âmbito. A escolha por esse recorte ocorreu pela necessidade

de atendimento especializado e multiprofissional que os recém-nascidos demandam

após alta-hospitalar. Durante o ano de 2007, nasceram no hospital 2.188 bebês, sendo

que 426 foram internados na UTI Neonatal, o que equivale a 19,46% do total de

nascidos. A amostra para essa pesquisa configurou-se em 203 prontuários de recém-

nascidos internados na UTI Neonatal do Hospital Municipal. A seleção da amostra foi

através do método sistemático.

Para sistematizar a pesquisa e o relato dos resultados, foram propostos três

percursos, que não se configuraram como algo estanque, mas sim processual e fluído. O

objetivo de organizar a escrita dessa forma é também de marcar os percursos em cada

território, de cada processo coletivo, clínico, institucional, político.

Primeiro percurso apresenta o relato de experiência e construção de três tempos

que abordam os movimentos iniciais da pesquisa em articulação com o CAPSi: - tempo

de inserção: neste tempo são relatados os primeiros contatos com o serviço que acolheu

a pesquisa e a inserção desta no campo; - tempo de construção: Núcleo de Estimulação

Precoce, espaço que foi construído coletivamente pelos atores sociais para acolher o

debate, estudo e proposições sobre a primeira infância; - tempo da clínica: relato de

como ocorreu a experiência piloto em EP e seus desdobramentos.

Segundo percurso discorre sobre o processo de articulação com a rede de saúde

pública do município e apresenta os dados obtidos através da análise dos prontuários

dos recém-nascidos no Hospital Municipal, assim como os seus desdobramentos: -

tempo de articulações com a rede de saúde pública: relato de como foi ocorrendo e se

desdobrando o trabalho de construção e articulação com a rede de saúde do município; -

tempo de visibilidade: apresentação dos dados dos prontuários dos bebês internados na

UTI neonatal do Hospital Municipal.

Terceiro percurso relata sobre a articulação que vem sendo estabelecida entre

serviços da rede de saúde do município e a participação ativa na Conferência Municipal

de Saúde: tempo de investimentos: relato da parceria do CAPSi no Hospital Municipal;

- tempo de controle social: relato das proposições da Conferência Municipal de Saúde.

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A partir da PA e da trajetória que a pesquisa foi delineando, a proposta

metodológica também se configurou como uma competência ética, “[...] a ética do fazer

implicado, resultado da habitação de um território. A ética revela-se também uma ética

da saída de si, onde o saber revela-se sempre limitado e a subjetividade é forçada a

encontrar-se com aquilo que se furta ao reconhecimento e ultrapassa a história”

(KASTRUP, 2002, p.23). Os procedimentos éticos adotados na pesquisa perpassaram

desde a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa - CEP

Feevale, até sua concepção como pesquisa que tomou os atores sociais como sujeitos

participantes e co-autores ao longo de todo o percurso. Dessa forma, o fazer implicado

sustentou o direcionamento que a pesquisa foi tendo ao longo do trajeto, na construção

de uma proposta coletiva, histórica, política, social e sustentada pela ética.

Ao longo do trabalho de pesquisa houve a possibilidade de pensar a

intervenção como um caminhar coletivo por processos mutantes, fluídos e flexíveis, e

que por não ser resumida ao encontro de unidades distintas e fixas - sujeitos da

investigação e objetos a serem investigados - não pode ser pensada como uma mudança

antecipável e previsível. Ao se propor a operar no plano dos acontecimentos, a pesquisa

contou com a possibilidade do ineditismo, do imprevisível da experiência humana,

optando pela disposição em acompanhá-la e surpreender-se com ela.

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8 O INSTITUCIONAL, POLÍTICO E CLÍNICO: A SIMULTANEIDADE DOS

PERCURSOS

Esta etapa se propõe a realizar o relato e análise de cerca de dois anos de

trabalho na construção de uma proposta de EP para a saúde pública. Ao longo desse

período, vários atores sociais entraram em contato com a proposta da pesquisa, com

níveis de engajamento e disponibilidade diferentes. Enfrentar o desafio de construir algo

novo no campo da saúde pública voltado para a primeira infância foi se configurando

como um longo caminho a ser construído, pois não havia ‘pistas’ por onde caminhar, e

foi somente no movimento, na busca pelo outro para construir junto que elas foram

emergindo. Dessa forma, configurou-se como um caminho coletivo, produzido por

muitos atores, alguns que aderiram e se mantiveram parceiros por todo o percurso;

outros que na desistência da caminhada, também foram apontando que aquele não era o

lugar mais adequado para se caminhar.

Da mesma forma que o bebê vai descobrindo o seu mundo à sua volta e vai se

constituindo enquanto sujeito em um movimento que é coletivo e sustentado pelo outro,

essa pesquisa buscou a sustentação coletiva para construir um espaço de intervenção

para a primeira infância pautada pela EP. Buscou desvelar, assim, o olhar e o modo de

cuidar da rede de saúde pública para essa população e o lugar que ela ocupa enquanto

sujeito de direitos. Na medida em que a pesquisa foi sendo construída, uma linearidade

temporal acompanhou o processo. Assim, vários tempos, que não são estanques, mas

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permeáveis e processuais, fizeram parte da investigação e intervenção, e foi através

destes tempos que houve a possibilidade de construir a escrita, já que a ação faz

inscrição, mas os seus efeitos só são visíveis no depois.

8.1 PRIMEIRO PERCURSO

Neste percurso, será relatada a passagem e processo de três tempos da

pesquisa, onde são destacados o movimento de inserção da pesquisa no CAPSi, a

experiência teórica, clínica e institucional desenvolvida a partir da constituição do

Núcleo de EP, e por fim, a experiência piloto de intervenção em EP.

8.1.1 Tempo de Inserção

A gênese dessa pesquisa surgiu a partir de investigação/pesquisa anterior

realizada sobre a relação da educação inclusiva e a EP, no escopo do curso de

Especialização em Educação Inclusiva, realizada no ano de 2006/2007. Na época, o

município não contava com atendimento em EP pela saúde pública, havia uma

experiência que era desenvolvida pelo Centro de Atenção Psicossocial da Infância e

Adolescência CAPSi Saca Ai, em um bairro da periferia. A proposta ocorria em um

serviço de saúde pública com profissionais e estagiárias do CAPSi que realizavam um

trabalho em grupo com criança pequenas e suas mães. Como era uma experiência

inicial, não houve a possibilidade de realizar a pesquisa, também não havendo abertura

do serviço.

No ano seguinte, novamente houve a busca pelo CAPSi para o

desenvolvimento de uma nova pesquisa, ou seja, da presente pesquisa. Foi realizado

contato com a coordenação do CAPSi, no início do ano 2008. A escolha pelo local

ocorreu por ser um lugar de referência para o atendimento em saúde mental para

crianças e adolescentes no município, estando em consonância com os princípios do

Sistema Único de Saúde e com ações voltadas para o campo clínico e político. Outro

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fator decisivo foi a necessidade de encontrar uma instituição pública parceira que se

identificasse com a proposta da pesquisa e tivesse interesse e disponibilidade de

contribuir no processo da mesma, já que a proposta de trabalho era de construção

coletiva com os atores vinculados à saúde pública.

O CAPSi opera na modalidade de serviço de atenção diária em saúde mental

desde 2006, sendo que anteriormente funcionava como ambulatório. É a instituição

pública municipal responsável pelo atendimento em saúde mental de crianças e

adolescentes, de zero a dezessete anos de idade. Conta com uma equipe composta por

assistente social, psiquiatra infantojuvenil, pedagoga, cinco psicólogas, técnica de

enfermagem, três auxiliares administrativos, duas serviços gerais, além de estagiários de

psicologia e residentes. Ao longo da pesquisa, a equipe foi mudando sua configuração,

algumas vezes pela opção do profissional em afastar-se do serviço, outras por pedido de

cedência para outro setor do Departamento de Saúde Mental, assim como também

circularam os estagiários, os residentes e voluntários. Cabe destacar que o CAPSi

trabalha com a proposta de descentralização, de acordo com as diretrizes da Reforma

Psiquiátrica regulamentada pela Portaria n. 336, de 19 de fevereiro de 2002, atuando nos

distritos de Canudos, Santo Afonso, Hamburgo Velho e Rincão.

O contato com a coordenação do serviço para o estabelecimento da parceria

para o desenvolvimento da pesquisa ocorreu em um momento oportuno, pois havia

naquele período abertura da coordenação para o desenvolvimento da mesma como

também o desejo de que o trabalho em EP pudesse realmente ser desenvolvido pela

instituição. O CAPSi já tinha realizado experiência anterior com um grupo de mães e

crianças pequenas, tendo conhecimento da importância desse tipo de intervenção, assim

como do seu compromisso como articuladora da rede de saúde em relação à infância.

No entanto, não havia demanda para atendimento em saúde mental de crianças

pequenas com até três anos de idade; pelo menos não ocorriam encaminhamentos, e se

ocorria, algo nesse processo não se efetivava como atendimento.

A constatação da dificuldade de estabelecimento da prática em EP se

desdobrou em questão norteadora para a pesquisa, pois há a identificação da

necessidade desta população, mas isto não se efetiva em reconhecimento, prioridade ou

mesmo serviço. Os dados revelam que o município conta com uma população estimada

em 257 mil habitantes (IBGE, 2009) e o Departamento de Saúde Mental Municipal

(2009) estima que em média 60 mil pessoas no município precisarão de algum tipo de

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atendimento em saúde mental, sendo que deste valor 5% são crianças e adolescentes.

No campo da saúde mental infantil, muitas vezes, o encaminhamento e o acesso ao

atendimento não ocorre por uma demanda da família, mas sim por profissionais de áreas

como a educação, que identificam alguma dificuldade no desenvolvimento da criança.

A busca pelo serviço e atendimento se dá a partir de uma necessidade sentida e tomada

como demanda, mas nem sempre há conhecimento suficiente para que a dificuldade seja

tomada como motivo de intervenção.

A busca pelo serviço de saúde está diretamente relacionada à percepção que os

indivíduos e as populações têm acerca de suas necessidades e problemas de saúde, a

partir de demandas singulares de atenção e cuidado. Visto assim, as desigualdades no

uso de serviços de saúde ou mesmo a falta de acesso a um determinado atendimento

refletem tanto as desigualdades individuais no risco de adoecer e morrer, além das

características da oferta de serviços que cada sociedade disponibiliza para seus

membros (Travassos et. al., 2000). Portanto, os dados apresentados pelo Departamento

de Saúde Mental também colaboraram para o engajamento do serviço na parceria para o

desenvolvimento da pesquisa, pois havia o interesse do CAPSi em poder desenvolver

um trabalho voltado para o atendimento em EP e que estivesse articulado com a rede de

saúde pública.

Uma das questões que foram debatidas desde o início foi o papel e a função da

pesquisa no serviço, pois o trabalho a ser desenvolvido não seria isolado, mas sim uma

produção coletiva que demandava a participação e implicação ativa da equipe. Essa

premissa foi acolhida pela equipe, embora houvesse percepção de que o grupo

precisaria de constante estímulo para investir em uma nova frente de trabalho, visto que

a instituição era tomada pelas frentes habituais de atendimento, em sua maioria de

adolescentes com quadros graves de desestruturação subjetiva. Aqui cabe destacar a

necessidade de desenvolver intervenções em promoção de saúde pautadas pela

integralidade, assim como intervenções precoces, o que muito possivelmente

minimizaria os danos ao longo do desenvolvimento e que, sobremaneira, poderia

repercutir em uma dimensão ampliada na adolescência. Esse fato contrasta com a quase

inexistência de demanda para atendimento em saúde mental para bebês e crianças

pequenas, momento privilegiado para intervenções estruturantes e de promoção, como

elucidou Mannoni (apud CORREIA, 1997, p.56): “O verdadeiro domínio onde se exerce

a psicanálise é o da pediatria. Em psiquiatria, muitas vezes já é tarde de mais”.

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Outro ponto relevante a ser destacado é que, embora não ocorressem

encaminhamentos da rede de saúde pública para o atendimento de bebês e crianças

pequenas, o início da pesquisa gerou uma demanda interna no CAPSi para atendimento.

Em sua maioria eram irmãos menores de pacientes que já estavam em atendimento no

serviço, filhos de pacientes em atendimento, ou casos que não tiveram continuidade

com o término do grupo de mães e crianças pequenas. No entanto, foi elucidado de que

não seria atendida essa demanda imediatamente, pois o objetivo era de construir

coletivamente uma proposta de intervenção em EP e não apenas realizar o atendimento,

sem ter se configurado uma estrutura mínima e necessária para uma nova frente de

trabalho que se apresentava.

Sem dúvida, se tratam de situações que precisavam ser atendidas pela

precocidade e urgência, mas que até o momento a equipe não tinha conseguido se

organizar para atender e tomar essa questão como investimento, seja pela premência de

outros casos mais graves, seja pela falta de visibilidade dessas crianças no serviço, ou

ainda outros motivos. Em muitos momentos, foi necessário estabelecer com a equipe

algumas combinações, na medida em que todos estavam diante de um processo novo,

em construção, convocando para o trabalho coletivo, o debate, a escrita, outras formas

de intervenção que não fosse o atendimento clínico específico, mas sim todo o

movimento anterior e necessário para que fosse viável construir uma proposta de EP

para a saúde pública. A pesquisa, de certa forma, criou uma brecha na rotina frenética

do serviço, pois eram necessários momentos de reunião para que se pudesse falar de

algo ainda muito embrionário, sem visibilidade, sem evidências para seu

estabelecimento. O processo de assimilação e compreensão da pesquisa, pela equipe, foi

ocorrendo aos poucos.

8.1.2 Tempo de construção: Núcleo de Estimulação Precoce

Desde o início da pesquisa, houve a participação nas reuniões de equipe do

CAPSi que ocorrem todas as quinta-feiras pela manhã, momento em que são agendados

assuntos diversos, discussão de casos, supervisão de equipe. Na primeira reunião houve

um espaço para apresentação da proposta da pesquisa e seus objetivos. Foi positiva a

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recepção e também cabe o destaque que essa é a primeira pesquisa de mestrado

realizada em parceria com o serviço. Houve falas de interesse por alguns profissionais

que se mostraram dispostos a colaborar e participar ativamente do processo a ser

construído. Outros se mostraram simpatizantes à questão, mas não tinham

disponibilidade de tempo, estando voltados para outras frentes de trabalho e interesses,

outros ainda não emitiram nenhum comentário. Por parte dos estagiários ocorreu certo

estranhamento, pois alguns ficaram curiosos de como seria o trabalho em saúde mental

com bebês e crianças pequenas ou mesmo desconheciam do que se tratava a EP.

A partir desse momento, foi proposta a criação de um espaço onde as pessoas

que tinham interesse em participar da pesquisa, ou mesmo compartilhar e construir

conhecimento, pudessem se reunir e iniciar um diálogo voltado para a construção do

trabalho em EP. Foi formado um pequeno grupo, composto pela fonoaudióloga (na

época a equipe contava com a profissional) 10 e mais duas psicólogas, que foi nominado

de Núcleo de Estimulação Precoce. A proposta inicial era que os encontros seriam

semanais e teriam a função de ser um espaço privilegiado para o debate sobre as

questões relativas ao trabalho em EP a partir da pesquisa. Um dos objetivos do Núcleo

de EP é realizar parcerias com outros serviços do município que atendem a primeira

infância, no intuito de criar um grupo ampliado de trabalho, abrindo o debate e

potencializando a rede de atenção. Outro ponto a ser destacado são os momentos de

leitura de textos, visando o aprofundamento teórico na construção de uma direção de

trabalho interdisciplinar sustentado pela ética da Psicanálise. Apesar do interesse do

serviço em trabalhar com essa proposta e ter algumas experiências nesse sentido - como

por exemplo, os grupos de puericultura desenvolvidos em algumas UBS - até então não

havia nenhum espaço instituído de articulação e estudo que privilegiasse a primeira

infância na construção de uma direção de trabalho voltado para a EP.

O Núcleo se configurou como um espaço importante na organização e

sustentação do trabalho, compondo a abertura para discussão de casos, articulações com

outros profissionais e serviços da rede, assim como espaço de estudo e de proposições

coletivas. Era necessário constituir, criar um espaço que não fosse apenas concreto, real,

mas também simbólico para que a possibilidade de uma clínica voltada para a EP

pudesse ir se constituindo a partir do discurso articulado com outras áreas e serviços em

uma proposta interdisciplinar. 10 A profissional afastou-se do serviço por licença saúde, em fevereiro de 2009.

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Uma das experiências do Núcleo de EP foi conhecer o trabalho da equipe de

EP do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, na articulação com a saúde pública. Esse

serviço se configura como referência no atendimento em EP, como na formação de

profissionais que trabalham com o referencial da Psicanálise e interdisciplina em EP.

Uma das questões abordadas pela equipe do serviço visitado, foi que não há um trabalho

voltado para o campo da saúde pública, na medida em que a maioria dos

encaminhamentos que chegam ao serviço é particular. Conversamos sobre a

importância desse trabalho clínico com a primeira infância focando o desenvolvimento

integral e a expansão para a saúde pública. Também emergiram nas falas dos

profissionais da equipe os desafios, impasses, exigências de formação e a importância

do trabalho interdisciplinar, assim como a ampliação do debate no âmbito público.

Ficou clara a importância e o desafio que a pesquisa tinha pela frente, aliar, construir

um lugar comum, conexões entre a intervenção em EP e a saúde pública. Essa

constatação foi sendo construída na medida em que a pesquisa avançava, pois embora

exista conhecimento teórico-clínico aplicado ao atendimento particular, essa experiência

não se estende para a saúde pública.

O Núcleo de EP buscou construir e sustentar uma direção de trabalho, pois

embora o serviço tivesse como referencial teórico clínico a Psicanálise, que orientava a

perspectiva de possíveis intervenções, nem sempre essa era uma questão pactuada por

todos os integrantes do núcleo e mesmo da equipe do CAPSi. Tiveram momentos de

intensos debates acerca do que é EP sustentada pela interdisciplina e pela Psicanálise, já

que existem várias teorias que sustentam visões e propostas diferentes de EP, como

seria o trabalha desenvolvido pelo CAPSi, qual público seria atendido, quais as pessoas

da equipe que fariam o atendimento, como os bebês seriam encaminhados para o

serviço, e assim muitas outras questões surgiram na medida em que essas se

desdobravam. Era imprescindível que esse trabalho não fosse solitário e que houvesse

articulação com outros serviços e profissionais para sustentar o debate e a potência

criativa para encontrar estratégias que viabilizasse a EP como intervenção clínica, como

campo privilegiado para que dispositivos fossem fecundando a intencionalidade para a

construção de políticas públicas.

O Núcleo demonstra uma dinâmica de abrir frentes de trabalho. O grupo abre

brechas para o debate, internamente com os outros profissionais que não participavam

dos momentos de encontro e externamente, com outros serviços, dando visibilidade para

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questões da primeira infância. Essa foi é ainda é uma questão que permanece, pois a

construção diária é necessária para a sustentação de um trabalho que não é clínico focal,

mas que tenta tramar a rede necessária para que intervenções clínicas institucionais

possam ir acontecendo, se desdobrando em intervenções que possuam caráter mais

político. E é deste movimento que a clínica pode advir, não como consequência, mas

sim como processualidade. É neste sentido que podemos falar dos efeitos políticos que

o exercício da clínica produz, e da indissociabilidade entre estes dois campos. Pois, os

conceitos e valores que se encontram no centro da clínica em EP, sustentada pela

interdisciplina e Psicanálise, como o respeito pela diferença, o incentivo à autonomia, o

apelo à solidariedade, o apreço pelos laços de afetivos, a valorização da ação no espaço

público - se situam num pólo de contraste em relação aos valores predominantes no

universo subjetivo atual e, portanto, têm intrinsecamente um valor político, o de

fomentar o debate constante e processos potentes socialmente.

Internamente, foi organizado pelo Núcleo de EP o I Seminário sobre EP, com a

proposta de realizar um trabalho de sensibilização para as questões da primeira infância

e EP, a partir da leitura e debate de um texto. Algumas questões foram levantadas pela

equipe e também foi oportuno clarear sobre a pesquisa, pois algumas dúvidas surgiram.

Dúvidas como: quando iniciariam os atendimentos, em que espaço físico, quem

atenderia? Questões que ainda não tinham respostas, pois estavam em construção e

demandavam que mais interlocutores se apropriassem desse movimento de construção

de direção de trabalho para a primeira infância no serviço. O convite para que mais

pessoas pudessem participar do Núcleo de EP foi feito, mas não surtiu resultado. Foi

fundamental elucidar neste momento que a proposta de intervenção, se ocorresse, seria

fruto do trabalho coletivo e não algo isolado e sustentado apenas pela pesquisa.

Na medida em que foram sendo trazidas algumas questões sobre experiências

anteriores com crianças pequenas desenvolvidas pelo serviço, foi possível identificar

questões significativas oriundas de intervenções anteriores que retornavam. Um

exemplo dessas experiências desenvolvidas foi o grupo de mães e bebês que ocorreu no

bairro Santo Afonso no NUTRIR11, coordenado pela neuropediatra e por uma estagiária

de psicologia. Quando o trabalho que investia na relação mãe-bebê encerrou pelo

afastamento das coordenadoras, não houve continuidade. Esse era um ponto que não

11 NUTRIR é um projeto municipal que atende crianças em situação de risco e carência nutricional, através de programas governamentais e atendimentos nutricionais.

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pretendia ser repetido pela proposta da pesquisa: iniciar um trabalho e o mesmo não ter

continuidade após o término da pesquisa. Para iniciar um trabalho de intervenção

clínica, era necessária a parceria da equipe na sustentação do mesmo e que fosse tomado

como algo do serviço e não personalizado em algumas pessoas; ou seja,

independentemente de quem estivesse no CAPSi o atendimento continuaria, seria

incorporado ao rol de intervenções, estando portanto instituído. Sempre que esta

premissa era assinalada, certo mal-estar se instaurava; seja porque ali algo de denúncia

emergia, no sentido assinalar os limites do serviço, os desinvestimentos, o quanto é

necessário a proposta de trabalho ser instituída e não personificada, ou por evidenciar a

falta de lugar para bebês, não apenas lugar físico, mas simbólico.

No tecimento da rede interna e externa, alguns nomes de bebês começaram a

surgir através da fala de profissionais que viam o limite da sua intervenção e

demandavam uma outra proposta que correspondesse às necessidades apresentadas

pelos bebês. Cabe destacar que não era um encaminhamento no sentido de apenas se

livrar do problema, era o início de um trabalho em rede, voltado para a primeira infância

e suas questões. Nos momentos de reunião do Núcleo de EP falava-se sobre esses

bebês, suas iniciais histórias de vida eram contadas com angústias, dúvidas e sofrimento

por parte dos profissionais que atendiam essas crianças. Esses sentimentos não eram

pertinentes somente ao que se produzia como discurso em relação aos bebês, mas

também pela impossibilidade de atendê-los pela intervenção em EP. Tratava-se da

existência de patologias orgânicas significativas, com múltiplos atendimentos

profissionais em serviços diferentes, contexto que pode produzir danos significativos

para o desenvolvimento integral dos bebês e que apareciam como sintoma nas múltiplas

internações hospitalares, na falta de ganho de peso, na apatia dos pais e dos bebês. Essa

situação pode se configurar na medida em que o bebê circula pelos serviços e por

diversos profissionais, sem que ocorra a construção de um trabalho comum, através da

troca e articulação do entre as especialidades. Assim a intervenção é focada na patologia

e vista por cada especialidade pertinente, porém o bebê não é tomado como sujeito em

processo de desenvolvimento integral, questão que não poderia ficar relegada a um

segundo plano e que necessita de um olhar mais cuidadoso, de uma escuta.

Com a proposta de compartilhar com a equipe os movimentos que o Núcleo de

EP realizava, assim como as demandas de atendimento em EP que começavam a surgir,

foi realizado o segundo Seminário interno sobre EP. O objetivo era de sensibilização

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para que se pudesse falar da primeira infância, da criança enquanto sujeito de direitos,

dos serviços existentes no município que atendem essa faixa etária, da demanda

reprimida para atendimento em EP, e principalmente que espaço havia no CAPSi para

iniciar uma experiência piloto. O seminário possibilitou que cada membro da equipe

pudesse falar sobre sua expectativa, investimento em relação ao que vinha se

configurando processualmente como campo discursivo e de agenciamento de novas

práticas para a primeira infância. Mais uma brecha para falarmos da temática sendo um

dos movimentos que ao longo da pesquisa o Núcleo foi ratificando internamente e

externamente ao CAPSi. Para a equipe, ainda era uma proposta de trabalho distante das

demandas de atendimento que chegavam a todo o instante para atendimento de crianças

maiores e adolescentes. Era um debate muito inicial, mas com pequenos avanços. Foi

possível iniciar um processo de análise em relação às intervenções que ocorriam nas

UBSs, através dos grupos de puericultura. Esse trabalho ocorria nas UBSs dos bairros

Canudos, Santo Afonso, Primavera, em parceria com profissionais da unidade de saúde.

A modalidade de intervenção era de grupo aberto com caráter informativo, onde os

profissionais davam informações que julgavam pertinentes em relação a esse período.

O CAPSi se propôs a participar destes grupos em parceria, mas não foi um

trabalho construído coletivamente em sua origem; normalmente partia da intenção do

pediatra da unidade e os outros profissionais iam se inserindo. Os grupos de

puericultura se configuram como uma estratégia importante e fundamental na atenção

básica, porém não há a possibilidade de continuidade com os mesmos participantes,

pois geralmente as mães e bebês participam desse momento apenas antes da primeira

consulta pediátrica. Dessa forma, questões que vão aparecendo com o tempo não têm

como serem acompanhadas e não se consegue produzir uma proposta de trabalho para

além da questão informativa. Com o início da implementação do Pacto Municipal para a

Redução da Mortalidade Infantil Amigos da Saúde – Atenção Integral Maternoinfantil

(2009), esses grupos foram tomados como modelo de intervenção a serem

implementados em todas as UBS. No entanto, tal implementação se deu sem uma

avaliação da sua eficiência e resultados em relação ao desenvolvimento dos bebês e do

impacto dessa intervenção na redução da mortalidade infantil no município.

A partir deste processo cotidiano de trabalho, começaram a surgir

questionamentos quanto à clínica que o CAPSi vinha desenvolvendo com esse público,

seus objetivos, resultados e se realmente essa intervenção estava em sintonia com as

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diretrizes do serviço. Foi sendo expressa a necessidade de um trabalho que focasse

também bebês e crianças pequenas em situação de risco para o desenvolvimento,

público que normalmente não chega a participar dos grupos de puericultura, pois tem o

seu acompanhamento pediátrico realizado no Centro de Especialidades Médicas, que é

distante da maioria dos bairros da cidade. É importante destacar esse acompanhamento

pediátrico é realizado por uma profissional que também trabalha na UTI neonatal do

Hospital Municipal, porém quase não houve registro do encaminhamento nos

prontuários.

Esse tempo marcou a importância de desenvolver o trabalho interno no CAPSi,

criando espaço para que pudesse começar a suscitar questões pertinentes ao trabalho

com a primeira infância no serviço e das intervenções desenvolvidas em parceria com

outras instituições. Limites do trabalho foram redimensionando a pesquisa, avanços

criando espaços para advir novas frentes.

8.1.3 Tempo da clínica

A partir das produções do Núcleo de EP e do que foi emergindo como

possibilidade de intervenção, foi organizada uma experiência inicial no serviço para o

atendimento em EP desses dois bebês. O trabalho iniciou com a parceria entre a

psicologia e a fonoaudiologia, pois ambos os bebês tinham questões significativas em

relação à parte oral, tanto estrutural como funcional. A experiência de trabalho foi

significativa para os profissionais que estavam coordenando a intervenção, pois

demonstrou o quanto era necessário para os pais terem um espaço para falarem dos seus

bebês como filhos, e não apenas como manusear a sonda, aspirar, ou outras questões

técnicas. A fragilidade tanto física quanto psíquica dos bebês era visível, talvez ainda

salientada pelas múltiplas intervenções profissionais, sem nenhuma articulação entre os

mesmos. O trabalho em seu início foi realizado por momentos de entrevista individual

com os pais e com o bebê, onde ambas as famílias trouxeram a necessidade que sentiam

de um espaço onde pudessem falar sobre seus filhos como sujeitos em desenvolvimento

e não apenas da patologia que ia se revelando no corpo. Era necessário um lugar de

reconhecimento, de acolhimento das questões produzidas pelos pais para além das

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intervenções que vinham tendo até o momento. A confirmação da certeza de que a

intervenção em EP era necessária no âmbito da saúde pública veio pela fala dos pais,

que encontravam consonância com a seguinte proposição de que “intervenções

importantes feitas no início da vida são vistas como pequenos investimentos que trarão

altos retornos em termos de bem-estar físico, mental e econômico durante a vida da

criança e do adulto” (BANCO MUNDIAL, 2002, p. 7).

Esses atendimentos duraram alguns meses e foram interrompidos pela falta de

continuidade da parceria interdisciplinar, pois a fonoaudióloga necessitou se afastar do

serviço por um longo tempo, por motivos de saúde. Naquele momento, com poucos

profissionais de outras áreas na equipe e sem essa proposta estar instituída, não houve

condições para a continuidade. A partir dessa situação foi visto o quanto ainda era

necessário amadurecer a proposta de trabalho com a equipe e com a rede de saúde;

também se evidenciou que a proposição dessa frente de trabalho não ocorreria por uma

proposta interna do CAPSi, mas que demandava um trabalho a médio, longo prazo de

investimento e inscrição na rede, nos profissionais e tecida no coletivo como algo

necessário para o desenvolvimento integral desses bebês que ainda não eram nominados

e nem visíveis. A visibilidade estava colocada na patologia, na síndrome e não no

sujeito em constituição, questão atinente tanto ao CAPSi, como ao modelo de saúde

norteador de programas e ações no município. Essa era uma questão maior, no sentido

de mudar a lógica de atender e entender os processos iniciais no início da vida e as

consequências dos mesmos ao longo desta.

Assim, pensar a clínica pela psicanálise é “experimentar, fazer existir o que não

existia, o que não estava dado antes da interlocução, por falta de interlocutor”

(BORGES, 2007, p.206). Nesse sentido é que se buscou interlocutores na rede de saúde

pública do município para pensar o trabalho com a primeira infância, potencializando

encontros, circulação da angústia e da palavra, de possíveis hipóteses de intervenção,

entre outras tantas questões que emergiram nos encontros. Nem sempre foi fácil manter

a interlocução, pois, muitas vezes, os parceiros de trabalho também eram tomados por

outras demandas, pela angústia que também paralisa, e novamente era necessária a

retomada de sustentação do espaço que já tinha sido criado no Capsi.

Começaram a ser faladas questões que anteriormente não tinham expressão,

como a circulação de bebês no serviço, a pertinência desse tipo de intervenção, a falta

de prioridade em relação à primeira infância e direção de trabalho com essa população,

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mas que talvez estivessem latentes, sendo talvez potencializadas no espaço de debate

sobre a primeira infância e a saúde mental. São temas que aos poucos estão sendo

expostos, mas há outros que ainda estão silenciados, sofrendo assim do que não é dito,

do que não tem visibilidade, da mesma forma que a primeira infância em situação de

risco para o desenvolvimento, assuntos caros para a sociedade como um todo.

8.2 SEGUNDO PERCURSO

Este percurso aborda o processo que foi construído de articulação com a rede

de saúde pública do município, objetivando produzir visibilidade para que a primeira

infância pudesse ser falada para além do sintoma social da mortalidade infantil,

propondo agenciamentos para que intervenções em EP fossem viáveis.

Também é apresentado o percurso de análise dos prontuários dos recém-

nascidos internados na UTI neonatal do Hospital Municipal, assim como a apresentação

destes, divididos em dois segmentos: dados das mães e dados dos recém-nascidos.

8.2.1 Tempo de articulações com a rede de saúde pública

Paralelamente ao processo de inserção e intervenção no CAPSi foi realizado o

credenciamento da pesquisa à Secretaria de Saúde municipal, com o encaminhamento

do projeto. Tendo o aceite para a realização da pesquisa, foi possível continuá-la com a

proposta de trabalho coletivo. O retorno dado via protocolo pela gestão municipal foi de

que a pesquisa, após seu término, deveria ser apresentada à gestão. A pesquisa também

foi protocolada ao Hospital Municipal, com o objetivo de acesso aos prontuários dos

recém-nascidos internados na UTI Neonatal. O retorno foi de aceite, mas não houve

nenhuma demanda em relação à pesquisa.

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A primeira reunião neste contexto buscou a articulação com a rede pública e a

gestão municipal, para iniciar o debate sobre o atendimento em EP para a rede pública

de saúde do município. Ocorreu na Prefeitura, estando presentes profissionais do CAPSi

e o representante da saúde da gestão na época, com objetivo de apresentar a proposta da

pesquisa articulada ao CAPSi e buscar o apoio da gestão para dar visibilidade a essa

problemática, articulado aos outros serviços do município. O gestor nos apresentou

dados sobre mortalidade infantil no município, que na ocasião era um dos indicadores

de saúde que preocupava a gestão, pois o índice do município de 18.4 / 1000 (2008), era

maior do que o do estado 13.5/1000 (2007). Havia intenção que propostas de

intervenções objetivassem diminuir o índice de mortalidade infantil, porém não aparecia

no discurso da gestão o conhecimento específico sobre as causas que produziam tais

intercorrências. Neste momento, ficou clara a necessidade de uma direção de trabalho

político e clínico que compreenda as dimensões de prevenção e promoção em saúde em

todos os níveis de atenção e cuidado, pois é a partir de investimentos nesse sentido que

o quadro da primeira infância no município poderá ser modificado.

Foi apresentado o funcionamento do CAPSi pelos profissionais presentes,

informando o grande número de adolescentes que são encaminhados para atendimento e

que, na grande maioria das vezes, aparecem questões desde o início da vida que não

foram observadas, encaminhadas e atendidas adequadamente. Foi proposto um próximo

momento de reunião com outros serviços para ampliarmos o debate. Havia um total

desconhecimento pela gestão sobre essa temática e um questionamento sobre a demanda

para esse tipo de intervenção, mostrando desconhecimento se haveria público para

atendimento em EP no município. Falamos sobre a importância da redução da

mortalidade infantil e que, para tanto, seriam necessárias intervenções ampliadas e não

apenas focais, buscando a integralidade da atenção e que a EP tem esse pressuposto.

Também foi assinalado o quanto é importante pensar na qualidade de vida das crianças

e na garantia dos direitos para que a visibilidade não venha através desse indicador de

morte e não de vida. Esse indicador aponta o quanto ainda na atualidade a infância passa

por situações que demonstram a fragilidade de seu status enquanto processo histórico,

social e político. As ações de saúde em sua grande maioria possuem um caráter

eminentemente paliativo, não indo nas raízes que são históricas, para proporcionar um

verdadeiro quadro de mudança frente às questões de vida e morte que a primeira

infância enfrenta, desde a sua descoberta como fase do desenvolvimento.

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No debate posterior sobre a reunião com a gestão, com a equipe do CAPSi, foi

analisado o quanto ainda não havia visibilidade para as questões da primeira infância no

município, pois somente o indicador de mortalidade infantil era observado. Também foi

cogitada a desarticulação dos serviços que trabalham com essa população e pela falta de

demanda de atendimento em EP nessa faixa etária. Algumas hipóteses a respeito dessa

questão foram levantadas: o desconhecimento dos pediatras, enfermeiros e outros

profissionais, sobre desenvolvimento na primeira infância para além das questões

orgânicas, quase sempre tomadas pela lógica da doença e não do sujeito; a não

existência de um serviço / espaço de atendimento que contemple essa população a partir

dessa perspectiva, a inexistência de uma direção de trabalho na rede de saúde que

contemple a primeira infância para além da redução da mortalidade.

Através do movimento e investimentos para fora do CAPSi, em outros serviços

e na busca do trabalho em rede, ocorreu uma reunião no Hospital Municipal com

pediatra da UBS e com profissionais do Projeto Amigos do Bebê,12 com o objetivo de

ampliar para além do CAPSi o Núcleo de EP. Foi explicitada a proposta de trabalho e se

havia a possibilidade de parceria para a construção de atendimento em EP. A idéia

inicial era de autoria coletiva entre diferentes serviços e profissionais no âmbito da

saúde pública, buscando desenvolver uma rede para a primeira infância objetivando a

construção da intervenção em EP. A proposta não foi acolhida em sua proposição de

produção coletiva, pois o interesse explicitado pelos participantes da reunião, era de que

houvesse um serviço para encaminhar quando necessário e não de participar da

construção, demonstrando que não havia interesse por parte dos profissionais em

participar da construção de uma proposta de trabalho, mas apenas de encaminhar. Essa é

uma lógica de trabalho que enfatiza a patologia, onde cada área cuida da sua

especificidade sem articulação com outra, sendo marca de uma intervenção que não

acolhe o sujeito em sua integralidade, distante de um trabalho articulado e

interdisciplinar que era a proposta. As inúmeras tentativas e retomadas da questão

pareciam não surtir efeito, pois para se aventurar a construir algo ainda inexistente em

saúde pública com a sustentação da interdisciplina, pressuporia uma busca incessante e

continuada por formação profissional e abertura para o outro, o que não estava

disponível naquele momento para estes atores.

12 É um projeto desenvolvido pelo município que atende bebês e mães em situação de risco até um ano de idade, realizando visitas domiciliares e busca ativa.

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Outra questão relevante neste percurso entre instituições foi o desconhecimento

dos profissionais em relação à EP, revelando o quanto é necessário fomentar esse debate

e disseminar tal conhecimento para a saúde pública. No desdobramento deste processo

houve a possibilidade de marcar um outro momento para continuar a conversa, com a

participação da coordenação do Projeto Amigos do Bebê. Essa segunda reunião não

diferenciou da primeira, estando presentes os mesmo profissionais e mais a coordenação

do Amigos do Bebê. Novamente não houve interesse em aprofundar o debate e de criar

um espaço entre os serviços para sustentar o trabalho em rede com essa população.

Havia um entendimento equivocado de que seria mais uma reunião entre tantas outras

para participar de forma burocrática e normatizante. Também houve certa negação do

limite do trabalho, na medida em que foi argumentado que o Amigo dos Bebês

conseguia cumprir plenamente todas as suas incumbências. Desta forma não houve

espaço para que a falta pudesse agir como potência criativa e de agenciamento de novos

encontros e processos, assim como para a busca de um trabalho em rede e articulado,

que pressupõem o encontro com o outro como potencializador do trabalho.

Dando segmento ao investimento na rede, ocorreu uma reunião do Núcleo de

EP com a neuropediatra do município, que atualmente trabalha no Centro de

Especialidades Médicas, mas já foi membro da equipe do CAPSi. Foram vistas uma

série de questões pertinentes ao trabalho com EP, como: equipe mínima para iniciar esta

intervenção, parcerias necessárias com a rede, formação de profissionais da atenção

básica para identificação de situações que demandassem um olhar mais direcionado,

entre outras. A idéia de parceria para construir o trabalho coletivamente também foi

colocada e houve uma relativa aceitação; no entanto, não havia a possibilidade da

profissional participar de reuniões com maior frequência. Paralelamente surge uma

questão pertinente ao trabalho e que foi desdobrada por algum tempo a partir das

premissas levantadas: ao atendimento de bebês com patologias orgânicas ou

sindrômicos são público para atendimento no CAPSi? Esta reflexão segue a linha de

segmentação, que esses bebês deveriam ter atendimento em outro local, como por

exemplo, a APAE. A marca no corpo da patologia orgânica era tomada naquele

momento como algo que excluísse questões psíquicas e não pudesse ser também

contemplada na intervenção no CAPSi. Longos debates sobre essa questão foram

produzidos, nunca fechando um consenso. De certa forma, um espaço para que essa

questão continuasse circulando e se apresentando como uma interrogação: os bebês com

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questões orgânicas por que não poderiam ser atendidos no serviço, se fosse identificado

algo no desenvolvimento inicial que não estivesse ocorrendo como esperado.

Por que segmentar o corpo, se nos primeiros anos de vida é através dele que os

sintomas aparecem? Como pontua Jerusalinsky (2005), nesses casos quando algo de

base orgânica se apresenta a EP desenvolve um trabalho prevenção secundária, e nesse

sentido muito poderia ser realizado. Uma das frentes de trabalho do CAPSi é a

promoção da saúde e a prevenção de doenças psíquicas, no sentido de que a intervenção

é o momento privilegiado para contemplar essa abordagem.

Observava-se que mesmo com o investimento que era realizado tanto

internamente quanto externamente, muito tinha que ser avançado para desenvolver uma

proposta de trabalho, pois as questões que emergiam eram anteriores, compreendendo

desde a falta de direção de trabalho com a primeira infância no município, a ausência de

política pública para esse segmento - que têm visibilidade quando aparece sob o

indicador de mortalidade sendo que é a partir desse dado que ocorrem alguns

investimentos por parte da gestão pública municipal.

Segundo Travassos et al. (2000), a disponibilidade, o tipo, a quantidade de

serviços e recursos - financeiros, humanos, tecnológicos - a localização geográfica, a

cultura médica local, a ideologia do prestador, entre outros, são aspectos da oferta que

influenciam o padrão de consumo de serviços de saúde. Da mesma maneira, as escolhas

individuais também são cruciais, embora nem todas as necessidades se convertam em

demandas e nem todas as demandas sejam atendidas pelo serviço. Muitas vezes por

indução da oferta, o uso de serviços não está relacionado somente com as necessidades,

mas com outros fatores. A experiência da pesquisa corrobora tal afirmação, pois embora

exista a necessidade de atender as crianças não há oferta de serviço em EP, por fatores

que vão desde as prioridades em saúde por parte da gestão até a falta de recursos

financeiros.

Outro momento significativo da interlocução com a rede foi a participação em

uma reunião com o grupo de trabalho da Primeira Infância Melhor (PIM)13. O PIM foi

implementado no município início de 2009, em uma comunidade carente do bairro

13 O Programa socioeducativo Primeira Infância Melhor, iniciou no ano de 2003, e em 2006 foi lhe conferido o status de política pública estadual de atenção integral à primeira infância. O Governo do Estado do Rio Grande do Sul assumiu importante papel pelo reconhecimento de que “o aprendizado de uma vida começa na primeira infância” e que “os primeiros seis anos de uma criança valem para sempre” (SCHNEIDER; RAMIRES, 2007).

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Canudos, que tinha uma população aproximada de 66 mil habitantes no ano de 2007,

sendo o mais populoso do município. Atualmente o PIM conta com duas equipes de

trabalho em duas comunidades no bairro Canudos. O CAPSi presta assessoria técnica ao

PIM e a proposta era de criar uma articulação ampliada sobre as questões da primeira

infância, público alvo que é atendido pelo PIM. A reunião foi um momento de muitas

queixas, poucas possibilidades de articulação, de estabelecer uma parceria mais

equitativa. A equipe do PIM, formada em sua grande maioria por estagiários de diversos

cursos de graduação, encontrava-se ainda em um momento de apropriação do trabalho,

necessitando ver questões internas para posteriormente fazer o movimento de abertura

com a rede. O CAPSi continuou fazendo parte da assessoria do PIM, em alguns

momentos estando mais próximos na sustentação de um trabalho que pensasse na

integralidade da criança enquanto sujeito em desenvolvimento, em outros momentos

mais afastado, buscando também compreender qual o papel do serviço nesta função de

assessoria técnica.

Dois momentos no ano de 2009, também foram de articulação com rede

ampliada do município, envolvendo não apenas serviços e profissionais da área da

saúde, mas também da educação e desenvolvimento social. O primeiro foi a

apresentação do Pacto Novo Hamburgo para a redução da mortalidade materno-infantil

Amigos da Saúde - Atenção Integral Materno-Infantil, pela equipe de gestão da

Secretaria de Saúde com a presença ativa do Prefeito. Nesta ocasião foi marcado que

essa seria uma das ações em saúde priorizadas pela gestão. Foi um momento mais de

escuta do que de interlocução e de construção coletiva. A relevância desse momento

esteve no compromisso que a gestão assumiu publicamente com a sociedade, na medida

em que apresentou a proposta do Pacto como uma das prioridades da gestão, dando

dimensão política para a questão da mortalidade infantil. Porém, no decorrer da

implementação deste, foi visto por alguns atores envolvidos no processo de

estruturação, o quanto não houve sustentação da própria gestão para uma real

implicação com a problemática, visto que as questões levantadas eram atinentes ao

modelo de gestão em saúde e modo de atenção preconizado.

O segundo encontro ocorreu em seminário preparatório para a V Seminário

Municipal da Infância e Adolescência, que anualmente envolve a participação de

profissionais e serviços públicos do município que atendem essa população. Houve a

exibição de documentário “Nascidos em bordéis”, que foi o dispositivo para o debate

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voltando-se para questões da adolescência. Foi afirmada a importância de ações

intersetoriais que invistam na primeira infância para que seja possível minimizar as

dificuldades ao longo de todo o desenvolvimento do sujeito, potencializando outras

perspectivas de vida, para além das que estão colocadas pela situação de pobreza e

marginalização.

Enquanto circulação da pesquisa por diferentes espaços, cabe assinalar ainda a

participação na I Mostra de Práticas em Psicologia no Campo das Políticas Públicas,

promovido pelo Conselho Regional de Psicologia, com a inscrição do trabalho

“Possibilidades e limites na construção de intervenções precoces na saúde pública” e

participação em roda de conversa.

Ao longo do percurso, a pesquisa esteve integrada ativamente em

aproximadamente 76 reuniões de equipe do CAPSi e outras ocorridas no serviço

envolvendo a temática da primeira infância; 45 reuniões do Núcleo de EP, 10 reuniões

no Hospital Municipal, além de aproximadamente 20 movimentos de abertura,

encontros, reuniões com a rede de saúde do município. Estes dados denotam que o

trabalho primou pelo coletivo como potência inventiva e de espaço de visibilidade e

inclusão para a primeira infância no campo saúde.

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8. 2. 2 Tempo de visibilidade: prontuário, onde se encontra o sujeito

A identificação da demanda para atendimento em EP no município era algo até

então inexistente, pois não havia dados de saúde sobre a situação da primeira infância

no município que auxiliassem a desenvolver esse trabalho e a sua real necessidade para

a saúde pública. A partir da premissa que aponta a importância de realizar mapeamento

para estimar a demanda com intuito de desenvolver ações em saúde, foi iniciado coleta

de dados a partir dos prontuários de bebês internados na UTI neonatal do Hospital

Municipal, durante o ano de 2007.

UBS

CAPSI

NUTRIR

HOSPITAL MUNICIPAL

CENTRO DE ESPECIALIDADE: NEUROPEDIATRIA

GESTOR DA SAÚDE

COMITÊ DE IMPLEMENTAÇÃO DO PACTO CONTRA A MORTALIDADE INFANTIL

AMIGOS DO BEBÊ

PIM

CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE

Figura 1 – Articulação com a rede de saúde pública: serviços

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O avanço da ciência médica e dos recursos disponibilizados na atenção de alta

complexidade no atendimento aos recém nascidos que necessitam de internação em Uti

Neonatal têm sido decisivos na redução da mortalidade infantil. A atenção nestes

momentos iniciais da vida são importantes para o desenvolvimento de estratégias que

minimizem a necessidade de internação, assim como os fatores de risco para o

desenvolvimento integral da criança. Dessa forma é fundamental conhecer como a rede

de saúde pública atende este bebê em um momento de situação limite e de alta

complexidade. Também é pertinente conhecer os antecedentes gestacionais que podem

ter ocasionado essa necessidade de intervenção inicial, assim como na pós-alta

hospitalar continua a assistência à saúde do bebê. Essas são informações fundamentais

para o desenvolvimento de um trabalho que propõe a EP como intervenção na saúde

pública, pois muitos dos bebês internados em UTI neonatal demandam esse tipo de

atendimento, que geralmente não é ofertada na rede pública de saúde, embora

preconizado pelo Ministério da Saúde (2004).

A partir de questões iniciais debatidas em duas reuniões com gestores

municipais da saúde tem origem a realização de um levantamento sobre a demanda para

atendimento em Estimulação Precoce no município onde a pesquisa se desenvolve. Até

então não havia dados nem posicionamento que pudesse defender nem contrapor a

importância desta intervenção na cidade, seja pela via dos gestores ou mesmo dos

profissionais da saúde pública. É necessário contextualizar essa questão pois, como não

há serviço municipal que ofereça esse tipo de atendimento, parece ser evidente que não

aconteça procura da população, assim como também não ocorram encaminhamentos por

parte dos profissionais que atendem bebês e crianças pequenas. Para além da

inexistência da oferta, faz-se necessário pensar a respeito das razões que produzem a

invisibilidade dessas crianças e de suas demandas, que certamente existem, mas

encontram-se reprimidas para os serviços e gestores da saúde.

A partir destas contingências vislumbrou-se construir um referencial empírico

e quantitativo sobre essa realidade buscando encontrar elementos que auxiliassem a

pensar a necessidade de atendimento em EP, inicialmente localizando na situação de

internação em UTI neonatal uma etapa decisiva enquanto detecção de necessidades de

intervenção. Sendo assim, o Hospital Municipal foi local eleito para a investigação,

tendo como foco os recém-nascidos com fatores de risco ao nascer e os recém-nascidos

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de alto risco14, para assim obter indícios que poderiam subsidiar uma proposta de

atenção que fosse ao encontro das demandas encontradas. Explicitando a população pesquisada, tomamos a definição do Ministério da Saúde (2004) onde são considerados

recém-nascidos com fatores de risco ao nascer: residente em área de risco, baixo peso

ao nascer (< 2.5000), prematuros (< 37 semanas de idade gestacional); asfixia grave

(Apgar < 7 no 5.º minuto de vida); crianças internadas ou com intercorrências na

maternidade ou em unidade de assistência ao recém-nascido; orientações especiais à alta

da maternidade/unidade de cuidados do recém-nascido; recém-nascido de mãe

adolescente (< 18 anos); recém-nascido de mãe com baixa instrução (< 8 anos de

estudo); história de morte de crianças < 5 anos na família.

Os recém-nascidos de alto risco, por sua vez, são aqueles que, além do cuidado

ofertado pela equipe de saúde da família e unidade básica de saúde, demandam atenção

especializada e atendimento interdisciplinar, como: neurologia, oftalmologia,

fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, dentre outros. É

considerado recém-nascido de alto risco: o prematuro pesando menos de 2000 kg ao

nascer, o recém nascido com asfixia grave ao nascer (Apgar < 7 no 5.º minuto) e o

recém-nascido com outras patologias graves ao nascimento.

A escolha desses bebês ocorreu por demandarem intervenções e cuidados em

saúde desde a gestação ou do nascimento, o que muitas vezes é desconhecido por parte

da gestão pública, tornando-se uma demanda reprimida que na sua grande maioria,

recebe atendimento fragmentado, por especialidade médica ou mesmo não recebe

atendimento especializado.

A coleta de dados foi realizada no Hospital Municipal em virtude da referência

que possui para a comunidade local, além de ser a única instituição da região com

Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal pelo Sistema Único de Saúde, contando com

20 leitos para essa unidade. A coleta dos dados foi realizada entre os meses junho e

dezembro de 2008, pela leitura e análise dos prontuários de recém-nascidos internados

na UTI Neonatal durante o ano de 2007, disponibilizados pela administração do

hospital. Os prontuários não são informatizados e há lacunas no preenchimento dos

14 Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

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mesmos; entretanto, o conjunto das informações é relevante e constitui material que

oferece insumos importantes para subsidiar a questão da pesquisa.

Foi definido como filtro da pesquisa os prontuários de recém-nascidos no ano

de 2007 com a ocorrência de internações pós-natal na UTI Neonatal. Tais casos são

indicativos já que demandariam atendimento posterior da rede pública de saúde, seja

para acompanhamento ou tratamento tendo em vista o desenvolvimento integral infantil

e a garantia de vida. Cabe destacar que o município apresentou no ano de 2007 um

índice elevado de mortalidade infantil, sendo o seu coeficiente de mortalidade infantil

(CFM) 13.5/1000, e em 2008, 18.40/100015.

No ano de 2007 nasceram 2.188 bebês, ocorrendo 426 internações na UTI

Neonatal. Considerou-se, portanto, o número de 203 casos (amostra) estatisticamente

válidos para essa análise, representando 95% do total. Destaca-se que não foram

considerados os óbitos, que perfazem 13 casos do número de nascimentos (total de

registros). Encontrou-se consistência nos dados obtidos visto que, no intento de

formular uma proposta que remeta a especificidade da cidade de Novo Hamburgo,

constatou-se que 86,2% dos recém-nascidos como residentes da cidade, sendo somente

13,8% pertencentes a outros municípios da região.

A apresentação dos dados está dividida em dois eixos: dados da mãe e dados

do recém-nascido, sistematizando o material que foi encontrado nos prontuários. Foram

investigadas 28 variáveis, porém nem todas foram relevantes para o objetivo da

pesquisa.

8. 2.2.1 Dados das mães

Os dados encontrados em relação às mães dos recém-nascidos, contribuem para

conhecer fatores e ocorrências durante o período pré-natal que possam ter maximizado a

chance de internação em UTI neonatal, além de trazer um cenário sobre o atendimento na

atenção básica em saúde durante o período pré-natal, o vínculo estabelecido entre a

gestante e a UBS, o nível de escolaridade e a profissão, e questões articuladas ao

território.

Bairro de procedência da mãe:

15 Dados já foram apresentados anteriormente.

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Em relação ao bairro de procedência da mãe, os bairros Canudos (29,6%),

Santo Afonso (9,9%) e São José (8,4%) possuem o maior número de recém-nascidos

internados na UTI neonatal. São bairros que se caracterizam por moradores de classe

baixa, apresentando condições precárias de infra-estrutura e saneamento em algumas

comunidades. Em relação à atenção básica em saúde o bairro Canudos conta com duas

UBSs, o bairro Santo Afonso com uma UBS e São José com uma UBS. Não havia na

época outro tipo de atendimento em saúde nestes bairros que não fosse à UBS. Essa é

uma questão importante para pensar a organização dos serviços de saúde nos territórios,

não focando apenas o trabalho em saúde nas UBSs, mas também em outros dispositivos

que tenham maior permeabilidade e vínculo entre a população.

Tabela 1 - Bairro de procedência das mães

(continua)

Bairro Frequência Percentual (%)

Boa Saúde 12 5,9

Canudos 60 29,6

Centro 3 1,5

Ideal 3 1,5

Industrial 8 3,9

Liberdade 10 4,9

Lomba Grande 3 1,5

Primavera 4 2,0

Rincão 3 1,5

Rio Branco 3 1,5

Rondônia 8 3,9

Roselândia 8 3,9

Santo Afonso 20 9,9

São Jorge 10 4,9

São José 17 8,4

Tabela 1 (conclusão)

Bairro Frequência Percentual (%)

Vila Dihel 3 1,5

Vila Nova 2 1,0

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Outros municípios 28 13,8

Total 203 100

Procedência dos encaminhamentos:

Entendendo a importância da atenção básica em saúde pública como

norteadora desse trabalho, torna-se importante identificar a procedência dos

encaminhamentos das internações dos recém nascidos no hospital pesquisado. A análise

relaciona, predominantemente, o encaminhamento interno, pois em 60,6% das

internações o encaminhamento veio da própria instituição, seguido de serviço de

Pronto-Atendimento (PA) (14,8%) e de 9,9% oriundas das Unidades Básica de Saúde

(UBS).

É indicativo o dado de maior encaminhamento de internação fora da instituição

hospitalar ser oriundo do PA, na medida em que o pré-natal é realizado na UBS e estar

localizado no território, facilitando o acesso, no entanto, nem sempre este foi o recurso

buscado pela família ou não foi eficiente no atendimento, seja pela falta de pediatra no

momento da busca por atendimento ou pela não resolutividade.

Tabela 2- Procedência dos atendimentos – encaminhamentos

Estado civil:

Em relação ao estado civil das parturientes, 43,3% declaram-se solteiras,

12,8% casadas e 5% identificam-se como separadas. Este dado precisa ser relativizado

em sua análise, pois 43,3% dos prontuários não possuíam essa informação para

levantamento.

Encaminhamento Frequência Percentual (%)

Sem resposta 13 6,4

Casa 2 1,0

Outros hospitais 12 6,0

Hospital municipal 123 60,6

Pronto atendimento 30 14,8

Unidade básica de saúde 20 9,9

Plano de saúde 3 1,5

Total 203 100,0

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Tabela 3 – Estado civil

Estado civil Frequência Percentual (%)

Sem resposta 88 43,3

Casada 26 12,8

Separada 1 0,5

Solteira 88 43,3

Total 203 100,0

Escolaridade:

A escolaridade da mãe é um indicador que tem sido uma das principais

variáveis socioeconômicas e que tem originado impacto altamente positivo na redução

dos índices de mortalidade infantil, em decorrência da maior percepção que a mãe

adquire no trato e cuidado da saúde dos filhos.

Quanto à escolaridade, os dados indicam que 1% das mulheres possuem até 3

anos de estudo, enquanto que o mesmo dado em relação a região Sul16 do país é de

8,4%. De 4 a 7 anos de estudo 28,6% das mães, e da região Sul do país é de 25,1%. De

8 a 11 anos de formação escolar dado é 23,2%, enquanto da região Sul é muito superior

sendo da ordem 66,4%. Esse também é um dado que deve ser relativizado, pois 46,8%

dos prontuários não possuíam essa informação. O percentual de 30,1% de mães com

baixa escolaridade, menos de oito anos de estudo, é um dos critérios para recém nascido

com risco ao nascer, necessitando de atenção especial a esse dado e seus

desdobramentos.

Esse é um indicador que sinaliza o quanto é importante contemplar o sujeito

em toda a sua dimensão humana, potencializando intervenções e políticas públicas

intersetoriais contemplando a dimensão da educação e da saúde, entre outras.

Tabela 4 - Escolaridade

Escolaridade Freqüência Percentual (%)

1 a 3 anos 2 1

16 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2005.

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4 a 7 anos 58 28,6

8 a 11 anos 47 23,2

Nenhuma escolarização 1 0,5

Sem resposta 95 46,8

Total 203 100

Ocupação – profissão:

Em relação à profissão das mães, 32,5% declaram-se do lar e 6,4% são

industriarias, sendo as atividades de maior incidência nessa amostra. Outras profissões

também foram nominadas, como: auxiliar de cozinha, balconista, comerciante,

recepcionista, vendedora, técnica de enfermagem, estudante, etc. Da mesma forma que

os dados anteriores, 44, 8% dos prontuários não possuíam essa informação. Há uma

relação entre o nível de escolaridade e a ocupação profissional das mães.

Tabela 5 - Ocupação / Profissão

(continua)

Ocupação / profissão Frequência Percentual (%)

Sem resposta 91 44,8

Autônoma 1 0,5

Auxiliar de cozinha 1 0,5

Auxiliar de limpeza 1 0,5

Balconista 1 0,5

Comerciante 2 1,0

Comerciaria 1 0,5

Costureira 2 1,0

Do lar 66 32,5

Doméstica 1 0,5

Estudante 5 2,5

Industriaria 13 6,4

Operadora de caixa 1 0,5

Tabela 5 (conclusão)

Ocupação / profissão Frequência Percentual (%)

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Passadora de cola 1 0,5

Recepcionista 2 1,0

Serviços gerais 7 3,4

Técnica de enfermagem 1 ,5

Vendedora 6 3,0

Total 203 100,0

Consulta Pré-natal:

No que refere à assistência através de consultas no período pré-natal, os dados

sinalizam que 37% das mães foram atendidas sete vezes ou mais nesse período, 17,3%

de quatro a seis vezes, somente 2% de uma a três vezes e 2,5% não teve nenhum

atendimento. Comparando o dado das gestantes que não tiveram acompanhamento pré-

natal com o da região Sul, levantados através da Pesquisa Nacional de Demografia e

Saúde de 2006 (PNDS-2009), que apresentou o número 0,6%, o município tem muito

que avançar na busca ativa de captação precoce de gestantes na comunidade. Em

relação aos dados estaduais houve uma cobertura de 68,7% de mães que realizaram sete

ou mais consultas pré-natais durante o ano de 2006, há uma defasagem significativa

(IBGE, 2009).

Os dados sugerem que mais de um terço das parturientes foi acompanhada de

forma sistemática durante sua gestação, havendo cobertura pré-natal de acordo com os

indicadores de qualidade da atenção do SUS, que indicam o mínimo de sete consultas

durante o período gestacional17.

O Ministério da Saúde (2006), utilizando dados do SINASC, considerou como

pré-natal inadequado a realização de menos do que sete consultas; 74% das grávidas

sem escolaridade apresentaram pré-natal inadequado, em comparação com 21%

daquelas com 12 ou mais anos de estudo (Ministério da Saúde, 2006). O que confirma a

forte associação entre o número de consultas pré-natais ou o início precoce do pré-natal

com a situação socioeconômica e educacional das mães.

Cabe levantar a seguinte questão: por que mesmo havendo acompanhamento

adequado do período pré-natal, muitos bebês acabaram tendo que ser internados na UTI

Neonatal logo após o nascimento? Destaca-se que com um atendimento pré-natal

qualificado pode-se minimizar a probabilidade de internação em UTI neonatal, assim 17Disponível em: < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_puerperio_2006.pdf>.

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como procurar detectar precocemente quais as prováveis situações que vão necessitar de

uma intervenção de cuidado intensivo, seja através de internação ou de outro cuidado.

Entre os quadros que podem ser indicadores de internação neonatal estão as

malformações, doenças hemolíticas perinatais e partos prematuros. No caso de

gestações de risco, que muitas vezes determinam um parto prematuro, existem fatores

que indicam melhores ou piores condições na qualidade de vida do bebê, os mais

importantes são: a idade gestacional do bebê no momento do parto, ou seja, o tempo

completo da gestação; o peso do bebê ao nascer; a presença ou ausência de dificuldade

respiratória.

Alguns fatores influenciam na sobrevida do bebê de forma significativa, entre

eles estão: a diabete materna, quando não identificada e tratada pode lentificar o

amadurecimento dos órgãos, fazendo com que o bebê tenha uma maior possibilidade de

internação; a hipertensão materna pode causar alterações na placenta, diminuindo a

liberação de nutrientes e oxigênio para o feto em desenvolvimento, podendo gerar

problemas antes, durante e depois do parto. Estes dois fatores podem ser tratados

durante o pré-natal minimizando assim intercorrências que levem ao sofrimento do bebê

e da mãe. (MOREIRA et al, 2003). Cabe salientar que 40,9% dos prontuários não

tinham esse dado.

Tabela 6 - Número de consulta pré-natal

Número de consulta Frequência Percentil

Sem resposta 83 40,9

0 5 2,5

1 a 3 4 2,0

4 a 6 35 17,3

7 ou + 75 37,0

Ignorado 1 0,5

Total 203 100,0

Número de abortos:

O número de abortos em gestações anteriores foi investigado nessa amostra,

sendo encontrado em 17,3% das respondentes, com incidência de até três interrupções.

Gestações anteriores:

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O número de gestações anteriores ficou com média de 2,2 gestações,

percentual acima da média estadual que é de 1,76 gestações no ano de 2005 (IBGE,

2009).

Idade da mãe:

A idade média das mães foi de 25 anos, sinalizando a necessidade de

realizarmos um trabalho com mais qualidade ao longo da gestação com todas as

gestantes e não apenas com mães adolescentes.

8.2.2.2 Dados do recém-nascido

Dados sobre o recém-nascido são fundamentais para compreendermos suas

necessidades e características como grupo em situação de risco. Os dados que foram

encontrados nos prontuários trazem elementos importantes nesse sentido, contemplando

também a emergência de pensarmos propostas de intervenção para a pós-alta dos recém-

nascidos da UTI Neonatal.

Naturalidade do recém-nascido:

Na declaração de naturalidade, 87,7% dos recém nascidos foram referidos

como natural de Novo Hamburgo (178), caracterizando como majoritária a atenção do

hospital à população do município. Cidades vizinhas são igualmente atendidas, mas

com índice menor de ocorrências.

Tabela 7 - Naturalidade do recém-nascido

(continua)

Município Frequência Percentual (%)

Campo Bom 5 2,5

Capela de Santana 1 0,5

Dois Irmãos 1 0,5

Estância Velha 4 2,0

Esteio 1 0,5

Novo Hamburgo 178 87,7

Porto Alegre 2 1,0

Tabela 7 (conclusão)

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Município Frequência Percentual (%)

São Leopoldo 3 1,5

Sapiranga 4 2,0

Sem resposta 4 2

Total 203 100

Filiação:

O registro da filiação do recém nascido, um indicador existente nos prontuários

que pode sugerir informação importante acerca da condição familiar da criança, também

foi analisado. O percentual de 71,9% de inexistência do nome do pai pode sugerir novas

investigações referentes à configuração familiar dos recém-nascidos e possível

influência dessa questão como um indicador a ser considerado.

Destaca-se que a Declaração de Nascido Vivo, um dos documentos analisados,

é fornecida pelo hospital para registro em cartório da criança, não há campo para que o

nome do pai seja inscrito, referendando a primeira inscrição em documento oficial

somente ao nome da mãe. A cerca desta questão “o não reconhecimento pelo pai ou

pelo Estado de um indivíduo como participante da vida da cidade e de seu devir

significa sua exclusão da vida democrática” (DEVREUX, p. 26, 2009), ou seja, da sua

condição de cidadão. Estudo publicado sobre o não reconhecimento paterno no país

(THURLER, 2009) aponta a existência significativa de sub-registros de nascimento e do

não reconhecimento paterno ao longo da história. A autora estima uma média anual de

25% de não reconhecimento paterno no país. Assim a ausência do nome pai nos

registros de nascimento questiona sobre a cidadania que o Estado e a sociedade

brasileira têm incentivado a esse pai ausente e a essa criança sem reconhecimento

paterno, e os direitos que advêm desse reconhecimento simbólico e da inscrição de

filiação. “O déficit de cidadania e da democracia no país passa, certamente, também por

esse problema recorrente no Brasil contemporâneo” (THURLER, p. 104, 2009). Essa

questão é permeada pela concepção de criança e de cidadania dirigida à elas pelo Estado

e pela sociedade, que reflete significativamente nas políticas públicas e programas

sociais.

Sexo:

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Na amostra da pesquisa recém-nascidos do sexo masculino representaram

57,6%, e os do sexo feminino 42,4% dos recém nascidos internados na UTI Neonatal.

Não houve diferença significativa em relação a essa variável.

Tabela 8 - Sexo

Sexo Frequência Percentual (%)

Feminino 86 42,4

Masculino 117 57,6

Total 203 100,0

Prematuridade:

Tendo como premissa que a prematuridade é um fator de risco e importante a

ser considerado, procurou-se identificar o tempo gestacional dos nascimentos

analisados. Constatou-se que 42,4% dos recém nascidos nasceram entre 38 a 41

semanas gestacionais, 33% entre de 34 a 37 semanas gestacionais e somente 10,4%

ficou entre 30 a 33 semanas. Evidencia-se que a incidência da prematuridade sobre

internações de recém-nascidos na UTI Neonatal nessa amostra é estatisticamente similar

a recém-nascidos a termo; sendo importante investigar outras questões como fatores

intervenientes nessa situação.

O número médio de semanas gestacionais ao nascimento do recém-nascido é

de 36 semanas, o que configura como prematuro a média dos bebês internados na UTI

Neonatal.

Parto:

Sobre a característica dos partos realizados, temos o parto vaginal como

predominante 59% e a realização de cesárea identificada em 35,5% dos casos. Em

relação ao parto cesáreo está compatível com o número de partos identificados

nacionalmente pelo SUS, que corresponde a 35% dos procedimentos realizados. Porém,

o indicativo da Organização Mundial de Saúde – OMS é de no máximo que 15% dos

partos sejam cesáreos18. Nesse sentido ainda há muito que avançar no Programa de

Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN).

18Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=32343&janela=1.

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Tabela 9 – Parto

Tipo Frequência Percentual (%)

Cesárea 72 35,5

Vaginal 120 59,0

Sem resposta 11 5,4

Total 203 100

Motivo de internação na UTI Neonatal:

Na analise dos motivos referidos nos prontuários dos recém nascidos para

internação, temos como frequências mais elevadas: icterícias neonatais (38,4%),

prematuridade (33%) e disfunção respiratória (34,7%).

A icterícia neonatal configura-se como uma enfermidade que traz risco para

vida do recém nascido, pois se não tratada a tempo, poderá ocasionar lesões graves e

irreversíveis no sistema nervoso, como por exemplo, o kernicterus19, uma paralisia

cerebral atetóide permanente com comprometimento auditivo neurosensorial.

Caracteriza-se pela coloração amarelada da pele e de outros órgãos, inclusive dos olhos,

a icterícia decorre da hiperbilirrubinemia indireta, considerada situação clínica bastante

comum em crianças. A maioria dos casos é autolimitante e transitória e ocorre na

primeira semana de vida, porém alguns casos podem ser sinal de desordem patológica,

particularmente as hepatopatias. Alguns fatores podem estar associados ao aumento da

Bilirrubina neonatal, como por exemplo: inferência genética (orientais, indígenas Norte-

Americanos e gregos), fatores maternos (diabetes, deficiência de Zinco e Magnésio; uso

de ocitocina; diazepam; bupivacaína; e betametasona), fatores perinatais: hipóxia,

clampeamento tardio do cordão umbilical; coleções sangüíneas; jejum; deprivação

calórica; estase meconial.

Sendo que alguns destes fatores poderiam ser prevenidos durante o período

gestacional, com um acompanhamento adequado e orientações à gestante, como

sinalizam Moreira, Braga e Morsch (2003).

19Síndrome associada com hiperbilirrubinemia. Entre os sinais clínicos estão atetose, espacidade muscular ou hipotonia, olhar fixo na vertical deficiente e surdez. A bilirrubina não-conjugada entra no cérebro e age como uma neurotoxina, geralmente em associação com condições que prejudicam a barreira hemato encefálica (ex. sepse). Disponível:< http://decs.bvs.br/cgi-bin/wxis1660.exe/decsserver/?IsisScript=../cgi bin/decsserver/decsserver.xis&task=exact_term&previous_page=homepage&interface_language=p&search_language=p&search_exp=Kernicterus&show_tree_number=T>.

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É importante destacar que a escrita do motivo de internação na tabela 10,

reproduz exatamente o que foi encontrado nos prontuários.

Tabela 10 – Motivo da internação

(continua)

Motivo da internação Frequência Percentual (%)

Icterícias neonatais 78 38,4

Prematuridade 67 33,0

Gravidade do caso 34 16,7

Disfunção respiratória 64 31,7

Pneumopatias agudas 19 9,4

Outras afecções do rn 16 7,9

Baixo peso 15 7,4

Gemência 15 7,4

Risco de vida 10 4,9

Gemelar 6 3,0

Bronquiolite 7 3,5

Anoxia perinatal grave 6 3,0

Sopro cardíaco 7 3,5

Febre 10 5,0

Hipoglicemias 6 3,0

Infecções perinatais 4 2,0

Aspirou mecônio 5 2,5

Cianose 7 3,5

Septicemia 17 8,4

Crises convulsivas 3 1,5

Perda de peso 2 1,0

Sífilis congênita e adquirida 3 1,5

Fratura clavícula 1 0,5

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Tabela 10 (conclusão)

Motivo da internação Frequência Percentual (%)

Hipotônico 1 0,5

Não resposta 1 0,5

Incompatibilidade abo 1 0,5

Infecção presumida 1 0,5

Infecções neonatal da pele 3 1,5

Investigação diagnóstica 1 0,5

Isoimunização do rn 1 0,5

Líquido amniótico. meconial 1 0,5

Mãe HIV reagente 1 0,5

Mãe: infecção. urinária 1 0,5

Nasceu deprimido 1 0,5

Necessidade de cuidado 2 1,0

Necessidade ventilatória 1 0,5

Policetimia 1 0,5

Aberrações cromossômicas 1 0,5

Gig 1 0,5

Recusando alimentação 1 0,5

Rn asfixiado 1 0,5

Desnutrição fetal 1 0,5

Síndrome da A.P.I. do rn 1 0,5

Desidratação aguda 2 1,0

Depleção de volume 2 1,0

Doenças hemolíticas perinatais 1 0,5

Hemorragia pulmonar 1 0,5

Trans. cardiovascular perinatal 1 0,5

TOTAL 203 100

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Visitas durante o período de internação:

Durante o período da internação na UTI Neonatal, somente 56,6% dos pais -

pai e mãe - realizaram visitas ao filho. Visitas realizadas somente pela mãe foram da

ordem de 28, 6%. O que pode ser um indicador de novas configurações familiares, ou

ainda da inexistência de um trabalho mais próximo aos pais dos recém-nascidos

internados.

Tabela 11- Visitas durante o período da internação

Visitas Frequência Percentual (%)

V Sem resposta 26 12,8

Mãe 58 28,6

Não consta 1 0 ,5

Não recebeu 2 1,0

Pai + tia 1 0 ,5

Pais 115 56,6

Total 203 100,0

Média de dados:

Através da análise dos dados que identificam as características dos recém

nascidos pode-se estabelecer uma média referente a:

- Estatura: 46 cm;

- Peso ao nascer: 2,823 kg;

- Apgar atribuído ao nascimento: temos 7,7 e na segunda mensuração 8,9.

Atentando para o tempo de internação dos recém-nascidos, constatou-se 10,8

dias como período médio de permanência no hospital, sendo a mediana de sete dias.

Atendimento por outras especialidades:

Durante o período de internação setenta e cinco (75) recém-nascidos receberam

atendimentos por outros profissionais além dos médicos, enfermeiros e técnicos de

enfermagem da UTI Neonatal. O acompanhamento por outros profissionais em sua

grande maioria foram solicitados na realização de diagnóstico específico da área de

atuação, como por exemplo, a oftalmologia e a neurologia. Atenção maior foi dada às

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questões relacionadas à área de deglutição e retirada de sondas, contando com a

intervenção da fonoaudiologia em 14 casos.

-Psicologia = 2

-Fonoaudiologia = 14

-Fisioterapia = 19 - EP= 2

-Serviço Social =1

-Triagem auditiva neonatal= 2920

-Oftalmologia = 5

-Neurologia =5

Outros achados:

Na leitura e análise dos prontuários outras ocorrências foram encontradas que

apontam para questões relevantes na atenção a primeira infância para além da UTI

Neonatal.

- Óbito materno = 1

- Reinternação = 6

-Intervenção do Conselho Tutelar = 1

- Mãe participou de pesquisa = 2

Pós-alta hospitalar no recém-nascido:

Acerca dos dados encontrados nos prontuários da amostra não é significativo o

número de encaminhamentos realizados na alta hospitalar dos recém-nascidos. Dados

que sinalizam a necessidade de ater-se mais ao cuidado ao recém-nascido no período

pós-alta hospitalar e na continuidade do seu tratamento na rede de saúde. Os

encaminhamentos ou orientações encontrados foram:

- Consulta pediátrica = 6

- Encaminhado para fisioterapia = 1

- Serviço de genética = 1

- Acompanhamento auditivo até os 12 meses = 1

- Recém-nascido encaminhado para casa de passagem após alta = 1

- Acompanhamento com Amigos dos Bebês = 1

20 A triagem auditiva neonatal universal (TANU) consiste no rastreamento auditivo de todos os recém-nascidos (RN) antes da alta hospitalar. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=24&id_detalhe=1773&tipo_detalhe=s>.

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- Visita domiciliar = 1

- Encaminhado para Centro de Especialidades = 1

- Oftalmologia = 3

- Cardiologia = 3

- Neurologia = 3

- Transferência para outro hospital = 3

Os encaminhamentos em sua maioria foram referidos às especialidades

médicas, fragmentando a atenção ao recém-nascido, de maneira que é salientada a

patologia ou déficit em detrimento ao bebê enquanto sujeito em desenvolvimento, que

demanda atenção integral em saúde. É nesse sentido que os dados obtidos contribuem,

dando visibilidade para o modelo de saúde que sustenta as ações e o atendimento aos

recém-nascidos de forma segmentada, com foco ainda em um modelo curativo e não

preventivo. Como se pode constatar, muitas das questões que acabam produzindo a

necessidade de internação poderiam ser minimizadas no atendimento da atenção básica

com um acompanhamento pré-natal mais qualificado.

Verificou-se que há demanda para atendimento em EP a partir destes dados,

pois eles demonstram a necessidade de se estruturar atenção em saúde a partir da

perspectiva da integralidade, apostando em outras frentes de trabalho que potencializem

a vida dos recém-nascidos. Além disso, cabe ressaltar o número expressivo de recém-

nascidos que tiveram internação na UTI Neonatal, da ordem de quase 20%. Tais dados

alicerçam o intento de construir uma proposta de atendimento em Estimulação Precoce

interdisciplinar que contemple a criança pequena em sua integralidade e momento do

desenvolvimento, questões que estão para além da patologia ou déficit que a mesma

possa apresentar, havendo razões explicitadas para empreender tal intervenção na

realidade investigada, dúvida anterior do gestor público.

8.3 TERCEIRO PERCURSO

Neste último percurso é feito o relato dos desdobramentos que ocorreram a

partir da divulgação e debates na rede de saúde do município, sobre os dados dos

prontuários dos recém-nascidos internados na UTI neonatal do Hospital Municipal.

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Também é feita a referência sobre a Conferência Municipal de Saúde, na qual ocorreu

participação ativa de diversos atores sociais, no sentido de garantir algumas diretrizes de

trabalho para a primeira infância.

8.3.1 Tempo de investimento

Após a conclusão da análise dos prontuários dos recém-nascidos internados na

UTI neonatal ocorreu a apresentação dos resultados em um seminário interno no

CAPSi. Foi enfatizada a importância da socialização dos dados e da análise realizada,

na medida em que trazem elementos significativos para pensar estratégias de ações e

intervenções para a primeira infância, em vários níveis de complexidade da atenção à

saúde. Assim como também subsidiam a necessidade de investimento públicos em

propostas de intervenção que pautem a EP.

Um dos momentos importantes de socialização dos resultados deste

mapeamento realizado ocorreu em uma reunião do comitê de implementação do Pacto

para a Redução da Mortalidade Infantil, organizado pela gestação municipal e formado

por profissionais da saúde de diversos serviços do município. Estabeleceu-se um debate

tenso, com tentativas de justificativa por parte de alguns profissionais em relação aos

dados e o levantamento da suspeita sobre a veracidade dos mesmos. Foi destacado pelos

participantes da reunião o quanto é preciso investir no trabalho em rede na atenção

básica, em intervenções desde a gestação buscando minimizar causas preveníveis de

internação em UTI neonatal após o nascimento do bebê. Foi manifesta também a

necessidade de estreitar a relação entre atenção básica e o hospital, e com os outros

serviços que compõem a rede de saúde pública do município, criando um trabalho

articulado e em rede. Também foram produtivos algumas verbalizações que

enfatizavam importância do registro no prontuário do paciente e o quanto a falta de

inscrição dos dados e da evolução do paciente, pode comprometer o trabalho de

intervenção, assim como o levantamento de informações para estudos epidemiológicos

e propostas de intervenção.

Outro espaço de disseminação destas informações foi uma reunião com

profissionais do Hospital Municipal que trabalham na UTI neonatal e maternidade, à

convite da chefia de enfermagem da instituição. A proposta era de debate, de criarmos

um canal de comunicação frente às questões levantadas. No entanto, também foi um

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momento delicado e de difícil aceitação pelos profissionais, pois não foi possível

realizarem uma leitura institucional; predominou uma análise personalista, onde

tomaram para si as questões apresentadas, havendo também reações de desconfiança em

relação à veracidade dos dados e de justificativas.

Nestes dois momentos emergiu um mal estar, uma angústia, tanto por parte dos

participantes como da pesquisadora, um sentimento que só foi manifesto quando se

começou a falar de algo muito difícil, velado e que é maior do que uma intervenção

pontual: a fragilidade do recém–nascido em sua condição de sujeito em processo de

desenvolvimento integral. Pois trata-se da potencialidade de vida ou de morte de

inúmeras crianças que são assistidas pela rede de saúde do município, ou seja, de como

esses sujeitos são atendidos pelo profissional, assim como é entendida a direção de

trabalho em saúde, habitualmente pautada pelo conceito de saúde adotado pela gestão

pública.

A partir desse momento ocorrido no hospital, alguns desdobramentos

inesperados aconteceram, pois não havia expectativa que algo a partir daquele encontro

pudesse emergir devido a grande dificuldade de diálogo produzida pelas questões

apresentadas. No entanto, houve o convite para retornar ao hospital com o objetivo de

auxiliar na pesquisa e poder desenvolver com mais cuidado os dados dos prontuários,

podendo então apontar sobre a rede de saúde e os cuidados dispensados. No encontro

foram abordadas questões para além da proposta da pesquisa, remetidas a atuações

profissionais naquela instituição e relações interpessoais, que eram avaliadas no ponto

de vista ético. Também foram questionados os procedimentos da investigação científica,

num certo deslocamento do desconforto diante da realidade desvelada. Naquele

momento foi possível apenas escutar o que emergia como um sintoma institucional e

modelo de saúde, não havendo possibilidade, portanto, de parceria de trabalho coletivo

e ético em direção à construção da intervenção em EP.

A partir destas questões que foram vivenciadas na interlocução com a

instituição hospitalar, foi visto com a equipe do CAPSi como retomar o que emergia

como algo paralisante e de repulsa diante dos dados apresentados, pois ali havia espaço

para que algo se desdobrasse, pois o mal-estar já estava colocado, já havia a

desacomodação; era preciso resituá-la como força produtiva. Como estratégia de

intervenção foi proposta uma reunião com chefia de enfermagem do hospital para

elucidar questões pertinentes ao que vinha se desdobrando desde a apresentação dos

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dados dos prontuários. A partir do debate houve a possibilidade de remeter as questões

para um enquadre institucional e, lentamente, o incômodo foi sendo reduzido, abrindo-

se espaço para novas articulações. Ocorreu o convite para a participação do CAPSi em

reuniões que aconteciam no hospital desde o mês de março de 2009, incluindo outros

serviços como Amigos do Bebê e coordenação do PIM. A partir desse momento o

CAPSi começou a participar deste novo espaço de abertura que ainda se configurava

como algo inicial, sem muita definição de como seriam as reuniões. O objetivo era de

organização do trabalho existente, discussão de casos e criar canais de articulação e

aproximação das propostas e intervenções desenvolvidas por esses serviços com o

hospital. Mais uma brecha aberta, aproximações feitas com muito custo pessoal e

institucional, mas não havia outra forma de ir criando espaços onde as questões de

intervenção com os bebês se configuravam como fechadas e auto-suficientes.

Em muitos momentos a manutenção deste espaço também não ocorreu,

havendo o cancelamento da reunião pela ausência de uma pessoa ou pelo surgimento de

outro compromisso no mesmo horário. Após a ocorrência repetida destas situações

houve a possibilidade de que esse sintoma fosse tomado e trazido como algo que

emperrava que o trabalho avançasse na direção proposta. Aos poucos muitas questões

relativas às dificuldades do trabalho nos serviços puderam ser ditas na reunião pelos

seus participantes, porém em um discurso ainda muito queixoso, sem potência de ação.

O que se configurava primordialmente nesses encontros era a possibilidade de falar, de

dar visibilidade para entraves no trabalho. A discussão de casos, o olhar de cuidado para

a primeira infância ainda não tinha emergido como questão. Com a continuidade das

reuniões foi sendo possível organizar um calendário viável para que pudesse haver

participação comprometida de todos, o que ainda está em processo de construção. A

partir disso apareceu como uma demanda de trabalho a retomada da participação da

psicologia no grupo de pais dos bebês internados na UTI neonatal, que atualmente é

coordenado por uma pediatra da unidade. Cabe ressaltar que o registro da participação

de pais nesse grupo não foi encontrado em nenhum prontuário analisado para a

pesquisa. A psicologia fazia parte da coordenação do grupo anos atrás; atualmente

participa uma estagiária de psicologia inserida no projeto Amigos do Bebê, mas apenas

como observadora. A proposta inicial é que o CAPSi poderia participar junto com essa

intervenção, em um trabalho de parceria, sendo efetivamente a primeira intervenção do

CAPSi no hospital relativa ao atendimento de bebês. Estava sendo criado assim um

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espaço de descentralização do serviço com a intervenção voltada para o atendimento de

bebês em situação de risco para o desenvolvimento integral. Percebe-se uma intenção

significativa em relação a essa parceria, tanto por parte do hospital como do CAPSi. No

entanto, com as relações sendo estreitadas aos poucos, houve dificuldades que

demandavam que essa parceria fosse mais amadurecida e instituída para que não ficasse

na dependência e na sustentação de alguns profissionais. A partir disso está sendo

escrito um projeto de trabalho e de parceria para a viabilidade dessa intervenção e que

seja contratada pela equipe diretiva de ambas instituições. O Departamento de Saúde

Mental do município faz-se presente nas reuniões com a participação do coordenador, o

que tem sido de extrema importância para a construção e legitimidade dessa proposta de

trabalho.

8.3.2 Conferência Municipal de Saúde: legitimidade das demandas sociais

Em setembro de 2009, ocorreu a IV Conferência Extraordinária Municipal de

Saúde, foi um momento de extrema importância para o município em relação à saúde

pública, pois as diretrizes formuladas pela conferência orientarão a formulação da

Agenda Municipal da Saúde e do Plano Municipal de Saúde (PMS) 2010/2013. Em

relação à questão da atenção à saúde na primeira infância, algumas proposições foram

levadas pelos profissionais do CAPSi e debatidas nos grupos de trabalho, sendo

aprovadas pela plenária final, o que se configurou como inaugural pois até aquele

momento essa não era uma questão trazida para o público ampliado. A construção das

proposições levadas para a Conferência foram fruto dos debates, reuniões que

assinalavam a importância de compartilhar as questões que estavam sendo vivenciadas

com outros interlocutores, para além dos que já buscados durante o percurso, como

usuários do SUS, trabalhadores, prestadores de serviço e gestão municipal.

O CAPSi realizou uma reunião preparatória para que a equipe pudesse se

organizar quanto a sua participação na Conferência, visto a necessidade de contribuir na

proposição de novas frentes de trabalho em saúde mental infanto-juvenil no município.

Neste momento foi destacada a questão da grande demanda de pacientes adolescente em

situações graves que estão em atendimento no serviço. Em relação à primeira infância

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foi preciso resgatar o histórico das experiências anteriores e sustentar o quanto havia um

compromisso institucional com essa população que demandava atendimento e que não

era mais possível não se comprometer e responsabilizar. Era necessário levar este

debate para a Conferência, remeter essa questão para a cidade e para gestão, no sentido

de compartilhamento de responsabilidades e busca por estratégias políticas e clínicas.

James Heckman, prêmio Nobel da Economia em 2000, salientou que o

investimento na primeira infância, especialmente o focalizado nas crianças mais

vulneráveis, “é uma rara iniciativa de política pública que promove eqüidade e justiça

social” (HECKMAN, apud UNESCO, 2007, p. 25). Nesse sentido o espaço privilegiado

para a proposição destas iniciativas na área da saúde é o espaço legitimo da

Conferência, que pode produzir e conduzir mudanças na forma como até então a

primeira infância tem sido tomada, como indicador de mortalidade infantil.

As proposições se encontram em eixos do relatório final da conferência:

I - Redução da mortalidade infantil e materna: Criar fórum permanente de discussão intersetorial para a formulação da Política Municipal de Atenção à Primeira Infância. II - Melhoria da Gestão, do Acesso e da Qualidade das Ações e Serviços de Saúde: Garantir serviço de estimulação precoce, na rede municipal. III - Reorientação do Modelo Assistencial e Descentralização: Incrementar ações preventivas em vez do foco exclusivo nas ações curativas. VII - Intersetorialidade: Criar fórum intersetorial permanente da primeira infância, visando o desenvolvimento de políticas públicas e atendimento em estimulação precoce pautado pela interdisciplinaridade. Moção Nº. 2 – Recomendação: Nós, profissionais, usuários e prestadores de serviços, reunidos nesta CMES, recomendamos que o núcleo gestor da Secretaria Municipal da Saúde, participe ativamente e aplique recursos materiais, designe profissionais e empreenda esforços no processo de criação e manutenção de dispositivos territoriais de atenção em Saúde Mental para crianças e adolescentes com queixas de menor complexidade e gravidade que não demandem cuidados intensivos e diários, e se beneficiem de atenção em modalidade ambulatorial como grupos, psicoterapia individual e atividades lúdico-terapêuticas. A partir da transformação do SACA em CAPSi (que prioriza a atenção intensiva e diária a pacientes com grave sofrimento psíquico) no ano de 2006 e, apesar de todo o investimento da equipe do CAPSi em trabalhos de descentralização e matriciamento, persiste uma enorme demanda reprimida de crianças e adolescentes com queixas leves de comportamento, ansiedade, dificuldade de adaptação familiar e integração social e escolar. Já existe um projeto sendo elaborado pela equipe sobre a criação desses ambulatórios de menor porte desde 2008, porém, não houve até o presente momento, contrapartida da atual gestão relativa a sua concretização (CMS, 2009).

Uma das ferramentas de gestão e participação do SUS são as Conferências de

Saúde, que tem o caráter deliberativo e propositivo de ações. Desde essa perspectiva,

este é o espaço legitimo de controle social, onde questões pertinentes à saúde da

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população são deliberadas em um processo construído por inúmeros atores sociais,

como usuários, profissionais, prestadores de serviço, gestores. Assim, esse foi um

momento impar nesse ao longo do percurso, na medida em que foi possível o diálogo

aberto com os atores sociais em relação às necessidades da primeira infância no

município, potencializando diretrizes de trabalho pertinentes a essa população.

9 DESDOBRAMENTOS INSTITUCIONAIS

Ao longo do percurso de pesquisa e ação realizados, muitos desafios estiveram

presentes, assim como também muitos encontros que propiciaram que a interlocução

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fosse possível, em uma proposta que de antemão se colocou como coletiva. O intuito de

um trabalho no âmbito da saúde pública não poderia ser diferente, pois a história

brasileira relata o esforço dos trabalhadores e movimentos sociais na transformação e

construção de um SUS plural, coletivo, cidadão. A pesquisa direcionou-se sempre pela

perspectiva de ir ao encontro dos atores sociais e tomâ-los como sujeitos operantes e

participativos, comprometidos e protagonistas do seu fazer.

É importante considerar a multiplicidade que constituiu o trabalho

desenvolvido - momentos em que os serviços e os atores sociais fizeram o engajamento

necessário para a proposta caminhar e iniciar a construir o mínimo de visibilidade para a

necessidade da intervenção em EP para a saúde pública do município; momentos de

dificuldade, de rechaço, onde a possibilidade de troca e abertura para as questões que

estavam sendo construídas, não tinham escuta e nem olhar, assim como a primeira

infância. Diante deste funcionamento encontra-se o a necessidade de operar a partir de

uma outra lógica na rede de saúde pública, nas políticas públicas. Majoritariamente a

infância aparece sob o véu da mortalidade, que tenta encobrir o descaso, a falta de

acesso, a sustentação do direito mais primordial que é o direito à vida, muitas vezes,

com a culpabilização do próprio sujeito que tem a sua cidadania suprimida,

naturalizando essa intercorrência que é histórica, cultura e política.

Talvez a infância-ilusão prescinda de toda garantia real, tendo em vista as Políticas de Morte dirigidas à infância atual, que traçam Geografias e Lógicas do Medo, recitam Alfabetos de Dor, desenham Estéticas da Crueldade, declinam Sintaxes de Sangue. Erguem reinos infantis de corpos deslocados, na barbárie carnal-discursiva dos campos de refugiados. Operam máquinas de rotina e submissão ao trabalho. Narram fábulas espaciais de sede, fome, doenças. Portam a sua morte como insígnia e máxima destes tempos do mundo de agora (CORAZZA, 2000, p.79).

Defende-se a compreensão de que a mortalidade infantil e a falta de assistência

adequada em saúde à primeira infância têm se constituído, ao longo da história como

um sintoma social. O sintoma, no entendimento psicanalítico, é uma forma de expressão

para dar conta das questões humanas dentro de um contexto autorizado pela cultura. A

Psicanálise se ocupa de escutar aquilo que não encontrou expressão a não ser no

sintoma, sendo a “forma mais singular que existe de expressão e, ao mesmo tempo, é o

que denuncia a organização social e cultural” (MARIN, et al., 2007, p. 48). Certamente

que as demandas e necessidades em relação à saúde de bebês e crianças pequenas não se

reduzem a diminuição de um indicador, que em vários momentos, foi alardeado como

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vergonhoso para um município desenvolvido. Esse indicador assim como os dados que

a pesquisa aponta, trazem visibilidade para o modo como a primeira infância é tomada e

atendida pela rede pública de saúde e situada no discurso social. É importante destacar

que o quadro encontrado na pesquisa faz referência a todo um sistema de saúde que é

social e transversalisado por questões de todas as ordens, e que acaba dando

continuidade à construção histórica da infância e da atenção à saúde à essa população.

Neste sentido, não é um recorte isolado, mas dentro do contexto histórico, social e

político.

Apesar de a saúde estar assegurada pela Constituição de 1988 como um direito

de todas as pessoas, com acesso universal e igualitário, freqüentemente observam-se

grandes barreiras no acesso aos serviços, sejam eles na atenção básica ou de alta

complexidade. Essas barreiras são impostas por inúmeros fatores, como a

indisponibilidade da oferta de serviços básicos e especializados à grande maioria da

população e a distribuição geográfica da capacidade instalada em saúde. Esta última,

dada a distância entre a localização da demanda e da oferta, impõe dificuldade adicional

no uso desses serviços. Nessa perspectiva, dentre oito questões fundamentais para se

entender por que os grupos populacionais mais pobres morrerem mais cedo que os

outros, como no caso da mortalidade infantil, cinco são relacionados aos serviços de

saúde – menor acesso aos serviços de saúde; pior qualidade da atenção em serviços de

atenção primária; menor probabilidade de receber tratamentos essenciais; e menor

acesso aos serviços de maior complexidade resolutiva (atenção secundária e terciária)

(VICTORA, et al., 2003).

A complexidade da pesquisa-ação também esteve na proposta interdisciplinar e

de intersetorialidade, na busca incessante de construir o diálogo com outras áreas de

conhecimento. Surgiram diversos impasses e conflitos institucionais, tanto no CAPSi

como nos outros serviços da rede, mas que foram tomados como próprios da dinâmica

da instituição, viabilizando um entendimento que permitisse a emergência de questões

pertinentes e o engate de alguns atores sociais. No entanto, nem sempre foi possível

superar o narcisismo das pequenas diferenças, como Figueiredo (2000) recomenda. A

compartimentalização e fragmentação das áreas e a dificuldade de reconhecer o

subjetivo na maioria das práticas em saúde, produz uma grande dificuldade para o

trabalho em rede que é o “encaminho ao...” reduzindo a eficiência e resolutividade da

ação em saúde. Esse é um dos fatores que apontam para a necessidade de uma lógica de

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trabalho pautado pela interdisciplina e por uma ética do sujeito. Nesse sentido a saúde

pública que é para todos, coletiva, não perde a especificidade e a singularidade de cada

sujeito no ato da atenção. Assim a proposta defendida em EP, não toma o corpo como

objeto a ser disciplinado sem contemplar o sujeito, discurso que normalmente encontra-

se na área da saúde.

Ações voltadas apenas para o corpo, patologia, doença do bebê, sem levar em

consideração os aspectos psíquicos e seus efeitos sobre o corpo e as doenças apareceram

continuamente no discurso de alguns serviços ou mesmo da gestão, através de

proposição de programas como o Pacto para a redução da Mortalidade Infantil.

Portanto, propor uma intervenção em EP para a saúde pública não estabelecida

a partir da patologia - doença orgânica do bebê ou criança pequena - mas sim entendida

como necessidade de que esse sujeito seja falado para além das questões orgânicas (pois

o seu corpo e sua existência não se resumem a isso) é sugerir novas formas de olhar e

atender a infância.

É oportuno esclarecer o enfoque dado à rede de saúde que foi se desdobrando,

ao longo do percurso investigativo como uma necessidade, pois a intervenção esteve

para além do atendimento clínico pontual. Nesse sentido a investigação e a intervenção

estiveram associadas às intervenções para além do CAPSi, criando espaço de debate e

para pensar proposições para uma clínica ampliada, propondo ações de promoção e

prevenção. O que se encontrou em muitos desses espaços foi a necessidade de

compartilhar o conhecimento sobre a EP, tanto para profissionais como para os

gestores, pois há um desconhecimento em relação ao trabalho clínico propriamente,

assim como que tipo de indicadores são passíveis de acompanhamento. Ou seja, há todo

um trabalho em formação profissional a ser desenvolvido coletivamente, que ultrapassa

o atendimento clínico, mas que possibilita a construção de um trabalho em rede para

bebês e crianças pequenas em sua integralidade como sujeitos em desenvolvimento.

Cabe destacar que para um trabalho efetivamente ser instituído é necessário que se

estabeleça uma relação de trabalho implicada, dessa forma não basta apenas a formação

profissional, mas sim construir atos coletivos sustentados por uma ética comum que

contemple o sujeito. Se essa questão não estiver colocada corre-se o risco de não haver

um trabalho em equipe, mas sim várias pessoas em um espaço comum, cada uma

operando ao seu modo, em uma lógica burocrática e normatizante. Assim a equipe e o

trabalho devem ser sustentados por uma rede transferencial para que o trabalho opere

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em uma relação que não seja neurótica nem alienada, mas que possa ser uma relação de

alegria e de comprometimento ético.

Nesse processo de construção coletiva, a psicanálise auxiliou a suportar o vazio

e o desamparo que restou dos encontros, desencontros, reuniões, conversas de corredor,

que são pertinentes ao humano e que permitem o sujeito e a transferência de trabalho

advir. Na medida em que é a partir das faltas, do que ficou em aberto que novas

possibilidades, redimensionamentos emergem em uma produção que não foi individual,

mas singular, que não foi solitária, mas coletiva, criando uma perspectiva político-

clínica, na construção de uma possível prática. “Acho que o aspecto central é que você

precisa ousar ser disponível a algo que queira expressar; ousar permitir que um

pensamento sem um pensador se aloje em algum lugar, dentro dos limites da sua

capacidade” (BION, 1992, p. 146).

Nesse contexto, a escuta atenta para os sentidos das dificuldades e dos

conflitos, assim como das queixas que pareciam sem saída, pode produzir brechas,

abrindo possibilidade de intervenção onde não se apostava, como por exemplo, no

Hospital Municipal. Nesse espaço coletivo operou o que antes foi sinalizado como rede

transferencial, advindo daí processos que se encontram em construção, como a escrita

do projeto de parceria e de intervenção com os recém-nascidos internados na UTI

neonatal.

Uma das considerações a serem feitas na direção da construção de uma

intervenção é que a construção de políticas públicas não se reduz a uma área de

conhecimento, mas sim a interdisciplina. Ao reducionismo cabe o papel de tentar

“justificar qualquer ação humana pelos traumas, e consequentemente,

desresponsabilizar os sujeitos de qualquer posicionamento ético, o que promove

políticas assistencialistas que sustentam e mantem o lugar de vítima, seja o louco, o

excluído, etc...” (MARIN; et al., 2007, p. 52). A partir dessa perspectiva os meios de

diagnóstico e de terapêutica devem ser ampliados, buscando novos modos de operar que

permitam construir a atenção à saúde e o cuidado voltado para sujeitos e não apenas

para a doença ou processos abstratos. A exemplo dessa questão, pode-se destacar a

importância da escrita ética nos prontuários, onde apareça o sujeito em processo de

cuidado em saúde e não apenas suas patologia e intervenções a que é submetido. Nessa

mudança de paradigma, Campos (2007) auxilia a pensar na importância de superar o

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“analfabetismo” subjetivo e social a que historicamente a formação dos profissionais em

saúde está submetida.

Compreender o caminho percorrido ao longo desse percurso, em um processo

que se constituiu como possibilidade de conhecer e construir espaços para a visibilidade

da primeira infância, mostra o quanto ainda é necessário criar um campo comum ético e

de trabalho para que essa possa emergir enquanto potência de vida.

Um desses momentos que ainda está em processo de elaboração é o

compartilhar a pesquisa com os atores sociais envolvidos, gestão e a própria cidade,

através do controle social. Esses momentos que ainda estão se desdobrando e se

configurando como potência do trabalho coletivo e implicado, como a organização de

seminários em alguns serviços de saúde, como por exemplo, UBSs, Hospital Municipal,

PIM, Amigos dos Bebês para ampliar o debate e avaliar os resultados advindos desse

percurso, implicando os atores sociais em um conhecimento que também é pertinente a

eles, assim como a gestão pública. Pois como Birman (2005) expõe, a problemática da

saúde deve incluir as dimensões simbólica, ética e política, privilegiando-se diferentes

modos de produção de sujeitos. Assim acredita-se nessa potência, de que é possível

construir modos de atenção à saúde que favoreçam a produção de sujeitos, onde a

primeira infância não seja apenas tomada como categoria analítica e como objeto de

intervenção, mas como sujeitos em desenvolvimento que demandam ações éticas e

implicadas.

Para que isso se efetive é preciso haver um debate contínuo e vivo sobre a

saúde, o bem-estar e o desenvolvimento das crianças, em especial para a primeira

infância, auxiliando na construção de políticas públicas que reflitam efetivamente nos

anos iniciais de vida.

CONCLUSÃO

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Esta pesquisa buscou construir um percurso com a rede de saúde pública na

tentativa de implementar uma proposta de intervenção em Estimulação Precoce para

esse âmbito, a partir do trabalho de articulação sustentado pelas diretrizes do SUS e da

perspectiva de infância como sujeito em processo de desenvolvimento.

O escopo da pesquisa e intervenção desenvolvida no município de Novo

Hamburgo, foi referente à construção de uma proposta de EP subsidiada pela

interdisciplina e pela Psicanálise, para crianças de até três anos de idade, na rede pública

de saúde. Dessa forma, o objetivo foi de construir e propor atendimento em EP no

âmbito da saúde pública, para bebês e crianças pequenas. No intento de desenvolver

essa questão, objetivos específicos pertinentes foram propostos: realizar mapeamento da

necessidade de atendimento em EP no município; desenvolver trabalho em rede

articulando gestores, serviços e profissionais da área da saúde, sobre a importância da

EP com profissionais da rede de saúde; implementar e executar projeto piloto

experimental de atendimento em EP, vinculado ao Centro de Atenção Psicossocial

Infantil - Capsi; promover debate em rede sobre casos clínicos atendidos ou que se

beneficiariam do atendimento em EP e promover ações e processos que possam

encaminhar para atendimento em EP à população na primeira infância no âmbito da

saúde pública.

Pode-se considerar, que a proposta inicial da pesquisa, foi sendo modificada ao

longo do tempo, possibilidade que a metodologia da pesquisa-ação respaldou, pois o

movimento coletivo de construção de um modelo de intervenção em EP provocou

situações que demandaram investimentos em direções e espaços não previstos

inicialmente. Dessa forma, todo o percurso da pesquisa se configurou como vivo,

potente, criando encontros e desencontros teóricos, clínicos, institucionais e políticos.

A proposta inicial de que o atendimento em EP no CAPSi fosse configurar uma

abertura no serviço e produzir questões pertinentes a atenção à primeira infância,

sustentada pela equipe não se efetivou. Deflagrou-se a impossibilidade de estabelecer a

proposta de atendimento, sendo necessário construir com a rede um amplo debate -

ainda está em processo - para que a primeira infância começasse a ter outras

possibilidades de atenção para alem das discussões sobre índices de mortalidade infantil

ou da implantação de programas governamentais. Foi necessário ampliar o cenário de

pesquisa e de intervenção compondo interlocuções institucionais para que a produção

atinente à clínica com as crianças pequenas possa se efetivar.

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Resistências e reações do CAPSi quanto a proposta inicial tinham motivações e

origens que ainda não eram conhecidas, tanto pela equipe quanto pela pesquisa, e que só

foram sendo desveladas, na medida em que o trabalho e o comprometimento avançou,

tanto internamente quanto externamente. As dificuldades de adesão à proposta da

pesquisa, referente a organização de uma frente de trabalho voltada para a primeira

infância, também se repetem na rede de saúde: a atenção à criança se baseia na

configuração de um sintoma estruturado, psíquico e/ou orgânico, na lógica da patologia

ou da mortalidade orgânica ou psíquica. Assim, não há visibilidade para as crianças a

não ser o adoecimento, sendo que, algumas vezes, é necessário que isso seja recorrente

para que faça alguma inserção no social, evidenciando o sofrimento vivido neste

contexto.

Justamente levando em conta tal dinâmica de vulnerabilidade da primeira

infância e da exclusão da criança enquanto sujeito para saúde pública, é que a EP se

configura como clínica viável, abrindo espaço para que intervenções iniciais possam ser

efetivadas, contribuindo para que esses adoecimentos não se configurem, ou sejam

minimizados, e que a criança seja compreendida como sujeito em desenvolvimento

integral e de direitos. Percebe-se esta possibilidade quando se relaciona o grande

número de adolescentes atendidos no serviço - que constantemente são foco de debates

na rede e na mídia – e o quanto essa população poderia ter sido acompanhada em suas

necessidades em momento anterior, provavelmente reduzindo a complexidade dos

acontecimentos e adoecimentos. Isso pode demonstrar o quanto as dificuldades na

infância não são acolhidas, ou são equivocadamente, desdobrando-se em novas

configurações na adolescência.

O movimento constante de abertura e de busca da e na rede, para articular

questões relativas ao trabalho, nem sempre foram exitosas, em sua maioria contaram

com resistências e falta de investimento, apenas permitindo espaço para atenção

imediata e isolada do caso, marcando a inexistência do envolvimento efetivo da equipe

e da rede na construção do projeto de trabalho. Entende-se esta condição como crucial,

pois só há possibilidade de atendimento se o trabalho em rede estiver estruturado e

articulado; caso contrário, é uma mera reprodução de um modelo de atenção em saúde

que não funciona pelas diretrizes do SUS e da política de saúde metal, tomando a

patologia como foco de intervenção e não o sujeito em sua integralidade. Esse não era o

objetivo e nem a lógica que pretendia sustentar a proposta de intervenção da pesquisa.

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Avanços foram possíveis, principalmente a partir da divulgação na instituição

hospitalar do mapeamento da demanda para EP no município, a partir dos recém-

nascidos internados na UTI Neonatal. Foram momentos difíceis, no sentido da

abordagem do tema e das reações advindas, inquietações e comprometimento por parte

de alguns atores sociais, que aos poucos, estão saindo da queixa e adotando uma

posição de comprometimento e participação. Na devolução da coleta de dados foram

discutidos indicadores relevantes sobre a saúde e os sujeitos em questão, que eram

desconhecidos em sua análise e não sistematizados. Indicadores como antecedentes

materno, prematuridade, intercorrências gestacionais, encaminhamento pós-alta

hospitalar, entre outros, que se tomados na organização e direção do trabalho, podem

resultar na contribuição de ações em saúde mais eficientes e produtivas para essa

população. Nesse sentido um resultado significativo da pesquisa é a participação do

CAPSi e manutenção da reunião de serviços que atendem à primeira infância em

situação de risco para o desenvolvimento integral que ocorre no Hospital Municipal. Tal

espaço tem se configurado como um lugar de articulação e de possibilidades, abrindo

brechas importantes para as proposições de novas formas de atenção e cuidado à

primeira infância, contemplando a criança pequena como sujeito em processo de

desenvolvimento integral.

O trabalho coletivo e o início de reconhecimento da importância do trabalho

em rede propondo intervenção em EP também obteve repercussão significativa na

Conferência Municipal de Saúde. A legitimação de que esta seja uma direção de

trabalho com a primeira infância no município sinaliza o quanto é pertinente e

necessário levar o debate clínico, institucional e político para o âmbito do controle

social, constituindo-se como uma demanda coletiva e representativa de vários

segmentos sociais. O modo e os desdobramentos que a gestão pública possibilitará a

partir das proposições elencadas pelo controle social, na atenção em saúde para essa

população, serão possíveis de constatação somente a posteriori, mas as diretrizes para

tanto já estão asseguradas.

As singularidades do percurso da pesquisa tornaram o trabalho coletivo e suas

construções evidenciadas em tempos distintos, pois o tempo da pesquisa e o tempo

institucional não são os mesmos: o primeiro demanda produção, escrita e análise em um

processo pautado pela academia, é um tempo que não espera, insiste em estabelecer

limites, que também são necessários. O segundo, institucional, envolve vários outros

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tempos, que nem sempre estão conectados, como o tempo do sujeito social, do serviço,

da gestão, do controle social. Sendo assim, foi um tempo de investimento e de muita

produção na rede de saúde do município e os seus efeitos talvez sejam passíveis de

avaliação posteriormente, em um outro tempo que é processual e histórico.

Outra questão presente na pesquisa e que merece ser considerada foi a troca de

gestão pública municipal no decorrer da investigação, sendo um momento de muitas

expectativas por parte de atores sociais, produzindo uma certa angústia que paralisou

investimentos e novas frentes de trabalho. Como a mudança ainda é recente, está em

processo o diálogo entre atores sociais e gestão pública, na construção de uma direção

de trabalho em saúde mais cidadã e sustentado pelos princípios do SUS.

O conhecimento e o acesso anterior do pesquisador ao CAPSi também é uma

contingência a ser avaliada e merece reflexão no que diz respeito às possíveis

implicações na realização da pesquisa. Ao mesmo tempo em que se configurou como

espaço de ancoragem para a pesquisa e de partida para outros territórios, a posição do

pesquisador configurou-se como um lugar entre a academia e o serviço, não sendo

nenhum e nem outro de forma exclusiva ou definitiva, mas sim um ponto de

convergência nesse entre. Porém, em muitos momentos foi necessário direcionar para o

serviço e para a rede, questões que se apresentavam como processo de construção, pois

havia uma tendência em personalizar e delegar para a pesquisa – restringindo então ao

equacionamento teórico - questões coletivas e maiores do que o âmbito a que se propôs

pesquisar.

É importante que se assinale a incipiente produção científica sobre EP e saúde

pública, assim como a falta de avaliação de programas e políticas públicas como

ferramenta de gestão e planejamento na construção do SUS e de ações voltadas para a

primeira infância. As análises sobre a infância realizadas pelos organismos

governamentais e supra governamentais, como por exemplo, o UNICEF, tem mostrado

dados alarmantes sobre a situação geral da criança pelo mundo e atestado a dificuldade

em operacionalizar as instituições diretamente relacionadas ao bem-estar das crianças,

como a educação e a saúde pública (FREITAS, 1999). Esse é um indicador que sinaliza o

quanto ainda é necessário avançar na construção de frentes de trabalho que garantam

acima de tudo a dignidade humana, superando momentos de significativa negligência aos

direitos fundamentais na infância.

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Constata-se que ainda há invisibilidade social em relação à criança, assim

como insensibilidade a respeito da infância e de suas necessidades, historicamente

vivida pela civilização. A criança torna-se invisível quando gestores, comunidades e

famílias não percebem e/ou não atendem as peculiaridades e necessidades da infância,

no âmbito de sua competência. A dificuldade em distinguir e valorizar a criança ocorre

desde a Antiguidade e ainda encontra-se nos dias de hoje, podendo ser identificada nos

problemas de acesso aos serviços básicos, na falta de qualidade de creches, nos casos de

abuso físico e sexual, no abandono material e emocional, no trabalho precoce e

insalubre, entre outros. Assim, a despeito de todos os avanços legais, deparar-se com a

falta de respeito aos direitos da criança e com a dificuldade de reconhecê-la como um

sujeito que têm direitos, faz parte do cotidiano que é possível mudar.

Algumas elucidações emergiram desse processo coletivo em proposição a uma

nova frente de trabalho ética voltada para a primeira infância, sendo manifestas por

diferentes espaços e atores participantes da pesquisa: necessidade de voltar o olhar para

todos os níveis de atenção - básica, média e alta complexidade - priorizando a

construção de uma rede de trabalho implicado, onde o debate tenha potência criativa e

articulação na produção ética de cuidado, e não tomado como algo burocrático. Dessa

forma, as intervenções em saúde sustentadas pela ética do sujeito e interdisciplina,

possibilitam à criança a adquirir de fato o que lhe é de direito: a condição de sujeito em

pleno desenvolvimento integral, que demanda atenção e prioridade, como direito.

Um dos caminhos possíveis é avançar na construção e consolidação de

estratégias e modos de operar as políticas públicas, programas e ações em saúde para a

primeira infância, como ferramentas para a inclusão social, pois não se programam e

não funcionam por si só. É necessário fazer valer seus princípios, questionando o que

não está claro, escutando os seus vários atores - crianças, famílias, profissionais -

construindo propostas, implementando, avaliando. É a partir desses movimentos micro e

macro institucionais e políticos, que é possível a responsabilização de todos, fazendo

valer os direitos por quem ainda sozinho não consegue garanti-los, as crianças.

A aposta feita e sustentada de que a EP é uma estratégia de intervenção

possível para a saúde pública e pertinente ao processo de inclusão social se mantém.

Porém em um nível ampliado, no sentido de ir para além do CAPSi, configurando uma

proposta que contemple o território e a articulação com à rede de saúde pública do

município, necessita tempo, sensibilização e implicação ética. Foi a partir do momento

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em que as crianças começaram a ser a ser faladas a partir de seus nomes, pelos

profissionais em reuniões do Núcleo de EP e nas reuniões do Hospital, e não apenas

como números de indicadores ou como destinatárias de patologias, que se identificou

brechas para um início de visibilidade das suas necessidades enquanto sujeitos em

desenvolvimento e de direitos. Tal posicionamento só foi possível na medida em que se

apostou na EP como uma intervenção que compreende a criança como sujeito potente,

desejante. Tomar a criança a partir dessa perspectiva é redimensioná-la no tecido social,

endereçando outros espaços de circulação e de apropriação para a primeira infância, não

mais como criança sem visibilidade, mas como potência de vida. Incluir a criança na

vida e em todas as suas dimensões possíveis é certamente um processo de inclusão, e a

EP como intervenção, tem muito a contribuir, na medida em que sustenta a criança

como sujeito do desejo, ou seja, articulada e referenciada à linguagem, ao discurso

social. Assim, a EP se configura como uma intervenção clínica fundante de um novo

estatuto para a primeira infância no âmbito da saúde pública, onde a criança situada é

nomeada em um trabalho implicado, ético e articulado em rede, pode advir como sujeito

e não como indicador de mortalidade infantil.

Dessa forma, apostar em uma direção de trabalho em saúde sustentada pela

ética do sujeito e pela inscrição social das crianças é criar potências para que

movimentos de inclusão social realmente sejam possíveis, agenciando visibilidade e

atenção às suas necessidades e demandas, qualificando ações e políticas públicas que

compreendam essa população enquanto sujeitos de direitos e de desejos.

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• 31/01/08: reunião coordenação CAPSi• 07/02/08: reunião equipe CAPSi• 12/02/08: reunião com estagiário de psicologia do CAPSi para construção de ficha de • acolhimento para mães que iniciariam participação em grupo de puericultura em • UBS• 05/03/08 – Reunião Núcleo de EP• 18/03/08: reunião com coordenação do CAPSi sobre proposta de pesquisa em EP • 19/03/08 - Reunião Núcleo de EP• 22/03/08: reunião com gestor da saúde sobre o projeto de pesquisa e proposta de articulação • com o a rede de saúde pública do município• 02/04/08: reunião Núcleo de EP CAPSi, participação da neuropediatra do Serviço de • Especialidades Médicas do município• 03/04/08: reunião equipe CAPSi• 17/04/08: reunião equipe CAPSi• 24/04/08: reunião equipe CAPSi, com participação do Amigos do Bebê e pediatra de • Unidade Básica de Saúde (UBS)• 30/04/08: reunião Núcleo de EP CAPSi• 02/05/08: protocolo da pesquisa no Hospital Municipal• 07/05/08: reunião Núcleo de EP CAPSi, com participação dos Amigos do Bebê e gestor do • projeto, pediatra de UBS e gestor de saúde municipal• 08/05/08: reunião equipe CAPSi• 20/05/08: início da pesquisa no Hospital – prontuários• 21/05/08: reunião Núcleo de EP CAPSi• 28/05/08: reunião Núcleo de EP CAPSi• 05/06/08: reunião equipe CAPSi• 11/06/08: reunião Núcleo de EP CAPSi na UBS Santo Afonso

19/06/08: reunião equipe CAPSi• 26/06/08: reunião equipe CAPSi • 02/07/08: reunião Núcleo EP • 03/07/08: reunião equipe CAPSi• 09/07/08: reunião Núcleo EP • 10/07/08: reunião equipe CAPSi• 16/07/08: reunião Núcleo de EP• 17/07/08: reunião equipe CAPSi• 24/07/08: reunião equipe CAPSi• 30/07/08: reunião Núcleo EP • 31/07/08: reunião equipe CAPSi• 06/08/08: reunião Núcleo EP • 07/08/08: reunião equipe CAPSi

ANEXO A - LINHA DO TEMPO

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• 13/08/08: reunião Núcleo EP • 14/08/08: reunião equipe CAPSi• 20/08/08: reunião Núcleo EP • 27/08/08 Reunião Núcleo de EP• 28/08/08: seminário sobre EP na reunião de equipe do CAPSi• 03/09/08: reunião Núcleo EP• 04/09/08: reunião equipe CAPSi• 11/09/08: reunião equipe CAPSi• 17/09/08: Reunião Núcleo de EP• 18/09/08: reunião equipe CAPSi• 25/09/08: reunião equipe CAPSi• 01/10/08: reunião Núcleo EP• 02/10/08: reunião equipe CAPSi• 08/10/08: reunião Núcleo EP• 09/10/08: reunião equipe CAPSi• 15/10/08: reunião Núcleo EP• 16/10/08: reunião equipe CAPSi• 22/10/08: reunião Núcleo EP• 23/10/08: reunião equipe CAPSi• 29/10/08: reunião Núcleo EP• 30/10/08: reunião equipe CAPSi• 05/11/08: reunião Núcleo EP• 06/11/08: reunião equipe CAPSi• 18/11/08: visita ao CAPSi de São Leopoldo• 19/11/08 Reunião Núcleo de EP• 20/11/08: reunião equipe CAPSi• 27/11/08: seminário no Nap• 03/11/08 Reunião Núcleo de EP• 04/12/08: reunião equipe CAPSi• 11/12/08: reunião equipe CAPSi• 17/12/08: reunião Núcleo EP

15/01/09: reunião equipe CAPSi• 28/01/09: visita ao Centro Lydia Coriat em Porto Alegre – objetivo de conhecer o trabalho • desenvolvido em Estimulação Precoce e a experiência da instituição com a saúde • pública.• 29/01/09: reunião equipe CAPSi• 04/02/09: reunião Núcleo de EP no CAPSi• 05/02/09: reunião equipe CAPSi• reunião com o grupo de trabalho do PIM no bairro Canudos• 18/02/09: reunião Núcleo de EP no CAPSi• 19/02/09: reunião equipe CAPSi • 26/02/09: reunião equipe CAPSi • 04/03/09:reunião Núcleo de EP no CAPSi

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• 05/03/09: reunião equipe CAPSi • 12/03/09: reunião equipe CAPSi • 16/03/09: apresentação do programa “Amigos da Saúde”, na prefeitura municipal: debate

sobre a proposta do programa e sua implementação na atenção básica.• 18/03/09:reunião Núcleo de EP no CAPSi• 19/03/09: reunião equipe CAPSi • 25/03/09: reunião com a coordenação de ensino e pesquisa do CAPSi, sobre o andamento • da pesquisa.

reunião Núcleo de EP no CAPSi26/03/09: reunião equipe CAPSi 02/04/09: reunião equipe CAPSi

reunião Núcleo de EP no CAPSi08/04/09: reunião Núcleo de EP no CAPSi09/02/09: reunião equipe CAPSi

reunião com a coordenação do CAPSi sobre a proposta de trabalho em EP, após saída da fonoaudióloga do serviço, desdobramentos.

14/02/09: reunião Núcleo de EP no CAPSi16/04/09: reunião de equipe CAPSi: seminário de apresentação da parte quantitativa da

pesquisa – prontuários dos recém-nascidos internados em UTI neonatal do Hospital Municipal.

23/04/09: reunião equipe CAPSi 29/04/09: reunião no Hospital Municipal com enfermagem sobre os dados da pesquisa –

prontuários dos recém-nascidos internados em UTI neonatal do Hospital Municipal.

30/04/09: reunião equipe CAPSi 07/05/09: reunião equipe CAPSi 14/05/09: reunião equipe CAPSi 20/05/09: reunião Núcleo de EP no CAPSi22/05/09: apresentação dos dados da pesquisa (prontuários) na reunião do comitê de

implementação do Pacto28/05/09: reunião equipe CAPSi

• 04/06/09: reunião equipe CAPSi • 18/06/09: reunião equipe CAPSi • 24/06/09: apresentação dos dados da pesquisa (prontuários) para equipe da Uti neonatal e • centro obstétrico do Hospital Municipal• 25/06/09: reunião equipe CAPSi • 02/07/09: reunião equipe CAPSi • 09/07/09: reunião equipe CAPSi • 15/07/09: reunião com coordenação do CAPSi sobre efeitos e encaminhamentos a partir da • reunião no Hospital Municipal• 16/07/09: participação no seminário preparatório à Jornada Municipal da Infância e • Adolescência, realizada na prefeitura municipal• 23/07/09: reunião equipe CAPSi • 24/07/09: reunião no Hospital Municipal com coordenação de enfermagem da UTI neonatal • sobre os dados da pesquisa (prontuários)• 30/07/09: reunião equipe CAPSi

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• 03/08/09: reunião com coordenação de enfermagem do Hospital Municipal sobre os dados • da pesquisa (prontuários) e possíveis encaminhamentos• 06/08/09: reunião equipe CAPSi• 10/08/09: primeira participação na reunião do Hospital Municipal com Amigos do Bebê e • equipe técnica do hospital• 13/08/09: reunião equipe CAPSi • 17/08/09:reunião Hospital Municipal • 20/08/09: reunião equipe CAPSi • 24/08/09: reunião Núcleo de EP no CAPSi• reunião Hospital Municipal• 27/08/09: reunião equipe CAPSi • 28/08/09: participação do trabalho Possibilidades e limites na construção de intervenções • precoces na saúde pública, na I Mostra de Práticas em Psicologia no Campo • das Políticas Públicas CRP.....• 31/08/09: reunião equipe CAPSi: encaminhamentos para a Conferência Municipal de Saúde• 05/09/09: reunião equipe CAPSi • 10/09/09: reunião equipe CAPSi • 15,16 e 17/09/09: participação no Encontro Estadual de CAPS, Porto Alegre• 23/09/09: reunião no CAPSi com Nutrir sobre seminário de apresentação da pesquisa • Multicêntrica de Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI)• 24/09/09: reunião equipe CAPSi• 25 e 26/09/09: participação na Conferência Municipal de Saúde• 01/10/09: reunião equipe CAPSi• 05/10/09: reunião Núcleo de EP com coordenação técnica do CAPSi sobre participação nas • reuniões do Hospital Municipal• 15/10/09: reunião equipe CAPSi• 22/10/09: reunião equipe CAPSi• 12/11/09: reunião equipe CAPSi• 16/11/09: reunião Núcleo EP• 18/11/09: reunião Hospital• 19/11/09: reunião CAPSi• 26/11/09: reunião CAPSi• 30/11/09: reunião Núcleo EP• 02/12/09: reunião Hospital• 03/12/09: reunião CAPSi• 07/12/09: reunião Núcleo EP• 16/12/09: reunião Núcleo EP• reunião Hospital• 17/12/09: reunião CAPSi – seminário equipe sobre encaminhamentos para devolução da

pesquisa a rede de saúde pública do município (profissionais, serviços e gestores)

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TERMO DE COMPROMISSO PARA UTILIZAÇÃO DE DADOS

Título do Projeto

Inclusão social e saúde na primeira infância: construção de modelo de atendimento em Estimulação Precoce na Saúde Pública

Cadastro no CEP

Os pesquisadores do presente projeto se comprometem a preservar a privacidade dos sujeitos da pesquisa, cujos dados serão coletados em prontuários do Hospital Municipal de Novo Hamburgo. Concordam, igualmente, que essas informações serão utilizadas única e exclusivamente para execução do presente projeto. Comprometem-se, igualmente, a fazer divulgação dessas informações coletadas somente de forma anônima.

Novo Hamburgo, ____ de __________________ de 200____.

Nome dos Pesquisadores Assinatura

Simone Bampi

Denise Macedo Zillioto

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PESQUISA

Inclusão Social e Saúde na Primeira Infância:

Construção de modelo de atendimento em Estimulação Precoce na Saúde Pública

A aluna do Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade, do Centro Universitário Feevale, Simone Bampi, está desenvolvendo uma pesquisa sobre o atendimento de crianças de zero a três anos de idade, na área da saúde pública em Novo Hamburgo. O estudo pretende compreender as necessidades de atendimento dessa faixa etária e identificar o atendimento que pode ser oferecido para favorecer seu desenvolvimento como um todo. Os dados obtidos buscam implementar um modelo de intervenção que possa ser oferecido na saúde pública para promover a saúde de crianças pequenas e prevenir a ocorrência de transtornos futuros em seu crescimento. Sabe-se que quanto mais inicial for o diagnóstico e a indicação de tratamento na infância, melhores e mais rápidos são os resultados para a saúde da criança, o que justifica essa pesquisa e o resultado pretendido.

A participação nesta pesquisa é voluntária e quando os dados forem apresentados publicamente os nomes não serão divulgados, preservando assim a identidade e o anonimato de todos os participantes. Como instrumentos de pesquisa serão realizadas entrevistas pessoais e observações participantes. O tempo de duração para as atividades será de aproximadamente uma hora. As entrevistas serão gravadasmediante a assinatura do termo de consentimento, sendo utilizado gravador para facilitar o registro das informações. As entrevistas serão realizadas preferencialmente no Centro de Atenção Psicossocial Infantil – CAPSi, podendo ser individual ou coletiva. O registro das entrevistas será guardado até dois anos de finalizada a investigação. Esta pesquisa não trará nenhum risco aos participantes. Em qualquer momento da pesquisa a pessoa entrevistada poderá desistir de sua participação, sem que isso lhe acarrete qualquer prejuízo. As entrevistas serão gravadas, posteriormente transcritas e seu conteúdo pode ser certificado e autorizado pelo pesquisado.

Esta pesquisa é realizada pela psicóloga e aluna do mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade Simone Bampi e coordenada pelo Prof. Dra. Denise Macedo Ziliotto. No caso de esclarecimento de dúvidas ou se desejar realizar algum contato, nos colocamos à sua disposição no Centro Universitário Feevale – Campus II – Prédio lilás – 2º andar.. Telefone: 35868800 ramal 8946. E-mail: [email protected] [email protected]. Os resultados serão divulgados em atividades de capacitação nos locais onde os dados são coletados, assim como outros eventos e publicações científicas.

Este termo de consentimento foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) e será assinado em duas vias, permanecendo uma via com o entrevistado.

Eu,________________________________________________, depois de ter esclarecido todas as

minhas dúvidas, aceito participar da pesquisa em questão.

Novo Hamburgo,_____ de _______, 2009. ________________________________ _________________________________ Assinatura do entrevistado Assinatura do pesquisador responsável

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